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Roberto Giglio
3 TRATAMENTO
SEGURANÇA
(com desdém)
Opa! Opa. Parado ai. Onde você
pensa que vai?
ROBERTO
Eu tenho um ensaio com a orquestra.
(respirando fundo)
e já estou atrasado.
Roberto tenta passas, mas O segurança detém sua passagem
SEGURANÇA
Calma ai que eu vou conferir.
segurança fala ao radio.
(CONTINUED)
CONTINUED: 2.
SEGURANÇA
(ao radio, meio debochado)
Chefe, tem um moleque aqui na
entrada, dizendo que veio ensaiar.
escuta resposta
SEGURANÇA
(para Roberto)
Qual seu nome?
ROBERTO
Roberto. Roberto Costa.
SEGURANÇA
(ao radio)
Roberto Costa.
(para Roberto)
Ok. Pode passar. (Segurando Roberto
pelo braço)Mas sem correria.
Roberto entra no teatro.
(CONTINUED)
CONTINUED: 3.
MAESTRO
Este é o Roberto, aluno de um
antigo professor meu. Está aqui
para fazer um teste para entrar em
a nossa orquestra.
CARLOS
(para músicos próximos)
Olha o tipo do cara.
Os outros riem.
CARLOS (CONT.)
Deve ter um cavaquinho no estojo.
Roberto abre a caixa de seu violino, um violino bastante
gasto, mas de excelente qualidade, pega-o com cuidado, mas
com o nervosismo deixa a caixa cair ao chão, provocando uma
onda de risos entre os outros músicos.
MAESTRO
Silêncio! Acabou a hora do
recreio.(batendo com a batuta).
MAESTRO
Muito bom, Roberto. O Isaac
ensinou-lhe muito bem.
ROBERTO
Muito obrigado, maestro.
MAESTRO
Eu que agradeço. De agora até o dia
da apresentação teremos ensaios
todas as quintas. Posso contar com
você? (e estica a mão para Roberto)
ROBERTO
Então eu passei no teste?
MAESTRO
O que você acha?
Roberto cumprimenta efusivamente o Maestro.
VERA,(19), uma moça bonita, também bem vestida, uma das
instrumentistas da orquestra, vem cumprimentar Roberto.
VERA
Oi. Sou Vera. Bem vindo ao grupo,
Roberto.
ROBERTO
Obrigado. Valeu.
Vera sai para trás da cortina e Roberto continua a colocar o
instrumento no estojo.
(CONTINUED)
CONTINUED: 5.
ROBERTO
Foi um presente.
CARLOS
Sei.
Os outros ao redor observam divertidos.
CARLOS
Nós vamos até um barzinho aqui
perto beber alguma coisa, e você
pode vir com a gente se quiser.
ROBERTO
Obrigado, mas tenho que ir para
casa.
CARLOS
Deixa disso. Se não tem dinheiro, a
gente paga.
Alguns riem.
Vera está de volta ao palco.
Roberto recolhe o violino, desce do palco e se afasta.
(CONTINUED)
CONTINUED: 6.
VERA
Vai, não enche.
Carlos dá as costas para Vera, abraça um amigo, e acompanha
as risadas dos amigos , enquanto se afasta.
CARLOS
Que otário!
FLASHBACK PARA:
ISAAC
Venha até aqui.
Roberto continua escondido.
ISAAC
Venha. Saia daí e sente-se aqui.
O Garoto deixa o esconderijo da cortina, e aproxima-se
timidamente.
ISAAC
Qual o seu nome, menino?
O Garoto não responde.
(CONTINUED)
CONTINUED: 9.
ISAAC
Você gosta de me ouvir tocar, não?
O garoto desanda a falar.
GAROTO ROBERTO
Eu também posso aprender a tocar
assim?
ISAAC
Diga-me. Qual seu nome?
GAROTO ROBERTO
Roberto.
ISAAC
Tocar violino é muito difícil,
Roberto, é preciso...
GAROTO ROBERTO
Mas eu posso aprender!
(interrompendo Isaac)
ISAAC
Shutz. Não interrompa quando um
adulto está falando.
Roberto fica acanhado.
ISAAC (CONT.)
É preciso muito estudo e dedicação.
ROBERTO CRIANÇA
Mas eu sou muito esperto. Pergunta
pra minha mãe. Ela vive me dizendo
isso.
ISAAC
Claro que você pode aprender.
ROBERTO CRIANÇA
E o senhor me ensina?
ISAAC
Sim, posso lhe ensinar.
ROBERTO CRIANÇA
Mas eu não posso pagar. Mamãe ganha
pouco.
(constrangido)
Desculpa, não é que o senhor paga
pouco, é que, quer dizer, sabe...
(CONTINUED)
CONTINUED: 10.
ISAAC
Entendi. Não pago o suficiente para
sua mãe pagar-me. Eu sei. Vamos
conversar com a sua mãe, depois
decidimos.
(guardando o violino)
Você está com fome?
O Garoto maneia a cabeça.
Isaac se levanta, e estica a mão ao Garoto.
ISAAC
O menino pediu-me para ensiná-lo a
tocar violino, Dona Clara.
CLARA
Eu disse para você deixar seu Isaac
em paz, menino. Desculpa seu Isaac.
O Menino solta-se dos dois e volta a seu banco.
ISAAC
Não tem problema, Dona Clara.
Escute, eu tenho bastante tempo
livre entre um aluno e outro, e
posso ensinar um pouco de música
para ele.
ROBERTO CRIANÇA
Claro. Tudo bem. Eu já posso tocar?
ISAAC
E não interromper um adulto
falando.
(rindo)
Não. Não pode começar agora.
Primeiro vamos comer alguma coisa e
depois você começa a primeira aula,
combinado?
(para Clara)
Tem café pronto para nós dois, Dona
Clara?
CLARA
Vou servir na sala, como o senhor
gosta.
ISAAC
Vou tomar aqui, se eu não estiver
incomodando.
CLARA
Imagina!
Isaac senta-se, o Garoto senta, Clara serve o café.
ISAAC
Sente-se também, Dona Clara.
Faça-nos companhia.
O Garoto ri.
(CONTINUED)
CONTINUED: 12.
CLARA
Senta mãe.
Clara, sem jeito, senta.
Os três tomam café. Ouvem-se os RISOS do Garoto.
MONTAGEM:
INT. CASA DE ISAAC - SALA - DIA
ISAAC
Roberto. Gostaria de lhe apresentar
um grande amigo meu.
(para maestro)
Maestro, esse é o rapaz de quem lhe
falei.
(CONTINUED)
CONTINUED: 13.
ISAAC
O Maestro está à frente de uma
pequena orquestra e procura novos
talentos, e eu sugeri o seu nome.
ROBERTO
Eu?
ISAAC
Claro. Não espera realmente ficar a
vida inteira tocando nesta sala. E
já não existe mais o que eu possa
lhe ensinar. É hora de pensar em
vôos mais altos.
O Maestro franze a testa.
MAESTRO
Não está interessado?
ROBERTO
Não... claro que estou! É que...
MAESTRO
São poucas vagas e muitos
candidatos. É uma oportunidade
única mas você vai ter de se
esforçar muito para merecê-la.
ROBERTO
Claro. Eu faço o que for
necessário.
O Maestro entrega-lhe um cartão.
MAESTRO
Te espero então neste endereço. Os
testes começam na fim desta semana.
Te espero na sexta, às sete da
noite.
O Maestro sai.
Roberto se volta para Isaac, sem palavras.
(CONTINUED)
CONTINUED: 14.
ISAAC
O Maestro foi um dos meus alunos
mais brilhantes, e tenho certeza
que você vai me dar muito orgulho
também, Roberto.
ROBERTO
Muito obrigado, mestre. Não sei
como poderei um dia agradecer tudo
que tem feito por mim.
ISAAC
Você tem um dom maravilhoso,
Roberto. Não o desperdice, e já me
terá agradecido.
(sorrindo)
E algum dia retribua o que fiz por
você, fazendo o mesmo por alguém.
Roberto abraça o Velho Isaac.
FIM DO FLASHBACK - VOLTA AO PRESENTE
(CONTINUED)
CONTINUED: 15.
IVAN
Mas não vai tocar um violão aqui
pra galera?
Roberto protege o estojo do violino.
IVAN (CONT.)
Ou tu é bom demais para tocar pra
gente? Toca um rap ai, batuca nesta
caixa mesmo?
Os outros riem.
ROBERTO
Desculpe, eu só toco música
clássica. Não sei tocar esse tipo
de música. Isto é um violino.
Todos riem.
Ivan encara Marcos, e abaixa a cabeça.
IVAN
Já ia devolver o violão, Marcos.
Estava só dando uma olhada.
(CONTINUED)
CONTINUED: 16.
MARCOS
Não tá vendo que isto não é um
violão, Ô mané!
Todos gargalham.
ROBERTO
Sou eu mesmo. O senhor o conhece?
MARCOS
Já conheci. Vai tranqüilo pra casa.
Mas não fique zoando fora de casa a
essa hora
(irônico)
Aqui o toque de recolher é pra
todos!
ROBERTO
Sim senhor...
Marcos vira-lhe as costas, Roberto apressa-se em sair dali.
CLARA
Deixa o menino guardar suas coisas
primeiro, Jurandir, e tome um banho
logo que eu quero saber
tim-tim-por-tim-tim.
(ansiosa)
Mas você foi bem, não foi?
Roberto sorri, a mãe reentra na cozinha, o pai desliga a
televisão e Roberto sai da sala.
(CONTINUED)
CONTINUED: 18.
ROBERTO
Foi bem. Não se preocupem comigo. O
maestro é um cara legal.
JURANDIR
Então você passou no teste?
ROBERTO
Não foi bem um teste. Foi mais como
uma iniciação. Vamos ter alguns
ensaios e aí se eu mostrar que sou
capaz, eu continuo no grupo.
CLARA
Mas claro que você é capaz!
JURANDIR
Sua mãe tá certa. Você sempre deu o
melhor para estudar desde pequeno.
ROBERTO
Valeu. Sei como foi difícil para
vocês fazerem tudo que fizeram por
mim, me acolhendo desde pequeno...
CLARA
Não gosto que fale assim. Nós não
te achamos. Foi um anjo que nos
achou para você.
ROBERTO
Desculpe, mãe. Eu sei. Só queria
dizer que sei que vocês fizeram
muitos sacrifícios para eu poder
estudar. E não vou decepcionar.
Roberto termina a refeição.
ROBERTO
Se tudo der certo, vamos ter uma
apresentação. Vocês vão, não é?
CLARA
Não sei, filho. Esses lugares são
chiques e eu nem tenho roupa para
ir.
ROBERTO
A gente pega um vestido emprestado
de alguém. Não precisa ir tão
chique.
Roberto se levanta e abraça a mãe adotiva.
(CONTINUED)
CONTINUED: 19.
ROBERTO
Não teria graça sem vocês.
A mãe sorri. Jurandir esconde uma lágrima.
ROBERTO
Tô sem sono.
(escolhendo palavras)
Hoje aconteceu algo esquisito
quando vinha para casa.
ROBERTO
Encontrei o tal de Marcos no bar
aqui da esquina, aquele que parece
ser o chefe dos bandidos aqui do
bairro.
JURANDIR
Não quero você metido com essa
gente. Ouviu?
ROBERTO
Não se preocupe, pai. Você me
conhece. Não ando com nenhum deles.
Mas o tal Marcos me perguntou se eu
era seu afilhado. Parecia que ele
te conhecia.
(CONTINUED)
CONTINUED: 20.
JURANDIR
Eu não conheço bandido. Agora me
deixa ver a televisão.
Roberto se levanta e sai. Jurandir fecha o semblante.
CLARA
Se senta muleque. Come direito.
ROBERTO
Não dá tempo. Tô atrasado.
ROBERTO
Eu trabalho, cara.
JULIO
E eu num sei?
(sorrindo)
Ainda aquele trampo mixuruca?
ROBERTO
Hum, Hum.
JULIO
Cê sabe que posso te arrumar coisa
bem melhor. É só falar com uns
caras...
ROBERTO
Cê já me falou disso. Esquece.
JULIO
Vê aí. A grana é boa e o trampo
manero.
ROBERTO
Tô indo nessa.
Roberto se vira para sair, mas volta a atenção para o rapaz.
ROBERTO (CONT.)
Júlio!
(o rapaz o olha)
Só fica longe de encrenca, amigo.
JULIO
Eu to de boa.
Eles trocam um comprimento e Roberto segue seu caminho.
22.
ROBERTO
A gente faz o que é preciso.
(amargo)
Alguns tem de trabalhar enquanto os
outros se divertem.
VERA
Também não precisa ser grosso.
ROBERTO
E não foi assim que vocês me
trataram?
VERA
Eu?
ROBERTO
Só porque não tenho um carro nem
freqüento as baladas que vocês vão.
VERA
Eu não concordo nem um pouco com o
modo como eles te trataram. Até
porque você é de longe muito mais
talentoso que qualquer um deles.
ROBERTO
Obrigado... mas você também toca
muito bem.
VERA
Vamos fazer o seguinte. Vamos
começar de novo. Prazer, eu sou a
Vera.
(CONTINUED)
CONTINUED: 23.
ROBERTO
(sorrindo atrapalhado)
Roberto. Quer se sentar?
CARLOS
(para Roberto)
Se não é o Mozart da periferia.
Então é aqui que você se inspira?
CARLOS
Eu te pago outra batata, quer?
Carlos coloca uma NOTA sobre a mesa.
CARLOS
Lanche para todos!
Os amigos animam-se e sentam com as meninas. Carlos
permanece em pé.
VERA
Não vai se sentar e lanchar?
CARLOS
Não, tenho de passar numa loja. Eu
te espero no carro.
(CONTINUED)
CONTINUED: 24.
VERA
Não enche. É só uma carona.
(sedutora)
Bom, a gente se vê a noite.
ROBERTO
(sorrindo)
Até!
ROBERTO
Cara, me deixa em paz.
IVAN
Olha ai, o mané dando uma de macho.
Tá pensando que vai passar hoje de
boa?
Ivan pega o estojo do violino das mãos de Roberto.
ROBERTO
Me devolve isso.
Ivan abre o estojo, tira o violino e joga o estojo ao chão.
(CONTINUED)
CONTINUED: 25.
ROBERTO
Por favor, devolve meu violino.
Ivan gargalha, e passa o violino para a mão de outro, que
repassa para outro.
em vão.
IVAN
Vem pegar, mané. Tu não é o cara?
Todos gargalham.
ROBERTO
(incrédulo)
Meu violino! Eu vou...
IVAN
(ameaçador)
Vai o que?
(debochando)
Agora tu vai ter que aprender a
tocar cavaquinho. Quem sabe não se
ache melhor que a gente, véio.
Ivan gargalha.
Roberto está desolado, e recolhe os pedaços do instrumento.
Todos gargalham.
Marcos pega Ivan por trás, atirando-o no chão. Ivan
estatela, Marcos o levanta pelo colarinho e lhe dá um soco
na boca.
(CONTINUED)
CONTINUED: 26.
MARCOS
É mesmo? E Vai fazer o que?
Ivan monta em uma moto, e sai em disparada morro abaixo.
Roberto recolhe os últimos pedaços do violino de volta ao
estojo, e o fecha, desconsolado. Sua calça está rasgada, sua
camisa está suja.
Marcos observa o rapaz, que pega o caminho de casa.
CLARA
Filho. O que aconteceu?
ROBERTO
Nada, mãe.
JURANDIR
Como nada, filho?
ROBERTO
Foi só os caras do bar.
(CONTINUED)
CONTINUED: 27.
JURANDIR
Só?
Roberto abre o estojo e mostra o violino quebrado.
CLARA
Santa Mãe de Deus!
JURANDIR
Isso não fica assim. Vou lá agora.
ROBERTO
Não!
(Roberto segura Jurandir)
Eles estão armados, pai.
(fecha o estojo do violino)
O Marcos me defendeu.
CLARA
Quem?
(pega o pedaço de violino)
Mas agora o que vai ser?
ROBERTO
Vou dar um jeito nisto, mãe. Mas
depois. Agora preciso... dormir.
Roberto vai para o quarto.
FLASHBACK PARA:
ISAAC
Eu tenho uma coisa para você.
Isaac pega um velho estojo sobre a estante.
(CONTINUED)
CONTINUED: 28.
ISAAC
Era de meu pai. Agora quero que
fique com você.
Isaac abre. Dentro o Stradivarius.
ROBERTO
Maestro.. Eu...
ISAAC
Você precisa de um bom instrumento.
E esse é o melhor.
Roberto abraça Isaac.
ISAAC
Eu sei que ainda terei muito
orgulho de você, meu rapaz.
FIM DO FLASHBACK. VOLTA AO PRESENTE.
JULIO
Boa?
ROBERTO
Boa.
Roberto encolhe-se.
JULIO
E ai o que manda?
(CONTINUED)
CONTINUED: 29.
ROBERTO
Sobre aquele trabalho que você
falou.
JULIO
Tá precisando de grana?
ROBERTO
Muito. To precisando muito, e
rápido.
JULIO
Me dá um tempo. Vou falar com uns
caras e te ligo.
ROBERTO
Valeu. Mas não demora.
JÚLIO
Entendi, bró.
Roberto cumprimenta Júlio e sai.
CLARA
Oi filho, tem uma amiga sua te
procurando.
ROBERTO
Amiga, quem?
(CONTINUED)
CONTINUED: 30.
VERA
Passei no seu trabalho e me deram
seu endereço.
ROBERTO
Por que você veio aqui?
VERA
Não vai me convidar a entrar?
JURANDIR
Boa noite, minha filha.
VERA
Boa noite, senhor...
JURANDIR
Jurandir. Bem, vou até a cozinha e
deixar vocês a sós.
VERA
Eu não quero incomodar.
ROBERTO
Não quis mais ir.
VERA
Não? Porque? A audição está para
acontecer. Você não vai estar lá?
Carlos e os outros não tem um pingo
de seu talento. É sua chance de
conseguir o lugar.
ROBERTO
Desculpe, eu tenho mais em que
pensar, além da musica. Tocar para
mim tem que ser um hobby.
(CONTINUED)
CONTINUED: 31.
VERA
Hobby? Com sua habilidade?
ROBERTO
Bem, eu tenho coisas mais
importantes para fazer.
VERA
O que pode ser mais importante que
tocar com o dom que você tem?
ROBERTO
(rancoroso)
Ajudar no sustento da casa, por
exemplo. Ajudar a pagar as contas.
Você já ouviu falar disso, não?
VERA
Qual é o seu problema? Você quer
que eu sinta pena de você?
ROBERTO
Você sinta o que você quiser.
VERA
Não sinto. Você tem algo que muitos
nasceriam de novo para ter.
ROBERTO
Eu não posso ser mais do que aquilo
para o qual eu nasci.
VERA
Que seria?
ROBERTO
Eu preciso aprender a ficar no meu
lugar. Só isso.
VERA
Simples assim?
ROBERTO
Simples assim.
VERA
Me enganei, então.
(levantando-se)
Vi em você um guerreiro. Pensei que
lutasse pelo que acredita.
Dona Clara entra com uma xícara de café. Vera afasta-se em
direção à porta de saída.
(CONTINUED)
CONTINUED: 32.
ROBERTO
Acha que está fazendo sua boa ação
do dia, vindo conversar com um cara
como eu? Não estou nem um pouco
interessado no que você ou seus
amigos pensam ou deixam de pensar
de mim.
Vera retorna o olhar à direção da porta.
ROBERTO
APENAS ME DEIXEM EM PAZ!
Vera sai e fecha a porta atrás de si.
Clara observa o filho, incrédula.
CLARA
O que deu em você? Quem é sua
amiga?
ROBERTO
Ela é lá da orquestra.
CLARA
Gostei dela. Parece uma boa moça. O
que ela queria?
ROBERTO
Mais uma patricinha que pensa que
pode salvar o mundo. Não sabe de
nada.
O carro dá a partida.
MARCOS
Quer beber alguma coisa?
ROBERTO
Não, obrigado. Não bebo.
MARCOS
Aqui nada acontece sem que eu fique
sabendo
(irônico)
e sem que eu permita.
(CONTINUED)
CONTINUED: 35.
ROBERTO
Sei.
MARCOS
Bem. Bem. Mas eu não acho que você
saiba o que está fazendo.
MARCOS
(constatando a negativa)
Melhor assim. Não dos garotos que
esquecem que trabalham para mim e
fumam a minha mercadoria.
MARCOS
Vender. Mas não aqui no morro.
Roberto observa as pedras, mas abaixa a mão ao próprio
bolso.
MARCOS
Aqui no morro já temos nóia demais.
E nóia pobre.
Roberto abaixa a cabeça.
(CONTINUED)
CONTINUED: 36.
MARCOS
Você vai vender lá no shopping,
onde sei que você trabalha. E vai
vender no teatro. Sei que você
freqüenta uma turma de
filhinhos-de-papai.
ROBERTO
Eu... eu... trabalho na lanchonete
e...
MARCOS
E não pode vender lá, certo?
ROBERTO
É que eu...
MARCOS
E não pode vender pros seus
coleguinhas ricos, certo?
ROBERTO
Nunca fiz isto.
MARCOS
Quer que eu acenda para você provar
a qualidade do que vai vender?
Roberto agita-se. O soldado o segura para não se levantar.
(CONTINUED)
CONTINUED: 37.
ROBERTO
O que é isso? Quanta droga tem aqui
dentro. Eu não quero...
MARCOS
Abra.
ROBERTO
Não. Eu não devia ter vindo.
Marcos apanha a pistola e coloca sobre a mesa.
MARCOS
Tarde demais para mudar de idéia.
Roberto olha em volta. Ninguém parece interessado em seu
desespero.
MARCOS
Qual a parte que você não entendeu?
Não deixei claro que ninguém faz
nada aqui sem que eu permita?
(reapontando a arma)
Agora, abra o embrulho ou morre
agora.
Roberto não se move.
(CONTINUED)
CONTINUED: 38.
MARCOS (CONT.)
Você não se dobra, não é? Não me
respondeu porque precisa de
dinheiro
(guardando a arma)
e não está disposto a pagar o
preço.
Marcos desembrulha o pacote. Uma caixa de papelão. Dentro um
estojo. Dentro um violino, novo. Um Nhureson.
ROBERTO
Mas como?
Marcos acende o cachimbo, e dá um trago.
MARCOS
Era o mais caro da loja. Foi o que
mandei Júlio comprar e espero que o
pilantra não tenha comprado um
vagabundo.
ROBERTO
É... é... ótimo. Mas porque isto?
Marcos dá outro trago da pedra, e passa para um soldado e
acena para os outros soldados se afastarem.
O soldado da um trago, passa pro outro, e este para outro, e
saem da linha de visão de Marcos.
MARCOS
Considere como um adiantamento.
MARCOS
E eu disse o que você vai ter de
fazer?
Marcos chama um dos soldados e manda que levem Roberto para
casa
39.
Roberto se levanta.
JURANDIR
Onde você vai?
ROBERTO
Onde mais eu poderia estar indo?
Trabalhar.
JURANDIR
(energético)
SENTA!
Roberto torna a sentar.
ROBERTO
Pai, tenho de ir, senão vou me
atrasar e...
JURANDIR
(agressivo)
Você não tem nada para contar?
(CONTINUED)
CONTINUED: 40.
ROBERTO
O que está acontecendo?
JURANDIR
Você me diga o que está
acontecendo, Roberto.
ROBERTO
Do que o senhor está falando.
JURANDIR
O senhor pode nos dizer como
conseguiu isso?
Roberto levanta-se e toma o estojo das mãos da mãe.
ROBERTO
O que o senhor está pensando?
JURANDIR
Eu não estou pensando nada. Eu
estou vendo que você tem um violino
novo.
Roberto abre o estojo, checando o violino
JURANDIR (CONT.)
Deve ter custado caro. Muito caro.
CLARA
(desesperada)
Filho, não vai me dizer que você
roubou...
JURANDIR
E nem que comprou. Com que
dinheiro?
(CONTINUED)
CONTINUED: 41.
ROBERTO
Eu ganhei.
Clara respira aliviada.
CLARA
Não te falei, Jurandir. Foi aquela
menina que teve aqui que te deu,
não foi?
JURANDIR
Deixa de ser ingenua, mulher. Quem
ia dar um presente caro destes para
alguém?
ROBERTO
O senhor acha que eu roubei?
(o pai o encara)
Ou que eu fiz coisa pior para ter
dinheiro para comprá-lo?
JURANDIR
Já te disse que não acho nada.
Porque você não diz como conseguiu
isso?
ROBERTO
Eu ganhei.
(olhando para a mãe)
Não, não foi aquela menina.
(olhando para o pai)
E antes que pergunte, não foi o
senhor Isaac também.
(baixando a cabeça)
Tive vergonha de contar para ele
que deixei destruírem o violino do
pai dele. Que ele me deu.
JURANDIR
Mas não teve vergonha de..
ROBERTO
De que, pai? Diga? O que o senhor
acha que eu seria capaz de fazer?
CLARA
Seu pai já disse que não acha nada.
Eu e ele sabemos o filho que
criamos, e temos certeza de que
você não fez nada de errado para
ter este violino.
(olhando Roberto)
Não é assim... filho?
(CONTINUED)
CONTINUED: 42.
JURANDIR
O que você está querendo com o
Roberto, Marcos?
(CONTINUED)
CONTINUED: 43.
JURANDIR
Eu vou lhe dizer uma vez, e não vou
repetir. Fique longe dele.
MARCOS
Eu acho que a decisão não é sua.
JURANDIR
Você não tem que achar nada.
Sheila erra a bola verde. Marco retorna seu taco em posição
de jogo.
JURANDIR (CONT.)
O que você quer?
MARCOS
E eu preciso de um motivo?
JURANDIR
Você nunca dá nada sem esperar
alguma coisa em troca.
MARCOS
Você nunca reclamou do que lhe dei.
Marcos encaçapa a bola verde. E encaçapa a bola roxa. Resta
a preta.
MARCOS (CONT.)
Quem sabe não chegou a hora dele
assumir o lugar do pai?
JURANDIR
O pai dele sou eu, Marcos.
Ninguém mexe com meu filho. Só por
cima do meu cadáver.
Marcos alinha o taco apontando a bola branca para a preta.
MARCOS
Isso pode ser arranjado.
JURANDIR
Eu fechei os olhos para muita coisa
que você fez, Marcos, mas não ouse
se aproximar do Roberto de novo.
Marcos abaixa a cabeça para colocar o olho na altura da
bola.
(CONTINUED)
CONTINUED: 44.
JURANDIR
Você é como um câncer, Marcos. Uma
doença que mata tudo o que se
aproxima.
ROBERTO
Desculpe, você ficou sem a carona
do Carlos por minha causa, não foi?
Roberto volta a andar.
VERA
Eu disse a ele para ir sozinho.
Roberto fica feliz.
(CONTINUED)
CONTINUED: 46.
ROBERTO
Vamos fazer o seguinte. Eu te pago
um café e deixo você falar a noite
inteira sobre seus problemas. Assim
ficamos quites.
VERA
A noite inteira?
ROBERTO
Te acompanho até sua casa.
VERA
Você perderia o seu último trem.
(dá a mão a Roberto)
Mas eu aceito o café. Te acompanho
até a estação.
(sorrindo)
E depois eu pego um taxi.
(rindo)
Já sei que vai me chamar de
filhinha de mamãe. Mas eu não dou a
mínima.
(CONTINUED)
CONTINUED: 47.
VERA
Pois eu estou adorando estar aqui.
(pegando a garotinha no colo)
Estou muito feliz que me convidou
para vir. adoro trabalhar com
crianças. Mas você ainda não me
disse como conseguiu este emprego.
ROBERTO
É voluntário.
VERA
E a lanchonete? Não tinha de
trabalhar para ajudar seus pais?
ROBERTO
Vou receber salário pela ONG.
VERA
Jura? Então pode ficar o dia todo
aqui?
ROBERTO
Sim. nem eu acreditei quando me
disseram.
VERA
Quem?
IVAN
O que tá pegando? Porque o Marcos
tá dando tanta treta pra esse
moleque?
SHEILA
E como quer que eu saiba?
No fundo da boate, Roberto e Marco conversam animados.
(CONTINUED)
CONTINUED: 48.
IVAN
O Marcos tá ficando mole...
SHEILA
Para mim ele não dá mole. Tenho de
me desdobrar para não dançar.
SHEILA
Cuidado Ivan. O peixe morre pela
boca.
Sheila se afasta, rebolando provocativamente, e se aproxima
da mesa de Marcos.
MARCOS
Você tem muito talento.
ROBERTO
Muita sorte, eu digo. Um velho
professor me deu aulas de graça
durante anos e me ensinou tudo que
eu sei.
MARCOS
E onde ele está?
ROBERTO
Meu professor? Está bem velho, mas
ainda toca. Foi ele quem me deu o
violino que quebraram.
(CONTINUED)
CONTINUED: 49.
MARCOS
Parecia muito caro.
ROBERTO
Era um Sradivarius legítimo.
Pertenceu ao pai dele.
(olhando para Marcos)
Mas o que você me deu é muito bom
também.
(escolhendo palavras)
Mas preciso saber porque me deu o
violino e resolveu meus problemas.
MARCOS
Dinheiro eu tenho aos montes.
Gostaria que todos os meus
problemas fossem tão fáceis de
resolver como os seus.
ROBERTO
Eu pensei que alguém como você não
tivesse problemas.
MARCOS
Quando se chega onde cheguei, os
problemas não são tão simples de
resolver. Porque você acha que eu
ando cercado de guarda-costas?
ROBERTO
Se é tão ruim assim, porque
simplesmente não larga tudo, muda
de vida, muda de cidade, de país.
Você já deve ter o suficiente para
viver bem em qualquer lugar do
mundo, não?
MARCOS
Já não é mais uma questão de
dinheiro. Eu entrei e passei a
muito do ponto de poder sair. Estou
enterrado até o pescoço nessa
merda.
ROBERTO
Eu não entendo. Você pode fazer
tratamento e largar o vício.
MARCOS
Não estou falando do vício. Mas não
importa. Eu estou contente por
você. Como vão as crianças?
(CONTINUED)
CONTINUED: 50.
ROBERTO
Fantástico. A melhor coisa que
podia ter me acontecido. Estou
amando cada uma delas e...
MARCOS
E aquela menina?
ROBERTO
Que menina?
MARCOS
(gargalhando)
A menina da orquestra.
ROBERTO
Você nunca me disse porque me deu o
violino. (roberto muda de assunto)
MARCOS
E to te pagando para dar aulas de
música na comunidade? Achei que
isto já tinha ficado óbvio.
Roberto fica apreensivo.
MARCOS
Faz parte do meu trabalho ajudar a
comunidade. Mas tenho que manter as
aparências e você aceitou manter em
segredo.
ROBERTO
Eu tive que contar pro meu pai e
minha mãe. para explicar porque eu
não iria mais trabalhar na
lanchonete.
MARCOS
E o que seu pai falou?
ROBERTO
Não contei que você que tá pagando.
Falei que vem da ong, o que não é
mentira, pois meu trabalho é
voluntário, mas não falei que você
banca meu salário, Mas o que você
ganha com isso, afinal?
(CONTINUED)
CONTINUED: 51.
MARCOS
Me imagine assim como Robin Hood?
Marcos gargalha.
ROBERTO
Posso te fazer uma pergunta?
MARCOS
Mais uma? Manda!
ROBERTO
No outro dia, você me perguntou
sobre o Jurandir. Vocês se
conhecem?
MARCOS
Você perguntou isso a ele?
ROBERTO
Perguntei, mas ele desconversou.
MARCOS
O que ele disse?
ROBERTO
Nada! Apenas fugiu do assunto e
mandou eu ficar longe de você.
MARCOS
Então vamos deixar como está. Eu só
queria pagar um professor de música
para as crianças da comunidade. Não
tem nada demais fazer caridade. E
seu pai está certo. Você deve ficar
longe de mim.
Marcos faz sinal para um dos soldados que se aproxima.
Roberto levanta-se e sai. Olha para trás e vê Marcos
preparando outro cachimbo.
(CONTINUED)
CONTINUED: 52.
MARCOS
Está de parabéns. Está indo muito
bem com as crianças.
ROBERTO
As crianças estão muito animadas.
Basta dar uma oportunidade.
Gostaria de agradecer pelos
instrumentos que você doou para o
centro.
MARCOS
Não agradeça. Apenas continue
fazendo seu trabalho. Precisa de
mais alguma coisa?
ROBERTO
Não. Mais tarde talvez precisemos
de mais instrumentos.
MARCOS
Só me entregue a lista.
MARCOS
Aceite um conselho. Se for uma boa
moça, não deixe ela escapar.
ROBERTO
E a Sheila?
MARCOS
Não é moça pra casar.
Marcos gargalha.
(CONTINUED)
CONTINUED: 53.
VERA
Ele é mesmo um tipo de mafioso? Não
parece.
ROBERTO
As aparências enganam.
Quem diria que uma patricinha como
você estaria no morro cercada de
crianças carentes.
VERA (CONT.)
É um trabalho muito bonito o que
você está fazendo.
ROBERTO
Estamos fazendo.
Roberto recolhe os instrumentos.
ROBERTO
Eu já te falei sobre o Isaac. Ele
me ensinou desde criança, e nunca
quis um tostão por me ensinar.
Apenas estou retribuindo aquilo que
um dia ele fez por mim. Como
prometi a ele que ia fazer.
MONTAGEM:
(CONTINUED)
CONTINUED: 55.
JURANDIR
Sua mãe acha que já passou da hora
de você saber de algumas coisas.
Roberto volta sua atenção ao pai.
ROBERTO
É sobre o Marcos, não é?
JURANDIR
É sobre o Marcos, sim.
ROBERTO
É claro que vocês se conhecem.
Jurandir desvia o olhar.
ROBERTO (CONT.)
O que tem você a ver com o Marcos?
JURANDIR
Tem a ver com você.
JURANDIR
Sim, mas o Marcos não é seu pai. É
uma história muito longa, e sua mãe
acha que já é hora de você saber de
tudo.
(CONTINUED)
CONTINUED: 56.
JURANDIR
Vamos lá para fora. Vou te contar.
ROBERTO
Me conte sobre o Marcos. Ele
conhecia meu pai?
JURANDIR
Conhecia. Nós moramos na mesma casa
e começamos a trabalhar juntos na
mesma obra. Costumávamos tomar uma
cerveja ou outra no final do
expediente, e jogar bilhar num bar
perto daqui.
ROBERTO
Por isso ele está me ajudando?
JURANDIR
Eu acho que ele quer apagar um
pouco da culpa pelo que aconteceu
com seu pai.
ROBERTO
Mas do que está falando?
JURANDIR
Um tempo depois que morávamos aqui
o Marcos começou a se envolver com
pessoas que não eram do bem. Ele
dizia que estava cansado de
trabalhar feito um burro e nunca
ter dinheiro. Aí começou a se
envolver com todo tipo de gente.
ROBERTO
E meu pai?
(CONTINUED)
CONTINUED: 57.
JURANDIR
Ele era bem mais novo que eu na
época. O Marcos era como um herói
para ele. Tudo o que o Marcos fazia
ele queria imitar. Logo o Marcos
saiu do emprego e começou a chegar
em casa com dinheiro e coisas
novas. Eu fazia de conta que não
via nada. Estava tão cego que não
percebi o perigo que seu pai
corria.
ROBERTO
O que aconteceu?
JURANDIR
Um dia mexendo nas coisas dele
encontrei um revólver. Quis saber o
que era e ele disse que era do
Marcos, só estava guardando. Mandei
ele devolver, que eu não queria
aquilo na nossa casa.
ROBERTO
E então?
JURANDIR
Naquela noite eu não conseguia
dormir, parecia que adivinhava que
alguma coisa iria acontecer. De
madrugada foram bater na porta de
casa. No começo não entendi, depois
falaram que alguma coisa tinha
acontecido com seu pai.
INICIO DO FLASHBACK
JURANDIR
O que aconteceu?
MARCOS
Eu não sei. Estava chegando e vi
Paulo vindo em minha direção. De
repente um carro chegou e os caras
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 58.
MARCOS (cont’d)
começaram a atirar. Eu atirei
também, não sei quantas vezes. E
eles foram embora.
JURANDIR
E o Paulo?
MARCOS
Ele estava no meio do tiroteio.
Eles queriam acertar em mim, mas o
Paulo estava no caminho. Não tive
culpa.
Jurandir se afasta de Marcos e se abaixa para ver o corpo de
Paulo. Enquanto isso Marcos se afasta empurrando as pessoas.
FIM DO FLASHBACK
JURANDIR
Enterrei seu pai. Depois fiquei
sabendo que o Marcos matou todos os
que estiveram no tiroteio. Nunca se
meta com ele. Por isso eu te digo.
Fique longe dele.
Jurandir se levanta e entra na casa deixando Roberto com
seus pensamentos.
(CONTINUED)
CONTINUED: 59.
MARCOS
Está se sentindo melhor agora?
ROBERTO
O Jurandir me contou tudo.
MARCOS
Mais cedo ou mais tarde você
acabaria descobrindo mesmo.
ROBERTO
Ele me contou como meu pai morreu.
Disse que foi tudo culpa sua.
MARCOS
Nunca pedi para ele me seguir. Ele
veio porque quis.
ROBERTO
Tudo assim fácil, não é? Você só
deixou acontecer.
MARCOS
Tudo que seu pai queria era ser
igual a mim. Ele também não queria
viver a vidazinha medíocre que o
Jurandir obrigou você a viver.
Talvez se ele ainda estivesse vivo
você não achasse tão ruim assim.
ROBERTO
E agora você acha que pode comprar
minha consciência com um pouco do
seu dinheiro sujo?
MARCOS
A vida é assim moleque.
ROBERTO
Porque? Tudo por causa de dinheiro?
Eu entendo que a vida de vocês era
difícil...
MARCOS
Besteira. Seu pai queria coisas
boas que só o dinheiro podia
comprar. Ele fez uma escolha e
agora você tem que fazer a sua
ROBERTO
Eu já fiz.
(CONTINUED)
CONTINUED: 60.
MARCOS
Isso é seu. Para mim não serve de
nada.
Marcos joga o violino de volta para Roberto.
(CONTINUED)
CONTINUED: 61.
SOLDADO 1
Tu não veio aqui para falar do
processo, veio?
IVAN
Claro que não!
(olhando para um soldado)
Pode misturar mais que eu garanto a
venda.
(encostando no cano da arma
sobre a mesa)
E quero ver noiado vir reclamar da
mercadoria. Faço ele cheirar a
fumaça deste cano. Vai viajar... e
só acordar no inferno!
(para todos)
Eu pedi esta reunião porque pra mim
o Marcos não tem mais peito para
mandar no morro. Tá na hora dele
passar a coroa.
Os soldados entreolham-se, alguns pendendo a cabeça.
IVAN
Vocês sabem do que aconteceu ontem
no bar. Se fosse outros tempos, o
Marcos tinha feito picado daquele
moleque.
SOLDADO 2
E tu tá pensando em ficar com a
boca?
IVAN
Vou ficar! E quero saber quem vai
ficar do meu lado.
SOLDADO 3
A treta é entre vocês. Vocês que a
resolvam.
IVAN
Tá certo. Tá certo. Só quero que
ninguém se meta. Isso é assunto meu
e dele. Combinado?
MAESTRO
Vamos ficar por aqui. Vocês não
estão se dedicando.
Outros músicos guarda cada um seu instrumento. Carlos se
irrita, mas Vera o ignora, e ele sai.
VERA
Tudo bem?
Roberto continua os passos largos. Vera emparelha os passos.
ROBERTO
Claro.
VERA
Aconteceu alguma coisa?
ROBERTO
Só estou um pouco perturbado.
VERA
Não quer conversar?
ROBERTO
Não. É uma coisa que eu mesmo tenho
que resolver. Eu preciso ir.
Roberto aperta a marcha, e deixa Vera pra trás.
(CONTINUED)
CONTINUED: 63.
JULIO (CONT.)
E também não vai me dizer onde
conseguiu esta grana.
ROBERTO
Pode contar. Tá tudo aí.
JULIO
Não vou contar. Você não ia ser
louco de me dá um toco.
MARCOS
O que você quer?
Marcos tá uma tacada na bola preta, e está cai no chão, do
outro lado da mesa.
(CONTINUED)
CONTINUED: 64.
ROBERTO
Meter uma bala na sua cabeça.
MARCOS
Fácil assim?
JURANDIR
Eu estou muito orgulhoso de você
meu filho, e não é só pela música,
ouviu?
CLARA
Eu to orgulhosa de você ter
conseguido o emprego.
ROBERTO
Não é emprego, mãe. Só me deixam
tocar na orquestra.
(rindo)
CLARA
Faz mal não. Dinheiro é o de menos.
To cheia de orgulho de você.
Jurandir dá um tapinha afetuoso no filho.
JURANDIR
Sua mãe tá é vaidosa com este
vestido que ela costurou lá naquele
curso da comunidade.
CLARA
Exagerado. Eu só reformei. Comprei
baratinho num brechó.
ROBERTO
Fico muito feliz de ver vocês assim
contentes. Eu já vou.
JURANDIR
Você não vem com a gente?
ROBERTO
Não. A Vera ficou de me esperar na
estação do centro para chegarmos
juntos. Vocês já podem ir na
frente.
CLARA
Eu gosto dessa menina. Se comporte
bem com ela, hein?
(CONTINUED)
CONTINUED: 66.
ROBERTO
Qual é mãe?
Os dois saem pela porta com as crianças.
Roberto separa algumas partituras.
BATIDAS na porta.
ROBERTO
Esqueceram a chave?
ROBERTO
O que você quer aqui?
IVAN
Não me convida para entrar?
ROBERTO
Você não é bem vindo aqui.
Ivan gargalha.
IVAN
Assim você me magoa
Roberto pega Ivan pela camisa.
ROBERTO
Vai sair por bem, ou vai por mal?
ROBERTO
Está tudo bem com você? Eles te
machucaram?
VERA
Não. Tô bem. O que que eles querem?
Dinheiro de meus pais? Quanto?
ROBERTO
Quanto você quer Ivan?
IVAN
De vocês nada. Vocês só tem de
ficar quietinhos.
Sheila aparece. Ivan lhe dá o cordão de Vera. Sheila sorri
satisfeita.
IVAN
É seu.
Sheila coloca o cordão.
SHEILA
Nosso acordo então está de pé.
IVAN
E porque não estaria?
SHEILA
A minha parte eu cumpro.
Ivan puxa Sheila pelo cabelo. Ela gosta.
(CONTINUED)
CONTINUED: 68.
IVAN
Faz o combinado e tu vai viver como
uma rainha.
Sheila beija Ivan, e este aperta-lhe e a leva para dentro da
casa.
ROBERTO
Então foi você.
O soldado encosta o cano nas costas de Marcos, e ele
continua a andar, e senta-se ao lado de Roberto.
Outros cinco soldados entram, todos de arma em punho.
Ivan entra, vindo do quarto interno, fechando a camisa.
MARCOS
Estou aqui. Pode soltar o rapaz.
Roberto olha para um e outro.
(CONTINUED)
CONTINUED: 69.
ROBERTO
Por que?
MARCOS
Deixe ele ir, e a moça também.
IVAN (CONT.)
Não há mais nada seu. Até a sua
vadia te traiu, Marcos.
MARCOS
Deixe o rapaz e a moça irem. A
parada é entre nós e ele não tem
nada a ver com isso.
IVAN
E ele tem de tocar no Municipal?
(rindo)
To a par de tudo. Como acha que
peguei a moça?
Sheila estremece.
IVAN (CONT.)
Você e seu sobrinho ai são iguais.
Ele veio salvar ela e você veio
salvar ele. E agora os dois se
fuderam.
MARCOS
Cala sua boca, Ivan!
ROBERTO
Sobrinho?
IVAN
Parece que não te contaram a
história toda. Esse ai é seu tio.
Legal né?
(CONTINUED)
CONTINUED: 70.
ROBERTO
(para Marcos)
Meu tio....
MARCOS
Ele não sabe o que tá dizendo.
(olhando Roberto dentro do
olho)
IVAN
O que é que você acha, moleque? Eu
entendi tudo quando ele não te
matou.
(para Marcos)
Tu baixou a guarda, e vai morrer. E
eu passo a ser o dono da boca.
MARCOS
O que você quer, Ivan, é entre eu e
você. E só eu posso te dar.
IVAN
Você não me dá mais porra nenhuma.
Quem dá as ordens agora sou eu.
Quem diz quem vive ou morre de
agora em diante sou eu.
MARCOS
Sabe qual seu problema Ivan?
Ivan aponta a arma para a cabeça de Marcos.
MARCOS
(sem aflição)
Você nunca foi muito esperto, não
é?
IVAN
Não? Mas quem é que manda agora?
MARCOS
Quem?
Os soldados reapontam as armas... para Ivan.
(CONTINUED)
CONTINUED: 71.
MARCOS
Pegue sua namorada.
(para um soldado)
Deixei-os onde quiserem ir.
(para Sheila, beijando-lhe)
Vá agora que eu ainda tenho umas
contas para acertar.
(para o soldado)
Deixei-a em casa também.
Todos se viram para a porta caminhando para a saída.
aproveitando o momento de descuido Ivan pega a pistola da
cintura do soldado, aponta para Marcos e atira pelas costas.
Marcos cai. Quase no mesmo momento os soldados atiram em
Ivan que cai a um canto da sala. Roberto corre e apóia Ivan
nos braços. Sua roupa está cheia de sangue e logo as mãos e
roupa de Roberto também estão.
ROBERTO
Marcos.
MARCOS
Fica frio. Não é a primeira vez que
eu levo um tiro. Vai embora!
ROBERTO
Não vou deixar você assim...
MARCOS
vai agora e deixa seu pai
orgulhoso.... e eu também.
Marcos faz um sinal para um dos soldados que levanta Roberto
e o encaminha para a porta de saída. Um outro soldado conduz
Vera, e Sheila os acompanha.
(CONTINUED)
CONTINUED: 72.
MAESTRO
Pensei que não vinham mais... Meu
Deus, o que é isso... de quem é
esse sangue?
ROBERTO
Não se preocupe, não é meu.
MAESTRO
Mas o que aconteceu?
ROBERTO
É uma longa história.
MAESTRO
Vocês acham que estão em
condições...
VERA
Estamos aqui, não estamos?
ROBERTO
Eu vou me trocar...
APLAUSOS de todos.
Roberto posiciona seu violino no queixo. Vera troca olhares
furtivos com ele.
O Maestro entra e se posiciona no centro do palco, de costas
para o público, de frente para seus músicos.
(CONTINUED)
CONTINUED: 73.
ROBERTO
Para, mãe. Assim a senhora vai ter
um treco!!!
A mãe ri contentíssima. O pai cumprimenta Roberto com um
forte abraço.
O Maestro toca no ombro de Roberto.
MAESTRO
Roberto, venha aqui. Quero que
conheça alguém.
Um SENHOR de costas conversa com algumas pessoas. O Maestro
toca-lhe no ombro.
MAESTRO
Por favor, Maestro?
O Senhor vira-se. É o MAESTRO JOÃO CARLOS MARTINS.
Roberto não acredita em seus olhos.
(CONTINUED)
CONTINUED: 75.
JOÃO CARLOS
Ah! então esse é o rapaz de quem
falávamos.
(cumprimenta-o entusiasmado)
Muito bom, muito bom mesmo. Queria
muito lhe conhecer, meu caro rapaz.
nem em seus ouvidos.
ROBERTO
Maestro...
JOÃO CARLOS
O seu maestro me falou muito bem de
você, das dificuldades que supera
para vir nos ensaios, para estar
aqui esta noite.
JOÃO CARLOS
Deixa disso rapaz. Eu pedi para
conhecê-lo pois estou abrindo um
novo programa de intercâmbio com
jovens artistas daqui e da Europa e
gostaria de saber se você está
interessado?
ROBERTO
Eu?
JOÃO CARLOS
Aqui estão meus telefones.
(entrega um cartão a Roberto)
Me procure ainda esta semana.
(batendo nos ombros)
Você tem muito talento meu rapaz.
ROBERTO
Muito... Muito Obrigado.
Ele se afasta junto com outros. Roberto observa o cartão.
Algumas pessoas o cumprimentam
76.
FADE OUT.
FIM