Campus Centro
Pós-graduação em Educação das Relações Étnico-Raciais no Ensino Básico – EREREBA
A presença do negro na literatura nacional, de acordo com Filho (2004) se dá sob duas
condições: o negro como objeto ou o negro como sujeito. A primeira condição é característica
da literatura brasileira canônica, e a segunda condição é da literatura afro-brasileira.
Na literatura brasileira canônica tem uma visão distanciada da figura do negro, este é um
personagem, assunto ou tema desses textos. O negro aparece estereotipado sob a ótica da
estética branca dominante. É o escravo, sofredor, oprimido, agressivo, sem voz ativa, submisso.
Já na literatura afro-brasileira, o negro é sujeito com voz, ele conduz a narrativa que é construída
a partir de suas vivências (a escrevivência), de acordo com Duarte (2013).
Para reconhecimento de tais características foram analisados textos de dois autores: Domingos
Caldas (três textos do Viola de Lereno) e Bernardo de Guimarães (parte do capítulo 1 de A
escrava Isaura).
Nos textos de Domingos Caldas tem um caráter mais pessoal. O personagem é quem conta sua
experiência sobre o amor. Nesses texto podemos dizer que é literatura negra pelo vocabulário
usado e pela forma como se refere ao negro. Em Retrato de Lucinda aparece a palavra trigueira
( “Todas t’a invejam e há de quem ser queria assim trigueira como és”) para se referir a cor da
pele da mulher amada: negra. Além disso, no verso anterior quando ele fala “Não tens nas faces
Jasmins de rosa...”, percebe-se que a pelo uso das expressão jasmins de rosa, que a pele da sua
amada não é branca, ela não possui a face rosada. Ele exalta esta mulher e a sua cor, dizendo
que a sua cor é mais graciosa e invejada.
Em A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, o negro como um objeto, a narrativa não é dele,
seu ponto de vista não aparece na história. Isaura aparece no livro como uma figura
estereotipada. Ela representa a escrava nobre, aquela que aceita a submissão. Isaura tem a pele
clara e por isso tem alguns privilégios com seus senhores, recebeu educação, canta, toca piano,
e a sua senhora a estima muito. Porém, o caráter preconceituoso da sinhá de Isaura aparece
quando ela impede que a escrava cante uma canção sobre escravidão para que as outras pessoas
não pensem que é uma escrava maltratada. Isaura, que tem a pele clara, deve esquecer suas
origens, e até mesmo sua condição de escravizada, para viver bem. Ela deve assumir
características e comportamento das pessoas brancas para ser aceita na sociedade. O
preconceito da sinhá Malvina aparece também quando ela diz: “...e és mui linda e bem prendada
para te inclinares a um escravo; só se fosse um escravo, como tu és, o que duvido que haja no
mundo. Uma menina como tu, bem pode conquistar o amor de algum guapo mocetão”. Ou seja,
Isaura tem a pele muito clara, é muito bonita para namorar um negro. Ser linda é ter a pele clara,
ser branca. Se ela negar suas origens, fingir não ser filha de escrava poderá até casar com branco
e ter filhos brancos e livres, na visão do livro.
A sinhá Malvina aparece como a figura do bom branco. O negro é a vítima, incapaz de falar por
ele mesmo, é aquele que deve ser ensinado como se comportar, como viver; o branco é aquele
com poder para salvar o negro, libertar o negro e ensiná-lo como se portar bem. É o mito do
branco salvador. Isaura é a coitada que depende da bondade de Malvina e seu marido para ter
pequenas regalias e até ser livre.
A interpretação do negro como vítima, figura submissa, de pouco valor, sem voz, aquele que
não é o sujeito da própria história, bem como a elevação do branco como figura do salvador, faz
com que o libro de Bernardo Guimarães pertença a literatura brasileira tradicional/canônica.
Referências
BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. 2v.
FILHO, Domício Proença. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos Avançados V. 18,
n. 50, p. 162-193. 2004