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A HISTÓRIA DA CONQUISTA DA ESCOLA ITINERANTE DO MST NA REGIÃO

SUL DO BRASIL

Vanderlei Amboni
Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí

Resumo: O presente artigo traz a história das lutas sociais nos estados do Rio
Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina na conquista da Escola Itinerante pelo
MST. Na ocupação da terra surge a luta pela escolarização dos acampados nas
normas da lei. A luta pela “legalidade” da escola dentro dos acampamentos do
MST se torna uma luta no campo do direito humano à educação e um fato
inquestionável pelas autoridades públicas. Dessa forma, nosso objetivo é
historicizar as lutas do MST na conquista da Escola Itinerante e as formas em que
os três Estados do sul do Brasil deram sua materialidade. Para esse fim, as fontes
de pesquisa são trabalhos produzidos pela academia, como dissertações e teses,
documentos oficiais e teóricos das ciências humanas.
Palavras-chave: MST; Lutas sociais; Conquista da escola; Escola Itinerante.

INTRODUÇÃO

O objeto deste trabalho é o estudo da conquista da Escola Itinerante nos


Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina pelo MST. Escolas estas
legalizadas pelo Estado burguês em áreas de conflitos, cuja existência passa por
ocupação da terra como meio de realizar a reforma agrária. Para materializar o
artigo, analisamos dissertações e teses de pesquisadores sobre as escolas
itinerantes do MST nos marcos das políticas públicas, cujo processo de legalidade
é essencial na valorização dos educando que vivem em acampamentos do MST.
Nosso objetivo e analisar a conquista da Escola Itinerante e os processos de
constituição das mesmos, tendo por base os pereceres dos órgãos que regulam
as atividades escolares no âmbito estadual. Contudo, o processo de criação das
escolas itinerantes nos estados sulinos não foram homogêneo, pois cada Estado
criou a escola de acordo com as forças políticas e o apoio social engendradas nos
mesmos. Com efeito, Amboni (2014, p. 102), observa que

[...] o MST, na sua articulação com outros segmentos da sociedade


encampou a luta por uma escola diferente no campo, uma escola que
estivesse inserida e em movimento no próprio campo. Para o
movimento, é uma escola pública vinculada aos interesses da cultura, da
vida, do trabalho no campo. Uma escola que reconheça e valorize o
campo nas suas dimensões políticas, sociais, culturais, espirituais e de
produção da vida material, pois o MST já vinha construindo, a partir das
práticas pedagógicas e do jeito de fazer a escola do MST, a educação do
campo na sua materialidade, por meio da pedagogia do movimento,
posto que a formação humana não se enquadra na escola, ela se insere
na vida, e a vida é matéria em movimento, portanto, se educa em
processo de escolarização e nas práxis posta pelo homem no seu devir
histórico.
Na ocupação da terra, a escolarização no acampamento era negligenciada,
pois o objetivo dos sem-terra era a reforma agrária, mas na luta pela vida veio
também a luta pela escola, mesmo nas condições precárias de existência da vida
social nos acampamentos. A escola itinerante é, nesta perspectiva, um processo
de conquista formal da escola e do jeito novo de escolarizar os que vivem
acampados, o que refunda a vida social camponesa, cuja experiência educacional
surge da racionalidade dos homens que se empenham em travar, não só a luta
por reforma agrária, mas também na batalha política por educação. Este
movimento surgiu em meio às experiências lutas sociais por terra. Thompson
(1981, p. 16) pontua que a experiência “surge espontaneamente no ser social,
mas não sem pensamento”. Ela “surge porque homens e mulheres são racionais,
e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo”. (THOMPSON, 1981, p.
16). E Eagleton (2011, p. 06), com efeito, observa que “toda batalha política
importante é, entre outras coisas, uma batalha de ideias”. Estas são as premissas
básicas que no presente artigo se propõe analisar.

ACAMPAMENTO, UM LUGAR PARA LUTAR PELA VIDA. ESCOLA


ITINERANTE, UMA CONQUISTA NA LUTA PELA VIDA
No acampamento tem-se a necessidade de comer e beber como
imperativo da reprodução social do homem e isso é um processo constante de
luta pela vida. A escola, diante das necessidades da vida, era secundária, neste
aspecto das lutas sociais do campo. Mas ela se impõe aos sem-terra também
como necessidade, pois o trabalho educativo é um elo de integração das famílias,
o que necessita planejamento e ação para sua execução. Terra e educação, para
o MST, tornou-se parte de lutas integradas, mas a ocupação é o marco inicial do
processo de montagem do acampamento e da construção da escola. MST e
Estado criaram uma escola pública no acampamento do MST, que traz a
dualidade na sua forma de ser e de existir, pois os elementos de aplicação
pedagógica e de gestão da escola trazem os interesses do MST, que se conflitam
com os interesses do Estado no campo da materialidade escolar. Nesta
perspectiva,

A Escola Itinerante é fruto de um processo reflexivo desenvolvido ao


longo dos anos nos acampamentos de reforma agrária buscando
contemplar um fazer pedagógico diferente das práticas tradicionais,
incorporando ao processo educativo à realidade vivenciada pelo aluno,
os elementos ligados à realidade do meio rural e à caminhada
desenvolvida na luta pela Terra. (WEIDE, 2009, p. 12).
A conquista do direito à educação, com a garantia da escola no
acampamento, Iurczaki a coloca como espaço privilegiado de ação educativa,
tendo como centralidade as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo MST. Desse
modo, Iurczaki escreveu que “a Escola Itinerante é o loco da transformação a
partir da conscientização. A mesma tem importância tanto para o MST quanto
para a população que acredita libertar-se através da escola”. (IURCZAKI, 2007, p.
93). A escola, para o MST, se insere nas lutas de classes e ganha dimensões no
processo de emancipação humana como realidade histórico-social. Todavia, a
escola no capitalismo traz em si as desigualdades sociais e o apartheid
educacional como regra de interesse de classe. O MST acredita que é possível
fazer uma escola diferente, uma escola que dê resposta aos interesses da classe
trabalhadora, no sentido da emancipação do homem frente a sociedade
capitalista.

Bahniuk (2008, p. 06), com efeito, observa que

Para analisar as contradições e as potencialidades do trabalho


pedagógico desenvolvido nas escolas no MST na direção da
emancipação humana, partimos das seguintes categorias: a relação
entre a escola e a vida; a realidade como ponto de partida e chegada da
escola; a relação entre trabalho e escola; a auto-organização dos
estudantes; a participação dos acampados na escola; os ciclos como
forma de resistência da escola; a Escola Itinerante e a relação com o
Estado, a escola em movimento e na luta social. Concluímos que esta
Escola Itinerante precisa incorporar de forma coletiva e consciente as
discussões e ações tendo como eixos centrais a mudança, a história, a
luta e o trabalho. Enfim, uma escola que contribua com a elevação do
padrão cultural da classe trabalhadora, o que inclui a socialização dos
conhecimentos historicamente produzidos, ainda que limitada numa
sociedade de classes, auxiliando assim, no acúmulo de forças para a
construção do projeto de emancipação humana.
Em seus estudos, Bahniuk reafirma o caráter pedagógico como essencial à
formação do homem, possibilidades de emancipação humana, como uma
necessidade histórica frente a degradação da vida material e do capitalismo
autodestrutivo do ser social. Por isso, a capacidade de criação do homem, no seu
devir histórico, o coloca como sujeito de sua história na luta pela sobrevivência. O
MST, neste devir histórico, segundo Bahniuk (2008), cria uma escola no
acampamento que se contrapõe à escola burguesa por privilegiar a articulação da
escola com a vida material presente no cotidiano do acampamento.

Desse modo, podemos inferir que está presente o reconhecimento das


lutas sociais dos acampados por educação no acampamento do MST. Este
processo possibilita a emancipação política e isto passa pela desalienação, que
se conquista com a posse dos meios de produção e do conhecimento socialmente
produzido pelo homem no seu devir histórico. Por isso o MST tem a necessidade
de uma escola vinculada aos interesses dos Sem Terra. E qual é esta escola?
Para Bahniuk (2008, p. 41),

A Escola Itinerante é uma das experiências escolares recriadas pelo


Movimento Sem Terra, sendo esta fruto das atividades pedagógicas
desenvolvidas desde as primeiras ocupações do MST. No entanto, não
tinha suas práticas reconhecidas legalmente. Em 1996, conquista-se a
aprovação das Escolas Itinerantes pelo Conselho Estadual de Educação
(no Rio Grande do Sul), a princípio como experiência pedagógica, por
dois anos.
Neste sentido, o marco inicial da Escola Itinerante é como “experiência
pedagógica” no Rio Grande do Sul, no ano de 1996. Portanto, nasceu como
escola pública no acampamento. Entretanto, ressaltamos que a escola itinerante
foi conquistada pelo MST nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, Goiás, Alagoas e Piauí. Com a pesquisa, constatou-se que ela não se
universalizou nos territórios do MST.

E o que é a Escola Itinerante? É uma escola que carrega as marcas das


lutas sociais por terra, pois ela se movimenta e se realiza nos espaços escolares
onde se encontram os educandos. Portanto, é uma escola nas marchas, nas
ocupações de prédios públicos, nas manifestações em praças de pedágios, em
encontros do MST. Sua materialidade não se restringe à escola no acampamento.
Para o MST, a EI é uma escola pública conquistada para os Acampamentos dos
Sem Terra.

Segundo Weide (1998, p. 115),

A Escola Itinerante é fruto de um processo reflexivo desenvolvido ao


longo dos quinze anos de Acampamentos de Reforma Agrária onde se
reflexionou a necessidade de um fazer pedagógico diferente das práticas
tradicionais, incorporando ao processo educativo a realidade vivenciada
pelo aluno, os elementos ligados à realidade do meio rural e à própria
caminhada desenvolvida na luta pela Terra.
Mas como essas escolas nasceram? Elas nascem da (LDB) Lei nº
5.692/71, de 11 de agosto de 1971, com base no artigo 64, conforme segue: “Os
Conselhos de Educação poderão autorizar experiências pedagógicas, com
regimes diversos dos prescritos na presente Lei, assegurando a validade dos
estudos assim realizados”. Diante disso, o MST iniciou a luta pela escola
itinerante como “experiência pedagógica” nos seus territórios, mas foi estruturada
como escola pública estatal. Essa luta não foi fácil, conforme observa Weide
(1998, p. 101):

A caminhada de luta pela Educação é uma trajetória que está sendo


delineada em meio as incertezas e indefinições. A luta pela Educação
começa desde a briga pela criação de escolas oficiais nos
assentamentos chegando até o controle administrativo, político e
pedagógico das mesmas.
A educação do MST é o resultado da luta pelo território na ocupação da
terra. Nesta percpectiva, o território da escola também é uma conquista do
acampamento. Portanto, conquista-se o território em duplo sentido: o território da
Reforma Agrária e o território da escola e, em ambos os processos, o caminho
percorrido é o mesmo: a ocupação. Por isso, a institucionalização da Escola
Itinerante do MST se torna importante, pois o caráter provisório do acampamento
impõe aos acampados a necessidade da escola pública em caráter de itinerância,
uma vez que o processo pedagógico não é interrompido. A institucionalização,
neste caso, traz a certeza da permanência da escola pública no acampamento,
cujo caráter de provisoriedade pode cessar com o assentamento das famílias na
terra. Por isso, Gehrke (2010, p. 71) escreveu que

A trajetória da escola até aqui percorrida caracteriza a passagem


conceitual e prática de Escola do Acampamento à Escola Itinerante. A
Escola Itinerante vai existir enquanto existir o acampamento; é
passageira, não desaparece, torna-se Escola do Assentamento, ou
Escola do Campo, depois da terra conquistada. Não a escola dos sonhos
do Movimento mas, sem dúvida, é a semente plantada na vida das
famílias acampadas, que vão sonhando com seu pedaço de chão,
enquanto lutam para conquistá-lo, coletivamente.
Neste sentido, inferimos que a escola no acampamento tem história de luta
e de conquista junto aos poderes públicos constituídos. Mas, é uma escola
pública que tem as marcas do Estado no seu formato. A EI traduz, neste caso,
uma política pública de governos estaduais, por ser de caráter experimental, pois
seu caráter de itinerância e sua existência é efêmera, cuja existência legal se dá
em terra de disputa por RA e as políticas de Estado têm um caráter de
perenidade. Mas isto não desobriga o Estado de garantir a escola nos marcos da
educação pública para os acampamentos, pois as crianças e adolescentes
acampadas não podem ser excluídas do processo de alfabetização e
escolarização oferecida pelo Estado à sociedade. As lutas de classes no campo
não pode servir de empecilho ao Estado em garantir aos acampados o direito à
educação escolar básica nos marcos da escola pública.

OS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL,


PARANÁ E SANTA CATARINA NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLA
ITINERANTE
Para ter existência legal, toda escola necessita ser autorizada e
reconhecida pelos Conselhos Estaduais de Educação (CEE) em cada ente
federado do país. A Escola Itinerante do MST para se tornar uma escola legal,
pública no acampamento, também tem que ser aprovada pelo CEE, com seu
projeto de ensino e estrutura de funcionamento. Portanto, deve ter um Projeto
Político-Pedagógico e Regimento Escolar que norteia sua existência legal, sua
forma de gestão didática, administrativa e financeira, além de disciplinar a oferta
de ensino e o caráter pedagógico. Ou seja, traz as marcas e a ideologia da escola
burguesa em seu funcionamento. Mas esta ideologia não é uma simples ideia das
ideias dominantes. Eagleton (2011, p. 21), afirma que ela “sempre um fenômeno
complexo, que pode incorporar visões de mundo divergentes e até contraditórias”.
E, para entendê-la, “devemos analisar as relações precisas entre as diferentes
classes em uma sociedade; e fazer isso significa compreender a posição dessas
classes em relação ao modo de produção”. (EAGLETON, 2011, p. 21). Para o
MST, é uma escola que se constrói com seus sujeitos, não simplesmente para
seus sujeitos. É uma escola que se estrutura a partir das lutas por reforma
agrária. Esta conquista é importante do ponto de vista da estratégia da luta do
MST, pois permite a formação de quadros qualificados para o encaminhamento
das lutas sociais pela terra. Com efeito, Filipak (2009, p. 232) observa que
Os espaços educativos do MST são espaços privilegiados da formação,
preservação, fixação da identidade sem terra. Mas essa identidade,
apesar de estar sempre sendo demarcada simbolicamente, nos
comportamentos estabelecidos como válidos, na ideologia, enfim, na
cultura criada em torno de pertencer a esse movimento, e incentivada
pelas lideranças, ela se mistura, modifica e produz conflitos a partir das
influências externas, e, sobretudo a partir das subjetividades dos sujeitos
e das relações de poder estabelecidas.
Nesta perspectiva, a tática “ocupar e acampar”, que foi empreendida pelo
MST rendeu frutos, tanto na luta pela terra, quanto na luta pela escola, cujo
resultado prático é a conquista da Escola Itinerante como política pública. A
conquista da escola é o somatório da força política do MST nas lutas sociais do
campo contra o latifúndio improdutivo.

No Rio Grande do Sul, o espaço educativo nos acampamentos do MST se


consolida na estrutura do Estado como “experiência pedagógica”, pelo Parecer nº
1.313/96, que foi aprovado em 19 de novembro de 1996, reconhecendo a Escola
Itinerante nos acampamentos do MST, para, com isso, regularizar o processo de
escolarização realizado pelos Sem Terrinha em uma área provisória de produção
da vida material e cultural.

Pelo caráter de “itinerância”, a escola itinerante necessita de uma escola


que sirva de sede às ações administrativas e pedagógicas. No documento oficial
de criação da escola, a escola sede está denominada de escola-base, sendo uma
escola pública em área de assentamento. É, portanto, uma escola com forte
vínculo com o MST. Neste sentido, Weide assim nos apresenta o projeto
“experiência pedagógica – Escola Itinerante”:

A estrutura e o funcionamento desse Projeto diferenciado da


escolarização dos Acampamentos de Sem-Terra, é efetivada através de
ligação entre a escola-base - Escola Estadual de 1º grau Nova
Sociedade, em Nova Santa Rita e a(s) escola(s) Itinerante(s)
localizada(s) no(s) Acampamento(s). Sendo que ‘o papel, da escola
base, articulada com a Delegacia de Ensino, Secretaria de Educação e
Comissão Interinstitucional é de acompanhar e dar suporte legal à vida
escolar dos alunos e professores’ (Parecer 1.313/96, p.05). (WEIDE,
1998, p. 120-121).
E como funciona esta escola? Neste caso, trazemos a contribuição de Pieri
(2002, p. 91), para quem,

A Escola Itinerante está organizada em etapas o que a diferencia das


escolas regulares, pois ela não tem uma época pré-determinada para
iniciar suas atividades escolares. O período letivo inicia quando o
Acampamento é constituído e cada etapa possui objetivos e
conhecimentos próprios a serem detalhados ao longo do processo.
Portanto, a organicidade da escola se dá na constituição do acampamento,
pois a situação de acampados traz o deslocamento de famílias de sem-terra para
o território do MST em construção. Assim, diante das incertezas da vida, a escola
do MST é erguida junto com o acampamento, como processo de pertencimento e
identidade ao Movimento, mas a escola que se consolida no acampamento é a
escola pública estruturada pelo Estado, que possui uma organização
administrativa estatal para seu funcionamento.

No Paraná a Escola Itinerante recebeu autorização de implantação e


funcionamento por meio do Parecer do Conselho Estadual de Educação – CEE nº
1012/03, de 08 de dezembro de 2003. No Parecer do CEE-PR, a justificativa está
assim redigida,

Na ‘Exposição de Motivos’ (fls. 15) informa-se que existem 67


acampamentos com aproximadamente 13 mil famílias e grande
contingente de crianças, em sua maioria sem possibilidade de freqüência
à escola. As escolas municipais não dispõem de infra-estrutura ou
recursos para atender, de forma muitas vezes inopinada, um grande
conglomerado populacional. Para garantir a essas crianças o direito à
educação, o Governo do Estado propõe a implantação da ‘Escola
Itinerante’ nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-
Terra (MST) no Paraná. (PARANÁ, 2003, p. 01).
O Estado, neste caso, assume a responsabilidade para com as escolas nos
acampamentos do MST, para assegurar o direito dos Sem Terrinha ao processo
de escolaridade pela rede estadual de educação. De certa forma, o Estado
regulariza um processo educacional que já vinha ocorrendo nos acampamentos,
mas sem que houvesse o processo formal de certificação da escolaridade por
parte do Estado.

Dessa forma, Knopf (2011, p. 01), com efeito, observa:

Aprovada pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná com parecer


n 1012/2003 de 08/12/2003, está fortemente vinculada à intitulação de
políticas sociais voltadas a Educação do Campo subsidiada via ações
das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo (publicadas pelo Ministério de Educação). Escola itinerante,
significa que esta escola acompanha o itinerário do acampamento até o
momento em que as famílias acampadas chegam à conquista da terra,
ao assentamento. O nome Itinerante significa também uma postura
pedagógica de caminhar junto com os Sem Terra, o que sinaliza um
grande avanço no sentido de afinidade entre os processos formais de
escolarização e as vivências e práticas educativas de um movimento
social organizado, como MST.
A educação do campo está presente no acampamento do MST por meio da
Escola Itinerante. Mas o Paraná apresenta uma particularidade frente ao Rio
Grande do Sul e aos outros Estados, que reconheceram a Escola Itinerante como
escola pública, que é a presença da oferta da educação básica na sua extensão e
modalidades de ensino, além de prover a educação infantil e a educação de
jovens e adultos. Os legisladores educacionais reconheceram o direito à
educação de forma extensiva, pois é grande o número de jovens e adultos
analfabetos no campo. No Parecer constatamos que.

[...] a Escola Itinerante ‘buscará viabilizar a Educação Infantil, o Ensino


Fundamental, Médio, Profissional e a Educação de Jovens e Adultos
sendo que, nos casos de atendimento aos educandos com necessidades
educacionais especiais serão consideradas as legislações pertinentes a
esta área, bem como aquelas que se referem ao ensino
profissionalizante’ (fl. 10). (PARANÁ, 2003, p. 02).
Na Escola Itinerante, O Paraná tem a primeira e única experiência que
prevê o atendimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos nas diferentes
modalidades da educação do campo no espaço do acampamento.

No Estado de Santa Catarina, a também nasceu das lutas sociais


engendradas nas lutas por terra. Sua marca já estava constituída no Rio Grande
do Sul e Paraná como escola pública nos acampamentos do MST. A escola base
para centralidade administrativa é a Escola Estadual 30 de outubro, que está
localizada no assentamento Rio dos Patos, no município de Lebon Regis. A
Escola Itinerante nasceu sob a lona preta como estrutura física, mas com a leveza
que o MST consegue implementar no seu processo pedagógico. Na sua luta, a
Escola Itinerante também nasceu em Santa Catarina como “experiência
pedagógica”, conforme nos traz Puhl (2008, p. 39),

Segundo informações coletadas no Setor Estadual de Educação do MST


no Estado de Santa Catarina, as Escolas Itinerantes foram aprovadas
como ‘experiência pedagógica’ no dia 21 de setembro de 2004 pelo
Conselho Estadual de Educação, sob o parecer nº 263.
Neste caso, também nasce como escola pública, mas já tinha existência
como escola do MST no acampamento. Como toda escola do acampamento, ela
tem existência real como escola do acampamento. Como Escola Itinerante, ela se
enquadra na escola pública, com um projeto pedagógico ligado à escola-base,
que tem a legalidade do Estado. Puhl (2008, p. 39-40) observa que “Legalmente,
foi em 21 de fevereiro de 2005 que tiveram início as aulas nos acampamentos,
muito embora, segundo consta no projeto político pedagógico (ppp) [...]”.
Reconhecida como “experiência pedagógica” a escola pública no
acampamento do MST, denominada de Escola Itinerante, consolidou as
atividades pedagógicas desenvolvidas desde o ano de 1985, quando das
primeiras ocupações de terras realizados pelo MST no Estado de Santa Catarina.
O fato a ser destacado na organização das Escolas Itinerantes em Santa Catarina
é que sua legalização se deu na estrutura das escolas do MST existentes no
acampamento, conforme nos traz Camini (2009, p. 149) que “em 21 de fevereiro
de 2005, houve um ato oficial de abertura das escolas itinerantes, na estrutura já
existente nos acampamentos, sem que elas houvessem recebido os materiais
previstos no projeto”. Mori chama a atenção quanto a ser um reconhecimento
parcial:

Se houve o reconhecimento de uma Escola Itinerante pelo poder público,


diria que este reconhecimento é parcial, assim como a legalização. Ao
mesmo tempo em que o Estado legaliza a escola deixa-a em situação
ilegal, ou seja, houve uma legalização da Escola, porém o atendimento
educacional a esta população continua incompleto. (MORI, 2006, p. 16).
Notamos nestas atenções as dificuldades impostas à realidade do
acampamento pela negação do Estado em cumprir com sua responsabilidade
educacional, fazendo cumprir o direito à escola das crianças em conformidade
com as leis. Sua constitucionalidade também se dá dentro de políticas públicas de
inclusão educacional, garantido a oferta somente para as quatro séries iniciais do
ensino fundamental, mas sem as condições materiais para que a Escola Itinerante
pudesse efetivamente cumprir com sua função social. Em Santa Catarina também
se manteve as normas de funcionamento pedagógico, administrativo e financeiro,
além do controle da Escola Itinerante por meio da escola-base.

As Escolas Itinerantes em funcionamento no Estado, sob o Parecer nº


263, aprovado em 21/09/2004, são resultado de uma política pública
educacional inclusiva e de qualidade, e de mais uma conquista da luta
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Isso significa a garantia do direito à
educação das crianças acampadas a partir de um processo de
escolarização que compreende a realidade e as necessidades dessas
crianças. O Parecer autoriza o funcionamento da Experiência
Pedagógica de Escola Itinerante, para oferta de 1ª a 4ª série do Ensino
Fundamental, mantida pelo Estado de Santa Catarina, através da
Secretaria Estadual de Educação. Está localizada no Assentamento Rio
dos Patos (30 de outubro), no Município de Lébon Régis/SC, vinculada à
Gerencia de Educação de Caçador. (SANTA CATARINA, 2009).
Sobre o reconhecimento das Escolas Itinerantes pelo CED, Puhl (2008, p.
42-43) observou que, “no que se refere à formulação de suas próprias propostas
pedagógicas, as Escolas Itinerantes de Santa Catarina encontram-se em
processo de reelaboração de seu projeto político-pedagógico, o que é, inclusive,
uma exigência para sua aprovação definitiva pelo Conselho Estadual de
Educação”.

CONCLUSÃO
Nas lutas sociais pela educação desenvolvidas na região sul do Brasil, o
MST soube ocupar e conquistar a escola para o seu território, mesmo em
itinerância. A estratégia do MST está na ocupação da terra e, com ela, na
ocupação também da escola para assegurar os direitos básicos à vida, como
trabalho e educação dentro de uma singularidade, cuja categoria central é
“imprevisibilidade”.

No acampamento, portanto, a Escola Itinerante se materializa por meio da


teimosia de seus sujeitos, que vivem a precariedade, a imprevisibilidade e o
apartheid social imposto à sociedade pela política social do latifúndio.

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