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João José de Oliveira Negrão

O jornalismo e a construção da
hegemonia

PUC / SP
São Paulo, 2005
2
Índice

Introdução 9

1 A hegemonia neoliberal e o surgimento do Fórum Social


Mundial 13
1.1 O que é o neoliberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.2 A Sociedade de Mont Pelérin . . . . . . . . . . . . . . 19
1.3 Outras correntes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4 O consenso de Washington . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.5 O neoliberalismo no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.6 Não ao neoliberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2 O conceito de hegemonia 35
2.1 Ideologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.2 Contra-hegemonia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.3 O intelectual coletivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

3 As teorias da notícia e os efeitos sociais da comunicação jor-


nalística 51
3.1 As teorias da notícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.1.1 A teoria do espelho . . . . . . . . . . . . . . 53
3.1.2 A teoria do gatekeeper . . . . . . . . . . . . . 57
3.1.3 A teoria organizacional . . . . . . . . . . . . 59
3.1.4 As teorias de ação política . . . . . . . . . . . 62
3.1.5 A teoria estruturalista . . . . . . . . . . . . . 64
3.1.6 A teoria etnoconstrucionista . . . . . . . . . . 67
3.2 Os efeitos sociais da comunicação jornalística . . . . . 71
3.2.1 A hipótese de agenda setting . . . . . . . . . . 73

3
3.2.2 Espiral do silêncio . . . . . . . . . . . . . . . 80

4 A cobertura da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo


do Fórum Social Mundial e do Fórum Econômico Mundial 83
4.1 Cobertura do Fórum Social Mundial . . . . . . . . . . 87
4.2 Cobertura do Fórum Econômico Mundial . . . . . . . 94
4.3 O tema agendado: o governo Lula . . . . . . . . . . . 98

Considerações finais 103

Referências bibliográficas 107

Anexos 115
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais, sob orientação da Profa Dra Vera Lúcia Michalany Chaia.
Resumo
Os meios de comunicação de massa, em especial aqueles ligados ao
jornalismo, são atores essenciais da política contemporânea. Eles são
– entre várias outras – uma das principais instituições que, ao estabe-
lecerem os parâmetros cognitivos por meio dos quais as pessoas lêem
e interpretam o mundo, contribuem para a construção da hegemonia,
por meio da qual uma classe dominante consegue instituir uma base de
consentimento para certa ordem social.
Conceito que ganha completude em Gramsci, a hegemonia, se arti-
culada às diferentes teorias do jornalismo – que buscam explicar porque
as notícias são como são –, tem o condão de construir uma explicação
plausível para a relação jornalismo – política, bem como para aprofun-
dar a compreensão que leitores e jornalistas possam ter desta atividade.
Entremeado por este fio teórico, este trabalho analisa a cobertura
que dois grandes jornais paulistas, a Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo, fizeram, em 2003, dos encontros do Fórum Social Mundial, reali-
zado em Porto Alegre, e do Fórum Econômico Mundial, que aconteceu
na cidade suíça de Davos. Foi um momento em que duas concepções
de mundo distintas se apresentavam: uma, ligada às principais instân-
cias da economia capitalista, com seus teóricos e operadores, marcada
pela hegemonia neoliberal; outra, crítica da atual ordem, agrega mili-
tantes ligados à esquerda, nos seus diferentes matizes, aos movimentos
sociais e ecológicos, e propõe “um outro mundo possível”. E conclui
que o jornal e o jornalismo contemporâneos, para serem adequadamente
interpretados, devem ser vistos como um aparelho privado de hegemo-
nia, locus aonde se processa uma disputa entre diferentes concepções
de mundo.
Abstract
Mass media, specially the ones associated to journalism, play an
essential role in contemporary politics. They are – among others – one
of the most important institutions that contribute for the construction of
hegemony since they establish the cognitive parameters through which
people read and interpret the world. Through hegemony the dominant
class manages to institute the consenting base for a particular social
order.
Hegemony reaches completion in A. Gramsci’s work. It is articula-
ted to different theories that aim to explain why news are in such way
as we know them. Hegemony has the ability to construct a plausible
explanation for the relation journalism – politics, as well as to deepen
the journalists and readers’ comprehension of this activity.
Intermingled with this theoretical thought, this work analyses the
coverage of The World Social Forum (2003, Porto Alegre) and The
World Economic Forum in Davos, Switzerland, made by two of the
greatest São Paulo journals – Folha de São Paulo e O Estado de São
Paulo. It represents a moment in which two distinctive conceptions of
the world presented themselves: one, associated to the main spheres of
the capitalist economy, their thinkers and operators and marked by the
neoliberal hegemony; and the other, which criticizes the current order,
aggregates militants associated to the left in its different shades and so-
cial and ecologic movements and also provides a proposal for “another
possible world”.
This work concludes that in order to be understood adequately con-
temporary journals and journalism must be seen as a private apparatus
of hegemony, the locus where a strive between two different concepti-
ons of the world takes place.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço à Fernanda Gonçalves Fontes, com-
panheira e parceira intelectual. E às nossas filhas, Heloísa Fontes de
Oliveira Negrão e Laura Fontes de Oliveira Negrão, a parte mais
significativa das nossas existências, que nos ensinaram o amor incondi-
cional.
Meus irmãos Maria Elisa, Marília, Francisco, Magda e Miriam,
bem como os pais da Fernanda, Edmundo e Helena, fazem parte desta
jornada.
Agradeço aos colegas da Universidade de Sorocaba e aos alunos do
curso de Jornalismo, pela convivência e estímulo. E aos integrantes do
Neamp – Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política, da PUC-SP, em
cujas atividades e reuniões este trabalho foi ganhando forma.
À minha orientadora pela segunda vez, Vera Chaia, agradeço pela
atenção, convivência, postura intelectual e carinho. Quanto mais avan-
çamos na vida acadêmica, mais percebemos o quanto a Vera e o Miguel
Chaia são figuras ímpares neste cenário.
Também agradeço à Capes, cujo apoio financeiro foi essencial para
a execução deste trabalho.
Introdução

A mídia é um dos principais constructos contemporâneos da hegemonia,


conceito que, em Gramsci, vai significar a capacidade de uma classe
dominante ou aspirante ao domínio de construir o consenso e/ou obter a
passividade da maioria da população, constituindo-se, então, em classe
dirigente, com capacidade de direção intelectual e moral.
A hegemonia, conforme Gramsci, compõe-se de, e articula, dois
“momentos”: o do consenso, colocado na instância da sociedade civil,
cria a base do consentimento, ativo ou passivo, para certa ordem social;
o do “domínio”, na instância da sociedade política, ou Estado, é o que
Weber chama de monopólio legítimo da força. Esta separação é analí-
tica, pois na realidade estes momentos se sobrepõem dialeticamente.
Ao lado de outros aparelhos privados de hegemonia – que operam no
âmbito da sociedade civil e têm por finalidade a construção do consenso
–, o jornalismo contribui para estabelecer mapas cognitivos através dos
quais os indivíduos lêem o mundo e posicionam-se diante dos fatos da
vida.
No entanto, para entender corretamente o fenômeno, é necessário
superar a visão do jornalismo como mero instrumento de manipulação
– que, contraditoriamente, está presente tanto na direita, da teoria hi-
podérmica, para quem “cada indivíduo é um átomo isolado que reage
isoladamente às ordens e às sugestões dos meios de comunicação de
massa”, quanto na esquerda, da Escola de Frankfurt, que considera os
meios de comunicação, conforme Adorno, “parte do sistema da indús-
tria cultural [que] reorienta as massas, não permite quase a evasão e
impõe sem cessar os esquemas de seu comportamento”.
Embora negue esta visão apocalíptica, este trabalho não incorpora a
visão integrada – para ficarmos nos termos da antiga distinção de Um-
berto Eco – da concepção liberal, ou seja, não há o entendimento, aqui,

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que o jornalismo simplesmente reproduz, como um espelho, a realidade


e, de maneira neutra e objetiva, ouve os dois lados da questão e os lança
para que o leitor forme sua opinião.
Ao contrário, a idéia do jornal como aparelho privado de hegemonia
percebe o jornalismo como espaço de luta entre diferentes concepções
de mundo em disputa não só pela significação, mas até mesmo pela
definição do que é e do que não é notícia.
O presente trabalho, tendo em vista esta perspectiva, estudou a co-
bertura que os dois jornais paulistas de influência nacional, a Folha de
S. Paulo e O Estado de S. Paulo, fizeram, em 2003, dos encontros do
Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, e do Fórum Econô-
mico Mundial, que aconteceu na cidade de Davos, na Suíça.
É um momento curto, mas intenso: duas atividades importantes, de
cunho global, onde se apresentam duas visões de mundo muito distin-
tas. O FEM agrega as principais agências da economia capitalista mun-
dial, seus teóricos e seus operadores, enquanto o FSM, crítico da ordem
hegemônica neoliberal, agrega militantes de ONGs, movimentos soci-
ais, ecológicos, partidos de esquerda, entre outros, que propõem outras
possibilidades de vida societária.
As reuniões de 2003 foram escolhidas para a análise por serem as
primeiras que realizavam imediatamente após a posse do presidente
eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. Crítico
do neoliberalismo, incentivador e contando com vários de seus partidá-
rios nas instâncias do FSM, o governo petista decidiu enviar alguns de
seus representantes, inclusive Lula, aos dois fóruns. Foi a primeira vez
que um presidente de um país esteve presente tanto em Porto Alegre
quanto em Davos.
O estudo buscou articular as chamadas teorias do jornalismo com
o conceito de hegemonia para entender o papel preponderante que a
comunicação de massas, especialmente o jornalismo, exerce na política
contemporânea. O primeiro capítulo coloca em perspectiva histórica e
teórica o pensamento neoliberal, apresenta suas raízes e sua aparição
no cenário das orientações políticas dos governos ocidentais. Para este
capítulo, serviram de base especialmente as obras do pensador austríaco
Friedrich Hayek, do economista norte-americano Milton Friedman e do
divulgador francês das idéias neoliberais Guy Sorman. Para a crítica a
tal pensamento, foram de grande valia as obras do sociólogo argentino

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Atílio Boron e do cientista político polonês Adam Przeworki, além do


inglês Perry Anderson.
O capítulo recupera também a recente história da resistência ao neo-
liberalismo, que vai desembocar na criação, em 2001, do Fórum Social
Mundial. Para esta parte, vali-me especialmente do livro do professor
universitário e membro da Secretaria e do Conselho Internacional do
FSM, José Corrêa Leite, Fórum Social Mundial. A história de uma
invenção política.
O segundo capítulo apresenta o conceito de hegemonia em Antonio
Gramsci, pensador marxista italiano. Mas traz também complementos
fundamentais ao correto entendimento do termo, como os conceitos de
ideologia, de contra-hegemonia e de intelectual coletivo, que procura
mostrar como os jornais também podem desempenhar a “função” de
partidos políticos.
No terceiro capítulo, tendo por base a obra do pesquisador portu-
guês do jornalismo Nelson Traquina, procura-se elencar as diferentes
possibilidades explicativas construídas ao longo da história que tentam
responder à questão: o que define a notícia? O que permite a certos fatos
tornarem-se acontecimentos noticiáveis e noticiados, enquanto outros,
sem esta existência pública, restringem-se à experiência vivida daque-
les poucos que o presenciaram? Quais os critérios desta seleção? Numa
segunda seção, o capítulo traz a discussão sobre os efeitos da comunica-
ção jornalística, em especial as hipóteses da agenda setting e da espiral
do silêncio.
No quarto capítulo são feitas a tabulação e a análise do material
publicado sobre a terceira reunião do Fórum Social Mundial, realizada
em 2003 em Porto Alegre, e do trigésimo primeiro encontro do Fórum
Econômico Mundial, em Davos, no mesmo período, pelos grandes jor-
nais paulistas, que têm circulação e influência para além das cidades e
estados em que são publicados: a Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo.
Aqui, se procura desvelar como o jornalismo contribui para a cons-
trução da hegemonia na sociedade brasileira, mas, ao mesmo tempo,
demonstrar suas possibilidades como espaço de manifestação de uma
contra hegemonia que se gesta também através dos meios de comu-
nicação de propriedade das classes dominantes, ainda que contra sua
vontade.

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Capítulo 1

A hegemonia neoliberal e o
surgimento do Fórum Social
Mundial

O primeiro encontro do Fórum Social Mundial aconteceu em Porto Ale-


gre, no início de 2001. Pensado como o movimento dos movimentos,
estruturado horizontalmente, em redes, sem direção centralizada, sem
hierarquias internas, sem documentos finais, o FSM nasceu tentando
mostrar que “outro mundo é possível”, além daquele então formatado
pela globalização neoliberal e pelo pensamento único. Ao contrário, os
encontros do Fórum Econômico de Davos, existentes, em 2003, há 31
anos, representavam exatamente este pensamento único, cristalizado na
ideologia neoliberal.

1.1 O que é o neoliberalismo


O neoliberalismo, especialmente a partir dos governos Ronald Reagan,
nos EUA, e Margareth Tatcher, na Inglaterra, adquiriu marcante hege-
monia teórica — ainda hoje muito presente —, e, com suas idéias a
respeito da primazia do mercado e da diminuição do Estado, orienta as
decisões de inúmeros governos.
Friedrich V. Hayek escreveu, em 1944, o texto fundante do neo-
liberalismo. Em O caminho da servidão alertava contra os perigos à

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liberdade econômica e política que qualquer limitação aos mecanismos


de mercado, imposta pelo Estado, necessariamente traria. O livro era
voltado contra o coletivismo — que, para Hayek, era o tipo de plane-
jamento econômico necessário à realização de qualquer ideal distribu-
tivo. Aqui, ele plasmava distintas formas de socialismo, comunismo e
nazismo, todas totalitárias, e que se unificavam por seu antiliberalismo,
ataques à concorrência e pela busca de uma sociedade planejada. A
obra servia ainda como um panfleto contra o crescimento do partido
trabalhista inglês, que abrigava, segundo ele, “os totalitários em nosso
meio”.
Hayek lamentava que a intervenção governamental na produção e
distribuição, justificada durante a guerra, estivesse tornando-se corri-
queira. Nisso, detectava uma tendência ao socialismo — cujas idéias e
teóricos, segundo ele, engendraram o nazismo — e lamentava o aban-
dono, nos assuntos econômicos, dessa “liberdade de ação econômica
sem a qual a liberdade política e social jamais existiram no passado”
(HAYEK, 1990, p. 40). O autor opõe-se a qualquer idéia de planeja-
mento na economia, pois para isso seria necessário um conhecimento
que não está disponível. Para ele, o mundo é movido por leis que os
homens não dominam e tentar superar esta ordem espontânea por uma
ordem decretada, que permita construir a sociedade segundo um plano
ordenado, é uma ambição louca, a “vaidade fatal” dos intelectuais.
Ele não admite a possibilidade de uma terceira via, o que contempo-
raneamente chamou-se de economia mista: planejamento centralizado
e a competição atomística são princípios opostos, excludentes, e “se
combinados, nenhum dos dois funcionará efetivamente e o resultado
será pior do que se tivéssemos aderido a qualquer dos dois sistemas”
(HAYEK, 1990, p. 62). De acordo com Sorman (1989, p. 53), Hayek
entende que existem somente duas interpretações possíveis para a nossa
sociedade: o Kosmos, que é a ordem amadurecida ou espontânea, a qual
percebe o mundo industrial moderno como o resultado de iniciativas in-
dividuais espontâneas que se acumularam pelos séculos, numa história
que combina essas iniciativas espontâneas com seleção pela experiên-
cia; e a Taxis, que supõe ser possível dominar as leis do progresso e
construir a sociedade de acordo com um plano ordenado. O liberalismo
deriva da primeira; o socialismo, da segunda.
Para Hayek é falsa a concepção segundo a qual a complexidade da

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sociedade e da economia modernas exige algum nível de coordenação


e planejamento por parte de uma autoridade central — independente se
esta autoridade é conformada democraticamente ou não —, como meio
de compensar desajustes do livre mercado. Na verdade, afirma, a con-
corrência é a melhor forma de coordenação de tal sociedade; já que,
como a ninguém é dado avaliar todas as diferentes motivações que os
indivíduos levam em conta nas suas decisões, qualquer ‘controle consci-
ente’ apenas faria que tal autoridade concentrasse um excesso de poder.
Então, ao governo cabe apenas garantir disposições que proporcionem
a cada indivíduo as informações que precisa para ajustar eficientemente
suas decisões às dos demais.
Esse governo deve basear-se no Estado de Direito1 , aquele no qual
normas formais — que não visam a desejos ou necessidades de pessoas
determinadas — garantem uma estrutura permanente de leis, em cujo
âmbito a atividade produtiva é orientada por decisões individuais. Isso
é o oposto do pretendido pelo planejamento, uma vez que, por meio
1
O Estado de Direito preconizado pelos neoliberais caracteriza-se por:
a. Não conceder privilégios a ninguém, assegurando, assim, a igualdade de todos
perante a lei, o que implica que nenhum cidadão pode invocar sua condição econô-
mica, social ou política para furtar-se ao cumprimento da lei;
b. Assegurar aos cidadãos o governo das leis em lugar do governo dos homens, par-
tidos ou facções, e a cada indivíduo — desde que respeitados os direitos e a liberdade
alheios e independentemente de sua raça, de seu sexo, de sua religião e de sua con-
vicção política — a possibilidade de dispor livremente dos bens materiais e culturais
produzidos por seu próprio esforço;
c. Facultar aos cidadãos o livre e imediato acesso aos tribunais encarregados de
administrar a justiça, garantindo a todos um processo equânime;
d. Garantir, pelo estabelecimento de condições institucionais, a vigência da liber-
dade no terreno econômico, ensejando, a quantos queiram produzir ou trabalhar, o
livre acesso ao mercado, acesso que não pode ser cerceado por privilégios econômi-
cos de qualquer natureza ou exigências legais e administrativas discriminatórias. Cabe
ao mercado harmonizar as ambições e premiar, pelo lucro, o desempenho;
e. Reconhecer a propriedade privada como condição fundamental para que os indi-
víduos possam exercer plenamente o seu direito à vida, à liberdade política e econô-
mica e à busca da felicidade;
f. Permitir que os acordos e divergências que ocorram no campo das relações do
trabalho sejam tratados e resolvidos de maneira autônoma pelas partes. (VON MISES,
Ludwig. “O intervencionismo”, in Bichir, Antonio. Antologia liberal. São Paulo:
Inconfidentes, 1991.

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dele, são conhecidos os resultados da política governamental sobre de-


terminados indivíduos, o que retira a imparcialidade do governo.
Disso resulta que
a igualdade perante a lei conflita e é de fato incompatível
com qualquer atividade do governo que vise a uma igualdade
material ou substantiva intencional entre diferentes indivíduos, e
que qualquer política consagrada a um ideal substantivo da jus-
tiça distributiva leva à destruição do Estado de Direito (HAYEK,
1990, p. 91).

Para Hayek, então, se se quiser assegurar uma distribuição da ri-


queza de acordo com um padrão predeterminado, se se pretender esta-
belecer conscientemente o que caberá a cada um, será necessário plani-
ficar todo o sistema econômico. Ele se pergunta se a realização de tal
ideal de justiça não resultaria num descontentamento e opressão maio-
res do que os jamais causados pelo livre jogo das forças econômicas.
Para evitar a opressão, o Estado deve limitar-se a agir somente na-
quelas esferas nas quais todos os indivíduos concordem ser um objetivo
comum; o ‘controle consciente’ deve restringir-se aos campos em que
existe o ‘verdadeiro acordo’; os outros, devem ser confiados ao acaso.
Hayek critica ainda a “ênfase desmedida” no valor da democracia, que
seria a responsável pela falsa crença de que enquanto a maioria for a
fonte do poder, este não será arbitrário, uma vez que, na verdade, não é
a fonte, mas a limitação do poder que impede o arbítrio.
Ele teme a ‘ditadura da maioria’ que coloque em perigo a proprie-
dade privada, a mais importante garantia da liberdade porque faz com
que os meios de produção fiquem em mãos de muitas pessoas “que
agem de modo independente”. Ao contrário, se os “meios de produ-
ção pertencessem a uma única entidade, fosse ela a ‘sociedade’ como
um todo ou um ditador, quem exercesse esse controle teria poder abso-
luto sobre nós” (HAYEK, 1990, p. 111). Embora ainda não afirmasse
aí claramente, Hayek já sinalizava sua pouca afinidade com a demo-
cracia de massas, que anos mais tarde se desnudaria na entrevista que
concedeu a El Mercurio, jornal conservador chileno: se tivesse de optar
entre economia de mercado mais ditadura ou economia com controles e
regulações mais democracia, escolheria a primeira opção.2
2
Citado por BORON, Atilio. “A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal”, in

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Este temor à ‘ditadura democrática’ deriva da visão hayekiana do


homem, concepção que herda do liberalismo clássico e que é comum
a todos os neoliberais: um indivíduo lançado num mundo cruel que
luta, por todos os meios, para se impor e sobreviver. Podemos precisar
aqui então um contraponto ontológico entre liberalismo e democracia:
é possível afirmar, com Bobbio (1989, p. 14), que as relações do in-
divíduo com a sociedade são vistas pelo liberalismo e pela democracia
de modo diverso. Enquanto aquele separa o indivíduo do corpo orgâ-
nico da sociedade e o coloca num mundo repleto de hostilidades em
luta encarniçada pela sobrevivência, a segunda o reúne a outros homens
singulares para a construção artificial de um espaço partilhado.
Já Hayek critica o racionalismo “incompleto e errôneo” do homem
moderno, que passou a encarar com “ódio e revolta” as forças impes-
soais que aceitava no passado, quando, no entanto, segundo ele, foi
justamente a submissão às forças impessoais do mercado que permi-
tiu o progresso da civilização que, sem isso, não se desenvolveria. “É,
portanto, submetendo-nos que ajudamos dia-a-dia a construir algo cuja
magnitude supera nossa compreensão” (HAYEK, 1990, p. 186).
Essa crítica à razão mal encobre, na realidade, uma negação à po-
lítica, que tem sua existência baseada justamente na afirmação da pos-
sibilidade da construção, inter-humana e racional, de um artifício que
permita aos homens superar o isolamento e forjar identidades coletivas.
Ao contrário disso, Hayek conclui pela impossibilidade de uma ética
social ou coletiva, uma vez que não “temos o direito de ser altruístas
à custa de terceiros, nem há mérito algum em o sermos quando não
existe outra alternativa” (HAYEK, 1990, p. 191). Esta ética coletiva
seria, segundo ele, um dos fundamentos da direção planejada da ativi-
dade econômica, o que contrasta com o individualismo que coloca o
indivíduo como juiz supremo dos próprios objetivos.
O pensamento hayekiano e, por conseqüência, o neoliberalismo,
têm sua gênese no liberalismo clássico. No entanto podemos, seguindo
novamente indicação de Bobbio — que vê uma certa distinção entre
liberalismo político e liberalismo econômico (que ele chama de libe-
rismo) — afirmar que o liberismo é a grande fonte do pensamento neo-
liberal. O liberalismo político tem por eixo os direitos civis, a liberdade
Sader, Emir. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1995.

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religiosa, a pluralidade, enquanto o liberismo tem a chamada livre ini-


ciativa.
Hayek admite a viabilidade de se combater as flutuações da econo-
mia e os surtos de desemprego. Desde que, segundo ele, se buscasse
encontrar a solução definitiva para tal problema no campo da política
monetária, o que não implicaria incompatibilidade com o liberalismo. E
não como outros, que acreditam nas possibilidades de um programa de
obras públicas. Aí, Hayek recomenda enorme cautela, para evitar que
a economia dependa crescentemente da alocação e volume dos gastos
públicos. Tal política, ainda, poderia provocar “restrições muito mais
graves na esfera da concorrência”. É uma crítica, ainda não claramente
explicitada, ao keynesianismo 3 .
O problema maior, no entanto, para Hayek, está na pretensão a um
segundo tipo de segurança: a segurança econômica absoluta, que tenta
“proteger indivíduos ou grupos contra a redução de suas rendas, con-
tra perdas que impõem duras privações, sem justificação moral, e que,
contudo, são inseparáveis do regime de concorrência”. Como exemplo,
Hayek cita o caso das inovações tecnológicas que implicam em perda do
valor de certas habilidades, antes muito reconhecidas em determinados
trabalhadores.

A reivindicação deste tipo de segurança é, pois, um outro as-


pecto da exigência de uma justa remuneração, proporcional aos
méritos subjetivos e não aos resultados objetivos do esforço indi-
vidual. Essa espécie de segurança ou justiça não parece conciliá-
vel com a livre escolha da ocupação (HAYEK, 1990, p. 125)
3
KEYNESIANISMO. Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica,
com a qual não se atinge totalmente a autonomia da empresa privada, e que prega
a adoção, no todo ou em parte, das políticas sugeridas na principal obra de Keynes,
A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, 1936. Tais políticas propunham-se
a solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajando o
entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução da taxa
de juros e do incremento dos investimentos públicos. As propostas da chamada “re-
volução keynesiana” foram feitas no momento em que a economia mundial sofria o
impacto da Grande Depressão, que se estendeu por toda a década de 30, até o início
da Segunda Guerra Mundial. SANDRONI, Paulo. Novo dicionário de economia. São
Paulo: Best Seller, 1994.

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1.2 A Sociedade de Mont Pelérin


O primeiro e mais imediato objetivo de Hayek foi frustrado: o partido
trabalhista inglês (Labour Party) foi vitorioso nas eleições de 1945. As
bases do welfare state ganham impulso em sua construção na chamada
era de ouro do pós-guerra. Remando contra a corrente — o keynesia-
nismo, mais ou menos nuançado, dava o tom nas políticas econômicas
de todos os governos ocidentais, então —, Hayek convoca, em 1947,
uma reunião entre aqueles pensadores que tinham orientações intelec-
tuais próximas à sua. O resultado do encontro foi a criação de uma
Sociedade, que levou o nome da pequena cidade suíça onde se realizou:
Mont Pelérin.
Milton Friedman, outro dos grandes mentores da corrente, membro
fundador da Sociedade de Mont Pelérin e, com o monetarismo da Es-
cola de Chicago, provavelmente a maior influência do neoliberalismo
latino-americano, também sataniza o Estado. Em uma de suas obras
mais importantes, Capitalismo e Liberdade, escrito em 1962, o futuro
ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1974, assim define o papel
dos governos:
Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos
de propriedade; sirva de meio para a modificação dos direitos de
propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue dispu-
tas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova
a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em
atitudes para evitar o monopólio técnico e evite os efeitos laterais
considerados como suficientemente importantes para justificar a
intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a fa-
mília na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano
ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, impor-
tantes funções a desempenhar. O liberal consistente não é um
anarquista. (FRIEDMAN, 1985, p. 39)

Se for além disso e tentar implementar medidas de justiça distribu-


tiva e de ampliação de direitos sociais, o Estado estará, inevitavelmente,
invadindo a esfera da liberdade individual e abrindo “o caminho da ser-
vidão”.
O monetarismo friedmaniano advoga que a provisão de dinheiro é
o fator determinante do controle do desenvolvimento econômico. As

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variações da atividade econômica não se explicam por variações de in-


vestimento, como querem os keynesianos, mas pelas variações de oferta
da moeda. De forma mais simples, segundo o monetarismo, há uma ele-
vação dos preços sempre que os meios de pagamento (ou quantidade de
moeda) crescem. Por isso, a inflação resultaria do aumento crescente da
quantidade disponível de dinheiro, que corre atrás de uma quantidade
de bens e serviços que cresce mais devagar que aquela. E o excessivo
crescimento de moeda em circulação se deve à necessidade dos gover-
nos — que detêm o monopólio da emissão de dinheiro — de financiar
seus déficits.
Como conseqüência lógica, se a inflação resulta unicamente dos
gastos que os Estados têm para manter suas máquinas e seus programas
sociais, para debelá-la é necessário eliminar o déficit e reduzir a quanti-
dade de dinheiro à disposição das empresas e pessoas. Os pesados cus-
tos sociais, evidentes em tal decisão de política econômica — por conta
da recessão e desemprego aí embutidos —, seriam de curta duração,
pois o mercado, desde que livre de amarras e regulações impostas tanto
pelo Estado como por outras instituições (sindicatos de trabalhadores,
por exemplo), logo encontraria sua tendência natural de equilíbrio, por
conta da concorrência entre os indivíduos no mercado
Retornamos então à visão idílica do mercado controlado pela ‘mão
invisível’. Por isso, o monetarismo é, por excelência, a política econô-
mica do neoliberalismo. No entanto podemos, com Boron, afirmar que
a premissa de Friedman se baseia num modelo de economia mercantil
simples, no qual produtores diretos que controlam seus meios de pro-
dução têm liberdade para decidir se produzem para troca ou para seu
consumo próprio (BORON, 1994, p. 59).
Porém, se tal modelo ainda tinha alguma pretensão de validade na
fase do capitalismo concorrencial do início do século XIX, hoje, quando
o mercado mundial é dominado por monopólios e oligopólios, tal ilusão
acerca do mercado auto-regulado reveste-se de uma perspectiva ideoló-
gica (no chamado sentido forte do conceito, ou seja, ideologia como
mistificação, mascaramento da realidade) 4 que busca abrir caminho
para uma outra etapa de acumulação do capital, ao demonizar o Es-
tado e as formas negociadas de regulação, ao negar a Política enquanto
4
Ver capítulo 2. Seção 2.1.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 21

espaço de formação de sujeitos coletivos e como possibilidade de cons-


trução — conflituosa, sem dúvida — de uma sociedade melhor.
A concepção de Estado, que os neoliberais herdam do liberalismo
clássico, é puramente negativa. Ao contrário, o mercado é por exce-
lência o mecanismo mais eficiente para a alocação de recursos. O Es-
tado é tão incapaz para tal tarefa, e a iniciativa privada tão competente
para realizá-la, que Friedman, apesar de recusar qualquer monopólio
(que inibe a livre concorrência), afirma que, depois de ter estudado as
conseqüências do monopólio estatal e do privado, conclui, não sem re-
lutância, que, se tolerável, o monopólio privado pode ser o menor dos
males.
Porém, o relativo pouco caso com que Friedman trata os monopó-
lios privados — que segundo ele, pouco cresceram em importância na
economia — muda de tom quando o assunto são os supostos monopó-
lios na força de trabalho, exercidos pelos sindicatos de trabalhadores
que, ao se organizarem por melhores salários, estabelecem padrões di-
ferentes daqueles que seriam fornecidos pelo mercado.
Com isso, ele afirma, prejudicam o público em geral e aos próprios
trabalhadores, uma vez que se, devido à existência dos sindicatos, de
dez a quinze por cento dos trabalhadores conquistaram aumentos de
dez a quinze por cento em seus salários, na outra ponta entre 85% a 90%
dos trabalhadores tiveram seus salários reduzidos em aproximadamente
quatro por cento.
Então, de acordo com os neoliberais, foram os trabalhadores, ao se
organizarem para combater a exploração do capital e buscarem sua parte
nos ganhos advindos dos aumentos de produtividade sistêmica, que pro-
vocaram distorções no mercado, geraram desemprego e, com seu ‘ina-
ceitável’ poder, pressionaram os governos a criar estruturas estatais de
bem estar inflacionárias, que redundaram em uma grande crise, provo-
cada por um Estado excessivo, gerador crescente de demandas para as
quais não tem capacidade de resposta, conforme a obra financiada pela
Comissão Trilateral, The crisis of democracy.
Publicado em 1975, este livro traz a público a visão conservadora
da chamada crise de governabilidade das democracias contemporâneas
que, segundo os autores — Michel Crozier, Samuel Huntington e Joji
Watanuki —, ampliaram em excesso o poder da sociedade — especi-
almente das classes subalternas — de gerar demandas para as quais o

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22 João José de Oliveira Negrão

Estado não tem mais capacidade de responder, gerando com isso a crise
fiscal.
Na crítica ao Estado — qualquer Estado — Friedman recoloca a ne-
gação da Política, comum a todos os pensadores neoliberais. Para ele,
o mercado é a efetiva representação proporcional, enquanto a política
é uma representação limitada, pois se a representação no mercado per-
mite a unanimidade sem conformidade, a representação política tende a
exigir ou reforçar uma conformidade substancial.

1.3 Outras correntes


Hayek, ao lado de Von Mises, é um dos principais representantes da
chamada Escola Austríaca, um neoliberalismo mais sofisticado, dedu-
tivo — a partir de princípios gerais sobre o homem, conclui pelo caráter
indesejável da sociedade planejada —, empírico e algo irracional, já
que não considera cognoscíveis as leis que movimentam a sociedade,
restando ao mercado premiar, a posteriori, as ações eficientes e punir as
ineficientes.
Por seu turno, Friedman representa a Escola de Chicago, positi-
vista, menos sofisticada intelectualmente, no entanto mais influente em
políticas econômicas concretas. Capitalismo e Liberdade pode ser con-
siderado um manual sobre o que os governos devem e o que não devem
fazer a respeito dos mais diferentes assuntos, como política monetária,
relações comerciais internacionais, educação, discriminação racial etc.
Há ainda duas outras grandes correntes do neoliberalismo teórico:
a anarco-capitalista, representada por autores como Robert Nozick e
Murray Rothbard, que buscam fundamentá-lo eticamente; e a Escola
virginiana da escolha pública, representada por James Buchanan, am-
bas mais contemporâneas.
No entanto, todas bebem na fonte e têm um diálogo, mais ou menos
crítico, com a Sociedade de Mont Pelérin. Eduardo Giannetti Fonseca,
num opúsculo escrito em 1994 para o Instituto Liberal, de São Paulo,
intitulado Quem tem medo do neoliberalismo?, afirma que todas elas se
ergueram contra o alargamento das fronteiras econômicas do Estado, o
paternalismo e o cerceamento da liberdade individual. Todas elas defen-

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O jornalismo e a construção da hegemonia 23

deram o mercado regido pelo sistema de preços contra o planejamento


central, a economia mista e o ativismo macroeconômico.
Mas, na verdade, o ideário ultraliberal dos discípulos de Hayek ficou
restrito a pequenos círculos, com pouca significação política, durante o
período que vai do imediato pós-guerra até meados dos anos 70, a cha-
mada era de ouro do keynesianismo. Neste período, o welfare state, que
desde o final do século XIX vinha se construindo em função das lutas
reivindicativas dos trabalhadores e das classes populares, consolida-se e
amplia-se a democratização do Estado, com a extensão do sufrágio uni-
versal e a reivindicação de uma cidadania mais concreta do que aquela,
abstrata, que o velho Estado liberal oferecia 5 .
O processo de democratização da sociedade e a ampliação dos di-
reitos sociais e políticos da cidadania — entendida aqui como um con-
ceito mais amplo do que aquele do liberalismo, que reduzia o cidadão
ao proprietário — significou a interposição de obstáculos à acumulação
ampliada do capital, independente de entendermos, como Buroway e Pr-
zeworski (NAVARRO, 1993, p. 138), que o welfare state é uma solução
de compromisso entre a classe trabalhadora e os detentores dos meios de
produção, através da qual aquela consente com a instituição da propri-
edade privada enquanto estes consentem que, por meio de instituições
políticas, os trabalhadores apresentem, eficazmente, suas reivindicações
quanto à alocação e distribuição do produto; ou, como Navarro, que
as reformas e a expansão do welfare não cooptaram os trabalhadores,
mas, ao contrário, fortaleceram-nos e permitiram-lhes mais condições
de rebelar-se contra o capital.
O fato é que a democratização se ampliou e, conforme Boron, esse
5
Sigo aqui a hipótese de T. H. Marshall, que divide o conceito de cidadania em três
partes. O elemento civil compõe-se dos direitos necessários à liberdade individual: li-
berdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade
e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. O elemento político é o direito
de participar no exercício do poder, como membro de um organismo investido da au-
toridade política ou como eleitor dos membros de tal organismo. O elemento social
se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e se-
gurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um
ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. Quando os três
elementos se distanciaram uns dos outros, passaram a parecer estranhos entre si. É
possível atribuir o período de formação da vida de cada um a um século diferente: os
direitos civis ao século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX. MARSHALL,
T. H. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

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24 João José de Oliveira Negrão

democratismo, que em determinado momento se limitou à ‘esfera pú-


blica’, se expandiu “vigorosamente e penetra até o próprio santuário da
burguesia: a fábrica. O irresistível avanço da democracia agora des-
borda os amplos limites do Estado para invadir as áreas ‘privadas’, ou-
trora a salvo da irrupção do elemento democrático” (BORON, 1994, p.
80).
Ainda segundo Navarro, o capitalismo se apercebeu dos riscos que
corria, e sua resposta se deu em dois níveis: na produção, com profun-
das modificações tanto no processo de trabalho como nas relações no
interior das empresas, tendo por base uma racionalização técnica (auto-
mação e informatização) e uma racionalização administrativa-gerencial
(os modelos “japoneses” e outros de gestão), além da produção globa-
lizada, com o deslocamento de postos de trabalho para onde houvesse
menos regulações e movimentos sindicais mais frágeis. Houve ainda
uma intensa precarização das relações de trabalho, ao lado da economia
de mão-de-obra provocada pelo avanço tecnológico.
O outro campo de reação do capital foi o político-estatal, com o
ataque generalizado ao welfare state e seu modelo de regulação social.
É nesse quadro que o neoliberalismo — desde o pós-guerra relegado
à insignificância política — ressurge e, com suas idéias a respeito do
mercado, da concorrência e da diminuição do Estado, serve como um
lubrificante teórico-ideológico para fazer funcionar esse contra-ataque
do capitalismo em relação às conquistas dos trabalhadores.
Jorge Mattoso raciocina em linha semelhante. Para ele, a partir dos
anos 80

o capital reestruturou-se em nome da maior competitividade


e globalização internacional, movendo-se crescentemente con-
tra o trabalho organizado, questionando o anterior compromisso
social e sua relação salarial. Tratou-se de um esforço concen-
trado de questionamento de direitos ou conquistas dos trabalha-
dores e das sociedades democráticas contemporâneas, obtidas no
ambiente internacional do pós-guerra, com bipolaridade, Estado
de Bem Estar, políticas econômicas voltadas ao pleno emprego
e crescimento estável [e] embora esta reestruturação do capita-
lismo tivesse apontado para a constituição de um novo trabalha-
dor, mais escolarizado, participativo e polivalente, podendo ser
inclusive portador de uma revalorização da ética e da utopia do

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O jornalismo e a construção da hegemonia 25

trabalho, estes reduziram crescentemente sua participação rela-


tiva no emprego total e encontram-se em meio a um processo de
rupturas da antiga relação salarial e do próprio mundo do traba-
lho. O surgimento daquele ‘novo’ trabalhador teve como con-
trapartida, portanto, uma crescente massa de trabalhadores que,
perdendo seus antigos direitos e não se inserindo de forma com-
petitiva, ainda que funcional, no novo paradigma tecnológico,
tornou-se desempregada, marginalizada ou empregada sob ‘no-
vas’ formas de trabalho e qualificação, em relações muitas vezes
precárias e não-padronizadas. (MATTOSO, 1994, p. 55)

E os neoliberais têm regras práticas, voltadas ao que Adam Przeworski


chama de “princípio central” de sua economia: a redistribuição de renda
em favor do lucro, um custo que a sociedade tem de pagar para produzir
taxas mais elevadas de investimento e crescimento econômico. Assim
as políticas da Direita, portanto, destinam-se a aumentar a
taxa de lucro efetiva reduzindo drasticamente as taxas nominais
de tributação das rendas derivadas da propriedade, cortando gas-
tos públicos não militares, eliminando todas as regulamentações
limitadoras do lucro e restringindo o direito de organização e
greve dos trabalhadores. Em troca, oferecem a promessa de in-
vestimento crescente, melhora da produtividade e aceleração do
crescimento (PRZEWORSKI, 1991, p. 252)

De fato, Guy Sorman, em O estado mínimo, advoga que


o fundamento da nova fiscalidade liberal consiste em recom-
pensar o esforço como sistema de valor, porque, além da gratifi-
cação individual, a sociedade inteira se beneficiará. Esta guerra
à progressividade supõe que seja reconhecida a função dos em-
presários nas sociedades modernas. Nenhuma reforma fiscal de
inspiração liberal é viável se não admite a priori que a riqueza
das nações tira proveito dos méritos econômicos relativos. O im-
posto, quando nivela muito as diferenças, cria o tédio, a unifor-
midade, a apatia econômica e a atonia social” (SORMAN, 1988,
p. 61).

Outros pontos pregados por Sorman podem resumir-se em: garantir


a independência do Banco Central, para proteger a moeda (a manuten-
ção da saúde monetária é uma das poucas tarefas legítimas do Estado);

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26 João José de Oliveira Negrão

dividir com o setor privado as funções previdenciárias, conservando na


esfera pública somente uma rede básica de proteção; estimular, eventu-
almente com recursos públicos, uma presença maior da empresa privada
nos serviços de educação e saúde; eliminar o salário mínimo e pisos sa-
lariais, ou deixar que deteriorem-se, abrindo espaço ao mercado.

1.4 O consenso de Washington


Em 1989, no bojo do reaganismo e do tatcherismo, máximas expressões
do neoliberalismo em ação, reuniram-se em Washington, convocados
pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado,
diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários
do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco In-
teramericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano.
O tema do encontro Latin America adjustment: howe much has happe-
ned?, visava avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da
AL.
John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor
do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais
entre os participantes. Foi ele ainda quem cunhou a expressão “Con-
senso de Washington”, através da qual ficaram conhecidas as conclu-
sões daquele encontro, ao final resumidas nas seguintes regras univer-
sais: 6
1) disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos
à arrecadação, eliminando o déficit público; 2) focalização dos gastos
públicos em educação, saúde e infra-estrutura; 3) reforma tributária que
amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso
nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;
4) liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam as ins-
tituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacio-
nais e o afastamento do Estado do setor; 5) taxa de câmbio competitiva;
6) liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de im-
6
A pretensão à universalidade positivista do receituário do Consenso de Washing-
ton ficou clara na participação de Willianson em debate realizado pelo jornal Folha
de S.. Paulo, em seu auditório, no dia 16/08/94. Ali, ele afirmou que os dez pontos
tinham sido determinados pelo “bom senso econômico”.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 27

portação e estímulos à exportação, visando impulsionar a globalização


da economia; 7) eliminação de restrições ao capital externo, permitindo
investimento direto estrangeiro; 8) privatização, com a venda de em-
presas estatais; 9) desregulação, com redução da legislação de controle
do processo econômico e das relações trabalhistas; e 10) propriedade
intelectual.
Embora tivessem, a princípio, um caráter acadêmico, as conclusões
do Consenso acabaram tornando-se o receituário imposto por agências
internacionais para a concessão de créditos: os países que quisessem
empréstimos do FMI, por exemplo, deveriam adequar suas economias
às novas regras. Para garantir e “auxiliar” no processo das chama-
das reformas estruturais, o FMI e demais agências do governo norte-
americano ou multilaterais incrementaram a monitoração — novo nome
da velha ingerência nos assuntos internos — das alterações “moderni-
zadoras”.
Em síntese, é possível afirmar que o Consenso de Washington faz
parte do conjunto de reformas neoliberais que, apesar de práticas dis-
tintas nos diferentes países, está centrado doutrinariamente na desregu-
lamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do
tamanho e papel do Estado. No entanto, conforme o ex-embaixador
Paulo Nogueira Batista

apresentado como fórmula de modernização, o modelo de


economia de mercado preconizado no Consenso de Washington
constitui, na realidade, uma receita de regressão a um padrão
econômico pré-industrial caracterizado por empresas de pequeno
porte e fornecedoras de produtos mais ou menos homogêneos. O
modelo é o proposto por Adam Smith e referendado com ligei-
ros retoques por David Ricardo faz dois séculos. Algo que a In-
glaterra, pioneira da Revolução Industrial, pregaria para uso das
demais nações mas que ela mesma não seguiria à risca. No Con-
senso de Washington prega-se também uma economia de mer-
cado que os próprios Estados Unidos tampouco praticaram ou
praticam (...). O modelo ortodoxo de laissez-faire, de redução
do Estado à função estrita de manutenção da “lei e da ordem’ —
da santidade dos contratos e da propriedade privada dos meios
de produção — poderia ser válido no mundo de Adam Smith e
David Ricardo, em mercados atomizados de pequenas e médias

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28 João José de Oliveira Negrão

empresas gerenciadas por seus proprietários e operando em con-


dições de competição mais ou menos perfeita; universo em que
a mão-de-obra era vista como uma mercadoria, a ser engajada e
remunerada exclusivamente segundo as forças da oferta e da de-
manda; uma receita, portanto, de há muito superada e que pouco
tem a ver com os modelos modernos de livre empresa que se
praticam, ainda que de formas bem diferenciadas, no Primeiro
Mundo (BATISTA, 1995, p. 119-120)

1.5 O neoliberalismo no Brasil


Alternativas políticas amparadas no ideário neoliberal já vinham se ma-
nifestando no Brasil desde o fim do regime militar, como resposta à crise
dos governos dos generais. Com o fim da ditadura, duas vertentes se ar-
ticulam para a sucessão do presidente-general João Figueiredo. De um
lado, forças ligadas ao nacional-desenvolvimentismo, que vêem o es-
tado como centro planificador do desenvolvimento, unem-se em apoio
à candidatura de Trancredo Neves.
Num outro pólo, consolida-se uma vertente neoliberal, que achava
que a saída da crise viria da quebra da intervenção estatal e pelo apro-
fundamento dos mecanismos de mercado. Além disso, segundo esta
visão, o Brasil deveria abrir-se à divisão internacional de trabalho e per-
mitir a entrada de produtos estrangeiros. Paulo Maluf foi seu represen-
tante político no quadro sucessório de então.
Tancredo ganhou, mas não tomou posse. Assumiu o então vice-
presidente José Sarney, que mantém, inicialmente, o ministério dese-
nhado pelo próprio Tancredo. Na área econômica, este ministério era
marcado por uma dualidade: no Planejamento, estava João Sayad, eco-
nomista heterodoxo, próximo à social-democracia e que, anos mais
tarde, viria a compor o secretariado da prefeita petista Marta Suplicy,
em São Paulo; na Fazenda, Francisco Dornelles, economista ortodoxo,
identificado com o receituário recessivo do FMI. A queda de braço dura
até a demissão de Dornelles, substituído pelo então empresário Dílson
Funaro. Com isso, os neoliberais perdem espaço no governo.
Mas uma certa ortodoxia voltaria em breve, com a substituição –
após o fracasso do Plano Cruzado – de Funaro por Bresser Pereira e,

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O jornalismo e a construção da hegemonia 29

de maneira ainda mais acentuada, com a troca deste por Maílson da


Nóbrega, de viés ainda mais ortodoxo e monetarista.
Se no Brasil o neoliberalismo vinha aos poucos ganhando espaço, é
no período Collor que efetivamente ele se torna a ideologia dominante
entre os setores do capital, dos partidos, da grande imprensa, de setores
significativos do pequeno e médio empresariado e até de uma parcela
do movimento organizado dos trabalhadores, identificada com a central
Força Sindical.
O mote de Collor era a “modernidade”. Isso significava abertura da
economia ao capital externo, reforma do Estado com diminuição do seu
papel e ampliação do espaço das relações de mercado, através da pri-
vatização de empresas estatais e liberalização do comércio exterior. A
corrupção desenfreada e o conseqüente impeachment de Fernando Col-
lor de Mello em setembro de 1992 não alteraram, no aspecto ideológico,
as opções desenhadas.
Após um breve período de dois anos de governo Itamar Franco, ga-
nhou as eleições e assumiu a presidência Fernando Henrique Cardoso.
O neoliberalismo ganhou um representante mais sofisticado intelectu-
almente, com perfil de estadista e passado de esquerda, além de uma
invejável produção teórica no campo das ciências sociais. E continuou
definindo os rumos do País.

1.6 Não ao neoliberalismo


Nas décadas de 80 e 90, o neoliberalismo reinou quase absoluto. As
esquerdas tradicionais, comunista e social-democrata – abaladas am-
bas, ainda que em grau e intensidade diferentes, pela queda do Muro de
Berlim e o fim da União Soviética no final dos anos 80 – estavam num
processo de tentar entender o novo contexto histórico. Triunfantes, pen-
sadores identificados com o neoliberalismo chegaram a proclamar o fim
da História, afirmando que a humanidade tinha chegado ao Estado Uni-
versal hegeliano 7 , enquanto as regras de abertura dos mercados, libera-
lização econômica, desregulamentação, privatização e redução dos gas-
tos sociais eram sancionadas pelos órgãos multilaterais, como o FMI,
7
FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. São Paulo: Rocco,
1992.

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30 João José de Oliveira Negrão

Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC), pelo G-8


(grupo dos oito países mais ricos do mundo).
As oposições à agenda destrutiva do neoliberalismo estavam frag-
mentadas e fragilizadas, mas em meados dos anos 90, diferentes movi-
mentos sociais – sindicalistas, ecologistas, feministas, étnicos – come-
çam a colocar-se e buscar formas de articulação capazes de fazer frente
ao novo quadro da correlação de forças mundial. Em 94, no dia marcado
para entrar em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte
(NAFTA), o até então desconhecido Exército Zapatista de Libertação
Nacional, liderado pelo subcomandante Marcos, promove uma suble-
vação popular na região de Chiapas, a mais pobre do México. Em 96, o
EZLN promove, na selva da Lacandona, com quatro mil participantes,
o I Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neolibera-
lismo.
Nos países mais ricos, os trabalhadores e seus sindicatos também
questionam o modelo em vigor. Na França, em 1995, realizam uma
greve gigantesca, que paralisa os serviços públicos; algo incomum, os
trabalhadores da Coréia do Sul, em 1997, paralisam inúmeras empresas
privadas. Por seu turno, ONGs e ambientalistas ampliam sua articulação
internacional e aprofundam o diálogo com outros setores.
Esta articulação dos que promoviam uma resistência ao neolibera-
lismo vai ter um marco importante em 1999. Naquele ano, em Seattle,
nos Estados Unidos, no início da terceira reunião ministerial da OMC,
50 mil manifestantes tomaram as ruas da cidade, protestando contra a
liberalização comercial. Para muitos – e para a grande mídia internaci-
onal – uma absoluta novidade. Para Susan George (apud LEITE, 2003,
p.44-45)
o sucesso do movimento cívico em Seattle não constitui um
mistério senão para aqueles que não contribuíram para ele. Gra-
ças sobretudo à internet, dezenas de milhões de adversários da
OMC estavam organizados no terreno nacional e internacional,
sem exclusões, ao longo de todo o ano de 1999. Com a condição
de ter acesso a um computador e dominar um pouco de inglês,
qualquer um podia ter acesso aos lugares da primeira fila e parti-
cipar do avanço rumo a Seattle.
Outro momento significativo do desenvolvimento deste movimento
global aconteceu em abril de 2000, quando mais de 30 mil manifestan-

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O jornalismo e a construção da hegemonia 31

tes reuniram-se em Washington, onde ocorria a reunião de primavera do


FMI. Aí, segundo Leite,

novamente tiveram papel destacado os sindicalistas da AFL-


CIO, principalmente metalúrgicos e do setor de comunicação, e a
juventude, organizada por grupos de afinidade, coordenados em
assembléias de porta-vozes. Também tiveram papel ativo os mili-
tantes do Jobs with Justice, uma organização criada para articular
os movimentos de universitários, desempregados e trabalhadores
precários, e as diversas ONGs envolvidas com a luta contra a
corporate globalization (LEITE, 2003, p. 53).

Em setembro do mesmo ano, os protestos pipocaram em várias par-


tes do mundo: no dia 8, em Nova York, no Encontro do Milênio das
Nações Unidas; dia 11, em Melbourne, numa reunião regional do FMI;
e no dia 26, em Praga, na reunião anual do FMI e do Banco Mundial,
mais de 50 mil pessoas manifestaram-se contra a globalização neolibe-
ral.
Os protestos cresciam e, com eles, a necessidade de uma maior ar-
ticulação entre os movimentos. Já no começo de 2000, ainda sob os
efeitos dos eventos de Seattle, os brasileiros Oded Grajew, da ONG Ci-
ves (Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania), e Francisco
Whitaker, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, ligada à Conferên-
cia Nacional dos Bispos do Brasil, a partir de uma idéia do primeiro,
começam a pensar na criação do Fórum Social Mundial. Na França,
procuram por Bernard Cassen, diretor do Le Monde Diplomatique e
presidente da ATTAC – Associação pela Tributação das Transações Fi-
nanceiras em Apoio aos Cidadãos, que se entusiasma com a proposta.
Em 28 de fevereiro de 2000, reuniram-se, em São Paulo, repre-
sentantes de oito entidades, que firmaram um acordo de cooperação
para a realização do Fórum Social Mundial: Abong (Associação Brasi-
leira de Organizações Não-Governamentais); ATTAC; Comissão Brasi-
leira de Justiça e Paz; Cives; CUT (Central Única dos Trabalhadores);
Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas); CJG (Centro
de Justiça Global); e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra).
No mês seguinte, são procurados o governador do Rio Grande do
Sul, Olívio Dutra, e o prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, ambos do

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32 João José de Oliveira Negrão

PT, que se dispõem a acolher o encontro do Fórum. Em junho, a pro-


posta é levada a Genebra, onde – antes de um novo protesto – ocorreria
uma conferência com cerca de 500 representantes de movimentos de
resistência à globalização neoliberal. A adesão é ampla.
Finalmente, Porto Alegre vê acontecer, em 2001, o primeiro encon-
tro do Fórum Social Mundial. Sob o lema “um outro mundo é possível”,
reuniram-se, entre 25 e 30 de janeiro, quatro mil delegados e 16 mil
participantes credenciados de 117 países, números acima do esperado
pelos organizadores. Para Leite, membro da Secretaria e do Conselho
Internacional do FSM,

o resultado do conjunto de atividades realizadas, que marca-


vam o caráter multifacetado e plural do Fórum, foi um impor-
tante reforço da moral e do espírito de luta do movimento mun-
dial contra o neoliberalismo. Representava uma quebra com o
pensamento único e o contato com uma enorme diversidade de
atores sociais e políticos e de debates. Reforçava a articulação
das lutas e construía uma maior identidade política entre aqueles
que buscavam uma alternativa ao neoliberalismo (LEITE, 2003,
p. 67).

Assim, ganhava corpo o processo de construção de uma contra-


hegemonia8 . A concepção neoliberal já não reinava absoluta. A idéia
de que existiam alternativas sociais, econômicas, políticas, culturais e
ambientais aos rumos que o mundo vinha tomando nas últimas décadas
já não parecia tão distante. Leite (2003, p. 11) desenha com preci-
são este momento histórico, ao afirmar que “a globalização neoliberal
fora, afinal, apresentada ao seu outro reprimido, ao fantasma capaz de
assombrá-la”.
Mas o FSM também rompe com certas formulações organizacionais
da esquerda tradicional. Ele não é uma nova internacional e se recusa
a assumir o papel de direção dos movimentos que dele participam; o
que busca é incorporar – de modo plural – setores sociais que se iden-
tifiquem com a luta contra e neoliberalismo e contra a guerra. Ele não
tem um programa pronto e acabado, ao qual pessoas ou grupos podem
aderir, como é o caso dos partidos políticos, mas constitui um espaço
8
Ver capítulo 2. Seção 2.2.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 33

de articulação e de encontros dos muitos que querem um mundo mais


justo, “um outro mundo possível, onde caibam muitos mundos”.
Em 2001 foi lançada a semente. Nos anos seguintes, os encontros
do Fórum Social Mundial reuniram cada vez mais gente, disposta à re-
sistência contra o neoliberalismo. Em 2002, foram mais de 60 mil par-
ticipantes. Só de delegados, o número passou dos quatro mil anteriores
para 15 mil. Em 2003 – encontro cuja cobertura jornalística por parte
de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo é objeto deste estudo –
foram 100 mil pessoas.
Este encontro teve uma novidade fundamental: coincidiu com o iní-
cio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos
Trabalhadores, um partido de esquerda, impulsionador do FSM que,
pela via eleitoral e com alianças políticas com partidos de centro, che-
gava à presidência do Brasil pouco antes de completarem-se 20 anos do
fim da ditadura militar no país.
Em 2004, o encontro do Fórum Social Mundial saiu de Porto Alegre,
capital gaúcha, aconteceu na Índia, e reuniu 100 mil pessoas. Mas em
2005 voltou para seu berço e reuniu 155 mil inscritos. É possível que os
próximos encontros – até pelo crescimento do número de participantes
e os problemas logísticos que isso gera – se desdobrem em diferentes
cidades.
Mas o processo contra-hegemônico também avança no campo dos
governos: em meados da década, temos, na América do Sul, conquista
de governos por partidos ou coalizões que se colocam no campo da crí-
tica às políticas neoliberais, embora, pelas correlações de força dadas,
ainda adotem políticas econômicas com viés ortodoxo.
Mas inegavelmente as eleições de Lula, no Brasil, Kirchner, na Ar-
gentina, Chávez, na Venezuela e, mais recentemente, Tabaré Vazques,
no Uruguai – ao lado de outras na Europa, como a volta dos socialistas
ao poder em Portugal e Espanha –, contribuem para mostrar o enfra-
quecimento da hegemonia neoliberal que, embora ainda não tenha sido
completamente derrotada, vem sendo seguidamente batida no campo
eleitoral.

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34 João José de Oliveira Negrão

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Capítulo 2

O conceito de hegemonia

Hegemonia vem do grego egemonía, palavra usada para indicar o poder


absoluto conferido aos chefes dos exércitos, os egémones, ou seja, con-
dutores, guias. Em Gramsci, o conceito vai definir a capacidade de uma
classe de manter sua dominação não apenas por meio da força, mas por
ser capaz – indo além de seus interesses mais estreitos, mas sem perder
de vista a perspectiva central – de exercer a liderança moral e intelectual
sobre uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças,
o bloco histórico. Assim, diz Gramsci,

o fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam


levados em conta os interesses e as tendências dos grupos so-
bre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo
equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sa-
crifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indu-
bitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envol-
ver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não
pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter
seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce
no núcleo decisivo da atividade econômica (GRAMSCI, 2000,
v.3, p. 48).

Tal bloco vai representar uma base de consentimento para certa or-
dem social. Nesta,

a hegemonia de uma classe dominante é criada e recriada


numa teia de instituições, relações sociais e idéias. Essa ’textura

35
36 João José de Oliveira Negrão

de hegemonia’ é criada e recriada pelos intelectuais que, segundo


Gramsci, são todos aqueles que têm um papel organizativo na
sociedade (SASSOON. In BOTTOMORE, 1988, p. 177).

A hegemonia – direção intelectual e moral – vai ser exercida, então,


pelo grupo social dominante sobre os grupos aliados do bloco histórico,
mas na perspectiva de representar a toda a sociedade. Por isso, para
aqueles que não consentirem, ativa ou passivamente, resta o “domínio”,
a submissão inclusive pela força armada. Para Gramsci, analiticamente,
o espaço da hegemonia é o da sociedade civil, enquanto o do domínio é
a sociedade política ou o Estado, pois

podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que


pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de
organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da
“sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, res-
pectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante
exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de
comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.
Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os
intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exer-
cício das funções subalternas da hegemonia social e do governo
político, isto é: 1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes
massas da população à orientação impressa pelo grupo funda-
mental dominante à vida social, consenso que nasce “historica-
mente” do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo
dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da
produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura “legal-
mente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa
nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade
na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos
quais desaparece o consenso espontâneo. (GRAMSCI, 2000, v.
2, p. 20-21)

Para apreender o conceito de hegemonia é fundamental ver como


Gramsci trabalha a questão do Estado. Para ele, o Estado moderno
estrutura-se de maneira mais complexa, amplia-se em relação à defi-

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O jornalismo e a construção da hegemonia 37

nição que via, no Estado, um mero “comitê executivo” da burguesia 1 .


Uma de suas cartas à cunhada Tatiana Schucht resume bem sua visão:

esse estudo leva também a certas determinações do conceito


de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade polí-
tica (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa po-
pular a um tipo de produção e à economia de um dado momento);
e não como equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil
(ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade na-
cional, exercida através de organizações ditas privadas, como a
Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.)(COUTINHO, 1989, p. 76)

Na carta, fica claro, as novas “determinações” aparecem pela rela-


ção de duas esferas: a sociedade política – que Gramsci também vai
chamar de Estado em sentido estrito ou Estado-coerção –, formada pelo
conjunto de instituições, tais como polícia, forças armadas, burocracia
judiciária, etc., que garantem o monopólio legal da violência, e a so-
ciedade civil, formada pelo conjunto de instituições ’privadas’ que dão
forma e difundem ideologias e concepções de mundo: escolas, igrejas,
sindicatos, meios de comunicação, etc. Ele identifica então o Estado
como composto por dois momentos: o do consentimento e o da co-
erção. A distinção, entretanto, é mais analítica que orgânica. Gramsci
não perde de vista o momento da totalidade 2 , a superposição real destas
duas esferas nas sociedades concretas.
Quando a sociedade política subordina completamente a sociedade
civil, tem-se o que Gramsci chama de “oriente”, onde o Estado detém a
1
No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmaram que “a burgue-
sia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou,
finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O go-
verno moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe
burguesa”. (Obras escolhidas, v. 1. São Paulo: Alfa-omega, s/d, p. 23)
2
Nos Cadernos, Gramsci usa, às vezes, o termo “totalitário”. Carlos Nelson Cou-
tinho, na nota 13 ao Caderno 11, v. 1 da edição brasileira, explica que o significado,
aí, é de “algo unitário e que tem dimensão universal”. Aqui, ficamos com o conceito
de totalidade conforme expresso por Löwy: “o princípio da totalidade como categoria
metodológica obviamente não significa um estudo da totalidade da realidade, o que
seria impossível, uma vez que a totalidade da realidade é sempre infinita, inesgotá-
vel. A categoria metodológica da totalidade significa a percepção da realidade social
como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um
aspecto, uma dimensão, sem perder sua relação com o conjunto” (LÖWY, 1993, p.16)

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38 João José de Oliveira Negrão

absoluta centralidade e a sociedade civil é pouco complexa e de baixa


densidade. Caso exemplar deste modelo é a Rússia czarista. Porém,
diz ele, “no Ocidente havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa
relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma
robusta estrutura da sociedade civil” (GRAMSCI, 2000, v. 3, p. 262).
Vale frisar que em Gramsci, neste caso, “oriente” e “ocidente” não sig-
nificam conceitos geográficos, mas históricos, ou seja, há a possibili-
dade de formações sociais “orientais” se “ocidentalizarem” conforme
se desenrolem seus processos histórico-sociais. O inverso também é
possível, ou seja, sociedades “ocidentais” se orientalizarem. Basta pen-
sarmos, por exemplo, que o totalitarismo nazista desenvolveu-se num
país democrático; ou que a ditadura franquista, assim como a ditadura
pinhocetista, “sucederam” – pela via militar – a governos eleitos.
A partir desta definição, Gramsci apresenta – por analogia à concep-
ção militar – duas estratégias, historicamente definidas, para a revolução
socialista. No “oriente” é a guerra de movimento, o ataque frontal vol-
tado diretamente à conquista e manutenção do poder de Estado. Essa
foi a fórmula aplicada com sucesso, por exemplo, pelos bolcheviques
na revolução russa.
Tal fórmula, porém, por conta daquela “justa relação” entre socie-
dade civil e Estado, será ineficaz no ocidente. Aqui, o combate deve ser
travado no âmbito da sociedade civil, em busca da conquista de espaços,
da capacidade de direção política e do consenso da maioria da popula-
ção, como forma de chegar ao poder de Estado e conservá-lo, pois “um
grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o
poder governamental (esta é uma das condições principais para a pró-
pria conquista do poder)”(GRAMSCI, 2000, p. 62). É o que Gramsci
vai chamar de guerra de posição, na qual se trava, então, uma disputa
palmo a palmo pela hegemonia.

2.1 Ideologia
Além desta noção ampliada de Estado, outro elemento importante para
a compreensão da hegemonia em Gramsci é o conceito de ideologia.
Termo polissêmico, não há nas ciências sociais uma definição absoluta
de seu significado. Mesmo dentro do marxismo, ao qual Gramsci se

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O jornalismo e a construção da hegemonia 39

filia, há diferentes interpretações. Mais ainda: na própria obra marxiana


o termo ganha contornos que, se não chegam a ser contraditórios, têm
distintas complexidades e capacidades explicativas.
Jorge Larrain, no verbete “ideologia”, escrito para o Dicionário do
Pensamento Marxista, afirma que, em Marx e Engels, ideologia sem-
pre teve uma conotação negativa e crítica, referida a uma distorção do
pensamento que nasce das contradições sociais. Mas identifica três fa-
ses da evolução do conceito em Marx. A fase vai dos primeiros escri-
tos até 1844, onde a expressão ideologia ainda não aparece, mas seus
elementos já estão presentes na idéia de “inversões” que obscurecem
as coisas (crítica da religião e da concepção hegeliana do Estado). Aí
Marx afirma que tal inversão é mais do que uma alienação filosófica ou
simples ilusão, pois expressa as contradições e sofrimentos do mundo
real.
A segunda fase identificada por Larrain vai de 1845 a 1857, quando
aparece o conceito de ideologia, na crítica aos jovens e velhos hege-
lianos que, segundo Marx, partem da consciência em vez de partir da
realidade material. Para ele, os problemas da humanidade não são as
idéias errôneas, mas as contradições sociais reais, que geram aquelas.
Ao ocultar tais contradições, a distorção ideológica contribui para sua
reprodução e serve à classe dominante.
A terceira fase começa em 1858, com a redação dos Grundisse. Em-
bora aqui a palavra “ideologia” apareça pouco, o conceito ganha com-
plexidade: Marx, ao analisar especificamente as relações sociais capi-
talistas, conclui que a conexão entre a “consciência invertida” e a “rea-
lidade invertida” é mediada – e não direta – por um nível de aparências
que é constitutivo da própria realidade: o funcionamento do mercado e
da concorrência nas sociedades capitalistas.
Após Marx – e ainda dentro do marxismo –, o conceito vai ga-
nhar outras conotações. Em Lênin, por exemplo, ideologia vai aparecer
como a consciência política ligada aos interesses de cada classe funda-
mental. Há então uma ideologia burguesa e uma ideologia proletária e
perde-se aquela caracterização negativa, de distorção das contradições,
e ideologia ganha uma conotação mais neutra.
Lukács, outro importante pensador do marxismo ocidental vai acom-
panhar esta concepção neutra, pois, para ele, ideologia refere-se tanto à

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40 João José de Oliveira Negrão

consciência burguesa quanto à proletária. E o próprio marxismo é visto


como a “ideologia do proletariado”.
Mario Stoppino, no verbete “ideologia”, escrito para o Dicionário
de política, organizado por Norberto Bobbio, afirma que o termo conta
hoje com dois significados: o significado fraco, predominante na ciên-
cia política contemporânea, vê ideologia como um conjunto de idéias e
de valores a respeito da ordem pública, com função de orientar compor-
tamentos políticos coletivos; e o significado forte, cuja origem é a obra
de Marx, que entende ideologia como falsa consciência das relações de
domínio entre as classes sociais.
Para ele, em Marx, temos ideologia como idéias e teorias social-
mente determinadas pelas relações de dominação entre as classes. Na
evolução, perdeu-se a conexão entre ideologia e poder, centrada em dois
elementos: o caráter de falsidade da ideologia e sua determinação so-
cial. Por um lado, generalizou-se o princípio da determinação social,
perdendo-se a perspectiva da falsidade, como, por exemplo, em Karl
Mannheim e sua sociologia do conhecimento. De outro, reinterpretou-
se o requisito da falsidade, perdendo-se a perspectiva da determinação
social, com em Vilfredo Pareto e a crítica neopositivista da ideologia.
A concepção de ideologia que nos interessa aqui – até por sua pro-
funda ligação com o conceito de hegemonia – é aquela expressa por An-
tonio Gramsci nos Cadernos do Cárcere, onde ideologia aparece como
uma concepção de mundo implicitamente manifesta na arte, no direito,
na economia e em todas as manifestações da vida intelectual e coletiva.
Mais do que um sistema de idéias, é também uma orientação para a
ação dos homens e fundamental para o exercício da hegemonia, pelo
seu papel na adesão e /ou consentimento.
Por isso, Gramsci considera um erro a visão que entende a ideologia
como mera falsa consciência e desqualifica os fenômenos ideológicos
como “pura” aparência inútil. Ao contrário, para Gramsci a ideologia
tem concretude, é uma força ativa e organizadora, moldando o terreno
no qual os homens agem e tomam consciência de sua posição.
Ele afirma que todos os homens são filósofos, ainda que daquela
filosofia incoerente, acrítica, espontânea, “peculiar a ‘todo o mundo”’,
que se manifesta na linguagem, no senso comum, na religião e no fol-
clore e que contém determinadas concepções de mundo. Dado este pri-
meiro momento, o papel da filosofia da práxis (o marxismo) deve ser

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O jornalismo e a construção da hegemonia 41

o de trabalhar para que se estabeleça uma concepção de vida superior,


crítica e coerente.
Mas é preciso destacar que, ao contrário de Lênin, não há aqui a
idéia da “consciência vinda de fora”. A assunção de uma concepção
crítica e coerente de mundo é um processo interno aos setores subalter-
nos – as classes construindo historicamente seus intelectuais orgânicos
– e mesmo aos indivíduos, pois

o homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma


clara consciência teórica desta sua atuação, a qual, não obstante,
é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma.
Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja historica-
mente em contradição com seu agir. É quase possível dizer que
ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contra-
ditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a to-
dos os seus colaboradores na transformação prática da realidade;
e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do
passado e acolher sem crítica. Todavia, esta concepção “verbal”
não é inconseqüente: ela liga a um grupo social determinado, in-
flui sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma
maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um
ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita ne-
nhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passi-
vidade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é
obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas,
de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no
da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da
própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma
determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a
primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na
qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também
a unidade de teoria e prática não é um dado de fato mecânico,
mas um devir histórico, que tem sua fase elementar e primitiva
no sentimento de “distinção”, de “separação”, de independência
quase instintiva, e progride até a aquisição real e completa de uma
concepção de mundo coerente e unitária. É por isso que se deve
chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político
do conceito de hegemonia representa, para além do progresso
político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e

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42 João José de Oliveira Negrão

supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética ade-


quada a uma concepção do real que superou o senso comum e
tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos.
(GRAMSCI, 1999, p. 103-104).

Em síntese, pode-se depreender, em Gramsci, a idéia de que a ide-


ologia é componente das práticas sociais vividas e podemos então con-
cluir, com Coutinho (1989, p. 66) que, para Gramsci, “a ideologia é o
medium da hegemonia”.

2.2 Contra-hegemonia
Gramsci fala em disputa de hegemonia entre classes, frações de classe,
concepções de mundo e até na consciência individual. Isto significa
admitir que há – especialmente nos marcos de uma sociedade ociden-
talizada – uma contra-hegemonia que se gesta mesma no interior de
uma hegemonia dada, cuja construção processual é contra-arrestada por
concepções de mundo que pretendem articular outro bloco histórico.
Isto acontece porque a hegemonia não é dada de uma vez por todas.
Ela é um processo permanente, sujeita a fissuras, tentativas de reposici-
onamento entre os grupos sociais e mesmo crises conjunturais ou orgâ-
nicas (ruptura entre estrutura e superestrutura), quando se instala a crise
de hegemonia. A ideologia dominante, que articula uma hegemonia,
não é total e inescapável. Vivemos um tempo de conflitos ideológicos
que desmente aos teóricos do fim da História ou do fim da ideologia.
Para Raymond Willians,

uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto


analiticamente, um sistema ou uma estrutura. É um complexo
realizado de experiências, relações e atividades, com pressões e
limites específicos e mutáveis. Isto é, na prática a hegemonia
não pode nunca ser singular [...] Além do mais (e isso é crucial,
lembrando-nos o vigor necessário do conceito), não existe apenas
passivamente como forma de dominação. Tem de ser renovada
continuamente, recriada, defendida e modificada. Também so-
fre uma resistência continuada, limitada, alterada, desafiada por
pressões que não são as suas próprias pressões.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 43

Por isso, destaca o pensador marxista inglês,

Temos então de acrescentar ao conceito de hegemonia o con-


ceito de contra hegemonia e hegemonia alternativa, que são ele-
mentos reais e persistentes da prática [...]. A realidade de qual-
quer hegemonia, no sentido político e cultural ampliado, é de
que, embora por definição seja sempre dominante, jamais será
total ou exclusiva. A qualquer momento, formas de política e
cultura alternativas, ou diretamente opostas, existem como ele-
mentos significativos na sociedade. (WILLIANS, 1979, p. 115-
116)

Outro aspecto que nos interessa dentro do conjunto conceitual grams-


ciano é o de aparelhos privados de hegemonia, com o qual ele denomina
os organismos da sociedade civil moderna. Coutinho chama a aten-
ção – apesar da semelhança dos termos – para a diferença deste con-
ceito em relação ao de aparelhos ideológicos de Estado, cunhado pelo
marxista-estruturalista francês Louis Althusser. Para Coutinho, os AIE
de Althusser são mais adequados para designar o papel desempenhado
pela ideologia como fonte de legitimação nas épocas ou situações em
que o Estado, restrito, ainda não se tinha ampliado. Havia unidade entre
Igreja e Estado, de modo que aquela não se colocava como algo “pri-
vado”, em relação a um Estado “público” e “laico”, e detinha o controle,
por exemplo, de todo o sistema educacional.
Com as revoluções democrático-burguesas acontece um fato novo,
segundo Coutinho: o processo de laicização do Estado, que já não im-
põe uma religião obrigatória e passa a controlar grande parte do sistema
escolar. As ideologias deslocam-se para o campo do “privado”, sem
serem mais impostas coercitivamente.
Então, conforme Coutinho,

criam-se assim, enquanto portadores materiais dessas visões


de mundo em disputa, em luta pela hegemonia, o que Gramsci
chama de ‘aparelhos privados de hegemonia’: e não se criam ape-
nas novos “aparelhos hegemônicos”gerados pela luta das massas
(como os sindicatos, os partidos, os jornais de opinião, etc); tam-
bém os velhos “aparelhos ideológicos de Estado”, herdados pelo
capitalismo, tornam-se algo “privado”, passando a fazer parte da
sociedade civil em seu sentido moderno (é o caso da Igreja e,

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44 João José de Oliveira Negrão

até mesmo, do sistema escolar). Abre-se assim a possibilidade,


que Althusser nega explicitamente, de que a ideologia (ou o sis-
tema de ideologias) das classes subalternas obtenha a hegemonia
no interior de um ou de vários aparelhos hegemônicos privados,
mesmo antes que tais classes tenham conquistado o poder de Es-
tado no sentido estrito, ou seja, tenham se tornado classes domi-
nantes (COUTINHO, 1989, p. 80).

Entre os aparelhos privados de hegemonia – organismos sociais co-


letivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade po-
lítica, este trabalho centra a atenção nos meios de comunicação. O pró-
prio Gramsci já destacou a importância deles quando, propondo uma
definição de partido político, afirma que os jornais – em seu tempo não
havia televisão – podem exercer funções de partido. Também Lima
(2001, p. 191-192), embora não ignore o papel de outros aparelhos pri-
vados de hegemonia reconhece na mídia, “especialmente na televisão,
um papel central na tarefa contemporânea de ‘cimentar e unificar’ o
bloco social hegemônico (e contra-hegemônico)”.

2.3 O intelectual coletivo


É preciso então absorver a noção de “partido político” desenvolvida por
Gramsci para que possamos perceber o grau de importância que esta
idéia do jornal como um partido político tem para a análise pretendida.
Para ele, o partido revolucionário, o “moderno Príncipe” – expressão
que toma emprestado de Maquiavel – tem o papel histórico de articular
a construção de uma nova hegemonia, ou contra-hegemonia, na qual os
setores subalternizados sejam capazes de dirigir a sociedade e o Estado
no sentido da superação do capitalismo.
Muitos pensadores da sociologia política trabalham com a idéia de
que o partido político moderno nasce a partir dos comitês eleitorais e
grupos parlamentares, ligando-o à existência de parlamentos. Duver-
ger, por exemplo, afirma que “os partidos políticos nasceram e se de-
senvolveram ao mesmo tempo que os processos eleitorais e parlamen-
tares” (DUVERGER, 1968, p. 357). No mesmo sentido, Schwartzen-
berg afirma que o partido moderno data do século XIX, tendo surgido
na Inglaterra com o Reform Act de 1832 e a organização, pelos libe-

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O jornalismo e a construção da hegemonia 45

rais, de sociedades para inscrição dos eleitores, enquanto que na França


e outros países do continente europeu ele estaria vinculado à trans-
formação de grupos parlamentares e clubes políticos em organizações
de massa, tendo por referência a revolução de 1848 (SCHWARTZEN-
BERG, 1979, p. 489 ss.)
Já para Weber, a ação dos partidos “vai sempre dirigida a um fim
metodicamente estabelecido, tanto se tratar-se de um fim ‘objetivo’ –
realização de um programa com propósitos ideais ou materiais – como
de um fim ‘pessoal’ – prebendas, poder”. Ainda de acordo com Weber,

só podem existir partidos dentro de comunidades de algum


modo socializadas, quer dizer, de comunidades que possuem um
ordenamento racional e um ‘aparato’ de pessoal disposto a realizá-
lo. Pois a finalidade dos partidos consiste precisamente em influir
sobre tal ‘aparato’ e, ali onde seja possível, em compô-lo de par-
tidários. [...] No sentido mais geral a que aqui nos atemos, não
são produtos de formas de dominação especificamente modernas.
Consideramos também, desde o mesmo ponto de vista, aos par-
tidos antigos e medievais, apesar de que sua estrutura difere con-
sideravelmente da que apresentam os modernos (WEBER, 1992,
p. 693-694)

Em linha semelhante, Schumpeter, citado por Cerroni, vai definir o


partido político como “um grupo cujos membros se propõem a agir de
comum acordo na luta de concorrência pelo poder político” (CERRONI,
1982, p. 12), enquanto LaPalombara e Weiner, citados por Schwatzen-
berg (op. cit.), vão dar ao partido político uma definição baseada na
reunião de quatro critérios: 1. uma organização durável, cuja espe-
rança de vida política seja superior à de seus dirigentes do momento;
2. uma organização local bem estabelecida que mantenha relações re-
gulares com o escalão nacional; 3. vontade deliberada dos dirigentes
locais e nacionais de conquistar e exercer o poder, só ou com outros e
não simplesmente exercer influência sobre o poder; e 4. buscar apoio
popular por intermédio de eleições ou por qualquer outra forma.
Contra essa visão mais tradicional da sociologia política, o pensador
italiano Umberto Cerroni vai propor um tipo de análise mais complexa
do fenômeno partidário. Para ele, não se pode reduzir a noção de partido
à idéia genérica de ‘parte política’, pois se perde, assim, o diferencial

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46 João José de Oliveira Negrão

do partido político moderno. O que este tem de característico – não en-


contrável em nenhum agrupamento político pré-moderno – é o conjunto
formado pela máquina organizativa e um programa político estruturado
e articulado ao desenrolar histórico da luta de classes.
Para entender o fenômeno, Cerroni propõe que se tome por referên-
cia o partido socialista, por entendê-lo, independente de qualquer valo-
ração, o protótipo histórico-teórico capaz de explicar o nascimento do
partido político moderno e do moderno sistema de partidos. Segundo
ele, “o partido político moderno [...] nasce também onde os parlamen-
tos não existem, nasce antes dos parlamentos e talvez para propor e
reivindicar o nascimento dos parlamentos”. E acrescenta:

para compreender esse fenômeno, devemos nos perguntar


quais são os partidos políticos estruturados no plano organiza-
tivo e programático que inicialmente nascem lá também onde
não existem os parlamentos. A resposta parece ser cientifica-
mente indiscutível: o partido de que se trata é o partido socialista
(CERRONI, 1982, p. 13)

Mas o partido socialista não “nasce” para simplesmente fazer pro-


paganda dos ideais do socialismo. Ele está vinculado à evolução histó-
rica das lutas do movimento dos trabalhadores – das caixas de auxílio
mútuo, passando pela organização sindical até propor-se à direção he-
gemônica do conjunto da sociedade –, é conseqüência dessa evolução e
é, portanto, mais do que um difusor de idéias socialistas, ao contrário
da definição menos complexa com a qual trabalham os autores antes
mencionados.
E o partido socialista assim desenvolvido, com máquina organiza-
tiva e programa político, estruturação muito maior que o baixo nível de
organicidade existente nos agrupamentos políticos até então, vai influ-
enciar todos os outros partidos, que tenderão a assumir um nível de or-
ganização mais complexo, menos fluido que o do ‘grupo parlamentar’,
sob pena de serem derrotados na luta pela hegemonia e pela dissemina-
ção de sua concepção de mundo.
A concepção de partido político que serve de base ao pensamento
de Cerroni é aquela apresentada por Gramsci, especialmente no volume
3 (Maquiavel e Notas sobre o Estado e a Política) dos Cadernos do
cárcere, onde o marxista italiano traz a lume a idéia de que o partido

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O jornalismo e a construção da hegemonia 47

político é o organismo da sociedade civil moderna responsável por de-


sempenhar as funções que, em Maquiavel, caberiam ao príncipe: tomar,
fundar ou refundar o Estado.
Se em Maquiavel esta tarefa cabia a um indivíduo excepcional —
lembremos que ele encerra O príncipe com um capítulo, o XXVI, com
uma “exortação ao príncipe para livrar a Itália das mãos dos bárbaros”
3
— Gramsci vai considerar que, na sociedade moderna,

o moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pes-


soa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um
elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a
concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamen-
tada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo
desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula
na qual se aglomeram germes da vontade coletiva que tendem a
se tornar universais e totais (GRAMSCI, 2000, v.3, p. 16).

Para capacitar-se a ser este agente da vontade coletiva, o partido


revolucionário terá por tarefa básica contribuir para superar, entre os
trabalhadores, uma consciência social de caráter meramente sindica-
lista, auxiliando-os a elevá-la a um nível de totalidade mais complexa.
Nas categorias de Gramsci, então, o partido será chave para superar
os “momentos egoístico-passionais” (corporativos/economicistas), fa-
zendo a passagem para o “momento ético-político” (quando a classe se
universaliza e se capacita à hegemonia).
Segundo Carlos Nelson Coutinho, nessa formulação das funções do
partido residiria um ponto de continuidade entre Gramsci e Lênin, pois
em Que fazer o revolucionário russo apresenta formulações análogas.
No entanto, há uma diferença fundamental: o modelo de Lênin —
elaborado para situações de clandestinidade e sociedades ‘orientais’ nas
quais a estratégia revolucionária seria a ‘guerra de movimento’, para o
assalto imediato do poder de Estado — pressupõe um partido de revo-
lucionários profissionais, de quadros. Esse modelo, depois cristalizado
por Stálin como tendo validade universal, acabou sendo adotado como
o único possível pela Internacional Comunista.
3
Maquiavel, N. O príncipe. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção Os Pensa-
dores).

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48 João José de Oliveira Negrão

Gramsci, ao contrário, desenvolve toda sua concepção pensando


num partido de massas, que se afaste do espontaneismo — ou seja,
um partido que desenvolva uma luta persistente e cotidiana para pos-
sibilitar aos movimentos espontâneos uma superação dos elementos de
corporativismo e o desenvolvimento de concepções mais homogêneas e
universalizantes —, mas que jamais ignore os sentimentos espontâneos
da massa. Nas Teses de Lyon, ele e Togliatti insistem em que “não é ne-
cessário acreditar que o partido possa liderar a classe operária por meio
da imposição externa da autoridade [...] tanto em relação ao período
que precede a conquista do poder como com relação ao período que se
segue”4 . Coutinho vai entender que, em Gramsci, é justamente “essa
unidade da ‘espontaneidade’ com a ‘direção consciente’ (ou seja, com a
‘disciplina’) é precisamente a ação política real das classes subalternas,
enquanto política de massa e não simples aventura de grupos que dizem
representar as massas” (COUTINHO, 1989, p. 106).
Gramsci ligava essa concepção às ‘sociedades ocidentais’, onde a
estratégia socialista a ser desenvolvida é a “guerra de posição”, luta pela
conquista da hegemonia, do consenso e da direção político-ideológica
mesmo antes da tomada do poder.
Na ‘guerra de posição’, a batalha cultural desempenha um papel
fundamental naquilo que Gramsci vai chamar de reforma intelectual e
moral. Coutinho afirma que, para Gramsci, sem uma nova cultura, as
classes subalternas continuarão sofrendo passivamente a hegemonia das
velhas classes dominantes e não poderão se elevar à condição de classes
dirigentes [...] “lutando pela difusão de massa de uma nova cultura
- ou seja, de uma cultura que recolha e sintetize os momentos mais
elevados da cultura do passado [...] o ‘moderno Príncipe’ estará criando
as condições para a hegemonia das classes subalternas” (COUTINHO,
1989, p. 107).
A idéia da importância da batalha cultural explica o papel destacado
que, na concepção de Gramsci, desempenham os intelectuais. É im-
portante, porém — para fugir do idealismo que esta afirmação assim
colocada possa pressupor —, esclarecer o que Gramsci entende por in-
telectual. Ele afirma que todos os homens são intelectuais, porque não
existe atividade humana que seja puramente mecânica: em todas elas
4
Apud Monty Johnstone. Partido. In: BOTTOMORE, Tom (Org.). Dicionário do
pensamento marxista. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 49

— e também fora do exercício de sua profissão — o homem desenvolve


algum tipo de atividade intelectual e participa de uma concepção de
mundo. Assim, ele afirma, “seria possível dizer que todos os homens
são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função
de intelectuais” (GRAMSCI, 2000, p. 18).
Já vimos que, de maneira análoga, Gramsci afirma no Caderno 11
– Introdução ao estudo da filosofia que todos os homens são filósofos,
ainda que inconscientemente, daquela filosofia que está contida na lin-
guagem, no senso comum e no bom senso e na religião popular, que
envolvem uma determinada concepção de mundo.
Entre os que desempenham as funções de intelectuais, para o au-
tor, há dois tipos: o intelectual tradicional, aquele que tendo no passado
vinculações estreitas com determinada classe ou fração de classe, com o
desaparecimento desta se transforma numa camada social relativamente
autônoma e independente. Exemplo disso é o clero em relação à no-
breza feudal. Há também o intelectual orgânico, que surge em estreita
vinculação com a emergência de uma classe social e tem por função dar
homogeneidade e consciência a essa classe.
Além disso, Gramsci entende que todos os membros do partido são
intelectuais, embora exista entre eles distinção de graus. O que conta é
a função que exercem, de direção e de organização, pois no partido po-
lítico os filiados superam os seus interesses imediatos (corporativos ou
egoístico-passionais) e tomam-se agentes de atividades gerais de caráter
nacional e internacional (essencialmente políticas), já que “um comer-
ciante não ingressa num partido político para comerciar, nem um indus-
trial para produzir mais e com custos reduzidos, nem um camponês para
aprender novos métodos de cultivar a terra” (GRAMSCI, 2000, p. 25).
Mas se o partido pode desempenhar esta função de “intelectual co-
letivo” (termo cunhado por Palmiro Togliatti), é possível depreender
em Gramsci também uma leitura inversa: os intelectuais exercendo as
funções de partido, ou seja, dando forma homogênea à consciência da
classe à qual estão organicamente ligados. Assim — novamente recu-
perando aqui uma crítica à ciência política de corte mais positivista,
vinculada a uma certa engenharia social e institucional —, Gramsci se
pergunta se “será necessária a ação política (em sentido estrito) para que
se possa falar de ‘partido político?”’. E responde:

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50 João José de Oliveira Negrão

pode-se observar que no mundo moderno, em muitos países,


os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta
ou por alguma outra razão, dividiram-se em frações, cada uma
das quais assume o nome de ‘partido’ e, inclusive, de partido
independente. Por isso, muitas vezes o Estado-Maior intelectual
do partido orgânico não pertence a nenhuma das frações, mas
opera como se fosse uma força dirigente em si mesma, superior
aos partidos e às vezes reconhecida como tal pelo público. Esta
função pode ser estudada com maior precisão se se parte do ponto
de vista de que um jornal (ou grupo de jornais), uma revista (ou
grupo de revistas), são também ‘partidos’, ‘frações de partido’ ou
‘funções de determinados partidos’. Veja-se a função do Times na
Inglaterra, a que teve o Corriere della Sera na Itália, e também
a função da chamada ‘imprensa de informação’, supostamente
‘apolítica’, e até a função da imprensa esportiva e da imprensa
técnica (GRAMSCI, 2000, v. 3, p. 349-350).

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Capítulo 3

As teorias da notícia e os efeitos


sociais da comunicação
jornalística

O que define a notícia? Por que certos fatos transformam-se em aconte-


cimentos noticiáveis e, portanto, são dados à existência pública e social
enquanto outros, ao não se beneficiarem desta possibilidade, são rele-
gados ao desconhecimento? Que critérios presidem a seleção, entre as
incontáveis ocorrências diárias no âmbito da humanidade, daquelas que
terão a sorte de aparecer em letras de forma ou na tela da TV? Serão eles
‘claros e distintos’ o suficiente para evitar a subjetividade nesta escolha?
Já faz parte do folclore jornalístico o jogo de palavras de Amus
Cummings. Para ele, “se um cachorro morde um homem, não é notícia;
mas se um homem morde um cachorro, aí, então, é notícia e sensaci-
onal”. Fraser Bond, em sua Introdução ao jornalismo, cuja primeira
edição é de 1954, afirma que o que determina o valor da notícia são a
oportunidade, a proximidade, o tamanho (o muito pequeno e o muito
grande são atraentes) e a importância. John Hohenberg, no seu Manual
de jornalismo, aponta as características da notícia: precisão, interesse,
atualidade e explicação, enquanto Luiz Amaral, em Técnicas de jornal
e periódico, oferece os seguintes atributos da notícia: atualidade, ve-

51
52 João José de Oliveira Negrão

racidade, interesse humano, raio de influência, raridade, curiosidade e


proximidade1 .
Em linha semelhante, um dos mais utilizados manuais nos cursos
de jornalismo brasileiros, o Técnicas de Codificação em Jornalismo, do
jornalista e professor Mário Erbolato, apresenta 24 características da
notícia: proximidade, marco geográfico, impacto, proeminência, aven-
tura, conseqüências, humor, raridade, progresso, sexo e idade, interesse
pessoal, interesse humano, importância, rivalidade, utilidade, política
editorial do jornal, oportunidade, dinheiro, expectativa, originalidade,
culto de heróis, descobertas e invenções, repercussão, confidências.
O Novo manual de redação, da Folha de S. Paulo, no verbete “im-
portância da notícia” afirma:
critérios elementares para definir a importância de uma no-
tícia: a) ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que
a já publicada); b) improbabilidade (a notícia menos provável
é mais importante do que a esperada); c) interesse (quanto mais
pessoas possam ter sua vida afetada pela notícia, mais importante
ela é); d) apelo (quanto maior a curiosidade que a notícia possa
despertar, mais importante ela é); e) empatia (quanto mais pes-
soas puderem se identificar com o personagem e a situação da
notícia, mais importante ela é. Ao levar em consideração esses
critérios, não esqueça que as reportagens da Folha devem atender
às necessidades de informação de seus leitores, que formam um
grupo particular dentro da sociedade). Esses interesses mudam e
o jornal participa de modo ativo desse processo.

Estas ‘receitas’ podem até ser de alguma valia – muito relativa, por
sinal – para repórteres iniciantes, mas não esclarecem as questões que
abrem este capítulo.

3.1 As teorias da notícia


Ao longo do século XX, conforme Traquina, desenvolveram-se diferen-
tes teorias da notícia, na busca daquelas respostas. Sigo aqui a nomen-
clatura da compilação feita pelo pesquisador português, que destaca,
Apud LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. 3a ed. Florianópolis:
1

UFSC, 2000 <disponível em www.ufsc.br>

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O jornalismo e a construção da hegemonia 53

para o caso, que o uso do conceito teoria é impreciso, porque pode


significar “somente uma explicação interessante e plausível e não um
conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições” (TRA-
QUINA, 2001, p. 65). Trabalhando sobre este mesmo tema e tam-
bém tendo por base a obra de Nelson Traquina, o pesquisador brasileiro
Alfredo Vizeu preferiu chamá-las de “teorias intermediárias” (VIZEU,
2003, p. 1).

3.1.1 A teoria do espelho


A base desta tentativa de explicação é a idéia de que o produto do jorna-
lismo é um retrato fiel da realidade. Quer dizer, as notícias são determi-
nadas, sem mediações, pela realidade concreta, sendo impregnadas pelo
conceito de objetividade, que demarca com muita força a auto-imagem
dos jornalistas, constituindo, conforme Traquina (2001, p. 65), “a ideo-
logia dominante no campo jornalístico”.
Nesta visão, o jornalista é um observador cauteloso, que relata com
isenção, equilíbrio, de maneira objetiva, o que aconteceu, sem emitir
ou sequer deixar transparecer opiniões e impressões pessoais. Os fa-
tos falam por si mesmos e o jornalismo simplesmente intermedeia –
sem interferências de qualquer tipo – os acontecimentos e sua tomada
de consciência por um público mais amplo do que aquele que, even-
tualmente, teve a oportunidade de presenciar seu desenrolar. Naquele
que, segundo o editor Folco Masucci, “é o primeiro livro didático de
‘Técnica de Jornal’ editado no país” – A imprensa informativa: técnica
da notícia e da reportagem no jornal diário, de 1969 –, o jornalista,
professor e pesquisador de comunicação Luiz Beltrão afirma que

a notícia é o relato de um fato, de uma idéia ou de uma si-


tuação que esteja, no momento, atuando no seio da comunidade
a que o jornalismo serve. Por isso mesmo, a informação jorna-
lística deve ser impessoal, no sentido de que a participação de
quem a transmite ao público é puramente mecânica. O jornalista,
aqui, apenas recolhe e narra os fatos [...] os fatos são sagrados; só
o comentário é que é livre. Ora, a notícia, que é um registro fiel
do fato, deve ser tão sagrada e inviolável, tão inalterável como o
próprio fato. [...] o noticiarista comum [...] deve cuidar de que
a notícia reflita o acontecimento tal como sucedeu, deixando a

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54 João José de Oliveira Negrão

outrem e ao leitor a tarefa de chegar, por sua conta e risco, às


próprias conclusões (BELTRÃO, 1969, p. 107).

Herdeira direta do positivismo, a teoria do espelho, com seu coro-


lário de objetividade jornalística, veio substituir a concepção historica-
mente anterior do jornalismo como arma política e do jornalista como
militante de causas partidárias. Há motivos históricos que demarcam
esta passagem. Entre elas, a transformação paulatina dos jornais em em-
presas capitalistas, voltadas à racionalização e ao lucro. Amaral (1996,
p. 26) identifica nos primeiros trinta anos do século XIX na Inglaterra,
França e Estados Unidos esta passagem de uma imprensa partidarizada
– quando, segundo ele, “comprava-se jornal para se ler as críticas aos
adversários, quase sempre pessoais, procedentes ou não” – para uma
imprensa comercializada. Ele destaca que

a partir de então, a objetividade, ou melhor, aquilo que mais


tarde ganharia o nome de objetividade, passa a se identificar com
uma mistura de estilo direto, imparcialidade, fatualidade, isen-
ção, neutralidade, distanciamento, alheamento em relação a va-
lores e ideologia. Quer dizer que, em sua tarefa diária, o jorna-
lista precisaria deixar em casa suas normas, princípios, referên-
cias políticas e ideológicas, procurar excluí-los do pensamento
e se concentrar na narração dos fatos, sem tentar explicá-los ou
comentá-los 2 (AMARAL, 1996, p. 26).

Há de se relevar o papel que as agências noticiosas tiveram na cons-


trução deste novo jornalismo, no quadro da emergência das redes de co-
municação global, marcada, conforme Thompson (1998, p. 137-143),
por três desenvolvimentos-chave no final do século XIX e início do XX:
1) cabos submarinos; 2) agências internacionais de notícias; e 3) orga-
nizações internacionais para a distribuição das freqüências no espectro
eletromagnético.
2
A descrição da postura exigida do jornalista, feita por Amaral, é idêntica àquela
exigida por Durkheim, e pelos demais positivistas, do cientista social. Este também
deveria limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma obje-
tiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando prenoções e os
preconceitos, de forma igual ao que faria o homem das ciências da natureza.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 55

O telégrafo, primeiro meio a explorar a eletricidade, teve experi-


mentos desde o final do século XVIII. O de maior sucesso foi o de
Morse, que usava o sistema traço-ponto. Em 1843 Morse constrói a pri-
meira linha regular, entre Washington e Baltimore. A base técnica de
circulação da mensagem telegráfica era a fiação elétrica, o que limitava
sua expansão.
Entretanto, em 1851-2 são instalados os primeiros cabos submari-
nos ao longo do Canal da Mancha e entre Inglaterra e Irlanda, o que
permitiu que as mensagens já não ficassem limitadas ao continente. Em
1870, cabos ligavam a Europa à China e à Austrália. Em 1900, 306
mil quilômetros de cabos submarinos estavam instalados ao redor do
mundo. 72% deles eram de firmas inglesas, a maioria da Eastern and
Associated Companies. Surgia o primeiro sistema global de comunica-
ção.
As agências internacionais de notícias foram grandes beneficiárias
do desenvolvimento do telégrafo via cabo submarino. A primeira havia
sido criada por Charles Havas, em Paris, em 1835. Inicialmente, ela
coletava informações de diferentes jornais europeus e as entregava di-
ariamente à imprensa francesa. Em 1840, começou a fornecer notícias
para clientes em Londres e Bruxelas, por meio de carruagens e um ser-
viço regular de pombos-correio. Pouco mais tarde, em 1849, Bernard
Wolff cria uma agência em Berlim e Paul Julius Reuter, em 1851, cria
outra em Londres.
Em 1869, com o Tratado das Agências Aliadas, as três dividiram
entre si suas áreas geográficas de atuação. Cada uma trabalhava es-
treitamente ligada às elites políticas e comerciais das nações que lhes
serviam de sede. Depois da I Guerra, este cartel foi fortemente impac-
tado pelo crescimento de duas agências norte-americanas, a Associated
Press (AP) e a United Press Association (UPA), mais tarde transformada
em United Press International (UPI).
Os primeiros clientes das agências foram governos, banqueiros e ne-
gociantes. Logo, passariam também a atender os jornais. Para Amaral

como os clientes antigos e novos representavam diferentes


segmentos da população, as agências, beneficiadas e, ao mesmo
tempo, cobradas pelas novas realidades, foram obrigadas a man-
ter um certo grau de imparcialidade. Impôs-se a confecção de

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56 João José de Oliveira Negrão

um noticiário equilibrado, de forma a contemplar todos os la-


dos da questão [pois] era preciso então que elas oferecessem um
produto capaz de atender às necessidades específicas de cada cli-
ente, refletindo o caráter social do mercado e levando em conta
seus interesses, valores e preconceitos. Passaram a vender notí-
cias uniformes, neutras e imparciais a jornais politicamente di-
versos. Daí a adoção do conceito que mais tarde seria chamado
de objetividade e que alguns autores creditam especificamente à
Associated Press (AMARAL, 1996, p. 28)

Era o início do que Barros Filho (1995) vai chamar de objetividade


como “uma estratégia de legitimação de um tipo de produto dentro de
um campo jornalístico em formação”. De um lado, o jornalismo do pas-
sado: ‘sensacionalista’, ‘marrom’, panfletário. De outro, o jornalismo
moderno, imparcial, objetivo 3 .
As técnicas jornalísticas acompanham a mudança. É deste período
o surgimento do lead e da “pirâmide invertida”, forma de construção
da notícia que consiste em, já no primeiro parágrafo, responder às seis
perguntas clássicas: quem, que, quando, onde, como e por que. Até hoje
hegemônica, esta técnica permite, ao menos em tese, que o leitor possa
inteirar-se dos fatos ao ler os primeiros parágrafos da notícia, ainda que
numa visão mais panorâmica.
O processo industrial de confecção dos jornais também foi benefici-
ado pela ‘pirâmide invertida’ pois, em caso de necessidade, as matérias
jornalísticas poderiam ter seus últimos parágrafos suprimidos (cortar
pelo pé da matéria, no jargão jornalístico) com menor prejuízo para a in-
formação. Barros Filho (op. cit.) lembra que a transmissão das notícias
3
Pierre Bourdieu afirma que “o campo jornalístico se constituiu como tal no sé-
culo XIX em torno da oposição entre jornais que ofereciam antes de tudo nouvelles,
de preferência ‘sensacionalistas’, ou melhor, de sensação’, e jornais propondo análises
e comentários, preocupados em marcar sua distinção em relação aos primeiros enfa-
tizando com vigor os valores da objetividade; o campo jornalístico é o lugar de uma
oposição entre duas lógicas e dois princípios de legitimação: o reconhecimento pelos
pares, acordados entre aqueles que reconhecem de forma mais completa os ‘valores’
e os princípios internos, e o reconhecimento pelo maior número, materializado pelo
grande número de entradas, de leitores, ouvintes ou espectadores, ou seja, o índice de
venda (best seller) e o lucro em dinheiro, a sanção do plebiscito democrático sendo in-
separavelmente, neste caso, um veredicto do mercado”(Apud BARROS FILHO, 1995,
p. 23).

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O jornalismo e a construção da hegemonia 57

das agências pelo telégrafo também levou a uma certa hierarquização


das informações na construção do texto noticioso: caso o serviço fosse
interrompido – o que não era muito raro – a parte da notícia já enviada
teria utilidade na produção dos diários e dos jornais radiofônicos.
A ideologia da objetividade, ao lado da metáfora do espelho, apesar
das polêmicas e controvérsias, é ainda marcante no jornalismo contem-
porâneo. Autores como Barros Filho, Traquina, Sousa e outros a vêem
como o eixo de legitimação do campo jornalístico, envolvendo jorna-
listas e proprietários dos meios de comunicação, que poderiam ter sua
credibilidade arranhada caso deixassem de ser vistos como simples me-
diadores que reproduzem o acontecimento na notícia.

3.1.2 A teoria do gatekeeper


David Manning White, em 1950, publicou no Journalism Quarterly o
artigo O gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias 4 .
Nele, buscou aplicar ao jornalismo uma idéia desenvolvida pelo psi-
cólogo Kurt Lewin a respeito de uma pessoa ou um grupo que toma
decisão numa seqüência de decisões. Sinteticamente, na teoria do gate-
keeper entende-se que o processo de produção da notícia se dá a partir
de uma série sucessiva de escolhas, na qual determinada informação
tem de passar por diversos portões (gates) – áreas de decisão onde os
jornalistas (gatekeepers) selecionam ou não esta informação. Em caso
positivo, a informação segue em frente; senão, interrompe-se sua pro-
gressão, o que significa que ela não virará notícia publicada.
O artigo de White tem por base a figura de Mr. Gates, jornalista
de 40 anos, 25 de experiência no jornalismo, onde começou como re-
visor. No momento da pesquisa, era o editor do material enviado pelas
agências Associated Press, United Press e International Press Service
num jornal médio (30 mil exemplares) de uma cidade do meio-oeste
norte-americano. A pedido do pesquisador, o jornalista anotou durante
uma semana, de 6 a 13 de fevereiro de 1949, nos próprios despachos
das agências, os motivos que o levaram a rejeitá-los. No final deste pe-
ríodo, ‘Mr. Gates’ recebera 31496 centímetros de coluna de material
4
Reeditado em TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “es-
tórias”. 2a ed. Lisboa: Vega, 1999.

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58 João José de Oliveira Negrão

das agências e utilizara apenas 3294 centímetros de coluna, cerca de


10% do total.
White conclui que o processo de seleção de notícias é subjetivo e
arbitrário, porque “muitas das razões que o ‘Mr. Gates’ apresenta para
a rejeição das notícias caem na categoria de juízos de valor muito sub-
jetivos”, pois é

somente quando analisamos as razões apresentadas pelo ‘Mr.


Gates’ para a rejeição de quase nove décimos das notícias (na
sua procura do décimo para o qual tem espaço) que começa-
mos a compreender como a comunicação de ‘notícias’ é extrema-
mente subjetiva e dependente dos juízos de valor do gatekeeper
(WHITE. In TRAQUINA, 1999, p. 145).

As notícias são então explicadas como resultado da ação de pessoas


e de suas intenções. Para os críticos, esta é sua insuficiência. Traquina
(2001, p. 70), por exemplo, a critica por sua abordagem microssocioló-
gica, ao nível individual, descartando outros fatores. No mesmo sentido,
Kunczik (1997, p. 239) ressalta que a incapacidade explicativa dos estu-
dos individualistas se dá porque eles passam por alto os condicionantes
sociais do comportamento do ‘seletor de notícias’.
Sousa, no entanto – embora perceba as lacunas da teoria do gateke-
eper apresentada por White – destaca um risco que pode estar embutido
nas críticas: perder de vista que a ação pessoal do jornalista é tam-
bém um dos condicionantes do processo. Destaca que estudos recentes
demonstram que o que ele chama de “fatores ambientais” ou “ecos-
sistemáticos”, como os prazos de fechamento, o espaço ou tempo dis-
ponível, as políticas organizacionais dos jornais, o meio cultural, social,
econômico e político desempenham papel importante na construção das
notícias.
No entanto, afirma, é necessário notar que

a ênfase recente nos fatores “ecossistemáticos” teve, por con-


seqüência, algum alheamento da comunidade acadêmica em re-
lação “ao que vai na mente” dos jornalistas, nomeadamente no
campo do papel das cognições dos jornalistas para a construção
das notícias, isto é, um certo alheamento para a forma como
a “mente” ajuda a construir as notícias, que é um aspecto de

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O jornalismo e a construção da hegemonia 59

ação pessoal conformativa das notícias, porventura tão impor-


tante como o campo das intenções, crenças, valores e expectati-
vas individuais de cada jornalista (SOUSA, 2002, p. 40).

Esta estrutura, segundo ele, leva os jornalistas, submetidos à pres-


são do tempo e a uma quantidade enorme de informações, a construírem
rotinas cognitivas para organizá-las. Assim, ao valer-se de formas ro-
tinizadas e estereotipadas de pensamento, o jornalista tende a fabricar
informação padronizada e a “selecionar sempre como tendo valor noti-
cioso o mesmo tipo de acontecimentos”.
Ele conclui que, embora mescladas a outras forças, as notícias sem-
pre têm algo da ação pessoal de quem as produz. Assim, a crítica à
insuficiência da teoria do gatekeeper não deve levar ao completo aban-
dono teórico do papel individual do jornalista – assim como o das fontes
– na constituição da notícia.

3.1.3 A teoria organizacional


Fugindo do recorte individualista presente na teoria do gatekeeper e
ampliando a perspectiva para um nível mais macrossociológico, War-
ren Breed publica em 1955 o artigo Controle social da redação: uma
análise funcional 5 . O foco passa a ser a empresa jornalística e os pro-
cessos de socialização que ela promove junto aos jornalistas, levando à
conformação com a política editorial da organização.
A partir de “entrevistas intensivas com cerca de 120 jornalistas, prin-
cipalmente da zona nordeste dos Estados Unidos”, de jornais com tira-
gens diárias entre 10.000 e 100.000 exemplares, Breed destaca os cons-
trangimentos que a organização provoca sobre a atividade do repórter.
Para isso, é fundamental o processo de socialização pelo qual passa
o jornalista novato dentro da organização, pois

todos, com exceção dos novos, sabem qual é a política edi-


torial. Quando interrogados, respondem que a aprendem “por
osmose”. Em termos sociológicos, isto significa que se sociali-
zam e “aprendem as regras” como um neófito numa subcultura.
Basicamente, a aprendizagem da política editorial é um processo
5
Reeditado em TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “es-
tórias”. 2a ed. Lisboa: Vega, 1999.

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60 João José de Oliveira Negrão

através do qual o novato descobre e interioriza os direitos e as


obrigações do seu estatuto, bem como as suas normas e valo-
res. Aprende a antever aquilo que se espera dele, a fim de ob-
ter recompensas e evitar penalidades. A orientação política é um
elemento importante das normas da redação, e é aí que ele a apre-
ende. (BREED. In TRAQUINA, 1999, p. 155).
Tal processo, conforme Breed, compõe-se de seis fatores que pro-
movem o conformismo à política editorial do veículo: 1) a autoridade
institucional e as sanções, ou seja, a atribuição de tarefas (matérias e
coberturas mais ou menos nobres), cortes, reescrita e localização dos
textos, assinatura ou não da matéria, etc; 2) os sentimentos de obrigação
e de estima com os superiores, ou seja, admiração e respeito pelos mais
experientes e conhecidos, gratidão pela eventual ajuda, etc; 3) as aspi-
rações de mobilidade, pois indispor-se com a política editorial do jornal
pode criar obstáculos aos avanços na carreira e à assunção de postos de
relevo; 4) ausência de grupos de lealdade em conflito, já que, em sua
pesquisa, Breed não identificou, por exemplo, força nas organizações
sindicais para influir neste processo; 5) o prazer da atividade, uma vez
que os jornalistas gostam de seu trabalho, há tarefas interessantes e um
ambiente de camaradagem nas redações; e 6) a notícia como um valor,
pois a busca pela notícia é uma preocupação constante (costuma-se di-
zer que jornalista é jornalista 24 horas por dia). Este interesse comum
pela notícia é capaz de cimentar a harmonia entre jornalistas e direção.
Para Breed,
os seis factores promovem o conformismo com a política
editorial do jornal. [...] No entanto, o processo poderá ser um
pouco melhor entendido com a introdução de mais um conceito
– o grupo de referência. O staffer [jornalista empregado], em es-
pecial o novato, identifica-se a si próprio, através da existência
destes seis factores, com os executivos e com os staffers vetera-
nos. Se bem que ainda não seja um deles, ele partilha as normas
deles, e assim a sua actuação vem a parecer-se com a dos outros.
Ele conforma-se mais com as normas da política editorial do que
com quaisquer crenças pessoais que ele tivesse trazido consigo,
ou com ideais éticos. (BREED. In TRAQUINA, 1999, p. 160).
No entanto, ele destaca, há possibilidades e momentos de fuga deste
controle. Há fatores, no nível decisório do jornalista, que contribuem

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O jornalismo e a construção da hegemonia 61

para isso, como: a) a falta de clareza e de estruturação das normas da


política editorial; b) o jornalista, em muitos pontos, tem a opção de
selecionar quem entrevistar e quem ignorar, que perguntas fazer, que
aspectos realçar, que tom dar aos vários elementos possíveis da notí-
cia; c) a “especialização” do jornalista em determinado setor, com seu
próprio conjunto de fontes; d) o estatuto de “estrela” de determinados
jornalistas permite a eles transgredirem a política editorial do jornal.
Essas possibilidades, entretanto, se tinham maior campo de ação no
momento histórico da pesquisa de Breed, hoje, apesar de não elimina-
das completamente, devem ser muito relativizadas. Isso pela ampliação
do uso da pauta 6 , cada vez mais detalhada, que discrimina fontes, en-
foques e até perguntas e tamanho que a matéria jornalística vai ocupar,
constituindo-se em um dos principais filtros, “um fio condutor que deli-
mita o que será publicado ou levado ao ar”, conforme Clóvis Rossi em
O que é jornalismo, de 1985.
Traquina (2001) elenca outros estudos que também procuraram des-
tacar a influência organizacional no conteúdo das notícias. Lee Sigel-
man, no artigo Reporting the news: an organizational analysis, publi-
cado em 1973 no American Journal of Sociology, onde analisa dois
jornais norte-americanos, destaca três mecanismos que integram ou co-
agem o jornalista: por osmose, por controles diretos exercidos pelos
superiores e por motivações materiais e normativas, em especial os ven-
cimentos e sentimentos de lealdade. Dan Nimmo, em Newsgathering in
Washington, de 1964, estudo sobre 35 correspondentes em Washington,
mostra que dois controles indiretos são a utilização da notícia na edição
e o tipo de tarefa atribuída. Para James Curran, em Culturalist perspec-
tives of news organizations: a reappraisal and a case study, de 1990,
o jornalista goza de uma “autonomia consentida”, que dizer, a autono-
6
1. Agenda ou roteiro dos principais assuntos a serem noticiados em uma edição
de jornal ou revista, programa de rádio ou tv etc. Súmula das matérias a serem feitas
em uma determinada edição. 2. Planejamento esquematizado dos ângulos a serem
focalizados numa reportagem, com um resumo dos assuntos (no caso de suíte) e a
indicação ou sugestão de como o tema deve ser tratado. [...] Podem estar contidos
numa pauta, além do resumo do assunto, o tratamento que deve ser dado à matéria,
uma sugestão de lide, perguntas para os entrevistados, nomes, endereços e telefones
de possíveis informantes etc. (RABAÇA, Carlos Alberto e BARBOSA, Gustavo G.
Dicionário de comunicação. 2a ed. São Paulo: Ática, 1995)

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62 João José de Oliveira Negrão

mia do jornalista é permitida enquanto se exercer em conformidade às


regras da empresa jornalística.
Em síntese, para a teoria organizacional, as notícias são, conforme
Traquina (2001, p. 77), “o resultado de processos de interação social
que têm lugar dentro da empresa jornalística”.

3.1.4 As teorias de ação política


Nas teorias de ação política, segundo Traquina (2001), os veículos noti-
ciosos são vistos de uma perspectiva instrumental: estão objetivamente
servindo a determinados interesses políticos. O autor português identi-
fica duas versões destas teorias. Na versão de direita, os jornalistas têm
um papel ativo nas críticas anticapitalistas, pois compõem, ao lado de
burocratas e outros intelectuais, uma “nova classe” com “interesse em
expandir a atividade reguladora do Estado à custa das empresas priva-
das” (p. 81).
Além dos autores citados por Traquina (Kristol, 1975; Efrom, 1979;
Lichter, Rotham e Lichter, 1986), análises semelhantes, com referên-
cias à imprensa brasileira, poderão ser encontradas no site Mídia Sem
Máscara (www.midiasemmascara.org), editado pelo jornalista e filósofo
Olavo de Carvalho, para quem o jornalismo brasileiro e mundial inte-
gram uma articulação esquerdista, ao lado, entre outros, de ONGs e
movimentos pacifistas.
Robert Hackett (apud TRAQUINA, 2001, p. 81) elenca os pressu-
postos da versão de direita das teorias de ação política:

1) os jornalistas detêm o controle pessoal sobre o produto


jornalístico; 2) os jornalistas estão dispostos a injetar as suas
preferências políticas no conteúdo noticioso; 3) os jornalistas
enquanto indivíduos têm valores políticos coerentes e, a longo
prazo, estáveis. Nesta versão da teoria, os valores coletivos dos
jornalistas são considerados substancialmente diferentes da po-
pulação em geral.

Na versão de esquerda, conforme Traquina, os jornalistas são vis-


tos como “executantes a serviço do capitalismo, quando não coniventes
com as elites” (p. 81). No que ele chama de uma das mais comple-
tas formulações desta visão, Edward Herman e Noam Chomsky, num

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O jornalismo e a construção da hegemonia 63

livro de 1989 chamado Manufacturing consent: the political economy


of the mass media7 , negam tanto a teoria do gatekeeper quanto a teoria
organizacional, pois, para eles,

o conteúdo das notícias não é determinado ao nível interior


(isto é, ao nível dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem
ao nível interno (isto é, ao nível da organização jornalística), mas
ao nível externo, ao nível macroeconômico. Nesta versão da te-
oria, uma relação direta é estabelecida entre o resultado do pro-
cesso noticioso e a estrutura econômica da empresa jornalística
[...] os mídia reforçam os pontos de vista do establishment (o
poder instituído), devido ao poder dos donos dos grandes meios
de comunicação social e dos anunciantes. (TRAQUINA, 2001,
p. 82)

Para os autores, há cinco fatores que explicam a submissão do jor-


nalismo ao capital: 1) a estrutura de propriedade; 2) a procura do lucro
e a importância da publicidade; 3) a dependência dos jornalistas de fon-
tes governamentais e empresariais; 4) as ações punitivas dos poderosos
e, no caso da imprensa americana, 5) a forte ideologia anticomunista
dominante entre a comunidade jornalista. Isto leva Herman e Chomsky
e formularem a hipótese do modelo de propaganda, assim explicado por
Traquina (2001, p. 84):

o ‘propaganda framework’ sugere a seguinte hipótese: quando


surgem situações em que podem ser ‘marcados pontos contra paí-
ses inimigos’ ou idéias ameaçadoras, os mídia serão freqüente-
mente ativos em ‘campanhas publicitárias’ de grande intensidade
e paixão. Pelo contrário, quando acontecimentos muito seme-
lhantes ocorrem em países amigos, os mídia mostrarão interesse
pelas circunstâncias especiais envolvidas e prosseguirão uma po-
lítica de negligência benigna.

Então, para Traquina, a conclusão de Herman e Chosmky é que o


jornalismo é uma arena fechada, numa “visão altamente determinista
do funcionamento do campo jornalístico” (p. 85), sem possibilidades
7
Publicado no Brasil, em 2003, pela editora Futura, com o título A manipulação
do público.

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64 João José de Oliveira Negrão

de manifestações de autonomia ou de fuga do controle. Ele critica tam-


bém a limitação da pesquisa a estudos de caso das questões de política
internacional, o que reduziria sua capacidade explicativa para assuntos
internos, nos quais poderia haver maior divisão entre a elite. E cita a
crítica de Daniel Hallin, exposta em We keep América on top of the
world, para quem o modelo de propaganda de Herman e Chomsky é
estático e unidimensional, reduzindo a ideologia dos jornalistas a uma
mera questão de falsa consciência.

3.1.5 A teoria estruturalista


Esta autonomia, relativa, em relação a um controle direto do poder
econômico vai ser reconhecida pelos autores que integram a teoria es-
truturalista, embora partilhem com a teoria de ação política, versão de
esquerda, a visão da mídia como elemento importante na reprodução da
ideologia dominante. Herdeiros do marxismo com um viés gramsciano,
tais autores compõem a escola britânica dos estudos culturais.
Para Stuart Hall [et.al.], em A produção social das notícias: o ‘mug-
ging’ nos media8 ,os meios de comunicação não narram simplesmente
acontecimentos “naturalmente” noticiáveis, mas “as notícias são o pro-
duto final de um processo complexo que se inicia numa escolha e selec-
ção sistemática de acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto
de categorias socialmente construídas” (HALL et. al. In TRAQUINA,
1999, p. 224).
Tal processo compõe-se, entre outros, de três aspectos importantes:
1) a organização burocrático-rotineira dos jornais, que vai direcioná-los
para certos tipos de acontecimentos de acordo com sua própria estru-
tura interna – número e ênfase de editorias, de repórteres, correspon-
dentes, setoristas, contratos com agências noticiosas, etc. – que implica
na possibilidade ou não de “cobrir” determinados fatos, além de sua
própria forma de inserção no campo jornalístico (jornal econômico, es-
portivo, local, etc.); 2) a estrutura dos valores-notícia (o fora do normal,
o inesperado, o trágico e o dramático, etc), que organiza, seleciona e
hierarquiza as matérias dentro de categorias prévias (as editorias); e 3)
o momento de construção da própria notícia, quando um acontecimento
8
Reeditado em TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “es-
tórias”. 2a ed. Lisboa: Veja, 1999.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 65

é tornado significativo, a partir de suposições sobre o que é a sociedade


e como ela funciona.
Esta pressuposição, para Hall [et. al.], é a de uma natureza consen-
sual da sociedade, perspectiva que

nega quaisquer discrepâncias estruturais importantes entre


diferentes grupos, ou entre os mapas de significado muito di-
ferentes numa sociedade. Este ponto de vista ‘consensual’ tem
conseqüências políticas importantes, quando usadas como uma
base e dada como adquirida por toda a comunicação. O mesmo
ponto de vista parte da assunção de que todos temos, mais ou me-
nos, os mesmos interesses na sociedade, e que aproximadamente
a mesma quota-parte de poder na sociedade. Esta é a essência
da idéia do consenso político. Os pontos de vista ‘consensuais’
da sociedade representam-na como se não existissem importan-
tes rupturas culturais ou econômicas, nem importantes conflitos
de interesse entre classes e grupos (HALL et. al. In TRAQUINA,
1999, p. 226-227).

As notícias têm um papel importante na construção desta visão, uma


vez que o acontecimento é tornado significativo dentro de “mapas de
significado” e enquadramentos que incorporam e refletem valores e vi-
sões de mundo hegemônicas. Assim, assumindo a proposição da hi-
pótese de agenda setting, Hall afirma que a mídia define, para a maior
parte da população, os acontecimentos significativos e “oferece inter-
pretações poderosas acerca da forma de compreender estes aconteci-
mentos” (p. 228)
Esta hegemonia não é, no entanto, resultado de uma conspiração do
poder econômico que domina a mídia. Para Hall, é nas estruturas de
produção das notícias que se pode observar como os media reproduzem
as definições dos dominantes. Ocorre que

dois aspectos de produção jornalística – as pressões práti-


cas de trabalho constante contra o relógio e as exigências pro-
fissionais de imparcialidade e objectividade – combinam-se para
produzir um exagerado acesso sistematicamente estruturado aos
media por parte dos que detêm posições institucionalizadas pri-
vilegiadas. Deste modo, os media tendem, fiel e imparcialmente,

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66 João José de Oliveira Negrão

a reproduzir simbolicamente a estrutura de poder existente na or-


dem institucional da sociedade. [...] O resultado desta preferên-
cia estruturada dada pelos media às opiniões dos poderosos é que
estes “porta-vozes” se transformam no que se apelida de defini-
dores primários (primary definers) de tópicos (HALL et. al. In
TRAQUINA, 1999, p. 229).

Hall explica que a definição primária estabelece os parâmetros e os


limites dos debates posteriores. Por meio de seu enquadramento do
problema, vai fornecer os critérios para a qualificação de relevantes ou
irrelevantes e, portanto, selecionadas ou não selecionadas, das posições
que vierem a se apresentar. Os argumentos contrários a uma definição
primária acabam obrigados a seguirem a demarcação dela do que é o
problema em questão.
Ben Bagdikian estabelece uma idéia que é central à teoria estrutura-
lista:

o preconceito a favor de fontes noticiosas especializadas e


estabelecidas é um reflexo do fato óbvio de que os mídia noti-
ciosos refletem em toda a parte os valores dominantes da soci-
edade. Embora o afastamento destes valores seja inerentemente
noticiável pelos padrões convencionais, tendem a ser apresenta-
dos como interessantes por causa da sua excentricidade, ou na-
tureza bizarra, obscurecendo qualquer significado social impor-
tante (BAGDIKIAN. In TRAQUINA, 2001, p. 116).

Então, se um primary definer coloca, numa cobertura de uma deter-


minada ação do MST, que os sem-terra estavam armados, este passa a
ser o ponto central da questão a ser tratada pela matéria, e não a estru-
tura fundiária brasileira ou se aquele latifúndio ocupado cumpre ou não
sua função social, conforme a Constituição brasileira. E mesmo fontes
ligadas aos sem-terra – para que se cumpra a regra fundamental de “ou-
vir os dois lados” – terão de responder se eles estavam ou não armados,
para não “desviarem do assunto”.
Traquina entende que também a teoria estruturalista sofre de um
excessivo determinismo. Para ele, a relação entre os primary definers
e os jornalistas é vista aqui de maneira unidirecional, na qual aqueles
sempre comandam a ação. Na teoria estruturalista, ainda conforme Tra-
quina, nunca há um processo de negociação antes da definição principal

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O jornalismo e a construção da hegemonia 67

e, “encarado como um espaço de reprodução da ideologia dominante, o


campo jornalístico perde o seu potencial como objeto de disputa, como
recurso potencial para todos os diversos agentes sociais” (TRAQUINA,
2001, p. 94).

3.1.6 A teoria etnoconstrucionista


A teoria etnoconstrucionista 9 compartilha com a estruturalista a idéia
de que a notícia é uma construção social, fruto de processos comple-
xos de interação entre jornalistas, fontes, comunidade profissional, so-
ciedade, etc. Ambas rejeitam também a teoria do espelho e desta-
cam as condicionantes do local de trabalho dos jornalistas (integrando
contribuições da teoria organizacional). E reforçam a importância dos
valores-notícia e das rotinas e procedimentos dos jornalistas na execu-
ção de seu trabalho, além de afirmarem um certo grau de autonomia
dos jornalistas, negando uma visão instrumentalista da notícia e classi-
ficando a teoria da ação política como uma “teoria conspiratória”.
Jorge Pedro Sousa avança uma definição de notícia capaz de sinteti-
zar a visão da teoria etnoconstrucionista. Para ele, notícias são
artefatos lingüísticos que procuram representar determinados
aspectos da realidade e que resultam de um processo de constru-
ção e fabrico onde interagem, entre outros, diversos fatores de
natureza pessoal, social, ideológica, cultural, histórica e do meio
físico/tecnológico, que são difundidos pelos meios jornalísticos
e aportam novidades com sentido compreensível num determi-
nado momento histórico e num determinado meio sociocultural
(ou seja, num determinado contexto), embora a atribuição úl-
tima de sentido dependa do consumidor da notícia. Registre-se
ainda que, embora as notícias representem determinados aspec-
tos da realidade cotidiana, pela sua mera existência contribuem
para construir socialmente novas realidades e novos referentes
(SOUSA, 2002, p. 13).
9
Em 2004, sob encomenda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e Mí-
dia da UFSC, Traquina publicou no Brasil, pela editora Insular, o volume 1 do livro
Teorias do Jornalismo. Porque as notícias são como são. Ali, chamou este conjunto
de teoria interacionista, embora no corpo do texto use também o termo teoria etno-
construcionista.

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68 João José de Oliveira Negrão

A socióloga norte-americana Gaye Tuchmann, uma das importan-


tes pesquisadoras desta linha, procura mostrar como as rotinas diárias
dos jornais influenciam a cobertura, uma vez que eles se vêem colo-
cados frente a um desafio pela natureza dúplice de sua matéria-prima:
os acontecimentos podem surgir em qualquer parte e podem surgir a
qualquer momento.
Frente a tal imprevisibilidade – e ainda pressionados pelos horários
de fechamento –, os jornais tentam impor uma ordem no espaço e no
tempo. No primeiro caso, criando uma rede noticiosa de repórteres,
correspondentes e setoristas, além da compra dos serviços de agências,
para capturar os acontecimentos. Isso implica que aqueles julgados no-
tícia terão tendência a ocorrer em determinados locais e não em outros.
Por exemplo: as bolsas de valores, a Câmara dos Deputados, os grandes
clubes de futebol, etc. contam com setoristas de plantão diariamente. A
possibilidade que têm, então, de gerar notícias é muito maior que a de
um sindicato de trabalhadores, um movimento popular ou uma câmara
de vereadores de uma pequena cidade do interior do país, que não têm
jornalistas previamente designados para acompanhar seu dia-a-dia.
O tempo é outra variável importante: mesmo os acontecimentos des-
tes locais determinados terão maior possibilidade de virar notícia caso
ocorram durante as horas normais de trabalho da redação. Um processo
de decisão governamental ou uma partida de futebol que, por algum
problema, tenham conclusão após a meia-noite dificilmente estarão nos
jornais impressos do dia seguinte 10 . Outra forma de enfrentar o tempo
é o agendamento de pautas, por meio do qual as empresas listam os
acontecimentos previstos e tentam planejar o futuro.
Molotoch e Lester, em As notícias como procedimento intencional:
acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e es-
cândalos 11 , ampliam os componentes deste jogo noticioso, ao identifi-
car jogadores diferentemente posicionados.
10
Outros meios, como o rádio e a televisão, também enfrentam problemas de tempo
e de espaço. A TV, por exemplo, apesar dos avanços tecnológicos, ainda precisa
deslocar uma certa parafernália para a cobertura de determinado acontecimento e nem
sempre há equipes disponíveis. O rádio, apesar de mais ágil, também não consegue
estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
11
Reeditado em TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “es-
tórias”. 2a ed. Lisboa: Vega, 1999.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 69

Primeiro, há os promotores de notícia (news promoters) –


aqueles indivíduos e seus associados (por exemplo, Nixon, a se-
cretária de Nixon; Kunstler, o porta-voz de Kunstler; um-homem-
que-viu-um-disco-voador) que identificam (e tornam assim ob-
servável) uma ocorrência como especial, com base em algo, por
alguma razão, para os outros. Em segundo lugar, há os news as-
semblers (jornalistas, editores e rewritemen) que, trabalhando a
partir dos materiais fornecidos pelos promotores, transformam
um perceptível conjunto finito de ocorrências promovidas em
acontecimentos públicos através de publicação ou radiodifusão.
Finalmente, há os consumidores de notícias (news consumers)
(por exemplo, os leitores), que analogamente assistem a deter-
minadas ocorrências disponibilizadas como recursos pelos meios
de comunicação social e criam, desse modo, nos seus espíritos
uma sensação de tempo público. (MOLOTOCH e LESTER. In
TRAQUINA, 1999, p. 38).
Neste espaço de disputa que é a construção das notícias, os pro-
motores diferentemente posicionados tentarão dar vida pública a certas
ocorrências, buscando transformá-las em notícias, assim como evitar
que outras cheguem ao conhecimento dos públicos. Nesta concorrên-
cia, Traquina identifica uma dimensão essencial da luta simbólica nas
sociedades contemporâneas. E Molotoch e Lester identificam três for-
mas distintas dos agentes terem acesso à mídia: o acesso habitual, o
acesso disruptivo e o acesso direto.
No primeiro caso, indivíduos ou grupos em determinada localização
serão sempre “boas fontes” (espera-se que um governador de estado,
um presidente da Câmara dos Deputados ou um craque de time grande
sempre tenham coisas importantes a dizer). No segundo, grupos ou
indivíduos fora do campo das “boas fontes” promoverão acontecimen-
tos fora da rotina para participar da construção da experiência pública.
As greves, manifestações públicas que fecham o trânsito, as ocupações,
etc. enquadram-se aqui. O acesso direto é aquele reservado aos pró-
prios jornalistas, que têm certo poder de interferir nas reportagens que
desenvolvem. Para Molotoch e Lester, “o acesso habitual é uma das
importantes fontes e sustentáculos das relações existentes de poder” (In
TRAQUINA, 1999, p. 44)
A seleção das fontes é outro elemento destacado pelos autores da
teoria etnoconstrucionista. Traquina elenca três critérios que se desta-

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70 João José de Oliveira Negrão

cam entre os jornalistas para avaliar as fontes: autoridade, produtividade


(capacidade da fonte de oferecer materiais suficientes para a produção
da notícia) e credibilidade. Então, para ele, “devido a estes critérios é
fácil compreender que as fontes oficiais correspondem melhor que as
outras a necessidades organizativas das redações” (TRAQUINA, 2001,
p. 106).
Também ocupam papel de destaque nestes estudos as rotinas do tra-
balho jornalístico. Traquina destaca que para a teoria etnoconstrucio-
nista, os jornalistas, diante do excesso de acontecimentos – os grandes
jornais recebem material diário suficiente para três, quatro e até mais
edições – e do pouco tempo, somado aos critérios de avaliação das fon-
tes, implicam-se numa dependência dos canais de rotina. E o próprio
saber profissional se vincula também à capacidade de conhecer formas
rotineiras de processar diferentes tipos de informação e adequá-los a de-
terminados padrões cognitivos. Vem daí o uso dos exemplos didáticos
e comparativos – extensão de terras comparadas a tamanhos de campos
de futebol, quantidades de dinheiro comparadas ao número de carros
populares que poderiam comprar, etc –, tão comuns à imprensa.
Sousa ressalta estes aspectos:

como o ser humano só processa uma pequena quantidade


de informação a cada momento, os jornalistas, sob a pressão do
tempo, farão um uso adaptado de rotinas cognitivas que lhes se-
jam familiares para organizar as informações e produzir sentido.
[...] Outras pesquisas no campo da psicologia cognitiva mostram
que em condições de sobre-informação as pessoas e, por conse-
guinte, os jornalistas, recorrem a formas estereotipadas de pen-
samento (o que pode ajudar a explicar a padronização noticiosa).
[...] Assim, um jornalista constrangido pelas formas rotinizadas
de avaliar as situações e sua própria atividade, poderá tender a fa-
bricar informação padronizada e a selecionar sempre como tendo
valor noticioso o mesmo tipo de acontecimentos. (SOUSA, 2002,
p. 40-41).

Tal rotinização leva, ainda, a uma certa dependência em relação às


fontes, especialmente àquelas cercadas de profissionais de assessoria de
imprensa ou de relações públicas, que conhecem sobre a mecânica do
trabalho jornalístico. Estas fontes terão maior possibilidade de acesso

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O jornalismo e a construção da hegemonia 71

ao campo jornalístico, enquanto outras serão relegadas. Assim, o acesso


aos mídia é um poder e, conforme Traquina (2001: 112), “os movimen-
tos sociais com poucos recursos têm dificuldades em ver seus aconteci-
mentos transformados em notícia”. E completa:
Assim, tal como a teoria estruturalista, a teoria construcionista de-
fende que as notícias são um aliado das instituições legitimadas. De-
vido à necessidade de impor ordem no espaço e no tempo, a estória
do jornalismo, no seu funcionamento diário, é descrita como sendo es-
sencialmente a estória da interação de jornalistas e fontes oficiais. As
fontes provêm sobretudo da estrutura do poder estabelecido e, por isso,
as notícias tendem a apoiar o status quo (TRAQUINA, 2001, p. 113)

3.2 Os efeitos sociais da comunicação jorna-


lística
Durante muito tempo – entre os anos 20 e 70 do século XX —, a questão
dos tipos de efeitos provocados nos receptores pelos meios de comuni-
cação de massa, quando considerada com alguma relevância, limitava-
se àqueles mais imediatos e diretos, pois, conforme aquela que pode ser
considerada a primeira teoria da comunicação de massas, a teoria hipo-
dérmica, “cada indivíduo é um átomo isolado que reage isoladamente
às ordens e sugestões dos meios de comunicação de massa monopoli-
zados”. (WRIGHT MILLS. In WOLF, 1995, p. 24).
A idéia básica, aqui, é a capacidade ilimitada dos meios de comu-
nicação de dirigir o processo comunicativo, sem que o receptor tenha
qualquer papel crítico, interpretativo ou de ressignificação da mensa-
gem. Se forem tecnicamente bem construídas e transmitidas, “as men-
sagens da propaganda conseguem alcançar os indivíduos que consti-
tuem a massa, a persuasão é facilmente ‘inoculada’. Isto é, se o ‘alvo’
é atingido, a propaganda obtém o êxito que antecipadamente se estabe-
leceu” (WOLF, 1995, p. 24).
Esta primeira teoria foi questionada pelo desenvolvimento de teorias
e experimentações posteriores no campo da comunicação de massas.
Nos anos 40, desenvolvendo estudos sobre a campanha eleitoral daquele
ano, Paul Lazarsfeld e sua equipe apontam para um papel limitado dos
meios de comunicação. Para eles, conforme Traquina (2001, p. 16),

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72 João José de Oliveira Negrão

este papel é, principalmente, reforçar atitudes e opiniões existentes, não


alterá-las. Entra em cena, então, a idéia dos efeitos limitados da mídia,
que, conforme Traquina (op. cit.), tornou-se o paradigma dominante no
início dos anos 60, embora contraditado por outras posições, como as
defendidas pela Escola de Frankfurt.
O sucesso da teoria dos efeitos limitados, segundo WOLF (1995,
p. 127), deveu-se, entre outros, à adequação dela às grandes empresas
de comunicações de massa e à imagem dos jornalistas, pois ajudava
a defender, “uns e outros, de controles e pressões sociais excessivas,
que seriam, pelo contrário, inevitavelmente acentuados desde que se
acreditasse na idéia de uma influência maciça dos mass media sobre o
público”.
Sintetizando, pode-se afirmar, com Schultz, que o estudo sobre os
efeitos da mídia permaneceu por muito tempo preso às seguintes pre-
missas:

a) os processos comunicativos são assimétricos: existe um


sujeito ativo que emite o estímulo e um sujeito passivo que é
impressionado por esse estímulo e que reage;
b) a comunicação é individual; é um processo que diz res-
peito, antes de mais nada, a cada indivíduo e que deve ser estu-
dado nesses indivíduos;
c) a comunicação é intencional; o início do processo, por
parte do comunicador acontece intencionalmente e dirige-se, em
geral, a um objetivo; o comunicador visa um determinado efeito;
d) os processos comunicativos são episódicos: o início e o
fim da comunicação são limitados no tempo e os episódios co-
municativos têm um efeito isolável e independente (SCHULZ.
In WOLF, 1995, p. 125-126).

Mas este paradigma está sendo superado. Desloca-se o pressuposto


dos efeitos de curto prazo para as conseqüências de longo prazo, pois,
conforme Roberts, “as comunicações não intervêm diretamente no com-
portamento explícito; tendem, isso sim, a influenciar o modo como o
destinatário organiza a sua imagem do ambiente” (In WOLF, 1995, p.
126), quer dizer, os meios de comunicação provocam efeitos cognitivos
sobre o sistema de conhecimento dos indivíduos, não apenas pontuais,
mas sedimentados no tempo. Assim, com Wolf (Op. Cit.), podemos

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O jornalismo e a construção da hegemonia 73

afirmar que no centro da questão dos efeitos coloca-se a relação entre


a ação constante da mídia e o conjunto de conhecimentos sobre a reali-
dade social, “que dá forma a uma determinada cultura e sobre ela age,
dinamicamente”.

3.2.1 A hipótese de agenda setting


No final dos anos 60, os professores norte-americanos Maxwell Mc-
Combs e Donald Shaw formularam a hipótese de agenda setting, bus-
cando estudar que tipo de efeitos os meios de comunicação de massa
provocam em seus receptores. Para a hipótese do agenda setting só se
tornam assunto de uma agenda pública de discussões aqueles temas –
entre os milhares possíveis – que ganhem espaço nos jornais, revistas,
rádios e tevês. É preciso, aqui, marcar uma distinção: há duas esferas
possíveis em relação às quais as pessoas orientam suas conversas. Uma
é aquela que pode ser chamada de “agenda pessoal”, onde se localizam
temas que dizem respeito à vida privada de cada um: o filho que ado-
eceu, o carro que quebrou. Estes são temas não-mediatizados. Neste
nível, é baixa ou nula a influência da mídia, porque só pessoas muito
próximas conversarão sobre eles.
Há, porém, uma esfera de assuntos comuns, que parte significativa
dos agentes sociais conhece e sobre os quais fala. É aí, segundo a hi-
pótese, que a mídia, pela seleção, disposição e incidência das notícias,
determinará os temas. Assim, para E. Shaw,

em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos ou-


tros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta aten-
ção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos
cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou ex-
cluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass me-
dia incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso,
o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma
importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass
media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW.
In WOLF, 1995, p. 130).

Barros Filho (1995) mostra dois exemplos de agenda setting. O jor-


nalista norte-americano Lincoln Steffens, em sua autobiografia, conta

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74 João José de Oliveira Negrão

como, no jornal Evening Post, decidiu publicar histórias policiais pito-


rescas, que eram até então relegadas. O “furo” fez que outros jornais
tivessem o mesmo procedimento. O aumento dos crimes tratados pelos
jornais levou público e autoridades a considerar a criminalidade mais
relevante (na época, falou-se até de “crime wave”), sem que, na reali-
dade, houvesse uma elevação estatística do número de crimes.
Outro exemplo interessante diz respeito à divulgação em 1993, pelo
Fantástico, da Rede Globo, do movimento separatista República dos
Pampas, então existente no Rio Grande do Sul, segundo seus idealiza-
dores, há mais de cinco anos. No entanto, para a quase totalidade do
País, tal movimento — de baixíssima penetração no próprio sul do Bra-
sil, é necessário frisar – passou a existir naquele momento. E a partir da
divulgação, que fez outros veículos também se voltarem para o tema,
um movimento político sem expressão levou os ministros da Justiça, do
Exército, o Presidente da República e até o secretário-geral da ONU
a se pronunciarem sobre ele, o mesmo acontecendo com discursos no
Congresso Nacional. Passada esta onda, a República dos Pampas voltou
ao desconhecimento, por não ter bases enraizadas.
A hipótese de agenda setting veio a lume em 1972, quando Mc-
Combs e Shaw publicam os resultados de um estudo realizado em 1968,
na localidade de Chapel Hill, na Carolina do Norte (EUA)12 . A idéia
central à hipótese, no entanto – sem usar o nome – pode ser encontrada
em diferentes autores e trabalhos anteriores. Hohfeldt (2001) aponta
influências de Gabriel Tarde (A opinião e as massas) e Walter Lipp-
mann (Public opinion, de 1922),também apontado como antecessor por
Barros Filho (1995), que indica outros: Robert Ezra Park (The city, de
1925); Norton Long (The local community as na ecology of games, de
1958); Bernard Cohen (The press and foreign policy, de 1963); Gladys
Lang e Kurt Lang (The mass midia and voting, de 1966).
A premissa inicial da agenda setting é aquela avançada por Cohen:
a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir
dizer às pessoas como pensar, mas tem, no entanto, uma capaci-
dade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre o que
pensar. O mundo parece diferente a pessoas diferentes, depen-
dendo do mapa que lhes é desenhado pelos redatores, editores e
12
The agenda setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, n. 36,
1972, p. 176-187

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O jornalismo e a construção da hegemonia 75

diretores do jornal que lêem (COHEN. In TRAQUINA, 2001, p.


19).

3.2.1.1 Evolução histórica da hipótese


A idéia central de agenda setting, conforme expressa por Cohen (não
dizer como pensar, mas sobre o que pensar) ganhou complexidade e
alterações com a evolução das pesquisas que a tinham como núcleo
de preocupação. Traquina as historia da seguinte maneira: Funkhou-
ser (1973/1991), MacKuen (1981) e MacKuen e Coombs (1982) desco-
brem que a preocupação pública com os problemas reflete as mudanças
ao longo do tempo na atenção prestada a esses problemas pelos mídia.
Em outra pesquisa, Iyengar, Peters e Kinder (1982/1991) concluem que
“os espectadores expostos às notícias dedicadas a um problema em par-
ticular ficam mais convencidos da sua importância. Os programas das
redes noticiosas parecem possuir uma poderosa capacidade de moldar a
agenda pública” (TRAQUINA, 2001, p. 35).
A sucessão das pesquisas tendo por base a hipótese da agenda set-
ting levou seus primeiros e principais promotores a reformularem a defi-
nição inicial aventada por Cohen. McCombs e Shaw, em 1993, naquilo
que podemos considerar o significado forte da hipótese – em contra-
posição ao significado fraco, que postula que mais do que impor o que
pensar, a mídia tem a capacidade de definir sobre o que pensar —, afir-
mam que

o agendamento é consideravelmente mais que a clássica as-


serção de que as notícias nos dizem sobre o que pensar. As no-
tícias também nos dizem como pensar nisso. Tanto a seleção de
objetos que despertam a atenção como a seleção de enquadra-
mentos para pensar esses objetos são poderosos papéis de agen-
damento. [Assim] o clássico somatório de Bernard Cohen (1963)
do agendamento – os mídia podem não nos dizer o que pensar,
mas são incrivelmente bem sucedidos ao dizer-nos em que pen-
sar – foi virado pelo avesso. Novas investigações, explorando
as conseqüências do agendamento do enquadramento dos mídia,
sugerem que os mídia não só nos dizem em que pensar, mas tam-
bém como pensar nisso, e conseqüentemente o que pensar (TRA-
QUINA, 2001, p. 33-34)

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76 João José de Oliveira Negrão

3.2.1.2 Conceitos fundamentais para o entendimento da hipótese


Para o esclarecimento acerca dos desdobramentos que a hipótese de
agenda setting nos estudos que levem em conta suas premissas, é fun-
damental que alguns conceitos básicos sejam bem definidos. Hohlfeldt
assim os oferece:

Acumulação – capacidade que a mídia tem de dar relevân-


cia a um determinado tema, destacando-o do imenso conjunto de
acontecimentos diários que serão transformados posteriormente
em notícia e, por conseqüência, em informação.
Consonância – apesar de suas diferenças e especificidades,
os mídias possuem traços em comum e semelhanças na maneira
pela qual atuam na transformação do relato de um acontecimento
que se torna notícia. Conseqüentemente, alguns princípios gerais
podem ser aplicados, independentemente de suas idiossincrasias.
Onipresença – um acontecimento que, transformado em no-
tícia, ultrapassa os espaços tradicionalmente a eles determina-
dos se torna onipresente. Por exemplo, quando a página policial
acaba por se ocupar de um assunto desportivo (o recente episódio
envolvendo a corrupção de juízes por dirigentes de futebol).
Relevância – ela é avaliada pela consonância do tema nas di-
ferentes mídias, ou seja, se um determinado acontecimento acaba
sendo noticiado por todas as diferentes mídias, independente-
mente do enfoque que lhe venha a ser dado, ele possui relevância.
Frame temporal – quadro de informações que se forma ao
longo de um determinado período de tempo e que nos permite a
interpretação contextualizada do acontecimento; ele cobre todo o
período de levantamento de dados das duas ou mais agendas (isto
é, a agenda da mídia e a agenda dos receptores, por exemplo).
Time lag – é o intervalo decorrente entre o período de le-
vantamento da agenda da mídia e a agenda do receptor, isto é,
como se pressupõe a existência de um efeito de influência da mí-
dia sobre o receptor, ela não se dá mágica e imediatamente, mas
necessita de um certo tempo para se efetiva e ser constatável. A
este intervalo de tempo se denomina time-lag.
Centralidade – capacidade que os mídias têm de colocar como
algo importante determinado assunto, dando-lhe não apenas re-
levância quanto hierarquia e significado. Há muitos assuntos que
são noticiados constantemente mas que não são conscientizados

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O jornalismo e a construção da hegemonia 77

com centrais (isto é, decisivos) para a nossa vida, enquanto ou-


tros assim se tornam. Por exemplo, a questão do Plano Real e a
queda da inflação como um elemento alternativo de redistribui-
ção de riqueza.
Tematização – é o procedimento implicitamente ligado à cen-
tralidade, na medida em que se trata da capacidade de dar o des-
taque necessário (sua formulação, a maneira pela qual o assunto
é exposto), de modo a chamar a atenção. Um dos desdobramen-
tos da tematização é a chamada suíte de uma matéria, ou seja, os
múltiplos desdobramentos que a informação vai recebendo, de
maneira a manter presa a atenção do receptor naquele assunto.
Saliência – valorização individual dada pelo receptor a um
determinado assunto noticiado, que se traduz pela percepção que
ele venha a emprestar à opinião pública.
Focalização – a maneira pela qual a mídia aborda um de-
terminado assunto, apoiando-o, contextualizando-o, assumindo
determinada linguagem, tomando cuidados especiais para a sua
editoração, inclusive mediante a utilização de chamadas especi-
ais, chapéus, logotipias, etc. (HOHLFELDT, 2001, p. 201-203)

3.2.1.3 As diferentes capacidades de agendamento


Diferentes veículos têm diferentes capacidades de influir na definição
dos temas que serão assuntos de debate público. O agendamento tam-
bém depende da natureza do assunto: quanto mais próximo ele for da
experiência pessoal direta da audiência — desemprego, custo de vida,
criminalidade — menor o efeito de agenda setting, que se torna mais
marcante à medida que o assunto se afaste deste contato, como política
internacional e ciência, por exemplo. Conforme Barros Filho (1995) e
Traquina (2001), Zucker vai identificar os temas como obstrusive, no
primeiro caso, e non-obstrusive, no segundo.
Outros estudos buscam precisar o grau de influência a partir da na-
tureza do veículo. Pesquisa de Benton e Frazier, voltada para temas
econômicos, citada por Wolf (1995), distingue três níveis de conheci-
mento: o primeiro, superficial, inclui apenas o título da área temática
(economia, poluição, política); o segundo já implica certas articulações
de conhecimentos (causas, soluções propostas); o terceiro relaciona-se à
complexidade ainda maior (argumentos favoráveis e contrários, grupos

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78 João José de Oliveira Negrão

que apóiam diferentes estratégias para determinadas soluções). Para os


autores

a televisão parece desempenhar um papel secundário, pouco


significativo, na determinação da agenda nos níveis dois e três,
que implicam um conhecimento mais aprofundado dos temas
econômicos. No momento em que a hipótese do agenda setting
se articula sobre diversos níveis do processo de aquisição de in-
formações, os dados obtidos revelam papéis diferentes para os
vários mass media (WOLF, 1995, p. 141).

McCombs – um dos pais da hipótese de agenda setting –, em artigo


de 1976, tem conclusões semelhantes. Para ele, os jornais impressos são
os principais “promotores da agenda do público”, embora a televisão
tenha impactos, no curto prazo, na composição desta agenda. McCombs
afirma que o “melhor modo de descrever e distinguir esta influência
será, talvez, chamar agenda setting à função dos jornais e enfatização
(ou spot-lighting) à da televisão” (WOLF, 1995, p. 145).
Este papel relativamente secundário dispensado à televisão quanto à
proeminência na capacidade de agendamento é questionado por alguns
autores, principalmente se levarmos em conta o que chamei de signi-
ficado forte da hipótese. O questionamento ganha destaque em países
como o Brasil, onde é baixo o índice de leitura de jornais13 , enquanto a
televisão está presente em quase 90% dos domicílios.
Lima, na construção do conceito de Cenário de Representação da
Política (CR-P), afirma que a televisão exerce a posição dominante frente
aos outros veículos no que diz respeito à audiência e à credibilidade.
No Brasil, afirma Lima, a imprensa diária, proporcionalmente, manteve
praticamente a mesma tiragem nos últimos 20 anos, enquanto a televi-
são consolidou-se nacionalmente, “dominada por um ‘virtual monopó-
lio’ de audiência e de verbas publicitárias de uma única rede” (LIMA,
2001, p. 194).
13
Dados da coluna do ombusdman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, de
13/03/05, mostram queda acentuada da circulação dos três maiores jornais brasilei-
ros. A Folha, em 1995, tinha uma tiragem média de 606 mil exemplares/dia; em
2004, essa média caiu para 308 mil; O Globo caiu de 412 mil/dia em 95 para 257
mil/dia em 2004; enquanto O Estado de S. Paulo saiu da média de 385 mil/dia em 95
para 233 mil/dia em 2004..

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O jornalismo e a construção da hegemonia 79

Citando pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Canadá, México,


Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Brasil e outros países da América
Latina, Lima destaca que
é interessante observar que a posição da televisão como mí-
dia dominante contemporânea ‘iguala’, para efeito de eventual
aplicação do conceito e das hipóteses relacionadas ao CR-P, paí-
ses considerados de ‘primeiro’ e ‘terceiro’ mundos, com níveis
médios de escolaridade e renda e até mesmo com sistemas par-
tidário e eleitoral significativamente diferentes, por exemplo os
Estados Unidos e o Brasil (LIMA, 2001, p. 194-195)

3.2.1.4 Críticas à hipótese de agenda setting


Sampedro, discutindo as teorias dos efeitos midiáticos sobre a opinião
pública, as divide em dois paradigmas clássicos: o elitismo, que pres-
supõe que os meios de comunicação exercem um controle quase total
sobre um público inerte e passivo, enquanto o pluralismo concebe um
conjunto de consumidores soberanos que criam uma demanda diver-
sificada ou audiências que interpretam com liberdade o conteúdo dos
meios. Apenas a título de informação – que não pretendo desenvolver
aqui —, vale registrar que Sampedro formula um terceiro paradigma,
baseado na teoria da estruturação de Giddens, por ele denominado eli-
tismo institucional, segundo o qual
la opinión pública estaría condicionada – pero no determi-
nada – por sus estructuras sociales y por tres rasgos de la lógica
institucional o modo de funcionamiento de los medios de comu-
nicación. En primer lugar, se admite que las estructuras de los
públicos (clase social, educación formal, género o etnia) impo-
nem ciertas limitaciones materiales y culturales. Pero también
funcionan como recursos que pueden potenciar su autonomía.
Otro tanto puede afirmarse de la dependencia mediática respecto
a otras instituciones (sobre todo el Estado y el mercado), de cómo
los medios entienden sua relaciones con la audiencia, y de cómo
presentan sus contenidos (SAMPEDRO, 1999, p. 129).

A hipótese do agenda setting é colocada por Sampedro no quadro


elitista, dominante na communication research até os anos 40 e recupe-
rado na década de 70. As teorias elitistas, segundo ele

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80 João José de Oliveira Negrão

1. pecan de mediacentrismo, porque absolutizan los médios como la


única institución que informa a la opinión pública. Se olvida, por
tanto, que existen otras fuentes de conocimiento social como la
experiencia propria, el saber común o heredado, o la conversación
en los grupos primarios.

2. Postulan efectos individuales que, como es lógico, se fundamen-


tan em la psicología, perdiendo la perspectiva sociológica (...) Y
la agenda-setting o la espiral del silencio adoptan una perspectiva
sistémica, de efectos cognitivos y acumulativos de gran calado
pero bastante tautológicos. Porque? Qué otra cosa puede hacer
un electorado cada vez más alejado de los centros de decisión y
de debate sino seguir la agenda seleccionada por los periodistas y
las perspectivas que se postulan como mayoritarias? (...)

3. Por último, las corrientes elitistas señalan a los proprietarios o


a los profesionales de los medios como los únicos responsables
de los efectos sobre la opinión pública, sin detallar los procesos
intermedios (...) (SAMPEDRO, 1999, p. 135-136)

3.2.2 Espiral do silêncio


Formulada e desenvolvida pela socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neu-
mann, num texto de 1972 sintomaticamente chamado Return to the con-
cept of powerful mass media, a hipótese da espiral do silêncio tem por
objetivo desvendar mecanismos que constroem a opinião pública. A
autora é especialista em demoscopia14 e fundou com o marido, após a
Segunda Guerra – quando retornou do exílio forçado pelos nazistas – o
Instituto de Demoscopia Allensbach.
A espiral do silêncio baseia-se no medo que os agentes sociais têm
do isolamento, no que respeita aos seus comportamentos, atitudes e opi-
niões. Eles buscam a integração social, querem ser populares e não ‘di-
ferentes’. Por isso, as pessoas prestam atenção aos comportamentos e
opiniões considerados majoritários e tentam manifestar-se dentro dos
14
Conforme Hohlfeldt (2001, p. 220), demos (povo) + copia (translado literal)
significa “pesquisar a opinião do público para torná-la conhecida [...] demoscopia é a
pesquisa de opinião pública sob organização científica”

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O jornalismo e a construção da hegemonia 81

parâmetros da maioria, o que as levaria, tendencialmente, a não mani-


festarem opiniões contrárias à opinião dominante. Haveria, então, uma
tendência a que o indivíduo se mantivesse em silêncio, por receio do
isolamento, e não manifestasse sua opinião quando ela é minoritária.
A idéia de uma ‘espiral’ tenta explicar a dimensão cíclica e autoa-
limentadora desta tendência ao silêncio: quando mais uma opinião for
dominada ou minoritária – real ou aparentemente – num determinado
universo social, maior será a possibilidade de que ela não se manifeste,
tornando-se ainda mais minoritária.
E como os agentes percebem essa opinião dominante? Em grande
parte, por ser ela a que é difundida pelos meios de comunicação. Assim,
a opinião pública é “um processo de interação entre as atitudes individu-
ais e as crenças individuais sobre a opinião da maioria. Pela influência
provocada na audiência pelos mass media chega-se à confluência do que
seja a opinião majoritária”.15
Conforme Sousa, na avaliação de Noelle-Neumann

os meios de comunicação tendem a consagrar mais espaço às


opiniões dominantes, reforçando-as, consensualizando-as e con-
tribuindo para ‘calar’ as minorias pelo isolamento e pela não re-
ferenciação. Ou então os meios de comunicação – e é aqui que
reside um dos pontos-chave da teoria – tendem a privilegiar as
opiniões que parecem dominantes devido, por exemplo, à facili-
dade de acesso de uma minoria ativa aos órgãos de comunicação,
fazendo com que essas opiniões pareçam dominantes ou até con-
sensuais quando de fato não o são. Pode dar-se mesmo o caso
de existir uma maioria silenciosa que passe por minoria devido à
ação dos meios de comunicação. (SOUSA, 2002, p. 171)

Este mecanismo, para funcionar, tem como uma de suas condições


a chamada consonância temática: a abordagem mais ou menos homo-
gênea dos mesmos fatos ou assuntos pelos diferentes meios de comu-
nicação. Tal consonância tendencial, conforme Barros Filho (1995), dá
ao conjunto dos produtos informativos e a cada notícia, separadamente,
uma aparência de objetividade e permite aos meios canalizar um fluxo
de opinião, tornando-o dominante.
15
Noelle-Neumann (1973) apud HOHLFELDT (2001, p. 231)

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82 João José de Oliveira Negrão

Para Noelle-Neumann, há mais dois condicionantes além da conso-


nância temática, conforme explica Sousa (op. cit.): a acumulação, ad-
vinda da exposição sucessiva aos meios, e a ubiqüidade, também cha-
mada por Hohfeldt (2001, p. 221) de onipresença da mídia. É só na
atuação deste conjunto que se pode identificar os efeitos poderosos da
mídia.
Como a hipótese da agenda setting, a espiral do silêncio integra as
linhas mais recentes (historicamente) da pesquisa em comunicação, que
refutam a tese dos efeitos limitados. E, conforme Barros Filho, ela

não se limita a apontar uma coincidência temática entre mí-


dia e público (proposta inicial do agenda setting), pois também
constata que a abordagem dada pelos meios a determinado fato,
respeitadas algumas condições de consonância, acaba se impondo
de maneira progressiva. Ou seja, depreende-se dessa hipótese
que os meios não se limitam a impor os temas sobre os quais se
deve falar, mas também impõem o que falar sobre esses temas
(BARROS FILHO, 1995, p. 210-211).

É possível, então, estabelecer uma complementaridade entre agenda


setting e espiral do silêncio, especialmente se levarmos em conta aquilo
que chamei de significado forte, aventado pelos criadores da hipótese,
McCombs e Shaw que, após mais de duas décadas de pesquisa, acabam
por concluir pela capacidade dos mídia de definir o que pensar.

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Capítulo 4

A cobertura da Folha de S.
Paulo e de O Estado de S. Paulo
do Fórum Social Mundial e do
Fórum Econômico Mundial

A Folha de S. Paulo é hoje o jornal com maior circulação no Brasil. Du-


rante a terceira edição do Fórum Social Mundial (FSM), realizada em
Porto Alegre, entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2003, paralelamente ao
Fórum Econômico Mundial (FEM), que aconteceu no mesmo período
em Davos, na Suíça, a Folha criou uma editoria especial, chamada Diá-
logo possível?, na qual publicou as matérias de seus correspondentes,
enviados especiais e agências de notícias relativas aos dois eventos.
O Estado de S. Paulo, embora entre os chamados jornais nacionais
não seja o campeão de tiragens, é tido como um jornal líder de opinião,
ou seja, veículo muito lido e influente entre políticos, empresários, li-
deranças da sociedade civil, etc. O Estadão também criou um caderno
especial para a cobertura dos fóruns social e econômico de 2003, cha-
mado Fóruns globais Davos/Porto Alegre.
Conforme mostram as tabelas Folha FSM e Folha FEM (ver ane-
xos), entre 22 e 28 de janeiro de 2003, a Folha publicou 100 matérias
referentes aos dois fóruns dentro da editoria especial criada. Foram 58
matérias com origem em Porto Alegre (FSM) e 42 com origem em Da-
vos (FEM). As de Porto Alegre ocuparam 1730,80 centímetros de co-

83
84 João José de Oliveira Negrão

luna, acompanhadas por 41 fotografias que, no total, somaram uma área


impressa de 5717,94 cm2 . As de Davos ocuparam 1320,50 centímetros
de coluna, acompanhadas por 28 fotografias que, no total, somaram uma
área impressa de 3553,47 cm2 .
Por sua vez, como mostram as tabelas Estadão FSM e Estadão FEM
(ver anexos), o Estado publicou, entre 22 e 29/01/03, 179 matérias:
97 com origem em Davos (FEM) e 82 com origem em Porto Alegre
(FSM). As de Porto Alegre ocuparam 3514,3 centímetros de coluna,
acompanhadas por 47 fotografias que ocuparam 11290, 49 cm2 . As de
Davos ocuparam 3743,1 centímetros de coluna, acompanhadas por 45
fotos que somaram uma área impressa de 12523,57 cm2 .
As páginas da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo – ambas
no padrão standard – têm uma mancha (área gráfica de impressão) que
comporta 318 cm/col ou uma área de 1568,80 cm2 . Uma primeira com-
paração empírica então já é possível: o Estadão dedicou cerca de uma
vez e meia a mais de espaço para fotos e textos na cobertura dos fóruns,
conforme mostra a tabela abaixo.
Folha de S. Paulo O Estado de S. Paulo
Matérias Cm/col Fotos Área Matérias Cm/col Fotos Área
cm2 cm2
FSM 58 1730,80 41 5717,94 82 3514,30 47 11290,49
FEM 42 1320,50 28 3553,47 97 3743,10 45 12523,57
Total 100 3051,30 69 9271,41 179 7257,40 92 23814,06

Estes dados quantitativos dizem pouco intrinsecamente, mas servem


para uma primeira amostragem sobre a relevância que o tema teve entre
os diferentes veículos.
Quanto à identificação das fontes, temos que, para as notícias vindas
de Porto Alegre e publicadas na Folha, foram ouvidas 65 delas, das
quais foram consideradas 59 favoráveis ao Fórum Social Mundial, 3
críticas e 3 neutras, enquanto que para as notícias oriundas de Davos
foram ouvidas 72 fontes, das quais 42 favoráveis ao FEM, 18 críticas e
12 neutras.
No Estadão, para as matérias cuja origem foi Porto Alegre, foram
ouvidas 107 fontes. Destas, foram consideradas 98 favoráveis ao Fórum
Social Mundial, duas críticas e sete neutras. Já para as vindas de Davos

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O jornalismo e a construção da hegemonia 85

foram ouvidas 118 fontes, das quais 62 favoráveis ao FEM, 22 críticas


e 34 neutras.
Fontes Porto Alegre Fontes Davos
Folha SP Estado SP Folha SP Estado SP
Pró-FSM 59 90,7% 98 91,5% Pró-FEM 42 58,3% 62 52,5%
Críticas 3 4,6% 2 1,8% Críticas 18 25% 22 18,6%
Neutras 3 4,6% 7 6,5% Neutras 12 16,6% 34 28,8%
Total 65 100% 107 100% Total 72 100% 118 100%

Favoráveis foram consideradas aquelas fontes com um posiciona-


mento público amplamente conhecido a favor do conjunto de teses abra-
çadas pelo FSM ou pelo FEM ou, quando a matéria permitia, que ex-
plicitassem opiniões favoráveis a um ou a outro dos fóruns. De modo
semelhante, críticas foram consideradas as fontes com um posiciona-
mento público amplamente conhecido contrário ao FSM ou ao FEM
ou que explicitassem, nas matérias, um posicionamento anti-FSM ou
anti-FEM. Neutras foram as fontes sem posicionamento claro, quer nos
textos, quer publicamente, a respeito dos fóruns.
A escolha das fontes mantém um certo equilíbrio entre os dois veí-
culos. Chama atenção, no entanto, em ambos, um maior número de
fontes críticas (25% na Folha e 18,6% no Estado) ouvidas na cobertura
do FEM em comparação às fontes críticas (4,6% na Folha e 1,8% no
Estado) ouvidas na cobertura do FSM. Se ficarmos, então, apenas pre-
sos à identificação das fontes, pareceria que houve mais espaço para a
crítica ao Fórum Econômico do que ao Fórum Social e, portanto, este
recebeu uma cobertura mais favorável que aquele.
Mas estes números ganham densidade e adquirem caráter explica-
tivo se agregarmos a eles o conceito de enquadramento, que tem como
uma de suas principais fontes o trabalho do sociólogo Erving Goffman,
que, no livro Frame Analysis – voltado para a análise das interações
sociais em geral –, define enquadramentos como marcos interpretati-
vos gerais, socialmente construídos, que permitem às pessoas conferir
sentido tanto aos acontecimentos quanto às situações sociais.
Todd Gitlin busca especificar a noção de enquadramento para o
campo midiático. Para ele,
os enquadramentos da mídia organizam o mundo tanto para

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86 João José de Oliveira Negrão

os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em


grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. En-
quadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição, in-
terpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através
dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso,
seja verbal ou visual, de forma rotineira (GITLIN. In PORTO,
2002, p. 4)

Essa organização se dá, conforme Entman (In PORTO, 2002, p. 5)


pelo processo de a) seleção – selecionar alguns aspectos de uma re-
alidade percebida – e b) saliência – tornando-os mais salientes em um
texto comunicativo. Assim se promove uma definição particular do pro-
blema, além de uma interpretação causal e uma avaliação moral.
Mauro Porto destaca que o enquadramento contribui para superar o
paradigma da objetividade e da imparcialidade da mídia, em especial
na análise da cobertura de eleições, quando muitas pesquisas apenas
medem o espaço ou tempo dedicado a cada candidato. E ressalta que

enquadramentos não se referem apenas a processos de mani-


pulação, mas são parte de qualquer processo comunicativo, uma
forma inevitável através da qual atores fazem sentido de suas ex-
periências. Agentes sociais que desafiam o governo e outros gru-
pos políticos poderosos possuem seus próprios enquadramentos
e buscam, muitas vezes com sucesso, influenciar a produção de
sentido e significados pela mídia (PORTO, 2002, p. 13).

Neste estudo, o enquadramento das matérias foi considerado po-


sitivo quando permitia uma interpretação favorável ao FSM, naquelas
originárias de Porto Alegre, ou ao FEM, se originárias de Davos. Nega-
tivo, no caso do FSM, quando a interpretação depreendida era desfavo-
rável ou destacava aspectos “folclorizantes”1 do encontro, que tendiam
a desqualificá-lo como ator significativo da política mundial. No caso
do FEM, como não há a “folclorização” – o que mostra uma primeira
clivagem significativa –, enquadramento negativo foi aquele que desta-
cou críticas às suas teses.
1
Uso o “folclórico” aqui no sentido que comumente a mídia brasileira empresta
ao termo: o político “folclórico” é aquele que nela ganha espaço mais por suas esqui-
sitices comportamentais, de vestimentas, temas preferenciais ou projetos do que por
uma atuação efetiva nos debates parlamentares. É o político “pouco sério”.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 87

Neutro – que foi a maioria – foi considerado o enquadramento das


matérias claramente informativas, como, por exemplo, a divulgação das
agendas, e as matérias que, apesar de constarem das editorias especiais
criadas, diziam respeito a aspectos e medidas do governo Lula – que
poderiam estar, inclusive, nas editorias “normais” de Brasil ou de Di-
nheiro, no caso da Folha, ou de Nacional ou de Economia, no Estadão
– ou que não tinham qualquer relação com os fóruns.

Enquadramentos Fórum Social Enquadramentos Fórum Econô-


Mundial (Porto Alegre) mico Mundial (Davos)
Folha SP Estado SP Folha SP Estado SP
Positivo 15 25,8% 39 47,5% Positivo 10 23,8% 25 26%
Negativo 14 24,1% 8 9,7% Negativo 2 4,7% 5 5,2%
Neutro 29 50% 35 42,7% Neutro 30 71,4% 66 68,7%
Total 58 100% 82 100% Total 42 100% 96 100%

Vai chamar a atenção aqui, ao contrário da suposição permitida pela


identificação das fontes, o fato de que, na Folha, os enquadramentos
positivo e negativo a respeito do Fórum Social são praticamente iguais
(25,8% e 24,1%, respectivamente). Já o enquadramento positivo do Fó-
rum Econômico é cinco vezes maior que o negativo (23,8% e 4,7%). No
Estadão, o enquadramento positivo do Fórum Social é cerca de cinco
vezes maior que o negativo (47,5% e 9,7%), mesma proporção mantida
entre o enquadramento positivo e negativo do Fórum Econômico (26%
e 5,2%, respectivamente).

4.1 Cobertura do Fórum Social Mundial


A cobertura da Folha sobre o Fórum Social Mundial pautou-se, majo-
ritariamente, em dois eixos: um, o governo Lula (ações de seus mem-
bros e opiniões de figuras públicas próximas ao FSM a respeito de suas
medidas e propostas); dois, seus aspectos mais “folclorizantes” e cari-
caturais. Os debates, conferências e oficinas pouco apareceram, pois a
Folha optou por não cobri-los, embora tivesse prévio conhecimento de
seus conteúdos: no dia 23/01/03, num infográfico na página A 9 (Es-
tarão em Porto Alegre/Destaques da agenda), o jornal elencava figuras
e atividades importantes que estariam presentes em Porto Alegre. Nos

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88 João José de Oliveira Negrão

dias seguintes, nada sobre suas falas, com exceção da conferência de


Noam Chomsky.
De maneira um pouco mais sóbria, a tônica da cobertura de O Es-
tado de S. Paulo foi semelhante; também girou em torno dos eixos go-
verno Lula e as “extravagâncias” do FSM. Os debates, oficinas e con-
ferências – da mesma forma que na Folha – tiveram pouca relevância,
embora também o Estadão, no dia 23/01, no infográfico “Fórum Social
Mundial – Agenda” destacasse: dia 23 – Marcha de abertura às 18h; dia
24 – Discurso de Lula e os painéis Economia solidária, com Ademar
Bertucci e Lorette Picciano; e Como podemos assegurar uma diversi-
dade lingüística e cultural, com Luciana Castellina e Dorval Brunelle;
dia 25 – Painel Além das fronteiras nacionais: migrantes e refugiados,
com Aurora Diaz Javate e Marie Racine; e conferência Fundamentalis-
mos e intolerâncias, com Sherif Hetata e Raji Sourani; dia 26 – Confe-
rência Cinema e política contra a homogeneização do imaginário, com
Citto Maselli e Fernando Solanas; e painel Desenvolvimento democrá-
tico sustentável, com Cristina Carrasco e Tony Clarke; dia 27 – Confe-
rências Como enfrentar o Império, com Noam Chomsky, e Impunidade,
com Adolfo Perez Esquivel e Sérgio Yahni; dia 28 – cerimônia de en-
cerramento. Com exceção do discurso de Lula, nada disso apareceu nas
edições posteriores do Estadão.
Neste dia (23/1), a principal matéria da Folha sobre o Fórum Social
apareceu na página A 9, com um título em seis colunas “Porto Alegre
faz fórum ‘chapa-branca”’, “acusando” o governo Lula de “dar”, por
meio de apoio publicitário da Petrobrás e do Banco do Brasil, R$ 1,3
milhão para a realização do evento. O contraditório só foi aparecer três
dias depois, quando a própria Folha divulgou a estimativa de consumo
na cidade de Porto Alegre: US$ 55,4 milhões durante a realização do
Fórum, entre hospedagem, alimentação, diversão, transportes, etc. Só
em impostos, neste período, a cidade arrecada R$ 4 milhões.
A “tese” do “fórum chapa-branca” reaparece na Folha numa matéria
no dia 24/01/03, “Dulci tenta justificar presença do governo”. Neste dia,
a principal matéria sobre Porto Alegre foi num enquadramento também
negativo: “Líder do MST agora defende alta dos juros”. O texto não
justifica o título. Nele, Stédile diz que, como economista, “entende
haver a necessidade de não baixar a taxa de juros para que o câmbio não
desande”. Ele diz ainda que “baixar os juros agora não significa atingir

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O jornalismo e a construção da hegemonia 89

os objetivos, porque o governo tem de desatar outros nós”. Entender é


diferente de defender.
O Estado de S. Paulo tratou daquele tema no dia anterior, 22/01, na
página A11, onde estava sua principal matéria sobre o FSM, “Lula vai
pregar guerra implacável contra a fome”, destacando que Lula deverá
fazer discursos semelhantes em Porto Alegre e Davos, contra a guerra e
pelo combate à fome no mundo. O texto traz ainda, secundariamente, a
polêmica que a ida de Lula a Davos provocou entre membros do FSM.
Ao contrário do tratamento dado pela Folha, a presença de quadros
do governo e do próprio presidente Lula no encontro é tratada de ma-
neira que não desqualifica o FSM, na matéria “Pela 1a vez, governo
será presença marcante”, na mesma página, com menor destaque. O
tema não voltou a ser abordado.
Ainda no dia 23/01, o Estado trata dos dois encontros em editorial
no qual analisa o “fator Lula” tanto em Davos como em Porto Alegre.
A visão sobre o FSM é negativa, pois uma “parcela não desprezível de
seus adeptos é portadora, menos ou mais entusiástica, de uma agenda
política autoritária, de destruição e desordem”. Neste dia, teve início a
edição do caderno especial “Fóruns globais Davos/Porto Alegre”. Con-
traditoriamente ao editorial, a primeira página do caderno tem um forte
apelo pró-FSM. São duas fotos grandes – a de cima, quase meia página,
mostra soldados montando cerca em Davos e a de baixo, do mesmo ta-
manho, mostra jovens sorridentes chegando ao acampamento de Porto
Alegre. O título vai no mesmo tom: “Davos fala de guerra; Porto Ale-
gre, de paz”. A principal matéria do caderno sobre o FSM, neste dia,
“Marcha pela paz abre encontro de Porto Alegre” tem também um en-
quadramento positivo e trata do planejamento para a abertura do encon-
tro e da expectativa provocada pela participação de Lula.
No dia 24/01, o Estado destaca que “Marcha pela paz reúne 60 mil
em Porto Alegre”, na página H5, e que “Fórum Social é aberto com
‘não’ ao FMI e à Alca”, na página H4. Ambas transmitem uma visão
positiva do FSM. Há ainda um artigo assinado pelo correspondente Gil-
les Lapouge, na página H7, sobre as delegações do governo francês a
Davos e a Porto Alegre, marcadamente pró-FSM. Ele diz que em Porto
Alegre “as idéias pululam e cintilam, enquanto as de Davos perderam
sua cor”. Afirma também que “o messianismo liberal [de Davos] sofreu
um golpe”.

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90 João José de Oliveira Negrão

A Agenda de hoje trazia a conferência Terra, território e soberania


alimentar, com João Pedro Stédile, Francisca Rodriguez e Peter Rosset;
o painel Desenvolvimento democrático e sustentável: resgatando a so-
berania econômica através do cancelamento das dívidas e do controle
de capitais, com Prakarma Raja, entre outros; a mesa da diálogo Qual
globalização e como o mundo deve ser governado?, com mediação de
Soledad Gallego Diaz Fajardo; e o discurso de Lula.
A Folha, no dia 24/01/03, no infográfico Hoje em Porto Alegre,
página A 10, destacava cinco atividades: a participação de Lula, num
discurso contra a guerra e a fome; a conferência de Itsvan Mészáros
e Samin Amin Contra a militarização e a guerra; a mesa de discussão
Alternativas à globalização, com Juan Somavia, secretário-geral da OIT,
e Mário Soares, ex-presidente de Portugal; a conferência de João Pedro
Stédile, do MST, intitulada Terra, território e soberania alimentar; e a
Mobilização contra a reunião da OMC.
No dia seguinte (25/1), a Folha destacou a fala de Lula, com cha-
mada e foto de capa e matéria (“Lula se vê como ‘esperança dos socia-
listas”’), de 58 cm/col. com foto na página A 11 e parte da fala de Sté-
dile (“Invasões continuarão, diz Stédile”), em matéria com 28 cm/col.
na página A 7. Sobre Mészáros, importante intelectual contemporâneo;
Amin, conhecido economista egípcio; Somavia, da OIT; e Mário Soa-
res, ex-presidente de Portugal, com óbvias proximidades com o Brasil,
nenhuma linha, sequer uma nota, o mesmo acontecendo com a mobili-
zação contra a OMC.
Ainda no dia 25, a Folha, no infográfico Hoje em Porto Alegre, des-
tacava a conferência Direitos e Diversidade, com o sociólogo português
Boaventura Souza Santos; Domínio das corporações e crise do sistema
financeiro internacional, com a escritora francesa e membro do Attac,
Susan George; Crise econômico-financeira e alternativas, com José Dir-
ceu e Evelina Herfkens, coordenadora da Campanha para as Metas de
Desenvolvimento do Milênio na Secretaria Geral da ONU; Pleno em-
prego e re-regulação do trabalho, painel com Fred Azcarate, da ONG
Jobs with Justice e João Felício, da CUT; e testemunho de Sebastião
Salgado sobre seu trabalho.
O destaque do Estado do dia 25/01 é o discurso de Lula realizado
no dia anterior, com título e chamada na primeira página, título prin-
cipal da capa do caderno especial e matéria na página H2. O título “O

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O jornalismo e a construção da hegemonia 91

mundo está de precisando de compreensão” e o corpo do texto reforçam


o enquadramento positivo do FSM como espaço de promoção da paz. A
conferência de Stédile foi a principal matéria da página H5 e a sobre o
cancelamento de dívidas apareceu na página H4, com destaque menor.
Merece registro também neste dia artigo publicado na página A2, de
Murilo Flores, ex-presidente da Embrapa, e Felipe Sampaio, do Fórum
de Articulação para o Comércio Ético e Solidário, sob o título “Um ou-
tro mercado é possível?”, que critica o mercado neoliberal e propõe al-
ternativas de sustentabilidade do desenvolvimento. A agenda destacava
a conferência Direitos e diversidade, com Boaventura de Sousa Santos;
e o painel Estratégias para a democratização da mídia, com Daniel Herz
(que não apareceu nem na agenda da Folha).
No dia 26/01/03, a única das atividades destacadas pela Folha na
agenda que apareceu foi a intervenção de José Dirceu. Para as outras,
nenhuma linha. As principais matérias sobre o fórum neste dia, além da
referente a Dirceu (“Dirceu defende taxa social sobre capital”), foram
uma entrevista com Emir Sader (“Sociólogo afirma que governo petista
é ‘esquizofrênico”’), membro do conselho internacional do FSM, num
texto cujo enquadramento qualifica o fórum como interlocutor impor-
tante; “Jovens de Porto Alegre trocam suas casas por dias no acampa-
mento”, que destaca o lado happening do fórum; e uma amplamente ne-
gativa: “Fórum é anti-semita, diz militante judeu”. Apenas uma fonte
foi ouvida, a da entrevista. Ninguém ligado ao FSM foi ouvido para
apresentar outra posição. No dia anterior, em Porto Alegre, houve um
painel sobre democratização da mídia, que não mereceu cobertura da
Folha.
Ainda no dia 26, o infográfico Hoje em Porto Alegre destacava as
seguintes atividades: conferência Paz e valores, com Leonardo Boff e
Eduardo Galeano; seminário sobre a revolução bolivariana, com previ-
são de participação de Hugo Chavez; Partidos políticos, instituições e
democracia participativa, com José Genoíno, Louise Beaudoin, ministra
de Relações Exteriores do Canadá, e Gladys Marin, do Partido Comu-
nista chileno; A cultura política e organizacional dos povos excluídos,
com Frederic Jameson; e Cinema e política: contra a homogeneização
do imaginário, com os cineastas Citto Maselli e Fernando Solanas.
O Estadão de 26/01, domingo, traz como principal matéria uma en-
trevista, na página H8, última do caderno especial, com Aleyda Gue-

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92 João José de Oliveira Negrão

vara, filha de Che. Os dois primeiros parágrafos, que abrem a entre-


vista pergunta-resposta, desqualificam o FSM, “claque de admiradores
embevecidos com a filha do grande ídolo desse Fórum Social, que se
enraivecia com as perguntas e aplaudia animadamente cada resposta”.
Nenhuma linha foi publicada sobre a fala de Boaventura de Sousa San-
tos nem sobre o painel sobre democratização da mídia. A agenda des-
tacava, para o dia, a conferência Paz e valores, com Leonardo Boff e
Eduardo Galeano; e o painel Pelo pleno acesso à água, comida e terra.
No dia 27/01/03 nada do que estava no infográfico da Folha apare-
ceu. O destaque sobre o FSM, com direito a foto e chamada na capa e
uma matéria de 48 cm/col. com direito a três fotos, além de um boxe
(“Torta é crítica bem-humorada, afirma ativista”), com 20 cm/col, foi a
torta no rosto do presidente do PT, José Genoíno. O anúncio feito em
Porto Alegre pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário
Miranda, de que o governo iria implementar um programa de expropri-
ação de terras em fazendas que reincidissem na manutenção de trabalho
escravo, ganhou um destaque menor: 40 cm/col. sem foto, na parte in-
ferior da página A 7. As atividades do dia 28, último dia do encontro,
não foram divulgadas.
O destaque na cobertura do Estadão no dia 27/01 – sem que os ou-
tros pontos da agenda aparecessem – também foi a torta no rosto de
José Genoíno – que ganhou pequena chamada na primeira página, mas
não na capa do caderno especial. A matéria, no entanto, é sóbria: co-
bre o acontecido, mas sem construir uma identificação FSM com in-
conseqüência, diferentemente do que ocorreu com a Folha de S. Paulo.
Merecem destaque ainda a matéria da página H6, “Ongs americanas
acusam Bush de fomentar o conflito”, com críticas de militantes norte-
americanos a Bush e à mídia dos EUA.
O enquadramento negativo fica por conta de uma espécie de crô-
nica, “Woodstock é aqui”, sobre as noites no Acampamento da Juven-
tude. São impressões do repórter Lourival Sant’anna – o mesmo da
entrevista com Aleyda Guevara –, que não ouviu nenhuma fonte. Neste
dia, o Estado publicou também um artigo, na página A2, do intelectual
conservador Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul, onde ele afirma que “no FSM
reúnem-se ‘neocomunistas’ que se envergonham de dizer o seu nome”.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 93

A agenda trazia as conferências Como enfrentar o Império, com Noam


Chomsky; e Impunidade, com Adolfo Perez Esquivel.
No dia 28/01/03, dois títulos de página da Folha, na A 8, “Fórum
acaba com pedidos e paz e guerra”, e na A 9, “Porto Alegre rejeita diá-
logo com Davos”, reforçam um enquadramento negativo do FSM, pois
o tom pacifista do encontro, no primeiro caso, é diminuído e igualado
a pretensões guerreiras de grupos minoritários dentro do FSM. Além
disso, o texto não distingue guerra de libertação nacional de guerra de
agressão.
No segundo caso, os membros do FSM explicam as dificuldades de
representação para o Fórum, embora se digam favoráveis à idéia de um
fundo mundial contra a fome, apresentada por Lula em Davos. Portanto,
o texto está em desacordo com o título: ninguém “rejeita” o diálogo,
apenas não se sabe quem, eventualmente, poderia falar em nome do
FSM, uma vez que nas suas próprias regras, não há documentos finais
nem hierarquia ou dirigentes. A conferência de Chomsky aparece com
destaque na página A9.
A edição do Estado do dia 28/01 traz a principal matéria sobre o
FSM na página H6, última do caderno especial: “Ativistas roubam a
cena em Porto Alegre”, destacando os protestos pacíficos e pacifistas
contra a guerra no Iraque e a exclusão social. O enquadramento, po-
sitivo, é favorável ao FSM. O mesmo ocorre com o texto colocado na
mesma página, “Multidão vai às ruas dizer não à guerra”, onde o repór-
ter conta o que viu na Marcha contra a guerra. Ao contrário, o editorial
da página A3, “A cruz que Lula carrega”, critica o FSM, “o museu das
idéias arcaicas”. A fala de Chomsky não apareceu.
No dia 29, já sem o caderno especial Fóruns globais Davos/Porto
Alegre, as matérias do Estadão sobre o FSM apareceram na página A11,
com a cobertura da entrevista coletiva dos organizadores do terceiro en-
contro do FSM, a criação do Fórum Social das Águas e um infográfico
com os números finais do encontro. A Folha vem com uma única maté-
ria, “’Davos que é anti-Fórum Social’, diz organizador”, no pé da página
A8, espremida por duas propagandas, quase um calhau2 .
2
Calhau, conforme o Novo manual de redação da Folha de S. Paulo são deter-
minados anúncios referentes ao próprio jornal preparados com antecedência para pre-
encher, sempre que necessário, espaços em branco de uma página criados pela falta
de material previsto (jornalístico ou de publicidade). Existe também o “calhau” infor-

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94 João José de Oliveira Negrão

4.2 Cobertura do Fórum Econômico Mun-


dial
O eixo da cobertura da Folha do encontro em Davos foi, essencialmente,
o governo Lula: o que disseram os membros do governo que lá estive-
ram, a avaliação que dele fazem os economistas e empresários presen-
tes. Também aqui, os debates e conferências realizados durante o FEM
aparecem pouco, apesar de, como no caso do FSM, a Folha ter conhe-
cimento prévio da agenda de atividades e publicar boxes com o que
ela considerava as principais discussões do evento. O Estado segue no
mesmo diapasão, focando prioritariamente o governo Lula. No entanto,
ainda que minoritariamente, abre espaços para matérias que trataram da
crise da economia capitalista naquele momento.
Assim foi no dia 22/01, quando O Estado de S. Paulo começa a co-
bertura do FEM chamando a atenção para o clima de pessimismo quanto
à economia mundial. O principal texto, que aparece na página A10, as-
sinado pelo correspondente Jamil Chade e intitulado “Davos buscará
reforçar confiança do capitalismo”, fala de certa perda de prestígio do
Fórum Econômico. Há ainda uma pequena matéria na página A12, “Da-
vos fará plebiscito para expulsar o Fórum”, trazendo a polêmica entre
os moradores de Davos sobre as vantagens e desvantagens de sediar o
encontro.
A Folha não faz referência a Davos neste dia. Nela, no dia 23/01, a
principal matéria sobre Davos apareceu na página A 8, com 74 cm./col.
e um título de seis colunas, “Centro de Davos está sitiado pelo exército”,
assinada pelo enviado especial Clóvis Rossi, um dos mais famosos e
competentes jornalistas brasileiros, com larga experiência internacio-
nal. A título de comparação, vale destacar quer o enviado especial a
Porto Alegre, Rafael Carielo, independente da competência, não goza
do mesmo status de estrela – com ampla liberdade para opinar e se pau-
tar – de Rossi.
A matéria, apesar do título de impacto, é um texto interpretativo
sobre o possível papel que Lula desempenhará no Fórum Econômico
mativo, pequeno texto noticioso sem grande urgência de publicação que os editores e
editores-assistentes devem ter à mão para preencher, em caso de necessidade, espaços
em branco deixados em uma página por falta de material previsto ou para acertar a
modulação.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 95

Mundial. Seu enquadramento, por isso, foi considerado neutro. Neste


dia, ainda na página A 8, a Folha destaca os principais expositores e
o que de mais importante estava programado na agenda. Pouco disso
apareceu nas edições seguintes.
No dia 23/01, o Estado trouxe como principal matéria de Davos o
texto interpretativo “Na pauta de Davos, recessão, terror e guerra”, na
página H2, assinado pelo enviado especial Rolf Kuntz, também um dos
principais jornalistas econômicos do país. A agenda do FEM também
destacava eventos que não apareceram nas edições posteriores. Mere-
cem destaque duas matérias menores, da página H3: “ONGs sobem no
conceito de todos” e “Credibilidade dos líderes está em baixa”, dispos-
tas lado a lado, que mostram resultados de pesquisas de opinião apre-
sentados em Davos e contrapõem a queda de credibilidade dos líde-
res políticos e econômicos do mundo com o aumento da confiança nas
ONGs.
No dia 24/01/03, a principal matéria da Folha, com direito a cha-
mada de capa, apareceu num texto com 57 cm./col.: “Lula e Davos já
falam a mesma língua”. Seu principal gancho foi a opinião de alguns
“oráculos de Davos”, na expressão de Clóvis Rossi, sobre a alta da taxa
de juros no Brasil, anunciada um dia antes.
O infográfico Hoje em Davos destacava o Diálogo com o presidente
do México, com Vicente Fox e José Maria Figueres, diretor do FEM;
Como lutar contra o terrorismo?, com o primeiro-ministro da Malásia,
Mahatir bin Mohamad, o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e o
secretário de Justiça dos EUA, John Ashcroft; O futuro de Israel e da
Palestina, com o ministro das Finanças da Autoridade Palestina, Salam
Fayyad e o ex-primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres; A economia
dos EUA, com o secretário de Comércio dos EUA, Donald Evans, e o
ex-diretor do FMI, Michael Mussa; e Comércio justo – uma alterna-
tiva?, com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz
Fernando Furlan.
No Estado, o destaque do dia 24/01 foi a matéria da página H3,
“Conflito pode colocar o mundo todo em recessão”, com a cobertura da
primeira grande sessão do encontro do FEM. Outra matéria merece des-
taque neste dia: na última página, fazendo contraponto ao texto “Cuba,
a gigante das mentes rebeldes”, assinado pelo enviado especial a Porto
Alegre, Lourival Sant’anna, vem a matéria “China, a gigante dos merca-

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96 João José de Oliveira Negrão

dos reais”, assinada pelo enviado a Davos Fernando Dantas. O contraste


dos títulos fala por si: enquanto o FSM trata de ideologia, é idealista –
no sentido filosófico, de priorizar as idéias sobre a realidade –, o FEM
cuida do concreto. A “agenda de hoje”, na página H7, destacava os
debates sobre o terrorismo; Cultura e religião, com Paulo Coelho; Tec-
nologia para competitividade: da retórica aos resultados, com Manuel
Castells, o Diálogo com Vicente Fox
Na Folha do dia seguinte, só o debate sobre a questão do terrorismo
teve direito à matéria (“EUA ouvem advertências contra a guerra de
premiê malaio em Davos”). Também parte do debate sobre o comér-
cio mundial, do qual participou o ministro Furlan, apareceu secundaria-
mente na matéria “’Charme’ de Lula é vantagem, diz Gil”. No Estadão,
nada sobre o terrorismo. Um dos editoriais do dia, “Oportunidades para
o Brasil em Davos”, na página A3, avalia de forma positiva o FEM e a
participação de Lula no encontro. O debate sobre o comércio mundial
aparece com destaque na matéria “Presença de Lula amplia debate, diz
Furlan”. Quanto aos outros eventos destacados na agendas, nenhuma
linha nos dois jornais.
Ainda neste dia (25/01), a principal matéria da Folha sobre o FEM é
doméstica: “Lula é aconselhado a se descolar de Chávez”. O infográfico
Hoje em Davos, do dia 25, destacava os debates Recuperando o Japão,
com Heizo Takenaka, ministro da Economia do Japão, Joichi Ito, presi-
dente da Neoteny, e Michael Porter, da Harvard Business School; Segu-
rança energética, com Abdulla bin Hamad Al-Attiyah, ministro de Ener-
gia do Qatar, Mikhail Khodorkovsky, chairman da Yukos Oil (Rússia),
Roberto Poli, chairman da ENI (Itália), e Ali bin Ibrahim Al-Naimi, mi-
nistro do Petróleo da Arábia Saudita; A economia global, com Donald
Evans, secretário de Comércio dos EUA, Caio Koch-Weser, ministro de
Finanças da Alemanha, Francis Mer, ministro de Economia da França,
Heizo Takenaka, ministro de Economia do Japão, e Paul Krugman, da
Universidade de Princeton; e A hegemonia dos EUA, com Alexander
Downer, ministro das Relações Exteriores da Austrália, Amre Moussa,
secretário-geral da Liga de Estados Árabes, e Marwan Jamil Muasher,
ministro das Relações da Jordânia. Por seu lado, o Estadão destacava
na agenda, na página H8, apenas a mesa Uma visão da economia global,
com Donald Evans, “entre outros”.
Nada do que estava na agenda apareceu na Folha no dia seguinte. A

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O jornalismo e a construção da hegemonia 97

principal matéria sobre Davos no dia 26/01 é doméstica: em 59 cm./col.


na página A 8, a Folha informa que “Superávit será superior a 4%, diz
Meirelles”. Apesar disso, o enquadramento da matéria sobre o FEM é
positivo, pois em seu nome falam um “acadêmico brilhante” e o “prin-
cipal colunista econômico” do Financial Times. A queda e conseqüente
fratura do tornozelo do presidente do Banco Central, Henrique Meirel-
les, também ganhou destaque. Neste dia, a Folha não publicou a agenda
de Davos.
No Estadão do dia 26/01 as questões internas também são as prin-
cipais. A maior matéria é uma entrevista na página H3 com o cientista
político tucano José Augusto Guilhon de Albuquerque, “O único grande
palanque de Lula é o externo”, onde ele analisa a política externa do
governo brasileiro. Na página H5, os destaques foram “Em Davos, pro-
messa de superávit maior”, onde Otávio Canuto, assessor do Ministério
da Fazenda, fala da intenção de elevar o superávit primário, e “Projeto
de autonomia do BC será entregue em março”. O tombo do ministro foi
cabeça da página H4.
No dia 27/01, o destaque nos dois jornais foi o discurso de Lula
no encontro do Fórum Econômico Mundial. A manchete de primeira
página da Folha, com foto, e a matéria de 78 cm./col., também com
foto, na página A 4 foram sobre o assunto. O Estadão também deu
manchete de primeira página, com foto, chamada de capa de caderno,
também com foto, e matéria com 61 cm/col. Além disso, um editorial
da página A3, “Uma mensagem de maturidade”, elogia a postura de
Lula em Davos, mas reforça a visão de que o FEM é sério, concreto,
enquanto o FSM não superou o “velho vício do esquerdismo latino-
americano”.
No dia 28/01, a Folha traz apenas uma pequena matéria, “Soros
faz elogios a petista e pede apoio ao Brasil”, com material da agência
France Presse, que é praticamente uma repetição do que a própria Fo-
lha já dera no dia 27 sobre as falas do megainvestidor. Já no Estadão
deste dia, o destaque é a matéria “Brasil paga juros excessivos, diz So-
ros”, onde o magnata das finanças comenta as perspectivas da economia
brasileira e mundial.
No dia 29/01, apenas o Estadão continuou tratando do FEM. Fo-
ram duas matérias na página A10, “Davos termina, sem saída para de-
safios globais” e “O exame de consciência do capitalismo”, assinadas

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98 João José de Oliveira Negrão

respectivamente por Fernando Dantas e Rolf Kuntz, enviados especi-


ais a Davos. Em ambas, apesar dos títulos e da identificação da crise
da economia mundial, o enquadramento foi positivo, pois depreende-se
delas uma capacidade auto-regeneradora do FEM. Houve ainda um edi-
torial, na página A3, que elogia a ação de Lula e dos demais membros
do governo brasileiro no encontro de Davos, “templo dos homens de
negócio”.

4.3 O tema agendado: o governo Lula


O governo Lula, que tinha acabado de tomar posse, foi o ponto cen-
tral da cobertura que tanto a Folha de S. Paulo quanto O Estado de S.
Paulo fizeram do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e do Fórum
Econômico Mundial, em Davos. Embora isto seja defensável do ponto
de vista jornalístico, foi possível perceber que seu enfoque excessivo
implicou em inúmeras lacunas no acompanhamento de discussões e ati-
vidades importantes ocorridas nos dois fóruns. O descompasso entre os
eventos destacados nas agendas pelos dois jornais e a cobertura deles
nas edições subseqüentes mostra isso.
O assunto tematizado pelos dois jornais, embora tenha havido em
ambos a preocupação com a criação de vinhetas para identificar as edi-
toriais especiais de cobertura dos encontros de Porto Alegre e de Davos,
foi o governo brasileiro recém empossado. Esta relevância e acumula-
ção – com o conseqüente esvaziamento de outros assuntos – pode ter
provocado efeitos de agenda setting, mas este estudo, por suas limita-
ções (não foram feitos estudos de recepção), não tem como aquilatá-los.
Ainda assim, pelo conjunto de enquadramentos, é possível perceber
uma tendência a se valorizar positivamente o FEM enquanto um encon-
tro sério, que discute problemas concretos e aponta soluções realistas
para graves problemas da humanidade. De outra parte, no caso do FSM,
apesar de referências muitas vezes positivas, no conjunto aparece como
desligado dos problemas reais, com projetos utópicos, bem intenciona-
dos, mas irrealizáveis, o que tende a reforçar, ainda que passivamente,
ou seja, pela descrença em alternativas, as bases da atual configuração
hegemônica.
A análise destes dados a partir de uma grade formada pelas teorias

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O jornalismo e a construção da hegemonia 99

do jornalismo apresentadas no capítulo 3 mostra a insuficiência de al-


gumas e as possibilidades explicativas de outras. A teoria do espelho é
claramente incapaz de explicá-los: os “fatos” estavam lá, ao alcance dos
repórteres, pauteiros e editores. No entanto, não viraram notícias. Os
leitores da Folha e do Estadão acompanharam uma cobertura seletiva,
restrita e não puderam “formar” uma opinião a partir de um conjunto de
informações objetivas e neutras, como reza a teoria do espelho.
A ilusão positivista desta “teoria” é insustentável, pois os fóruns,
como vimos, foram decompostos em diferentes fragmentos – os even-
tos cobertos, os não cobertos, mas que apareceram nas agendas, e ainda
os que nem nelas apareceram – e recompostos numa totalidade que, em-
bora com elementos da realidade, é uma “edição” de tudo o que aconte-
ceu nos encontros. Houve necessariamente uma seleção daquilo que do
ponto de vista dos repórteres, pauteiros, editores e veículos era impor-
tante.
A teoria do gatekeeper pode contribuir para o entendimento, desde
que saiamos de seu marco meramente individual e entendamos o gate-
keeping como um processo. Ainda assim, ficam de fora os condicio-
nantes sociais, ideológicos, políticos, organizacionais e cognitivos que
levaram os distintos atores (jornalistas) envolvidos no processo a optar
por esta cobertura e não por outra.
Quem parece mais capaz de fornecer explicações que possam dar
conta do fenômeno são as teorias construcionistas, que trabalham a
idéia de que a notícia é uma construção social, resultado de proces-
sos complexos entre diversos atores (jornalistas, fontes, concepções de
mundo, forças sociais e políticas organizadas, etc.). Especialmente se
agregarmos a elas – como fazem Hall, Venício Lima e outros – o con-
ceito de hegemonia desenvolvido por Gramsci, aliado à idéia do jornal
assumindo funções de partido político.
A Folha e o Estadão, enquanto instituições e empresas capitalistas
– apesar das diferenças de tom –, têm uma concepção de mundo e de
país. São a favor, manifestadamente, da propriedade privada dos meios
de produção e do liberalismo político, da economia de mercado e de
limites à ação do Estado na economia. Ambos defendem o processo
democrático – embora tenham estado ao lado do golpe de 64 contra o
governo constitucional de Jango Goulart 3 . Esta concepção de mundo,
3
Ver, entre outros, OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte. João Goulart na imprensa.

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100 João José de Oliveira Negrão

numa relação dialética, forma e reflete a do “público leitor”, com quem


os jornais alegam ter compromisso: um amplo setor de classe média.
Neste sentido, é possível identificar aqui, segundo a matriz gramsciana,
uma função de partido, qual seja, dar forma a uma hegemonia, ajudar
a classe dominante a superar seus “momentos egoísticos-passionais”
(corporativos/economicistas) e se universalizar, reforçando a hegemo-
nia dada.
No entanto, é importante lembrar que, como o processo de hegemo-
nia – e ela sempre é um processo – supõe levar em conta, até certo ponto,
interesses de outro grupos sociais – e no caso dos aparelhos privados
de hegemonia estes interesses se mostram cristalizados em concepções
de mundo –, aparecem manifestações contra-hegemônicas, pois mesmo
naquela franja social à qual os jornais, no Brasil, estão voltados, há inú-
meros leitores que se identificam com o pensamento progressista ou de
esquerda, que querem ver no jornal. Então, até para não perder essa
fatia de mercado consumidor de notícias, aparecem, ainda que de forma
minoritária, manifestações de um pensamento crítico.
Além disso, apesar dos mecanismos de controle da redação cada vez
mais complexos e sofisticados, há momentos em que as impressões do
repórter – e estas impressões se vinculam às suas concepções de mundo
e, portanto, aos seus mapas cognitivos, que conformam uma ideologia
que não necessariamente será coincidente, em todos os momentos, com
a do jornal – serão determinantes no enquadramento da matéria. Abre-
se aí a possibilidade de manifestações contra-hegemônicas.
Deve-se também levar em conta a existência, embora muitas ve-
zes meramente formal, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
Entre outras regras de conduta, ele estabelece, no seu artigo primeiro,
que “o acesso à informação pública é um direito inerente à condução
de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de
interesse”.
Mais à frente, o Código afirma também, no seu artigo segundo, que
“a divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de co-
municação pública, independente da natureza de sua propriedade” e, no
De personalidade a personagem. São Paulo: Annablume, 1993; MARCONI, Paolo. A
censura política na imprensa brasileira. 2a ed. São Paulo: Global, 1980; KUCINSKI,
Bernardo. A síndrome da antena parabólica. Ética no jornalismo brasileiro. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 101

artigo décimo, item c, que o jornalista não pode “frustrar a manifestação


de opiniões divergentes ou impedir o livre debate”
Então, temos que o jornal, embora seja uma empresa capitalista, é
também uma instituição – ao lado de outras, como a escola, a fábrica, o
Estado, etc. – onde se instala uma luta simbólica entre uma hegemonia
dada, majoritária, e uma contra-hegemonia em gestação, ainda mino-
ritária, mas que aspira consituir-se numa nova hegemonia, articulando
um outro bloco histórico.
Isto explica certos aspectos contraditórios identificados na cobertura
dos fóruns, como, por exemplo – entre outros –, a edição do Estadão
de 23/01/03: enquanto o editorial 4 considera o FSM vinculado à des-
truição e à desordem, a primeira página do caderno especial tem forte
apelo pró-FSM (ver anexo). E também, como qualquer empresa, o jor-
nal é palco de conflitos entre patrões e empregados pela apropriação
da renda ali produzida, colocando-os, em vários momentos, em lados
distintos.
Há ainda mais um elemento fundamental a reforçar a idéia do jornal
como locus de conflito de hegemonias, como o que se dá no interior
de outros aparelhos privados de hegemonia, como a escola: apesar da
crítica à objetividade proposta pela teoria do espelho, não se pode es-
quecer que o jornalismo tem como referente fundamental a realidade;
ele não é ficção.
Então, por mais que o veículo opte – pelas mais variadas razões –
por não cobrir certas manifestações da realidade, ela está ali, foi expe-
rimentada socialmente por um determinado número de indivíduos e,
de diferentes maneiras, pressiona o jornalismo a torná-la conhecida.
Exemplo clássico dessa possibilidade no Brasil é o desconhecimento
a que a Rede Globo relegou, inicialmente, o movimento pelas diretas.
Foi a pressão popular – aliada à importância que outros veículos deram
4
Melo diz que o “editorial é o gênero jornalístico que expressa a opinião oficial
da empresa diante dos fatos de maior repercussão no momento”. No entanto, afirma,
“nas sociedades capitalistas o editorial reflete não exatamente a opinião dos seus pro-
prietários nominais mas o consenso de opiniões que emanam dos diferentes núcleos
que participam da propriedade da organização (...) acionistas majoritários, (...) anun-
ciantes, (...) braços do aparelho burocrático do Estado”. MELO, José Marques. A
opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994.

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102 João José de Oliveira Negrão

ao assunto – que levou a emissora a mudar sua posição inicial e passar


a cobrir aquele movimento 5 .
Assim, pensar o jornal como aparelho privado de hegemonia e, por-
tanto, necessariamente, como espaço de conflitos e de luta simbólica,
aliado à concepção de sua “função de partido político”— mais do que
a idéia de manipulação pura e simples ou mentira 6 – tem o condão de
permitir um entendimento mais complexo do fenômeno da comunica-
ção jornalística contemporânea e seu entrelaçamento inescapável com a
política.

5
Ver, entre outros, BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2000; CONTI, Mario Sergio. Notícias do Planalto. A imprensa e
Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999; KUCINSKI, Bernardo. A
síndrome da antena parabólica. Ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 1998.
6
Lembro-me que, durante a greve dos jornalistas no começo dos anos 80, os gre-
vistas pichavam em alguns muros a frase “jornalistas em greve. Não compre jornais”.
A elas, alguém agregou: “minta você mesmo”.

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Considerações finais

A política contemporânea é impensável sem a participação dos meios de


comunicação de massa. Ao configurar-se como um significativo espaço
de construção de mapas cognitivos – embora não exclusivo, é impor-
tante destacar –, por meio dos quais se lê e se interpreta o mundo, o
jornalismo vincula-se de modo inescapável à Política, entendida como
a possibilidade de construção intersubjetiva e racional de um artifício
que permite aos homens superar o isolamento e forjar identidades cole-
tivas. Diferentes autores7 já mostraram a sobreposição do jornalismo e
da política na constituição de um espaço público, terreno no qual aquela
se exerce.
O conceito de hegemonia, desenvolvido pelo revolucionário italiano
Antonio Gramsci, é fundamental para se pensar a Política como algo
que se exerce fundamentalmente no espaço público. Ao estabelecer,
analiticamente, o Estado como composto de dois “momentos” – o do
consenso, no âmbito da sociedade civil, e o do domínio, no âmbito da
sociedade política –, ele não perde de vista as relações de dominação
entre as classes na sociedade capitalista.
E ao definir a hegemonia como um processo dinâmico e permanente,
por meio do qual a(s) classe(s) dominante(s) constroem e reconstroem
diuturnamente seu poder – tendência também permanentemente tensio-
nada por uma contra-hegemonia dos setores subalternizados –, Gramsci
estabelece para a Política uma permanência dinâmica, um espaço pú-
blico onde negociações, articulações e disputas entre os diferentes ato-
res e forças políticas estão sempre acontecendo.
De certo modo, é possível de se fazer uma analogia, aqui, com o
7
Entre outros HABERMAS, Jürgen. A mudança estrutural da esfera pública. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984; THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade.
Uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.

103
104 João José de Oliveira Negrão

jornalismo. Ele também – mesmo sendo as empresas jornalísticas pro-


priedades de famílias ou grupos econômicos capitalistas – se exerce e
se manifesta neste espaço público.
Neste quadro, é importante superar o distanciamento – felizmente
cada vez menor – que separa os dois campos de estudo, de modo a pos-
sibilitar uma compreensão mais clara e menos aprioristica da relação
entre ambos. Este trabalho procurou mostrar que, teoricamente, o con-
ceito de hegemonia, articulado a certas teorias da comunicação, e mais
especificamente do jornalismo – especialmente aquelas que defendem
a idéia da notícia como uma construção social, onde interagem fatores
pessoais, sociais, históricos e culturais – amplia a capacidade explica-
tiva destas, pois este conjunto de variáveis compõe a cultura que, como
vimos em Willians, é, por excelência, o locus da hegemonia.
Foi o que se deu no caso estudado. O Fórum Econômico Mundial
e o Fórum Social Mundial cristalizam dois projetos hegemônicos glo-
bais em disputa. O primeiro, como foi possível demonstrar no capítulo
inicial, é o corolário de um pensamento conservador, até regressivo, o
neoliberalismo, que, brandido como resposta à chamada crise fiscal do
Estado dos anos 70, configura-se, como já afirmei em outra oportuni-
dade, numa
ideologia de um capital que move-se incessantemente contra
o trabalho organizado sindical e politicamente e mesmo contra
setores mais fragilizados e menos globalizados do próprio capi-
talismo, buscando desvencilhar-se de eventuais obstáculos que
fiquem a sua frente. Tal movimento vem provocando uma recon-
centração de capitais e de renda em todo o mundo. (NEGRÃO,
1998, p. 87)
É possível afirmar que tal concepção de mundo é atualmente he-
gemônica e prevalece, de forma matizada – bem como em outros veí-
culos da chamada grande imprensa brasileira – na linha editorial dos
jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
No entanto, a resposta à fúria destrutiva do neoliberalismo, tam-
bém como foi mostrado no primeiro capítulo, vem sendo construída e
ganhando força entre diferentes setores sociais, que ficam de fora da
festa neoliberal. Sua face midiática mais visível é o Fórum Social Mun-
dial, que faz parte de uma contra-hegemonia em gestação para impor-se
como alternativa de organização da sociedade.

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O jornalismo e a construção da hegemonia 105

O nível simbólico desta luta fica claro na análise da cobertura dos


encontros realizada pelos dois jornais: vimos, em ambos, enquadramen-
tos que permitiram afirmar uma tendência a se valorizar positivamente
o encontro do Fórum Econômico Mundial – lugar de debates de “alto
nível” –, onde de busca respostas exeqüíveis para os problemas mundi-
ais, enquanto o Fórum Social Mundial, impregnado de um voluntarismo
juvenil, é o lugar do sonho, belo, mas irreal. Isto é reafirmar uma hege-
monia já dada.
Mas o conflito de hegemonias, ainda que de forma desequilibrada,
se faz presente nos jornais e tensiona a própria escolha dos aconteci-
mentos a serem transformados em notícias. Estão também em jogo as
questões éticas dos jornalistas, cujo código, no caso brasileiro, estabe-
lece uma série de regras de conduta que implicam na manifestação de
diferentes concepções de mundo na análise dos acontecimentos.
Então, superando a idéia da “manipulação”, é necessário ver que
os jornais são espaços de lutas simbólicas e de significação – como
outros aparelhos privados de hegemonia –, onde distintas concepções de
mundo buscam conquistar posições, para estabelecer novas – ou manter
as existentes – relações de poder.

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106 João José de Oliveira Negrão

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Anexos

115
Tabela Folha FSM

Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Bové afirma que está disposto a falar com Lula A1 22/1 13 1 188,5 1 0 0 0 1 0
Chávez deve viajar a Porto Alegre Capa 23/1 6 1 248,92 0 0 0 0 1 0
D. Mauro volta a criticar estratégia do Fome Zero A7 23/1 27,4 1 81,48 2 0 0 0 0 1
Porto Algre faz fórum "chapa-branca" A9 23/1 40 1 202,4 2 0 0 0 1 0
PT deve entrar na Internacional A9 23/1 26 0 0 2 0 0 0 0 1
Estarão em Porto Algre/Destaques da agenda A9 23/1 74 4 49 0 0 0 0 0 1
Chávez deverá participar de Porto Alegre A10 23/1 26 0 0 3 0 0 0 0 1
Porto Alegre Capa 24/1 3 1 282,75 0 0 1 0 0 1
Líder do MST agora defende alta dos juros A10 24/1 26 0 0 2 0 0 0 0 1
Dulci tenta justificar presença do governo A10 24/1 25 0 0 2 0 0 0 1 0
Marcha reúne 60 mil contra Alca e guerra A10 24/1 25 1 273 3 0 0 0 0 1
Rigotto é vaiado na abertura do fórum A10 24/1 25 0 0 0 0 0 0 0 1
Palocci vai ao RS, mas não participa de Fórum A10 24/1 25 0 0 0 0 1 0 0 1
Hoje em Porto Alegre A10 24/1 63 4 174,18 0 0 0 0 0 1
Evento questiona política de concessão e qualidade da TV E3 24/1 45 0 0 2 0 0 0 0 1
Em Porto Alegre, Lula justifica ida à Suiça Capa 25/1 8 1 282,75 1 0 0 1 0 0
Invasões continuarão, diz Stédile A7 25/1 28 0 0 1 0 0 0 0 1
Terceiro-mundanas A10 25/1 28 1 121,44 2 0 0 0 0 1
Hoje em Porto Alegre A10 25/1 29 3 32,67 0 0 0 0 0 1
Lula se vê como 'esperança dos socialistas' A11 25/1 58 1 336,6 1 0 0 1 0 0
Fóruns deixam a Esplanada vazia A11 25/1 20 0 0 0 0 0 0 1 0
Lula chora e canta com ex-menino de rua A11 25/1 26 1 119,28 0 0 0 0 0 1
Bové procura Lula, que se recusa a recebê-lo A11 25/1 14 1 64,6 1 0 0 0 0 1
Lula adota linha franco-alemã sobre Iraque A12 25/1 37,5 0 0 2 0 0 1 0 0
Porto Alegre debate como evitar ação militar A12 25/1 40,5 1 382,5 3 0 0 1 0 0
Conexões na rota Porto Alegre - Davos B4 25/1 52 0 0 0 0 0 1 0 0
Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.

Sociólogo vê "esquizofrenia" no governo Capa 26/1 6,3 0 0 1 0 0 0 0 1


Dirceu defende taxação sobre fluxo de capital Capa 26/1 5,5 0 0 1 0 0 1 0 0
Guerra e paz A2 26/1 23 0 0 0 0 0 0 0 1
De Porto Alegre a Davos A3 26/1 50 0 0 0 0 0 1 0 0
"Gosto de matar e cozinhar coelho", diz Lula A9 26/1 32 1 199,5 0 0 1 0 0 1
Sociólogo afirma que governo petista é
"esquizofrênico" A9 26/1 81 1 139,65 1 0 0 1 0 0
Dirceu defende taxa social sobre capital A10 26/1 30,6 1 219 2 0 0 1 0 0
Direito trabalhista não é negociável, diz Felício, da CUT A10 26/1 12 0 0 1 0 0 0 0 1
Jovens de PoAl trocam suas casas por dias no acampamento A10 26/1 48 1 268,84 7 0 0 1 0 0
O Fórum na capital gaúcha A10 26/1 27 0 0 0 0 0 0 0 1
Fórum é anti-semita, diz militante judeu A11 26/1 46 1 290,08 0 1 0 0 1 0
Centro judaico quer esclarecer participantes A11 26/1 11 0 0 0 1 0 0 1 0
Iraquiano diz sentir 'guerra próxima' A11 26/1 52 0 0 1 0 0 1 0 0
Chávez vai ao RS em busca de apoio A11 26/1 27 1 124,8 1 0 0 0 0 1
Hoje em Porto Alegre A11 26/1 29 3 32,64 0 0 0 0 0 1
Índia fará Porto Alegre perder US$ 53 mi A12 26/1 46 0 0 1 0 0 1 0 0
Números do Fórum A12 26/1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Pastelão Capa 27/1 2,5 1 110,96 0 0 0 0 1 0
Manifestante joga torta na cara de Genoíno A7 27/1 48 3 314,64 2 0 0 0 1 0
Torta é crítica bem-humorada, afirma ativista A7 27/1 20 0 0 1 0 0 0 1 0
Lula discutirá reforma em fábricas A7 27/1 21 0 0 1 0 0 0 0 1
Governo vai expropriar terra que tenha escravo A7 27/1 40 0 0 1 0 0 1 0 0
Fogueira das ideologias A7 27/1 3 1 270,48 0 0 0 0 0 1
Chávez descarta referendo antes de agosto A8 27/1 42 1 307,72 1 0 0 0 0 1
Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Oposição venezuelana é racista, diz cubano A8 27/1 40 0 0 1 0 0 0 0 1
Fórum Social termina sem unanimidade Capa 28/1 6 0 0 0 0 0 0 1 0
Diferenças entre global e mundial A3 28/1 58 1 88 0 0 0 1 0 0
Fórum acaba com pedidos de paz e guerra A8 28/1 31 1 301,84 1 1 0 0 1 0
Suiça não facilita restituição, diz Ziegler A8 28/1 14,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Lula está mais próximo de Davos do que de Porto
Alegre A8 28/1 32 0 0 0 0 0 0 1 0
Porto Alegre rejeita diálogo com Davos A9 28/1 28 0 0 3 0 0 0 1 0
EUA são ameaça à paz, diz Chomsky A9 28/1 28 1 209,72 1 0 0 1 0 0
TOTAIS 1730,8 41 5717,94 59 3 3 15 14 29
Tabela Folha FEM

Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FEM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Lula leva 'novo contrato' a Davos Capa 23/1 6 1 260,68 0 1 0 0 0 1
Centro de Davos está sitiado pelo exército A8 23/1 74 2 406,14 0 0 0 0 0 1
Ofensiva contra o Iraque deve dominar debate A8 23/1 29 0 0 0 0 0 0 0 1
Principais
expositores/Destaques da
agenda A8 23/1 74 4 49 0 0 0 0 0 1
Davos dá apoio ao início da gestão Lula Capa 24/1 7 0 0 0 0 0 0 0 1
Lula e Davos já falam a mesma língua A11 24/1 57 2 230 3 0 0 1 0 0
Líder sindical dos EUA defende petista na Suiça A11 24/1 28 0 0 0 3 0 0 1 0
O que aproxima Lula dos fóruns A11 24/1 68 0 0 0 0 0 0 0 1
Primeiro-mundanas A11 24/1 64 1 81 0 0 0 0 0 1
Nata dos economistas receberá Palocci A12 24/1 39 1 277,4 1 0 0 1 0 0
Pessimismo sobre economia mundial atrapalha
o Brasil A12 24/1 43 1 136,32 5 0 0 1 0 0
Hoje em Davos A12 24/1 31 3 30,72 0 0 0 0 0 1
Simpatia Davos pelo PT não retira barreiras Capa 25/1 8 0 0 1 0 0 1 0 0
Lula é aconselhado a se descolar de Chávez A10 25/1 34 1 158,4 3 0 1 1 0 0
FMI e Tesouro dos EUA elogiam governo petista A10 25/1 29 0 0 3 0 0 1 0 0
Charme' de Lula é vantagem, diz Gil A10 25/1 42 1 117,12 2 2 1 0 0 1
EUA ouvem advertências contra a guerra de
premiê malaio em Davos A12 25/1 37,5 0 0 2 1 1 0 0 1
Hoje em Davos A12 25/1 30 3 32,67 0 0 0 0 0 1
Lula quer cortar mais gastos que FHC Capa 26/1 11,5 1 339,08 0 0 1 0 0 1
Superávit será superior a 4%, diz Meirelles A8 26/1 59 0 0 4 0 0 1 0 0
Presidente do BC quebra tornozelo A8 26/1 25,5 1 231 0 0 2 0 0 1
Entenda o superávit primário A8 26/1 30 0 0 0 0 0 0 0 1
Lei de falências deve baixar juro, diz governo A8 26/1 25 0 0 0 0 1 0 0 1
Situação externa é de "incerteza radical" A8 26/1 25 0 0 5 0 0 1 0 0
Mascarados A8 26/1 2 1 134,4 0 0 0 0 0 1
Lula pede e Palocci cancela agenda em Davos A9 26/1 45 0 0 0 0 1 0 0 1
Lula pede pacto mundial contra a fome Capa 27/1 14 1 225,4 1 2 0 1 0 0
Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FEM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Governo modera apoio a Chávez Capa 27/1 6 0 0 0 0 0 0 0 1
Soros vê petista como desafio para o mercado Capa 27/1 5,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Palocci não quer mudanças nas regras do FMI Capa 27/1 5,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Powell sugere que ataque ao Iraque virá logo Capa 27/1 5,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Em Davos, Lula propõe fundo internacional contra a fome A4 27/1 78 1 328,5 5 1 0 1 0 0
Petista é o primeiro a discursar em português A4 27/1 22 0 0 1 1 0 0 0 1
Para Palocci, acordo com FMI é intocável A5 27/1 41 1 209,72 0 0 1 0 0 1
Investidor quer mais que 30% do capital da
mídia A5 27/1 30 0 0 2 2 0 0 0 1
Mercado não deve ser adulado, diz Amorim A6 27/1 41 0 0 0 1 0 0 0 1
Meirelles só retorna ao Brasil na sexta A6 27/1 20 1 195,52 0 0 1 0 0 1
Presente francês A6 27/1 2 1 110,4 0 0 0 0 0 1
George Soros afirma agora que governo do PT
precisa dar certo A6 27/1 30 0 0 1 1 1 0 0 1
Não fiquem esperando sinais para mudarem de
atitude sobre o Brasil' A6 27/1 63 0 0 0 1 0 0 1 0
Governo brasileiro modera discurso sobre
Chávez A8 27/1 21 0 0 0 2 0 0 0 1
Soros faz elogios a petista e pede apoio ao
Brasil A9 28/1 12,5 0 0 1 0 0 0 0 1
TOTAIS 1320,5 28 3553,47 42 18 12 10 2 30
Tabela Estadão FSM

Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Lula vai pregar guerra implacável contra fome A11 22/1 56 1 230,49 2 0 0 1 0 0
Fórum paralelo alerta para o risco de 'argentinização' A11 22/1 40,5 0 0 1 0 0 1 0 0
Pela 1ª vez governo será presença marcante A11 22/1 34,5 0 0 1 0 0 0 0 1
O tamanho do encontro A11 22/1 15 0 0 0 0 0 0 0 1
As principais correntes A11 22/1 48 4 16 0 0 0 0 0 1
Agenda A11 22/1 30 0 0 0 0 0 0 0 1
Conselho define hoje se evento continua no
Brasil A12 22/1 58 0 0 3 0 0 1 0 0
Bové chega com críticas à Alca e OMC A12 22/1 28,5 1 245,96 1 0 0 0 0 1
De Porto Alegre a Davos A3 23/1 69 0 0 0 0 0 0 1 0
Marcha pela paz abre encontro de Porto Alegre H4 23/1 48 1 527,46 3 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundial H4 23/1 58 0 0 0 0 0 0 0 1
Lula é representado por Luiz Dulci H4 23/1 30,5 0 0 1 0 0 1 0 0
Fórum de 2004 vai ser na Índia H4 23/1 30,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Para Soares, Lula é 'o fim do cinismo na política' H5 23/1 31,5 1 24,75 2 0 0 0 0 1
Stédile reforça coro de Bové contra a Alca H5 23/1 49 1 246,25 2 0 0 0 0 1
Edmilson teme que poder vire dilema para PT H5 23/1 36 1 23,4 1 0 0 0 0 1
Ativistas lançam campanha mundial contra transgênicos H5 23/1 49 0 0 2 0 0 0 0 1
Paralelos H5 23/1 52 0 0 0 0 0 0 0 1
Aqui, todos querem fazer parte da História H6 23/1 64 3 347,51 6 0 0 1 0 0
Farta agenda cultural, com pitadas de política H6 23/1 50 0 0 1 0 0 1 0 0
A cultura no fórum H6 23/1 74 0 0 0 0 0 0 0 1
Fórum Social começa com ' não' ao FMI Capa 24/1 2,7 0 0 0 0 0 0 0 1
Ataques ao FMI, Alca e Banco Mundial na abertura do encontro em Porto Alegre H1 24/1 2,5 1 60,48 0 0 0 0 0 1
Lula proporá solução negociada para o Iraque H2 24/1 49 1 254,13 3 0 0 1 0 0
Íntegra da nota do presidente H2 24/1 21 1 23,92 1 0 0 1 0 0
Presidente quer pacto para reduzir as desigualdades H2 24/1 49 0 0 1 1 0 1 0 0
Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
(cm/col) Quant. Área/cm2 Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Fórum Social é aberto com 'não' ao FMI e à Alca H4 24/1 49 3 760,31 3 0 0 1 0 0
Palestina é presa antes de viajar para Porto
Alegre H4 24/1 29 0 0 1 0 0 0 0 1
Rossetto elogia 'luta histórica' da Via Campesina H4 24/1 31 0 0 1 0 0 1 0 0
Agenda de hoje H4 24/1 14 0 0 0 0 0 0 0 1
Marcha pela paz reúne 60 mil em Porto Alegre H5 24/1 53 2 480,68 0 0 0 1 0 0
França está atenta ao que se diz no País H5 24/1 66 0 0 1 0 0 1 0 0
"Relação entre Mercosul e UE é prioridade" H5 24/1 66 0 0 1 0 0 0 0 1
A França, Davos e Porto Alegre H7 24/1 47,5 1 88,32 0 0 0 1 0 0
Cuba, a gigante das mentes rebeldes H8 24/1 37 1 358,54 0 0 0 0 1 0
Em clima de comício, Lula peda paz Capa 25/1 7,5 0 0 1 0 0 1 0 0
MST vai manter estímulo a invasões Capa 25/1 3 0 0 1 0 0 0 1 0
Um outro mercado é possível? A2 25/1 85 0 0 0 0 0 1 0 0
"O mundo precisa de paz", diz Lula H1 25/1 24 3 1015,08 1 0 0 1 0 0
"O mundo está precisando de compreensão" H2 25/1 71 2 590,46 1 0 0 1 0 0
Presidente foge de fãs e leva sua primeira vaia H2 25/1 46,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Presidente e PT reforçam posição contra guerra H3 25/1 51,6 1 610,65 6 0 0 1 0 0
Choro no café da manhã com meninos de rua H3 25/1 30 0 0 0 0 2 0 0 1
Governo aproveita palanque e anuncia ações sociais H3 25/1 55 0 0 3 0 0 1 0 0
Ativistas pedem que Lula rejeite acordos na OMC H4 25/1 49 0 0 3 0 0 1 0 0
Porto Alegre vive conflito do Oriente Médio H4 25/1 19,5 1 531,9 3 0 0 1 0 0
Para economista, governo pode não cumprir promessa H4 25/1 46,5 1 55,5 2 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundiai - Agenda H4 25/1 52 0 0 0 0 0 0 0 1
Líder do MST pede luta contra o capital internacional H5 25/1 51 0 0 1 0 0 1 0 0
Porto Alegre recebe notícia com ceticismo H5 25/1 13,5 1 683 2 0 0 1 0 0
Um líder com pé nos dois mundos H6 25/1 54 0 0 2 1 0 0 0 1
Dirceu defende integração da América Latina H2 26/1 46,5 0 0 3 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundial - Agenda H2 26/1 40 0 0 0 0 0 0 0 1
Dirceu garante que programas sociais não sofrerão cortes H5 26/1 25 0 0 1 0 1 0 0 1
Rejeitado por Lula, Bové muda de tom H7 26/1 68 1 492,5 2 0 0 1 0 0
ONGs temem o pior em negociação sobre remédios H7 26/1 52 0 0 1 0 0 1 0 0
Título da matéria / Origem Porto Alegre Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
2
(cm/col) Quant. Área/cm Pró FSM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Organizador prega insurgência pacífica contra ordem global H7 26/1 46,5 0 0 1 0 0 0 1 0
A herdeira dos sonhos de Che H8 26/1 94 2 666,06 1 0 0 0 1 0
A velha lenda não sai da moda em Porto Alegre H8 26/1 46,5 0 0 3 0 0 1 0 0
Ativista acerta torta em Genoino Capa 27/1 4 2 117,48 1 0 0 0 0 1
O fórum, a festa e o museu A2 27/1 90 1 9,6 0 0 0 0 1 0
Genoino elogia Lula em Davos e leva torta na
cara H4 27/1 58 1 264,6 2 0 0 0 0 1
Paz entre judeus e palestinos, nem no papel H6 27/1 29,5 1 275,8 3 0 0 0 0 1
Pesquisa revela boa imagem do governo
brasileiro H6 27/1 49 0 0 1 0 1 0 0 1
Ongs americanas acusam Bush de fomentar conflito H6 27/1 26,5 1 277,77 2 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundial - Agenda H6 27/1 40 0 0 0 0 0 0 0 1
Para Stédile, governo Lula ' é ambíguo' H7 27/1 120 1 294 1 0 0 1 0 0
Um sonho se realiza: Chomsky visita os sem-
terra H7 27/1 43 1 262 1 0 0 1 0 0
Woodstock é aqui H8 27/1 52 0 0 0 0 0 0 1 0
Governo cede a pressões e altera o Fome Zero Capa 28/1 4,5 0 0 0 0 0 0 0 1
A cruz que Lula carrega A3 0/1 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Governo cede a pressões e modifica o Fome
Zero H3 28/1 49 0 0 1 0 0 0 0 1
Relator da ONU elogia fundo contra a miséria H3 28/1 52 1 267,92 1 0 0 1 0 0
Longe do debate, Guaribas é invadida por
famintos H3 28/1 40 0 0 0 0 1 0 0 1
Ativistas roubam a cena em Porto Alegre H6 28/1 44,5 2 697,29 2 0 0 1 0 0
Unidade da PUC é esvaziada após ameaça de bomba H6 28/1 14,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Multidão vai às ruas dizer não à guerra H6 28/1 34 0 0 0 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundial - Agenda H6 28/1 36 0 0 0 0 0 0 0 1
No final, Porto Alegre repudia viagem de Lula A11 29/1 49 1 490,68 3 0 0 1 0 0
Ambientalistas lançam Fórum Social da Água A11 29/1 30 0 0 2 0 0 1 0 0
Ao invés de um relatório, painel de idéias na internet A11 29/1 46,5 0 0 1 0 0 1 0 0
Fórum Social Mundial A11 29/1 56 0 0 0 0 0 0 0 1
TOTAIS 3514,3 47 11290,49 98 2 7 39 8 35
Tabela Estadão FEM

Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
Pró
(cm/col) Quant Área/cm2 FEM Críticas Neutras Pos. Neg. Neut.
Davos buscará reforçar confiança do capitalismo A10 22/1 56 1 230,49 0 0 1 0 1 0
Para Furlan, Lula será a estrela do fórum econômico A10 22/1 40,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Brasil terá chance de ampliar negociações A10 22/1 34,5 0 0 0 0 1 0 0 1
O tamanho do encontro A10 22/1 15 0 0 0 0 0 0 0 1
Os principais participantes A10 22/1 48 4 16 0 0 0 0 0 1
Agenda A10 22/1 0 0 0 0 0 0 0 1
Davos fará plebiscito para expulsar fórum A12 22/1 25 0 0 1 1 0 0 0 1
Na pauta de Davos, recessão, terror e guerra H2 23/1 66 1 291,56 0 0 0 0 0 1
Líderes, ONGs e empresários pedem reuniões com Lula H2 23/1 49 0 0 1 0 1 0 0 1
Imprensa européia vai seguir passos do líder brasileiro H2 23/1 25,5 0 0 0 0 3 0 0 1
Nevasca pode obrigar presidente a viajar de trem H2 23/1 20 0 0 1 0 0 0 0 1
Fórum Econômico Mundial H2 23/1 58 0 0 0 0 0 0 0 1
Iminência da guerra vai dificultar missão de
Palocci H3 23/1 57 2 461,36 0 0 1 0 0 1
Paralelos H3 23/1 19 0 0 0 0 0 0 0 1
ONGs sobem no conceito de todos H3 23/1 27,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Credibilidade dos líderes está em baixa H3 23/1 27,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Pessimismo marca encontro em Davos Capa 24/1 2,7 0 0 0 0 0 0 0 1
Lula pedirá diálogo para evitar guerra Capa 24/1 5,4 2 288 0 0 0 0 0 1
Clima de pessimismo com a economiamundial
marca início do evento em Davos H1 24/1 2,5 1 60,48 0 0 0 0 0 1
Chirac e Schroeder vão cobrar apoio contra a
guerra H2 24/1 31,5 0 0 0 0 2 0 0 1
Powell vai defender a estratégia americana H3 24/1 5 0 0 0 0 0 0 0 1
Conflito pode colocar o mundo todo em recessão H3 24/1 56 1 563,22 7 0 0 1 0 0
Bush se enfraqueceria em momento delicado H3 24/1 38 0 0 3 0 0 1 0 0
Clima pessimista marca abertura do Fórum H6 24/1 33 1 647,46 3 0 0 1 0 0
Ex-economista do FMI descarta calote brasileiro H6 24/1 86 1 113,28 1 0 0 0 0 1
Furlan tenta engajar múltis na política de exportação H7 24/1 33 1 647,46 0 0 1 1 0 0
Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
Neutra
(cm/col) Quant Área/cm2 Pró FEM Críticas s Pos. Neg. Neut.
Agenda de hoje H7 24/1 14,5 0 0 0 0 0 0 0 1
China, a gigante dos mercados reais H8 24/1 44 0 0 2 0 0 1 0 0
Anne Krueger elogia aumento do superávit Capa 25/1 3 0 0 1 0 0 1 0 0
Meirelles: conflito não afetará o Brasil Capa 25/1 3 0 0 1 0 0 0 0 1
Oportunidades para o Brasil em Davos A3 25/1 68 0 0 0 0 0 1 0 0
A agenda na Europa H2 25/1 46,5 0 0 0 0 0 0 0 1
Pharmacia doa patente de remédio para aids H5 25/1 39 0 0 1 1 0 0 0 1
País já produz genérico do medicamento H5 25/1 16 0 0 0 0 0 0 0 1
Os números da aidas no mundo H5 25/1 15 0 0 0 0 0 0 0 1
Brasil está pronto para turbulência, diz Meirelles H6 25/1 53 1 451,13 2 0 0 1 0 0
Elogios a Lula não evitam clima de desconfiança H6 25/1 27 0 0 3 0 0 1 0 0
Papel dos EUA domina debate H6 25/1 54 0 0 3 0 0 1 0 0
Krueger elogia decisão de elevar o superávit H7 25/1 62,5 1 25,3 1 0 0 1 0 0
Jornais europeus destacam Lula "lá e cá" H7 25/1 71 2 447,19 0 0 0 0 0 1
Presença de Lula amplia debate, diz Furlan H7 25/1 36 0 0 1 0 0 0 0 1
Geléia global H8 25/1 46,5 1 610,7 0 1 0 1 0 0
Lula decidiu ir a Davos sem fazer consultas H8 25/1 25,5 0 0 1 1 0 1 0 0
Fórum Econômico Mundial - Agenda H8 25/1 52 0 0 0 0 0 0 0 1
Lula chega a Davos para discurso pela paz H1 26/1 25 2 960,63 0 0 0 0 0 1
Lula chega à Europa e reforça bloco contra
guerra H2 26/1 49 1 368,39 0 2 1 0 0 1
EUA não cobram apoio do Brasil, diz Amorim H2 26/1 36 0 0 0 1 1 0 0 1
Protesto faz presidente usar helicóptero H2 26/1 22 0 0 0 0 1 0 0 1
"Brasil não pode ser vítima de especuladores" H3 26/1 30 0 0 0 1 0 0 0 1
A agenda na Europa H3 26/1 42 0 0 0 0 0 0 0 1
Visita estreitará relações do Pais com a
Alemanha H3 26/1 12,5 0 0 0 0 1 0 0 1
"O único grande palanque de Lula é o externo" H3 26/1 135 1 195,51 0 0 1 0 0 1
Meirelles cai, fratura tornozelo e é operado H4 26/1 41,5 1 262 0 0 2 0 0 1
Davos é centro de referência em ortopedia H4 26/1 16 0 0 0 0 1 0 0 1
Economistas mostram otimismo com o Brasil H4 26/1 35,5 1 246,25 7 0 0 1 0 0
Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
Neutra
(cm/col) Quant Área/cm2 Pró FEM Críticas s Pos. Neg. Neut.
Acordo com FMI prevê superávit para a Argentina H4 26/1 25 0 0 0 0 1 0 0 1
Fórum Econômico Mundial - Agenda H4 26/1 42 0 0 0 0 0 0 0 1
Em Davos, promessa de superávit maior H5 26/1 67 1 319,14 0 0 1 1 0 0
Projeto de autonomia do BC será entregue em
março H5 26/1 55 1 102,82 1 0 0 1 0 0
Economista alemã diz que proposta petista é
audaciosa H5 26/1 35 0 0 0 0 1 0 0 1
"Um pacto mundial pela paz e contra a fome" Capa 27/1 26 1 249,6 0 1 0 1 0 0
Palocci: não vamos apressar reforma por causa
do FMI Capa 27/1 5,5 2 144,72 0 0 1 0 0 1
Uma mensagem de maturidade A3 27/1 66 0 0 0 0 0 1 0 0
Lula prega esforço mundial contra fome H1 27/1 33 1 623,7 0 1 0 0 0 1
Prioridade é reduzir risco Brasil, diz Palocci H1 27/1 30 1 224,75 0 0 1 0 0 1
Lula propõe fundo internacional contra a miséria H2 27/1 61 1 492,5 0 1 0 0 1 0
"É absolutamente necessário reconstruir a ordem
mundial" H2 27/1 115 0 0 0 1 0 0 1 0
Presidente rejeita comparação com a Venezuela H3 27/1 33,5 2 531,9 1 1 0 0 0 1
Presidente pede força-tarefa com fóruns social e
econômico H3 27/1 62,5 1 75,66 3 1 0 1 0 0
"Lula não trouxe recado específico sobre o
Iraque" H3 27/1 31 0 0 0 1 0 0 1 0
Discurso não é novo, diz professor H4 27/1 28,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Fala não trouxe novidades, dizem parlamentares H4 27/1 46,5 0 0 3 1 1 0 0 1
Em Berlim, festa e encontro com Schroeder H4 27/1 23 0 0 0 0 1 0 0 1
Volta ao Brasil será a bordo do famoso "sucatão" H4 27/1 16 0 0 0 0 1 0 0 1
A agenda na Europa H4 27/1 39 0 0 0 0 0 0 0 1
Palocci não quer apressar reforma por causa do
FMI H5 27/1 49 1 281,71 0 0 1 0 0 1
Definidos três pontos para autonomia do BC H5 27/1 21,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Equipe econômica estima juros reais de 9% para
2003 H5 27/1 22 0 0 0 0 1 0 0 1
Repouso forçado H5 27/1 10 1 297,47 0 0 0 0 0 1
Fórum Econômico Mundial - Agenda H5 27/1 40 0 0 0 0 0 0 0 1
Título da matéria / Origem Davos Pág. Data Medida Fotos Fontes Enquadramento
Neutra
(cm/col) Quant Área/cm2 Pró FEM Críticas s Pos. Neg. Neut.
Soros defende juros menores para o Brasil Capa 28/1 4,5 0 0 1 0 0 0 0 1
Grupo quer países ricos no combate à miséria H2 28/1 75 1 570,24 0 2 0 0 1 0
Fernando Henrique elogia discurso de Lula em
Davos H2 28/1 42 0 0 1 0 0 0 0 1
Brasil ficaria for a de fundo contra fome H2 28/1 43,5 0 0 0 0 1 0 0 1
Discursos de Lula são destaques em jornais
europeus H3 28/1 46,5 1 151,69 0 0 0 0 0 1
Brasil paga juros excessivos, afirma Soros H4 28/1 69,5 1 551,6 1 0 1 1 0 0
Meirelles volta ao Brasil na sexta-feira H4 28/1 40,5 1 62 1 0 0 0 0 1
Venda de produto falsificado supera US$ 450 bilhões H4 28/1 46,5 0 0 2 0 0 1 0 0
Moçambique na OMS reforçaria posição do Brasil H5 28/1 63 0 0 0 3 0 0 0 1
FOTO SEM VÍNCULO A TEXTO NA PÁGINA H5 28/1 0 1 429 0 0 0 0 0 0
Guerra e negócios se misturam na reunião H5 28/1 56 0 0 4 0 0 1 0 0
Jornal publica diálogos de Lula em jantar privado H5 28/1 28,5 0 0 0 0 0 0 0 1
Fórum Econômico Mundial - Agenda H5 28/1 36 0 0 0 0 0 0 0 1
Sucesso em Davos A3 29/1 72 0 0 0 0 0 1 0 0
Davos termina, sem saída para desafios globais A10 29/1 66 1 528,66 3 1 0 1 0 0
O exame de consciência do capitalismo A10 29/1 52 0 0 0 0 0 1 0 0
Fórum Econômico Mundial A10 29/1 36 0 0 0 0 0 0 0 1
TOTAIS 3743,1 45 12523,57 62 22 34 25 5 66
Editorial O Estado de S. Paulo de 23 de janeiro de 2003.
O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2003
Capa do Caderno Especial Fóruns Globais Davos / Porto Alegre

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