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Os Warao no Brasil em cenas:

“o estrangeiro...”
El escenário de los Warao en Brasil:
“el extranjero...”

Elaine Moreira

RESUMO
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O artigo explora os desafios que a presença dos indígenas Warao e Eñape, colocaram e
ainda colocam para o Estado Brasileiro no fluxo migratório venezuelano. Percorre as ce-
nas das primeiras expulsões pela Polícia Federal em 2014 aos dias atuais, com a milita-
rização dos abrigos indígenas, passando pela mudança na Lei sobre Migração brasileira.
Os indígenas permanecem no dilema de solicitarem refúgio e manter o movimento de
ir e vir entre suas comunidades no Delta Orinoco e os abrigos oferecidos pelo governo
federal brasileiro. Tal contradição revela não apenas um racismo institucional, como
muito do nosso modo de lidar com a diferença, pois neste caso, as ações do Estado pa-
recem colocar os Warao na figura do indígena “estrangeiro” muito mais que no indígena
migrante.

Palavras chaves: Warao, migrações, direitos indígenas, fronteira Brasil-Venezuela, povos


indígenas.

RESUMEN
__________________________________________________________________
El artículo explora los desafíos que la presencia de los indígenas Warao y Eñape, colo-
caron y aún colocan para el Estado Brasileño en el flujo migratorio venezolano. Recorre
las escenas de las primeras expulsiones por la Policía Federal en 2014 a los días ac-
tuales, con la militarización de los abrigos indígenas, pasando por el cambio en la Ley
sobre Migración brasileña. Los indígenas permanecen en el dilema de solicitar refugio
y mantener el movimiento de ir y venir entre sus comunidades en el Delta Orinoco y los
abrigos ofrecidos por el gobierno federal brasileño. Tal contradicción revela no sólo un
racismo institucional, como mucho de nuestro modo de lidiar con la diferencia, pues en
este caso, las acciones del Estado parecen colocar a los Warao en la figura del indígena
“extranjero” mucho más que en el indígena migrante.

Palabras claves: Warao, migraciones, derechos indígenas, frontera Brasil-Venezuela,


pueblos indígenas

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“A distância excessiva provoca indiferença; a proximidade excessiva pode desencadear a compai-
xão ou a rivalidade aniquiladora” (Ginzburg)

Há muito o que dizer sobre o que vem revelando a presença de indígenas oriundos de
outros países no Brasil. O uso do verbo revelar não é ingênuo, não apenas tal fato de-
safiou o Estado Brasileiro e sua agência indigenista oficial, a FUNAI1, mas também as
agências internacionais relacionadas à migração, assim como as próprias organizações
indígenas locais e nacionais que, na maior parte do tempo, permaneceram silenciadas
diante da cena.

Escolheremos cenas, reveladoras deste período mais recente, que trouxe a luz a pre-
sença do povo Warao, oriundos da Venezuela. A primeira cena trazia algo de déjà vu:
indígenas, especialmente mulheres com seus filhos ou netos, no centro da cidade de
Boa Vista, capital do estado de Roraima. Falavam uma língua própria2 e pediam dinheiro
ou algum apoio material nos semáforos ou em outros pontos de grande circulação na
cidade. As primeiras notícias nos jornais indicavam que indígenas venezuelanos haviam
sido expulsos por estarem indocumentados3. Por alguns dias a cena desaparecia. Pouco
tempo depois, estas mulheres com roupas coloridas voltavam, e eram cada vez mais,
cores e pessoas. Chegou-se a imaginar que seriam do povo Ingaricó, desmentido em se-
guida. Contudo, o equívoco evocava uma imagem de indígena que pudesse correspon-
der a povos no estado de Roraima, falante de uma língua própria, não falasse o idioma
nacional: equívoco, este, revelador de imagens e preconceitos criadores de estereótipos
de toda sorte.

A segunda cena, é um divisor de águas na circulação dos Warao no Brasil. Estamos em


dezembro de 2016, cerca de 450 pessoas deste povo estão recolhidas na sede da Policia
Federal de Boa Vista. Vários entram no ônibus que deveria acompanha-los até a fron-
teira com a Venezuela, a cerca de 200 Km da capital. A Cena está registrada em fotos de
jornais locais. Felizmente, uma liminar impede que a ação seja concluída.

Pouco ou nada se sabe ainda sobre quem são estes indígenas, quantos são e o que irá
acontecer com eles e elas. Poucos meses depois é criado o Centro de Referência ao Imi-
grante (CRI), na periferia de Boa Vista: ali passam a viver famílias do povo Warao e outros
migrantes da Venezuela. A cena é de penúria, procura-se saber quem são os líderes, e de
lá para cá, novos “aidamos4” surgem, se organizam conversas entre estes líderes. Contu-
do, depois de um tempo estes “se vão”, e outros aparecem. Viver no abrigo significa, en-
tre outras coisas a necessidade de se nomear lideranças. A sociedade civil se aproxima,
aparecem ONGs, as agências internacionais, as agências do Estado, governos estaduais

1  Fundação Nacional do Índio


2  A língua Warao é considerada uma das línguas isoladas, embora apresente empréstimos linguísticos do
tronco linguístico aruaque e caribe.
3  De acordo com dados elaborados pelo Ministério Público Federal, os primeiros Warao chegaram à Boa
Vista em 2014, ano em que 33 Warao, em situação de rua, foram deportados pela Polícia Federal (BRASIL,
2017), in Simões 2017.
4  Aidamo na língua Warao seria os lideres, os “grandes homens” como cunhou Godelier. Estas pessoas
presentes na organização social deste povo não estavam na viagem ao Brasil. Assim eles se viram obrigados
a produzirem ou forjarem os interlocutores com aqueles que formulariam políticas públicas e/ou gerencia-
riam os abrigos.

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e municipais que não se acordam sobre suas responsabilidades. Enquanto isso, vários
Warao se dirigem para Manaus, depois até Belém e Santarém.

Hoje, estima-se que no Brasil, estão presentes em torno de 3000 pessoas do povo Wa-
rao, e cerca de 200 do povo Panare ou Eñape, igualmente indígenas que vivem no Esta-
do Bolívar, na Venezuela, também com sua língua materna do tronco linguístico Caribe.
Deste total, cerca de 1400 estão divididos entre Boa Vista e Pacaraima, o município que
se encontra na fronteira com a Venezuela, único ponto urbanizado de uma fronteira de
mais de 2000 quilômetros, porém uma área povoada por povos indígenas de diversas
línguas, costumes e tradições, portanto um fronteira que esta longe de ser um espaço
vazio, embora não urbanizado.

Os demais integrantes do povo Warao se encontram ainda hoje nas cidades de Manaus
(AM) Belém e Santarém (PA). Algumas cenas se repetem nestas cidades: eles habitam
ruas e viadutos em Manaus e Belém, as autoridades municipais e estaduais procuram
soluções e abrigos para estas famílias. Diferente de Boa Vista e Pacaraima, Manaus opta
por um abrigo numa região não considerada periferia, e para lá se dirigem famílias que
estavam em situação de rua e outras que haviam alugado pequenos quartos e já haviam
sido ameaçadas nestas residências.

Não demorou muito, e o abrigo foi abandonado pelos Warao: hoje, parte deles perma-
necem abrigados em casas coletivas em Manaus, e o abrigo passou a receber outros
migrantes venezuelanos e não mais os indígenas. Importante dizer que ha uma grande
mobilidade entre o Brasil e Venezuela, é plausível supor que nestas cidades se encon-
tram uma rede de parentes, onde as informações circulam entre eles em todos estes
espaços.

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A BUSCA E A CONSTRUÇÃO DE INFORMAÇÕES

Com os Warao já alojados no primeiro abrigo , e parte deles em situação de rua, o Mi-
nistério Público Federal de Roraima e a Procuradoria Federal do Direito do Cidadão-
-PFDC, já em janeiro de 2017, solicita um parecer técnico e antropológico, que será
lido na primeira audiência pública em Boa Vista, em março de 2017, sobre o tema da
migração venezuelana. Hoje um documento de referência, onde reuniu informações et-
nográficas e históricas sobre quem são os Warao, de onde vieram, e como chegaram
ao Brasil. Outro parecer de numero 10, foi elaborado pelo MPF de Manaus, registrando
a presença dos Warao na capital do Amazonas, e os problemas enfrentados naquele
contexto. No mesmo ano, a pedido do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e com
apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), foi elaborado
o Perfil Sócio Demográfico e Laboral da Migração Venezuelana no Brasil (Simões, 2017).
Neste trabalho, aparece pela primeira vez a informação da presença dos Panare-Eñape
no Brasil, além da permanência dos indígenas em situação de rua em Pacaraima e Boa
Vista, mesmo depois da criação do CRI (Centro de Referência ao Imigrante) na capital de
Roraima. Além destes dados, a Agencia Internacional da ONU para Migração-OIM publi-

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cou em 2018, um trabalho5 onde apresenta informações organizadas sobre os direitos
dos povos indígenas no Brasil e a legislação internacional, tal trabalho deveria orientar
a acolhida dos povos indígenas neste fluxo migratório.

Atualmente, sabemos que o povo Warao vive na região do Delta Orinoco, conta com
uma população de quase 50.000 pessoas, sendo a segunda maior etnia da Venezuela.
Apesar de uma história de contato de cinco séculos, eles mantiveram sua língua ma-
terna. Desde os anos 1960, seu território, embora protegido pela legislação ambiental
da Venezuela, sofreu intervenções externas de exploração de petróleo e construção de
barragem, com impactos ambientais diretos nos canais do delta, onde a salinização da
água e do solo trouxeram consequências para as atividades tradicionais de subsistên-
cia, limitando o uso de recursos naturais, entre elas, a pesca, além da agricultura. Além
disso, o povo Warao conviveu por décadas com a exploração externa dos recursos ma-
deireiros, em seus territórios tradicionais. Nos anos 90, após forte diminuição da pre-
sença dos madeireiros, e da dispersão de parte da população Warao que foram empre-
gadas no trabalho das empresas madeireiras, os Warao enfrentaram uma epidemia do
cólera, com um impacto junto a esta população. Todas estas perdas ainda estão bem
presentes na memória deste povo: o medo da perda de suas crianças vem sendo regis-
trado ainda hoje nas conversas com os Warao envolvidos no deslocamento ao Brasil.
Fazer algo para enfrentar a penúria de alimentos e a escassez de medicamentos, hoje
registrada na Venezuela, para os Warao, pode ser entendido como uma continuidade
de suas estratégias, de resistência, busca de alternativas e soluções, que marcaram sua
ação nos tempos do cólera, onde mais de 500 Warao perderam suas vidas.

Este período foi registrado pelo trabalho do casal Briggs (2004), “O antropólogo ... e a
médica...” , onde destacam-se as narrativas sobre o cólera, e como estas revelaram o
racismo institucional em relação aos povos indígenas, muitas vezes culpabilizados pela
sua “cultura”. Estes pesquisadores, retratam a luta dos Warao para ter uma assistência
correta ao enfrentamento à epidemia do cólera, e o quanto a condição de indígenas foi
um obstáculo para isso, mostram como o fenômeno do racismo institucional contribuiu
para mais perdas entre este povo. Vejamos algumas passagens:

“Esta fórmula inicial tenía, sin embargo, dos errores fatales. Primero, la afirmación
de que los cangrejos eran la causa de la enfermedad fue desacreditada inmedia-
tamente por el éxito de la propaganda anticangrejos. El servicio Regional de Salud
prohibió el consumo de crustáceos y la guarda Nacional confisco los cangrejos y
pescado” (Briggs, 2004:283)

“Sostengo que la razón principal por la cual las autoridades optaran por las me-
didas provisionales, el control de la información y la retórica de la culpa, estaba
enraizada en la forma en que se unieron al contexto institucional las prácticas de
especialización, temporalidad y racialización. El resultado fue hacer que una raza
(“los indígenas”), un espacio (el delta) y una bacteria (el vibrio cholarae) parecieron
sinónimos. Un mecanismo fundamental de relación de estas lógicas y de unión de
multiplex discursos científicos y populares fue el del razonamiento cultural” (Bri-
ggs, 2004: 433-4).

5  Yamada e Torelly (coord.), Aspetos Jurídicos da Atenção aos Indígenas migrantes da Venezuela para o
Brasil. OIM, Brasília, 2018.

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O trabalho de Briggs, revelou uma contínua busca de soluções pelos Warao, uma resis-
tência frente as explicações institucionais de saúde pública, além do terror e medo pela
experiência de assistir pessoas em plena saúde morrerem rapidamente. Isto nos ajuda
a compreender que estas experiências de perda e terror foram um dos motivadores da
busca por alternativas econômicas das comunidades do Delta para a comercialização
de seus artesanatos nos centros urbanos, na Venezuela, como forma também de se
manterem por períodos distantes do cenário de perda e mortes de seus parentes, nos
canais do Delta. Pois, o período registrado nas etnografias de maior presença dos Warao
nos centros urbanos da Venezuela6, incluindo a capital Caracas, foi registrado depois da
epidemia do cólera e as mortes por raiva, transmitida por morcegos, nos anos seguin-
tes. As etnografias registraram que a mobilidade Delta/Centros Urbanos na Venezuela,
com características similares as que assistimos nos centros urbanos no Brasil, já era
sazonal na Venezuela, na década de 90. A crise neste país tirou deles uma atividade
econômica importante que era a venda de artesanatos e as passagens pelos centros
urbanos venezuelanos.

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DAS RUAS AOS ABRIGOS, DOS ABRIGOS AS RUAS

Enquanto se produzia as informações sobre quem eram os indígenas, quais seriam os


direitos, em Boa Vista, no giro de cerca de um ano, a primeira cena desparece, o número
de mulheres warao nas ruas de Boa Vista quase desaparece. Temos a cena mais recente,
onde quem ocupa as ruas, praças em Boa Vista, foram os venezuelanos. Atualmente, o
número saltou de cerca de 1500 pessoas para cerca de 3000 indígenas, entre Warao e
Eñape. A cenas da sua presença em situação de rua também voltou, seja em Boa Vista
como em Pacaraima. Para encontrar os Warao em Roraima, até a pouco tempo atrás,
era preciso se dirigir aos Abrigos, o Centro de Referência do Imigrante (CRI) ou a Casa
de Passagem em Pacaraima. No primeiro, encontram-se cerca de 750 indígenas, sendo
entre eles cerca de 100 Eñape e em Pacaraima cerca de 500 Warao, os Panare que che-
gam em Pacaraima estão em situação de rua, hoje devido o aumento da presença desta
população, cerco de 200 Warao se encontram em situação de rua em Pacaraima. O CRI
de Boa vista havia sido organizado para abrigar 300 pessoas, o mesmo foi pensado para
o abrigo de Pacaraima. A realidade extrapolou estes números.
Este cenário mudou em 2018 para os venezuelanos, a Missão Acolhida, com o objetivo
de retira-los das praças e outros locais públicos ocupados por esta população, organiza
diversos abrigos na cidade de Boa Vista. Os abrigos indígenas permanecem, com melho-
rias na sua estrutura, mas com uma superlotação, não registrada nos demais abrigos
para migrantes venezuelanos. Em março, de 2018, com a instauração do Comitê Emer-
gencial, compostos por vários ministérios, a construção de abrigos, a alimentação, a
segurança, em Roraima, passam a ser gerenciado pelos militares, através da missão
acolhida7. Na primeira visita da Comissão Nacional de Direitos Humanos à Roraima,

6  Ver LAFÉE-WILBERT, Cecilia Ayala, 2008.


7  Segundo o site do MDS: O Comitê Federal de Assistência Emergencial tem por objetivo acolher pessoas em
situação de vulnerabilidade que chegam ao Brasil fugindo da crise humanitária na Venezuela. O grupo é com-
posto pela Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e pelos seguintes
ministérios: Justiça e Segurança Pública; Defesa; Saúde; Educação; Integração Nacional; Trabalho; Desenvolvi-

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foi cobrado a transparência na utilização de recursos e foi problematizado a presença
militar na gestão dos abrigos indígenas8
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PORQUE IR E VIR

Os Warao, como dissemos, vivem na região do Delta Amacuro, região delicada do ponto
de vista ambiental, composta por diversos canais de desembocadura do majestoso rio
Orinoco ao Mar. Se houvesse realmente o abandono dos Warao daquela região, muito
provavelmente, o número desta população no Brasil seria maior. O controle deste fluxo
parece se dar pelos próprios Warao, através do seus mecanismos de ir e vir. Nesta rede,
se dividem entre os familiares que permanecem e os que fazem o percurso até o Brasil.
Neste ir e vir, nota-se o acúmulo acurado de doações de roupas, calçados, material esco-
lar e, se possível, remédios e outros bens, que são acumulados aqui e levados a Venezue-
la. No sentido contrário há o fornecimento de artesanatos com fibras de buriti (cestos
e redes) que chegam no Brasil para serem comercializados. A busca por tratamento de
saúde também parece guiar os Warao neste caminhar. Alimentar-se é algo primordial,
mas não cansam de lamentar pelo fato de não poderem fazer sua própria alimentação,
além da falta de variação das refeições oferecidas nos abrigos. Como sabemos, o que
comer e com quem comer sempre foram temas caros para os povos indígenas.

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OS ABRIGOS

Os conflitos nesta política de abrigamento são vários, desde a violência de gênero,


acusações de feitiçarias, conflitos interpessoais. A gestão do conflito baseado em uma
gestão de controle e regras rígidas que pode culminar em expulsões de indígenas e o
retorno deles a situação de rua.
No Brasil, sempre foram, desde o início, a população mais controlada pelas autoridades
e pelas organizações de ajuda humanitária e de apoio aos abrigos, contagem quinze-
nais, carteirinhas para os moradores do abrigo, censos da prefeitura, do abrigos, enfim,
há uma grande diversidade de controle sobre esta população. No entanto, permanece-
ram sem uma solução legal, até recentemente, se no início deste processo, a maioria
deles solicitavam refúgio, mesmo sem ter muito claro se isso será ou não uma solução
a médio ou longo prazo. O visto humanitário, esbarrou na exigência da documentação
com filiação, e finalmente a auto declaração foi acolhida e hoje todos os que estão em
abrigo, ou em outras políticas públicas de acolhida, como alugueis de casas coletivas
(Manaus e Belém) puderam ser documentados.

mento Social; Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; Relações Exteriores; e Direitos Humanos. site http://
mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2018/abril/mds-ira-construir-11-abrigos-para-receber-imigrantes-ve-
nezuelanos-em-roraima.
8  (ver Relatório da CNDH-2018).

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OUTRAS FRONTEIRAS : “O ESTRANGEIRO”

A novidade colocada pela chegada dos Warao e os Eñape no lado brasileiro é o fato
deles não terem relações de parentesco ou outro tipo de aliança com os indígenas no
Brasil. De certa forma, o que podemos ver é que as relações de parentesco entre popu-
lações que falam a mesma língua e que vivenciaram na história recente mobilidades nas
fronteiras nacionais, contam com outras alternativas em suas estratégias de acolhida
nos países vizinhos. Isso indica que a efetivação da Declaração dos Povos indígenas da
ONU sobre livre circulação nas fronteiras nacionais se torna possível muito mais pelas
relações interpessoais que devido ao nosso ordenamento jurídico, ainda que a Declara-
ção - DNUPI afirme em seu artigo 36:

1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacio-


nais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo
atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus pró-
prios membros, assim como com outros povos através das fronteiras.

2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas


eficazes para facilitar o exercício e garantir a aplicação desse direito. (DNUPI, 2008).

Se incluirmos neste cenário o caso da República Federativa da Guyana e Brasil, como


um exercício de comparação, veremos que os povos que se encontraram divididos por
estados nacionais, entre eles Macuxi e Wapixana, contam com outras estratégias. Os
povos indígenas que se encontram nas regiões de fronteira, enfrentando conflitos di-
versos em seus territórios tradicionais, podem buscar acessar os serviços públicos de
saúde, educação, emprego, por exemplo, experimentando a mobilidade entre os dois
países. Em momentos de conflitos nacionais o movimento pode se dar de um lado ou
de outro (Baines, 2012). Em Roraima a procura por mão de obra seja como domésticas
nas cidades, como nas fazendas, foi e ainda é um mercado para indígenas da Guyana,
oportunidades muitas vezes marcadas por uma super-exploração, seja pela jornada de
trabalho, seja na remuneração e/ou outros direitos trabalhistas.

Na recente história de lutas por territórios e direitos pelas populações indígenas no es-
tado de Roraima, muitas famílias e fazendeiros brasileiros empregaram indígenas que
não estavam em disputa territorial no Brasil, aproveitando-se também de uma situa-
ção de maior vulnerabilidade por não terem muitas vezes a documentação necessária
para procurar outras alternativas. Muitos relatos que confirmam esta informação estão
registrados em trabalhos de dissertações que puderam entrevistar muitos indígenas
nascidos na Guyana, vivendo hoje na capital de Boa Vista. Muitas mulheres guianenses
relatam que vieram trabalhar no Brasil como domésticas na idade entre 12 e 14 anos de
idade (Frank, 2014). A maioria delas conseguiram regularizar sua documentação, mui-
tas têm o que se poderia definir como dupla nacionalidade. Silva (2016), em sua dis-
sertação nos informa que tal situação é nomeada pelos indígenas nascidos na Guyana
como a “documentação completa”.

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“A conjuntura de exclusão e negação de direitos, a discriminação e violência ins-
titucional, a ausência e a fragilidade dos Estados nas regiões de fronteira, resulta-
ram no alto índice de subregistro72 entre povos indígenas em regiões de fronteira
. No Brasil e na Guiana, esforços pela erradicação dos índices de subregistro entre
indígenas vêm se concretizando há pouco mais de uma década, principalmente
no Brasil. Nesses países, essa maior atenção tem se embasado em compromissos
assumidos perante instituições internacionais como a ONU e a Unicef, tais como
os previstos no Objetivos do Milênio, exemplo de um mecanismo de proteção à
infância” (Silva , 2016:150).

Os fóruns bilaterais já instituídos priorizaram os temas de infraestrutura, em especial


estradas e construções de hidroelétricas, visando o comércio bilateral, declarado como
de interesse nacional, a livre circulação das mercadorias nem sempre coincide com a
livre circulação de pessoas, especialmente quando elas são como nos lembra Quijano,
racializadas. Portanto, a problemática da circulação de indígenas nas fronteiras está
longe de ser uma novidade como quiseram informar as autoridades locais neste debate
sobre o fluxo migratório.

Outro dado destacado pelos indígenas em suas narrativas sobre os deslocamentos da


Guyana para o Brasil, refere-se a rede de parentes que já estavam no Brasil, muitos itine-
rários se repetiram, como se fossem a única possibilidade, ou seja, vir ainda para traba-
lhos domésticos em fazendas ou nas cidades, e depois se fixarem com uma documenta-
ção brasileira. Também se repetiram as histórias de super-exploração, por não poderem
retornar em suas casas (Frank, 2014). Importante destacar que, em suas narrativas, não
foi o Estado brasileiro quem procurou através de políticas públicas acolher, na sua in-
dividualidade e muito menos no coletivo, os povos indígenas na fronteira. A principal
fonte de apoio foi a rede de parentesco, seja na ora de entrar no outro país, seja para
sair da sua condição de vulnerabilidade de “indocumentados” .

Silva (2016) registra que no Brasil, seminários haviam sido realizados para uma atuação
embasada no direito para a questão dos indígenas na região de fronteira, em sua disser-
tação nos lembra:

“Um dos temas mais debatidos foi o registro civil de indígenas e o acesso aos di-
reitos sociais por povos indígenas em região de fronteira na Amazônia. O Evento
teve como encaminhamentos a sugestão de criação de um banco de dados com
informações sobre etnias e comunidades em áreas de fronteiras e seus territórios;
avaliação da situação do registro civil; aprimoramento, intercâmbio e divulgação
de normativas nacionais; oficinas e seminários sobre temas técnicos específicos.
Quanto às ideias de enfrentamento à questão do sub-registro civil de indígenas,
sobressaiu-se a sugestão de buscar soluções mais objetivas, como o estabeleci-
mento de um status diferenciado aos indígenas, de povos divididos por fronteiras
políticas, que lhes assegure o acesso à documentação civil e o pleno gozo de direi-
tos em todos os países” (Silva, 2016:158).

Segundo a autora várias propostas foram encaminhadas ao Ministério de Relações Ex-


teriores para serem pautadas na Reunião de Autoridades para os Povos Indígenas do
Mercosul – RAPIM, a autora afirma que entre as propostas não consensuais estava pre-
sente a proposta de dupla nacionalidade indígena, tendo em vista as dinâmicas de pa-
rentesco ou de local de nascimento, destacou entre as propostas os seguintes pontos
(Mariana:158-9)

MOREIRA, Elaine. Os Warao no Brasil em Cenas: “O estrangeiro...”, Pg 56 - 68|


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1. esclarecimento e aperfeiçoamento do marco legal para eliminar lacunas no
ordenamento jurídico relacionadas ao tema do registro civil
2. recenseamento geo-referenciado dos povos indígenas nas fronteiras e suas
aldeias
3. Esforço coordenado de registro civil de indígenas, incluída a realização de
mutirões de Registro Civil,
4. Acordos sobre cobranças de taxas para residência indígena no Mercosul.

O Estado brasileiro embora contasse com um acúmulo de reuniões, de encontros e


trocas de experiências sobre o registro civil das populações indígenas na fronteira, a
questão permaneceu invisível e quase indizível até o momento. Os Warao, no primeiro
momento, tiveram como resposta das autoridades brasileiras, as primeiras expulsões
em 2014, mesmo sem saber ainda quem eram, prevaleceu a nacionalidade venezue-
lana e o fato de serem indocumentados. Em 2016, quase se repetiu uma expulsão em
massa, antes de saberem se estavam na fronteira ou não, os colocaram na posição de
“estrangeiro”.

O racismo institucional parece ser a explicação mais razoável até o momento, pelos pro-
blemas enfrentados pelos indígenas no fluxo da migração venezuelana. E apesar das
diferenças norte e sul, reproduzimos de certa forma o padrão do norte, onde a condição
humanitária e a ajuda humanitária não coincide com a questão da cidadania para os
migrantes. E apesar da nossa condição de “gigante pela própria natureza”, o racismo
institucional tem imposto um tratamento muito diferenciado e de controle, muito mais
que o da proteção e da promoção da cidadania para com os indígenas, negros e pobres
neste processo.
Os migrantes indígenas, embora solicitantes de refúgio na sua maioria, são avisados
informalmente que o pedido não será reconhecido. Assim, permanecem em abrigos
superlotados, seguem no seu movimento de ir e vir e alguns com seu comprovante de
solicitante de refúgio.

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IR E VIR, CIRCULANDO PESSOAS E OBJETOS

Há denúncias de retirada de seus artesanatos, seja na fronteira, como na cidade de Boa


Vista, no caso da capital a justificativa é que eles já possuem pontos fixos para venda. O
que não fica claro neste tratamento é que nos pontos de vendas a lógica é outra, para
os Warao, cada família gerencia seus próprios recursos e colocam em movimento suas
lógicas de reciprocidade e compromisso com os parentes que enviam os produtos e
aguardam em troca os objetos acumulados neste fluxo. Se, no início deste fluxo, as pes-
soas e os objetos circulavam numa lógica dos Warao, hoje enfrentam um controle maior
nestas ações, seja na venda do artesanato, como nas iniciativas de “mendicâncias” nas
ruas. Difícil não notar um certo julgamento baseado em uma superioridade moral por
parte das ações de acolhimento, que buscam enquadra-los em lógicas de cooperati-
vismo social e a retirada deles dos espaços públicos. Frente a tantas ações para “edu-
ca-los”, para saírem da posição de supostos pedintes, a agência Warao, passa hoje por
negociar com estas novas lógicas de “ser”, este talvez seja a novidade nesta trajetória,

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tornar-se migrante, significa, entre outras coisas: negociar. A mobilidade Warao, ao pas-
sar as fronteiras nacionais colocou aos Warao, não apenas novos espaços de circulação,
mas novos desafios para se afirmarem como povo indígena, na condição de migrantes.

Em nossas entrevistas junto aos Warao, muitos explicam a chegada ao Brasil, simples-
mente pelo fato de um parente ter vindo antes e ter conseguido vender todo o artesa-
nato trazido. O aumento da presença dos Warao, em 2016, trouxe mudanças na acolhi-
da, hoje com os abrigos superlotados, e o numero em acréscimo desta população no
Brasil, podemos em breve ter novidades. A busca incessante por uma alternativa que
lhes permita ir e vir , a mobilidade de pessoas e objetos numa relação de troca, indicam
que os que ficaram no Delta participam diretamente deste fluxo. Cuidam dos que ficara,
fornecem a matéria prima, artesanatos, alguns deles buscam atendimentos a distân-
cia por xamãs e outros especialistas para cura e ajudas nesta experiência de tornar-se
migrante9. Apesar dos problemas enfrentados, o aumento da presença dos Warao no
Brasil, parece indicar que outras regiões, ou novas redes de famílias tenham ingressado
neste fluxo.

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ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS E POVOS


INDÍGENAS: O JOGO DE IMAGENS

Quando a lei de migração revelou em seus vetos uma preocupação com a circulação de
indígenas na fronteira, deixou claro o quanto o Estado olhou para as fronteiras na ótica
da securitização. As organizações indígenas no Brasil precisarão discutir este tema, se
ela parecia distante, por terem na cena indígenas que não conheciam, aos poucos co-
meçam a perceber que o tema diz respeito a eles também.

As organizações indígenas locais, permaneceram , na maior parte deste período, à dis-


tância com o problema da migração, de um lado, perguntam ao pesquisador porque
os Warao teriam deixado suas terras, do outro, os próprios Warao, comentam, sem en-
tender porque alguns indígenas so falam o português e não uma língua indígena. Neste
estranhamento, permanecem um sem conhecer a história do “outro”, nenhuma delas
pode ser confundida com a falsa impressão do suposto abandono das terras tradicio-
nais pelos Warao e, tampouco, a perda da língua materna por parte de indígenas, no
Brasil, não pode ser naturalizada.
As fronteiras nacionais podem, de alguma forma, sobre-determinar as relações entre os
povos indígenas, o faz dentro de um processo de criação destas distâncias e estranha-
mentos. Estes barreiras estão sendo aos poucos eliminadas, ha cada vez mais interesse
por parte dos indígenas locais, sobre a situação da migração, de forma geral, e dos indí-
genas em particular.

9  Neste último período de militarização dos abrigos, seu próprio movimento parece ter diminuído, não
esta claro se devido a um acirramento da crise em seu país que lhes confere uma nacionalidade, ou devido
a uma política de controle que marca a relação do estado brasileiro com os povos indígenas na política de
abrigamento.

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Os Warao não puderam se beneficiar de uma discussão centrada nas dinâmicas dos
povos indígenas em fronteiras internacionais, coube a eles a categoria de “estrangei-
ros”, com todo o peso simbólico negativo que o termo pode remeter. Isso se deu em
escalas diferentes, passando pelo Estado Brasileiro, e nas organizações indígenas locais
e nacionais. De fato, diferentemente dos povos Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Patamona,
Taurepang, Yanomami ou Ye’kuana, que se encontram divididos por estados nacionais,
seja com a Venezuela, seja com a Guyana, os Warao, que tradicionalmente vivem em
uma região distante das fronteiras físicas dos estados nacionais, não possuem paren-
tesco linguístico e pessoal com outros povos indígenas presentes hoje nas regiões fron-
teiriças. E sem dúvida, isso lhes trouxe maiores desafios. Contudo, o olhar preocupado
do Estado Brasileiro com as regiões de fronteiras, alertou para o gradiente “de perto
e de longe” das fronteiras físicas, da presença militar em Terras Indígenas na faixa de
fronteira, dos problemas e soluções destas experiências; e sobretudo da importância
da solidariedade e dos direitos dos quais os povos indígenas são portadores. Este de-
bate tende a ser maior nos próximos anos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos destacar aqui que ao falar “deles”, falamos sobre nós, da nossa legislação de
migração, da nossa capacidade de acolher e do nosso racismo institucional que se reve-
lou presente. Atualmente, as instituições, sejam elas federais, estaduais, municipais ou
internacionais não podem negar terem informações sobre a presença de povos indíge-
nas no fluxo migratório venezuelano. Nem mesmo negar que isto traz outras responsa-
bilidades, seja pelo nosso ordenamento jurídico, seja pelas normas internacionais das
quais somos signatários. Tem prevalecido a relação mais imediata, ou seja, a constru-
ção de um atendimento emergencial, com pessoas que não conhecem a realidade in-
dígena, que acreditam que por estar prestando um serviço humanitário não precisam
respeitar a especificidade e os direitos dos povos indígenas, o que se traduz na super-
lotação dos abrigos indígenas, nas recentes expulsões de indígenas dos abrigos, onde
a superlotação gera, ela mesma, mais conflitos e limita cada vez mais uma gerência
interna dos conflitos pelos indígenas. Na Venezuela, não existe nenhuma aldeia Warao
com o número de 800 pessoas vivendo juntas, o mesmo aqui no Brasil, são poucas as
aldeias no estado de Roraima com um número próximo a este, e quando existe o espaço
e as condições de vidas são totalmente diferentes.
A resposta de acolhida, com a superlotação dos abrigos indígenas precisa ser revista
pois está cada vez mais próxima de uma estado de violação de direitos.

Ao passarem a fronteira nacional, ela, a fronteira, tem se tornado cada vez mais marca-
da neste processo, não importando o quanto parece não ter “muros”, o quanto apareça
ser apenas verde, como foram chamadas as trilhas por onde passaram e passam tantas
pessoas neste fluxo. Talvez podemos ou devemos reconhecer que embora tenhamos
uma lei de migração que se quer humanitária, embasada nos direitos humanos, a rea-
lidade pode apresentar situações diversas. Somos, como já disseram, um país, em pri-
meiro lugar, violento e é nesta realidade que temos que intervir, para não compactuar
com soluções marcadas pelo racismo, por relações de poder racializadas, onde indíge-

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nas, negros e despossuídos têm um tratamento diferenciado marcado pela violência de
diferentes tipos. O maior desafio não é apenas mobilizar aqueles que por sua vocação
estejam dispostos em participar do acolhimento, mas sobretudo o de não perder de vis-
ta que não podemos esconder e pactuar com ações de violência. Os abrigos indígenas,
são uma delas. Marcados por relações de poder e por um discurso de superioridade mo-
ral, onde as práticas do povo Warao são desconhecidas e pouco compreendidas, e so-
bretudo tampouco levadas em consideração na política de abrigamentos. A emergência
humanitária não pode substituir acriticamente os direitos dos quais os indígenas da
Venezuela são portadores. O silenciamento sobre os abrigos10, a não clareza sobre a do-
cumentação para povos indígenas no fluxo migratório, são alguns dos distanciamentos
marcados por uma fronteira que estamos apenas começando a conhecer nesse proces-
so.

Estou chamando de distanciamento as barreiras encontradas pelos indígenas neste flu-


xo migratório internacional, onde a barreira das nacionalidades impõem distâncias até
então não perceptíveis. A distância também assinala processos de violência que impe-
dem o acesso a direitos que eles são portadores pelo nosso sistema jurídico, o processo
de distanciamento, são marcados não por uma geografia física, mas por barreiras ou-
tras que ajudamos a construir.
defender a democracia no país vizinho é também acolhe-los com dignidade em nosso
próprio país.

O distanciamento inclui, como disse, a falta de comunicação entre os povos indígenas.


Passaram-se um ano e meio da iminência da expulsão em massa dos Warao em Boa
Vista, para que as organizações indígenas comprometidas com a defesa dos direitos
humanos passassem a incorporar em suas agendas ações mais efetivas sobre a ques-
tão dos Warao e será uma aliança fundamental neste processo. Pois o Estado nacional
procura coloca-los como o indígena “estrangeiro”, muito mais que o indígena migrante.
Temos então uma história que não está concluída, devemos aos Warao e aos Eñape a
possibilidade de ver tanto de nós mesmos, é a nossa relação com outro que está sendo
construída e revelada.

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BLIBLIOGRAFIA

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a situação dos indígenas da etnia Warao, da região do delta do Orinoco, nas cidades de
Boa Vista e Pacaraima. Brasília: Ministério Público Federal/Procuradoria Geral da Repú-

10  Não há até onde sabemos uma ação judicial sobre isso, embora apareça no recente relatório organi-
zado no relatório da OIM (2018) a necessidade de mais pesquisa para conhece-los , e nas recomendações
sugerem moradias coletivas (2018:131), apenas o Relatório da CNDH aponta a situação crítica dos Abrigos
Indígenas e a questão da sua militarização.

MOREIRA, Elaine. Os Warao no Brasil em Cenas: “O estrangeiro...”, Pg 56 - 68|


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blica.

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