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Ordem e Revolução no pensamento de Oliveiros S. Ferreira
RESUMO: O texto tem por meta repensar as categorias Ordem e Revolução para além
da visão maniqueísta Passado VS Futuro. De acordo com Oliveiros S. Ferreira Ordem e
Revolução devem ser concebidas a luz da consciência histórica, o que significa ter
ciência que o desejo de mudança mais radical só tem sentido e probabilidade de
acontecer se respeitar as linhas gerais do processo histórico ou souber reconhecer o
legado deixado pela “razão das gerações mais antigas”. É só a partir da aceitação desta
herança que a sociedade pode criar um ponto de partida revolucionário, sem naufragar
em sucessivas rebeliões e golpes de Estado. O respeito pelo passado não é sinônimo de
glorificação dos mortos é antes a consciência de que o passado não é de se jogar fora, só
é de se jogar fora aquilo que esta intrinsecamente superado pelo presente, nós termos de
Marx a revolução tem que deixar os mortos enterrarem os seus mortos. Em suma as
extremidades Ordem e Revolução estão presentes em todas as sociedades em diferentes
gradações e as chamadas “sociedade modelares” são aquelas que souberam
contemporizar na “medida exata” a Ordem, o principio inerente responsável pela
continuidade de todos os tipos de organização social com o desejo de autonomia e
independência inerente as sociedades em Revolução.
mestrando.
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A mudança social é um dos temas centrais da sociologia-política, já que as
sociedades humanas se encontram em transformação permanente dada pela crescente
autonomia das condutas individuais, por mais estagnadas que certas sociedades
pareçam ser elas só podem existir dando respostas dinâmicas ás necessidades de
independência do grande numero. A resposta a tais demandas é dada através de um
melhor arranjo das organizações superestruturais, ou em termos simples, adaptação das
instituições para atender as demandas, o que significa estar em constante mudança,
ainda que esta seja pouco visível. Por outro lado a afirmação da necessidade mudança
não nega a necessidade da conservação de certos parâmetros institucionais, ou
organizações superestruturais que confiram as relações um mínimo de ordenação e
autoridade, sem referência normativa as sociedades não podem sobreviver, se cai no
estado de caos.
De acordo com Raymond Aron e Florestan Fernandes [2008] podemos dizer que
uma das duas categorias centrais da sociologia são a estática e a dinâmica ou, em termos
simples, a conservação e a mudança. A importância do equilíbrio dinâmico entre
mudança e conservação já estava presente nos primórdios da sociologia positivista de
Augusto Comte. Onde suas categorias centrais de pensamento são a estática e a
dinâmica. A estática social consiste nos elementos formadores do consenso, é ela que
faz do conjunto de indivíduos, coletividades e instituições um todo orgânico. O estudo
da estática busca apontar quais são os elementos fundamentais capazes de fazer dos
agregados uma sociedade, descobrindo assim os princípios que regem todo tipo de
ordem social. A tradição é um dos elementos fundamentais da ordem social, pois a
humanidade, nos termos de Comte, é composta mais de mortos do que vivos. Parcela
significativa da razão de ser da ordem social está em saber que nós mortos se guarda o
legado das experiências passadas, a chamada tradição.
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dos grupos e instituições e formas sociais, ela é antes de tudo o evolver da ordem. A
dinâmica está subordinada à estática, porque é só partir da ordem que as sociedades
progridem. Logo nesta chave de pensamento, ordem e progresso são termos
indissociáveis: “O progresso é o desenvolvimento da ordem” [COMTE apud ARON,
1999]
O progresso em Comte não vem sem a Ordem, porque se não houvesse uma
ordem que descobrimos ser a nossa origem e nosso principio como sociedade, não
haveria possibilidade de conceber laços de solidariedade recíproca, e chegaríamos num
estado de caos.
A práxis é a atividade ou ação exercida por um sujeito que modifica dada matéria. Mas
nem todo atividade pratica é práxis. Por práxis entendemos a ação exercida por um
sujeito cuja finalidade é modificar direta ou indiretamente outro sujeito. Nisto ela se
difere da mera ação instrumental ou da pratica pura onde a relação de transformação se
dá entre sujeito e objeto. A práxis se difere dos outros tipos de atividade porque o
homem é sujeito e objeto da ação. A práxis é atividade cujo ator é o homem, e a matéria
sobre qual agi se não é diretamente o homem ao menos faz parte dele. Outra
característica que difere a práxis da pratica instrumental, é que sua atividade é dirigida
por um fim ideal. O fim ideal é o motivo/sentido da ação que busca transformar
objetivamente a realidade.
Mas a Práxis social nos revela uma problemática bem observada na carta de F.
Engels a J. Bloch, datada de 1890:
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A história se faz de tal modo que o resultado final sempre deriva dos conflitos
entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o que é
por efeito de uma multidão de condições especiais de vida; são, pois
inumeráveis forças que se entrecruzam umas com as outras, um grupo
infinito de paralelogramos de forças, das quais surge uma resultante – o
acontecimento histórico – que, por sua vez, pode ser considerado como
produto de uma potência única que, como um todo, atua sem consciência e
sem vontade. Pois o que um individuo quer tropeça na resistência que o outro
lhe opõe, e o que resulta de tudo isso é algo que ninguém quis. Desse modo,
até aqui a história transcorreu como um processo natural e submetido
também, substancialmente, às mesmas leis dinâmicas. Mas, do fato de que as
distintas vontades individuais [...] não alcancem o que desejam, e sim se
fundem todas em uma média total, em uma resultante comum, não se deve
inferir que essas vontades sejam igual a zero. Pelo contrário, todas
contribuem à resultante e se encontram, portanto, nela incluídas.” [ENGELS,
apud VÁZQUES, p.459-460, 2007]
Em suma nós encontramos diante de uma sociedade histórica que passa pela
ação dos homens e ao mesmo tempo, é superior à ação de cada um deles. Porque cada
individuo agindo ainda que racionalmente em função de seu interesse, contribui
socialmente para a não realização dele, já que cada um agindo em função do próprio
interesse contribui para realização de um fim social estranho à todos.
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Tais minorias vitoriosas que no fim do processo tiveram suas expectativas
atendidas e objetivadas na história foram estudados por Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto
e Robert Michels, a tais minorias, damos o nome de Elite dirigente.
Em todos os tipos de sociedade se pode destacar uma minoria que dirige e uma
maioria de dirigidos, em suma dirigentes e dirigidos. A primeira, sempre menos
numerosa, exerce todas as funções políticas ordenadoras, monopoliza o poder e goza
das suas vantagens, enquanto a segunda, mais numerosa, é dirigida e controlada pela
primeira, ora de modo mais ou menos legal, ora de maneira mais ou menos arbitrária. O
grande numero adere à estas minorias porque seus membros possuem um raro atributo,
real e aparente, que é altamente valorizado e de muita influência na sociedade, a
capacidade de organizar. O grande numero por ser incapazes de se organizar é obrigado
a sustentar os privilégios da minoria organizadora
Isto é um fato a direção da vida política das sociedades está nas mãos de uma
minoria de pessoas influentes que a maioria aceita conscientemente e inconscientemente
devido à incapacidade de ser organizar.
A capacidade diretiva que a minoria tem sobre a maioria desorganizada reside no
fato desta minoria ser bem organizada. O poder destas minorias é forte porque ao se
dirigir contra cada um de nós membros da maioria, que mesmo em vantagem numérica,
por não sermos organizados, nós agimos isoladamente, se vendo sozinhos em face de
uma totalidade a minoria organizada. Porque o membro da maioria não se compõe numa
totalidade, mas num agregado, pois não cooperam. O homem simples é mais um na
multidão denominada massa que foi pulverizada em tantos átomos, que a única
orientação que tem é a de cada um lutar pelos seus próprios interesses.
Um das lições políticas que podemos tirar da práxis humana, no que lhe diz
respeito às relações entre dirigentes e dirigidos é que:
“Cem homens agindo uniformemente e em conjunto, com uma mesma
compreensão das coisas, triunfarão sobre mil homens que não estão de
acordo e que, portanto podem ser encarados individualmente.” [MOSCA,
ver Sociologia Política vol I,]
Tal protagonismo das minorias na história das revoluções foi constatado por Friedrich
Engels na introdução à edição de 1895 do texto As lutas de classes na França de 1848 a
1850 de Karl Marx.
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minoria dominante era assim derrubada, uma outra minoria empunhava no
seu lugar o leme do Estado e modelava as instituições estatais segundo os
seus interesses. Esta última era sempre o grupo minoritário capacitado e
vocacionado para a dominação pelo nível do desenvolvimento político, e
precisamente por isso, e só por isso, acontecia que na transformação
(Umwälzung) a maioria dominada ou participava a favor daquele ou aceitava
tranqüilamente a transformação. Mas, se abstrairmos do conteúdo concreto
de cada caso, a forma comum de todas as revoluções era elas serem
revoluções de minorias. Mesmo quando a maioria cooperava – cientemente
ou não, isso acontecia apenas ao serviço de uma minoria. Desse modo,
porém, ou também pela atitude passiva e sem insistência da maioria, essa
minoria alcançava a aparência de ser a representante de todo o povo.”
[MARX, 2008, p.43]
As massas são a força motriz, o motor da história, mas não a força dirigente.
Porque as massas estás deixadas a própria sorte, não são capazes de se organizar, elas
devem ser organizadas por uma minoria, o chamado escol revolucionário ou Partido.
Tal escol ou Partido é a força dirigente, é ele que direciona ou canaliza a energia das
massas. Se as massas são o motor da história, o Partido é o leme. Como Engels
alertava, a disposição das massas para fazer a revolução não garante seu sucesso, para
isto é necessário organização, disciplina, discernimento e direção, elementos que só uma
minoria de comandantes podem fornecer. Porque diante de um embate de forças o grupo
vitorioso, não é simplesmente o mais numeroso, mas aquele que tiver superioridade
estratégica, instrução, atuação planejada, e disciplina para poder executar com coerência
os fins desejados, nisto reside a necessidade política da Elite dirigente ou Partido.
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minorias organizadas. Para nós é a organização a condição indispensável para intervir
nós fatos sociais e fazer história, tais minorias conduzem o processo pelo fato de se
reunir numa unidade de decisão e ação, detendo assim o poder de assegurar ou desafiar
outra organização, o Estado. E disto deriva o conflito entre os defensores do status quo
e os Insurgentes que marca a história das sociedades deis de sempre.
Daquilo que foi dito acima podemos conceber uma ideia da práxis política. A
práxis política, em sentido lato, é atividade social onde o homem é o sujeito e o objeto
da práxis, ele atua sobre o outro ao mesmo tempo em que atua sobre sí, a matéria prima
a ser transformada no processo é a sociedade. Em sentido restrito podemos dizer que a
práxis política é atividade da organização por excelência, que busca reunir numa
unidade de decisão e ação um grupo que têm por objetivo ocupar o núcleo do poder para
transformar ou reforçar a ordem social. Logo o domínio da práxis política é de
importância vital na Ordem e na Revolução.
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convivência de forças contrárias, que ao mesmo tempo, se repelem e se necessitam, é a
ideia de processo.
Tomar a realidade como processo não é afirmar que ela seja pura liquidez, mas
antes dizer que sua dinâmica guarda diversos sentidos, que podem vir a ter longo
alcance histórico dependendo do grupo que encabeçar-lo e levá-lo a vitoria, fazendo
dela o vetor ou a direção que aponta o rumo da história.
A práxis do grupo vencedor impõe seu sentido aos demais, fazendo com que sua
visão de mundo se solidifica numa estrutura, ou conjunto de instituições que atuam feito
“fôrmas” que tolhem e modelam a sociedade. Permitindo dar ao social a ideia de ser
fenômeno regular, passível de se criar expectativas e capaz de ser planejado. Segundo
Pedro Demo a realidade social guarda um duplo sentido: de um lado apresenta
organizações solidas com traços institucionais captáveis que servem de marco
discernível e por outro lado ela sempre se apresente em transição agônica. Tal realidade
social pensada neste duplo sentido de algo dado e de algo a se fazer confere a ideia de
que o processo social gesta sempre novas organizações superestruturais, a partir das
antigas, como que se a velha sociedade estivesse gravita da nova. Num sentido de que
as transformações sociais ou o novo conteúdo sempre guarda relações com aquilo que
foi superado, porque foi neste ambiente onde o novo se formou.
Toda candidato à Revolução deve ter a consciência de que a revolução não se faz
no nada, mas em circunstâncias que condicionam o sucesso ou a falência da empreitada.
Só na e pela circunstância que são introduzidas às transformações radicais que alteram
em profundidade a estrutura social.
Este certo vínculo entre Ordem e Revolução é bem expresso por Oliveiros S.
Ferreira. A história significa o desenvolvimento do vínculo entre os momentos
sucessivos, onde o presente e o futuro dependem do passado”. Para Oliveiros é
Rousseau que permite pela primeira vez, reordenar o legado do passado fazendo dele
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um recurso lógico, sem o qual é impossível traçar uma história hipotética do homem.
Sabemos que as etapas passadas não podem ser retomadas, a não ser como recurso de
função ético-normativa. No sentido de que certos traços de tempos passados servem
para compor novos padrões de referencia social, de modo que o futuro retome do
passado aquilo que há de ser conservado. Para Oliveiros este projeto ético-normativo
que permite que retome do passado aquilo que há de ser conservado, só tem
funcionalidade quando traduzido no plano das Instituições Políticas que organizem e
regulamente as relações entre indivíduos, grupos, sociedade e Estado.
Por isto que o espírito revolucionário estreito convulsiona a sociedade, ele não
resolve os problemas sociais por ser anti-histórico. Nega por completo o passado, não
podendo tirar dele nenhuma lição. Muitos ativistas e militantes desta linha proclamavam
que para se fundar uma nova humanidade deve-se cortar qualquer vínculo com o
passado para inaugurar algo novo, porque, a novidade ou o ato criativo não pode ter
precedente histórico. O que levou a uma separação antagônica, renovação vs
continuidade, cuja consequência foi fatal para o progresso histórico, pois daí por diante
se dividi de modo inconciliável os partidários da revolução dos partidários da ordem, se
tornando inimigos militantes. Os partidários da ordem se fixam na defesa de toda e
qualquer instituição do passado, os partidários da revolução por sua vez estão fixados na
destruição de toda e qualquer instituição.
Para Oliveiros está separação em extremos antagônicos traz trágicas conseqüências para
o desenvolvimento da consciência histórica. “Procurar isolar um elemento do outro - o
conservantismo do espírito revolucionário – é falsear o sentido profundo com que a
consciência histórica brota em Rousseau... [FERREIRA, 1970, p.209] A consciência
histórica é ao mesmo tempo conservadora e revolucionaria. Ela é conservadora na
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medida que exige a consideração dos elementos passados que formaram a circunstância
espaço-temporal, pois sabe que a história não se constrói só de vontade, pois a vontade
só pode agir respeitando certos elementos da tradição integrantes da condição em que
age. A vontade só é revolucionaria por favorecer a realização plena de todas as
transformações estruturais e institucionais possíveis.
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quer dizer uma lei eterna e universal como são as leis físicas, mas que a realidade tem
certa constância e princípios que a regem, mesmo que certos indivíduos não os
considerem. Isto não anula sua força de regra, porque até o caso critico ou a situação
excepcional não foge a regra. Porque uma situação excepcional sempre reclama uma
decisão normativa, ou seja, uma decisão de ordem.
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre
vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas
circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.
A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como
um pesadelo. E mesmo quando estes parecem ocupados a revolucionar-se, a
si e às coisas, mesmo a criar algo de ainda não existente, é precisamente
nessas épocas de crise revolucionária que esconjuram temerosamente em seu
auxílio os espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas
palavras de ordem de combate, a sua roupagem, para, com esse disfarce de
velhice venerável e essa linguagem emprestada, representar a nova cena da
história universal. [MARX, 2008, p.208]
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Este Eterno Retorno ao ponto de partido nas revoluções, não representa um
retrocesso ou uma volta ao ponto zero, mas antes uma retomada de energias.
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Porque a existência do direito de herança que faz do passado um legado só existe
onde se pressupõem reconhecer a autoridade de certos feitos das gerações mais velhas, o
que não é aceitar a pura obediência e assimetria, mas saber que nestas gerações estão
contidos certos fundamentos que nós autorizam como autores e atores do presente a
tomar decisões mais estáveis e legítimas diante das circunstâncias. Esta autoridade só é
acionada quando olhamos a história como repertorio exemplar de comportamentos e
condutas de homens modelares, cuja grandeza excelsa dos feitos ecoa pela eternidade. O
que justifica a necessidade da memória onde a recordação serve de guia para as ações
dos homens de hoje. A memória não existe onde predomina um posicionamento dualista
futuro vs passado, ela só existe onde houver um quadro de referência preestabelecido,
onde o passado lança luz sobre o porvir. [ARENDT, 2000] Ter memória é saber que sem
ela a mente humana vaga nas trevas. Para que a memória tenha certa vigência, é
necessário ver nos antepassados, exemplos de grandeza, saber reconhecer neles certo
caráter educacional para gerações vindouras .
Não reconhecer nos feitos dos mortos um legado para os vivos, é negar os
tesouros do passado, porque tratam o que passou como algo velho de menor valor. Pois
se tomarmos o passado, feito herança maldita, não nós libertaremos das necessidades
históricas. Jogar fora o passado não é alcançar a emancipação humana, mas escapar da
realidade. Simone Weil reconhece a necessidade de ter um legado dado pelo passado,
como fundamental:
“O amor pelo passado não tem nada a ver com uma orientação política
reacionária. Como todas as atividades humanas, a Revolução extrai toda a
seiva de uma tradição. Marx sentiu tão bem que fez questões de buscar a
origem dessa tradição nas mais longínquas idades, fazendo da luta de classes
o único princípio de explicação histórica [...] A oposição entre o passado e o
futuro é absurda. O futuro não nos traz nada, não nos dá nada; nós é que, para
construí-lo, devemos dar-lhe tudo, dar-lhe a nossa própria vida.” [WEIL,
1979, p.353-4]
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“revolucionaria”, que interpreta a tradição como fardo pesado e não como tesouro
herdado, prega a negação pela negação, como ato libertador, mas ela não nós liberta, o
que ela faz é nós levar para caos.
Dizer que o presente deve criticar o passado, não é o mesmo que afirmar que o
passado é de jogar-se fora, só é de se jogar fora a parte dele que o presente criticou
intrinsecamente, pois neste passado também se guarda uma parte que nos compõem
enquanto presença presente. Isto é dizer que temos que ter a consciência exata dessa
crítica, porque o passado não é de todo condenável nele encontramos elementos que são
a expressão do presente e que quando revividos podem vir a ser a expressão do futuro
porvir.
O que Oliveiros diz com estas palavras de Trotsky é que sem tradição não pode
haver progresso, porque que todo o edifício por mais moderno que ele seja, ela necessita
de fortes base. O que não nega que o passado tenha que ser assimilado críticamente,
porque ele não é um canon rígido ou manual, que tenha poder de negar a oficialidade
factual da circunstância presente.
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Devemos saber valorizar o passado, pois o passado nós tem muito a ensinar.
“[....] sentimo-nos solidários com os homens que hoje são velhíssimos e que
para nós representam o passado ainda vive entre nós, o qual ocorre conhecer,
com o qual se devem acertar as contas, que é um dos elementos do presente e
das premissas do futuro.” [ GRAMSCI apud FERREIRA,1986, p.186]
5. A Dialética da Ordem
Para analisar a relação entre Ordem e Revolução deve se ter presente como os
dirigentes da mudança, o grupo político conservador ou inovador, ou nos termos de
Marx o Partido da Ordem e o Partido Revolução, concebem a relação passado-presente.
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A revolução só existe porque nega a Ordem que contem elementos que
justificam tal negação, que o Partida da Revolução traduz em palavras de ordem. E esta
revolução só triunfa de fato quando estabelecer a sua Ordem. Se a revolução não
responder a necessidade social de uma nova ordem, está naufraga numa rebelião.
Porque a Ordem no sentido lato é a disposição dos entes que coexistem de acordo com
um tipo de organização superestrutural dominante. Logo a Revolução só vinga se
compuser uma Ordem, ou seja, uma nova disposição da coexistência humana a partir de
novas instituições.
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Os dirigentes políticos revolucionários que tentam apagar a relação que Ordem e
Revolução guardam entre sí. Instauram uma desordem sem Norte na qual ações
humanas naufragam num caos sem fim, pois não encontram base histórica solida para
ordenar a sociedade, a não ser uma camisa de força coletiva,
“[...] a Ordem – tal que a vejo – concebe a ação, que é atual e livre, como
realizada em quadros sociais que não dependem exclusivamente da vontade
do agente, pois, ao agir, ele se defronta com uma situação que não foi por ele
determinada, mas sim estabelecida pelos que o precederam.” [FERREIRA,
Ordem E Revolução, p.91]
A ação transformadora não precisa anular e destruir por completa a ideia de
Ordem, dada pela “razão das gerações mais antigas”, mas antes deve tomar
conhecimento dela e saber desenvolver as suas potencialidades ainda em germe para
engendrar um futuro consciente das lições dadas pela história.
Certo espírito de respeito a “razão das gerações mais antigas” deve ser mantido
mesmo quando se tem desejo de mudança radical, pois a Revolução só terá êxito se tiver
fundamento histórico, sem tal consciência ela naufragara em mais uma rebelião.
Conclusão
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Nos termos de Oliveiros o intérprete da “Ordem concebe a ação, que é atual e livre,
realizada em quadros que não dependem exclusivamente da vontade do agente, que sabe dever
assumir, no seu decurso, responsabilidades que são inerentes à própria situação concreta em que
opera, as quais não foram por ele determinadas, mas estabelecidas pelos que o precederam”
(FERREIRA, 1971, p. 151) Já “o revolucionário, ao agir, não hesita em desconsiderar, na
evolução das sociedades concretas, as relações que presidem a sucessão das formas sociais
logicamente concebidas; em boa parte também porque tais formas só têm importância se
verificadas empiricamente" (FERREIRA,1971, p. 157).
Mas tais categorias quando são analisadas a partir da realidade de países, aonde
todas as classes sociais não chegaram a se organizar plenamente como partidos políticos
civis que supostamente as representem, e além do mais não houve classe que pudesse
expressar algo que pudesse ser chamada de projeto nacional. Não havendo grupo que
representem em seus interesses e conteúdos programáticos propostas coerentes que
sejam consentâneas com o imenso Espaço do país, numa realidade de elementos
heterogêneos e ganglionares, onde reina o insolidarismo.
Isto não é dizer que entre a Ordem e a Revolução não haja diferenças e
contradições, mas é dizer que as contradições não resultam sempre em elementos
puramente antagônicos ou dentro de uma estrutura de pensamento sectária que não
tolera dialogo. Onde a Ordem ou a organização não está plenamente consolidada, a
saída é reclamar a Revolução para fundamentar a Ordem.
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A revolução não é uma ação de ruptura radical e violenta com que esta posto,
muitas vezes ela pode ser um ato de revolver, no sentido de remexer e escavar os
fundamentos ainda não consolidados da ordem em busca da organização nacional.
Vista as coisas deste prisma certo respeito à ordem se faz necessário, tomada está
no sentido de elementos tradicionais mantenedores da coesão social, necessários para
dar um norte e direção para aqueles que querem negar o status quo. Aqui o status quo
não é a ordem, mas a desordem, pois a ordem vigente das coisas é sua desorganização.
Se a desordem é a ordem vigente se faz necessário conservar elementos da tradição
diante do risco da desordem completa. Por isto certos elementos da Ordem são vitais
desde que sejam alimentados pela constante revisão crítica elaborado por aqueles que
buscam a mudança, ou seja, a Organização. Isto só é possível se os partidários da
Revolução e seus aderentes verem alguma razão nas gerações passadas daqueles que
edificaram a Ordem, e lendo nos seus elementos um livro aberto e não uma sacralidade
canônica de normas que tem horror a inovação.
O que se pretende dizer é que a Revolução tem que ter em mente, um mínimo de
Ordem, sem estar ciente deste mínimo, não pode haver progresso, o que há é caos. O
passado não é de se jogar fora, só é de se jogar fora aquilo que está intrinsecamente
superado pelo presente, a questão é saber até que ponto tal passado ainda faz parte de
nós. Tal percepção só é possível onde houver espírito critico e consciente das
possibilidades dadas pela circunstância. Isto só será possível se os partidários da
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revolução sustentarem que na tradição derivada da ordem podemos encontrar elementos
moleculares ainda não organizados que devem ser valorizados para que estes possam
dar lugar a uma elaboração orgânica e nova do real.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo, ed 5,
Martins Fontes 1999
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