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ADAGIO

Roberto Giglio

3 TRATAMENTO

Roberto Giglio 2016 rbgiglio@hotmail.com


INT. TEATRO - NOITE
Um plano aberto de um teatro novo, um espaço amplo, com
mezaninos ao lado e acima, as paredes decoradas com madeira
de lei e cadeiras de estofado vermelho. um corredor de
tapete vermelho leva ao centro do palco, onde se encontram
muitos jovens, com instrumentos de orquestra executando uma
peça de um compositor clássico.
Inserts dos instrumentos e dos músicos tocando a partitura.

O MAESTRO, (40) posicionado à frente da orquestra rege


compenetrado e atento à cada movimento, acenando aqui e ali
corrigindo algumas falhas na execução. Um plano mais
detalhado de uma menina que toca cello.

EXT. RUA - NOITE


Roberto (20), um rapaz mulato, atlético, vestido com
camiseta e jeans, corre pelas ruas da cidade. Pelo seu
semblante percebemos que está angustiado.

EXT. TEATRO - NOITE


Roberto chega ofegante à escadaria do teatro.

Ele sobe apressado as escadarias e um SEGURANÇA, corpulento,


de terno e gravata, barra sua entrada.
O Segurança olha Roberto de cima em baixo: a roupa informal,
o o tênis surrado.

SEGURANÇA
(com desdém)
Opa! Opa. Parado ai. Onde você
pensa que vai?

ROBERTO
Eu tenho um ensaio com a orquestra.
(respirando fundo)
e já estou atrasado.
Roberto tenta passas, mas O segurança detém sua passagem

SEGURANÇA
Calma ai que eu vou conferir.
segurança fala ao radio.

(CONTINUED)
CONTINUED: 2.

SEGURANÇA
(ao radio, meio debochado)
Chefe, tem um moleque aqui na
entrada, dizendo que veio ensaiar.

escuta resposta
SEGURANÇA
(para Roberto)
Qual seu nome?

ROBERTO
Roberto. Roberto Costa.
SEGURANÇA
(ao radio)
Roberto Costa.
(para Roberto)
Ok. Pode passar. (Segurando Roberto
pelo braço)Mas sem correria.
Roberto entra no teatro.

INT. TEATRO - NOITE


Roberto admira, a suntuosidade do lugar.
A orquestra continua o ensaio no palco.

Ele fica imóvel, por algum tempo, apenas observando a música


sendo executada.
Roberto respira fundo e desce as escadas. Ele aproxima-se do
palco.

O maestro pára o ensaio, e volta-se.


MAESTRO
Ah! Roberto.

Roberto sente-se um pouco constrangido com a atenção de


todos.
MAESTRO
Pode subir. Por ali.(indica uma
escada lateral ao palco)

Roberto sobe ao palco e senta-se em uma cadeira apontada


pelo Maestro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 3.

MAESTRO
Este é o Roberto, aluno de um
antigo professor meu. Está aqui
para fazer um teste para entrar em
a nossa orquestra.

Os outros músicos cumprimentam Roberto.


MAESTRO
Vamos abrir na Tocata e Fuga número
Dois para violino.(sugestão)

Todos folheiam suas partituras.


CARLOS (20), Um rapaz de boa aparência, com roupas que
indicam uma posição social claramente melhor que roberto,
solta um riso contido.

CARLOS
(para músicos próximos)
Olha o tipo do cara.
Os outros riem.

CARLOS (CONT.)
Deve ter um cavaquinho no estojo.
Roberto abre a caixa de seu violino, um violino bastante
gasto, mas de excelente qualidade, pega-o com cuidado, mas
com o nervosismo deixa a caixa cair ao chão, provocando uma
onda de risos entre os outros músicos.
MAESTRO
Silêncio! Acabou a hora do
recreio.(batendo com a batuta).

O Maestro aguarda Roberto, que apanha seu violino, fecha a


caixa e a guarda detrás de si.
O Maestro espera que todos estejam preparados, e levanta as
mãos, começa a reger a música.

A música é executada com perfeição.


Roberto toca com precisão as cordas do violino.

O Maestro sorri contente com a performance.


Carlos, que almeja a posição de spalla não aparenta estar
muito contente com a performance do rapaz.
4.

INT. TEATRO - NOITE


Ao final do ensaio todos guardam seus instrumentos em seus
estojos e levantam-se das cadeiras.
O Maestro vem ao encontro de Roberto.

MAESTRO
Muito bom, Roberto. O Isaac
ensinou-lhe muito bem.

ROBERTO
Muito obrigado, maestro.
MAESTRO
Eu que agradeço. De agora até o dia
da apresentação teremos ensaios
todas as quintas. Posso contar com
você? (e estica a mão para Roberto)
ROBERTO
Então eu passei no teste?

MAESTRO
O que você acha?
Roberto cumprimenta efusivamente o Maestro.
VERA,(19), uma moça bonita, também bem vestida, uma das
instrumentistas da orquestra, vem cumprimentar Roberto.
VERA
Oi. Sou Vera. Bem vindo ao grupo,
Roberto.

ROBERTO
Obrigado. Valeu.
Vera sai para trás da cortina e Roberto continua a colocar o
instrumento no estojo.

Alguns músicos acompanham Carlos e aproximam-se.


CARLOS
E ai... Roberto, não é?

Roberto balança a cabeça positivamente.


CARLOS
Belo violino. Deve ter custado uma
nota, não?

(CONTINUED)
CONTINUED: 5.

ROBERTO
Foi um presente.

CARLOS
Sei.
Os outros ao redor observam divertidos.
CARLOS
Nós vamos até um barzinho aqui
perto beber alguma coisa, e você
pode vir com a gente se quiser.
ROBERTO
Obrigado, mas tenho que ir para
casa.
CARLOS
Deixa disso. Se não tem dinheiro, a
gente paga.

Alguns riem.
Vera está de volta ao palco.
Roberto recolhe o violino, desce do palco e se afasta.

As risadas aumentam às suas costas.


VERA
Para que isso Carlos? Dá para ver
que ele não tem condição de
freqüentar os mesmos lugares que a
gente, mas e daí?
CARLOS
Então ele não deveria ter saído do
lugar dele!

Carlos procura abraçar Vera, que o afasta de si.


VERA
Qual é o seu problema? Está com
medo que ele possa ser melhor do
que você?
Alguns riem.
CARLOS
E você, Vera? Porque todo esse
interesse?
Carlos mexe no cabelo de Vera, com intimidade. Vera tira-lhe
a mão.

(CONTINUED)
CONTINUED: 6.

VERA
Vai, não enche.
Carlos dá as costas para Vera, abraça um amigo, e acompanha
as risadas dos amigos , enquanto se afasta.

CARLOS
Que otário!

EXT. ESTAÇÃO DE TREM - NOITE

Roberto espera o trem suburbano.


O TREM se aproxima, e passa próximo ao rosto de Roberto.

INT. VAGÃO - NOITE


Roberto entra e senta-se no banco do trem com poucos
passageiros.
Cansado recosta-se no banco.

FLASHBACK PARA:

INT. TREM - DIA

CLARA (35), Morena, vestida com roupas simples e discretas,


carrega uma sacola em uma das mãos e na outra segura a mão
de GAROTO ROBERTO(10), um menino de cor parda, vestido com
shorts e camiseta simples, ativo e sempre reparando as
coisas à sua volta, sentados no banco do trem, que
atravessa a passagem urbana.

O Garoto Roberto não desgruda o olhar da janela, observando


a paisagem.

EXT. RUA - CASA DE ISAAC - DIA

Clara e Garoto Roberto chegam a um PORTÃO.


Clara o abre, espera que o Garoto entre, e o segue entrando
pelos fundos na casa.
7.

INT. CASA DE ISAAC - COZINHA - DIA


Clara apanha um avental e amarra em sua cintura. Prende os
cabelos, tira os anéis e os guarda numa gaveta.
A pia está repleta de LOUÇAS e PANELAS.

Garoto Roberto senta no banco ao fundo da cozinha.


Clara apanha o sabão, a bucha, abre a torneira e apanha um
prato para lavar.

Ao fundo escutamos o som de um violino que parece vir de


outro comodo da casa.
O garoto Roberto abre a porta da cozinha e a deixa
entreaberta.

O som do violino aumenta de intensidade.


Clara dirige um olhar de reprovação. Garoto Roberto fecha a
porta e volta a sentar-se no banco.

Clara retoma a lavar as louças, e se distrai.


Roberto levanta-se de mansinho, abre a porta sem fazer
barulho, e sai.

INT. CASA DE ISAAC - SALA - DIA


Roberto atravessa o corredor e chega devagar até a sala.
ISAAC(60), um senhor já grisalho, com feição grave, mais
para calvo, com expressão compenetrada, está tocando
violino.
O garoto esconde-se por detrás da cortina.
Isaac finge não perceber e continua tocando.

O Garoto escuta, escondido.


Isaac sorri, pausa a nota, e olha para a cortina.
O garoto vê-se descoberto, e sai correndo da sala.
8.

INT. CASA DE ISAAC - COZINHA - DIA


O Garoto controla a respiração, entra quietinho e vai-se
sentar no banco.
Clara continua a lavar a louça, e faz de conta que não
percebeu.
MONTAGEM:

INT. CASA DE ISAAC - SALA - DIA


A) Roberto, escondido atrás da cortina, escuta Isaac que
toca violino.
B) Novo dia, Roberto observa Isaac, que está lecionando
violino a um aluno.
C) Novo dia, Isaac está com outro aluno. Roberto, atrás da
cortina, escuta.
D) Novo dia, Isaac toca violino, Roberto esconde-se atrás da
cortina.
Isaac para de tocar. O Garoto volta à cozinha, mas o olhar
de Isaac e o seu se cruzam, antes que o menino desapareça
pela porta.

E) Isaac despede-se de mais outro aluno na porta de saída,


Roberto continua atrás da cortina. Isaac retorna, apanha o
violino, e recomeça a tocar.
Isaac toca uma nota suave.

ISAAC
Venha até aqui.
Roberto continua escondido.

ISAAC
Venha. Saia daí e sente-se aqui.
O Garoto deixa o esconderijo da cortina, e aproxima-se
timidamente.

ISAAC
Qual o seu nome, menino?
O Garoto não responde.

(CONTINUED)
CONTINUED: 9.

ISAAC
Você gosta de me ouvir tocar, não?
O garoto desanda a falar.
GAROTO ROBERTO
Eu também posso aprender a tocar
assim?
ISAAC
Diga-me. Qual seu nome?

GAROTO ROBERTO
Roberto.
ISAAC
Tocar violino é muito difícil,
Roberto, é preciso...
GAROTO ROBERTO
Mas eu posso aprender!
(interrompendo Isaac)

ISAAC
Shutz. Não interrompa quando um
adulto está falando.
Roberto fica acanhado.

ISAAC (CONT.)
É preciso muito estudo e dedicação.
ROBERTO CRIANÇA
Mas eu sou muito esperto. Pergunta
pra minha mãe. Ela vive me dizendo
isso.
ISAAC
Claro que você pode aprender.

ROBERTO CRIANÇA
E o senhor me ensina?
ISAAC
Sim, posso lhe ensinar.

ROBERTO CRIANÇA
Mas eu não posso pagar. Mamãe ganha
pouco.
(constrangido)
Desculpa, não é que o senhor paga
pouco, é que, quer dizer, sabe...

(CONTINUED)
CONTINUED: 10.

ISAAC
Entendi. Não pago o suficiente para
sua mãe pagar-me. Eu sei. Vamos
conversar com a sua mãe, depois
decidimos.
(guardando o violino)
Você está com fome?
O Garoto maneia a cabeça.
Isaac se levanta, e estica a mão ao Garoto.

INT. CASA DE ISAAC - COZINHA - DIA


Isaac entra de mãos dadas com o Garoto Roberto.

Clara vira-se, limpa as mãos no avental, e pega uma das mãos


do Garoto.
CLARA
Já não disse para não sair da
cozinha, filho?
(para Isaac)
Desculpe seu Isaac. Não vai mais
acontecer. Vou já servir seu café
na sala.
Isaac não solta a outra mão do Garoto.

ISAAC
O menino pediu-me para ensiná-lo a
tocar violino, Dona Clara.
CLARA
Eu disse para você deixar seu Isaac
em paz, menino. Desculpa seu Isaac.
O Menino solta-se dos dois e volta a seu banco.

ISAAC
Não tem problema, Dona Clara.
Escute, eu tenho bastante tempo
livre entre um aluno e outro, e
posso ensinar um pouco de música
para ele.

Clara mete a mão nos bolsos do avental.


ISAAC (CONT.)
Não se preocupe que eu não vou
cobrar. E ele já está aqui mesmo.
(para o garoto)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 11.

ISAAC (CONT.) (cont’d)


O que me diz, menino?

O Garoto não se contém de alegria.


CLARA
Mas não vai atrapalhar o seu
trabalho, seu Isaac?

Isaac balança a cabeça negativamente.


CLARA (CONT.)
Se é assim, aceitamos sim. Muito
obrigada. Obrigada mesmo.

Isaac sorri para o Garoto.


ISAAC
Agora depende de você, menino. Tem
que se esforçar bastante e...

ROBERTO CRIANÇA
Claro. Tudo bem. Eu já posso tocar?
ISAAC
E não interromper um adulto
falando.
(rindo)
Não. Não pode começar agora.
Primeiro vamos comer alguma coisa e
depois você começa a primeira aula,
combinado?
(para Clara)
Tem café pronto para nós dois, Dona
Clara?
CLARA
Vou servir na sala, como o senhor
gosta.
ISAAC
Vou tomar aqui, se eu não estiver
incomodando.

CLARA
Imagina!
Isaac senta-se, o Garoto senta, Clara serve o café.
ISAAC
Sente-se também, Dona Clara.
Faça-nos companhia.
O Garoto ri.

(CONTINUED)
CONTINUED: 12.

CLARA
Senta mãe.
Clara, sem jeito, senta.
Os três tomam café. Ouvem-se os RISOS do Garoto.

MONTAGEM:
INT. CASA DE ISAAC - SALA - DIA

A) Isaac ensina o Garoto a segurar o violino.


B) Isaac ensina, o Garoto toca uns acordes.
C) Isaac observa o JOVEM ROBERTO tocando violino.

D) Isaac toca violino, e o Jovem Roberto aprecia.


E) Jovem Roberto recebe um embrulho de Isaac. Abre. É um
estojo. Dentro, um Violino antigo. O rapaz explode de
alegria. Clara o abraça, os olhos marejados, cumprimenta
Isaac, agradecida.

F) Roberto entra, o VELHO ISAAC o espera.


Velho Isaac indica o sofá a Roberto. Este senta-se. No sofá
da frente, sentado, está Maestro.

ISAAC
Roberto. Gostaria de lhe apresentar
um grande amigo meu.
(para maestro)
Maestro, esse é o rapaz de quem lhe
falei.

O Maestro se levanta, e estica a mão para Roberto.


MAESTRO
Bom dia, Roberto não é?

Roberto dá a mão para o aperto.


MAESTRO (CONT.)
O Isaac tem me falado muito bem de
você, meu rapaz. Prazer em
conhecê-lo.
ROBERTO
Muito prazer.

(CONTINUED)
CONTINUED: 13.

ISAAC
O Maestro está à frente de uma
pequena orquestra e procura novos
talentos, e eu sugeri o seu nome.

ROBERTO
Eu?
ISAAC
Claro. Não espera realmente ficar a
vida inteira tocando nesta sala. E
já não existe mais o que eu possa
lhe ensinar. É hora de pensar em
vôos mais altos.
O Maestro franze a testa.

MAESTRO
Não está interessado?
ROBERTO
Não... claro que estou! É que...

MAESTRO
São poucas vagas e muitos
candidatos. É uma oportunidade
única mas você vai ter de se
esforçar muito para merecê-la.

ROBERTO
Claro. Eu faço o que for
necessário.
O Maestro entrega-lhe um cartão.

MAESTRO
Te espero então neste endereço. Os
testes começam na fim desta semana.
Te espero na sexta, às sete da
noite.

O Maestro lhe estica novamente a mão. Roberto a aperta.


MAESTRO
Bom, prazer em conhecê-lo, Roberto.
Até mais ver, Isaac.

O Maestro sai.
Roberto se volta para Isaac, sem palavras.

(CONTINUED)
CONTINUED: 14.

ISAAC
O Maestro foi um dos meus alunos
mais brilhantes, e tenho certeza
que você vai me dar muito orgulho
também, Roberto.

ROBERTO
Muito obrigado, mestre. Não sei
como poderei um dia agradecer tudo
que tem feito por mim.

ISAAC
Você tem um dom maravilhoso,
Roberto. Não o desperdice, e já me
terá agradecido.
(sorrindo)
E algum dia retribua o que fiz por
você, fazendo o mesmo por alguém.
Roberto abraça o Velho Isaac.
FIM DO FLASHBACK - VOLTA AO PRESENTE

EXT. ESTAÇÃO - NOITE


Roberto sai da estação, olha em torno, e caminha.

EXT. MORRO - RUA - NOITE


Roberto caminha sob a iluminação fraca da rua estreita, de
casas simples, suburbanas, e os muitos carros velhos.
No fim da rua, a esquina e um boteco decaído, onde alguns
adolescentes ARMADOS controlam a movimentação de pessoas, em
seus papéis de soldados do tráfico.
Os muitos adolescentes conversam entre si, e um deles, IVAN
(18), vestido com roupas vistosas, tipicas da cultura do
rap, cordão de ouro no pescoço, sai do boteco e intercepta
os passos de Roberto.
IVAN
(ameaçadoramente)
E ai, chefia. Tá chegando do baile
funk ou o que?
ROBERTO
Eu tô indo pra minha casa.
Roberto tenta desviar-se de Ivan.

(CONTINUED)
CONTINUED: 15.

IVAN
Mas não vai tocar um violão aqui
pra galera?
Roberto protege o estojo do violino.

IVAN (CONT.)
Ou tu é bom demais para tocar pra
gente? Toca um rap ai, batuca nesta
caixa mesmo?

Os outros riem.
ROBERTO
Desculpe, eu só toco música
clássica. Não sei tocar esse tipo
de música. Isto é um violino.

Ivan toma o estojo de Roberto.


IVAN
Olha ai! Foi o que falei. O bacana
se acha muito bom pra tocar pra a
gente.
MARCOS (40), Moreno, vestido com camisa aberta no peito, e
com ar de autoridade, chefe do tráfico no bairro, encosta
com o carro, e desce.

Ivan abre o estojo e exibe o violino.


IVAN
Coisa´essa, véio. Na moral. Que
violãozinho mixuruca.

Os outros soldados riem.


Marcos aproxima-se por trás, e toca no ombro de Ivan.
MARCOS
Devolve isso pro rapaz,Ivan. Em vez
de ficar ai de brincadeira, vai
cuidar do seu ponto!
Ivan se assusta.

Todos riem.
Ivan encara Marcos, e abaixa a cabeça.
IVAN
Já ia devolver o violão, Marcos.
Estava só dando uma olhada.

(CONTINUED)
CONTINUED: 16.

MARCOS
Não tá vendo que isto não é um
violão, Ô mané!
Todos gargalham.

Marcos coloca o violino de volta ao estojo, e devolve a


Roberto.
MARCOS
Agora peça desculpas.

Ivan pensa em protesta, mas não ousa.


IVAN
Desculpa ai, meu.

Roberto apanha o violino de volta.


ROBERTO
Muito obrigado.
Ivan se afasta, corroendo-se.

Marcos demora olhando para Roberto.


MARCOS
Você é o afilhado do Jurandir, não
é?

ROBERTO
Sou eu mesmo. O senhor o conhece?
MARCOS
Já conheci. Vai tranqüilo pra casa.
Mas não fique zoando fora de casa a
essa hora
(irônico)
Aqui o toque de recolher é pra
todos!

ROBERTO
Sim senhor...
Marcos vira-lhe as costas, Roberto apressa-se em sair dali.

Marcos observa o rapaz se afastando rua acima, e sumindo na


próxima esquina.
17.

INT. CASA DE ROBERTO - SALA - NOITE


Roberto entra. A sala pequena e humilde. A luz que ilumina o
ambiente é da TV ligada que JURANDIR,(45), mulato, cabelos
curtos cortados rentes, assiste.
Clara aparece na porta da cozinha.
CLARA
Filho, estava preocupada.
A Mãe acende a luz.
CLARA
Vá tomar um banho e trocar esta
roupa que eu vou servir a janta.
Jurandir desvia os olhos da televisão.
JURANDIR
E então? Passou no teste, filho?

CLARA
Deixa o menino guardar suas coisas
primeiro, Jurandir, e tome um banho
logo que eu quero saber
tim-tim-por-tim-tim.
(ansiosa)
Mas você foi bem, não foi?
Roberto sorri, a mãe reentra na cozinha, o pai desliga a
televisão e Roberto sai da sala.

INT. CASA DE ROBERTO - COZINHA - NOITE


Roberto sentado à mesa, na frente dele um prato de comida
que ele come sem muita vontade. Do outro lado da mesa, Clara
e Jurandir o observam.
Clara traz um outro pedaço de carne e o serve.
CLARA
Pode comer tudo. Seus irmãos já
foram dormir e eu e seu pai já
comemos.
Roberto aceita a carne, mas esforça-se para comer.
CLARA (CONT)
Como foi?
Roberto mastiga, engole, e guarda os olhos dos pais.

(CONTINUED)
CONTINUED: 18.

ROBERTO
Foi bem. Não se preocupem comigo. O
maestro é um cara legal.

JURANDIR
Então você passou no teste?
ROBERTO
Não foi bem um teste. Foi mais como
uma iniciação. Vamos ter alguns
ensaios e aí se eu mostrar que sou
capaz, eu continuo no grupo.
CLARA
Mas claro que você é capaz!

JURANDIR
Sua mãe tá certa. Você sempre deu o
melhor para estudar desde pequeno.
ROBERTO
Valeu. Sei como foi difícil para
vocês fazerem tudo que fizeram por
mim, me acolhendo desde pequeno...
CLARA
Não gosto que fale assim. Nós não
te achamos. Foi um anjo que nos
achou para você.
ROBERTO
Desculpe, mãe. Eu sei. Só queria
dizer que sei que vocês fizeram
muitos sacrifícios para eu poder
estudar. E não vou decepcionar.
Roberto termina a refeição.

ROBERTO
Se tudo der certo, vamos ter uma
apresentação. Vocês vão, não é?
CLARA
Não sei, filho. Esses lugares são
chiques e eu nem tenho roupa para
ir.
ROBERTO
A gente pega um vestido emprestado
de alguém. Não precisa ir tão
chique.
Roberto se levanta e abraça a mãe adotiva.

(CONTINUED)
CONTINUED: 19.

ROBERTO
Não teria graça sem vocês.
A mãe sorri. Jurandir esconde uma lágrima.

INT. CASA DE ROBERTO - QUARTO - NOITE


Roberto entra, e procura não fazer barulho, para não acordar
os irmãos mais novos, que dormem nos beliches.

Roberto deita-se num sofá ao canto.

EXT. CASA DE ROBERTO - SALA - NOITE


No sofá da sala Jurandir assiste a televisão.

Roberto aparece na porta, e vem sentar ao lado do pai, que


abaixa o volume da teve.
JURANDIR
Não está dormindo, filho?

ROBERTO
Tô sem sono.
(escolhendo palavras)
Hoje aconteceu algo esquisito
quando vinha para casa.

Seu Jurandir abaixa ainda mais o volume da teve.


JURANDIR
O que foi?

ROBERTO
Encontrei o tal de Marcos no bar
aqui da esquina, aquele que parece
ser o chefe dos bandidos aqui do
bairro.

JURANDIR
Não quero você metido com essa
gente. Ouviu?
ROBERTO
Não se preocupe, pai. Você me
conhece. Não ando com nenhum deles.
Mas o tal Marcos me perguntou se eu
era seu afilhado. Parecia que ele
te conhecia.

(CONTINUED)
CONTINUED: 20.

JURANDIR
Eu não conheço bandido. Agora me
deixa ver a televisão.
Roberto se levanta e sai. Jurandir fecha o semblante.

EXT. CASA DE ROBERTO - LAJE - NOITE


Tarde da noite.

Roberto sentado numa cadeira em cima da laje da casa ensaia


uma musica ao violino.
A MÚSICA ecoa pela vizinhança de casas humildes.
Pessoas saem nas janelas dos barracos para ouvir, e
transeuntes também procuram escutar.

EXT. MORRO - ALTO DA COMUNIDADE - NOITE


No ponto mais alto do morro, um sobrado encontra-se
parcamente iluminado.
Entre uma baforada e outra do cigarro, Marcos observa
Roberto tocar ao longe.
SHEILA, (25), uma moça bonita,de longos cabelos loiros, sua
namorada o abraça por trás.
SHEILA
Música bonita. De onde vem?
Marcos não responde. Apenas dá mais uma baforada no cigarro.

Na penumbra, desapercebido, Ivan observa Marcos.


A escuridão da favela funde-se com o céu de poucas estrelas.

INT. CASA DE ROBERTO - COZINHA - DIA


Clara arruma a mesa do café. Roberto entra correndo, dá um
beijo em Clara e pega um pedaço de pão e um copo de café.

CLARA
Se senta muleque. Come direito.
ROBERTO
Não dá tempo. Tô atrasado.

Roberto dá mais um beijo na mãe e sai.


21.

EXT. MORRO - RUA - DIA


Roberto caminha pelo bairro, e passa defronte a uma quadra
onde alguns garotos jogam bola.
Encostado num beiral, JÚLIO (19), um rapaz da idade de
Roberto, mas vestido com roupas chamativas e um boné de
grife, vem ao encontro dele.
JULIO
E aí bró. Vai pra onde?

ROBERTO
Eu trabalho, cara.
JULIO
E eu num sei?
(sorrindo)
Ainda aquele trampo mixuruca?
ROBERTO
Hum, Hum.

JULIO
Cê sabe que posso te arrumar coisa
bem melhor. É só falar com uns
caras...
ROBERTO
Cê já me falou disso. Esquece.
JULIO
Vê aí. A grana é boa e o trampo
manero.

ROBERTO
Tô indo nessa.
Roberto se vira para sair, mas volta a atenção para o rapaz.

ROBERTO (CONT.)
Júlio!
(o rapaz o olha)
Só fica longe de encrenca, amigo.
JULIO
Eu to de boa.
Eles trocam um comprimento e Roberto segue seu caminho.
22.

INT. SHOPPING CENTER - DIA


Na praça de alimentação do Shopping, Roberto, uniformizado,
está limpando mesas de uma lanchonete.
Vera chega com amigas, e o reconhece.

As amigas entram na fila. Vera se aproxima de Roberto.


VERA
Não sabia que você trabalhava aqui.

ROBERTO
A gente faz o que é preciso.
(amargo)
Alguns tem de trabalhar enquanto os
outros se divertem.

VERA
Também não precisa ser grosso.
ROBERTO
E não foi assim que vocês me
trataram?
VERA
Eu?
ROBERTO
Só porque não tenho um carro nem
freqüento as baladas que vocês vão.
VERA
Eu não concordo nem um pouco com o
modo como eles te trataram. Até
porque você é de longe muito mais
talentoso que qualquer um deles.
ROBERTO
Obrigado... mas você também toca
muito bem.

VERA
Vamos fazer o seguinte. Vamos
começar de novo. Prazer, eu sou a
Vera.

Vera lhe estende a mão.


Roberto se embaralha com o pano de limpeza, mas enfim lhe
aperta a mão.

(CONTINUED)
CONTINUED: 23.

ROBERTO
(sorrindo atrapalhado)
Roberto. Quer se sentar?

As amigas aproximam-se com a bandeja com sanduíches e fritas


e sentam-se à mesa. Vera senta-se junto, mas não deixa de
olhar para Roberto.
VERA
Tô cheia de fome.
Roberto limpa a mesa ao lado, e sorri para Vera.
Carlos surge ao lado de amigos. Ele aproxima-se da mesa das
meninas e apanha uma batata da bandeja delas.

CARLOS
(para Roberto)
Se não é o Mozart da periferia.
Então é aqui que você se inspira?

Carlos abraça Vera, e rouba mais uma batata.


VERA
Você tem que ser sempre tão
desagradável?

CARLOS
Eu te pago outra batata, quer?
Carlos coloca uma NOTA sobre a mesa.
CARLOS
Lanche para todos!
Os amigos animam-se e sentam com as meninas. Carlos
permanece em pé.

VERA
Não vai se sentar e lanchar?
CARLOS
Não, tenho de passar numa loja. Eu
te espero no carro.

Carlos se afasta. Um amigo pega a nota e entra na fila. O


outro ri com as meninas. Roberto aproxima-se por trás de
Vera.
ROBERTO
Tá vendo? O que foi que eu te
disse? Não demora que ele tá te
esperando no carro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 24.

VERA
Não enche. É só uma carona.
(sedutora)
Bom, a gente se vê a noite.

ROBERTO
(sorrindo)
Até!

EXT. ESTAÇÃO METRO - NOITE

Roberto chega a estação do metrô.


Ao fundo, um OUTDOOR anuncio um lançamento de CARRO.
Um músico de rua toca seu saxofone.

Roberto coloca uma moeda a seus pés, junto a outras.

INT. VAGÃO METRO - NOITE

Roberto de pé olha pelas janelas vê o centro da cidade


ficando para trás e as paisagens de periferia que o trem
atravessa.

EXT. MORRO - RUA - NOITE

No caminho de casa Roberto reencontra Ivan e sua turma.


IVAN
E aí chefia. Tá mais animado pra
tocar pra gente hoje?

ROBERTO
Cara, me deixa em paz.
IVAN
Olha ai, o mané dando uma de macho.
Tá pensando que vai passar hoje de
boa?
Ivan pega o estojo do violino das mãos de Roberto.

ROBERTO
Me devolve isso.
Ivan abre o estojo, tira o violino e joga o estojo ao chão.

(CONTINUED)
CONTINUED: 25.

ROBERTO
Por favor, devolve meu violino.
Ivan gargalha, e passa o violino para a mão de outro, que
repassa para outro.

Roberto em meio ao jogo do bobo, tenta recuperar o


instrumento.
ROBERTO
Por favor me devolve...

em vão.
IVAN
Vem pegar, mané. Tu não é o cara?

O violino volta ás mãos de Ivan. Roberto agarra-o, Ivan não


solta, e empurra Roberto, que cai no chão. Ivan levanta o
violino ao alto...
e bate-o com força no chão, quebrando-o.

Todos gargalham.
ROBERTO
(incrédulo)
Meu violino! Eu vou...

IVAN
(ameaçador)
Vai o que?
(debochando)
Agora tu vai ter que aprender a
tocar cavaquinho. Quem sabe não se
ache melhor que a gente, véio.
Ivan gargalha.
Roberto está desolado, e recolhe os pedaços do instrumento.

Todos gargalham.
Marcos pega Ivan por trás, atirando-o no chão. Ivan
estatela, Marcos o levanta pelo colarinho e lhe dá um soco
na boca.

Os lábios de Ivan sangra.


MARCOS
Porra Ivan. Eu te mandei deixar o
rapaz em paz.

(CONTINUED)
CONTINUED: 26.

Marcos dá outro empurrão em Ivan, lançando-o ao chão


novamente.
MARCOS
Some daqui antes que eu perca a
cabeça.

Ivan se levanta, limpando o sangue com a mão.


MARCOS
Mais alguém aqui quer desobedecer
uma ordem minha?
Ivan olha para os amigos, imóveis.
IVAN
(com o dedo em riste para
Roberto)
Isso não vai ficar assim não. Se
liga...
Marcos leva a mão à pistola.

MARCOS
É mesmo? E Vai fazer o que?
Ivan monta em uma moto, e sai em disparada morro abaixo.
Roberto recolhe os últimos pedaços do violino de volta ao
estojo, e o fecha, desconsolado. Sua calça está rasgada, sua
camisa está suja.
Marcos observa o rapaz, que pega o caminho de casa.

INT. CASA - SALA - NOITE


Roberto entra em casa. Jurandir e Clara estão sentados no
sofá. .

CLARA
Filho. O que aconteceu?
ROBERTO
Nada, mãe.

JURANDIR
Como nada, filho?
ROBERTO
Foi só os caras do bar.

(CONTINUED)
CONTINUED: 27.

JURANDIR
Só?
Roberto abre o estojo e mostra o violino quebrado.
CLARA
Santa Mãe de Deus!
JURANDIR
Isso não fica assim. Vou lá agora.

ROBERTO
Não!
(Roberto segura Jurandir)
Eles estão armados, pai.
(fecha o estojo do violino)
O Marcos me defendeu.

CLARA
Quem?
(pega o pedaço de violino)
Mas agora o que vai ser?

ROBERTO
Vou dar um jeito nisto, mãe. Mas
depois. Agora preciso... dormir.
Roberto vai para o quarto.

INT. CASA/QUARTO - NOITE


Roberto entristece-se com a noite lá fora, e o violino
espatifado sobre o sofá.

Seus olhos percorrem a simplicidade de seu quarto de dormir,


seus muitos irmão nos beliches, a falta de tudo.
Ele debruça-se sobre si mesmo, olhos marejados.

FLASHBACK PARA:

INT. CASA DE ISAAC - DIA


Isaac interrompe a sessão de Roberto ao violino.

ISAAC
Eu tenho uma coisa para você.
Isaac pega um velho estojo sobre a estante.

(CONTINUED)
CONTINUED: 28.

ISAAC
Era de meu pai. Agora quero que
fique com você.
Isaac abre. Dentro o Stradivarius.

ROBERTO
Maestro.. Eu...
ISAAC
Você precisa de um bom instrumento.
E esse é o melhor.
Roberto abraça Isaac.
ISAAC
Eu sei que ainda terei muito
orgulho de você, meu rapaz.
FIM DO FLASHBACK. VOLTA AO PRESENTE.

EXT. CIDADE - DIA - MONTAGEM

a) algumas cenas de amanhecer na periferia


b) Roberto percorre ruas a esmo.
c) Roberto senta abatido num banco de praça.

d) Roberto está parando diante de uma vitrine de instrumento


musicais.
Roberto entra. O vendedor o atende. Ele sai da loja de mãos
vazias.

EXT. MORRO - QUADRA - DIA


Roberto aproxima-se de Júlio.

JULIO
Boa?
ROBERTO
Boa.

Roberto encolhe-se.
JULIO
E ai o que manda?

(CONTINUED)
CONTINUED: 29.

ROBERTO
Sobre aquele trabalho que você
falou.
JULIO
Tá precisando de grana?
ROBERTO
Muito. To precisando muito, e
rápido.

JULIO
Me dá um tempo. Vou falar com uns
caras e te ligo.
ROBERTO
Valeu. Mas não demora.

JÚLIO
Entendi, bró.
Roberto cumprimenta Júlio e sai.

INT. CASA ROBERTO - QUARTO - NOITE


Roberto está quieto no canto. Os irmãos já dormem.
Batidas na porta. Roberto levanta-se. É sua mãe.

CLARA
Oi filho, tem uma amiga sua te
procurando.
ROBERTO
Amiga, quem?

INT. CASA ROBERTO - SALA - NOITE

Roberto abre a porta entreaberta. Vera está à porta.


ROBERTO
Como você soube onde eu moro?
VERA
Boa noite, né?
ROBERTO
Desculpe. Boa noite, Vera.

(CONTINUED)
CONTINUED: 30.

VERA
Passei no seu trabalho e me deram
seu endereço.

ROBERTO
Por que você veio aqui?
VERA
Não vai me convidar a entrar?

Roberto fica sem jeito, mas permite que Vera entre.


Vera observa a sala. Roberto se constrange. Vera senta-se no
sofá. Seu Jurandir desliga a televisão.

JURANDIR
Boa noite, minha filha.
VERA
Boa noite, senhor...

JURANDIR
Jurandir. Bem, vou até a cozinha e
deixar vocês a sós.
VERA
Eu não quero incomodar.

Dona Clara aparece na porta.


CLARA
Fique a vontade, filha. eu vou
passar um café.

Jurandir desaparece. Roberto continua em pé.


VERA
Desculpe vir de surpresa. Você não
voltou ao teatro. O que houve?

ROBERTO
Não quis mais ir.
VERA
Não? Porque? A audição está para
acontecer. Você não vai estar lá?
Carlos e os outros não tem um pingo
de seu talento. É sua chance de
conseguir o lugar.

ROBERTO
Desculpe, eu tenho mais em que
pensar, além da musica. Tocar para
mim tem que ser um hobby.

(CONTINUED)
CONTINUED: 31.

VERA
Hobby? Com sua habilidade?
ROBERTO
Bem, eu tenho coisas mais
importantes para fazer.

VERA
O que pode ser mais importante que
tocar com o dom que você tem?

ROBERTO
(rancoroso)
Ajudar no sustento da casa, por
exemplo. Ajudar a pagar as contas.
Você já ouviu falar disso, não?

VERA
Qual é o seu problema? Você quer
que eu sinta pena de você?
ROBERTO
Você sinta o que você quiser.

VERA
Não sinto. Você tem algo que muitos
nasceriam de novo para ter.
ROBERTO
Eu não posso ser mais do que aquilo
para o qual eu nasci.
VERA
Que seria?

ROBERTO
Eu preciso aprender a ficar no meu
lugar. Só isso.
VERA
Simples assim?
ROBERTO
Simples assim.
VERA
Me enganei, então.
(levantando-se)
Vi em você um guerreiro. Pensei que
lutasse pelo que acredita.
Dona Clara entra com uma xícara de café. Vera afasta-se em
direção à porta de saída.

(CONTINUED)
CONTINUED: 32.

Vera abre a porta.


ROBERTO
Escuta, o que você quer?
Vera se volta.

ROBERTO
Acha que está fazendo sua boa ação
do dia, vindo conversar com um cara
como eu? Não estou nem um pouco
interessado no que você ou seus
amigos pensam ou deixam de pensar
de mim.
Vera retorna o olhar à direção da porta.

ROBERTO
APENAS ME DEIXEM EM PAZ!
Vera sai e fecha a porta atrás de si.
Clara observa o filho, incrédula.

CLARA
O que deu em você? Quem é sua
amiga?
ROBERTO
Ela é lá da orquestra.
CLARA
Gostei dela. Parece uma boa moça. O
que ela queria?

ROBERTO
Mais uma patricinha que pensa que
pode salvar o mundo. Não sabe de
nada.

Clara toma o café da xícara.


CLARA
Deus sabe de tudo. É só confiar que
as coisas vão melhorar, filho.

Dona Clara beija o filho.


33.

EXT. ESTAÇÃO DE METRO - NOITE


Roberto coloca uma moeda no estojo do saxofonista. Este
dedica algumas notas musicais de seu instrumento em
homenagem a Roberto.

EXT - MORRO - RUA - NOITE


Roberto caminha envolto em escuridão.

Ele se aproxima do bar, que está fechado.


Um dos soldados do tráfico armado barra seu caminho. Roberto
estaca.
O Soldado indica um carro estacionado pouco a frente.

Roberto recua. O Soldado indica para ele entrar e abre a


porta do banco traseiro.
Roberto entra. O Soldado entra a seguir.

O carro dá a partida.

INT. CARRO - NOITE - TRAVELING


O motorista segue caminho sem preocupar-se com a presença de
Roberto.
ROBERTO
Para onde estão me levando?
Nenhum dos dois lhe responde.

INT. CARRO - NOITE - TRAVELING - MOMENTOS - MAIS TARDE


o carro estaciona em frente a uma boate.

Os homens descem, um deles segurando Roberto pelo braço, e


apresentam-se aos seguranças da boate, que libera a entrada.

INT. BOATE - NOITE

e acompanham Roberto até o seu interior. Caminham juntos até


um ponto afastado onde Marcos está acompanhado de uma moça.
34.

INT. BOATE - NOITE


O ambiente não é luxuoso, mas bastante movimentado.
O Soldado leva Roberto até o outro lado, atravessando em
meio a pessoas que dançam.

(AQUI PODE REESCREVER PARA DAR UMA CARACTERIZAÇÃO MELHOR A


ESTA BOATE)
De uma mesa ao canto, Marcos acena para que o soldado se
aproxime, trazendo Roberto.
Júlio está na mesa de Marcos. Com os dois uma moça jovem e
bonita e
MARCOS
E aí, Roberto? Senta um pouco,
quero conversar.
Marcos acena, Júlio levanta-se e afasta-se.
Roberto meio a contragosto se senta.

MARCOS
Quer beber alguma coisa?
ROBERTO
Não, obrigado. Não bebo.

Marcos despede a moça que vai se apoiar ao balcão. Ivan está


ao seu lado.
MARCOS
O Júlio disse que você está
procurando trabalho.
ROBERTO
Não pensei que ele fosse falar
contigo.

MARCOS
Aqui nada acontece sem que eu fique
sabendo
(irônico)
e sem que eu permita.

Marcos refuta encarar Marcos.


MARCOS (CONT.)
Você sabe o que o Júlio faz, certo?

(CONTINUED)
CONTINUED: 35.

ROBERTO
Sei.
MARCOS
Bem. Bem. Mas eu não acho que você
saiba o que está fazendo.

Roberto levanta o olhar.


ROBERTO
Eu já tomei minha decisão.
(forçando um olhar duro)
Você tem ou não tem trabalho para
mim?
Marcos tira do bolso um pacote e o abre exibindo algumas
pedras de crack. Os poucos que observam a mesa desviam o
olhar e concentram-se em dançar.
MARCOS
Já fumou uma dessas?
Marcos desvia o olhar.

MARCOS
(constatando a negativa)
Melhor assim. Não dos garotos que
esquecem que trabalham para mim e
fumam a minha mercadoria.

Marcos empurra o pacote para o outro lado da mesa, para


perto de Roberto.
MARCOS(CONT.)
Pegue. Você sabe o que tem de
fazer, não?
ROBERTO
Vender...

MARCOS
Vender. Mas não aqui no morro.
Roberto observa as pedras, mas abaixa a mão ao próprio
bolso.

MARCOS
Aqui no morro já temos nóia demais.
E nóia pobre.
Roberto abaixa a cabeça.

(CONTINUED)
CONTINUED: 36.

MARCOS
Você vai vender lá no shopping,
onde sei que você trabalha. E vai
vender no teatro. Sei que você
freqüenta uma turma de
filhinhos-de-papai.
ROBERTO
Eu... eu... trabalho na lanchonete
e...

MARCOS
E não pode vender lá, certo?
ROBERTO
É que eu...

MARCOS
E não pode vender pros seus
coleguinhas ricos, certo?
ROBERTO
Nunca fiz isto.

Marcos apanha de volta o pacote de pedras de crack.


MARCOS
Você nunca fumou uma dessas, nunca
vendeu um dessas
(desembrulhando uma pedra)
Mas precisa de dinheiro, certo?
Roberto levanta-se.
Marcos faz sinal, o soldado empurra Roberto de volta à
cadeira.
MARCOS
Não lhe mandei levantar. Para que
você precisa tanto de dinheiro?

Marcos pega a garrafa plastica de água, faz um furo ao meio,


enfia o tubo de uma caneta transparente no buraco, pega do
bolso um pedaço de papel alumínio, e finaliza o cachimbo,
colocando a pedra no topo.

MARCOS
Quer que eu acenda para você provar
a qualidade do que vai vender?
Roberto agita-se. O soldado o segura para não se levantar.

Marcos pega o isqueiro, e o acende.

(CONTINUED)
CONTINUED: 37.

Marcos observa a CHAMA DO ISQUEIRO... e a deixa apagar.


Marcos sinaliza para outro soldado, que sai e volta com um
enorme embrulho, e coloca-o sobre a mesa.
MARCOS
Pegue. Este pacote vai ficar sob
sua responsabilidade. Só volte aqui
quando tiver feito o que tem de
fazer.

ROBERTO
O que é isso? Quanta droga tem aqui
dentro. Eu não quero...
MARCOS
Abra.

ROBERTO
Não. Eu não devia ter vindo.
Marcos apanha a pistola e coloca sobre a mesa.

MARCOS
Tarde demais para mudar de idéia.
Roberto olha em volta. Ninguém parece interessado em seu
desespero.

Roberto se levanta. O soldado lhe segura. Ele esforça-se


para se livrar.
ROBERTO
Pode me matar, mas eu não vou
vender isto
(empurrando o soldado)
Nem para meu pior inimigo.
Dois soldados aparecem, seguram Roberto e o colocam de volta
à cadeira.

MARCOS
Qual a parte que você não entendeu?
Não deixei claro que ninguém faz
nada aqui sem que eu permita?
(reapontando a arma)
Agora, abra o embrulho ou morre
agora.
Roberto não se move.

(CONTINUED)
CONTINUED: 38.

MARCOS (CONT.)
Você não se dobra, não é? Não me
respondeu porque precisa de
dinheiro
(guardando a arma)
e não está disposto a pagar o
preço.
Marcos desembrulha o pacote. Uma caixa de papelão. Dentro um
estojo. Dentro um violino, novo. Um Nhureson.

ROBERTO
Mas como?
Marcos acende o cachimbo, e dá um trago.
MARCOS
Era o mais caro da loja. Foi o que
mandei Júlio comprar e espero que o
pilantra não tenha comprado um
vagabundo.
ROBERTO
É... é... ótimo. Mas porque isto?
Marcos dá outro trago da pedra, e passa para um soldado e
acena para os outros soldados se afastarem.
O soldado da um trago, passa pro outro, e este para outro, e
saem da linha de visão de Marcos.
MARCOS
Considere como um adiantamento.

Roberto fecha o estojo.


ROBERTO
Desculpe. Eu não posso aceitar. Eu
não devia ter vindo. Eu não vou
vender droga.

MARCOS
E eu disse o que você vai ter de
fazer?
Marcos chama um dos soldados e manda que levem Roberto para
casa
39.

INT. CASA DE ROBERTO - QUARTO - NOITE


Roberto abre o estojo, e sorri ante o violino.

INT. CASA - DIA

Estão todos sentados à mesa do café.


CLARA
Ô meu filho. Ontem eu fui dormir
preocupada que você não tinha
chegado.
(guardando Jurandir)
Seu pai não deixou eu ficar te
esperando.

Marcos pega um pão, dá para um de seus irmãos, e de um em


um, serve a todos e pega um pão para si. Ele vai passar a
margarina no seu, mas vê que o pote está quase vazio -- e
pega o pão de um dos irmãos e passa a margarina ali.
JURANDIR
Não tem mais margarina?
CLARA
Não tem problema. Vou comprar
(olha pros filhos)
Amanhã mamãe compra.

Roberto se levanta.
JURANDIR
Onde você vai?

ROBERTO
Onde mais eu poderia estar indo?
Trabalhar.
JURANDIR
(energético)
SENTA!
Roberto torna a sentar.
ROBERTO
Pai, tenho de ir, senão vou me
atrasar e...
JURANDIR
(agressivo)
Você não tem nada para contar?

(CONTINUED)
CONTINUED: 40.

Clara levanta-se e tira os filhos menores da mesa,


empurrando-os em direção ao quarto.
CLARA
Jurandir, olhe as crianças. Fique
calmo.

ROBERTO
O que está acontecendo?
JURANDIR
Você me diga o que está
acontecendo, Roberto.
ROBERTO
Do que o senhor está falando.

Jurandir passa o olho em direção à mulher. Esta entra no


quarto atrás das crianças
e retorna com o estojo do violino nas mãos.
Roberto se surpreende.

JURANDIR
O senhor pode nos dizer como
conseguiu isso?
Roberto levanta-se e toma o estojo das mãos da mãe.

ROBERTO
O que o senhor está pensando?
JURANDIR
Eu não estou pensando nada. Eu
estou vendo que você tem um violino
novo.
Roberto abre o estojo, checando o violino
JURANDIR (CONT.)
Deve ter custado caro. Muito caro.
CLARA
(desesperada)
Filho, não vai me dizer que você
roubou...
JURANDIR
E nem que comprou. Com que
dinheiro?

(CONTINUED)
CONTINUED: 41.

ROBERTO
Eu ganhei.
Clara respira aliviada.
CLARA
Não te falei, Jurandir. Foi aquela
menina que teve aqui que te deu,
não foi?
JURANDIR
Deixa de ser ingenua, mulher. Quem
ia dar um presente caro destes para
alguém?
ROBERTO
O senhor acha que eu roubei?
(o pai o encara)
Ou que eu fiz coisa pior para ter
dinheiro para comprá-lo?
JURANDIR
Já te disse que não acho nada.
Porque você não diz como conseguiu
isso?
ROBERTO
Eu ganhei.
(olhando para a mãe)
Não, não foi aquela menina.
(olhando para o pai)
E antes que pergunte, não foi o
senhor Isaac também.
(baixando a cabeça)
Tive vergonha de contar para ele
que deixei destruírem o violino do
pai dele. Que ele me deu.
JURANDIR
Mas não teve vergonha de..

ROBERTO
De que, pai? Diga? O que o senhor
acha que eu seria capaz de fazer?
CLARA
Seu pai já disse que não acha nada.
Eu e ele sabemos o filho que
criamos, e temos certeza de que
você não fez nada de errado para
ter este violino.
(olhando Roberto)
Não é assim... filho?

(CONTINUED)
CONTINUED: 42.

Roberto mostra-se ofendido. Depois abranda.


ROBERTO
Vocês estão certo mãe. Eu ia
contar. Não ia fazer segredo.
(olha os pais apreensivos)
Foi um presente do Marcos.
(abaixando a voz)
Por terem quebrado o outro.
CLARA
Deus seja louvado.
Jurandir não diz nada. Apenas se cala e observa enquanto
Clara e Roberto trocam um abraço.

EXT. BOATE - NOITE


Marcos está com Sheila na mesa de bilhar. Jurandir se
aproxima e Marcos para de jogar ao vê-lo aproximar-se.
JURANDIR
Quero falar com você.
Marcos volta a concentrar-se na sinuca. A bola negra está à
espera de ser encaçapada.
Marcos decide encaçapar a vermelha. Ele mira a branca,
acerta, e a bola vermelha vai parar dentro do buraco.
Marcos escolhe nova presa, a bola rosa.
MARCOS
Eu estava te esperando.

JURANDIR
O que você está querendo com o
Roberto, Marcos?

Marcos faz a tacada, mas a bola não entra. Sheila fica


eufórica, e se debruça sobre a mesa, taco na mão, vestido
curto e justíssimo, calcinha à mostra, para auferir a
possibilidade da próxima tacada.
Sheila decide acertar a bola azul... e encaçapa a amarela.
Comemora feliz.
MARCOS
O que eu quero? Apenas ajudar o
menino. Afinal não sou o padrinho
dele?

(CONTINUED)
CONTINUED: 43.

JURANDIR
Eu vou lhe dizer uma vez, e não vou
repetir. Fique longe dele.
MARCOS
Eu acho que a decisão não é sua.
JURANDIR
Você não tem que achar nada.
Sheila erra a bola verde. Marco retorna seu taco em posição
de jogo.
JURANDIR (CONT.)
O que você quer?
MARCOS
E eu preciso de um motivo?
JURANDIR
Você nunca dá nada sem esperar
alguma coisa em troca.

MARCOS
Você nunca reclamou do que lhe dei.
Marcos encaçapa a bola verde. E encaçapa a bola roxa. Resta
a preta.

MARCOS (CONT.)
Quem sabe não chegou a hora dele
assumir o lugar do pai?
JURANDIR
O pai dele sou eu, Marcos.
Ninguém mexe com meu filho. Só por
cima do meu cadáver.
Marcos alinha o taco apontando a bola branca para a preta.

MARCOS
Isso pode ser arranjado.
JURANDIR
Eu fechei os olhos para muita coisa
que você fez, Marcos, mas não ouse
se aproximar do Roberto de novo.
Marcos abaixa a cabeça para colocar o olho na altura da
bola.

(CONTINUED)
CONTINUED: 44.

JURANDIR
Você é como um câncer, Marcos. Uma
doença que mata tudo o que se
aproxima.

Marcos levanta-se e prepara-se para tacar.


MARCOS
E você faz muito drama.
JURANDIR
Fique longe da minha família.
MARCOS
É uma ameaça?
Jurandir apanha a bola branca, e a mete dentro da caçapa,
com as mãos.
JURANDIR
É um aviso!
Jurandir toma o taco das mãos de Sheila

E o quebra em seu joelho


E o atira longe.
JURANDIR
De morte!
Jurandir dá de costas para sair.
Os soldados barram sua passagem.

Jurandir volta-se e olha para Marcos.


A um sinal, os soldados deixam Jurandir passar.
MARCOS
Você não pode fugir do passado.
Jurandir se retém.
MARCOS (CONT.)
Nem você e nem eu.

Jurandir torna a caminhar, e sai.


45.

INT. TEATRO - NOITE


Roberto ensaia junto com a orquestra.
Próximo está Vera, que lhe sorri.

Ele lhe sorri e toca com mais afinco.

EXT. TEATRO - NOITE

Alguns músicos se despendem. Carlos para seu carro, á espera


de Vera.
Vera conversa com Roberto. Carlos buzina. Vera não vem.
Carlos acelera o carro, fazendo um RUMOR com o motor.

Vera aproxima-se da janela, Carlos baixa o vidro, ela fala


algo, e Carlos arranca bruscamente, cantando o pneu.
Vera retorna para o lado de Roberto.
Ele não pergunta nada.

Os dois caminham pela calçada do teatro.


ROBERTO
Queria me desculpar pela forma como
falei outro dia. Às vezes eu
gostaria de pensar um pouco mais
antes de abrir a boca.
VERA
Tudo bem. Já estou acostumada a
patada de todo lado.
(sorrindo)
Ou você acha mesmo que é o único
que tem problemas no mundo?
Roberto para de andar.

ROBERTO
Desculpe, você ficou sem a carona
do Carlos por minha causa, não foi?
Roberto volta a andar.

VERA
Eu disse a ele para ir sozinho.
Roberto fica feliz.

(CONTINUED)
CONTINUED: 46.

ROBERTO
Vamos fazer o seguinte. Eu te pago
um café e deixo você falar a noite
inteira sobre seus problemas. Assim
ficamos quites.

VERA
A noite inteira?
ROBERTO
Te acompanho até sua casa.

VERA
Você perderia o seu último trem.
(dá a mão a Roberto)
Mas eu aceito o café. Te acompanho
até a estação.
(sorrindo)
E depois eu pego um taxi.
(rindo)
Já sei que vai me chamar de
filhinha de mamãe. Mas eu não dou a
mínima.

EXT. ESTAÇÂO - NOITE


O músico de rua toca seu saxofone.

Roberto e Vera se aproximam, cada um com um copo de café na


mão. Roberto dá seu copo para Vera segurar e tira uma moeda
do bolso e coloca para o músico. Vera faz o mesmo, mas dá
uma nota de dez. Eles riem.

EXT. COMUNIDADE - DIA


O cotidiano de uma comunidade. trabalhadores saindo de casa,
cães vagando sem tino.

INT. CENTRO COMUNITÁRIO - SALA - DIA


Roberto e Vera estão cercados de crianças de várias faixas
etárias.

Roberto ensina uma criança a tirar o som de uma flauta doce.


Cada criança tem um instrumento amador.
Na velha lousa na parede estão rabiscados símbolos musicais.

(CONTINUED)
CONTINUED: 47.

Um garoto puxa Vera pela saia. Ela se vira. O garoto lhe


entrega um instrumento em dois pedaços. Vera remonta-o e
devolve ao garoto.

Uma menina puxa a saia de Vera.


ROBERTO
Te disse que não era fácil. Parece
que a bateria deles nunca acaba.

VERA
Pois eu estou adorando estar aqui.
(pegando a garotinha no colo)
Estou muito feliz que me convidou
para vir. adoro trabalhar com
crianças. Mas você ainda não me
disse como conseguiu este emprego.
ROBERTO
É voluntário.

VERA
E a lanchonete? Não tinha de
trabalhar para ajudar seus pais?
ROBERTO
Vou receber salário pela ONG.

VERA
Jura? Então pode ficar o dia todo
aqui?
ROBERTO
Sim. nem eu acreditei quando me
disseram.
VERA
Quem?

IVAN INT. BOATE - NOITE


Ivan se aproxima de Sheila.

IVAN
O que tá pegando? Porque o Marcos
tá dando tanta treta pra esse
moleque?
SHEILA
E como quer que eu saiba?
No fundo da boate, Roberto e Marco conversam animados.

(CONTINUED)
CONTINUED: 48.

IVAN
O Marcos tá ficando mole...
SHEILA
Para mim ele não dá mole. Tenho de
me desdobrar para não dançar.

Ivan passa a mão-boba em Sheila.


IVAN
(em seu ouvido)
Talvez você não tenha conhecido um
macho de verdade.
SHEILA
(alto)
Como você, é?

Ivan olha ao redor, verificando que não foram notados.


IVAN
Você quer apostar?

SHEILA
Cuidado Ivan. O peixe morre pela
boca.
Sheila se afasta, rebolando provocativamente, e se aproxima
da mesa de Marcos.

Marcos faz sinal para ela não se aproximar.


Sheila fica irada, e sai.
Marcos conversa com Roberto.

MARCOS
Você tem muito talento.
ROBERTO
Muita sorte, eu digo. Um velho
professor me deu aulas de graça
durante anos e me ensinou tudo que
eu sei.
MARCOS
E onde ele está?
ROBERTO
Meu professor? Está bem velho, mas
ainda toca. Foi ele quem me deu o
violino que quebraram.

(CONTINUED)
CONTINUED: 49.

MARCOS
Parecia muito caro.
ROBERTO
Era um Sradivarius legítimo.
Pertenceu ao pai dele.
(olhando para Marcos)
Mas o que você me deu é muito bom
também.
(escolhendo palavras)
Mas preciso saber porque me deu o
violino e resolveu meus problemas.
MARCOS
Dinheiro eu tenho aos montes.
Gostaria que todos os meus
problemas fossem tão fáceis de
resolver como os seus.
ROBERTO
Eu pensei que alguém como você não
tivesse problemas.

MARCOS
Quando se chega onde cheguei, os
problemas não são tão simples de
resolver. Porque você acha que eu
ando cercado de guarda-costas?

ROBERTO
Se é tão ruim assim, porque
simplesmente não larga tudo, muda
de vida, muda de cidade, de país.
Você já deve ter o suficiente para
viver bem em qualquer lugar do
mundo, não?
MARCOS
Já não é mais uma questão de
dinheiro. Eu entrei e passei a
muito do ponto de poder sair. Estou
enterrado até o pescoço nessa
merda.
ROBERTO
Eu não entendo. Você pode fazer
tratamento e largar o vício.
MARCOS
Não estou falando do vício. Mas não
importa. Eu estou contente por
você. Como vão as crianças?

(CONTINUED)
CONTINUED: 50.

ROBERTO
Fantástico. A melhor coisa que
podia ter me acontecido. Estou
amando cada uma delas e...
MARCOS
E aquela menina?
ROBERTO
Que menina?
MARCOS
(gargalhando)
A menina da orquestra.

Roberto fica encabulado.


MARCOS (CONT.)
Precisa ver sua cara. O muleque tá
apaixonado!

ROBERTO
Você nunca me disse porque me deu o
violino. (roberto muda de assunto)
MARCOS
E to te pagando para dar aulas de
música na comunidade? Achei que
isto já tinha ficado óbvio.
Roberto fica apreensivo.

MARCOS
Faz parte do meu trabalho ajudar a
comunidade. Mas tenho que manter as
aparências e você aceitou manter em
segredo.

ROBERTO
Eu tive que contar pro meu pai e
minha mãe. para explicar porque eu
não iria mais trabalhar na
lanchonete.

MARCOS
E o que seu pai falou?
ROBERTO
Não contei que você que tá pagando.
Falei que vem da ong, o que não é
mentira, pois meu trabalho é
voluntário, mas não falei que você
banca meu salário, Mas o que você
ganha com isso, afinal?

(CONTINUED)
CONTINUED: 51.

MARCOS
Me imagine assim como Robin Hood?
Marcos gargalha.
ROBERTO
Posso te fazer uma pergunta?
MARCOS
Mais uma? Manda!

ROBERTO
No outro dia, você me perguntou
sobre o Jurandir. Vocês se
conhecem?
MARCOS
Você perguntou isso a ele?
ROBERTO
Perguntei, mas ele desconversou.
MARCOS
O que ele disse?
ROBERTO
Nada! Apenas fugiu do assunto e
mandou eu ficar longe de você.

MARCOS
Então vamos deixar como está. Eu só
queria pagar um professor de música
para as crianças da comunidade. Não
tem nada demais fazer caridade. E
seu pai está certo. Você deve ficar
longe de mim.
Marcos faz sinal para um dos soldados que se aproxima.
Roberto levanta-se e sai. Olha para trás e vê Marcos
preparando outro cachimbo.

EXT. CENTRO COMUNITÁRIO - DIA


Roberto e Vera se despedem das crianças.

Marcos chega num carro preto e estaciona próximo.


Marcos desce do carro acompanhado de dois guarda costas e de
Sheila.
Roberto apresenta Vera e todos conversam animadamente.

(CONTINUED)
CONTINUED: 52.

Vera abre o portão para as últimas crianças saírem, ganhando


beijos de todas elas.
Marcos e Roberto se afastam.

MARCOS
Está de parabéns. Está indo muito
bem com as crianças.
ROBERTO
As crianças estão muito animadas.
Basta dar uma oportunidade.
Gostaria de agradecer pelos
instrumentos que você doou para o
centro.

MARCOS
Não agradeça. Apenas continue
fazendo seu trabalho. Precisa de
mais alguma coisa?
ROBERTO
Não. Mais tarde talvez precisemos
de mais instrumentos.
MARCOS
Só me entregue a lista.

Marcos olha para Vera que conversa com Sheila.


MARCOS
E quanto a sua namorada?
ROBERTO
Ela é apenas uma amiga que toca
comigo na orquestra, e me ajuda no
trabalho com as crianças.
Marcos dá um tapinha nas costas de Roberto.

MARCOS
Aceite um conselho. Se for uma boa
moça, não deixe ela escapar.
ROBERTO
E a Sheila?
MARCOS
Não é moça pra casar.
Marcos gargalha.

Marcos se retira com os soldados e Sheila.

(CONTINUED)
CONTINUED: 53.

VERA
Ele é mesmo um tipo de mafioso? Não
parece.
ROBERTO
As aparências enganam.
Quem diria que uma patricinha como
você estaria no morro cercada de
crianças carentes.

Vera dá um tapa afetuoso no ombro de Roberto.


VERA
Bobo.
Os dois riem.

VERA (CONT.)
É um trabalho muito bonito o que
você está fazendo.
ROBERTO
Estamos fazendo.
Roberto recolhe os instrumentos.
ROBERTO
Eu já te falei sobre o Isaac. Ele
me ensinou desde criança, e nunca
quis um tostão por me ensinar.
Apenas estou retribuindo aquilo que
um dia ele fez por mim. Como
prometi a ele que ia fazer.

MONTAGEM:

INT/EXT. CENTRO COMUNITÁRIO E MORRO - DIA

- Roberto e Vera vêem a sala onde grafiteiros exercitam sua


arte.
- Numa sala, adolescentes misturam-se em meio a aulas de HIP
HOP e samba.

- Roberto e Vera descem o morro animados.


- Roberto e Vera atravessa a pracinha no fim do morro. Em
uma banca de artesanato Roberto compra um cordão e entrega
para Vera, que agradece com um beijo em seu rosto.

UMA MOTO está estacionada do outro lado da praça


54.

Pelas viseiras do capacete do motociclista, Vemos que Ivan


observa tudo.

INT. CASA - NOITE


Roberto, Clara e Jurandir estão sentados à mesa jantando.
ROBERTO
Hoje o Marcos esteve lá no centro.
Ele tem doado instrumentos para as
crianças poderem estudar.
JURANDIR
Eu te pedi para afastar-se dele.
Ele não é uma boa pessoa.
Roberto pousa os talheres sobre a mesa.
ROBERTO
Afinal de contas, qual seu problema
com ele?
JURANDIR
Isso não é da sua conta. Só fique
longe dele.

Roberto larga o prato ainda cheio, e sai da cozinha.


CLARA
O menino tem o direito de saber.
Jurandir encara Clara, e volta a comer, pensativo.

INT. CASA - QUARTO - NOITE


BATIDAS na porta.

Jurandir entreabre a porta.


Roberto está sentado na cama limpando o violino.
JURANDIR
Posso entrar?
ROBERTO
Claro.
JURANDIR
Queria conversar com você.
Roberto não responde.

(CONTINUED)
CONTINUED: 55.

JURANDIR
Sua mãe acha que já passou da hora
de você saber de algumas coisas.
Roberto volta sua atenção ao pai.

ROBERTO
É sobre o Marcos, não é?
JURANDIR
É sobre o Marcos, sim.

ROBERTO
É claro que vocês se conhecem.
Jurandir desvia o olhar.

ROBERTO (CONT.)
O que tem você a ver com o Marcos?
JURANDIR
Tem a ver com você.

Roberto guarda o violino, e aproxima-se de Jurandir.


ROBERTO
Eu? O Marcos tem a ver comigo?
JURANDIR
Com você e seu pai.
ROBERTO
O Marcos é meu pai? É isso?
JURANDIR
Não. Eu sou seu pai.
ROBERTO
Pai, eu sei que você é meu pai mas
de criação, não?

JURANDIR
Sim, mas o Marcos não é seu pai. É
uma história muito longa, e sua mãe
acha que já é hora de você saber de
tudo.

Roberto apanha as mãos de Jurandir, aperta-as entre as suas,


e o faz sentar.
As outras crianças dormem.

(CONTINUED)
CONTINUED: 56.

JURANDIR
Vamos lá para fora. Vou te contar.

EXT. CASA - NOITE

ROBERTO
Me conte sobre o Marcos. Ele
conhecia meu pai?
JURANDIR
Conhecia. Nós moramos na mesma casa
e começamos a trabalhar juntos na
mesma obra. Costumávamos tomar uma
cerveja ou outra no final do
expediente, e jogar bilhar num bar
perto daqui.

Pausa enquanto Jurandir parece se recordar do passado.


JURANDIR
Sempre estávamos juntos. Quando
comecei a namorar sua mãe, seu pai
namorava uma amiga dela, a sua mãe.
Quando você nasceu, eu e Marcos
fomos seus padrinhos. E quando sua
mãe faleceu, nós criamos você como
nosso filho.

ROBERTO
Por isso ele está me ajudando?
JURANDIR
Eu acho que ele quer apagar um
pouco da culpa pelo que aconteceu
com seu pai.
ROBERTO
Mas do que está falando?

JURANDIR
Um tempo depois que morávamos aqui
o Marcos começou a se envolver com
pessoas que não eram do bem. Ele
dizia que estava cansado de
trabalhar feito um burro e nunca
ter dinheiro. Aí começou a se
envolver com todo tipo de gente.
ROBERTO
E meu pai?

(CONTINUED)
CONTINUED: 57.

JURANDIR
Ele era bem mais novo que eu na
época. O Marcos era como um herói
para ele. Tudo o que o Marcos fazia
ele queria imitar. Logo o Marcos
saiu do emprego e começou a chegar
em casa com dinheiro e coisas
novas. Eu fazia de conta que não
via nada. Estava tão cego que não
percebi o perigo que seu pai
corria.

ROBERTO
O que aconteceu?
JURANDIR
Um dia mexendo nas coisas dele
encontrei um revólver. Quis saber o
que era e ele disse que era do
Marcos, só estava guardando. Mandei
ele devolver, que eu não queria
aquilo na nossa casa.

ROBERTO
E então?
JURANDIR
Naquela noite eu não conseguia
dormir, parecia que adivinhava que
alguma coisa iria acontecer. De
madrugada foram bater na porta de
casa. No começo não entendi, depois
falaram que alguma coisa tinha
acontecido com seu pai.

INICIO DO FLASHBACK

FLASHBACK MORTE DE PAULO EXT. RUA - NOITE - FLASHBACK

Jurandir chega correndo. No meio da rua, um aglomerado de


pessoas. Jurandir se aproxima. No chão está Paulo deitado de
bruços, com sangue saindo pelo nariz e uma grande poça se
formando na rua. De pé, Marcos com o revólver na mão parece
perdido. Jurandir se aproxima e agarra Marcos.

JURANDIR
O que aconteceu?
MARCOS
Eu não sei. Estava chegando e vi
Paulo vindo em minha direção. De
repente um carro chegou e os caras
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 58.

MARCOS (cont’d)
começaram a atirar. Eu atirei
também, não sei quantas vezes. E
eles foram embora.

JURANDIR
E o Paulo?
MARCOS
Ele estava no meio do tiroteio.
Eles queriam acertar em mim, mas o
Paulo estava no caminho. Não tive
culpa.
Jurandir se afasta de Marcos e se abaixa para ver o corpo de
Paulo. Enquanto isso Marcos se afasta empurrando as pessoas.

FIM DO FLASHBACK

DIALOGO JURANDIR E ROBERTO INT. CASA - NOITE


Foco no rosto de Jurandir, que parece longe.

JURANDIR
Enterrei seu pai. Depois fiquei
sabendo que o Marcos matou todos os
que estiveram no tiroteio. Nunca se
meta com ele. Por isso eu te digo.
Fique longe dele.
Jurandir se levanta e entra na casa deixando Roberto com
seus pensamentos.

EXT. MORRO - BAR - NOITE


Roberto se aproxima do bar onde marcos está sentado tomando
algumas cervejas.

Roberto chega. Coloca o estojo de violino sobre uma mesa


Marcos está de pé conversando com um dos guarda costas.
Roberto desfere um soco na cara de Marcos.

Os soldados apontam as armas.


Marcos manda abaixarem as armas e limpa o sangue do canto da
boca com a mão.

(CONTINUED)
CONTINUED: 59.

MARCOS
Está se sentindo melhor agora?
ROBERTO
O Jurandir me contou tudo.

MARCOS
Mais cedo ou mais tarde você
acabaria descobrindo mesmo.
ROBERTO
Ele me contou como meu pai morreu.
Disse que foi tudo culpa sua.
MARCOS
Nunca pedi para ele me seguir. Ele
veio porque quis.

ROBERTO
Tudo assim fácil, não é? Você só
deixou acontecer.
MARCOS
Tudo que seu pai queria era ser
igual a mim. Ele também não queria
viver a vidazinha medíocre que o
Jurandir obrigou você a viver.
Talvez se ele ainda estivesse vivo
você não achasse tão ruim assim.

ROBERTO
E agora você acha que pode comprar
minha consciência com um pouco do
seu dinheiro sujo?

MARCOS
A vida é assim moleque.
ROBERTO
Porque? Tudo por causa de dinheiro?
Eu entendo que a vida de vocês era
difícil...
MARCOS
Besteira. Seu pai queria coisas
boas que só o dinheiro podia
comprar. Ele fez uma escolha e
agora você tem que fazer a sua
ROBERTO
Eu já fiz.

(CONTINUED)
CONTINUED: 60.

MARCOS
Isso é seu. Para mim não serve de
nada.
Marcos joga o violino de volta para Roberto.

Roberto vira as costas e sai.


Os soldados entreolham-se.
Marcos limpa a mão na camisa branca, e entra pelo bar
adentro.

INT. MORRO - BARRACO - DIA


O ambiente é de uma boca-de-fumo, sujo, um colchão fétido
num canto, a mesa farta de drogas sendo divididas e
empacotadas. Marijuana, cocaína, crack, em meio a balanças,
celulares e cordões de ouro de tamanhos variados.
Ivan entra acompanhado de dois soldados visivelmente bem
armados.
Todos suspendem a preparação das drogas e dirigem suas
atenções a Ivan.
SOLDADO 1
E aí maluco. Que que tu está
querendo?
Ivan pousa sua arma sobre a mesa.
SOLDADO 2
Pra que chamou a gente aqui, Ivan?
Ivan passa o dedo em uma linha de cocaína sobre a mesa, e o
esfrega em suas gengivas.
IVAN
Da boa. Mas pode cortar mais para
multiplicar os pães.
SOLDADO 3
Já foi muito multiplicado. Estamos
perdendo espaço porque estamos
misturando merda demais. Temos que
manter a nossa marca.
SOLDADO 2
Marca de merda. É assim que tá
rolando o nome de nosso selo lá
fora.

(CONTINUED)
CONTINUED: 61.

SOLDADO 1
Tu não veio aqui para falar do
processo, veio?
IVAN
Claro que não!
(olhando para um soldado)
Pode misturar mais que eu garanto a
venda.
(encostando no cano da arma
sobre a mesa)
E quero ver noiado vir reclamar da
mercadoria. Faço ele cheirar a
fumaça deste cano. Vai viajar... e
só acordar no inferno!
(para todos)
Eu pedi esta reunião porque pra mim
o Marcos não tem mais peito para
mandar no morro. Tá na hora dele
passar a coroa.
Os soldados entreolham-se, alguns pendendo a cabeça.

IVAN
Vocês sabem do que aconteceu ontem
no bar. Se fosse outros tempos, o
Marcos tinha feito picado daquele
moleque.

SOLDADO 2
E tu tá pensando em ficar com a
boca?
IVAN
Vou ficar! E quero saber quem vai
ficar do meu lado.
SOLDADO 3
A treta é entre vocês. Vocês que a
resolvam.

IVAN
Tá certo. Tá certo. Só quero que
ninguém se meta. Isso é assunto meu
e dele. Combinado?

Os soldados discutem entre si, e entram em consenso.


SOLDADO 1
Quando a poeira baixar quem tiver
de pé é o dono da boca.

Ivan sorri, satisfeito.


62.

INT. TEATRO - PALCO - NOITE


Roberto, utilizando outro violino, comete muitas falhas na
execução da peça.
Vera perde a concentração e erra também.
O Maestro interrompe a regência.

MAESTRO
Vamos ficar por aqui. Vocês não
estão se dedicando.
Outros músicos guarda cada um seu instrumento. Carlos se
irrita, mas Vera o ignora, e ele sai.

EXT. TEATRO - NOITE


Vera alcança Roberto que se afasta.

VERA
Tudo bem?
Roberto continua os passos largos. Vera emparelha os passos.
ROBERTO
Claro.
VERA
Aconteceu alguma coisa?
ROBERTO
Só estou um pouco perturbado.
VERA
Não quer conversar?

ROBERTO
Não. É uma coisa que eu mesmo tenho
que resolver. Eu preciso ir.
Roberto aperta a marcha, e deixa Vera pra trás.

EXT. ESTAÇÂO DE TREM SUBURBANA - NOITE


Roberto sai da estação, e encontra Júlio parado na esquina.
JULIO
Tem certeza que quer isso mesmo?
Roberto passa para ele um maço de dinheiro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 63.

JULIO (CONT.)
E também não vai me dizer onde
conseguiu esta grana.
ROBERTO
Pode contar. Tá tudo aí.
JULIO
Não vou contar. Você não ia ser
louco de me dá um toco.

Júlio abre um compartimento escondido no tanque da moto e


retira dali um embrulho, e o entrega a Roberto.
JULIO
Não tem volta, viu?

Roberto pega o embrulho, coloca numa sacola, e sai.

INT. QUARTO ROBERTO - NOITE


As crianças dormem.

Roberto se senta no canto, e abre o embrulho.


Dentro uma pistola e munição.
Roberto pega a pistola, coloca as balas no tubo, põe a
cintura sobre a camisa, e sai.

EXT. MORRO - RUA - NOITE


Roberto caminha, aperta a pistola sobre a camisa, e apressa
o passo.

EXT. MORRO - BAR - NOITE


Roberto entra no bar.

Marcos está jogando bilhar.


Roberto aproxima-se. Os soldados barram Roberto, mas Marcos
manda deixarem o rapaz passar.

MARCOS
O que você quer?
Marcos tá uma tacada na bola preta, e está cai no chão, do
outro lado da mesa.

(CONTINUED)
CONTINUED: 64.

Roberto abaixa-se e a apanha. Sua arma fica visível. Roberto


recoloca a bola dentro da mesa.
Marcos, impassível, abaixa-se para mirar nova tacada.
Marcos aguarda Roberto. Os soldados se agitam. Roberto
encosta em sua arma. Marcos acerta a bola branca na preta...
e esta cai na caçapa.
Roberto retira a pistola da cintura e coloca sobre a mesa de
bilhar.

Marcos não se altera.


MARCOS
O que iria fazer com isso?

ROBERTO
Meter uma bala na sua cabeça.
MARCOS
Fácil assim?

Marcos pega a pistola e recoloca-a nas mãos de Roberto.


ROBERTO
Eu queria te matar.
MARCOS
Vá em frente.
Roberto treme as mãos.
MARCOS (CONT.)
Segure-a firme. (apoa as mãos de
Roberto)Na próxima vez você já não
ficará tão nervoso.
Roberto aponta a pistola. Os soldados não reagem.
ROBERTO
Não haverá próxima vez.
Marcos espera pelo tiro. Roberto retorna a arma à mesa, e
sai.

Marcos pega a pistola, e a guarda na cintura.


Os soldados entreolham-se.
65.

INT. CASA DE ROBERTO - SALA - NOITE


Jurandir e Clara estão vestidos para um evento social.
Jurandir arruma a gravata dos filhos, e dá o nó na de
Roberto.

JURANDIR
Eu estou muito orgulhoso de você
meu filho, e não é só pela música,
ouviu?

CLARA
Eu to orgulhosa de você ter
conseguido o emprego.
ROBERTO
Não é emprego, mãe. Só me deixam
tocar na orquestra.
(rindo)
CLARA
Faz mal não. Dinheiro é o de menos.
To cheia de orgulho de você.
Jurandir dá um tapinha afetuoso no filho.
JURANDIR
Sua mãe tá é vaidosa com este
vestido que ela costurou lá naquele
curso da comunidade.
CLARA
Exagerado. Eu só reformei. Comprei
baratinho num brechó.

ROBERTO
Fico muito feliz de ver vocês assim
contentes. Eu já vou.

JURANDIR
Você não vem com a gente?
ROBERTO
Não. A Vera ficou de me esperar na
estação do centro para chegarmos
juntos. Vocês já podem ir na
frente.
CLARA
Eu gosto dessa menina. Se comporte
bem com ela, hein?

(CONTINUED)
CONTINUED: 66.

ROBERTO
Qual é mãe?
Os dois saem pela porta com as crianças.
Roberto separa algumas partituras.

BATIDAS na porta.
ROBERTO
Esqueceram a chave?

Roberto abre... é Ivan.


Roberto vai fechar a porta, Ivan o impede, segurando a porta
aberta.

ROBERTO
O que você quer aqui?
IVAN
Não me convida para entrar?

ROBERTO
Você não é bem vindo aqui.
Ivan gargalha.
IVAN
Assim você me magoa
Roberto pega Ivan pela camisa.
ROBERTO
Vai sair por bem, ou vai por mal?

Ivan livra-se das mãos de Roberto.


IVAN
Calma ai. Você vai vir comigo.
Reconhece?

Ivan tira do bolso o cordão que Roberto deu para Vera.

EXT. CARRO - NOITE - TRAVELING

Roberto está no banco de trás. Em cada lado, um soldado


armado. Ivan vai no banco de passageiro. Outro soldado
dirige o carro.
67.

EXT. RUA DESERTA - NOITE


O carro estaciona em uma rua de poucas casas.
Um soldado desce, seguido de Roberto, e outro soldado. Ivan
e o outro soldado vão atrás. O grupo entra por um portão
alto.

INT. CATIVEIRO - NOITE

Vera, sentada num sofá sujo, um soldado empunhando fuzil de


guarda.
Roberto chega.
Vera levanta-se e se agarra a Roberto, que a abraça.

ROBERTO
Está tudo bem com você? Eles te
machucaram?
VERA
Não. Tô bem. O que que eles querem?
Dinheiro de meus pais? Quanto?
ROBERTO
Quanto você quer Ivan?

IVAN
De vocês nada. Vocês só tem de
ficar quietinhos.
Sheila aparece. Ivan lhe dá o cordão de Vera. Sheila sorri
satisfeita.

IVAN
É seu.
Sheila coloca o cordão.

SHEILA
Nosso acordo então está de pé.
IVAN
E porque não estaria?

SHEILA
A minha parte eu cumpro.
Ivan puxa Sheila pelo cabelo. Ela gosta.

(CONTINUED)
CONTINUED: 68.

IVAN
Faz o combinado e tu vai viver como
uma rainha.
Sheila beija Ivan, e este aperta-lhe e a leva para dentro da
casa.

EXT. TEATRO - NOITE


Jurandir e Clara e as crianças chegam ao teatro.

Eles sobem as escadarias, perdidos em meio a muita gente bem


vestida.

INT. TEATRO - NOITE

A família um pouco acabrunhada com a suntuosidade dos


detalhes da arquitetura e decoração, procura passar pelo
hall de entrada.

INT. TEATRO - NOITE - CONTINUO


Jurandir acomoda Clara e as crianças nos assentos, e olha em
volta, procurando rostos conhecidos.

INT. CATIVEIRO - NOITE


No cativeiro Roberto e Vera estão juntos no sofá.
A porta se abre e Marcos entra. Atrás dele um soldado
armado.

ROBERTO
Então foi você.
O soldado encosta o cano nas costas de Marcos, e ele
continua a andar, e senta-se ao lado de Roberto.
Outros cinco soldados entram, todos de arma em punho.
Ivan entra, vindo do quarto interno, fechando a camisa.

MARCOS
Estou aqui. Pode soltar o rapaz.
Roberto olha para um e outro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 69.

ROBERTO
Por que?
MARCOS
Deixe ele ir, e a moça também.

Sheila entra, consertando a blusa. Roberto não mostra


surpresa.
MARCOS
Então você se acha que pode tirar o
que é meu?
IVAN
Acho?
Ivan gargalha.

IVAN (CONT.)
Não há mais nada seu. Até a sua
vadia te traiu, Marcos.
MARCOS
Deixe o rapaz e a moça irem. A
parada é entre nós e ele não tem
nada a ver com isso.
IVAN
E ele tem de tocar no Municipal?
(rindo)
To a par de tudo. Como acha que
peguei a moça?
Sheila estremece.

IVAN (CONT.)
Você e seu sobrinho ai são iguais.
Ele veio salvar ela e você veio
salvar ele. E agora os dois se
fuderam.

MARCOS
Cala sua boca, Ivan!
ROBERTO
Sobrinho?

IVAN
Parece que não te contaram a
história toda. Esse ai é seu tio.
Legal né?

(CONTINUED)
CONTINUED: 70.

ROBERTO
(para Marcos)
Meu tio....

MARCOS
Ele não sabe o que tá dizendo.
(olhando Roberto dentro do
olho)

IVAN
O que é que você acha, moleque? Eu
entendi tudo quando ele não te
matou.
(para Marcos)
Tu baixou a guarda, e vai morrer. E
eu passo a ser o dono da boca.
MARCOS
O que você quer, Ivan, é entre eu e
você. E só eu posso te dar.

IVAN
Você não me dá mais porra nenhuma.
Quem dá as ordens agora sou eu.
Quem diz quem vive ou morre de
agora em diante sou eu.

MARCOS
Sabe qual seu problema Ivan?
Ivan aponta a arma para a cabeça de Marcos.

MARCOS
(sem aflição)
Você nunca foi muito esperto, não
é?
IVAN
Não? Mas quem é que manda agora?
MARCOS
Quem?
Os soldados reapontam as armas... para Ivan.

Um soldado desarma Ivan. Coloca a pistola na cintura.


Sheila ajusta o cabelo, tira o colar, aproxima-se dos
reféns, e coloca-o de volta no pescoço de Vera com um meio
sorriso.

Marcos tira uma anel do bolso, Sheila aproxima-se, pega a


aliança e a coloca sobre o dedo anelar, e a admira. Ficou
perfeita.

(CONTINUED)
CONTINUED: 71.

Marcos pega Ivan pelo colarinho.


MARCOS
Você acha que eu cheguei onde
cheguei, dando mole para gente como
você?
Marcos vira-se para Roberto.

MARCOS
Pegue sua namorada.
(para um soldado)
Deixei-os onde quiserem ir.
(para Sheila, beijando-lhe)
Vá agora que eu ainda tenho umas
contas para acertar.
(para o soldado)
Deixei-a em casa também.
Todos se viram para a porta caminhando para a saída.
aproveitando o momento de descuido Ivan pega a pistola da
cintura do soldado, aponta para Marcos e atira pelas costas.
Marcos cai. Quase no mesmo momento os soldados atiram em
Ivan que cai a um canto da sala. Roberto corre e apóia Ivan
nos braços. Sua roupa está cheia de sangue e logo as mãos e
roupa de Roberto também estão.

ROBERTO
Marcos.
MARCOS
Fica frio. Não é a primeira vez que
eu levo um tiro. Vai embora!
ROBERTO
Não vou deixar você assim...
MARCOS
vai agora e deixa seu pai
orgulhoso.... e eu também.
Marcos faz um sinal para um dos soldados que levanta Roberto
e o encaminha para a porta de saída. Um outro soldado conduz
Vera, e Sheila os acompanha.

EXT. CATIVEIRO - NOITE


Roberto, Vera e Sheila são acomodados no banco de trás. Um
soldado senta-se no banco de passageiro.

Outro soldado, sentado no banco do motorista, liga o motor.


Do lado de fora do carro, em cada porta, um soldado armado.

(CONTINUED)
CONTINUED: 72.

Roberto faz que vai abrir a porta, mas o soldado do banco do


passageiro aponta-lhe a arma, e ele desiste.
O soldado motorista afunda o pé no acelerador, o carro
parte.

INT. TEATRO - CAMARIM - NOITE


Roberto e Vera entram afobados. As roupas de Roberto sujas.

MAESTRO
Pensei que não vinham mais... Meu
Deus, o que é isso... de quem é
esse sangue?
ROBERTO
Não se preocupe, não é meu.
MAESTRO
Mas o que aconteceu?
ROBERTO
É uma longa história.
MAESTRO
Vocês acham que estão em
condições...

VERA
Estamos aqui, não estamos?
ROBERTO
Eu vou me trocar...

Roberto dá um beijo em Vera e se encaminha pro vestiário.


MAESTRO
Depois quero saber essa história
direito. Agora se apronte.

INT. TEATRO - NOITE


As cortinas se abrem. A orquestra está posicionada.

APLAUSOS de todos.
Roberto posiciona seu violino no queixo. Vera troca olhares
furtivos com ele.
O Maestro entra e se posiciona no centro do palco, de costas
para o público, de frente para seus músicos.

(CONTINUED)
CONTINUED: 73.

As PALMAS cessam. O silêncio se instala.


Seu Jurandir e Dona Clara estão eufóricos. Dona Clara
controla as crianças, que fazem silêncio, contentes.
Jurandir acena que está para começar. Ele empina o nariz,
orgulhoso.
Um primeiro acorde de violino, tocado por Roberto, ECOA.

Os diversos instrumentistas e seus instrumentos entram, cada


um a seu tempo, incorporando a bela sinfonia.
INTERCALADA COM:

EXT. HOSPITAL - NOITE


Um carro freia na portaria da emergência.
Os soldados do trafico, armas em punho, saltam do carro e
entram no hospital.
Os enfermeiros aparecem, armas apontadas para as cabeças,
trazendo uma maca.
Os soldados abaixam as armas.

Os enfermeiro tiram alguém de dentro do carro, colocam na


maca, e empurram para dentro do hospital.

EXT. TEATRO - NOITE

A música continua num crescendo.


O rosto compenetrado de Roberto entrega-se à execução de seu
instrumento.

EXT. RUA - NOITE


O médico examina a pessoa, e indica a sala de cirurgia.

INT. TEATRO - NOITE


O virtuosismo de Roberto se INTERCALA com as Mãos do Maestro
regendo que SE ENTRECORTAM com as MÃOS do cirurgião
OPERANDO.

A MÚSICA ruma ao clímax.


O Maestro rege loucamente sua orquestra.
74.

INT. HOSPITAL - NOITE


O Médico retira sua máscara, o SUOR lhe cai pelas têmporas.
Suas feições indicam que o paciente não resistiu.

INT. TEATRO - NOITE


A SINFONIA chega ao fim.
Roberto está SUANDO.

O maestro vira-se de frente para a platéia que o aplaude de


pé.
A família de Roberto aplaude eufórica.

Roberto sorri para Vera, que lhe retribui o sorriso.


Carlos fecha o semblante.

INT. TEATRO - SAGUÃO - NOITE

Os muitos músicos recebem cumprimentos e fazem fotos


diversas.
Jurandir e Clara abraçam Roberto, embevecidos e orgulhosos.
As crianças fazem farra. Clara beija o filho sem parar.

ROBERTO
Para, mãe. Assim a senhora vai ter
um treco!!!
A mãe ri contentíssima. O pai cumprimenta Roberto com um
forte abraço.
O Maestro toca no ombro de Roberto.
MAESTRO
Roberto, venha aqui. Quero que
conheça alguém.
Um SENHOR de costas conversa com algumas pessoas. O Maestro
toca-lhe no ombro.

MAESTRO
Por favor, Maestro?
O Senhor vira-se. É o MAESTRO JOÃO CARLOS MARTINS.
Roberto não acredita em seus olhos.

(CONTINUED)
CONTINUED: 75.

JOÃO CARLOS
Ah! então esse é o rapaz de quem
falávamos.
(cumprimenta-o entusiasmado)
Muito bom, muito bom mesmo. Queria
muito lhe conhecer, meu caro rapaz.
nem em seus ouvidos.
ROBERTO
Maestro...

JOÃO CARLOS
O seu maestro me falou muito bem de
você, das dificuldades que supera
para vir nos ensaios, para estar
aqui esta noite.

O Maestro João Carlos abraça Roberto.


JOÃO CARLOS
Olhe que de superar dificuldades eu
entendo muito. Meus parabéns, meu
caro.
Roberto não encontra palavras para responder.
ROBERTO
O-o-brigado!

JOÃO CARLOS
Deixa disso rapaz. Eu pedi para
conhecê-lo pois estou abrindo um
novo programa de intercâmbio com
jovens artistas daqui e da Europa e
gostaria de saber se você está
interessado?
ROBERTO
Eu?

JOÃO CARLOS
Aqui estão meus telefones.
(entrega um cartão a Roberto)
Me procure ainda esta semana.
(batendo nos ombros)
Você tem muito talento meu rapaz.
ROBERTO
Muito... Muito Obrigado.
Ele se afasta junto com outros. Roberto observa o cartão.
Algumas pessoas o cumprimentam
76.

INT. CASA DE ROBERTO - NOITE


Todos comemoram. Roberto não se desgruda de Vera, que o
enche de beijos
Um dos irmão de Roberto aproxima-se, e puxa-lhe a calça.
Insiste. Aponta para a porta de saída.
Clara vai lá fora.

EXT. CASA DE ROBERTO - NOITE


Alguns soldados do tráfico estão na porta.
Clara entra, e retorna com Roberto.

Roberto recebe uma carta das mãos de um soldado.

INT. CAPELA MORTUÁRIA - MADRUGADA


Roberto entra. Sheila o recebe, os olhos afundados em
lágrimas.
No centro da sala, as pessoas velam o corpo.
Jurandir, Clara e Vera entram.

Roberto se aproxima da urna mortuária.


Os soldados, todos de automáticas e fuzis á mão, vão abrindo
espaço enquanto Roberto aproxima do caixão.
Roberto abre seu estojo, e após observar o rosto de Marcos
por algum tempo, o leva ao queixo, e toca.
O burburinho dos presentes sucumbe ao som do réquiem.
Roberto toca, olhos em lágrimas, para MARCOS que jaz ao
centro. a câmera circula entre os atores.

FADE OUT.
FIM

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