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SILVIA DA COSTA
SILVIA DA COSTA
Estou só...
Desdita,
Não me procureis entre os vivos
Nem entre os mortos.
Nem viva, nem morta.
Em doloridos cuidados tocaste,
No amargo sofrer paterno,
Em todo o passado de nossas penas,
Nós, os celebrados filhos de Lábdaco.
Maldito leito de minha mãe,
unida ao seu próprio filho,
meu pai,
nascido dessa mesma desdita mãe,
dos quais eu, infausta sou filha.
Vou, desventurada, habitar com eles
Sem esposo.
Que triste enlace, irmão, alacançaste.
Com tua morte me matas.
Sófocles – “Antígona”
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RESUMO:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 36
INTRODUÇÃO
por um grupo que, ao mesmo tempo, lhe oferece um lugar a ocupar, e lhe destina
vergonha e interdição.
Dentro dessa temática, o presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre
um outro. O grupo que acolhe a criança e que a nomeia, que a terá imaginado,
investido e que lhe fala, não apenas como consequência da língua, mas pelo efeito
proibições e do desejo do grupo, fará com que ocorra várias ações psíquicas que
ser o elo de uma cadeia a qual está submetido e, “ser para si mesmo seu próprio
fim”.
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como ocorre na neurose individual. Desta forma a transmissão psíquica não é uma
simples repetição mas, para além disso, supõe uma produção, psíquica ou cultural.
podem “falhar”, e a transmissão psíquica pode ser alienante e não estruturante para
os descendentes.
destes.
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(1996a), em sua obra “Moisés e o monoteísmo”, onde o autor teoriza de forma mais
biológico como herança genética nos organismos mas, para além disso, em uma
o não dito sobre a história do povo hebreu e de seu grande líder Moisés, como um
violenta do patriarca do povo hebreu opera um corte, uma falha no saber mosaico,
Desta forma, aquilo que continuou agindo nesses restos “esquecidos”, nas lacunas
Moisés foi um príncipe egípcio, e não um hebreu, como aparece nos relatos bíblicos,
chamado Amenófis IV, o qual subiu ao trono do Egito por volta de 1375 a.C.
monoteísta.
único e, a classe sacerdotal até então proibida de prestar culto a outros deuses,
A partir deste fato, sem condições de permanecer em sua terra por motivos
políticos, Moisés “adota” os hebreus estabelecidos no Egito como seu próprio povo,
Em sua peregrinação pelo deserto como líder do povo hebreu, Freud supõe
que Moisés levou consigo um número significativo de egípcios, que eram seus
seguidores e servos mais próximos. Este grupo, apesar de ser em quantidade bem
menor que os judeus, exerceu forte influência sobre estes, pois os egípcios se
mostravam culturalmente mais fortes e possuíam uma tradição que os hebreus não
tinham.
Para Freud (1996a) o homem Moisés não foi apenas um líder político dos
natal, mas também foi seu legislador (tábuas da Lei) e educador, mediador entre
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judeus de outros povos, ou seja, Moisés foi o grande patriarca do povo judeu.
O Moisés egípcio que liderou o povo em sua saída do Egito rumo à terra
Jetro, o sacerdote madianita, não se parece mais com o egípcio neto do faraó, torna-
se, a partir dessas narrativas, um pastor, um homem de Deus equipado por Javé
“adotou” o povo hebreu, até então estabelecido no Egito, apresento-lhes sua crença
forte”, e onde são narradas ocorrências de uma série de revoltas do povo contra sua
dos vizinhos madianitas árabes, a religião que Moisés inseriu ao povo hebreu foi
abandonada, sendo adotado o culto ao Deus Javé, que era predominante naquela
estabelecidas em Cades foi que originou a nação judia, ou seja, o povo de Israel.
Sendo que o selo desta união foi a adoção de uma nova religião, comum a todas as
Com esta união, as doutrinas mosaicas até então “esquecidas” pelos hebreus,
judaica.
longo período de tempo transcorreu, sem que nenhum sinal da religião introduzida
adulta, sendo esta uma fase que tem como especificidade o recalcamento da
sexual que é recalcada, efetua um desvio para um alvo não sexual, sendo investida,
da lei, ou seja, Moisés como Pai simbólico que opera a interdição do gozo.
apagamento das concepções de Deus por Moisés, pode ser tomado como uma
Da mesma forma com que ocorre na neurose individual, aquilo que foi
pelo qual os conteúdos recalcados não são destruídos, mas mantidos pelo recalque,
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a estes conteúdos.
Desta forma, através dos escribas egípcios, registraram por escrito os primeiros
relativos à morte violenta de Moisés, havia entre as gerações uma transmissão oral
ela poderia ser mais verídica que os relatos escritos. Destas divergências entre os
judeu resultou a tradição do povo judeu. Aquilo que foi omitido nos registros escritos
vivido no Êxodo sobreviveu remetido na força das tradições. Em que, para Freud
(1996a, p. 83):
Para a fundação do judaísmo, foi o tempo que se deu após o fato que marcou
o povo hebreu com seus efeitos traumáticos, que foi recalcado, reaparecendo
judaica, e que pode ser usado como exemplo correspondente à transmissão dos
prepúcio (pele que cobre a extremidade do pênis), é uma prática que remete aos
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não ditos da história do povo hebreu, como uma transmissão no corpo, denotando
aquele que opera a função simbólica e que coloca-se como interditor, reforçando a
castração.
Nesse sentido, a herança também se faz via corpo, onde o corpo media a
judaísmo como religião e grupo étnico particular sendo, portanto, sinal de identidade
e diferença.
situação traumática por excelência, como operação simbólica que determina uma
estrutura subjetiva e que decorre da proibição exercida pela função paterna, onde o
dependência e precisa, além de ter suas necessidades orgânicas supridas pela mãe,
investimento subjetivo desta, para que venha estruturar-se como sujeito desejante.
onde, nessa relação a criança apreende sua própria imagem como uma totalidade
constituir uma imagem corporal, esta relação mãe-filho é sustentada por uma ilusão
pela função paterna, interditando a criança de ser o falo materno, fixando limites
nesta relação, onde o pai simbólico instaura a primeira grande lei a qual o futuro
alguém através do qual um ato social se efetua, que intervém como lei para a
criança, inscrevendo o sujeito para além do desejo materno, sendo que a operação
relação mãe-filho, é considerada o trauma humano por primazia, que produz uma
divisão, uma falta que é constitutiva e que possibilita o advir do sujeito desejante.
de Complexo de Édipo.
amnésia infantil relacionada aos traumas sexuais vividos. Nesta fase, ocorre uma
este desejo de completude com a mãe, colocando-se como falo materno, assim
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como o desejo de morte do pai como inimigo simbólico, aquele que precisa ser
sujeito ultrapassar este pai, ou seja, a realização do desejo implica em matar o pai.
este interditar o impossível, e culpa-se pelo desejo de morte do pai, onde matar o pai
outra foi decisiva para perpetuar o judaísmo tornando-o uma tradição tão forte até
os dias de hoje.
nossos ancestrais viviam em hordas e eram governados por um pai tirano, que tinha
por este, colocando fim a horda patriarcal e como forma de identificarem-se com o
pulsional, ao contrário disso, intensificou sua interdição, e o pai morto tornou-se mais
como substituto ao pai que, justamente por estar morto, torna-se representante da
Como este trauma é indizível, é sem palavras, necessita ser contado, o que
lhe atribui um valor de herança arcaica. Desta forma, o assassinato do pai da horda
alcançadas pelo acordo feito entre os irmãos, demonstrando como o pai déspota
superegóica para que possamos viver em civilização, a morte do pai não produz
[...] a herança arcaica dos seres humanos abrange não apenas disposições,
mas também um tema geral: traços de memória da experiência de gerações
anteriores. Desta maneira, tanto a extensão quanto a importância da
herança arcaica seriam significativamente ampliadas.
na religião judaica como uma neurose coletiva, aquilo que no início se constituiu
necessária a queda das figuras onipotentes, para que o trabalho de luto permita a
inscrição da perda como função simbólica onde, tanto o sujeito neurótico, como o
figura tanto do pai como do líder encarna aquele que sustenta a ilusão de salvação
hebreus, e como tal lidera o povo no Êxodo do Egito, colocando-se como interditor
Moisés como egípcio, traz a ideia de Pai como estrangeiro, aquele que vem
de fora e, assim como em Totem e Tabu, é vencido e assassinado, onde mais uma
registrados e impressos nos textos bíblicos, permitindo sua leitura. Mas a omissão
quanto aos fatos, causou uma deformação nos registros, esta falsificação da letra é
onde situa-se a segunda morte de Moisés, como apagamento e que, segundo Freud
(ano), irá sustentar o desmentido da primeira morte. Desta forma, o saber é escrito
distorções apresentadas nos textos trazem honra ao Deus Javé e, segundo Freud
(1996a), esta honra deveria ser conferida a Moisés, o que opera a escrita como
Para Freud (1996a), a herança arcaica que acompanha a lei foi preservada
como escritura, transmitindo-se pela letra, sendo este saber escrito, saber
deformado, que vem a destacar no “a posteriori”, como retorno daquilo que estava
suspenso pelo recalque. Uma vez que, o elo transferencial com o Pai e com a Lei,
observando que, inevitavelmente, uma geração não pode existir sem a que a
precede, e deve gerar outra para dar continuidade a vida além de seu
SEUS EFEITOS
pensamentos, afetos ou histórias de uma pessoa para outra, de uma geração para
outra. Para tanto, nos iremos nos deter às operações psíquicas, sem as quais não é
de simbolização.
funcionamento mental.
satisfação, uma energia interna enorme, que é alterada pelas exigências do mundo
prazerosos, o sujeito, de certa forma, é convocado a lidar com esta realidade que se
em alguns casos, a repetição não tem como objeto experiências agradáveis, mas
sim experiências que causaram sofrimento, vindo a descobrir uma outra força que
mãe.
forma que ficasse escondido e puxá-lo novamente, para que reaparecesse. Nesta
corpo da mãe e vindo a marcar seu próprio corpo. Esta perda momentânea da mãe
saídas da mãe, as quais vivenciou passivamente e, desta forma, pondo fim, através
reencontro com a mãe, facilitando à criança suportar sem angústia sua ausência.
Freud também observou nesta situação lúdica que, por mais que o
analista, sendo estas comunicadas ao paciente. Para que a terapia tenha efeito, o
como se fosse uma experiência contemporânea, em vez de... recordá-lo como algo
por uma compulsão, como força que comanda e pela qual o sujeito insiste em repetir
Esta outra força que opera para “além do princípio do prazer” relaciona-se a
um fluxo pulsional feroz, denominado por Freud (1996b) de catexias móveis, onde o
tendência desta substância viva é voltar a esse estado anterior, ou seja, retornar ao
estado inanimado.
Freud (1996b, p. 54) coloca que pulsão é “um impulso inerente à vida
constituinte originário, quando é preciso que algo se inscreva para que haja vida,
para que possa haver psiquismo, sendo por meio da compulsão à repetição que a
transbordamento, sendo que este resto se repete compulsivamente, como algo não
busca de satisfação plena, conduzindo-se pela via mais curta que é a descarga
imediata.
por uma soma de manifestações afetivas, cuja importância o aparelho psíquico não
tem condições de assimilar, por tratar-se de quantidade, fazendo com que o sujeito
retome o que não foi consumado, ou seja, a vivência traumática, cujo sofrimento
mesmo e sua busca é de um objeto impossível de ser atingido. Para ele, a repetição
simbólico.
pertence ao sujeito, mas que não foi dito, que não lhe é conhecido, sendo sempre o
encontro com o real faltoso, aquilo que se encontra sempre no mesmo lugar. Desta
forma, está sempre em busca de simbolização, que só seria possível de ser atingida
através da fala, das palavras e, caso isso não ocorra, segue insistindo em repetir. Já
significante, portanto, daquilo que já foi inscrito. Logo, trata-se dos referenciais
simbólicos, aqueles que podem representar a falta, vindo a permitir que cada
integrante do grupo familiar construa sua própria história a partir daquilo que lhe foi
127)como um conceito:
erógeno, onde era instinto (puramente biológico) surge a pulsão, justamente neste
estimulação externa o aparelho psíquico possui uma saída motora que é a fuga, as
não há como mover um mecanismo de fuga, pois o psiquismo não possui proteção
Esta constante pressão que pulsão opera, estimula a exigência de uma saída
Sendo assim, o psiquismo surge, justamente, para dar conta do “caos” que
pensar, significar e a dar um sentido a vivências que podem ser, por vezes,
consciente/consciente.
palavra.
conhecida, justamente por ser indizível, para esta marca não há palavras, não
mensagens alheias, que são recebidas pelo sujeito a partir de sua forma singular de
compreensão.
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das gerações.
imortalidade. Assim, é através do filho que os pais têm seu narcisismo renascido e,
através deste reviver narcísico investido no filho, possibilitará que este tenha, aos
poucos, uma imagem unificada de seu próprio corpo, ou seja, possibilitando ao filho
Freud (1996b) chamou de “eu ideal”, como um caminho em busca do narcisismo dos
advir um sujeito.
narcísica, operando agora, pelo caminho das identificações. Assim, para encontrar a
palavras que irão permitir que essa criança venha a falar e a fazer conexões entre o
constitutivo e constituinte do sujeito, por intermédio da qual alguém pode fazer parte
do sujeito.
versa sobre a transmissão psíquica entre as gerações aborda a distinção feita por
se recebeu em algo próprio, quando o sujeito é capaz de apreender o que lhe foi
constituição do sujeito, como supereu e ideal do eu, podem também ser transmitidas
estando sempre presentes nas histórias familiares. Assim, pode-se dizer que os
segredos são histórias que não são contadas, sendo que a sua transmissão pode
sua subjetivação.
Em vista disso, ainda citando Mazzarela (2006, p. 113), a autora nos traz que
Apesar de não faladas, essas histórias perseveram nas gerações que as precedem
2006).
alude ao campo do que um dia foi dito. Como segredo, trabalha-se com um
Quanto ao segredo como não-dito do inominável ou, daquilo que não se falou
por ser indizível, por não haver palavras para descrevê-lo, encontra-se fora do
registro do inscrito. Este tipo de segredo circula entre os elos da corrente geracional
como indizível, forcluído, não amarrável. Assim, sem conexões possíveis, está
experiências são transmitidas por outros caminhos que não o do recalque. Estas
vivências traumáticas que, por sua força e agressividade, impossibilitam aqueles que
não elaboradas, deixam às gerações posteriores afetos que não foram suportados e,
aqueles que não podiam falar com seus filhos sobre o fato, e aqueles que
declaravam a impossibilidade das palavras expressarem aquilo que foi ouvido, visto
ocorrência intolerável. Logo, não se pode fazer alusão a algo ao qual não se têm
palavras.
tornando o homem herdeiro daquilo que, dentro de seu grupo de origem, se produziu
do grupo. Certos conteúdos podem, e serão, impostos às gerações que virão mas, a
transmissão tem a característica de não ser passiva, havendo, por meio daquele
Assim, podemos dizer que pagar o preço de nos tornarmos sujeitos, ocupar
assumir nossa herança de ditos e não-ditos, dos silêncios , dos excessos, do vazio,
enfim, daquilo que se apresenta na história de cada um. Arcar com a herança é
poder retomar a transmissão com um aspecto inovador para o sujeito, ou seja, sob
CONCLUSÃO
pelo grupo, pelos arranjos e pelas formações psíquicas em ação. A junção destes
imposto, forçado, existe a possibilidade deste sujeito ser pensador e criador do que
algum trabalho de elaboração. É necessário dizer algo, mesmo que esse algo nunca
algum acesso a origem para que se conceda um sentido à existência e, para que,
que passa a fazer parte da história de vida do paciente, é também preciso levá-lo a
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os limites do representável.
reconhecimento, pelo paciente, de sua alienação diante daquilo que foi herdado,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS