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A HERANÇA DO PASSADO ENTRE A ORDEM E A REVOLUÇÃO:

Ordem e Revolução no pensamento de


Oliveiros S. Ferreira

Autor: Ricardo Gustavo Garcia de Mello

Titulação: Mestrando PROLAM-USP/ CAPES

e-mail: ricardomello@hotmail.com.br

A HERANÇA DO PASSADO ENTRE A ORDEM E A REOVLUÇÃO:

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Ordem e Revolução no pensamento de Oliveiros S. Ferreira

Ricardo Gustavo Garcia de Mello1

RESUMO: O texto tem por meta repensar as categorias Ordem e Revolução para além
da visão maniqueísta Passado VS Futuro. De acordo com Oliveiros S. Ferreira Ordem e
Revolução devem ser concebidas a luz da consciência histórica, o que significa ter
ciência que o desejo de mudança mais radical só tem sentido e probabilidade de
acontecer se respeitar as linhas gerais do processo histórico ou souber reconhecer o
legado deixado pela “razão das gerações mais antigas”. É só a partir da aceitação desta
herança que a sociedade pode criar um ponto de partida revolucionário, sem naufragar
em sucessivas rebeliões e golpes de Estado. O respeito pelo passado não é sinônimo de
glorificação dos mortos é antes a consciência de que o passado não é de se jogar fora, só
é de se jogar fora aquilo que esta intrinsecamente superado pelo presente, nós termos de
Marx a revolução tem que deixar os mortos enterrarem os seus mortos. Em suma as
extremidades Ordem e Revolução estão presentes em todas as sociedades em diferentes
gradações e as chamadas “sociedade modelares” são aquelas que souberam
contemporizar na “medida exata” a Ordem, o principio inerente responsável pela
continuidade de todos os tipos de organização social com o desejo de autonomia e
independência inerente as sociedades em Revolução.

PALAVRAS-CHAVE: Ordem e Revolução, mudança social, Oliveiros S. Ferreira

Tópicos do artigo: No primeiro momento trataremos da mudança social e da


práxis política presente na relação entre dirigentes e dirigidos. No segundo momento
iremos pensar a ideia de processo social a partir das categorias Ordem e Revolução. No
terceiro momento iremos abordar as relações entre o passado e o presente. No quarto
momento iremos tratar da importância da herança do passado como legado
revolucionário.No quinto momento será abordado os diversos sentido que a palavra
Ordem pode portar. E por fim iremos realizar uma conclusão.
1. A Mudança Social

Ricardo Gustavo Garcia de Mello; PROLAM-USP, ricardomello@hotmail.com.br; Titulação:


1

mestrando.

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A mudança social é um dos temas centrais da sociologia-política, já que as
sociedades humanas se encontram em transformação permanente dada pela crescente
autonomia das condutas individuais, por mais estagnadas que certas sociedades
pareçam ser elas só podem existir dando respostas dinâmicas ás necessidades de
independência do grande numero. A resposta a tais demandas é dada através de um
melhor arranjo das organizações superestruturais, ou em termos simples, adaptação das
instituições para atender as demandas, o que significa estar em constante mudança,
ainda que esta seja pouco visível. Por outro lado a afirmação da necessidade mudança
não nega a necessidade da conservação de certos parâmetros institucionais, ou
organizações superestruturais que confiram as relações um mínimo de ordenação e
autoridade, sem referência normativa as sociedades não podem sobreviver, se cai no
estado de caos.

No tipo-ideal de sociedade sua existência depende da manutenção do equilíbrio


dinâmico entre mudança e conservação. A sociedade para existir tem que ser estável
sem ser estática e ser dinâmica sem ser frenética.

De acordo com Raymond Aron e Florestan Fernandes [2008] podemos dizer que
uma das duas categorias centrais da sociologia são a estática e a dinâmica ou, em termos
simples, a conservação e a mudança. A importância do equilíbrio dinâmico entre
mudança e conservação já estava presente nos primórdios da sociologia positivista de
Augusto Comte. Onde suas categorias centrais de pensamento são a estática e a
dinâmica. A estática social consiste nos elementos formadores do consenso, é ela que
faz do conjunto de indivíduos, coletividades e instituições um todo orgânico. O estudo
da estática busca apontar quais são os elementos fundamentais capazes de fazer dos
agregados uma sociedade, descobrindo assim os princípios que regem todo tipo de
ordem social. A tradição é um dos elementos fundamentais da ordem social, pois a
humanidade, nos termos de Comte, é composta mais de mortos do que vivos. Parcela
significativa da razão de ser da ordem social está em saber que nós mortos se guarda o
legado das experiências passadas, a chamada tradição.

Em termos simples a estática social só existi onde houver laços de solidariedade


recíproca entre indivíduos, grupos e instituições, é esta solidariedade que gera a ordem
essencial de toda sociedade. E a dinâmica social em Comte é mais do que a sucessão

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dos grupos e instituições e formas sociais, ela é antes de tudo o evolver da ordem. A
dinâmica está subordinada à estática, porque é só partir da ordem que as sociedades
progridem. Logo nesta chave de pensamento, ordem e progresso são termos
indissociáveis: “O progresso é o desenvolvimento da ordem” [COMTE apud ARON,
1999]

O progresso em Comte não vem sem a Ordem, porque se não houvesse uma
ordem que descobrimos ser a nossa origem e nosso principio como sociedade, não
haveria possibilidade de conceber laços de solidariedade recíproca, e chegaríamos num
estado de caos.

A temática da conservação e da mudança social também foi levantada pelo


marxismo este em vez deste pensamento priorizar a ordem ou a estática social como faz
o positivismo, ele prioriza a mudança, se contrapondo a ideia de Comte de que o
progresso humano derive da evolução da ordem. A mudança para o marxismo responde
as necessidades intrínsecas de autonomia e independência humana. Porque se o homem
aceitasse sua condição sem contestar, este não sentiria a necessidade prática de
transformar o mundo e de se transformar. Por isto o homem no marxismo é antes de
tudo práxis [Vázquez, 2007]

A práxis é a atividade ou ação exercida por um sujeito que modifica dada matéria. Mas
nem todo atividade pratica é práxis. Por práxis entendemos a ação exercida por um
sujeito cuja finalidade é modificar direta ou indiretamente outro sujeito. Nisto ela se
difere da mera ação instrumental ou da pratica pura onde a relação de transformação se
dá entre sujeito e objeto. A práxis se difere dos outros tipos de atividade porque o
homem é sujeito e objeto da ação. A práxis é atividade cujo ator é o homem, e a matéria
sobre qual agi se não é diretamente o homem ao menos faz parte dele. Outra
característica que difere a práxis da pratica instrumental, é que sua atividade é dirigida
por um fim ideal. O fim ideal é o motivo/sentido da ação que busca transformar
objetivamente a realidade.

Mas a Práxis social nos revela uma problemática bem observada na carta de F.
Engels a J. Bloch, datada de 1890:

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A história se faz de tal modo que o resultado final sempre deriva dos conflitos
entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o que é
por efeito de uma multidão de condições especiais de vida; são, pois
inumeráveis forças que se entrecruzam umas com as outras, um grupo
infinito de paralelogramos de forças, das quais surge uma resultante – o
acontecimento histórico – que, por sua vez, pode ser considerado como
produto de uma potência única que, como um todo, atua sem consciência e
sem vontade. Pois o que um individuo quer tropeça na resistência que o outro
lhe opõe, e o que resulta de tudo isso é algo que ninguém quis. Desse modo,
até aqui a história transcorreu como um processo natural e submetido
também, substancialmente, às mesmas leis dinâmicas. Mas, do fato de que as
distintas vontades individuais [...] não alcancem o que desejam, e sim se
fundem todas em uma média total, em uma resultante comum, não se deve
inferir que essas vontades sejam igual a zero. Pelo contrário, todas
contribuem à resultante e se encontram, portanto, nela incluídas.” [ENGELS,
apud VÁZQUES, p.459-460, 2007]

Desta passagem de Engels podemos deduzir que: a) cada individuo age na


sociedade em busca dos próprios fins; b) os fins individuais que aspiram só podem ser
obtidos em sociedade, ou seja, dependem de outros indivíduos para consegui-los; c) o
produto final das ações é dado pelos diversos resultados objetivos das ações individuais
que se entrecruzam e se opõem entre si, produzindo uma resultante ou media comum, na
qual todos os indivíduos contribuíram de modo consciente e inconsciente para o seu
resultado; d) Sendo as ações dirigidas por um fim ideal individualista, onde cada um
persegue os seus próprios, só pode resultar em ganhos sociais indesejados.

Em suma nós encontramos diante de uma sociedade histórica que passa pela
ação dos homens e ao mesmo tempo, é superior à ação de cada um deles. Porque cada
individuo agindo ainda que racionalmente em função de seu interesse, contribui
socialmente para a não realização dele, já que cada um agindo em função do próprio
interesse contribui para realização de um fim social estranho à todos.

A partir das ideias de Adolfo Sánchez Vázquez podemos dizer que o


materialismo histórico-dialético aponta para a inversão de um dos pilares básicos do
liberalismo, cuja proposição básica é: cada individuo trabalha pelo interesse da
coletividade, ao trabalhar pelo interesse próprio. No marxismo cada individuo
trabalhando pelo seu próprio interesse só contribui para o desencontro, reforçando a
desorganização. O grande numero ou o homem simples verifica no cotidiano, tal
discordância entre o fim ideal de suas ações e o produto real de suas ações. Ao mesmo
tempo que percebe que só uma minoria tem suas expectativas atendidas ou objetivadas
historicamente.

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Tais minorias vitoriosas que no fim do processo tiveram suas expectativas
atendidas e objetivadas na história foram estudados por Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto
e Robert Michels, a tais minorias, damos o nome de Elite dirigente.

Em todos os tipos de sociedade se pode destacar uma minoria que dirige e uma
maioria de dirigidos, em suma dirigentes e dirigidos. A primeira, sempre menos
numerosa, exerce todas as funções políticas ordenadoras, monopoliza o poder e goza
das suas vantagens, enquanto a segunda, mais numerosa, é dirigida e controlada pela
primeira, ora de modo mais ou menos legal, ora de maneira mais ou menos arbitrária. O
grande numero adere à estas minorias porque seus membros possuem um raro atributo,
real e aparente, que é altamente valorizado e de muita influência na sociedade, a
capacidade de organizar. O grande numero por ser incapazes de se organizar é obrigado
a sustentar os privilégios da minoria organizadora
Isto é um fato a direção da vida política das sociedades está nas mãos de uma
minoria de pessoas influentes que a maioria aceita conscientemente e inconscientemente
devido à incapacidade de ser organizar.
A capacidade diretiva que a minoria tem sobre a maioria desorganizada reside no
fato desta minoria ser bem organizada. O poder destas minorias é forte porque ao se
dirigir contra cada um de nós membros da maioria, que mesmo em vantagem numérica,
por não sermos organizados, nós agimos isoladamente, se vendo sozinhos em face de
uma totalidade a minoria organizada. Porque o membro da maioria não se compõe numa
totalidade, mas num agregado, pois não cooperam. O homem simples é mais um na
multidão denominada massa que foi pulverizada em tantos átomos, que a única
orientação que tem é a de cada um lutar pelos seus próprios interesses.
Um das lições políticas que podemos tirar da práxis humana, no que lhe diz
respeito às relações entre dirigentes e dirigidos é que:
“Cem homens agindo uniformemente e em conjunto, com uma mesma
compreensão das coisas, triunfarão sobre mil homens que não estão de
acordo e que, portanto podem ser encarados individualmente.” [MOSCA,
ver Sociologia Política vol I,]
Tal protagonismo das minorias na história das revoluções foi constatado por Friedrich
Engels na introdução à edição de 1895 do texto As lutas de classes na França de 1848 a
1850 de Karl Marx.

“Todas as revoluções até hoje resultaram no desalojamento de uma


determinada dominação de classe por outra; todavia, todas as classes que até
agora dominaram eram pequenas minorias face à massa popular. Uma

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minoria dominante era assim derrubada, uma outra minoria empunhava no
seu lugar o leme do Estado e modelava as instituições estatais segundo os
seus interesses. Esta última era sempre o grupo minoritário capacitado e
vocacionado para a dominação pelo nível do desenvolvimento político, e
precisamente por isso, e só por isso, acontecia que na transformação
(Umwälzung) a maioria dominada ou participava a favor daquele ou aceitava
tranqüilamente a transformação. Mas, se abstrairmos do conteúdo concreto
de cada caso, a forma comum de todas as revoluções era elas serem
revoluções de minorias. Mesmo quando a maioria cooperava – cientemente
ou não, isso acontecia apenas ao serviço de uma minoria. Desse modo,
porém, ou também pela atitude passiva e sem insistência da maioria, essa
minoria alcançava a aparência de ser a representante de todo o povo.”
[MARX, 2008, p.43]

Para Engels mesmo com o movimento irreprimível das massas , a participação


do grande numero em sí não transforma a revolução da minoria na revolução da
maioria. Porque em vez de uma maioria triunfar, o que se viu foi uma nova elite
dirigente depor uma minoria incapaz de dirigir. Para isto a minoria vitoriosa deve antes
que se mostrar como representante de toda a sociedade, sendo por ela de um certo modo
“eleita” através da sua capacidade de construir um consenso acerca de qual seria os
objetivos coletivos primários, que estão acima de qualquer interesse individual
imediato, de maneira que a organização prevaleça sobre os fins particulares.

As massas são a força motriz, o motor da história, mas não a força dirigente.
Porque as massas estás deixadas a própria sorte, não são capazes de se organizar, elas
devem ser organizadas por uma minoria, o chamado escol revolucionário ou Partido.
Tal escol ou Partido é a força dirigente, é ele que direciona ou canaliza a energia das
massas. Se as massas são o motor da história, o Partido é o leme. Como Engels
alertava, a disposição das massas para fazer a revolução não garante seu sucesso, para
isto é necessário organização, disciplina, discernimento e direção, elementos que só uma
minoria de comandantes podem fornecer. Porque diante de um embate de forças o grupo
vitorioso, não é simplesmente o mais numeroso, mas aquele que tiver superioridade
estratégica, instrução, atuação planejada, e disciplina para poder executar com coerência
os fins desejados, nisto reside a necessidade política da Elite dirigente ou Partido.

Não queremos dizer que os movimentos de massa eram tão só produto de


“minorias organizadas” que empurravam a “maioria silenciosa” que aceitava
passivamente serem conduzidas. O queremos afirmar é que a história tem sido uma
sucessão de elites dirigentes. Em outras palavras a história tem sido sempre escrita por

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minorias organizadas. Para nós é a organização a condição indispensável para intervir
nós fatos sociais e fazer história, tais minorias conduzem o processo pelo fato de se
reunir numa unidade de decisão e ação, detendo assim o poder de assegurar ou desafiar
outra organização, o Estado. E disto deriva o conflito entre os defensores do status quo
e os Insurgentes que marca a história das sociedades deis de sempre.

Daquilo que foi dito acima podemos conceber uma ideia da práxis política. A
práxis política, em sentido lato, é atividade social onde o homem é o sujeito e o objeto
da práxis, ele atua sobre o outro ao mesmo tempo em que atua sobre sí, a matéria prima
a ser transformada no processo é a sociedade. Em sentido restrito podemos dizer que a
práxis política é atividade da organização por excelência, que busca reunir numa
unidade de decisão e ação um grupo que têm por objetivo ocupar o núcleo do poder para
transformar ou reforçar a ordem social. Logo o domínio da práxis política é de
importância vital na Ordem e na Revolução.

2. Equilíbrio social e suas extremidades: Ordem e Revolução

Tomada as coisas nós seus extremos, a Ordem concebe a sociedade feita e


estruturada e a Revolução concebe uma ruptura radical e uma sociedade a ser criada, é
isto que a diferencia pura destruição.

A Ordem concebida na sua extremidade lógica leva ao fatalismo por considerar


o mundo e os acontecimentos algo produzido de modo irrevogável, não crendo ser
possível haver margem para ação transformar a estrutura social, sendo tal estrutura o
única acabamento social possível. Agora a Revolução concebida na sua extremidade
lógica leva ao voluntarismo que concebe a estrutura social e os acontecimentos como
produto do querer, crendo que a realidade muda de acordo com a vontade sendo o ato
transformador fruto do que eu quero. As duas perspectivas ou as duas posturas, Ordem e
Revolução em sí mesmas não se bastam, porque ao mesmo tempo a realidade social está
feita e esta para se fazer. A sociedade real comporta ao seu modo a Ordem e a
Revolução, numa correlação dinâmica de contrários que oscila entre a conciliação e o
antagonismo. O equilíbrio acertado entre Ordem e Revolução ou em outros termos
entre voluntarismo e fatalismo, é necessário para existência de qualquer sociedade, por
mais conservadora ou movediça que seja. A ideia que melhor expressa o dinamismo da

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convivência de forças contrárias, que ao mesmo tempo, se repelem e se necessitam, é a
ideia de processo.

A realidade social é processo no sentido que ela está em constante gestação, ou


seja grávida de sua próxima etapa. O que nós leva a conceber a história como sucessão
não etapista, na qual cada fase gera em si contraditoriamente a outra, tal sucessão não
se pauta por uma Lei Física. Porque a sociedade porta no ventre a Mudança.

Tomar a realidade como processo não é afirmar que ela seja pura liquidez, mas
antes dizer que sua dinâmica guarda diversos sentidos, que podem vir a ter longo
alcance histórico dependendo do grupo que encabeçar-lo e levá-lo a vitoria, fazendo
dela o vetor ou a direção que aponta o rumo da história.

A práxis do grupo vencedor impõe seu sentido aos demais, fazendo com que sua
visão de mundo se solidifica numa estrutura, ou conjunto de instituições que atuam feito
“fôrmas” que tolhem e modelam a sociedade. Permitindo dar ao social a ideia de ser
fenômeno regular, passível de se criar expectativas e capaz de ser planejado. Segundo
Pedro Demo a realidade social guarda um duplo sentido: de um lado apresenta
organizações solidas com traços institucionais captáveis que servem de marco
discernível e por outro lado ela sempre se apresente em transição agônica. Tal realidade
social pensada neste duplo sentido de algo dado e de algo a se fazer confere a ideia de
que o processo social gesta sempre novas organizações superestruturais, a partir das
antigas, como que se a velha sociedade estivesse gravita da nova. Num sentido de que
as transformações sociais ou o novo conteúdo sempre guarda relações com aquilo que
foi superado, porque foi neste ambiente onde o novo se formou.

Toda candidato à Revolução deve ter a consciência de que a revolução não se faz
no nada, mas em circunstâncias que condicionam o sucesso ou a falência da empreitada.
Só na e pela circunstância que são introduzidas às transformações radicais que alteram
em profundidade a estrutura social.

Este certo vínculo entre Ordem e Revolução é bem expresso por Oliveiros S.
Ferreira. A história significa o desenvolvimento do vínculo entre os momentos
sucessivos, onde o presente e o futuro dependem do passado”. Para Oliveiros é
Rousseau que permite pela primeira vez, reordenar o legado do passado fazendo dele

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um recurso lógico, sem o qual é impossível traçar uma história hipotética do homem.
Sabemos que as etapas passadas não podem ser retomadas, a não ser como recurso de
função ético-normativa. No sentido de que certos traços de tempos passados servem
para compor novos padrões de referencia social, de modo que o futuro retome do
passado aquilo que há de ser conservado. Para Oliveiros este projeto ético-normativo
que permite que retome do passado aquilo que há de ser conservado, só tem
funcionalidade quando traduzido no plano das Instituições Políticas que organizem e
regulamente as relações entre indivíduos, grupos, sociedade e Estado.

Se com Rousseau nasce a consciência histórica, surge também o espírito


revolucionário na sua acepção mais ampla: possivelmente ativista (no caso de
Jean-Jacques seguramente não o era), mas sempre ético-normativo e,
portanto institucional. Em outras palavras, o espírito revolucionário que brota
com Rousseau e depois luta por afirmar-se em sua inteireza ao longo dos
anos de revolução, é fundamentalmente histórico, porque compreende que a
vontade renovação mesmo quando inspirada em um desejo de mudança
radical, só tem sentido, isto é probabilidade de impor-se sobre os demais, se
não violentar as linhas gerais do processo históricos sobre o qual há de
interferir e [...] saiba respeitar aquilo que se poderia dizer ser a “razão das
gerações mais antigas” .... [FERREIRA, 1970, p.207]

Por isto que o espírito revolucionário estreito convulsiona a sociedade, ele não
resolve os problemas sociais por ser anti-histórico. Nega por completo o passado, não
podendo tirar dele nenhuma lição. Muitos ativistas e militantes desta linha proclamavam
que para se fundar uma nova humanidade deve-se cortar qualquer vínculo com o
passado para inaugurar algo novo, porque, a novidade ou o ato criativo não pode ter
precedente histórico. O que levou a uma separação antagônica, renovação vs
continuidade, cuja consequência foi fatal para o progresso histórico, pois daí por diante
se dividi de modo inconciliável os partidários da revolução dos partidários da ordem, se
tornando inimigos militantes. Os partidários da ordem se fixam na defesa de toda e
qualquer instituição do passado, os partidários da revolução por sua vez estão fixados na
destruição de toda e qualquer instituição.

Para Oliveiros está separação em extremos antagônicos traz trágicas conseqüências para
o desenvolvimento da consciência histórica. “Procurar isolar um elemento do outro - o
conservantismo do espírito revolucionário – é falsear o sentido profundo com que a
consciência histórica brota em Rousseau... [FERREIRA, 1970, p.209] A consciência
histórica é ao mesmo tempo conservadora e revolucionaria. Ela é conservadora na

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medida que exige a consideração dos elementos passados que formaram a circunstância
espaço-temporal, pois sabe que a história não se constrói só de vontade, pois a vontade
só pode agir respeitando certos elementos da tradição integrantes da condição em que
age. A vontade só é revolucionaria por favorecer a realização plena de todas as
transformações estruturais e institucionais possíveis.

[...] avaliar o momento em que convém valorizar o passado e aquele em que


se deve dar primazia ao futuro; numa palavra, saber conciliar em suas exatas
medidas a Ordem, principio inerente a tôda e qualquer organização social e
responsável pela continuidade do processo humano e a Revolução, princípio
também inerente à sociedade e responsável pela transformação das formas
por intermédio da quais êsse processo se manifesta.” [FERREIRA, 1970,
p.209]
Todo sociedade necessidade de Ordem, ou seja, uma solidez de organizações sociais
consolidadas em instituições, que tem contornos e conteúdos próprios. A Ordem é
sempre um Imperativo, o próprio grupo revolucionário que superou a ordem vigente só
o pode fazê-la, se suas decisões se solidificarem em instituições, só assim a decisão
ganha conteúdo normativo.

A fundamental característica institucional das Grandes Revoluções – isto é,


daquelas que marcaram a História e se constituíram na inspiração das
gerações futuras – é encontrar sua forma específica de representação popular.
Uma nova forma de representação é o traço distintivo da Revolução: é ela
que permitirá se exprimam à plena luz as energias até então contidas pelas
antigas estruturas, imprimindo aos novos tempos a marca criadora do Povo,
colocado, finalmente, diante de si e de suas responsabilidades históricas. É a
representação revolucionária que define as revoluções, e é ela que dá ao
núcleo hegemônico a exata medida do sentir popular, traçando-lhe as
coordenadas pelas quais orientará seu rumo. Tôdas as revoluções dignas
dêsse nome aboliram as velhas estruturas representativas e instituíram novas
– não importa se formalmente idênticas, pois, o conteúdo da coisa
representada era sempre radicalmente diverso [..] É exatamente essa
coincidência do sentir do núcleo hegemônico com a vontade popular expressa
na representação nova, que permite à Revolução não se afastar nunca do
sentir geral da Nação [....] É a representação popular renovada que
transforma a Revolução numa empresa coletiva ... [FERREIRA,1964, p. 60]

A importância das revoluções terem instituições de representação popular, responde


as necessidades da realidade social possuir organizações superestruturais que dão certa
regularidade e que lhe atribuem uma ordenação de contorna discernível. Não haveria
realidade social se não houve tais estruturas formadas pelas organizações
superestruturais, haveria somente o caos onde tudo é indefinível. A revolução que não
cria instituições de representação popular naufragam num caos interminável até chegar
o fim da vida social, pois não há vida social sem conteúdo normativo. Normativo não

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quer dizer uma lei eterna e universal como são as leis físicas, mas que a realidade tem
certa constância e princípios que a regem, mesmo que certos indivíduos não os
considerem. Isto não anula sua força de regra, porque até o caso critico ou a situação
excepcional não foge a regra. Porque uma situação excepcional sempre reclama uma
decisão normativa, ou seja, uma decisão de ordem.

3. A Revolução e as Vozes do Passado

A necessidade de a Revolução compreender a sapiência dos antigos, reconhecendo


nela exemplos de homens e lições que devem ser apreendidas e ensinadas no presente.
Isso não é aceitar a tradição dos antigos sem crítica, mas saber avaliá-la e assimilá-la no
que tem de conteúdo prático, nos termos de Karl Marx:

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre
vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas
circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.
A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como
um pesadelo. E mesmo quando estes parecem ocupados a revolucionar-se, a
si e às coisas, mesmo a criar algo de ainda não existente, é precisamente
nessas épocas de crise revolucionária que esconjuram temerosamente em seu
auxílio os espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas
palavras de ordem de combate, a sua roupagem, para, com esse disfarce de
velhice venerável e essa linguagem emprestada, representar a nova cena da
história universal. [MARX, 2008, p.208]

O que Marx afirmou acima sobre a necessidade dos revolucionários clamarem


pelo auxilio dos espíritos passados, também está presente em Maquiavel. Para
Maquiavel a história não é uma simples coleção de feitos e atos, ele é antes a mestra da
política, por isto ela serve como guia de exemplos, cujas lições as gerações presentes e
as vindouras devem aprender. A revolução não é uma ação irrefletida, ela não pode se
esgotar num circulo vicioso de golpes de Estado. O grupo dirigente do processo
Revolucionário não pode suplantar as lições da história, achando que só por encabeçar
tal processo, pode por supletivo ou método abreviado aprender as lições e as
experiências sem ter que tomar consciência das lições dadas pelos exemplos das
gerações passadas. Se os revolucionários não aprenderem as lições dadas pelo passado
seus esforços se resumiram num estremecimento de superfície e não em transformações
profundas.

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Este Eterno Retorno ao ponto de partido nas revoluções, não representa um
retrocesso ou uma volta ao ponto zero, mas antes uma retomada de energias.

“Hoje, a sociedade parece ter retrocedido para lá do seu ponto de partida; na


verdade, ela tem apenas que criar o ponto de partida revolucionário, a
situação, as relações, as condições, sob as quais somente a revolução
moderna se torna séria.” [MARX, 2008, p.211]
O revisionismo deve ser um dos traços indispensáveis dos movimentos revolucionários,
que refletem sobre a conseqüência dos seus atos. Nos termos de Marx, as revoluções se
criticam constantemente a si próprias, interrompem-se constantemente na sua própria
marcha, voltam ao que parecia terminado, para começá-lo de novo, parece que elas
apenas derrubam o seu adversário para que este tira da terra novas força e volte-se a
levantar mais gigantesco. As revoluções retrocedem até que se crie uma situação que
torna impossível qualquer retrocesso. A Revolução não pode abrir mão do passado, não
pode começar do nada “jogar a história fora” e assim cair no reino das vontades e dos
desejos onde predomina a libertinagem e não uma concepção madura da história. As
reminiscências históricas não se resolvem por si só, parafraseando Marx a revolução
tem que deixar os mortos enterrarem os seus mortos para chegar ao seu próprio
conteúdo.

Nessas revoluções, a ressurreição dos mortos servia, pois, para glorificar as


novas lutas e não para parodiar as antigas, para exagerar na fantasia a tarefa a
ser feita e não para retroceder face ao seu cumprimento na realidade, para
encontrar de novo o espírito da revolução e não para fazer vaguear outra vez
o seu espectro.” [MARX, 2008, p.209]

4. Herança do Passado e Legado Revolucionário

A relação entre Revolução e Ordem é também uma questão da relação entre


passado e futuro. Que pode ser problematizada pelo pensamento revolucionário da
seguinte forma até que ponto nossa herança nós foi deixada sem nenhum testamento.
Um testamento que diz aos herdeiros o seu legado ou direitos de posse que tem sobre
passado e que poderá levar para o futuro. Sem o direito de herança somos
impossibilitados de ser legatório do passado ou da tradição que devemos transmitir e
cultivar. [ARENDT, 2000]

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Porque a existência do direito de herança que faz do passado um legado só existe
onde se pressupõem reconhecer a autoridade de certos feitos das gerações mais velhas, o
que não é aceitar a pura obediência e assimetria, mas saber que nestas gerações estão
contidos certos fundamentos que nós autorizam como autores e atores do presente a
tomar decisões mais estáveis e legítimas diante das circunstâncias. Esta autoridade só é
acionada quando olhamos a história como repertorio exemplar de comportamentos e
condutas de homens modelares, cuja grandeza excelsa dos feitos ecoa pela eternidade. O
que justifica a necessidade da memória onde a recordação serve de guia para as ações
dos homens de hoje. A memória não existe onde predomina um posicionamento dualista
futuro vs passado, ela só existe onde houver um quadro de referência preestabelecido,
onde o passado lança luz sobre o porvir. [ARENDT, 2000] Ter memória é saber que sem
ela a mente humana vaga nas trevas. Para que a memória tenha certa vigência, é
necessário ver nos antepassados, exemplos de grandeza, saber reconhecer neles certo
caráter educacional para gerações vindouras .

Não reconhecer nos feitos dos mortos um legado para os vivos, é negar os
tesouros do passado, porque tratam o que passou como algo velho de menor valor. Pois
se tomarmos o passado, feito herança maldita, não nós libertaremos das necessidades
históricas. Jogar fora o passado não é alcançar a emancipação humana, mas escapar da
realidade. Simone Weil reconhece a necessidade de ter um legado dado pelo passado,
como fundamental:

“O amor pelo passado não tem nada a ver com uma orientação política
reacionária. Como todas as atividades humanas, a Revolução extrai toda a
seiva de uma tradição. Marx sentiu tão bem que fez questões de buscar a
origem dessa tradição nas mais longínquas idades, fazendo da luta de classes
o único princípio de explicação histórica [...] A oposição entre o passado e o
futuro é absurda. O futuro não nos traz nada, não nos dá nada; nós é que, para
construí-lo, devemos dar-lhe tudo, dar-lhe a nossa própria vida.” [WEIL,
1979, p.353-4]

Estas desconsideração total por todos os elementos do passado, resulta num


presente sem continuidade temporal, onde o instantâneo, pauta todas as relações, ou
seja, o que hoje é amanhã não é mais, o que valia ontem amanha não valera mais. Tal
atitude niilista diante do passado não nós lança para o futuro prospero, ela só faz
reafirmar a esterilidade da geração presente que não pode deixar nada de herança, não
sendo capaz de acumular experiências. A postura niilista dita por alguns como

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“revolucionaria”, que interpreta a tradição como fardo pesado e não como tesouro
herdado, prega a negação pela negação, como ato libertador, mas ela não nós liberta, o
que ela faz é nós levar para caos.

Dizer que o presente deve criticar o passado, não é o mesmo que afirmar que o
passado é de jogar-se fora, só é de se jogar fora a parte dele que o presente criticou
intrinsecamente, pois neste passado também se guarda uma parte que nos compõem
enquanto presença presente. Isto é dizer que temos que ter a consciência exata dessa
crítica, porque o passado não é de todo condenável nele encontramos elementos que são
a expressão do presente e que quando revividos podem vir a ser a expressão do futuro
porvir.

Mas a tradição não é um canon rígido ou um manual oficial: não se deve


aprendê-lo de cor, aceita-la como um evangelho, acreditar em tudo o que diz
a velha geração porque é ela que o diz: é preciso, ao contrario, todo um
trabalho interior, elaborá-la cada uma para si próprio de maneira crítica e
assimilá-la. Senão, todo o edifício será construído sobre a areia” [ TROTSKY
apud FERREIRA, 1986, p.183]

O que Oliveiros diz com estas palavras de Trotsky é que sem tradição não pode
haver progresso, porque que todo o edifício por mais moderno que ele seja, ela necessita
de fortes base. O que não nega que o passado tenha que ser assimilado críticamente,
porque ele não é um canon rígido ou manual, que tenha poder de negar a oficialidade
factual da circunstância presente.

O revolucionário só pode sustentar o inicio de uma nova ordem social se este


encontrar no passado elementos moleculares ainda não organizados e valorizar estes
elementos como o germe potencial do novo, podendo assim dar lugar a uma elaboração
orgânica e nova do real, pois tal elaboração nova se baseia na experiência acumulada
entre gerações e não na expedição aventureira. Os aventureiros que desprezam a
sapiência dos antigos, do mesmo modo que o filho fracassado se revolta contra o pai,
por não ter conquistado nada, lançando sua culpa na figura paterna. Assim como o filho
fracassado que censura e condena o pai, o presente também censura e condena o
passado. Pois é mais fácil responsabilizar o passado do que o presente admitir que não
cumpriu com as tarefas que se propôs.

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Devemos saber valorizar o passado, pois o passado nós tem muito a ensinar.

“[....] sentimo-nos solidários com os homens que hoje são velhíssimos e que
para nós representam o passado ainda vive entre nós, o qual ocorre conhecer,
com o qual se devem acertar as contas, que é um dos elementos do presente e
das premissas do futuro.” [ GRAMSCI apud FERREIRA,1986, p.186]

5. A Dialética da Ordem

Para analisar a relação entre Ordem e Revolução deve se ter presente como os
dirigentes da mudança, o grupo político conservador ou inovador, ou nos termos de
Marx o Partido da Ordem e o Partido Revolução, concebem a relação passado-presente.

Marx definiu o Partido da Ordem a partir de seu lema“Propriedade, Religião


Família, Ordem”. Já que ele recobre um universo social amplo, na medida que traduz
aspirações de diferentes camadas sociais, ele representa a aceitação das instituições e
aceitação da disposição da convivência humana de acordo com as organizações
superestruturais dominante.

O Partido da Revolução, não tem lema, ele é a combinação de substâncias


sociais heterogêneas que retiram sua força de coesão, do inconformismo, e é facilmente
caracterizável por negar a vigência das instituições postas como estão, ou seja, busca
pela negação uma nova disposição da convivência humana, baseada em novas formas
de organizar a superestrutura. Em suma o Partido da Revolução é a expressão da
negação da Propriedade e da reprodução de suas formas sociais, a Família, a Religião e
por síntese a Ordem. Ele se caracteriza por um sistema de opiniões compostas de
hostilidade ao passado na busca de um novo porvir. A negação da ordem não pode se
reduzir na negação pela negação, porque no limite Revolução pressupõe a
transformação radical de tudo o que existe para criar a nova ordem

“Nesse ponto, isto é, quando este porvir se realiza em formas sociais


diferentes daquelas que o Partido da Revolução transformou radicalmente,o
movimento dialético presente na sociedade se completa e o Partido da
Revolução instaura sua nova Ordem.” [FERREIRA, Ordem e Revolução,
p.88]
A Revolução só transforma as formas sociais defendidas pelo Partido da Ordem
porque a Ordem porta no seio as próprias condições de sua superação. Abrindo a
possibilidade para o novo entrar em cena.

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A revolução só existe porque nega a Ordem que contem elementos que
justificam tal negação, que o Partida da Revolução traduz em palavras de ordem. E esta
revolução só triunfa de fato quando estabelecer a sua Ordem. Se a revolução não
responder a necessidade social de uma nova ordem, está naufraga numa rebelião.
Porque a Ordem no sentido lato é a disposição dos entes que coexistem de acordo com
um tipo de organização superestrutural dominante. Logo a Revolução só vinga se
compuser uma Ordem, ou seja, uma nova disposição da coexistência humana a partir de
novas instituições.

É importante saber no processo qual é a postura política do grupo dirigente


frente ao passado. O poder é um instrumento indispensável para responder as
necessidades políticas práticas, mas a nossa questão não se limita ao poder pelo poder.
Pois a político realista não pode ter por meta apenas o êxito imediato, ele para se manter
no poder é obrigado a dar respostas ao grande numero sobre qual é o seu projeto de
sociedade. Para que o projeto não se esgote na abstração, o grupo político dirigente deve
lançar luz sobre o passado e repensar uma tradição, organizando os elementos do
passado molecularmente soltos num todo orgânico, recriando um certo passado e
estabelecendo por conseqüência um novo ponto de partida. A condenação do passado
não é simples manifestação contra o status quo ou contra a forma de autoridade vigente,
tal condenação muitas vezes é uma atitude niilista, a negação pela negação. Em
Oliveiros “a defesa do já vivido” ou passado não pode ser confundido com a idéia da
conservação, pois uma reinterpretação do passado pode nós oferecer certas ideias
potencialmente progressistas.

Não se confunda essa visão do entrelaçar-se do passado com o presente com


o culto da tradição. [...] sentimo-nos solidários com os homens que hoje são
velhíssimos e que para nós representam o 'passado' que ainda vive entre nós,
o qual ocorre conhecer, com o qual se devem acertar as contas...
[FERREIRA, 1986,185-6]
É neste entrelaçar do passado com o presente, dado pelo vínculo entre a
sapiência dos antigos e a prática dos modernos, que torna necessária a reflexão dialética
da Ordem.

É essa dialética da Ordem que devemos ter presente ao analisar situações de


mudança social lenta ou de média velocidade, ou então a grande mudança,
isto é, a Revolução: Ordem para assegurar determinadas formas de
dominação — Revolução para alterar essas formas — Ordem para
estabelecer novas formas de dominação que não eliminam as anteriores, mas
as superam.” [FERREIRA, Ordem E Revolução, p.90]

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Os dirigentes políticos revolucionários que tentam apagar a relação que Ordem e
Revolução guardam entre sí. Instauram uma desordem sem Norte na qual ações
humanas naufragam num caos sem fim, pois não encontram base histórica solida para
ordenar a sociedade, a não ser uma camisa de força coletiva,

“[...] podemos dizer que a Ordem e a Revolução conciliam a "razão das


gerações mais antigas" com a mudança própria da condição do homem
enquanto ser político e social.” [FERREIRA, Ordem E Revolução, p.90]
A ordem não se esgota no Partido da Ordem:

“[...] a Ordem – tal que a vejo – concebe a ação, que é atual e livre, como
realizada em quadros sociais que não dependem exclusivamente da vontade
do agente, pois, ao agir, ele se defronta com uma situação que não foi por ele
determinada, mas sim estabelecida pelos que o precederam.” [FERREIRA,
Ordem E Revolução, p.91]
A ação transformadora não precisa anular e destruir por completa a ideia de
Ordem, dada pela “razão das gerações mais antigas”, mas antes deve tomar
conhecimento dela e saber desenvolver as suas potencialidades ainda em germe para
engendrar um futuro consciente das lições dadas pela história.

Certo espírito de respeito a “razão das gerações mais antigas” deve ser mantido
mesmo quando se tem desejo de mudança radical, pois a Revolução só terá êxito se tiver
fundamento histórico, sem tal consciência ela naufragara em mais uma rebelião.

Conclusão

Em tese Ordem e Revolução são categorias entendidas da seguinte forma. Os


partidários da Ordem têm por lema “Propriedade, Religião, Família, Ordem”. Os
partidários da Revolução tem por dilema negar a Ordem expressa na Propriedade,
Família, Religião e por consequência o Estado e seus aparatos.

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Nos termos de Oliveiros o intérprete da “Ordem concebe a ação, que é atual e livre,
realizada em quadros que não dependem exclusivamente da vontade do agente, que sabe dever
assumir, no seu decurso, responsabilidades que são inerentes à própria situação concreta em que
opera, as quais não foram por ele determinadas, mas estabelecidas pelos que o precederam”
(FERREIRA, 1971, p. 151) Já “o revolucionário, ao agir, não hesita em desconsiderar, na
evolução das sociedades concretas, as relações que presidem a sucessão das formas sociais
logicamente concebidas; em boa parte também porque tais formas só têm importância se
verificadas empiricamente" (FERREIRA,1971, p. 157).

Mas tais categorias quando são analisadas a partir da realidade de países, aonde
todas as classes sociais não chegaram a se organizar plenamente como partidos políticos
civis que supostamente as representem, e além do mais não houve classe que pudesse
expressar algo que pudesse ser chamada de projeto nacional. Não havendo grupo que
representem em seus interesses e conteúdos programáticos propostas coerentes que
sejam consentâneas com o imenso Espaço do país, numa realidade de elementos
heterogêneos e ganglionares, onde reina o insolidarismo.

Significa que não somos organizamos ainda não cunhamos os fundamentos da


ordem, o que temos são esboços de ordenação que ainda não foram articulados num
todo orgânico capaz de dar aos diversos segmentos uma organização nacional. Ainda
somos uma nebulosa informe em busca de articulação e direção. Partindo desta
necessidade da organização nacional nós cabe rever a partir da realidade a letargia
intelectual enraizada entre aqueles que tem o habito de raciocinar dentro de esquemas
prefixados, cujo o método de raciocínio se limita a enquadrar fatos, atos e ideais dentro
de esquemas limitados, por exemplo Revolução X Ordem.

Tais categorias assim concebidas não nós permite compreender os nuanceis da


realidade, onde os contrários podem se encontrar.

Isto não é dizer que entre a Ordem e a Revolução não haja diferenças e
contradições, mas é dizer que as contradições não resultam sempre em elementos
puramente antagônicos ou dentro de uma estrutura de pensamento sectária que não
tolera dialogo. Onde a Ordem ou a organização não está plenamente consolidada, a
saída é reclamar a Revolução para fundamentar a Ordem.

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A revolução não é uma ação de ruptura radical e violenta com que esta posto,
muitas vezes ela pode ser um ato de revolver, no sentido de remexer e escavar os
fundamentos ainda não consolidados da ordem em busca da organização nacional.

Vista as coisas deste prisma certo respeito à ordem se faz necessário, tomada está
no sentido de elementos tradicionais mantenedores da coesão social, necessários para
dar um norte e direção para aqueles que querem negar o status quo. Aqui o status quo
não é a ordem, mas a desordem, pois a ordem vigente das coisas é sua desorganização.
Se a desordem é a ordem vigente se faz necessário conservar elementos da tradição
diante do risco da desordem completa. Por isto certos elementos da Ordem são vitais
desde que sejam alimentados pela constante revisão crítica elaborado por aqueles que
buscam a mudança, ou seja, a Organização. Isto só é possível se os partidários da
Revolução e seus aderentes verem alguma razão nas gerações passadas daqueles que
edificaram a Ordem, e lendo nos seus elementos um livro aberto e não uma sacralidade
canônica de normas que tem horror a inovação.

A Revolução respeitar a Ordem não é executar uma reprodução reflexiva do


passado e nem ser menos revolucionário, ou seja, reformista. È antes saber que o
Revolucionário não constrói o mundo do nada, ele delibera dentro de um contexto. O
que distingue o pensamento revolucionário do conservador é ser possuidor de uma
organicidade aberta aos influxos da mudança. O que não é o mesmo que ter desrespeito
por tudo, como pregam aqueles que pretendem a inversão delirante do mundo. A
relação dialética entre Ordem e Revolução é também uma relação de transmissão do
legado entre gerações, ou o ensinamento do passado ao presente, uma relação entre os
velhos e os novos. A Ordem não é um canon rígido ou um manual oficial; não se deve
aceita-lá como um evangelho e acreditar em tudo o que diz, deve ser feito um trabalho
critico para assimilá-la. Senão todo o novo edifício que será construído se apoiara sobre
areia.

O que se pretende dizer é que a Revolução tem que ter em mente, um mínimo de
Ordem, sem estar ciente deste mínimo, não pode haver progresso, o que há é caos. O
passado não é de se jogar fora, só é de se jogar fora aquilo que está intrinsecamente
superado pelo presente, a questão é saber até que ponto tal passado ainda faz parte de
nós. Tal percepção só é possível onde houver espírito critico e consciente das
possibilidades dadas pela circunstância. Isto só será possível se os partidários da

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revolução sustentarem que na tradição derivada da ordem podemos encontrar elementos
moleculares ainda não organizados que devem ser valorizados para que estes possam
dar lugar a uma elaboração orgânica e nova do real.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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