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COLÉGIO PEDRO II – CPII

Campus Centro
Pós-graduação em Educação das Relações Étnico-Raciais no Ensino Básico – EREREBA

Disciplina: Literatura de autoria negra -Brasil Sec. XVI a XIX


Profº Hélio de Sant’Anna dos Santos

Aluna: Vívian Caroline da Silva Pereira

Reconhecimento de diferenças entre a literatura brasileira canônica e a literatura


afro-brasileira

A presença do negro na literatura nacional, de acordo com Filho (2004) se dá sob duas
condições: o negro como objeto ou o negro como sujeito. A primeira condição é característica
da literatura brasileira canônica, e a segunda condição é da literatura afro-brasileira.

Na literatura brasileira canônica tem uma visão distanciada da figura do negro, este é um
personagem, assunto ou tema desses textos. O negro aparece estereotipado sob a ótica da
estética branca dominante. É o escravo, sofredor, oprimido, agressivo, sem voz ativa, submisso.
Já na literatura afro-brasileira, o negro é sujeito com voz, ele conduz a narrativa que é construída
a partir de suas vivências (a escrevivência), de acordo com Duarte (2013).

Para reconhecimento de tais características foram analisados textos de dois autores: Domingos
Caldas (três textos do Viola de Lereno) e Bernardo de Guimarães (parte do capítulo 1 de A
escrava Isaura).

Nos textos de Domingos Caldas tem um caráter mais pessoal. O personagem é quem conta sua
experiência sobre o amor. Nesses texto podemos dizer que é literatura negra pelo vocabulário
usado e pela forma como se refere ao negro. Em Retrato de Lucinda aparece a palavra trigueira
( “Todas t’a invejam e há de quem ser queria assim trigueira como és”) para se referir a cor da
pele da mulher amada: negra. Além disso, no verso anterior quando ele fala “Não tens nas faces
Jasmins de rosa...”, percebe-se que a pelo uso das expressão jasmins de rosa, que a pele da sua
amada não é branca, ela não possui a face rosada. Ele exalta esta mulher e a sua cor, dizendo
que a sua cor é mais graciosa e invejada.

No Poema Lundum de cantigas e Lundum, observa-se o uso de palavras próprias do vocabulário


negro, como xarapim, arenga e quingombô. Lundum de cantigas trata de um homem
transformado pelo amor. Ele se torna mais sensível e flexível por conta da amada. A palavra
quingombô significa quiabo, e é usada no verso “Por que o Amor o tem posto Mais mole que
quingombô.” , numa metáfora para dizer que o amor o deixou mais sensível. O mesmo “Tem-
me mexido as entranhas q’estou todo feito angu” Angu é usado no sentido de mole, com
sentimentos mexidos. Já em Lundum é retratado a história de um homem negro que se apaixona
por uma mulher branca. No primeiro verso ele diz “Eu tenho uma Nhanhazinha”, a palavra em
destaque era usado para se referir às moças brancas, as sinhazinhas. Portanto, este homem era
escravo e tinha uma sinhazinha, por quem ele se apaixonou. Os sentimentos desse homem por
sua sinhá aparece no texto quando diz “Não há dengue como o seu”. Dengue quer dizer dengo,
carinho. Observa uma relação de submissão e rebaixamento quando ele diz ser seu moleque
(“Eu tenho uma Nhanhazinha De quem sou sempre moleque”), ou seja, ele perto dela é uma
criança submissa à ela.
Assim, nos textos de Domingos Caldas, o negro é sujeito, ele tem voz. A narrativa se dá do ponto
de vista dele, a partir de suas experiências, por isso pode ser considerado como parte da
literatura negra brasileira. O sujeito negro não é declarado nos textos, porém é percebido como
tal pela presença de palavras usadas em particular por negros, e pelo uso de metáforas para se
referir à cor da pele tanto negra quanto branca.

Em A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, o negro como um objeto, a narrativa não é dele,
seu ponto de vista não aparece na história. Isaura aparece no livro como uma figura
estereotipada. Ela representa a escrava nobre, aquela que aceita a submissão. Isaura tem a pele
clara e por isso tem alguns privilégios com seus senhores, recebeu educação, canta, toca piano,
e a sua senhora a estima muito. Porém, o caráter preconceituoso da sinhá de Isaura aparece
quando ela impede que a escrava cante uma canção sobre escravidão para que as outras pessoas
não pensem que é uma escrava maltratada. Isaura, que tem a pele clara, deve esquecer suas
origens, e até mesmo sua condição de escravizada, para viver bem. Ela deve assumir
características e comportamento das pessoas brancas para ser aceita na sociedade. O
preconceito da sinhá Malvina aparece também quando ela diz: “...e és mui linda e bem prendada
para te inclinares a um escravo; só se fosse um escravo, como tu és, o que duvido que haja no
mundo. Uma menina como tu, bem pode conquistar o amor de algum guapo mocetão”. Ou seja,
Isaura tem a pele muito clara, é muito bonita para namorar um negro. Ser linda é ter a pele clara,
ser branca. Se ela negar suas origens, fingir não ser filha de escrava poderá até casar com branco
e ter filhos brancos e livres, na visão do livro.

A sinhá Malvina aparece como a figura do bom branco. O negro é a vítima, incapaz de falar por
ele mesmo, é aquele que deve ser ensinado como se comportar, como viver; o branco é aquele
com poder para salvar o negro, libertar o negro e ensiná-lo como se portar bem. É o mito do
branco salvador. Isaura é a coitada que depende da bondade de Malvina e seu marido para ter
pequenas regalias e até ser livre.

A interpretação do negro como vítima, figura submissa, de pouco valor, sem voz, aquele que
não é o sujeito da própria história, bem como a elevação do branco como figura do salvador, faz
com que o libro de Bernardo Guimarães pertença a literatura brasileira tradicional/canônica.

Referências

BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. 2v.

FILHO, Domício Proença. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos Avançados V. 18,
n. 50, p. 162-193. 2004

DUARTE, Eduardo de Assis. O negro na literatura brasileira. Navegações. v. 6, n. 2, p. 146-153,


jul./dez. 2013.

GUIMARÃES, Bernardo. A escrava Isaura (versão em pdf, p. 1-4).

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