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Questão 1

As análises marxistas da educação buscam revelar as vinculações que as diversas


instituições de ensino apresentam com a sociedade de classes, da mesma forma que as
concepções pedagógicas que as orientam, também apontando as contradições que as
caracterizam. Primeiramente, entende-se que a escola moderna, tendo em vista que o seu
surgimento está associado ao desenvolvimento do capitalismo, empreendeu, durante o século
XX, um processo de expansão, incluindo setores da classe trabalhadora, logo desempenhando
um papel importante para a permanência da dominação burguesa sobre o proletariado. Esta
função refere-se a formação de mão de obra e imposição de valores que estejam de acordo
com a manutenção da ordem social (SAVIANI, 2011, p. 8).

Contudo, ao mesmo tempo, a escola deve ser entendida como “espaço de luta de
classes”, o qual “reflete as relações conflituosas entre dominantes e dominados e a luta
incessante dos trabalhadores contra a exploração e opressão”(ibid, p. 9). Nesse sentido, na
perspectiva marxista é ilusão pensar que existam atividades pedagógicas que não sejam
conflituosas, estas, enquanto resultado de uma produção de conhecimento, que se dá,
invariavelmente, por meio de uma luta de ideias, são também uma manifestação das lutas de
classes. Assim, visto que a “escola tem caráter de classe”, “é ilusório considerar possível a
neutralidade na definição dos conteúdos curriculares, porque eles são carregados de marcas
ideológicas e têm conteúdos de classe” (ibid, p. 12)

Desse jeito, é possível compreender os debates recentes que envolvem a educação e a


sua relação com a conjuntura política do país. Sobretudo as movimentações em torno do
“Movimento Escola Sem Partido”, criado em 2004 pelo procurador do estado de São Paulo,
Miguel Nagib, que proporcionaram a criação de um projeto de lei, o PL nº 193/2016, de
autoria do Senador Magno Malta (PR-ES). Ao estudar estes fenômenos sobre a luz do
pensamento de Gramsci, Simone de Fátima Flach aponta que

os fatos corroboram a onda conservadora que invade os diversos setores da


sociedade e a escola se torna o locus privilegiado para fortalecer as defesas
conservadoras retrógradas de grupos que têm como meta tornar as pessoas
subservientes a um posicionamento tomado como detentor de verdade
inquestionável (FLACH, 2017, p. 38)

Com isso, é evidente que o movimento dialoga com grupos sociais privilegiados e
comprometidos com a preservação da ordem, ou seja, conservadores. De acordo com Flach,
“os impactos de uma proposta que têm seu alicerce no solo pantanoso do conservadorismo
afetam toda a população, omitem a luta de classes, condenam os mais pobres ao conformismo
pregado por seitas religiosas e, ainda, impedem uma visão crítica sobre a realidade vivida”.
(ibid, p. 36).
Sob outra perspectiva, também atuam, nesse sentido, diversos grupos empresariais,
principalmente aqueles organizados no movimento Todos Pela Educação (TPE), os quais
advogam em favor do “estreitamento curricular”, difundindo as recomendações dos
organismos internacionais, o qual dá “ênfase nos conteúdos cognitivos e disciplinares
previstos nas avaliações de larga escala em detrimento do desenvolvimento dos sentidos
psicomotor, estético, artístico” (GAWRYSZEWSKI; MOTTA, 2017, p. 21). Portanto,
a concepção de educação que se busca hegemonizar, articula a falta de pluralidade,
de debates e de criatividade com o estreitamento do conteúdo escolar, priorizando
aqueles considerados úteis para o suposto desenvolvimento econômico, em
conformidade com a agenda da OCDE. Esta concepção de educação estabelece uma
relação direta e restrita da formação humana à dinâmica do mercado e concebe o
trabalhador como um dos fatores da produção que, se adquirir habilidades e
competências em especificidades do processo produtivo, pode gerar produtividade
e competitividade(ibid, p. 22)

Isso tudo se constitui enquanto manifestação de um processo de construção de


hegemonia, que por sua vez, responde aos anseios de um bloco histórico concreto e
hegemônico. Dessa forma, ela identifica o “Projeto Escola sem Partido” como “uma das ações
na luta pela hegemonia conservadora” (FLACH, op. cit., p. 39). Aqui, é necessário ressaltar
que para Antonio Gramsci, “a luta de classes tem como terreno prévio as disputas em torno
dos aparelhos privados de hegemonia”, o que assumiria a feição de “uma tática de ‘guerra de
posição’” (GAWRYSZEWSKI; MOTTA, op. cit., p. 11). Em vista disso, Por fim, observa-se
também a parcialidade da visão da realidade social enunciada pelo Projeto, “que ganha forças
por meio de um processo hegemônico que nunca descansa, que funciona como um verdadeiro
‘canto da sereia’, seduzindo e conduzindo os desavisados à destruição e à morte” (FLACH,
op. cit., p. 46), demonstrando assim, os interesses de uma classe ou fração de classe, que não
deixa de expressá-los, para além de sua dimensão material, no campo da educação e da
cultura, com objetivo de afirmar sua posição a partir da criação de um certo consenso.
Ainda, tendo em vista o esgotamento dos governos petistas, que se caracterizam pelo
fato dos setores historicamente dominados terem ascendido ao poder do Estado, conferindo
“a direção moral da sociedade” (GAWRYSZEWSKI; MOTTA, op. cit., p. 12), o que
explicita, por outro lado, um certo consentimento por parte das classes dominantes em serem
conduzidas politicamente, denota-se que a “hegemonia, no sentido de articular força e
consenso, é dotada de um equilíbrio instável nas relações entre grupos sociais que se
defrontam na luta de classes”(ibid, p. 14). Conforme esse projeto demonstrava sinais de
fraqueza, haja vista os efeitos da crise do capital, emergiram um conjunto de movimentações,
visto que a luta de classes se acirrava naquele momento, que podem ser definidas enquanto
uma ofensiva “conservadora-liberal” com pautas extremamente heterogêneas e contraditórias,
alicerçadas em padrões morais e éticos. Logo, fica claro que “a crise orgânica do capital não
se restringe aos âmbitos econômico e político, mas ideológico também”(ibid, p. 16). Em
contrapartida, torna-se possível concluir que as concepções de educação desenvolvidas e
difundidas pelo “Movimento Escola Sem Partido”,
se alinham com as forças materiais nesse momento de crise, e que para obter
hegemonia implementam um processo pedagógico que requer o amplo controle da
educação pública, principalmente, das redes públicas de ensino básico onde acata a
grande parte da população estudantil” (ibid, p. 26)

Finalmente, pode-se encontrar em Gramsci algumas reflexões sobre a “crise da escola”


que ajudam na compreensão desses fenômenos já enunciados. Segundo ele,

Pode-se dizer, aliás, que a crise escolar que hoje se difunde liga-se precisamente ao
fato de que este processo de diferenciação e particularização ocorre de modo
caótico, sem princípios claros e precisos, sem um plano bem estudado e
conscientemente estabelecido: a crise do programa e da organização escolar, isto é,
da orientação geral de uma política de formação dos modernos quadros intelectuais,
é em grande parte um aspecto e uma complexificação da orgânica mais ampla e
geral. A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema
racional: a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, enquanto a
clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais (GRAMSCI, 2000, p.
33)
Desse modo, Gramsci entende que as crises que envolvem a escola no capitalismo,
relacionam-se com sua organização, que, notoriamente, não pode ser destacada do seu
“caráter de classe”, que a conformam de maneira fragmentária, isto é, seguindo uma lógica
que separava as classes dominantes, que se dirigem para círculos mais voltados para uma
formação de intelectuais e as classes produtoras, as quais são, quase sempre, obrigadas a
cursar o ensino técnico ou “profissional”. A esta ideia de escola, Gramsci contrapõe um
projeto de “escola unitária”, que tem como objetivo integrar esses dois elementos, conjugando
trabalho intelectual e industrial, construindo uma articulação que “tenha uma centralização e
um impulso da cultura nacional que fossem superiores aos da Igreja Católica” (ibid, p. 41),
dessa maneira, desenvolvendo as capacidades individuais das massas populares. Saviani
resume que:
Todas essas exigências (a formação multifacética, a relação dialética teoria-prática,
a estruturação num sistema nacional de educação) definem o caráter unitário de uma
escola democrática: ESCOLA UNITÁRIA – a que busca unidade, não a
uniformidade. Nada tem a ver com a escola “única” da proposta liberal-burguesa ou
de sua versão, recomposta, de “escola única diferenciada”. É parte integrante da
proposta socialista de escola única do trabalho, só possível à medida que forem
eliminadas as condições geradoras da diferenciação e da desigualdade social,
realizável na sociedade sem classes. ESCOLA UNITÁRIA – a escola da sociedade
socialista, em que é possível tomar as medidas para o encurtamento das distâncias
entre trabalho manual e intelectual, trabalho do campo e da cidade, trabalho do
homem e da mulher... E tantos outros antagonismos da sociedade capitalista
(SAVIANI, op. cit., p. 13)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FLACH, Simone de Fátima. O retrocesso conservador do projeto “escola sem
partido”: uma análise ancorada no pensamento de Antonio Grasmci. Revista Pedagógica, v.
19, n. 42, p. 34-48, set./dez.
GAWRYSZEWSKI, Bruno, MOTTA, Vânia Cardoso da. A ofensiva conservadora-
liberal na educação: elementos para uma análise da conjuntura contemporânea. Trabalho
Necessário[online], v. 15, n. 26, p. 6-29, jan./abr., 2017.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 2: Os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
SAVIANI, Nercide. Escola e luta de classes na concepção marxista da educação.
Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 3, n. 1, p.7-14; fev. 2011.

Questão 2

Sim. Apesar da democratização da escola e das universidades, a escola ainda cumpre


o papel de ser a reprodutora das desigualdades, ou seja, hierarquizando assim a educação,
entre aqueles que detêm capital econômico ou cultural, conforme aponta Bourdieu. Logo,
diante dessa circunstância, é possível afirmar que a escolha pelos cursos de licenciatura no
Brasil é motivada pelo fácil acesso ao ensino superior.
Em geral, perceptível que os alunos que ingressam nas licenciaturas fazem parte das
camadas populares, isso é, não detém o capital econômico e consequentemente, não possuem
recursos para conseguir investir em ações culturais, ou seja, não detém o capital cultural –
termo referente ao conjunto de códigos e condutas de valor cultural para tal sociedade que
nem todos possuem, principalmente os das baixas camadas da sociedade, mas não se restringe
ao fator econômico –. O fato de ter um grande acesso devido a abertura de matrículas para os
cursos de licenciatura, nos últimos anos, contudo, pode ser explicado pela necessidade que
esses indivíduos têm de completar seus conhecimentos ou, então, de conseguir um melhor
espaço no mercado de trabalho, para atender melhor às demandas de mercado.
Ainda que tal profissão esteja enfrentando problemas, o ingresso a esses cursos se dá
pelo fácil acesso à universidade. Em geral, o acesso à licenciatura não se trata do caráter de
livre escolha ou amor pela profissão, mas sim, pela possibilidade de estar dentro da
universidade. Diante desse quadro, o que se percebe é a clara divisão entre cursos elitizados
– Medicina e Engenharias – e os popularizados – Licenciaturas –, ou seja, é perceptível que
alunos oriundos de famílias com maiores condições de renda, vindo de escolas com maior
preparo para vestibular, ingressam com mais facilidade nos cursos de maiores prestígios,
enquanto os alunos oriundos das camadas populares, vindo de colégios precários, tendem a
ver a universidade como um mecanismo de mobilidade social. Segundo Bourdieu, a escola
apesar de adotar um discurso de democratização do ensino, se coloca como uma reprodutora
das desigualdades, só que não mais visível ou institucionalizada, mas sim implicitamente. O
vestibular, portanto, no Brasil, se torna um meio de “afunilamento”, visto que os alunos que
detém o capital cultural ou o econômico, conseguem ingressar nos cursos de prestígio e
melhores colocações no mercado enquanto aqueles que não possuem esse capital, em geral,
tendem a seguir os cursos de licenciatura, pela menor concorrência e pelo maior número de
vagas, abrindo a possibilidade de entrar na universidade.
Diante dessa hierarquia criada entre cursos de maior e menor prestígio, acaba-se
criando uma problemática presente no cenário brasileiro, os cursos por terem melhor
prestígio, um bom espaço no mercado de trabalho e também melhores condições de trabalho,
seus acessos tornam-se extremamente concorridos, resultado disso, “vence” aquele que
conseguiu melhor se adequar a lógica escolar, isso é, aquele que se destacou no ensino,
revelando assim o caráter que Bourdieu atribui à escola e a todo sistema educacional:
reprodutora das desigualdades sociais. O que se observa, portanto é que os cursos de maiores
prestígios tornam-se distantes para esses alunos oriundos das camadas populares e que não
detém os variados tipos de capitais, ou seja, tendo sua trajetória escolar e econômica
desfavorecidas em relação à outra camada.
Todo esse contexto de desigualdades na trajetória escolar daqueles que vieram das
camadas populares, é mascarada pelo discurso da democratização do ensino. Observa-se que
muita abertura aos cursos de licenciatura não tem sido significado de melhoria nas condições
de qualificação desses profissionais. Sendo assim, o discurso de mobilidade social que a
escola propõe, se coloca falsa quando, esses estudantes, na expectativa de ingressarem nas
universidades para melhorarem suas condições de vida e se ajustarem ao mercado, encontram
na profissão do magistério uma extrema desvalorização, péssimas condições de trabalho e
diversos risco. De acordo com Bourdieu em seu texto “Excluídos do Interior”, essa falsa
promessa de mobilidade social e democratização de ensino proposta pela escola, torna ainda
mais cruel o contexto de desigualdades, pois, agora coloca sobre o indivíduo a culpa de seu
fracasso profissional.
Portanto, a crise da instituição escolar se dá por justamente todo esse contexto de
desigualdades e sucateamento da educação. O baixo incentivo dado a esses profissionais,
atrelado a alta desigualdade social, coloca em cheque a vontade de prosseguir nessa profissão,
que viam na mesma a possibilidade de transformação de sua realidade de classe. Vendo o
quadro do magistério no Brasil, é possível perceber a clara ideia de Bourdieu sobre a escola,
reprodutora de desigualdades. Se antes a educação era institucionalizadamente exclusiva,
hoje, implicitamente, ainda se reproduz certas desigualdades, fazendo com que não haja
possibilidade de ascensão social e dependente das camadas mais altas da sociedade, tornando
mais difícil a tão sonhada mobilidade social

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

de CARVALHO, Tatiane; BRITO, Nathane; TELES, Luana. A Escolha pela Profissão


Docente: quem são os alunos das licenciaturas?. Democratizar, v. IX, n. 2, jul./dez. 2016.

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