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Neste livro excelente, Barbara Duguid combina seu

amor pela história da igreja, seu entusiasmo por


John Newton, suas inteligentes percepções como
esposa de pastor e, acima de tudo, seu amor por
Cristo e sua igreja. Nesta obra, o leitor encontrará
percepções acuradas sobre a psicologia do pecado e
conselhos práticos e saudáveis a respeito de como a
Bíblia aborda as rebeliões comuns do dia a dia da
existência humana. O coração é, de fato, a mais
inquieta de todas as coisas. Barbara Duguid nos guia
habilmente para onde podemos encontrar descanso:
somente em Cristo.

— Carl R. Trueman, professor de História


da Igreja no Westminster Theological
Seminary, na Filadélfia, e pastor da
Cornerstone Presbyterian Church, em
Ambler, Pensilvânia.
Considerem isto: ‘E se crescer na graça tiver mais a
ver com humildade, dependência e exaltação a
Cristo do que com derrotar o pecado?’ Não, isto não
é heresia, é um cuidado pastoral arrojado e
amoroso. Se você está convicto em seu desejo de
seguir Jesus, porém se pergunta por que ainda se
sente tão pecador, este é o livro perfeito para você.

— Edward T. Welch, membro do corpo


docente da Christian Counseling and
Education Foundation

John Newton foi um pastor muito bom porque


compreendeu muito bem o pecado, o sofrimento e a
maravilhosa graça de Jesus Cristo. Ouvir daqueles
que estão familiarizados com seu trabalho,
resumindo-o à luz de sua própria jornada na fé, é de
grande ajuda. Barbara Duguid fez à igreja de hoje
um grande serviço ao compartilhar conosco sua
visão precisa acerca do entendimento que Newton
tinha da alma cristã. Banqueteie-se; seja encorajado
e edificado.

— Eric Johnson, professor de Cuidado


Pastoral no Southern Baptist Theological
Seminary, em Louisville, Kentucky.

Se, pelo menos, houvesse algum segredo — uma


estratégia, uma resposta, uma verdade, uma solução
— para findar toda a batalha desagradável da vida!
Há, porém, um jeito de viver que nos ensina a lutar
contra os erros em nosso interior e ao nosso redor.
Barbara Duguid luta bem. Ela aprendeu com um
outro antigo guerreiro, John Newton. Ambos
aprenderam muito bem com o Homem de dores e
graça.

— David Powlison, membro do corpo


docente da Christian Counseling and
Education Foundation
Barbara é qualificada para lhe trazer uma mensagem
sobre a graça extravagante, porque ela mesma bebeu
abundantemente dessa graça. Ela sabe que, como
John Newton, é uma grande pecadora que possui
um grande Salvador. E é essa mensagem da
misericórdia de Deus a pecadores indignos que irá
encorajá-lo a viver à luz da mais doce boa-nova já
ouvida: “Ele morreu em favor de um miserável
como eu!”

— Elyse Fitzpatrick, autora de Vencendo


Medos e Ansiedades e coautora de Pais
Fracos, Deus Forte.

Entretecendo as encantadoras percepções de John


Newton com sua própria experiência e a de muitas
pessoas que ela aconselhou ao longo dos anos,
Barbara conta, com profunda sabedoria, a história
da incansável compaixão de Deus para com
pecadores como nós. Quão maravilhosa é a graça?
Assim como Newton, Barbara aprendeu bem, com
o maior de todos os contadores de histórias, a
resposta para essa pergunta.

— Michael S. Horton, professor de Teologia


Sistemática e Apologética no Westminster
Seminary, na Califórnia. Autor de Bom
Demais Para Ser Verdade e Simplesmente
Crente.
Graça Extravagante: A Glória de Deus Revelada em Nossa
Fraqueza Traduzido do original em inglês: Extravagant Grace:
God’s Glory Displayed in Our Weakness Copyright ©2013 por
Barbara Duguid ■
Publicado por P&R Publishing Company, P.O. Box 817,
Phillipsburg, New Jersey 08865, USA Copyright ©2015 Editora
Fiel Primeira Edição em Português: 2016

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel


da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro
por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo
em breves citações, com indicação da fonte.

Diretor: James Richard Denham III Editor: Tiago J. Santos Filho


Coordenação Editorial: Renata do Espírito Santo Tradução:
Translíteris Revisão: Translíteris, Francisco Wellingtom Ferreira
Diagramação: Wirley Corrêa - Layout Capa: Rubner Durais
Ebook: Yuri Freire

ISBN: 978-85-8132-308-4
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

D868g Duguid, Barbara R.

Graça extravagante : a glória de Deus revelada em


nossa fraqueza / Barbara Duguid – São José dos
Campos, SP : Fiel, 2016.
2Mb ; ePUB
Inclui referências bibliográficas.
Tradução de: Extravagant grace.
ISBN 978-85-8132-308-4
1. Newton, John, 1725-1807. 2. Graça (Teologia).
3. Vida cristã. 4. Fracasso (Psicologia) – Aspectos
religiosos – Cristianismo. I. Título.

CDD: 234/.1

Caixa Postal, 1601


CEP 12230-971
São José dos Campos-SP
PABX.: (12) 3919-9999
www.editorafiel.com.br
Para Wayne,
meu querido e amado filho,
que ama Newton, precisa de Jesus tanto quanto eu
e me persuadiu a escrever este livro.
Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de
tropeços e para vos apresentar com exultação,
imaculados diante da sua glória, ao único Deus,
nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor
nosso, glória, majestade, império e soberania,
antes de todas as eras, e agora, e por todos os
séculos. Amém!
JUDAS 1.24-25
sumário

Prefácio
Agradecimentos
Apresentação

1. Bem-vindo ao seu coração


2. Crianças em Cristo
3. Amadurecendo na fé
4. Maduros na fé
5. A ilusão da Disney
6. Santos e pecadores
7. Descobrindo a sua depravação
8. Graça para cair
9. Permanecendo em Cristo somente
10. Pecadores que sofrem
11. Amor constrangedor
12. As jubilosas implicações da maravilhosa graça
13. Daqui à eternidade
prefácio

Este livro esteve em preparo por muito tempo. Suas


raízes foram lançadas na época de nosso seminário
na Filadélfia, quando Tim Keller recomendou à
Barbara a leitura de The Letters of John Newton (As
Cartas de John Newton) como recurso para
entender a vida cristã. Especificamente, a
preocupação de Barbara era o fato de que as áreas
de sua vida em que buscava lutar com mais vigor
contra o pecado eram precisamente as áreas em que
parecia estar obtendo menos progresso. Desde
então, o afável entendimento pastoral de John
Newton sobre a santificação, centrado na graça de
Deus, teve um impacto tremendo e crescente no
modo de pensar de Barbara (e no meu também).
Ainda assim, este assunto nunca foi um campo de
investigação intelectual e abstrato para Barbara.
Como uma das pessoas mais honestas que conheço,
ela tem se esforçado na aplicação prática destas
verdades às suas batalhas contra o pecado que habita
o seu interior, como você lerá nestas páginas. Além
disso, quando cresceu em seu entendimento,
Barbara foi capaz de compartilhar suas percepções
com outras pessoas no gabinete de aconselhamento,
em pequenos grupos de estudo bíblico e em retiros
da igreja. Muitos têm sido abençoados por meio de
seu ministério com um novo entendimento sobre a
dinâmica da graça de Deus que opera em meio aos
nossos pecados.
Para a maioria dos cristãos, o fato de que o
evangelho da graça de Deus é uma boa notícia e de
que precisamos crescer em nossa santidade não é
algo novo. O desafio é conciliar estas duas verdades
de maneira bíblica. Alguns enfatizam tanto a graça
de Deus, que pessoas perdem de vista o esforço em
direção ao alvo da santidade; enquanto outros
colocam tanta ênfase na necessidade de santidade
que, para aqueles que lutam com seus pecados,
parece difícil o cristianismo ser boas-novas. Para
muitos, nosso entendimento de como Deus pensa a
nosso respeito é baseado naquele antigo hino
infantil:

Jesus me ama quando sou bom, quando faço as


coisas que devo.
Jesus me ama quando sou mau, embora isso o
entristeça muito.

Como resultado, somos levados a crer que o favor


de Deus está sobre nós quando obedecemos, mas,
quando desobedecemos (o que, para a maioria de
nós, ocorre em grande parte do tempo), Deus fica
profundamente decepcionado conosco. Isso leva
muitos a lutarem com uma sensação predominante
de fracasso e culpa que resulta numa falta de alegria
e paz, sobre as quais tanto lemos na Bíblia.
Neste livro, você lerá a respeito de como a graça de
Deus para nós em Cristo é a melhor de todas as
notícias, precisamente quando a nossa luta contra o
pecado é mais intensa. A graça extravagante e
soberana de Deus é realmente maior do que todos
os nossos pecados!

Iain Duguid
agradecimentos

Devo a John Newton cada um dos pensamentos


brilhantes que você encontrará neste livro. Onde não
o citei de maneira direta, eu o parafraseei
livremente. Não posso, portanto, receber o menor
crédito nem pela imensa profundidade das verdades
bíblicas, nem pelas aplicações saturadas de graça
dessas doutrinas. Por vezes, levei os pensamentos de
Newton além do que ele mesmo o fez, aplicando-os
à vida de um modo que ele não o fez. Contudo,
acredito que Newton concordaria com o que fiz e
acrescentaria seu amém.
Tim Keller foi o primeiro a me apresentar as cartas
de John Newton há vinte e oito anos. Estou em
grande dívida para com ele e Kathy, por todo seu
amor e apoio durante nossos anos de seminário e
por nos servirem como exemplos vivos do
evangelho naquela época de formação.
Há muitas pessoas a quem preciso agradecer a
ajuda para escrever este livro. Meus pais, Sam e Pat
Befus, que plantaram pela primeira vez em meu
coração a semente da fé, regando-a fielmente. Eu
lhes agradeço a devoção a Cristo, a sua ajuda
editorial e o fato de terem sido verdadeiros
animadores de torcida em todo o processo. Meu
marido, Iain, foi meu herói e apoiador no processo
de escrita. Ele pegou meus pensamentos confusos,
colocou ordem no caos e ganhou minha admiração e
gratidão incessantes ao longo do caminho.
Quero também agradecer a meus filhos: Wayne,
Jamie, Sam, Peggy, Hannah, Rob e Rosie. Vê-los
crescer na graça tem sido o maior prazer e honra de
minha vida. Quando os ouço me confortarem com
as palavras de John Newton, meu coração estremece
e se regozija em louvor Àquele que prometeu ser o
Deus deles, bem como o meu Deus. Ele certamente
tem cumprido essa promessa.
Gostaria de agradecer a Matt Harmon, a Ralph
Davis e a Eric Johnson os comentários proveitosos
sobre os manuscritos. Agradeço também à Amanda
Martin a sua ajuda editorial. Agradeço a Bryce Craig
e à sua equipe da P&R a oferta desta grande
oportunidade e a Aaron Gottier, meu gerente de
projeto, a sua paciência para com meu nervosismo.
Sou grata à Louise Schimidtberger e à Kim Ware
pelo grande entusiasmo e orações fervorosas,
especialmente quando fiquei paralisada e pensei que
jamais terminaria. Também estou em dívida para
com todas as jovens mulheres que comigo têm
estudado John Newton ao longo dos anos e amado
as verdades que ele ensina. Elas me tem aprimorado
com suas perguntas e me maravilhado com sua fome
por crescimento. Agradeço de modo especial à Kat
Kuciemba, Michelle Bowser, Larissa Lisk e Carolyn
Wise o fato de beberem profundamente desta fonte
comigo. Agradeço à Elyse Fitzpatrick a sua amizade
e o encorajamento à escrita. Sou grata também à
Kathy Daane, editora da revista Anchor, por me
conceder a primeira chance de explorar estas ideias
em forma impressa.
Louvo a Deus pelo fato de que todos os princípios
explorados neste livro são totalmente verdadeiros e
dados gratuitamente a cada um de seus filhos
amados, que ele uniu a seu Filho, Jesus Cristo. Quer
tropecemos ou permaneçamos de pé, quer corramos
a corrida ou tenhamos fé apenas para olhar na
direção correta, ele é fiel a nós. E usará toda a
criação, por meio de seu poderoso Espírito Santo,
para sua própria glória e para o bem eterno e
espiritual de seus filhos. Louvado seja Deus, porque
não estamos sob a lei, antes, temos o privilégio de
progredir sob a sua rica graça extravagante.
apresentação

Para onde quer que eu vá, encontro cristãos que são


depressivos, ansiosos e desencorajados porque ainda
pecam. De fato, os pecados que eles mais se
esforçam para vencer são frequentemente os
mesmos que não conseguem derrotar. Muitos desses
cristãos frequentam igrejas que pregam a Bíblia,
creem nela e amam apaixonadamente a Palavra de
Deus. Eles leem suas Bíblias desejando viver em
obediência crescente. Oram intensamente, pedindo a
Deus, sinceramente, que os transforme. De vez em
quando, vão a um retiro ou ouvem um sermão e,
com energia e determinação renovadas, fazem um
plano para vencer esse pecado de uma vez por
todas. Oram e jejuam, memorizam as Escrituras,
participam de grupos de oração e refletem sobre seu
progresso. Por um tempo, isso parece funcionar, e
as coisas melhoram. Mas logo seu antigo pecado
reaparece furtivamente e, mais uma vez, os vence –
só que desta vez, pior do que antes. Agora, o
desencorajamento os atinge como um tsunami de
vergonhas, enquanto a esperança de uma mudança
real se desfaz novamente.
Muitos cristãos sofrem desse ciclo incansável de
condenação, arrependimento, esforços, tentativas de
mudança e derrotas completas. Leem a respeito de
uma vida cristã alegre e vitoriosa e pensam que Deus
deve estar muito decepcionado com eles, pois esses
relatos não descrevem a sua experiência. Talvez até
concluam que nem mesmo são salvos.
Então, por que cristãos verdadeiros ainda pecam
tanto, mesmo após terem sido salvos há décadas?
Por que não conseguimos firmar nossas atitudes e
prosseguir melhorando? O que Deus quer ao
permitir que tanta desobediência e desgraça
permaneçam nas igrejas e na vida de seu povo
amado? Se a santificação se resume em pecarmos
cada vez menos, então, devemos concluir que o
Espírito Santo não está fazendo muito bem o seu
trabalho. Até mesmo o apóstolo Paulo chamou a si
mesmo de o principal dos pecadores (1 Timóteo
1.15), ao final de sua carreira apostólica. Em vez de
crescer liberto de seus pecados, parece que Paulo se
deparava cada vez mais com eles.
Talvez nosso maior problema não seja a realidade
de nosso pecado, mas a nossa expectativa antibíblica
a respeito do que, supostamente, deve ser o
crescimento cristão. E se crescer na graça tiver mais
a ver com humildade, dependência e exaltação a
Cristo do que com derrotar o pecado? Como isso
impactaria nossa luta contra o pecado e nosso gozo
em Cristo, enquanto continuamos a viver como
pecadores fracos em um mundo caído? Certamente
isso faria toda a diferença do mundo!
Este livro busca recuperar uma teologia mais
bíblica quanto à santificação e ao pecado, uma
teologia que era querida e familiar aos pastores que
escreveram a Confissão de Fé de Westminster e seus
sucessores. Em particular, examinaremos com uma
nova perspectiva os escritos de John Newton, aquele
que fora um comerciante de escravos e se tornou
um ministro anglicano, que escreveu o famoso hino:
Amazing Grace (Maravilhosa Graça). Esse pastor
do século XVIII delineou uma teologia do fracasso
na luta contra o pecado, uma teologia que, além de
tornar os pecadores fracos em pessoas mais
humildes, magnifica a obra consumada de Jesus
Cristo e conforta pessoas que parecem não
conseguir parar de pecar, direcionando-as para
Cristo em seus piores momentos de derrota. Essa é
uma verdade que foi grandemente perdida pela
igreja contemporânea, maravilhada pelo triunfalismo
individual e pelo mito da vida cristã vitoriosa. Como
resultado, muitos cristãos vivem uma vida de
desencorajamento e angústia profundos, escondendo
suas lutas vergonhosas uns dos outros.
É um pensamento radical e quase assustador saber
que Deus opera em nossos piores momentos de
pecado, tanto quanto em nossos melhores momentos
de obediência. Longe de nos conduzir a pecar ainda
mais, esse conceito nos atrai a uma dependência
mais profunda das promessas de Deus e de seu
poder. Se aquele que começou a boa obra em nós
prometeu ser fiel para completá-la, estamos seguros.
Se as Escrituras nos apresentam um Deus que é
absolutamente soberano sobre o pecado de todas as
pessoas, inclusive o de seus próprios filhos,
podemos ser confortados. Se Deus utiliza nossos
pecados reincidentes para nos revelar a beleza
estarrecedora de nosso Salvador, seremos cativados
por ele. Se nosso pecado atual nos mantém aos pés
da cruz, desesperadamente carentes de um refúgio e
de um Redentor, a festa começa aqui e agora, e o
meu pecado diário se torna o canal para uma
surpreendente alegria e celebração. Por isso, deixem
que as comemorações comecem.
Neste livro, estou demonstrando, através de
histórias, um trabalho progressivo da graça. As
histórias são todas verdadeiras, embora em alguns
lugares nomes tenham sido mudados para proteger
os culpados! A maior parte dessas histórias
envolvem a mim mesma — não porque eu esteja
tentando proclamar quão maravilhosa pessoa eu sou.
Na verdade, trata-se exatamente do contrário.
Muitas delas falam de mim, pois o meu coração é o
único que realmente conheço, e o meu pecado é o
único a respeito do qual posso falar com algum grau
de conhecimento.
As histórias que você encontrará aqui têm como
objetivo fazer a conexão de grandes e poderosas
verdades doutrinárias com os minutos e as horas da
vida cotidiana. É maravilhoso estudar as verdades a
respeito de Deus. Todavia, ainda mais maravilhoso é
revestir-se delas dia após dia: trabalhar revestido
delas, alegrar-se nelas, dormir descansando nelas,
festejar baseado nelas e, inclusive, morrer acolhido
seguramente nelas. Espero que este livro o abençoe
e que o entusiasmo com o qual escrevo mova seu
coração a um grande desejo de perseverar em
descobrir a abundante alegria que é sua herança em
Cristo Jesus.
capítulo um
bem-vindo ao seu coração

O espírito de escravidão está indo embora


gradualmente, e a hora da liberdade, pela qual ele
tanto anseia, se aproxima. — John Newton1

Eu me remexia inquieta no banco da igreja,


enquanto aguardava meu grande momento chegar.
Pensamentos passavam rapidamente em minha
mente, e meu coração batia acelerado, cheio de
empolgação, conforme ouvia os murmúrios
intermináveis da preletora. Eu estava interessada em
apenas uma coisa, e estava difícil esperar por isso.
A preletora era uma grande amiga minha, uma
jovem com quem eu fizera amizade no trabalho. Eu
estava empolgada por ela ter sido convidada a dar
seu testemunho na igreja. O testemunho de Heather
era uma história excepcional de transformação, na
qual eu tive grande participação. Quando conheci
Heather, como colega de trabalho no laboratório de
um grande hospital da cidade, ela era quase
invisível. Falava baixo e de maneira hesitante, e suas
expressões faciais eram quase sempre as mesmas e
indiferentes em uma conversa. Heather andava
vagarosamente, cada passo era arrastado, cada ação
era feita de forma penosamente lenta, como se as
tarefas mais simples da vida fossem um fardo
pesado. Eu sentia pena dela. Heather era alvo de
fofocas entre os funcionários, e alguns a
maltratavam. Desde que se mudara para aquela
cidade a fim de assumir seu trabalho, ela não tinha
nenhum amigo, e sua vida parecia triste e solitária.
Heather precisava de ajuda: precisava de Jesus; e,
evidentemente, ela precisava de mim!
Havendo crescido em um lar de missionários, forte
e entusiasta, eu sabia exatamente o que Deus queria
que eu fizesse. Queria que eu amasse Heather, me
tornasse sua amiga e compartilhasse com ela o
evangelho. Comecei a trabalhar imediatamente.
Tinha acabado de voltar para os Estados Unidos,
após trabalhar como missionária na África, e era
recém-casada com um homem que havia sido
chamado para o ministério e estudava num
seminário.
O evangelismo estava no topo da lista de coisas que
eu sabia que Deus requeria de mim, e, sendo
honesta, a África não tinha sido uma experiência
muito boa nessa área. Eu havia trabalhado por dois
anos no laboratório de um hospital, esforçando-me
para testemunhar do evangelho a algumas pessoas e
discipulá-las, mas sem conseguir levar ninguém ao
Senhor. Na verdade, comportara-me bem mal como
uma jovem missionária imatura de vinte e um anos
de idade, que tinha uma suspeita irritante de que
muitas pessoas boas haviam desperdiçado muito
dinheiro ao investir em mim. Ninguém mais sabia
que eu pensava essas coisas sobre mim mesma, mas
eu era atormentada pelo meu fracasso em ser uma
boa missionária. Ministrar à Heather seria minha
chance de redimir minha reputação.
Heather acabou sendo um projeto ainda melhor do
que eu poderia ter imaginado. Ela correspondeu
maravilhosamente a todas as minhas tentativas de
tornar-me sua amiga. Em pouco tempo, Heather já
fazia parte da casa e começou a frequentar a igreja
conosco. Quando mudei de emprego, Heather nos
acompanhou e mudou-se para perto de nós e da
igreja que frequentávamos. Ela fez sua confissão
pública de fé e parecia ter uma nova vida bem diante
de nossos olhos.
A história de Heather era muito dramática, pois
envolvia todos os piores pecados que os bons
cristãos não podiam sequer imaginar, pecados como
promiscuidade sexual e aborto. A culpa e a vergonha
haviam revestido o corpo e a vida de Heather, e ela
vivia a vida no modo zumbi, perambulando em seu
mundo, blindada dos olhares dos outros por um
invisível e portátil caixão de silêncio. À medida que
sua culpa era aliviada, seu semblante começava a
mudar. Heather falava mais, ficava mais animada e
começou a sorrir e a gargalhar. Após alguns anos,
começou a namorar um cristão afável e decente que
a pediu em casamento. Uma nova vida tomou conta
dela e transformou aquela garota invisível de dentro
para fora. Essa foi uma história dramática, e eu era a
protagonista no palco da nova vida de Heather.
No entanto, à medida que eu ouvia a interminável
narrativa de Heather, comecei a ficar irritada. Sua
versão da história parecia altamente imprecisa. Ela
continuava falando sobre Deus e o que ele havia
feito em sua vida, mas não mencionou meu nome
uma única vez. Minha irritação desabrochou em
uma profunda raiva quando comecei a me perguntar
se ela iria ou não mencionar meu nome. Como ela
poderia explicar toda a sua história sem agradecer e
dizer a todos como eu havia dado minha vida para
alcançá-la com o evangelho? Ministrar à vida de
Heather havia sido custoso para mim, e com certeza
eu merecia algum crédito! E, além disso, aquele
grupo de pessoas em particular não ficara
impressionado com a minha biografia missionária.
Eles não se importaram com o fato de eu ter ido
para as zonas mais profundas e sombrias da África.
Na verdade, não repararam de maneira alguma em
mim, por isso eu precisava de uma pequena ajuda
no departamento de notoriedade. A história de
Heather estava chegando ao fim, e minha raiva
profunda se transformou em fúria quando percebi
que ela não tinha absolutamente nenhuma intenção
de mencionar meu nome. Pensamentos amargos
inundaram minha mente, ao passo que eu ensaiava o
que diria para puni-la por sua repugnante ingratidão.
Eu a odiei desesperadamente naquele momento.

UM MOMENTO DE DISCERNIMENTO
De repente, do nada, um pensamento surgiu em
minha mente: Barbara, você é uma farejadora de
glória e amante de holofotes, não é? Essa história
não é sua; é minha, e todo o crédito e glória
pertencem a mim. Nunca em minha vida eu tivera
um pensamento como esse. Não foi uma voz; foi
um pensamento, mas um pensamento tão poderoso
e emocionante que repentinamente me senti tomada
por uma luz que me expunha à essência de minha
alma.
Quatro anos antes, eu tinha ouvido palavras como
essas, vindas da boca de minha colega de quarto da
faculdade, quando, no campus, competíamos
descaradamente pela posição de presidente de um
dos grupos evangélicos de comunhão cristã. Ela
tinha visto em mim coisas para as quais eu estava
completamente cega e escolheu um momento na
escadaria do refeitório para me bombardear. Ela me
disse: “Barbara, você ama os holofotes e sempre tem
de ser o centro das atenções”. Naquele dia, eu não
fui detida por nenhum pensamento repentino. Ao
invés disso, a ira cresceu dentro de mim como uma
tempestade violenta, e dei um empurrão maldoso em
minha colega que quase a fez cair escada abaixo.
Não houve nenhuma luz que deteve meus
pensamentos; houve apenas ódio amargo e
repugnante para com uma garota que não gostava de
mim e ameaçou a elevada visão que eu tinha a
respeito de mim mesma.
Com Heather, porém, o caso foi completamente
diferente. Senti-me como o apóstolo Paulo
provavelmente se sentiu na estrada para Damasco,
quando Jesus o confrontou e lhe disse: “Saulo,
Saulo, por que me persegues?” (Atos 9.4). Foi
como se tivesse sido jogada mentalmente ao chão e
cegada por uma glória tão reluzente que eu não
podia suportar. Agora o Senhor estava me
perguntando: “Barbara, Barbara, por que você está
roubando a minha glória?” Imaginei Jesus pregado à
cruz, esmagado e sangrando, olhando para mim,
conhecendo meus pensamentos e indagando-me:
“Como você poderia receber crédito por aquilo que
eu fiz? Você morreu pela Heather? Você lhe deu fé e
vida? Abriu os olhos dela para que enxergasse?” Por
um breve instante me senti profundamente
condenada; e a repugnância desses pecados
ameaçavam me consumir. Estava chocada e
arruinada pela feiura dos meus pensamentos, uma
vez que eu não tinha ideia de que era capaz de
crimes tão nojentos contra Deus e contra a
humanidade! Ainda que fosse verdade o tempo
todo! Eu vinha pecando desse modo havia anos,
pois minha colega de quarto tinha visto isso
claramente muitos anos antes.
Aos poucos, entretanto, outro pensamento
despontou em minha mente. Em vez de sentir
desespero e rejeição, comecei a me sentir ricamente
estimada. Deus não estava sequer surpreso com a
minha alma que ama glória e busca atenção. Eu
estava cega sobre a verdade acerca de mim mesma,
mas Jesus foi pregado naquela cruz por mim, por
causa desse pecado específico. Enquanto visualizei a
mim mesma diante de Jesus sangrando, nu,
envergonhado e exposto, eu esperava e merecia
repreensão, rejeição e desapontamento da parte do
meu Salvador. Mas não era isso que eu estava
recebendo. Em vez disso, ele estendeu amor,
compaixão e infinita paciência sobre a minha
fragilidade e fraqueza. Eu me senti amada e
valorizada por Deus, embora nada em mim
houvesse mudado ainda. Eu era como um fariseu
orgulhoso naquele momento e ainda o sou de muitas
maneiras. Naquele dia, tristeza e gratidão
percorreram juntas meu coração como se fossem
alegres companheiras pela primeira vez. Respondi:
“Senhor, perdoa-me por apressar-me em querer
roubar a tua glória; verdadeiramente esta é quem eu
realmente sou. Obrigada por me amar e me perdoar
diante de tamanha traição”. Até aquele momento,
sempre acreditei que Deus tinha sorte em me ter do
lado dele. Agora, eu finalmente me via como uma
inimiga amarga a quem Deus escolhera para amar e
receber como uma filha preciosa. Pela primeira vez
na minha vida, a graça me pareceu maravilhosa, de
uma maneira completamente inesperada à luz de
meu comportamento rebelde para com Deus.
Muitos anos se passariam até que eu pudesse
entender o que aconteceu naquele dia. O Espírito
Santo estava começando a abrir meus olhos para
que eu visse mais claramente a mim mesma, a fim
de me libertar da escravidão do meu eu! A verdade
estava começando a substituir a frustração, e o sabor
da condenação começava a se tornar doce, em vez
de simplesmente amargo e humilhante.
No entanto, esses pensamentos bons e verdadeiros
ficaram para um momento posterior, pois vergonha
e humilhação reinaram naquela noite em particular,
enquanto minha compreensão do amor paciente de
Deus desapareceu. Minha companheira de quarto
estava certa a meu respeito, e eu estava
envergonhada. Como pude não perceber? Como
pôde uma garota cristã de uma família com forte
tradição missionária ser tão egoísta em busca de
glória pessoal? Como fui capaz de tamanho ódio
para com pessoas que eram meus irmãos e irmãs em
Cristo? Como pude ser assim tão pecadora, mesmo
sendo cristã há mais de vinte anos? Que sujeira era
essa que brotava de mim, e como eu sobreviveria a
ela?

ANATOMIA DA ALMA

Alguma vez você já se fez essas perguntas


perturbadoras? Talvez já tenha visto os pecados
secretos e interiores de seu coração, que ninguém
mais vê, e tenha se perguntado como pode ser um
cristão tão mau ou, até mesmo, se você é, de fato,
um cristão. Talvez fique alarmado com os novos
padrões de comportamento pecaminoso que você vê
emergindo atualmente e sua própria incapacidade de
vencê-los. Você se pergunta a respeito daqueles
velhos pecados que estão por aí há muito tempo e
que você não consegue dominar, não importando o
quanto se esforce? Espero que seja confortado ao
saber que não está sozinho. Na verdade, todos os
cristãos têm esse problema, quer estejam
dolorosamente conscientes dos pecados secretos que
os mantêm cativos, quer ainda estejam cegos para
eles, como eu estive por muitos anos.
A difícil situação que todos nós compartilhamos é
que, mesmo sendo novas criaturas em Cristo (2
Coríntios 5.17) e tendo recebido corações vivos para
conhecermos e adorarmos a Deus (Ezequiel 36.26-
27), ainda somos pessoas altamente pecaminosas.
Permanecemos fracos, rebeldes e inclinados a nos
afastar de Deus até o dia em que o veremos face a
face. Junto com o escritor do hino, cada um de nós
pode dizer: “Propenso a vaguear, Senhor, eu sei,
propenso a me afastar do Deus que amo”.2
Talvez você não ouça muitos ensinamentos sobre
esse problema em nossas igrejas. Poucas pessoas, e
especialmente talvez poucos pastores, estão
dispostas ou são capazes de abrir suas vidas e
corações para serem expostos e analisados
publicamente. A maioria de nós prefere esconder
seu pecado e sua fraqueza em vez de revelar a
própria vida e experimentar vergonha e humilhação.
Como resultado, nossas igrejas se tornaram lugares
onde demonstramos aos outros uma boa
performance e falamos muito mais sobre as nossas
vitórias do que de nossas lutas. Consequentemente,
muitos cristãos lutam contra a agonia do fracasso
pecaminoso, isolados e em desespero. A mensagem
silenciosa é ensurdecedora: cristãos são pessoas que
crescem e são transformadas rapidamente. Se você
está fraco e enfrentando lutas, não deve ser um
crente ou, quem sabe, ainda pior, deve ser um
cristão particularmente mau, com quem Deus está
muito, muito decepcionado.
Este silêncio nem sempre foi a regra. Em particular,
houve um pastor do século XVIII que foi
notoriamente sincero em relação aos pecados
secretos de seu coração — John Newton. Talvez
você o conheça como o autor do famoso hino
“Maravilhosa Graça”.
John Newton nasceu em 1725 e, nos primeiros seis
anos de sua vida, beneficiou-se do amor e dos
ensinos de sua mãe. Ela era uma cristã devota que,
com muita fé, lhe ensinou a Palavra de Deus,
enchendo a sua jovem mente com salmos, hinos e
ensinamentos de catecismos históricos. Quando ela
morreu, John foi deixado aos cuidados de seu pai,
que era um homem íntegro, mas não tinha fé em
Deus nem interesse em religião. Na tenra idade de
onze anos, Newton se viu trabalhando em um navio
pela primeira vez, na companhia de rudes
marinheiros.
Newton logo se tornou um jovem capaz de xingar
e blasfemar como o restante da tripulação.
Desenvolveu um gosto perverso por profanar o
nome de Deus e instigar encrencas e caos onde quer
que pudesse. Apesar de muitas tentativas de reforma
moral, mais onze anos se passariam até que ele fosse
convertido. Ele prosseguiria em descrever-se como
um homem que fora resgatado por Deus contra sua
própria vontade.
Ao longo de sua carreira de marinheiro, Newton se
envolveu com o tráfico de escravos, tornando-se o
capitão de vários navios em viagens para a África
com o propósito de buscar carga nova. Embora não
tenha sido condenado de imediato pela perversidade
da prática de tráfico de escravos na ocasião de sua
salvação, Newton nutria desgosto por sua ocupação,
que envolvia correntes e algemas. Por fim,
problemas de saúde o forçaram a abandonar a vida a
bordo de navios e se estabelecer em um trabalho
mais estável de inspetor de embarques em
Liverpool. Sua mãe havia predito e tinha esperança
de que, um dia, ele seria separado para ser um
ministro ordenado da Palavra de Deus, mas Newton
sequer ousou esperar que tal privilégio pudesse,
algum dia, ser dado a alguém que fora tão pecador e
perverso como ele. No entanto, foi exatamente isso
que Deus fez.
Após vários anos de crescimento e treinamento aos
pés de piedosos ministros evangélicos, dentro e fora
da Igreja da Inglaterra, Newton foi aceito como
ministro de uma igreja local e, posteriormente,
tornou-se vigário na igreja de Olney, onde serviu por
vários anos antes de se mudar para Londres. Ficou
conhecido por seu coração de pastor e sua enorme
habilidade em aconselhar um grande número de
pessoas que vinham até ele — ou escreviam para ele
— em busca de conselhos. Ao longo de anos
ministrando pessoas em diversas fases da vida,
Newton se tornou um especialista em “anatomia da
alma”, desenvolvendo um interesse e um gosto
particular em estudar a obra progressiva do
crescimento espiritual dos crentes, aquilo que os
teólogos chamam de “santificação”. Newton foi
cativado pelo que Deus ensina a seus filhos por meio
do complexo processo de amadurecimento de
pecadores pela graça, do momento da salvação em
diante.
Livros excelentes foram escritos sobre o tema da
santificação, mas, ainda assim, o trabalho de
Newton se destaca dos demais por um simples e
(para nós) chocante motivo: John Newton era
transparente sobre o fato de ainda ser um miserável
pecador, mesmo anos depois de tornar-se um
cristão. Muitos crentes estão dispostos e ansiosos
para falar a respeito de quão grandes pecadores
eram antes da conversão, mas poucos nos convidam
a adentrar seus corações para vermos quão grandes
pecadores eles ainda são hoje. Isso é muito
arriscado. As pessoas poderão olhar para você com
recriminação e rejeitá-lo caso você faça isso. Elas
talvez não venham mais à sua igreja nem ouçam
seus sermões. Elas podem destruir sua reputação e
fofocar a seu respeito. Esses perigos são de fato
reais. Entretanto, Newton tinha tamanha confiança
no amor de Deus para com ele e um amor tão
grande por aqueles que aconselhava, que se recusou
a participar dessa conspiração silenciosa. Ele não
permitia que outros crentes tivessem pensamentos a
seu respeito mais elevados do que deveriam ter.
Por seu tremendo conhecimento da Escritura, sua
vasta experiência pessoal como pecador e seu
ministério como pastor de pecadores, John Newton
percebeu que Deus planeja coisas específicas para o
coração daqueles que ele salva. Se você tivesse que
perguntar aos cristãos ao redor do mundo o que
Deus quer daqueles a quem salvou, a maioria
provavelmente responderia “obediência”. Há muita
verdade nessa resposta, porém isso não é tudo. Se o
objetivo principal do Deus soberano na santificação
dos crentes é simplesmente nos tornar mais santos, é
difícil explicar por que a maioria de nós experimenta
apenas “pequenos começos” na estrada da santidade
pessoal ao longo da vida, conforme descreve o
catecismo de Heidelberg (ver Catecismo de
Heidelberg - Pergunta 113). Na verdade, Deus quer
algo muito mais precioso em nossas vidas do que a
mera conformidade exterior à sua vontade. Afinal de
contas, obediência é uma questão confusa para nós e
pode até mesmo ser traiçoeira. Podemos ser
obedientes por fora e, ao mesmo tempo, pecar
loucamente por dentro, como nos ensina, de forma
clara, o exemplo dos fariseus. Mais do que isso,
posso dizer que muitos dos meus piores pecados
ocorreram no contexto de minhas melhores
obediências. Antes da noite em que Heather prestou
seu testemunho à igreja, eu via minha relação com
ela como a de um discipulador amável para com seu
novo convertido. Muito do meu comportamento
para com Heather era exatamente conforme deveria
ser. Entretanto, eu também era um fariseu julgador e
hipócrita, que ansiava por reconhecimento por tudo
que fazia. Minha obediência exterior realmente se
tornou a moldura e o contexto para meu pecado
interior.
Da mesma maneira, quando testemunhamos para
descrentes, estamos obedecendo a Deus. Se ficamos
cheios de orgulho ao fazê-lo, desprezando aqueles
que encontram dificuldade em fazê-lo e não o
fazem, podemos estar pecando mesmo quando
estamos obedecendo. Se pensarmos que aquele que
rejeita o evangelho o faz porque é menos inteligente
ou moralmente inferior a nós, pecamos. Se ficarmos
com o crédito pela nova vida de fé que só Deus
pode dar, pecamos. Portanto, nós cristãos nos
encontramos em uma situação delicada e muito
perturbadora: quanto mais bem sucedidos somos em
obedecer a Deus, tão mais frequentemente ouvimos
aquele sussurro de autopromoção e superioridade.
Não conseguimos fugir disso. Se isso se aplica a nós
como verdade até em nossos melhores momentos,
que esperança há para nós na corrida em direção à
verdadeira santidade que nos transforma de dentro
para fora?
John Newton nos ensina, porém, que o objetivo de
Deus em nossa santificação não se trata
simplesmente de uma melhor obediência e redução
de pecados. Ele observa que, se Deus quisesse fazer
isso, poderia nos fazer instantaneamente perfeitos no
momento de nossa salvação. Afinal, sabemos que
Deus nos fará instantaneamente perfeitos quando
morrermos ou quando ele voltar; e, já que todas as
coisas são igualmente fáceis para o Deus todo
poderoso, ele poderia prontamente nos santificar
completamente no momento em que somos salvos.
Sejamos honestos: se a principal obra do Espírito
Santo na santificação é tornar os cristãos cada vez
mais livres do pecado, então, ele não está fazendo
um bom trabalho. A igreja ao longo do tempo e por
todo o mundo não tem sido muito conhecida por sua
pureza e bondade. Em vez disso, ela é combalida
por uma história constante de contenda, violência e
hipocrisia. As pessoas não conseguem diferenciar
um crente de um descrente por sua bondade
aparente. Na verdade, há muitos descrentes que são
superiores moralmente em relação aos cristãos, e
vivem vidas de muito mais nobreza, generosidade e
propósito do que nós que professamos a fé em
Cristo.
Deus poderia nos ter salvado e nos feito perfeitos
instantaneamente. Em vez disso, ele escolheu nos
salvar, deixando um pecado remanescente, em
nossas vidas e corpos, que trava guerra contra os
nossos novos desejos de agradar a Deus, os quais
florescem com a salvação. Essa é uma batalha
acirrada que frequentemente perdemos e que quase
sempre nos faz sentir derrotados e sem alegria em
nossa caminhada com Deus. Contudo, Newton
também destaca que, uma vez que sabemos que
Deus faz tudo visando à sua própria glória e ao bem
de seu povo, sua decisão de deixar os cristãos
viverem com muitas lutas contra o pecado deve, de
alguma forma, servir igualmente para glorificá-lo e
beneficiar seu povo. Essa é uma notícia chocante,
não é?
Pense no que isso significa. Deus pensa que você
de fato o conhecerá e o amará melhor na condição
de pecador, desesperado e fraco, em contínua
necessidade da graça, do que você o faria como um
guerreiro cristão triunfante que ganha toda e
qualquer batalha contra o pecado. Isso dá sentido à
nossa experiência como cristãos. Se a obra do
Espírito Santo é nos tornar mais humildes e
dependentes de Cristo, mais gratos por seu sacrifício
e mais dispostos a adorá-lo como um Salvador
maravilhoso, ele deve estar fazendo um trabalho
muito, muito bom, embora você ainda peque dia
após dia.

POR QUE ISSO IMPORTA

Que diferença faz se você acredita que os cristãos


devem caminhar de força em força e viver vidas
vitoriosas de obediência ou se você acredita que os
cristãos permanecerão na terra em um estado de
grande fraqueza e total dependência de Deus em
cada bom pensamento que tiverem? Isso faz toda a
diferença do mundo. Aquilo que você acredita sobre
si mesmo e sobre Deus é imensamente importante.
É importante que você tenha uma avaliação
verdadeira e exata de quem você é como crente
diante de Deus, o que Deus espera de você, e o que
você deveria esperar de si mesmo. É muito
importante que você compreenda o que o Espírito
Santo está fazendo em sua vida e de que forma ele
faz a sua obra. Jesus nos convidou a viver uma vida
de alegria e descanso, ao mesmo tempo que
seguimos o árduo trabalho de lutar para obedecer a
Deus e crescer em santidade (Mateus 11.28-30).
Conheço muitos cristãos que estão se esforçando
tremendamente para se tornarem santos, mas são
poucos os que conseguem equilibrar, ao mesmo
tempo, esse trabalho árduo com o descanso
prazeroso.
Se você é um cristão desencorajado, surpreendido
pelo seu pecado e certo de que Deus está
decepcionado com você, então precisa da verdade
da palavra de Deus para libertá-lo dessas voltas de
montanha-russa emocional de seus sucessos e
fracassos. Se você é um cristão orgulhoso, que se
sente melhor do que os outros por causa de seus
muitos pontos fortes e triunfos, precisa do Espírito
de Deus para lhe mostrar a verdade sobre seu
coração e humilhá-lo. Se sua paz agora repousa no
que você é capaz de fazer, para onde você se voltará
quando cair e cometer pecados que jamais sonhou
ser capaz de cometer? Nesse dia, você precisará
conhecer essa verdade para sobreviver ao seu
fracasso e se regozijar em meio a ele. Quem quer
que você seja e qualquer que seja o estado espiritual
em que se encontre, suplico que jamais desista de
buscar a sua alegria em Cristo nesta vida. A
perfeição livre do pecado e a plenitude de paz e
alegria devem esperar pelo céu, mas a alegria
abundante em Cristo aqui e agora é seu direito e
herança, ainda que você peque e fracasse
miseravelmente em ser um bom cristão.
John Newton nos mostra através da Escritura que a
verdadeira santificação significa basicamente crescer
em humildade, dependência e gratidão. A alegria
desabrocha em nosso coração, não à medida que
nos esforçamos mais e mais para crescer, e sim à
medida que percebemos mais claramente as
profundezas de nossos pecados e entendemos mais
plenamente a nossa total impotência. Só então
tiraremos os nossos olhos de nós mesmos e
olharemos em direção a Cristo para tudo que
precisamos na vida e na morte. Só então
estimaremos verdadeiramente o nosso Salvador e
acreditaremos que precisamos dele em cada minuto
de cada dia e que sem ele não conseguimos fazer
nada (João 15.5).
Newton também demonstra que Deus tem
maneiras surpreendentes de livrar seu povo da
escravidão de suas próprias ações, direcionando-o
para a alegria e a liberdade de descansar somente em
Cristo. Se é verdade que “o coração é mais
enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é
incurável” (Jeremias 17.9) e que continuaremos
lutando contra o nosso coração depravado ao longo
da vida, o nosso pecado mais recorrente pode
realmente ser o recurso utilizado por Deus para
glorificar a si mesmo, até quando nos humilha.
E se Deus escolher glorificar a si mesmo tanto em
nossos fracassos pecaminosos, suportando-nos
pacientemente, quanto ele o faz ao demonstrar seu
poder para nos transformar e fortalecer para a
obediência? E se o pecado continuar vencendo as
nossas melhores intenções muitas vezes a cada dia?
É possível termos alegria profunda mesmo quando
nos encontramos pecando muito? Investigaremos
essas importantes questões neste livro, a fim de
entendermos a nós mesmos e a forma como Deus
trabalha neste mundo e, individualmente, em nossos
corações. Iniciaremos essa investigação observando
os três estágios do crescimento cristão descritos por
John Newton, e analisando o que Deus faz em cada
uma das fases e como ele faz isso.
Apertem os cintos, meus amigos — há muita
alegria por vir!
PARA REFLEXÃO

1. Como você esperava e gostaria que fosse o


crescimento cristão quando se converteu? Como
você descreveria a forma como aconteceu o seu
crescimento?
2. Em seu interior, você se considera melhor ou
pior que outros cristãos? Por quê?
3. Você está chocado com o pecado que percebe
ainda existir em seu coração e em suas atitudes? Por
quê?
4. De que novas maneiras você tem visto padrões
de pecado que têm, realmente, feito parte da sua
vida há muito tempo?
5. Você costuma compartilhar seus fracassos
pecaminosos com outros crentes ou os esconde e os
acoberta? Por quê?
6. Em sua opinião, qual é o objetivo de Deus em
santificá-lo?
1. John Newton, “Grace in the Blade” Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 6.
2. Robert Robinson, “Come Thou Fount of Every Blessing”, 1758.
capítulo dois
crianças em Cristo

“Enquanto ele é dessa maneira novo no


conhecimento do evangelho... o Senhor se agrada
em favorecê-lo com graça de modo que ele não
seja tragado por demasiada aflição.” — John
Newton3

John Newton expressava frequentemente uma


afeição e amor especial por novos crentes em Cristo.
Observava a paixão e o zelo deles por Deus e
lembrava-se de sua própria história e dos
sentimentos mais calorosos que acompanharam os
primeiros dias de sua caminhada espiritual. Ao
contrário da maioria de nós, John Newton lembrava-
se claramente do dia em que o Senhor lhe abrira os
olhos, presenteando-o com o dom da fé. Ele era um
jovem marinheiro de apenas vinte e três anos de
idade, mas já havia experimentado vários anos de
flagrante rebelião contra Deus. Em sua infância,
Newton foi criado por uma mãe piedosa, que lhe
ensinou doutrinas bíblicas, demonstrando um amor
por Deus genuíno e profundo. Sobre sua mãe, ele
dizia: “Ela armazenou em minha memória muitos
valiosos fragmentos, capítulos e porções da
Escritura, catecismos, hinos e poemas”.4 Entretanto,
depois que ela morreu, quando ele tinha seis anos de
idade, Newton foi deixado aos cuidados de seu pai
que, apesar de lhe ensinar uma boa moral, não deu
prosseguimento à sua educação cristã. Muitos anos
se passariam até que Deus tomasse as doutrinas que
sua mãe lhe tinha ensinado e as gravasse
profundamente em seu coração.
Entre a morte de sua mãe e o seu novo nascimento,
Newton se tornou um marinheiro e um rebelde
descarado contra Deus. Ele se referia a si mesmo
como um pecador insensível que se deliciava na
farra, na blasfêmia e naquilo que ele mesmo
chamava de “brincadeiras abomináveis”.5 Entregava-
se a todo tipo de prazeres carnais, com apenas uma
exceção. Embora se divertisse incitando os outros a
se embriagarem, ele mesmo não gostava de beber.
Durante todos esses anos selvagens e libertinos,
Newton fez várias tentativas de mudança, mas elas
se concentravam principalmente em esforços
extremos para controlar seu comportamento
externo. Chegava a passar horas lendo a Bíblia e
outros livros religiosos e se abstendo de prazeres
mundanos. Entretanto, seus esforços para mudar
nunca duravam muito tempo, e cada tentativa era
seguida de uma recaída em um pecado ainda mais
profundo do que o anterior. Às vezes lutava contra o
desespero e a depressão, e em várias ocasiões ele
tentou até mesmo tirar a própria vida. Muitos anos
mais tarde, Newton concluiria que, contra sua
própria vontade, Deus o poupara e o resgatara
amorosamente. Ele chegou a descrever a si mesmo
como um “monumento à graça” e um troféu do
poder de Deus em mudar corações. Newton estava
convencido de que uma das razões para Deus tê-lo
salvado era simplesmente provar que ele podia fazê-
lo!6
O dia 21 de março de 1748 era uma data que
Newton sempre comemorava. Ele escreveu em sua
autobiografia: “Naquele dia, Deus desceu das alturas
e me resgatou das águas profundas”.7 Foi o dia em
que o navio no qual viajava como passageiro
encontrou segurança, após quatro semanas de
intensas tempestades correndo risco de morte. Foi
nesse dia também que seus olhos espirituais foram
abertos e lhe foi dada fé suficiente para crer que
Deus poderia amá-lo e salvá-lo. Embora muito
tempo tivesse que passar até que viesse a se alegrar
com a certeza de sua salvação, Newton relembrava
essa época de sua vida com muita emoção.
Pouco tempo depois, foi concedido a ele um
enorme desejo de orar, ler as Escrituras e ouvir a
pregação da Palavra de Deus. Essa é a “graça” ou os
dons especiais que ele acreditava serem sempre
dados por Deus aos novos convertidos, a fim de
encorajá-los a prosseguir. Porque são imaturos e
temerosos, o Senhor “entre os seus braços recolherá
os cordeirinhos e os levará no seio” (Isaías 40.11),8
garantindo-lhes uma medida extra de desejo
entusiasmado, sucesso na disciplina espiritual e
proteção contra Satanás. Enquanto Newton crescia
na graça, tornando-se um habilidoso pastor,
conselheiro e escritor de hinos, refletiu que, apesar
de suas muitas fraquezas, a paixão e o zelo dos
novos convertidos eram atributos que deviam ser
admirados e respeitados.

CORAÇÃO QUENTE, FÉ FRACA

Durante seus muitos anos de ministério pastoral,


Newton percebeu que a vida do novo convertido em
Cristo é experimentada principalmente no campo
dos sentimentos, ao invés de se dar no campo do
conhecimento: sua “fé é fraca, mas seu coração é
quente”.9 O novo crente tende a se equivocar acerca
da natureza desses dons que provêm de Deus,
pensando que são seus. Embora tenham sido dados
por Deus para o seu conforto, o novo convertido em
Cristo se acomoda nesses sentimentos iniciais e nos
sucessos, achando que sempre os terá. Ele acredita
que é justo e forte porque os tem, mas é propenso a
se sentir superior aos cristãos que não os têm.
Newton observou que, à semelhança de a Israel às
margens do Mar Vermelho, o cristão imaturo acha
que seus problemas agora se acabaram. A destra
poderosa do Senhor dividiu o mar para ele e o guiou
rumo à segurança, e ele presume que será sempre
assim. Pensa que agora não resta mais nada além de
caminhar pela vida com a vitoriosa mão de Deus ao
seu lado e, depois, entrar no céu e viver
eternamente. Ele não sabe ainda que,
semelhantemente a Israel, há um enorme deserto
para atravessar antes de entrar na terra prometida.
Esse deserto que ele ainda tem de ver e enfrentar
com propriedade é o deserto de seu próprio coração
pecaminoso.
Em todos os seus ensinos acerca do crescimento
cristão, Newton enfatiza o fato de que não existem
duas pessoas que tenham exatamente a mesma
história. O método e os meios específicos do Senhor
para chamar as almas à fé, bem como a realização
da subsequente obra da graça em suas vidas, são tão
variados quanto únicos em cada cristão. No entanto,
ele argumenta que o conteúdo do que Deus está
ensinando e o processo pelo qual ele lhes ensina são
os mesmos para todo cristão. Todos precisamos
aprender nossa completa dependência em Cristo,
pois sem ele nada podemos fazer. Mais do que isso,
Deus nos ensina essa verdade através de
experiências. Discutiremos mais profundamente
esses dois tópicos mais tarde. Por enquanto, vamos
considerar somente o impacto que a inexperiência e
a falta de conhecimento têm sobre um novo cristão.
Newton defende que, para se tornar um verdadeiro
cristão, o indivíduo deve primeiramente entender
que é um pecador. No entanto, ele não compreende
isso e nem pode fazê-lo de imediato. A compreensão
da maldade de seu próprio ser é algo que vem com o
tempo. Assim, ele acaba por criar uma enorme
expectativa acerca de si mesmo ao buscar a
obediência. Para que tenha certeza, às vezes Deus
dá à pessoa uma graça e uma força extraordinária no
momento da salvação. Eu sei a respeito de pessoas
que aceitaram Jesus e, imediatamente, venceram
vícios como o álcool e o cigarro, o linguajar torpe, a
promiscuidade sexual e a glutonaria. John Newton
parou de blasfemar e de usar linguajar chula
imediatamente após haver sido salvo. Contudo, é
fácil perceber como tais experiências podem ser
confusas. Os novos convertidos em Cristo tendem a
ficar totalmente maravilhados diante de tamanho
poder e concluem que, se pedirem ou tentarem com
afinco suficiente, Deus sempre fará algo por eles.
Mesmo porque, se Deus pôde libertá-los de coisas
que os aprisionaram por tantos anos, coisas que eles
haviam tentado vencer em vão muitas vezes, seria
natural achar que Deus iria continuar
disponibilizando esse tipo de graça em suas vidas, o
tempo todo.
Novos crentes também podem se tornar propensos
a pensar que tiveram algum tipo participação
significativa no processo de mudança em suas vidas.
Talvez raciocinem que Deus lhes deu esse dom
porque oraram muito, leram a Bíblia ou
participaram da igreja fielmente. Uma vez que Deus
odeia o pecado e ensina seus filhos a odiarem-no
também, eles podem presumir que Deus removerá
rapidamente o pecado de suas vidas. Tais
experiências os deixam esperançosos, alegres e
extremamente confiantes.
Esses crentes imaturos também podem se tornar
verdadeiros juízes em relação a outros cristãos.10
Posto que uma atitude legalista ainda se agarra a eles
e que ainda não entendem o caráter de Deus, eles
tendem a repreender e a censurar as pessoas que
demonstram fraqueza e lutam contra pecados.
Conheceram a vitória e não conseguem imaginar
nada diferente, até que Deus, em sua bondade, inicie
a próxima fase de crescimento na graça em suas
vidas. Esse crescimento não acontece
instantaneamente, nem há um prazo preestabelecido
para cada fase. Na verdade, mesmo pessoas
maduras em Cristo voltam a esse comportamento
infantil às vezes.
Contudo, existe uma progressão geral pela qual o
Senhor guia seu povo. O zeloso novo convertido um
dia descobre que seu conforto lhe é subtraído;
percebe que não tem mais coração para orar, perdeu
o apetite pela leitura da Palavra e o desejo de
frequentar a igreja. O pecado que habita o seu
interior renasce com força renovada, e Satanás tem
permissão para retornar e tentá-lo com mais fúria e
vigor. Como resultado, o novo convertido se sente,
com frequência, desencorajado e abatido, pensando
que Deus o abandonou e que talvez ele não seja
realmente um cristão. Algumas pessoas podem
chamar isso de “recaída”, mas Newton afirma que
Deus está, na verdade, guiando o cristão adiante em
sua caminhada com Cristo. Isso acontecerá para o
seu próprio bem e para a glória de Deus, a fim de
que esse novo cristão descubra a sua própria
fraqueza e a necessidade que tem da justiça de
Cristo. Com amor, Deus esmagará seu crescente
orgulho espiritual e o guiará a uma compreensão
mais profunda e rica da aliança da graça.
Uma vez que a lei de Deus está escrita em seu
coração, mas o evangelho ainda não penetrou
profundamente, o novo convertido gravita ao redor
de textos bíblicos que lhe digam o que fazer, e há
muitos. Ele ama a Deus, sabe que aqueles que
amam a Deus lhe obedecem (João 14.15) e deseja
ansiosamente saber como agradar a Deus com suas
ações. Ele não conhece os conselhos da Palavra de
Deus por completo, nem entende que os grandes
heróis da Escritura foram profundamente
imperfeitos ao longo de suas vidas. Ele lê sobre as
fraquezas de Paulo, mas ainda não sabe
compreendê-las. Semelhante a um bebê que
engatinha em direção ao mundo para descobrir o
que pode e o que não pode fazer, o que deve e o
que não deve fazer, o novo crente começa com
entusiasmo e otimismo, enquanto lê a Bíblia e
planeja obedecer a Deus corretamente.
Outra característica desses novos convertidos é sua
inclinação a enormes altos e baixos espirituais.
Aqueles que são crianças em Cristo sentem mais do
que pensam, e seus sentimentos frequentemente
dependem do quão bem estão se saindo no campo
da obediência. O espírito de julgamento com o qual
avaliam os outros frequentemente remete à maneira
com a qual avaliam a si mesmos. Quando são bem
sucedidos em sua disciplina religiosa, acham que
Deus se alegra neles mais do que quando fracassam.
Quando começam a vislumbrar a fraqueza em sua
própria vida, respondem com estratégias elaboradas
para virar a página e tentar com afinco combater o
que quer que os esteja afligindo.
Meu marido pastoreia muitos alunos universitários,
e, quase toda semana, ouvimos estratégias novas e
extremistas para o problema do fracasso espiritual.
Há vigílias de oração que duram a noite toda e uma
extensa variedade de jejuns de purificação feitas
para garantir a vitória e o crescimento espiritual. Há
programas de leitura bíblica, retiros e estudos
devocionais que promovem a autonegação e uma
maior disciplina como caminhos para melhor
obediência. Esses jovens, homens e mulheres,
desejam se sentir bem consigo mesmos e saber que
Deus está feliz com eles.
Sempre chamei Robbie, meu quarto filho, de meu
garoto raio de sol. Ele nasceu com um cabelinho
loiro avermelhado, covinhas na bochecha e uma
afinidade por pessoas. Seu sorriso podia deixá-lo
boquiaberto. Parecia que toda vez que olhávamos
para ele, ele sorria radiante, com prazer e pura
alegria em conectar-se olho no olho com alguém.
Seu sorriso era irresistível e, como resultado, atraía
muitos admiradores. Ele nasceu no meio do caos da
implantação de nossa primeira igreja, e foi uma
bênção porque muitas pessoas fizeram fila para
segurá-lo e se alegrar com ele aos domingos.
Rob tornou-se uma criança sensível, que ansiava
pela aprovação de seus pais. Isso era fantástico, pois
significava que eu raramente tinha que discipliná-lo.
Ele era um garotinho que precisava saber que nós o
amávamos, e as poucas vezes que me lembro de dar
algumas palmadinhas em seu bumbum pareceram
terrivelmente dolorosas para ele. Em certa ocasião,
tive que bater nele e, como eu estava habitualmente
pressionada pelas demandas e travessuras de quatro
outras crianças, mandei-o para o quarto para que se
sentasse em sua cama até que eu pudesse falar com
ele. Não demorou muito para que eu ouvisse uma
vozinha comovente, clamando em desespero : “Vou
me comportar de agora em diante! Vou me
comportar de agora em diante!” Esse pequeno
homem queria desesperadamente que fossem
restabelecidos aqueles sorrisos de aprovação que o
alegravam tanto, e a solução encontrada por ele foi
prometer obedecer se eu o deixasse livre de sua cela
de prisão.
Os novos convertidos são muito semelhantes a esse
garotinho, que desejava desesperadamente saber que
era amado apesar de suas travessuras. Eles ainda não
conseguem conceber que seu Pai celestial esteja
sempre satisfeito com eles por causa da obediência
de Cristo em seu lugar (uma ideia que abordarei
com maior profundidade no capítulo 12), então
procuram ansiosamente ganhar a aprovação de Deus
através de suas próprias ações. Percorrem grandes
distâncias em busca de um sentimento de segurança
por saberem que podem agradar a Deus e lhe fazem
promessas de obediência que nunca serão capazes
de cumprir. Mas Deus é bondoso demais para deixá-
los encontrar descanso em seu próprio desempenho
por muito tempo.
Em suas reflexões acerca dessa fase inicial do
crescimento espiritual, John Newton a chama de
“primavera” do novo convertido, o qual está em
pleno desabrochar.11 Ele ainda não está dando os
frutos do outono, como o arrependimento e a
dependência somente em Deus para a salvação, mas
está florindo, e esses frutos certamente virão na
estação devida. Seu conhecimento sobre Deus e
sobre si mesmo é pequeno, mas está crescendo a
cada dia. O Senhor está libertando-o lentamente do
amor ao pecado e levando-o a desejar Jesus Cristo
acima de tudo. Embora suas emoções estejam sendo
mantidas cativas pelo seu desempenho espiritual, a
hora da libertação está próxima. Ele anseia
corretamente pela alegria em Deus, que está a
caminho. Através de uma descoberta mais profunda
do evangelho, ele logo confiará mais plenamente no
fato de que Deus o aceita e descansará na obra
consumada de Cristo.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

A análise perspicaz de Newton acerca das


características do novo convertido é extremante útil.
Olhar para trás e ver como Deus nos transformou e
nos firmou na fé pode ser um marco de crescimento
encorajador. Eu mesma consigo olhar para trás e
recordar como é estar extremamente confiante e
presunçosa em relação a meu próprio crescimento
espiritual. Talvez eu tenha passado mais tempo do
que a média nessa fase inicial de crescimento! Na
época do ensino médio, eu testemunhava de forma
ousada para alunos e professores, sem distinção.
Achava que Deus ficaria orgulhoso de mim e estava
determinada a ganhar algumas estrelas para a minha
coroa. Não consegui levar muitas pessoas a Cristo,
mas tomei ansiosamente o crédito por aqueles que
consegui. Eu tinha pouco entendimento e acreditava
verdadeiramente que persuadir as pessoas a crer
dependia de mim. Como você talvez possa imaginar,
isso me levou a um comportamento agressivo,
detestável e desesperado. Eu levava a mal quando os
outros rejeitavam o que eu dizia e ficava depressiva
quando fracassava em minha missão. Achava
honestamente que era culpa minha o fato de aquelas
pessoas estarem a caminho do inferno. Tinha certeza
de que Deus estava profundamente decepcionado
com os meus fracassos, por isso me esforçava
muito. Agora consigo olhar para trás e perceber que
eu não conhecia muito a respeito de Deus ou das
motivações pecaminosas que tinha para evangelizar.
Ao longo desse e de muitos outros caminhos rumo
à obediência, meu humor subia e descia, de acordo
com os meus sucessos e fracassos. Isso só mudou
em minha vida no meu primeiro ano de casada,
quando Deus começou gentilmente a abrir os meus
olhos. Pode ser emocionante e esperançoso olhar
muitos anos para trás e ver que Deus trabalhou
intensamente e que eu não sou mais a mesma
pessoa.
Também é muito útil compreendermos em que fase
outros crentes estão em sua caminhada com o
Senhor. Quando dou estudos bíblicos para mulheres,
ministro a todas as faixas etárias. É muito comum
haver pessoas no grupo confessando suas lutas e
fraquezas em determinada área e sendo repreendidas
e criticadas por uma irmã recém-convertida em
Cristo, que compartilha avidamente três maneiras
fáceis para superarem seus problemas. O espírito
legalista de um novo crente é revelado em frases
como estas: “Se eu consegui perder peso, então
qualquer um consegue. Apenas faça o que eu fiz!”;
“Parar de fumar é fácil quando você acredita em
Deus!”; “Basta pedir a Jesus que o ajude toda vez
que você sentir raiva, e ele removerá de você esse
sentimento”. Uma jovem achou que estava me
ajudando em minha luta contra a obesidade ao dizer:
“Tudo que eu fiz foi orar toda vez que colocava
comida em minha boca, e perdi 45 kg! Tenho
certeza de que isso funcionará com você também, se
simplesmente se disciplinar a fazer isso”. Ao invés
de me sentir encorajada, sentia-me mais derrotada
do que nunca! Sabia que agora teria que dar um
jeito de me lembrar de orar toda vez que comesse; e
eu tinha certeza de que não estava preparada para
fazer isso.
Respostas simplistas para problemas complexos
podem ser extremamente desencorajadoras para
aqueles que estão cansados de lutar e, às vezes,
completamente irritantes. Por causa disso, às vezes
tenho sido culpada por desencorajar novos crentes
ao estourar suas bolhas de sabão e esfregar seus
narizes na longa e difícil estrada que os aguarda à
frente, em vez de procurar entender seus corações e
encorajá-los naquilo que Deus está fazendo em suas
vidas hoje. Se Deus tem lhes dado sucesso em
determinada área da vida, isso é algo maravilhoso
que deve ser celebrado e não escarnecido. Pode ser
que, em alguns meses ou anos, todo esse conforto
lhes seja tirado. Se isso acontecer, Deus os
conduzirá ao longo do caminho, em seu tempo, e ele
não precisa de mim para menosprezar suas ações do
presente, a fim de adverti-los sobre o que ele
provavelmente fará no futuro. O cronograma de
Deus não me pertence; é melhor do que o meu!
Compreender a visão de Newton sobre as fases do
crescimento espiritual me ajudou a ser mais paciente
com os novos crentes e mais gentil em meu discurso
com eles.
Não conseguimos deixar de nos comparar com os
outros e de comparar os outros entre si.
Infelizmente, utilizamos com frequência essas
observações para nos sentir superiores ou inferiores
às pessoas ao nosso redor. Por isso, deveríamos
exercer o uso de muita cautela ao avaliarmos a
maturidade espiritual daqueles que nos rodeiam.
Podemos usar, e às vezes usamos, essas informações
para julgar e desprezar os outros ou podemos usar
tais informações para amá-los e encorajá-los.
Todavia, as circunstâncias e as influências
modeladoras que acompanham a profissão de fé de
um indivíduo têm grande importância no processo
de seu crescimento espiritual em Cristo. Deus não
somente determina quem ele atrairá para si, mas
também governa todas as circunstâncias e situações
em que chamará cada um, assim como os contextos
em que irão crescer.

A HISTÓRIA DE DOIS CRISTÃOS

Temos visto o controle soberano de Deus


trabalhando na vida de dois indivíduos que vieram à
fé por meio de igrejas nas quais trabalhamos. Ginny
se tornou uma cristã através de nossa primeira igreja
plantada em uma comunidade pobre no subúrbio de
Oxford, na Inglaterra. Como a maioria das pessoas a
quem ministrávamos, Ginny era analfabeta
funcional, desempregada e, antes de nos conhecer,
nunca havia estado em uma igreja ou tido contato
significativo com outros cristãos. Morava sozinha
com suas duas crianças e dependia de assistência
social para seu sustento, além de ser muito
introvertida e tímida. Talvez Ginny nunca seja capaz
de ler a Bíblia por conta própria, ou de estudar
teologia sozinha, ou de explorar as maravilhosas e
profundas doutrinas sobre Deus. Contudo, ela é
certamente um troféu da graça, tão seguramente
salva quanto o mais entendido pastor ou teólogo.
Embora Ginny possa viver muitos anos como crente
e, ainda assim, permanecer imatura na fé, ela é um
farol reluzente, brilhando intensamente em um
mundo de trevas, proclamando veementemente o
poder de Deus para salvar e preservar todos aqueles
a quem ele escolheu por meio de diversas
circunstâncias de vida.
Outros vêm à fé cercados por muitas das mais ricas
bênçãos que há na vida. Há alguns meses, um jovem
rapaz começou a participar dos cultos de nossa
igreja porque estava apaixonado por nossa filha.
Assim que ela retribuiu seus sentimentos,
presumimos que seu interesse em estar conosco aos
domingos era mais romântico do que espiritual.
Todavia, sempre orávamos por ele e o
observávamos atentamente. Este jovem admirável
era academicamente brilhante e altamente motivado
pela busca do sucesso. Era um dos primeiros da
turma e planejava estudar engenharia química em
uma grande faculdade. Ele era bonito, articulado,
cativante e muito talentoso em diversas áreas.
Quando começou a frequentar a nossa igreja,
deparou-se com uma congregação repleta de jovens
universitários inteligentes, os quais estavam cheios
de desejo de conhecer e servir a Deus. Eram como
modelos a serem seguidos. A maioria dos pregadores
a quem ele ouvia eram pastores e professores de
estudos bíblicos e teológicos, todos altamente
instruídos e extremamente capacitados em explicar e
aplicar a Palavra de Deus. Conforme o
observávamos a cada semana, pudemos notar que
ele cantava com entusiasmo e estava profundamente
tocado pela confissão de pecado e a certeza do
perdão em cada culto.
Após alguns meses, nossa filha e esse jovem
perderam o interesse um pelo outro, e ficamos
temerosos de que ele fosse se afastar completamente
e de que nunca mais o veríamos. Porém, ele
retornava semana após semana. Lia sua Bíblia com
voracidade e devorava qualquer livro que meu
marido recomendasse. Ele nos questionava em suas
dúvidas e refletia profundamente sobre as nossas
respostas. Não demorou muito para ele fazer uma
clara e vibrante profissão de fé em Jesus Cristo, e no
domingo de páscoa daquele ano, foi batizado, se
uniu à igreja e participou da ceia pela primeira vez.
Lágrimas de admiração e gratidão corriam pelo meu
rosto, enquanto meu filho lhe entregava os
elementos da ceia, dizendo alegremente: “Chris, o
corpo de Cristo foi partido por você; o sangue de
Cristo foi derramado por você”.
Agora imagine como deve ser o crescimento na
graça desse jovem, se comparado ao de nossa amiga
na Inglaterra. Ele é instruído, cheio de dons e não
somente é capaz de ler, mas ama ler mais do que
quase qualquer outra coisa. Ele tem fácil acesso a
pregações inteligíveis e participa fielmente de um
ministério cristão no campus de sua universidade.
Como resultado, é provável que ele cresça mais
rapidamente na fé, progrida mais em maturidade e
que, ainda jovem, ultrapasse meus amigos menos
privilegiados que já conhecem Cristo há mais tempo.
A educação jamais garantirá piedade, contudo, é
certamente um recurso maravilhoso para aqueles nos
quais o Espírito está aprofundando o conhecimento
de Deus e o entendimento de sua Palavra.
Ao mesmo tempo, Newton explica que todo crente
é igualmente dependente do Espírito Santo para o
entendimento e o crescimento espiritual. E mais, o
Espírito Santo não faz sempre as mesmas coisas, na
mesma ordem, na vida de todos os cristãos. Os
cristãos crescem espiritualmente em ritmos
diferentes e em áreas distintas, mesmo que venham
de experiências parecidas e ouçam exatamente os
mesmos sermões. O Espírito Santo está trabalhando
à sua vontade perfeita na santificação de cada um de
nós; e isso nem sempre acontece da maneira que
achamos deveria acontecer.
Qual é a história da sua salvação? Nossas histórias
são tão diversas e únicas quanto nós. Alguns de nós
foram criados em lares cristãos, recebendo os
ensinamentos da Bíblia desde os primeiros dias de
vida. Eu aceitei Jesus ainda jovem e, embora tivesse
“decidido seguir Jesus” umas cem vezes, antes de
estar confiante de que pudesse parar de ir à frente na
igreja, mal consigo lembrar qualquer momento de
minha vida em que não cresse e confiasse em Jesus
de alguma maneira. Meus irmãos e eu crescemos na
mesma casa, e, ainda assim, cada um tem sua
própria história sobre o trabalhar de Deus em sua
vida, em idades diferentes e de maneiras diferentes.
Talvez alguns de vocês tenham nascido em lares sem
religião alguma ou em lares religiosos onde a Bíblia
foi empunhada como uma arma e a lei de Deus
usada para amedrontar e intimidar. Deus usa todas
as circunstâncias da vida para moldar a trajetória de
nosso crescimento na graça, incluindo as doutrinas
que adotamos e as igrejas que frequentamos. Ele é
soberano sobre todo e qualquer detalhe que moldará
a trajetória de cada curva de crescimento individual.
Não alcançaremos o mesmo nível de maturidade em
Cristo, nem todos acreditaremos em coisas idênticas
nesta vida, mas todos nós viveremos e cresceremos
sob o cuidado amoroso e a lei soberana de Deus.
De fato, Deus não promete em lugar algum que
todos os crentes alcançarão determinada medida de
crescimento espiritual enquanto vivemos aqui nesta
terra. Ele não apenas dá diferentes dons a diferentes
cristãos, como também é soberano sobre a
quantidade de fé que possuímos (Romanos 12.3).
Alguns viverão e morrerão desfrutando de uma
grande fé, enquanto outros — igualmente filhos
amados de Deus — lutarão por toda a vida com
uma fé fraca e pálida. Em sua grande sabedoria,
Deus escolheu glorificar a si mesmo ao salvar uma
igreja composta por crentes de todas as idades, em
todos os níveis de maturidade e imaturidade, que
vivem diante dele com uma fé que pode ser forte ou
fraca, de acordo com a porção que ele mesmo deu a
cada um.
Para resumir, portanto, os que são crianças em
Cristo geralmente têm afeições calorosas e vívidas
pelo Senhor, mas são desprovidos de um
entendimento profundo da pecaminosidade de seus
corações e do caráter de Deus. São inclinados ao
orgulho espiritual quando estão indo bem e a
repreender e corrigir aqueles que não estão indo tão
bem assim. São propensos ao desespero e à dúvida
quando sucumbem ao pecado. A força de sua alegria
repousa em grande parte em seus sentimentos e não
ainda em sua razão e em seu entendimento da
verdade. Sua visão acerca da graça de Deus é
bastante estreita, e eles são persuadidos pela ideia de
que Deus os ama e se orgulha deles quando
permanecem fortes, mas temem que Deus os puna e
os abandone quando pecam.

BOAS NOTÍCIAS PARA OS QUE SÃO


CRIANÇAS EM CRISTO

O que fazer, então, se, ao ler estas páginas, você


começar a suspeitar que ainda é uma criança em
Cristo e não tão maduro quanto imaginava ser?
Deveria ficar desencorajado? E se este capítulo
descreveu perfeitamente alguém que você discipula
ou parece com seu cônjuge, seus filhos, seus pais ou
até mesmo seu pastor? Você deveria entrar em
pânico? A resposta de John Newton é:
“Absolutamente não!” Sua afirmação serena e firme
de que o Deus que começou a boa obra em cada
cristão vai completá-la até o dia de Jesus Cristo
(Filipenses 1.6) é uma enorme fonte de conforto e
alívio. O crescimento espiritual rumo à maturidade é
obra de Deus, do começo ao fim, e a glória deverá
ser somente dele. O mesmo Deus que do nada criou
o universo e que pode contar os fios de cabelo de
sua cabeça agirá em sua vida do modo que lhe
aprouver em todas as coisas. Ele não ordena o
começo e o fim da sua história apenas para deixar a
parte do meio — sua vida como crente aqui na terra
— por sua conta e risco! Isso significa dizer que
neste exato momento você se encontra exatamente
tão santo e tão maduro em sua fé quanto o próprio
Deus deseja que você seja hoje. Ele não pode estar
decepcionado ou surpreso com você, se ele mesmo
está controlando todo o seu processo de crescimento
desde o início até o fim. Mais do que isso, todas as
pessoas que você ama e deseja que fossem mais
maduras também estão, precisamente, onde Deus
deseja que elas estejam neste exato momento. Ele
sempre age da maneira que lhe apraz, e você não
pode impedi-lo.
Louve a Deus por essa boa notícia! Ao contrário
do senso comum, nosso crescimento espiritual não
depende de nós ou do crescimento espiritual das
pessoas ao nosso redor. Esse entendimento errado
pode nos levar a muita ansiedade e até mesmo a um
comportamento abusivo, se tentarmos forçar as
pessoas a entenderem as verdades que elas não estão
prontas para ouvir. Precisamos ouvir
cuidadosamente as histórias das pessoas e procurar
discernir o que Deus está e não está fazendo nelas,
ao invés de tentarmos forçá-las a alcançar uma
maturidade instantânea.
Quando procuro ensinar princípios bíblicos a um
grupo de pessoas, inevitavelmente algumas se
agarram à nova verdade e parecem chegar à vida,
enquanto outras continuam olhando para mim com
descrença e dúvidas estampadas em cada aspecto.
Isso não se deve ao fato de algumas serem
inteligentes, enquanto outras são limitadas
intelectualmente. Também não é porque algumas
são mais dispostas a aprender e a se submeter a
Deus do que outras. Somos todos ovelhas teimosas
e rebeldes que insistem em exigir as coisas do nosso
modo, mesmo depois de termos sido salvos. Antes,
é porque Deus age de forma diferente em cada um
de nós, trabalhando de acordo com a programação
dele e não a minha — ou a deles. Cada pessoa é
igualmente dependente do Espírito Santo para ter
discernimento, assim como para obter o desejo
específico de obedecer a Deus e a capacidade de
efetivamente fazer isso. Não conseguimos mudar o
nosso próprio coração, mas também não
conseguimos resistir à mudança que Deus está
determinado a cumprir em nós.
Eu sempre tive o maravilhoso privilégio de ouvir,
anos mais tarde, as mulheres que um dia acharam
que eu era louca. Elas falam algo assim: “Eu ouvi
você dizer isso no estudo bíblico há dois anos e,
naquela época, não fazia nenhum sentido para mim.
Pensei que você fosse tola ou estivesse enganada,
mas agora entendo o que você estava dizendo, pois
Deus me revelou isso recentemente”. Embora eu
seja frequentemente tentada a me sentir punida por
minha incapacidade de ensinar nesses momentos, sei
que outro princípio de Deus estava sendo trabalhado
também. O Senhor estava esperando por um
momento futuro para ensinar a esta mulher aquela
verdade em particular, e ele escolheu lhe mostrar
isso de uma maneira diferente. Tudo depende dele,
todo tempo.
Essas são verdades que levam à alegria e à
liberdade. Pode parecer muito bom acreditar que
nosso crescimento depende de nós quando as coisas
estão indo bem em nossa vida espiritual, entretanto,
um pensamento aterrorizante nos invade quando
nosso conforto é retirado e nos encontramos
fracassando e sucumbindo ao pecado, mesmo
tentando a cada momento obedecer tão arduamente
como tentávamos antes. Quando estamos, de fato,
desesperados, esse é o momento em que estamos
prontos para aprender algo novo sobre nós mesmos
e sobre Deus.
Como Newton deixa claro, o ritmo de nosso
crescimento espiritual repousa totalmente nas mãos
do Espírito Santo. Longe de nos fazer passivos ou
displicentes em relação ao nosso progresso
espiritual, essa verdade de fato nos revitaliza para as
lutas. Afinal, se você, como crente, é habitado pelo
Espírito Santo do Deus vivo, não tem escolha, a não
ser mudar e crescer de acordo com a boa vontade
dele. Isso sim é boa notícia!
PARA REFLEXÃO

1. Como as circunstâncias de sua conversão


afetaram seu crescimento como cristão? Quais
“graças” especiais ou doces dons Deus lhe concedeu
quando você era uma criança na fé?
2. Você já sentiu alguma mudança em sua
caminhada com o Senhor, de modo que a leitura da
Bíblia, a oração e a ida aos cultos tenham se tornado
difíceis ou até mesmo indesejáveis para você?
Descreva quando e por que isso aconteceu.
3. O que você pensa que Deus sente em relação a
você quando não lê a Bíblia nem ora, ou quando até
lê e ora, mas seu coração está distante?
4. O que Deus pensa a seu respeito quando você se
esforça sobremaneira para lhe obedecer e ser bem-
sucedido?
5. Você acha que Deus está decepcionado com
você e espera que esteja bem à frente em seu
crescimento espiritual? Por quê?
6. Você conhece muitas pessoas que são crianças
em Cristo conforme a descrição de Newton? Como
elas são? Como você se sente em relação a elas?
3. John Newton, “Grace in the Blade”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 4. Neste
capítulo, a descrição do crente imaturo se baseia grandemente
nesta carta.
4. John Newton, The Life and Spirituality of John Newton
(Vancouver: Regent College Publishing, 2003), 17.
5. Ibid., 50.
6. Ibid., 36.
7. Ibid., 56.
8. Newton, “Grace in the Blade”, Select Letters of John Newton, 4.
9. Ibid., 6.
10. John Newton, “The Full Corn in the Ear”, Select Letters of
John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 17.
11. Newton, “Grace in the Blade”, Select Letters of John Newton,
6.
capítulo três
amadurecendo na fé

A característica do estado do [crente que está


amadurecendo na fé] é conflito. — John Newton12

O que marca verdadeiramente o nosso crescimento


como cristãos?
Ao reconhecer que a obra de Deus na vida dos
seus filhos é diferente e única, Newton afirma que
Deus trabalhou muito em cada um e que o fruto
resultante seria perceptível. Motivado pelo modo
como a Escritura frequentemente compara o
crescimento do reino ao processo de maturação de
plantas, Newton fez uma extrapolação das
características físicas do crescimento das plantas em
relação ao crescimento espiritual dos crentes.
Utilizando a parábola de Jesus em Marcos 4.26-28,
ele compara o cristão imaturo a uma semente nova,
ainda na erva, o cristão em amadurecimento a um
grão que está começando a se formar na espiga e o
cristão maduro ao grão totalmente desenvolvido.
Essa é a analogia perfeita para descrever a
santificação, pois o amadurecimento das plantas,
assim como o das pessoas, é geralmente lento e
progressivo e, no final, sempre produz frutos.
Embora às vezes possamos ficar confusos a respeito
de como esse fruto deve ser.
Para Newton, esse fruto notável não era
necessariamente para ser visto no campo da
obediência externa, e sim em termos de “segurança
de fé”, uma certeza para os crentes de que Cristo
morreu por eles, por seus pecados específicos e não
simplesmente por pecados em geral. Newton
concluiu que embora a certeza não fosse necessária
para provar que a salvação ocorrera, ela era a
evidência-chave de uma fé crescente e mais estável.
A partir de sua longa experiência pastoral, ele
observou que uma marca da mudança do cristão, de
criança na fé para uma maior maturidade, era a obra
do Espírito Santo em seu interior, capacitando-o a
parar de duvidar de sua salvação quando pecasse e a
confiar mais plenamente na obra consumada de
Cristo em seu favor.13 Ele também acreditava que o
fruto mais precioso da obra de Deus em nosso
coração seria evidenciado no aumento de humildade
e de dependência em Cristo para tudo e não em uma
“vida cristã vitoriosa”.
Por essa razão, Newton não aponta para o próprio
desempenho dos cristãos como forma de obter
consolo e segurança. Embora fosse a favor de
identificar a obra do Espírito Santo e ansiasse
comemorar o fruto obtido, ele apontava
constantemente aqueles a quem ele aconselhava para
Cristo como sua única esperança na vida e na morte.
Esperava e confiava no fato de que uma pessoa que
é habitada pelo Espírito Santo do Deus vivo mudará
inevitavelmente de acordo com a vontade de Deus.
Como Martinho Lutero antes dele, Newton
reconhecia que a verdadeira fé é sempre “uma coisa
viva, criativa, ativa e cheia de poder”.14 Quando o
Espírito Santo traz uma alma à vida, também
começa a transformar aquela alma e, embora ele não
opere seguindo qualquer programação, exceto a sua
própria, sua obra deve se tornar e se tornará
evidente com o decorrer do tempo. A opinião de
Newton a respeito de como seria esse fruto difere de
muitos pensamentos modernos acerca do assunto,
como veremos mais adiante.
A visão de Newton sobre a santificação repousa
completamente no poder sustentador de Deus.
Como Jesus diz na parábola da videira e dos ramos,
em João 15.5: “Sem mim nada podeis fazer”.15
Todo cristão, qualquer que seja a sua idade ou fase
de crescimento espiritual, permanece completamente
dependente do Espírito Santo, tanto para a vontade
quanto para a capacidade de obedecer a Deus, como
um novo convertido o é para a fé em si. No entanto,
ao mesmo tempo, todo ramo verdadeiro não pode
evitar dar fruto, uma vez que a vida da videira flui
através dele, e o agricultor divino o poda e cuida
dele (João 15.1). Na verdade, uma parte
fundamental desse amadurecimento do fruto é a
própria consciência cada vez mais profunda da total
dependência do ramo em relação à videira a todo o
instante.
Como resultado dessa dupla perspectiva — de que
nada podemos fazer sem o poder fortalecedor de
Deus e de que Deus está sempre trabalhando de
forma soberana na vida do crente — Newton não
tinha problema em exortar fortemente os cristãos à
obediência, ao mesmo tempo que reconhecia que
sem a obra específica do Espírito Santo, dando-lhes
a vontade e o poder para obedecer, eles fracassariam
sempre.

O PAPEL DO CONFLITO
Como Deus nos liberta de um espírito legalista e
imaturo que se orgulha de seu desempenho? Como
ele nos capacita a firmar nossos corações cada vez
mais na obra consumada de Cristo? A resposta de
Newton foi que Deus ordenou que aprendêssemos
sobre a depravação de nosso coração e a imensidão
de sua graça por meio da experiência. Ele lamenta
que, se pudéssemos verdadeiramente entender e
manter uma visão adequada a respeito de nós
mesmos a partir do que lemos na Escritura, seríamos
poupados de grande quantidade de sofrimento e dor.
Todavia, Newton comenta que “a experiência é a
escola do Senhor, e aqueles que são ensinados por
ele aprendem geralmente que não têm nenhuma
sabedoria, haja vista os erros que cometem, e
nenhuma força, a julgar pelos escorregões e quedas
com os quais se deparam”.16
Certamente, essa foi a experiência dos israelitas.17
Tal como a descrição de Newton acerca do novo
crente, os israelitas devem ter experimentado um
período de emoção e aventura quando viram Deus
infligir pragas sobre os egípcios e abrir o Mar
Vermelho diante de seus olhos. Eles experimentaram
a presença de Deus no meio deles, de maneiras
dramáticas e inquestionáveis. Deus poderia
facilmente tê-los guiado diretamente à terra
prometida, dando-lhes a fé e o coração de que
precisavam para adentrá-la e conquistá-la. Ao invés
disso, passaram quarenta longos e dolorosos anos
vagueando pelo deserto. Jamais poderiam esperar
que passariam por tal experiência depois de Deus tê-
los guiado através do Mar Vermelho e destruído o
exército de Faraó, mas agradou ao Senhor guiá-los
por caminhos de adversidades a fim de mostrar-lhes
o que realmente estava em seus corações. Este
período ilustra perfeitamente a descrição de Newton
acerca da vida do crente que está amadurecendo:
um deserto de conflitos no qual a pecaminosidade
de seu coração está sendo exposta repetida e
amavelmente por Deus.
Quando Deus nos leva para o deserto de tentações
e pecado, descobrimos quem realmente somos. Por
causa de nossa natureza depravada, somos
igualmente capazes de distorcer os melhores dons do
Espírito com nossas idolatrias e desprezá-lo em
tempos de aridez estéril. Experiências de deserto são
tempos de necessidade, aflição, sofrimento e dor
genuínos que nos tentam a murmurar contra Deus e
a nos afastar dele. Quando as dificuldades nos
esmagam, temos dificuldade de nos lembrar daquilo
que o Senhor fez por nós no passado e de confiar
nele no presente e quanto ao futuro.

MARA

Os israelitas enfrentaram problemas muito


rapidamente quando chegaram ao deserto. Apenas
três dias após a grande libertação do Egito, o povo
ficou sem água (Êxodo 15.22). Isso não era algo de
pouca importância para um grande grupo de pessoas
que procurava atravessar um deserto. Qualquer
pessoa se abalaria com tal dilema, principalmente
quando a vida de um número considerável de
pessoas estava em jogo. O alívio deve ter inundado
suas mentes e corações quando avistaram as águas
de Mara. Eles devem ter se regozijado e agradecido
a Deus à medida que corriam em direção à agua e
começavam a bebê-la sedentos. Porém, quando
sentiram o gosto daquelas águas de Mara,
descobriram que, para seu horror, eram amargas e
não potáveis. Qual deve ter sido a sensação de estar
tremendamente sedento e beber um enorme gole de
água intragável, suja e amarga?
Como você acha que teria reagido? Sei como eu
teria reagido: ficaria furiosa com Moisés, por sua
péssima liderança, e zangada com Deus, por me
provocar e atormentar, por fracassar em suprir as
minhas necessidades na hora e do jeito que eu
queria. Convivo com meu coração há muitos anos e
conheço bem os seus caminhos. Os israelitas
também resmungaram contra Moisés, mas Deus
respondeu aos seus pecados de forma graciosa,
dando a Moisés a solução (Êxodo 15.25). Deus
queria que os israelitas, e nós também, percebessem
quão rápido eles se esqueceriam de seu amor
milagroso e libertador e se voltariam para o Senhor
com medo.
Imagine, por um momento, que pudéssemos levar
uma equipe de câmeras para a beira do Mar
Vermelho e entrevistássemos alguns israelitas, logo
após os egípcios terem sido afogados. “Com licença,
senhor”, diríamos, “como este episódio miraculoso
mudou a sua visão a respeito de Deus?” Certamente
alguns, ou até mesmo a maioria, teriam dito algo
assim: “Pensei que Deus havia nos esquecido e nos
abandonado, mas agora sei que ele está conosco”.
Talvez ousássemos um pouco mais, perguntando:
“Você acha que algum dia, em muito tempo, você
conseguiria se esquecer desse evento incrível?” E
eles com certeza responderiam: “Como poderei me
esquecer do que Des fez por nós esta noite?” Mas
eles se esqueceram bem rapidamente. E nós também
nos esquecemos!
Em Mara, Moisés atirou uma árvore nas águas.
Elas se tornaram doces, e tudo voltou a ficar bem
mais uma vez. Essa história se encerra com as
promessas de Deus de não infligir as pragas do Egito
sobre Israel se eles ouvissem diligentemente a sua
voz e fizessem o que é reto, guardando os seus
mandamentos: “Pois eu sou o SENHOR, que te sara”
(Êxodo 15.26). Nós nos maravilhamos com a
paciência e o amor de Deus à medida que ele
conduz os israelitas de Mara até Elim, o
extraordinário lugar de doze fontes de água e setenta
palmeiras (Êxodo 15.27). Ao invés de puni-los por
suas murmurações e falta de fé, Deus lhes deu férias
de luxo.
Contudo, apenas poucas semanas após deixarem o
extravagante e exuberante oásis de Elim, os israelitas
já estavam novamente murmurando contra Moisés e
Aarão, desejando ardentemente a comida que
haviam deixado para trás no Egito (Êxodo 16). A
situação seria quase cômica, se não fosse tão triste e
verdadeira em relação a nós também. Deus havia se
movido poderosamente para libertar os israelitas do
cativeiro cruel e opressivo, onde eram escravos e
seus bebês estavam sendo mortos. Todavia, eles se
esqueceram rapidamente da miséria de sua
escravidão, lembrando-se apenas do que desejavam
naquele instante e não tinham. Deus lhes deu o
maná, alimento do qual gostaram muito por um
tempo, até se enjoarem e começarem a reclamar
(Números 11.4). Em seguida, Deus enviou-lhes
codornizes em abundância, as quais eles amaram até
se enjoarem delas (Números 11.19-20).
Algumas vezes, Deus nos revela o nosso coração
dando-nos o que desejamos. Eu mesma sempre quis
uma grande família. Sempre tive uma obsessão por
bebês desde muito jovem e, até mesmo quando era
uma missionária solteira, adotava temporariamente
bebês abandonados e cuidava deles até que as
famílias definitivas pudessem ser encontradas. Assim
que me casei, queria desesperada e imediatamente
ter filhos e com frequência atormentava meu marido
com a questão do “deixe Deus decidir”. Como boa
presbiteriana, eu sabia como as coisas funcionavam!
Naquela ocasião, meu marido estava no seminário e
queria esperar um tempo antes de ter filhos, mas,
após dois anos, ele reconsiderou carinhosamente o
assunto, e não passou muito tempo até que eu
engravidasse. Eu adorava ter bebês! Estava
profundamente satisfeita com a maternidade, à
medida que minhas idolatrias iam sendo abençoadas
vez após vez. Adorava ser o centro do universo para
meus filhos. Era boa em descobrir os mistérios da
alma de um recém-nascido e adorava ver o processo
de crescimento acontecer. Eu amava cada detalhe da
maternidade, por isso tive um bebê atrás do outro,
num ritmo rápido. Na verdade, cheguei até a
planejar outra gravidez, poucas horas após dar à luz
um de meus filhos. Definitivamente, isso foi
loucura!
Foi somente após o nosso quinto e mais novo filho
iniciar seus estudos, que comecei a sentir a
gravidade da situação e a me perguntar o que
havíamos feito. Eu estava sobrecarregada com a
quantidade de filhos que tinha para educar em casa,
pois as escolas públicas de nossa região não eram
satisfatórias, e não tínhamos condições financeiras
para pagar uma educação particular. Estava
sobrecarregada com as roupas para lavar, a comida
para fazer e as necessidades emocionais, espirituais e
educacionais de tantas crianças em fase de
crescimento. Comecei a perceber quão tola, ridícula,
arrogante e excessivamente confiante eu fora ao
imaginar que seria capaz de cuidar bem de tantos
filhos. O deserto das exigências exaustivas estava
revelando o meu egoísmo, tolice, orgulho e
fraqueza, e eu não tinha alegria em acampar. De
uma maneira amorosa, Deus esmagou meu orgulho
e excesso de confiança ao me dar, em abundância, o
que eu tinha desejado desesperadamente e me
mostrou como eu precisaria de sua graça, a cada
momento, para sobreviver à sua generosa resposta
aos meus pedidos.
Em outros momentos, como os israelitas em Mara,
Deus revela o nosso coração negando aquilo que lhe
pedimos. Eu tinha uma amiga que desejava ter bebês
tanto quanto eu. Seu único objetivo na vida era se
tornar uma verdadeira mãe e dona de casa, porém
seu mundo foi lançado ao caos quando lhe disseram
que ela jamais conceberia um bebê. Tínhamos a
mesma idolatria, mas Deus trabalhou em nossos
corações de maneiras diferentes. Ao negar o que ela
queria, Deus lhe revelou a raiva que ela era capaz de
sentir em relação a ele. Ela aprendeu que podia ser
amarga, ressentida, invejosa e odiosa para com
mulheres que pareciam ter facilidade em ter filhos,
enquanto ela não podia. Aprendeu o quanto de sua
identidade estava sendo investida em um sonho e
como ela era tentada a adorar o ídolo da
maternidade de diversas maneiras.
Eu aprendi as mesmas lições. Com tremenda
vergonha e tristeza, aprendi que era capaz de odiar
aquelas pequenas e preciosas crianças quando
interrompiam meus planos ou revelavam meu
pecado. Também era capaz de muita amargura,
ressentimento, ciúme e raiva quando ficava
sobrecarregada com as necessidades de meus
pequenos pecadores que andam, respiram e fazem
birras. Todos nós pecamos de maneiras conhecidas,
porém há muitos caminhos aos quais Deus nos
levará para nos revelar, de forma gradual, o nosso
coração e nos trazer à humilhação e ao
arrependimento. Em sua bondade, Deus equilibra
doses variadas de deserto e oásis, dificuldades
esmagadoras e paz que cura, até que venhamos a
crer, por experiência, que, de fato e acima de tudo,
o nosso coração é realmente enganoso e
desesperadamente corrupto.
Nas experiências de vida no deserto, aprendemos
que, como Jack Miller costumava dizer, somos mais
pecadores do que jamais imaginamos ser e mais
amados do que jamais ousaríamos esperar. Nosso
pecado pode nos surpreender imensamente,
contudo, jamais será uma surpresa para Deus. O
pecado nos deixa cegos em relação a nós mesmos,
levando-nos a acreditar que somos melhores do que
realmente somos e melhores do que os outros. De
uma forma amorosa, Deus abre os nossos olhos para
que possamos nos arrepender e nos maravilhar com
o fato de Cristo ter desejado deixar as glórias do céu
para sofrer e morrer por grandes pecadores como
nós. Quando estamos no deserto, a obediência de
Cristo em nosso favor pode se tornar uma doutrina
estimada. Quanto mais profundamente
compreendemos o nosso pecado, tanto mais
agradecidos somos pela perfeita obediência de nosso
Salvador creditada a nós.
O QUE DEUS ESTÁ FAZENDO?

Quais as intenções do Senhor em nossas


experiências no deserto? John Newton as via como
características da fase de amadurecimento da vida
cristã. Neste período, Deus nos impulsiona adiante,
utilizando nossos conflitos externos e internos para
nos ajudar a compreender a realidade de nosso
pecado interior. Assim que a nossa fé cresce e fica
mais forte e temos mais experiência da bondade e do
cuidado provedor de Deus, ele começa a nos guiar
por experiências com nosso próprio coração que, em
um estágio inicial de crescimento, nos teriam
aniquilado.
Deus é bondoso demais para nos revelar todos os
nossos pecados de uma única vez ou quando ainda
somos imaturos demais para suportar tal visão. Em
vez disso, nessa fase de amadurecimento, ele dosa
cuidadosamente medidas de clareza, à medida que
nos guia a uma maior compreensão do que Cristo
fez por nós. Certamente, o crente em fase de
amadurecimento vivencia muitas experiências de
pecado antes desse estágio. A grande diferença nesse
momento é o discernimento. Em um momento mais
remoto, ele deve simplesmente ter tido um acesso de
raiva ou depositado toda a culpa nas circunstâncias.
Agora, todavia, o Espírito Santo está trabalhando no
contexto de pecados específicos, abrindo os olhos
cegos do crente para ver um relance de sua alma. E
não é uma visão bonita.
Em tudo isso, Newton mantinha uma certeza
absoluta na soberania específica de Deus na vida de
cada crente. Ao nos levar a situações nas quais
pecamos e revelamos a verdade de nosso coração, o
nosso amoroso Pai celestial está nos ensinando. Ele
não está nos testando para descobrir o que faremos.
Ele sabe de todas as coisas e conhece o nosso
coração melhor do que nós mesmos. Deus nos guia
para essas situações, pois quer que nós aprendamos
algo sobre nós mesmos. Oh! há muitos anos sei que,
em termos gerais, sou uma pecadora, mas estou
propensa a viver em uma cegueira nebulosa de mim
mesma, dia após dia. A Bíblia nos diz que, acima de
tudo, tenho um coração enganoso e
desesperadamente corrupto (Jeremias 17.9),
portanto, eu não deveria me surpreender ao
descobrir as formas específicas como peco —
repetidamente.
A Bíblia também me diz que, entregue a mim
mesma, sou propensa a trocar a verdade de Deus
por mentiras, a suprimir a verdade sobre Deus e
sobre mim mesma e a viver intencionalmente cega
para meu próprio pecado, enquanto adoro as coisas
criadas ao invés de adorar o criador (Romanos 1.18-
25). Por meio dessas situações de conflito e
fracasso, Deus revela claramente essa realidade a
nós e aos outros, a fim de nos tornar mais
profundamente dependentes dele para obtermos
graça e força diárias.
UM DILEMA ENIGMÁTICO

A partir daqui, as percepções de Newton sobre os


propósitos de Deus — e sobre o amadurecimento
cristão — começam a divergir da visão
predominante entre os cristãos evangélicos hoje.
Qual o propósito de Deus para nós enquanto
amadurecemos na fé? É apenas que pequemos cada
vez menos ou, em vez disso, que enxerguemos cada
vez mais o nosso próprio pecado? Se o objetivo de
Deus é que tomemos cada vez mais consciência do
nosso pecado, então ele está ordenando que uma
grande quantidade de pecados sejam permitidos e
tolerados em nós para seu propósito maior. Visto
que Deus odeia o pecado e ensina seus filhos a odiá-
lo, deveria nos parecer lógico que ele nos livraria do
poder do pecado que habita em nós no próprio
instante em que nos livrou do poder do pecado de
nos mandar para o inferno. Se o Senhor tivesse feito
isso, nós teríamos nos tornado completamente
perfeitos no momento da salvação e poderíamos
viver o restante de nossas vidas na terra em um
estado sem pecado. Sua vontade, contudo, designou
o contrário.
Em vez disso, no momento da conversão, Deus
nos liberta do poder espiritual que o nosso pecado
tinha de nos condenar, mas nos deixa com uma
natureza pecaminosa que travará guerra contra a
nossa nova natureza pelo resto de nossas vidas.
Quando Deus nos levar para junto de si no céu, o
poder do pecado sobre nós será destruído de forma
completa e definitiva. Nesse meio tempo, o pecado
vencerá frequentemente. Muitos crentes subestimam
ingenuamente o poder deste homem pecador que é
deixado em nós para guerrear contra a nossa nova
natureza.
Um de nossos problemas hoje é que, embora
percebamos corretamente que Deus odeia o pecado,
falhamos com frequência em perceber nas Escrituras
a soberania de Deus sobre o pecado e seu desejo de
tolerá-lo em grandes quantidades desde o Jardim do
Éden, com a finalidade de cumprir seus propósitos
santos.18 Pode parecer chocante o pensamento de
que Deus ordena o pecado! Sabemos pelas
Escrituras que “Deus não pode ser tentado pelo mal
e ele mesmo a ninguém tenta” (Tiago 1.13).
Contudo, é evidente que um Deus que poderia deter
o pecado, mas escolheu, em vez disso, utilizá-lo para
seus próprios fins, intentou isso claramente sem
jamais tê-lo causado. Posteriormente, discutiremos
essa ideia com mais profundidade. Por enquanto,
vamos apenas notar que é muito importante o que
você crê sobre Deus e pecado.
Se você pensa que, por odiar o pecado, Deus deve
ficar frustrado e decepcionado toda vez que você
peca, então, você se sentirá desencorajado nessa
fase do crescimento cristão. Talvez essa seja a fase
em que você se encontra ao ler isso. Você espera
muito mais de si como cristão e tem certeza de que
Deus também espera. Contudo, você ainda se
encontra pecando bastante, mesmo quando tenta ao
máximo não fazê-lo. Na verdade, é nesse ponto que
eu me uno à maioria dos crentes em minha
experiência de aconselhamento. Eles estão confusos
e arrasados pela batalha contínua e por não
progredirem em santidade e temem, por
consequência, que Deus desista deles.
Entretanto, se você acredita que Deus é totalmente
soberano sobre o seu pecado e está sempre usando-
o para seu próprio bem, a fim de lhe ensinar mais
sobre si mesmo e sobre a graça dele, você está livre
para odiar seus pecados e amar o que Deus está
operando através deles. Isso não nos leva ao
desencorajamento, medo, ansiedade e depressão.
Pelo contrário, isso nos leva à paz, à alegria e a uma
maior confiança na obra do Espírito Santo que
habita em nós. Como Newton observou, “Cada
novo dia traz alguma nova corrupção que antes era
pouco observada ou, pelo menos, descobre-a sob
uma luz mais intensa do que antes. Assim, aos
poucos, eles são afastados de se apoiarem em
qualquer pretensa sabedoria, poder ou bondade que
existam neles mesmos. Sentem a verdade das
palavras de nosso Senhor: ‘Sem mim nada podeis
fazer’”.19
Se o objetivo da santificação é, na verdade, o
crescimento em humildade e uma maior
dependência de Cristo, então o Espírito Santo está
fazendo um excelente trabalho. Através de suas lutas
contínuas contra o pecado que habita em seu
interior, o cristão em processo de amadurecimento
percorrerá vários anos de sua vida aprendendo que é
mais pecador do que jamais pudera imaginar, a fim
de descobrir que é, de fato, muito mais amado do
que jamais ousaria esperar.
PARA REFLEXÃO

1. O que faz você duvidar da sua salvação? O que


seria capaz de convencê-lo de que Deus está sempre
ao seu lado e nunca o abandonará?
2. Como você imagina que deveria ser o
crescimento na fé? Qual a diferença entre o imaturo
na fé e o cristão em fase de amadurecimento?
3. Qual é o papel do Espírito Santo em seu
crescimento espiritual?
4. Houve algum momento em sua vida em que
Deus o privou de algo que você queria
desesperadamente e pelo qual orou? Houve tempos
em que ele respondeu às suas orações de forma
abundante? O que você aprendeu sobre Deus e
sobre si mesmo?
5. O que você considera ser um deserto em sua
vida hoje? Seu coração tem respondido a Deus de
forma semelhante a Israel no deserto? Como Deus
tem usado sua escola de experiências para ensiná-lo
mais sobre o seu coração e o amor dele?
6. Você acredita que Deus é soberano sobre todos
os seus pecados? Por quê?
12. John Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 9. Neste
capítulo, a descrição do crente que está amadurecendo na fé se
baseia grandemente nesta carta.
13. Ibid., 9.
14. Martin Luther, “Preface to St. Paul’s Epistle to the Romans”,
em John Dillenburger ed., Martin Luther: Selections from His
Writing (New York: Anchor, 1962). Ver também os comentários de
Newton em “The Practical Influence of Faith”, Select Letters of
John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 91.
15. John Newton, “Advantages From Remaining Sin”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
153.
16. Ibid., 153.
17. Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John Newton, 9.
18. John Newton, “Difference Between Acquired and Experimental
Knowledge”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh:
Banner of Truth, 2011), 138.
19. Newton, “Advantages From Remaining Sin,” Select Letters of
John Newton, 153.
capítulo quatro
maduros na fé

Seu grande negócio é contemplar a glória de


Deus em Cristo; e, pela contemplação, ele é
transformado. — John Newton20

O cristão maduro se distingue, de várias maneiras


perceptíveis, daquele que é criança na fé e do crente
em processo de amadurecimento. No entanto,
Newton inicia sua discussão a respeito desse assunto
observando as diversas maneiras em que o cristão
maduro se assemelha ao novo na fé. Ele ainda se
encontra em estado de total dependência de Jesus,
como o neófito. É tão incapaz de ter atitudes
espirituais ou de resistir à tentação que o assola
quanto o era no dia em que foi salvo. Também é
verdade que sem Cristo ele nada poderá fazer e,
entregue a si mesmo, não fará nada além de pecar.
Entretanto, em alguns aspectos, o cristão maduro é
muito mais forte do que antes, pois tem um senso
mais profundo e constante de sua própria fraqueza.
Deus vem lhe ensinando essa lição por um longo
tempo e, através da amorosa graça do Pai celestial,
seu sofrimento não foi em vão! Seu coração o
enganou tantas vezes que ele aprendeu a desconfiar
de si mesmo mais prontamente e a prever sua
própria fraqueza. Como o cristão maduro sabe que
pode cair facilmente, ele evita situações que sejam
difíceis e que o tentem a pecar. Ele é cauteloso com
as trapaças de Satanás e pede rapidamente a ajuda
de outros cristãos e de Deus. O orgulho não o
impede de admitir seus fracassos, confessando-os e
arrependendo-se rapidamente quando cai. Ele
também não se decepciona consigo mesmo e com os
outros tão facilmente, pois suas expectativas
mudaram, e agora ele entende que ambos, tanto ele
como seus irmãos, são muito fracos e não podem
fazer nada sem Cristo. Ironicamente, em toda a sua
fraqueza, ele está crescendo mais firme em Cristo,
porque aprendeu a correr rapidamente para o trono
da graça em seus momentos de necessidade. Como
o Senhor disse ao apóstolo Paulo: “A minha graça te
basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na
fraqueza.” (2 Coríntios 12.9). Ele é mais forte em
Cristo e não em si mesmo.
A superioridade do cristão maduro em relação a
seu companheiro mais novo na fé se deve
principalmente ao fato de que Deus tem abençoado
sua ida à igreja, suas orações, as pregações bíblicas
que ouviu e sua participação na Ceia do Senhor e
lhe tem dado uma visão mais clara da grandeza e da
majestade de Cristo. Ele conhece bem seu próprio
coração e já experimentou o amor de seu Salvador
de maneiras mais ricas e mais profundas. Seu
conhecimento teológico é mais sólido, sua mente é
mais estável, e seus pensamentos são mais focados
na obra e na pessoa de seu Redentor. Ele vê a
excelência do Senhor Jesus Cristo, tanto em sua
pessoa quanto no ministério que ele realizou em
favor de sua igreja como profeta, sacerdote e rei. Ele
se apega aos grandes mistérios de um amor redentor
e adora aquele que tomou sobre si as fraquezas
humanas, a fim de expiar seus pecados. Ele se
maravilha na estabilidade, unidade, beleza e
segurança das Escrituras e medita frequentemente na
altura, largura, comprimento e profundidade do
amor de Deus por ele em Cristo. Na verdade, sua
maior alegria é contemplar a glória de Deus em
Cristo e, à medida que vislumbra seu Salvador, ele é
transformado gradualmente à semelhança daquele a
quem adora. Quanto mais se regozija em Cristo,
tanto mais constantemente manifesta os frutos de
justiça pelo poder do Espírito Santo, para a glória e
o louvor de Deus.
Os pensamentos do cristão maduro a respeito de
Deus não são mais meras ideias teológicas
arrogantes ou especulações filosóficas vazias. Ao
invés disso, as doutrinas que ele tanto ama agora
migraram de sua mente para o coração e começaram
a transformá-lo de dentro para fora, de três maneiras
principais. Ele está se tornando alguém que é
humilde, espiritual e tem paixão por ver a glória de
Deus revelada em todas as coisas.

HUMILDADE

Aquele que é criança na fé e o cristão em fase de


amadurecimento sabem que devem ser humildes.
Começam a notar como o orgulho invade cada
fenda de seus pensamentos e começam a tentar ser
humildes, embora frequentemente fracassem. O
cristão maduro, todavia, é verdadeiramente humilde.
Tem o hábito de olhar para trás e ver o caminho no
qual Deus o guiou com fidelidade e pode ver as
inúmeras vezes que Deus lhe retribuiu com bem o
mal que lhe fizeram. Ele tem a prática de lembrar,
em seu coração, tanto a bondade de Deus quanto a
sua própria perversidade. No Antigo Testamento,
Israel erigiu um memorial de pedra à fidelidade do
Senhor após uma batalha, em um lugar que
chamaram de “Ebenézer” (1 Samuel 7.12). Do
mesmo modo, Newton sugere que, à medida que o
cristão piedoso relembra cada vez que pecou
grandemente contra o Senhor, particularmente de
maneira arrogante, ele deve construir um
“Ebenézer” — um memorial mental à sua própria
fraqueza e pecaminosidade.21 Mas o crente maduro
nunca se detém no memorial de sua própria
pecaminosidade com o propósito de lamentar e se
desesperar. Ele está triste com seu pecado, mas
prossegue para construir em sua mente outro
monumento, ainda maior, à fidelidade de Deus,
apesar de seu pecado.
Deste modo, assim como o apóstolo Paulo, o
cristão maduro atravessa a vida sempre se
entristecendo, mas também sempre se alegrando (2
Coríntios 6.10). Ele sofre por causa do seu próprio
pecado, pois sabe que Deus odeia o pecado e
percebe como o seu pecado prejudica a si mesmo e
aos outros. Entretanto, ele se regozija ainda mais do
que se entristece, porque também vê a paciência e a
fidelidade de Deus em seu favor no contexto de sua
desobediência contínua. Compreende que Deus é
soberano sobre o seu pecado e que até mesmo o
usará para moldar e fortalecer as pessoas de sua vida
contra as quais habitualmente peca. Ele se maravilha
com o amor que se recusa a abandoná-lo e celebra o
poder de Deus em usar até mesmo o seu pecado
para guiá-lo a uma compreensão mais profunda da
graça de Deus. Lamenta a própria falta de justiça,
mas se alegra e se regozija na perfeita retidão dada a
ele por Cristo. Newton comparou essas ações a uma
melodia cuja linha do baixo retrata a auto-
humilhação quanto ao pecado, e a linha melódica
retrata o regozijo na fidelidade de Deus. Quando
tocadas juntas, a música é de tirar o fôlego.22
Embora seu comportamento externo possa ser mais
moral, o cristão maduro, na verdade, se sente
frequentemente mais pecador do que em seus
primeiros anos de fé, pois agora ele enxerga o
próprio pecado com mais clareza, precisão e
frequência. Descobriu que sua obediência o tenta a
pecar tanto quanto os seus desejos pecaminosos ou
até mais. Aprendeu sobre a natureza traiçoeira de
seu próprio orgulho e, embora não consiga escapar
dela, odeia verdadeiramente a voz interna da
autoglorificação que narra constantemente a história
de sua vida em seu momento de maior obediência.
Seus dias estão, portanto, cheios de oração, pois ele
aprendeu que precisa desesperadamente de Deus e
recorre com frequência ao auxílio do Senhor.
Ele planeja contra sua própria fraqueza,
antecipando situações de lutas e fazendo tudo que
está ao seu alcance para se proteger da tentação.
Não tenta ser mais esperto que Satanás. Sabe que
Satanás é um especialista em sua área e encontra-se
muito além dele em força e astúcia. Então, ele se
lança repetidamente à graça do Senhor e suplica por
misericórdia em tempos de necessidade. Aprendeu a
viver uma vida de contínuo arrependimento diante
de Deus, confessando seus pecados livremente e
repetidas vezes, vivendo aos pés da cruz, onde é
lavado em perdão e esperança todos os dias, tão
frequentemente quanto peca.
Outro aspecto da humildade do crente maduro é
sua rapidez em se submeter à vontade de Deus. Ele
errou tantas vezes no passado que já não se atreve
mais a presumir a vontade de Deus, mas, ao
contrário, busca ansiosamente saber o que Deus fará
em cada situação. Já tentou prever quais deveriam
ser as respostas às suas orações, apenas para
descobrir que a resposta de Deus foi uma completa
surpresa e muito superior a qualquer coisa que
pudesse imaginar. Já antecipou que algumas pessoas
foram direcionadas a um final triste, apenas para
descobrir que a graça de Deus em preservá-las e
transformá-las superou em muito suas expectativas.
Previu um futuro glorioso para outras pessoas,
apenas para vê-las humilhadas e sendo repreendidas
sob a poderosa mão de Deus. Ele lutou bastante
para impor sua própria vontade sobre os outros,
somente para se deparar com um desastre quando
Deus lhe permitia triunfar. Ele viu Deus usar o
sofrimento intenso para abençoar a vida de alguns
de seus amigos, ao mesmo tempo que viu a
prosperidade arruinar outros. Portanto, o
conhecimento de si mesmo e da majestade de Deus
faz com que ele seja reduzido ao pó. Ele crê
verdadeiramente que Deus é mais sábio e amoroso
do que ele jamais poderia ser; por isso, em cada
provação, ele procura a mão divina de cuidado
amoroso, para si mesmo ou para pessoas ao seu
redor.

TERNURA
O cristão maduro possui também um espírito
amoroso para com seus companheiros cristãos. Ele
deve, às vezes, avaliar a conduta deles, mas o
conhecimento que tem a respeito da fraqueza e da
pecaminosidade de seu próprio coração faz com que
seja gentil e tenha toda a tolerância possível com a
fraqueza dos outros. Em outras palavras, ele está
mais consciente da trave em seu próprio olho do que
do argueiro nos olhos de seus irmãos e irmãs
(Mateus 7.3-4). Sabe que, assim como ele, todos os
seres humanos são fracos e feitos do pó.
Compreende que vivemos em um mundo repleto de
tentações que constantemente nos atraem para
satisfazermos, saborearmos, provarmos e nos
saciarmos com prazeres pecaminosos. Entende que
há um poderoso inimigo espiritual que é um perito
em tentação e experimenta frequentemente o
tormento da fúria de Satanás. Ele também conhece
seu próprio histórico de erros, e isso o qualifica a
admoestar e a restaurar outros com um espírito de
mansidão e benignidade.
Nesta área, Newton observa que o novo na fé é
frequentemente propenso a pecar. O impulso de
seus sentimentos acalorados, ainda não equilibrados
por um verdadeiro senso de suas próprias
imperfeições, leva-o a repreender os outros com um
espírito orgulhoso e de censura. Porém, o cristão
maduro pode tolerar pacientemente o cristão mais
novo porque ele mesmo já passou por isso e não
espera que o fruto fique maduro antes da estação
adequada.
Na verdade, Newton compara o novo crente a um
pêssego ainda verde.23 Seria ridículo ir até um
pessegueiro no início do inverno e colher seus
frutos, simplesmente porque eles ainda estão todos
verdes. Sabemos que com apenas mais alguns dias
de chuva e outros de sol, este fruto amadurecerá,
tornando-se deliciosamente doce. Isso também se
aplica ao cristão que é novo na fé. Hoje, seu fervor
mal orientado pode ser irritante e até mesmo nocivo
para si mesmo e para os outros ao seu redor, mas o
Senhor conhece aqueles que são seus e jamais os
abandonará. Não poderão escapar da poda e da
formação do Senhor e alcançarão inevitavelmente a
maturidade — se não nesta vida, sem dúvida na
vindoura.
Esse é um dos motivos pelos quais eu sei que não
sou uma cristã madura. Cada vez que tento
parabenizar a mim mesma a respeito de quanto
cresci, esquecendo-me completamente de que todo
o crescimento é obra de Deus, ele envia um cristão
novo na fé para cruzar o meu caminho, e logo eu
fico muito irritada. Há dois meses, uma jovem
mulher, cheia de alegria e entusiasmo para ler as
Escrituras, passou um tempo conosco. Ela amava ler
a Bíblia e amava falar para todo mundo o quanto
gostava de fazer isso e que momentos maravilhosos
e tranquilos ela tinha. E quanto a mim? Você acha
que comemorei, com e por ela, regozijando-me com
o fato de que Deus lhe havia dado tão doce dom
nesse ponto de sua caminhada com ele? Não! Fiquei
muito irritada, porque acho difícil ler a Palavra de
Deus e raramente quero fazê-lo. Tenho um apetite
tão pequeno pela Escritura que preciso programar
atividades em minha semana que me forcem a lê-la
ou jamais a teria em minhas mãos. Então, dou aulas
de estudos bíblicos, preparo cultos de louvor e,
conforme vou fazendo essas coisas, sou sempre
abençoada pela Escritura e, com frequência, sou
levada às lágrimas. Contudo, ainda acho difícil
querer ler a Bíblia.
Como resultado, eu quis fazer aquela neófita cair
na realidade e ouvir umas verdades. Mas depois, por
mais irônico que pareça, um de meus filhos refletiu
sobre o zelo dessa jovem e mencionou quão doce e
maravilhoso era o fato de que ela se regozijava na
leitura da Bíblia. Isso piorou ainda mais as coisas!
Eu me considerava muito mais madura
espiritualmente do que meu filho, mas lá estava ele,
comportando-se de uma forma muito mais madura
do que eu! Embora eu possa me classificar como
uma cristã em fase de amadurecimento e tenho
estado nesse processo há alguns anos, a facilidade
com que retrocedo a esse tipo de legalismo crítico é
preocupante. Tenho hoje a mesma carência da graça
de Deus para permanecer em obediência ao Senhor
que tinha aos seis anos de idade, quando aceitei
Cristo pela primeira vez. Deus é tão bondoso e
misericordioso, que toda vez que começo a roubar a
glória de sua obra, ele me deixa cair, apenas para eu
me lembrar de quão fraca e falha realmente sou.

ESPIRITUALIDADE

Outra característica dos cristãos maduros é que eles


compreendem o perigo de estarem muito vinculados
aos prazeres mundanos. Sabem que, em razão de
nossa natureza humana, “nos apegamos ao pó
desafiando os ditames de nosso melhor
julgamento”24 e somos impelidos ao uso excessivo e
impróprio dos excelentes dons de Deus. O cristão
maduro não é perfeito em relação a isso, mas as
coisas do mundo não serão a sua escolha
predominante. Newton reconheceu que vemos
frequentemente cristãos mais novos na fé enredados
em tolerâncias mundanas. Ele observou que
raramente Deus concede a seus filhos vitórias
significativas sobre esse mal, até que lhes tenha
revelado quão profundamente enraizado ele está em
seus corações. Percebemos esse princípio atuar com
frequência em nossas igrejas hoje. Chamamos isso
de vício.
Eu aconselho muitos novos cristãos sinceros que
estão lutando com o vício. As substâncias nas quais
estão viciados variam muito, porém os desejos do
coração que dirigem esses vícios são os mesmos.
Eles são viciados em comida, saúde, drogas,
pornografia, boas notas, exercícios físicos, magreza,
sexo, trabalho, álcool e, até mesmo, aprovação dos
pais. A lista de possibilidades é tão longa quanto a
lista de coisas boas que Deus criou — coisas que
usamos na tentativa de nos sentir bem. Quando um
cristão luta com um pecado assediador na forma de
um vício, é tentador procurar mudar o
comportamento, enquanto se perde de vista o
contexto mais abrangente daquilo que Deus está
fazendo no coração. A maior parte dos vícios
divertem por um tempo, mas no fim perdem a
atratividade e deixam os que lutam odiando o
comportamento e tentando tudo que podem para
detê-lo.
Entretanto, Deus pode mudar a vontade deles
muito antes de lhes dar o fruto espiritual do domínio
próprio em uma determinada área, e Newton nos
fala que o Senhor tem um grande propósito nisso.
Quando Deus muda a vontade de alguém e lhe
concede um grande desejo de obedecer, mas não dá
a força para resistir à tentação, está colocando seu
filho numa posição difícil e dolorosa. Entretanto, ele
faz isso com amor e não com julgamento ou castigo
em mente. Está humilhando esse filho de uma forma
poderosa e esmagando a autoconfiança desse filho.
Isso pode parecer uma maldição, quando, na
verdade, é um grande presente.
Newton afirma que muitos cristãos maduros já
lutaram contra o assédio do pecado de uma forma
ou de outra, pois Deus raramente os livra dele antes
de usá-lo para lhes ensinar lições valiosas. Os seres
humanos são criaturas toxicamente autoconfiantes e
orgulhosas, que tendem a acreditar que podem fazer
qualquer coisa que cogitem. Nos primeiros dias de
complacência, a maioria dos viciados acreditam que
podem parar tal comportamento quando quiserem.
No entanto, antes de terem essa consciência, eles
são habitualmente impelidos ao alívio que o vício
lhes oferece, sendo incapazes de se afastar dele. Em
sua bondade, Deus revela a seu povo quão fracos
eles são por entregá-los ao objeto de seu desejo e
deixá-los debaterem-se nele, às vezes por um longo
período de tempo. Deus é um bom pai que permite
que seus filhos caiam para protegê-los no final.
AFASTANDO-SE

Nossa filha mais velha, Hannah, nasceu com um


brilho nos olhos. Ela se mostrou uma menina
determinada desde cedo e escolheu declarar guerra
no campo de batalha das escadas. Era a nossa única
andarilha precoce e ficava alucinada para se mover
desde o momento em que se levantava, apoiando-se
em suas mãos e joelhos. Também era muito
observadora e percebia que seus dois irmãos mais
velhos subiam e desciam as escadas de pé. Ela
queria ser igual a eles. Assim como fizemos com
seus irmãos mais velhos, ensinamos Hannah a
descer as escadas deslizando com o bumbum. Ela
era pequena, e seu equilíbrio ainda era fraco e
instável, e sabíamos que deixá-la descer as escadas
de pé seria muito arriscado. Ela sequer podia
alcançar o corrimão! Mas bastava que nos
descuidássemos por um minuto, e lá estava ela,
engatinhando escada acima e, e depois levantando-
se e virando-se para descer em sua posição favorita:
vertical. Então, colocamos um portão de bebê e a
observávamos atentamente, mas isso não a impedia
de procurar cada momento de descuido nosso para
tentar novamente, especialmente na casa de outras
pessoas.
Então, decidimos deixá-la cair. Não a deixamos
escalar muito alto ou cair muito longe e nos
certificamos de que o percurso da queda era seguro,
mas paramos de resgatá-la. Não deu outra, nossa
pequena acrobata foi direto para as escadas
novamente. Dessa vez, quando subiu alguns degraus
e se virou para fazer sua pequena travessura, não
reagimos. Nós a advertimos, mas o brilho da
estripulia em seus olhos revelou sua determinação
em nos vencer nesse jogo. Quer dizer, até ela cair
várias vezes. Não demorou muito para ela descobrir
que cair é algo assustador e dói muito! Então, ela
parou de tentar, até que fosse muito mais forte e
firme. No final, ela ficou mais segura do que quando
a observávamos como falcões, pois fora convencida
de algo por experiência própria. Essa experiência de
dor a protegeu, quer estivéssemos perto ou longe,
em casa ou em qualquer outro lugar. Bons pais às
vezes permitem que seus filhos vivam experiências
dolorosas a fim de lhes ensinar lições importantes,
até mesmo lições que salvam vidas.
Deus é um pai muito melhor do que qualquer ser
humano jamais poderia ser. Como o pai na parábola
do filho pródigo, ele deixa seus filhos partirem, às
vezes por longos períodos. E espera pacientemente
por eles até que fiquem exaustos do pecado, e
cheguem ao limite. Então, amorosamente, os recebe
de volta, enquanto se encaminham para casa. Eles
precisam aprender onde encontrar a alegria e o amor
verdadeiros e precisam aprender a respeito de suas
próprias fraquezas e incapacidade de mudar, até que
saibam valorizar a salvação e o poder de Deus.
Por consequência de suas muitas quedas, os
cristãos maduros são prudentes e atentos. Conhecem
a perigosa decepção dos prazeres mundanos e sua
própria tendência de serem apanhados por eles.
Estão completamente cientes dos males associados a
tais prazeres, são mais cautelosos contra eles e,
portanto, são mais frequentemente libertos deles.
Sabem que são fracos e, portanto, são mais
cuidadosos em não se colocarem em situações que
sejam perigosas e tentadoras.

NA SAÚDE E NA DOENÇA...
ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE

Cristãos maduros também são capazes de manter


seus olhos fitos em Jesus, ainda que a terra se
transtorne ao seu redor (Salmos 46.1-3). Sua alegria
não está fundamentada nas circunstâncias de sua
vida, mas naquilo que Cristo fez por eles. Deste
modo, eles não duvidam do amor de Deus quando
as dificuldades e o sofrimento lhes sobrevêm.
Também não se desviam ou pensam que não
precisam mais de Deus, se ele lhes der prosperidade
e riquezas. Seguram suavemente suas riquezas e
posses, sabendo que o Deus que hoje os agraciou
com tais coisas, poderá também subtraí-las no
futuro. Não creem que Deus lhes deve uma vida
fácil, antes recebem todas as circunstâncias como
vindas das mãos amorosas do Pai. Por isso, são
firmes, estáveis e não se abalam facilmente com os
desastres da vida. Lamentam quando a tristeza e a
morte lhes sobrevêm, mas lamentam com uma forte
certeza de fé e uma esperança firme nas promessas
de Deus.
Os cristãos maduros também tendem a encarar a
morte de uma maneira diferente de seus irmãos mais
novos em Cristo. Newton observa que somos seres
terrenos e que não somos muito inclinados a passar
muito tempo pensando sobre o céu. O cristão
maduro é muito diferente. Ele anseia pelo céu e
escolheria prontamente a vida eterna a esta vida aqui
na terra, se não tivesse outras pessoas com quem se
importar. Anseia por partir e estar com Cristo, assim
como o apóstolo Paulo (Filipenses 1.23), mas ainda
tem noção dos aspectos egoístas desse desejo. Sabe
que ainda há muitas pessoas para amar e servir na
terra. Por isso, ele sonha com a vida eterna, mas
mantém os pés enraizados firmemente no ministério
que Deus lhe deu para cumprir na terra. Sua mente
está focada no céu, mas seu desejo é fazer muitas
coisas boas na terra.
O cristão maduro mal pode esperar para ver seu
Salvador face a face e atirar-se a seus pés. Está
cansado do seu eu pecaminoso e anseia por
abandonar o corpo de morte e adentrar a
eternidade.25 De tempos em tempos, quando Deus
se agrada em lhe conceder um vislumbre do céu, seu
coração explode de gratidão e alegria. Isso pode
acontecer enquanto ele louva ao Senhor, lê as
Escrituras, ouve música ou, às vezes, sem qualquer
motivo aparente. De repente, ele é transportado e
encontra seu coração ardendo de amor por Deus e
um senso quase insuportável do amor de Deus por
ele.
Ele não exige que tais momentos aconteçam, nem
os prolonga, nem os procura. Mas sabe que esses
momentos são um sinal do que está por vir, uma
amostra do dia em que cairá de joelhos diante do
cordeiro de Deus, completamente maravilhado,
perdido em amor e adoração. Então, em um
instante, ele será transformado e, com júbilo e
clareza, verá o objeto do seu desejo. Depois, ele
tocará nas mãos, com cicatrizes, estendidas para
recebê-lo, e o que era fé se tornará visível de uma
vez por todas. Esses vislumbres do céu abastecem
seu coração com energia e determinação, pois o
recordam de que Cristo voltará para reivindicá-lo e
levá-lo para sua morada. Embora poucos de nós
atinjam a maravilhosa maturidade espiritual nesta
vida, não há motivos para nos desesperarmos. Por
meio da rica e amorosa graça de Deus, todos nós
chegaremos lá, no final; seremos transformados
instantaneamente em sua imagem, pois o veremos
com os nossos próprios olhos!
PARA REFLEXÃO

1. De que maneiras Deus o tem transformado à


medida que você caminha com ele ao longo da vida?
Que ferramentas têm sido poderosos instrumentos
de crescimento em sua vida?
2. Que verdades espirituais transformam um cristão
que está em fase de amadurecimento? Essas mesmas
verdades estão impactando sua vida neste momento
ou parecem distantes e irrelevantes? Por quê?
3. Você é mais humilde agora do que era quando se
converteu? De que maneiras você percebe que o
orgulho ainda afeta sua relação com Deus? E com
os outros?
4. Que monumentos à sua própria perversidade
marcam o caminho de sua vida? Você pensa sobre
eles com frequência ou prefere esquecê-los e
escondê-los dos outros? Que monumentos à
fidelidade de Deus você já ergueu em sua vida?
Você medita neles com frequência? Por que seus
pensamentos vagueiam? E para onde eles vão na
maioria das vezes?
5. Que impacto haveria em sua vida se você
habitasse na montanha de seu pecado, mas não visse
a montanha mais alta da fidelidade de Deus por
você, apesar do seu pecado? Que impacto haveria se
você visse apenas a bondade de Deus e nunca se
lembrasse do seu pecado? Que bons frutos podem
vir da coexistência frequente dessas verdades?
6. Newton descreve o nosso pecado como a linha
do baixo na música de nossas vidas e o evangelho
como a linha melódica. Com que se parece a música
de sua vida? É pesada no baixo e suave na melodia?
É totalmente melódica e sem harmonia? Por quê?
20. John Newton, “The Full Corn in the Ear”, Select Letters of
John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 15. Neste
capítulo, a descrição do crente maduro na fé se baseia grandemente
nesta carta.
21. Ibid., 16.
22. “Introduction”, Select Letters of John Newton (repr.,
Edinburgh: Banner of Truth, 2011), xii. A referência é à “Letter 7 to
Mr. B___”, The Works of John Newton (repr., Edinburgh: Banner
of Truth, 1985), 631.
23. John Newton, “The Causes, Nature and Marks of a Decline in
Grace”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2011), 133.
24. Newton, “The Full Corn in the Ear”, Select Letters of John
Newton, 17.
25. Ver John Newton, “Difference Between Acquired and
Experimental Knowledge”, Select Letters of John Newton (repr.,
Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 139.
capítulo cinco
a ilusão da Disney

Senhor, atualmente ouvimos falar muito sobre a


dignidade da natureza humana. — John Newton26

A maioria de nós é especialista em esconder suas


fraquezas. Não é divertido ser fraco, e nos
esforçamos muito para negar as nossas fraquezas e
escondê-las dos outros. Esse é um enorme problema
para nós como cristãos e provoca caos e dor em
nossa vida e na vida dos outros.
Estamos profundamente confusos sobre o que
Deus espera de nós e o que realmente somos
capazes de alcançar nesta vida. Essa confusão,
apesar de trágica, não é nenhuma surpresa.
Particularmente nós, americanos, vivemos em uma
cultura na qual se ensina, desde os primeiros dias da
pré-escola, que apenas acreditar em algo faz com
que esse algo seja verdade e que ninguém nos
impedirá de alcançar nossos sonhos. Se Newton se
preocupava, em sua época, com tanta discussão
acerca da dignidade da natureza humana ao ponto
de obscurecer nossa condição caída, o que ele diria
sobre os nossos dias? Histórias de pessoas que
passam da pobreza para a riqueza são anunciadas
pela mídia como prova de que qualquer um pode se
tornar o que bem quiser. Isso resulta em que
esperanças e aspirações tolas são nutridas muito
além do que as duras realidades desse mundo
poderiam aceitar.
Eu amo Walt Disney, mas também me preocupo
com o impacto poderoso de seus filmes. Este fato
aconteceu em nossa casa há alguns anos, quando o
líder de louvor da nossa igreja decidiu oferecer, em
nossa casa, um lanche inspirado em um tema da
Disney, apenas por diversão. A magia dominou
aquela noite na medida em que nossa decoração
tradicional foi transformada em um espaço elegante
e iluminado, brilhando com luz de velas e inundado
com um aroma de café e leite espumoso.
Sempre gostamos de assistir aos filmes da Disney
com os nossos filhos, quando eram crianças, embora
fôssemos sempre prontos e diligentes a criticá-los
biblicamente e a ajudar nossos filhos a assistirem a
esses filmes sob uma perspectiva cristã. Meu filho
mais velho diz que até hoje não consegue assistir a
um filme da Disney sem ouvir minha voz na sua
cabeça: “Ora, Jamie, você concorda com o Grilo
Falante? Você acha que a Bíblia nos ensina a
deixar a nossa consciência ser o nosso guia?”
Tenho certeza de que saturamos os nossos filhos
com nossas tentativas mais sinceras de ensiná-los a
desfrutar o mundo que Deus lhes deu, com
sabedoria e discernimento. No entanto, contos como
Pinóquio, A Bela Adormecida, Cinderela, Mogli e
Mary Poppins nutriram em nossas crianças os dons
de imaginação e de criatividade dados por Deus.
Com suas mensagens idealistas e humanistas sobre
o desenvolvimento de nossos potenciais, esses filmes
pairavam no pano de fundo da vida de nossos filhos,
e, às vezes, eu me preocupava com as expectativas
que esses filmes estavam criando no coração de
pessoinhas facilmente impressionáveis. Minhas filhas
brincavam sempre de princesa e se deslumbravam
visivelmente com grandes palácios, joias e, é claro,
um belo príncipe. Minha filha Hannah ainda era
pequena quando, certa vez, retrucou a uma
repreensão minha, informando-me que eu não era
sua verdadeira mãe; que ela era, na verdade, uma
princesa; que, um dia, eu me arrependeria quando
seus verdadeiros pais viessem buscá-la e que ela me
colocaria numa prisão pelo resto de minha vida.
Você poderia dizer que essa é evidentemente uma
fantasia muito comum — pela qual todos nós já
passamos em algum momento da vida. Porém,
naquela noite do café temático da Disney, comecei a
suspeitar de que o reino de fantasia tinha se fundido
perigosamente à realidade, para toda uma geração
de crianças.

O PODER DO FAZ DE CONTA

Nossa casa estava abarrotada de jovens estudantes


entusiasmados, vestidos como personagens da
Disney. A música era cativante, e suas
interpretações, fascinantes. No entanto, o que mais
chamou a minha atenção naquela noite foi o
engajamento desses jovens com as histórias e
músicas dos contos de fada. Esses estudantes não
apenas assistiam aos filmes da Disney de tempos
em tempos; durante a infância, eles cresceram com
Disney. Sabiam a letra de todas as canções, e alguns
deles eram capazes de repetir roteiros inteiros, com
diálogos completos. Eles eram apaixonados pelos
personagens, estavam encantados com as travessuras
e ações dos heróis e heroínas e se identificavam
profundamente com os amados personagens de seus
contos incríveis. Esses jovens inteligentes, prósperos
e de nível elevado sofriam de uma séria devoção a
esse mundo de faz de conta, e, a partir daquela
noite, comecei a me perguntar o quanto do estilo
“Disney de ser” já havia se infiltrado em suas vidas
espirituais também. A noção de que você pode ser
tudo que quiser, bastando apenas acreditar nisso,
pode ser bastante prejudicial nos jardins de infância
desse mundo, mas, quando transportada para a
igreja, essa noção é mortal.
A Disney nos chama a que nos identifiquemos com
os personagens oprimidos das histórias, cuja
grandeza interior, velada por algum tempo, revela-se
de maneira gloriosa através da superação das
adversidades. Em nossos pequenos mundos
centrados no eu, nos voltamos para o nosso interior
a fim de nos imaginar mais fortes, mais inteligentes e
bem melhores do que realmente somos. Como é
delicioso mergulhar no mundo da fantasia e fingir
ser o que não somos ou não ser o que na verdade
somos. É claro que, mais cedo ou mais tarde, a
maioria de nós percebe que essa fantasia não nos
leva muito adiante na vida real, e encaramos a difícil
empreitada de aceitar a realidade e trabalhar apenas
com o que nos foi dado. Em vez de nos tornarmos
astronautas, bombeiros, dançarinas de balé ou
princesas, como sonhávamos no jardim da infância,
a maioria de nós se torna engenheiro, encanador,
professor ou contador.

FAZ DE CONTA CRISTÃO

Todavia, quando a mensagem da Disney é


proclamada amplamente nos púlpitos de igrejas bem
intencionadas e bíblicas, ela é devastadora para o
povo de Deus. Essa mensagem nos diz que, se
possuirmos fé suficiente, poderemos fazer ou ser o
que quisermos. Não podemos sucumbir à forma
mais grosseira dessa crença que infecta tantas
igrejas, a qual ensina que a nossa fé pode nos tornar
saudáveis e ricos. Contudo, muitas vezes, aderimos
a uma forma mais sutil da mesma doença.
Acreditamos realmente que, se tivermos fé suficiente
e tentarmos bastante, bastante mesmo, deixaremos
de pecar e nos tornaremos iguais a Jesus. Somos
ensinados que está em nosso poder o permitir ou o
inibir a obra de Deus de santificação em nossas
vidas, de modo que nosso progresso na santificação
pessoal dependa de nós. Se nos esforçarmos mais e
cooperarmos com Deus, poderemos ser bem
sucedidos e adquirir uma perfeição efetiva,
tornando-nos príncipes ou princesas espirituais.
Porém, se escolhermos não nos comprometer
totalmente com Deus, ele não terá poder para nos
mudar e, talvez, não poderá nos abençoar como
gostaria.
Esse tipo de visão atribui muito poder às pessoas
que, na verdade, são muito fracas e cheias de
pecados. Deus planejou desta maneira, lembra-se?
Ele poderia ter-nos feito fortes ou mesmo perfeitos
no momento em que salvou cada um de nós, mas
não o fez. Em vez disso, enviou seu Espírito para
habitar naqueles que ainda estão sujeitos à carne
pecaminosa e cheios de pecados remanescentes. Ao
nos chamar à obediência, ele nos recorda que somos
apenas pó, mas continuamos a nos esquecer disso.
Achamos que com apenas um desejo, uma pitada de
pó mágico, um bom tempo em silêncio e um pouco
de oração, todos nós podemos ser heróis espirituais
e realizar grandes coisas para Deus. Não poderíamos
estar mais errados, e, como resultado, somos
devastados quando a realidade se choca com a
fantasia, dia após extenuante dia.
Toda semana, eu aconselho jovens de sólidos lares
cristãos que estão arruinados por seus pecados.
Como pais, às vezes, investimos mais em proteger
nossos filhos das influências pecaminosas deste
mundo do que em prepará-los para enfrentar a
profunda pecaminosidade de seu próprio coração.
Achamos que, se conseguirmos evitar que eles
pequem demasiadamente enquanto são novos e
vulneráveis, eles não terão que lutar tanto contra o
pecado quando se tornarem adultos. É claro que
bons pais não permitem que seus filhos pequem
muito. Eles disciplinam, ensinam, refreiam e
intervêm. Porém, tais ações, por si só, não preparam
bem os jovens para a realidade das fortes tentações
que encontrarão no futuro, quando os seus pais não
estiverem por perto. Levantar um muro entre a
criança e a tentação não é a mesma coisa que
prepará-la para encarar a vida.
Se formos honestos e sábios, lembraremos aos
nossos filhos que eles são pequenos pecadores
depravados desde o início, que ser desobediente é
fácil e natural para as crianças, as mamães e os
papais e que a obediência está muito além de nossa
capacidade. Se negarmos essa realidade, agindo
como se estivéssemos terrivelmente espantados cada
vez que eles pecarem, dizendo “como você pôde
fazer isso?”, não seria surpresa nenhuma se os
nossos filhos ficassem confusos. Não é de se
admirar que as escolas estejam repletas de jovens
cristãos, homens e mulheres, que sabem que são
pecadores de uma maneira geral e por alto, mas que
desmoronam e são destruídos pela ansiedade e
depressão quando caem em um pecado específico.
Eles ficam chocados com seus próprios desejos e
comportamentos e se veem recorrendo a vícios
nocivos ou à busca maníaca da disciplina cristã, a
fim de amenizar seus sentimentos desesperados de
fracasso e inadequação.

A FRAQUEZA DA FORÇA E A FORÇA DA


FRAQUEZA

Acho que temos medo de acreditar que somos


fracos (ou de ajudar nossas crianças a reconhecerem
que são fracas), porque tememos que admitir uma
fraqueza seja o mesmo que aceitar um pecado.
Contudo, em minha experiência, admitir nossas
fraquezas nos leva, na verdade, a pecar menos. Mas
primeiro devemos entender o que a Bíblia diz sobre
força e fraqueza. Na Bíblia, os mais fortes são
aqueles que reconhecem suas próprias fraquezas,
enquanto os mais fracos são aqueles que se
impressionam mais com sua própria força. A história
do próprio povo de Deus dá testemunho desse fato.
Em nenhum lugar do Antigo Testamento vemos
Israel como um povo obediente e justo, guardando
alegremente as leis de Deus. Pelo contrário, logo
após Deus ter dado ao seu povo as leis no Monte
Sinai, num cenário que incluiu raios, trovões e
efeitos sonoros tenebrosos, esse mesmo povo
acabou por quebrar a aliança que fizera com Deus
por criar um bezerro de ouro (Êxodo 32). Desde o
início, o povo de Deus se envolveu num constante
padrão de pecado que resultaria em seu exílio da
terra que Deus lhe havia dado. A história do povo
escolhido de Deus é um relato exaustivo,
desmoralizador e desencorajador marcado por
desobediência, pecado, rebelião e ódio a Deus. Mas
é também uma história fascinante de amor e resgate,
já que Deus preservou um remanescente para si,
apesar de todo o pecado e desobediência de seu
povo.
Até mesmo os maiores heróis do Antigo
Testamento foram frequentemente enredados pelo
pecado da idolatria e tiveram grande necessidade do
Salvador quando menos esperavam. Abraão mentiu
sobre Sara ser sua esposa (Gênesis 12) e se permitiu
ser persuadido a tomar uma concubina (Gênesis 16).
Davi foi um adúltero e assassino (2 Samuel 11),
enquanto Salomão multiplicou cavalos e carruagens,
bem como adquiriu muitas esposas estrangeiras,
para as quais acabou construindo templos idólatras
(1 Reis 11). Como resultado de toda essa fraqueza e
pecado, no entanto, o Antigo Testamento também é
uma história impressionante sobre a paciência, a
longanimidade, a bondade e o amor de Deus para
com aqueles que escolheu redimir. Sem a vastidão
de pecados do povo, não haveria contexto para se
revelar a grandeza da graça de Deus.
A situação não é diferente quando chegamos ao
Novo Testamento. Os apóstolos não foram os
exemplos mais brilhantes de santidade: Tiago e João
queriam que descesse fogo do céu para consumir
uma aldeia de samaritanos (Lucas 9.54); Pedro
queria impedir que Cristo fosse para a cruz (Mateus
16.21-23) e teve medo de enfrentar os judeus na
Galácia (Gálatas 2.12); Paulo e Barnabé não
conseguiram chegar a um acordo sobre dar uma
segunda chance a João, chamado Marcos, depois
que este os desapontou em sua primeira viagem
missionária (Atos 15.37-39); e Paulo ainda chama a
si mesmo de o principal dos pecadores (1 Timóteo
1.15) e explica, em detalhes, sua incapacidade de
obedecer a Deus em Romanos 7 e Gálatas 5. Jesus,
porém, reservou suas repreensões mais severas para
os fariseus, um grupo que estava mais
comprometido em encenar atos de justiça do que
qualquer um de nós (Lucas 11.42-44).
Dado este contexto, não é surpresa alguma ler no
Novo Testamento os ensinamentos de Paulo sobre a
fraqueza. Se a história da redenção diz respeito a
nos tornarmos cada vez mais sem pecado, então, o
gloriar-se de Paulo em sua fraqueza não faz sentido
algum (2 Coríntios 11.30). Mas, se a história da
redenção é sobre Jesus e sua justiça, então, a nossa
contínua fraqueza faz resplandecer os holofotes
sobre Jesus com toda a intensidade. A descrição de
Paulo como o principal dos pecadores (veja 1
Timóteo 1.15-16) não é nenhuma tentativa
charmosa de humildade e autodegradação; ela é a
mais absoluta e gloriosa verdade. Somos todos
crianças fracas e delicadas, que pecam muito em sua
desobediência, mas que também conseguem pecar
muito em seus melhores momentos de obediência.
Descobrir essa verdade e amadurecer para amá-la
pode ser uma das mais poderosas e alegres
motivações para a mudança que Deus já inventou,
mas parece que hoje poucos cristãos conseguem
chegar até lá. Eles têm grande dificuldade para abrir
mão de suas grandes expectativas em relação a si
mesmos e aos outros e são deixados sem rumo,
girando em ciclos de medo e vergonha, enquanto
tentam desesperadamente impor essas expetativas ao
recalcitrante mundo à sua volta.
Pode ser proveitoso parar um momento e examinar
suas próprias expectativas sobre si mesmo e sobre
aqueles ao seu redor. O que você acha que Deus
espera de você como um pecador redimido? Essas
expectativas estão moldadas por todo o conselho da
Palavra de Deus? Você tende a se deter nas
passagens bíblicas que o chamam a tentar obedecer
com afinco e se esquece das passagens que o
lembram de que Deus é paciente com seus filhos
que são fracos? Suas expectativas foram moldadas
por pais exigentes cuja aprovação dependia do seu
desempenho? Você foi influenciado por pregações
exageradamente esperançosas a respeito de
mudanças e que estavam ligadas a ideias de
perfeccionismo? O estilo Disney possui tão grande
controle sobre sua mente e coração, que você não
consegue abrir mão de seus sonhos cristãos de
agradar a Deus por meio de sua bondade própria?
Se você é pai ou mãe, está ajudando seus filhos a
entenderem a respeito de seus corações pecaminosos
e a voltarem-se para Cristo quando falharem ou
teme que a compaixão pela condição pecaminosa
deles poderá fazê-los pecar ainda mais? Você
demonstra compreensão e graça a seus amigos
quando pecam contra você e contra os demais ou
você é frio e inflexível em sua condenação contra
eles?

UM MOTIVO DE ALEGRIA

Você nunca será capaz de encontrar alegria perene


nesta vida até que entenda, se sujeite e abrace o fato
de que você é fraco e pecador. Isso parece
chocante? A verdade é que apenas as pessoas fracas
e pecadoras realmente precisam de um redentor.
Paulo se gloriou em sua fraqueza e se regozijou no
fato de ser o principal dos pecadores, porque
acreditava, sem sombra de dúvida, que Deus havia
ordenado toda aquela fraqueza e quebrantamento
para seu próprio bem e para a glória de Deus. Você
talvez pense que, na verdade, traria mais glória a
Deus por meio da sua força e obediência do que por
meio do seu fracasso. Porém, o Senhor soberano do
universo parece discordar de você. O interesse
supremo de Deus é a glória de seu Filho, e ele se
agrada da maneira como essa glória é revelada em
seu amor por pessoas ímpias que precisam
constantemente de sua graça e misericórdia, dia após
dia. Aceitar sua fraqueza abre novas caminhos de
regozijo em seu Salvador — novos corredores de
adoração e reverência, enquanto você contempla
tudo o que ele é para você, mesmo você sendo
quem realmente é, por dentro e por fora.
Podemos ir além da aceitação de nossa fraqueza e
alegrar-nos com ela? Como seria possível chegarmos
a apreciar a nossa própria fraqueza? Deixe-me
responder a essa questão com uma história. Passei
décadas desprezando minha fraqueza, e o fruto
desse ódio em minha vida não era atraente. Fiquei
muito gorda por quinze longos e dolorosos anos. E,
por “muito gorda”, me refiro a clinicamente obesa:
63 quilos acima do peso normal. Eu teria feito
qualquer coisa e, realmente, tentei tudo para superar
esse obsessão pecaminosa pela comida. Eu era
membro fiel e, por vezes, muito bem-sucedida do
programa “Vigilantes do Peso”. Participava de todos
os grupos cristãos de perda de peso que podia
encontrar, lia todos os livros, orava, fazia
planejamentos, jejuns e pagava conselheiros
caríssimos para me ajudarem a superar esse
problema.
Pela graça de Deus, eu sabia que meu hábito de
comer em excesso era pecado e o chamava de
pecado — e isso me causava muito mais tristeza do
que se eu fingisse ser um problema hormonal. Isso
também me fazia ficar com muito mais vergonha e
constrangimento; apenas uma olhada rápida e todos
poderiam ver que a esposa do pastor era uma
“grande e imensa” pecadora atrapalhada tentando se
equilibrar. Todos os dias, eu acordava com
determinação para mudar e, todos os dias, comia de
maneira compulsiva em resposta a toda e qualquer
emoção. Comia quando estava triste, chateada,
entediada, temerosa e ansiosa. Também comia
quando estava feliz, empolgada, esperançosa e
alegre com minha vida. Eu estava com um grande
problema, pois passava o dia inteiro comendo
compulsivamente, todos os dias, apesar do ódio que
sentia por esse pecado e do desejo desesperado de
mudar. Mais do que qualquer coisa, eu odiava o fato
de não poder simplesmente decidir mudar quando
quisesse. Existe algo neste mundo mais humilhante
do que isso?
Com meu grande orgulho, eu estava determinada
que venceria esse pecado. Mas Deus simplesmente
não me deixou fazer isso. Eu possuía muito
conhecimento teológico na época e entendia que, se
ele quisesse que eu mudasse, eu mudaria. Contudo,
meu ódio por Deus apenas aumentava quando
pensava no fato de que ele poderia ter detido meu
pecado, mas decidiu não fazê-lo. Que Deus cruel e
irritante ele deve ser para brincar com minhas
emoções desse jeito? Afinal de contas, o que eu
queria era algo bom ou mesmo algo ótimo. Eu
queria o fruto do Espírito — ou pelo menos um
pouco dele! Queria domínio próprio, mas, com toda
a sinceridade, eu o queria por razões pecaminosas.
De fato, o que eu queria era o “fruto da Barbara” e
não o fruto do Espírito. Queria escolher mudar e
queria o crédito quando a mudança viesse. E, claro,
eu queria contar a todos que Deus havia me dado
forças para parar de comer, mas até mesmo a minha
vida fantasiosa era permeada pelo elogio e pelo
respeito que eu receberia quando perdesse todo
aquele peso e me mantivesse no peso ideal para
sempre. Em minha frustração e tolice, estava cega
para todo o verdadeiro fruto do verdadeiro e
poderoso Espírito do Deus vivo, fruto que ele estava
trabalhando em mim por meio desse pecado.
Sem nem saber, eu estava me tornando mais
compassiva para com os outros. Ao invés de julgá-
los e de rejeitá-los pelos seus problemas, estava
começando a ter novos pensamentos como: bem,
eles podem ser fracos em uma determinada área
em que sou forte, mas olhe pra mim! Se eu não
consigo simplesmente vencer a minha luta contra a
comida, talvez eles estejam experimentando algo
parecido e simplesmente não consigam mudar. A
crítica e a censura passaram a dar espaço à empatia
e à tristeza: eu aposto que deve ser realmente difícil
e constrangedor lutar contra aquilo... Pergunto-me
como poderia ajudá-los e encorajá-los. Eu estava
me tornando mais paciente com meu marido e meus
filhos. Se eu ainda estava falhando tantas vezes com
uma coisa tão simples como comer, deveria dar aos
outros a permissão de fazerem o mesmo em suas
próprias áreas de fraqueza. Estava me tornando mais
amável com pessoas difíceis e mais gentil com
pessoas desagradáveis. Estava me tornando mais
gentil no relacionamento com todos e mais disposta
a me comprometer a amá-los fielmente a longo
prazo, mesmo quando não mudavam em
absolutamente nada. Acima de tudo, eu estava me
regozijando mais em Cristo e estava me tornando
muito mais tranquila em relação à ideia de que ele
me amava exatamente do jeito que eu era, com
pecado e tudo.
À medida que o ódio por Deus extravasava do meu
coração, eu conseguia enxergar meu pecado mais
claramente e confessá-lo a Deus e aos outros. Então,
ele me concedeu bondosamente o arrependimento.
A glutonaria foi o pecado que me revelou tantos
outros pecados menos visíveis que se abrigaram
silenciosamente em meu coração por tantos anos,
sem que fossem notados por mim. O
arrependimento e a mudança, no entanto, não
vieram juntos, como nos dizem tão frequentemente
que devem vir. Deus me deu graça para me
entristecer com meu pecado de gula e odiá-lo antes
de me conceder a graça para crescer nessa área.

O QUE DEUS QUER

Alegria em Cristo talvez seja o maior desejo de


Deus para seus filhos. Ele não quer que admiremos
a nós mesmos; quer que apreciemos e desejemos
seu Filho amado. Seu objetivo é nos tornar mais
humildes e nos mostrar a grande necessidade que
temos do presente encantador que ele nos deu. A
fraqueza pecaminosa é uma das ferramentas mais
preciosas que ele usa para nos ajudar a chegar lá.
À medida que Deus me fazia experimentar meu
profundo fracasso ano após ano, comecei a valorizar
algo que até então era apenas uma vaga e misteriosa
noção em minha mente. Eu cresci em um lar cristão
e fui ensinada diligentemente acerca da doutrina da
imputação, mas fui ensinada que esse era um acordo
de mão única. Meu pecado fora imputado a Cristo,
e ele morreu no meu lugar. Essa era uma grande
verdade, porém não era o evangelho completo, e
isso foi, de alguma forma, desprovido de poder em
minha vida.
Quando meu marido fazia seminário, comecei a
aprender sobre a doutrina da dupla imputação — a
qual significa que não somente meu pecado fora
imputado a Cristo, mas também sua justiça fora
imputada a mim. Deus não apenas removeu meus
trapos de imundícia, mas também me vestiu com as
roupas limpas e perfeitas de outra pessoa. Que legal,
eu pensei. Que conceito claro e maravilhoso! Porém
isso permaneceu somente um conceito, até eu
começar a lutar contra um pecado que não
conseguia derrotar. Ah! aquelas promessas que havia
feito a Deus e não conseguira cumprir! Ah! a
completa desgraça da derrota, da apatia, da raiva e
do desânimo dos quais eu não conseguia me livrar!
Ah! o angustiante desencorajamento de ciclos
viciosos que prendiam tão fortemente meu coração e
minha mente! Nesses momentos de desespero
intenso, Deus começou a colocar um novo
pensamento em minha mente.
Apesar do bom trabalho que Deus estava
realizando em mim por meio dessas incansáveis
derrotas, fiquei temerosa e imobilizada. Olhei para o
futuro e imaginei como seria a vida para mim: uma
mulher gorda envelhecendo, e essa era uma
perspectiva desagradável. Já estava me tornando
uma espectadora da vida dos meus filhos. Estava
ficando mais difícil para eu me locomover, de forma
que, com bastante frequência, meu magro, saudável
e ativo marido levava as crianças para os passeios,
caminhadas e visitas ao parque, enquanto eu ficava
sentada em casa, comendo ainda mais, levada pela
culpa e pela tristeza de estar fazendo aquilo com a
minha família e comigo mesma. Houve muitas vezes
que desejei morrer, e alguma outras que me imaginei
matando a mim mesma, completamente convencida
de que todos ficariam bem melhor sem mim.
Minha decepção comigo mesma era impossível de
suportar. Como eu havia chegado a esse ponto? Eu
nunca fui violada, de forma alguma, em minha
infância. Fui criada em um maravilhoso e amável lar
cristão e não tinha absolutamente nenhuma desculpa
para meu comportamento negligente e compulsivo.
Eu usava a comida como um remédio e uma arma,
embora não fosse muito eficiente nem de uma
maneira nem de outra. E ainda não havia aprendido
que você não precisa ter sido maltratado para ser um
fracasso; basta que seja um ser humano!
Nessa fase da minha vida, eu estava acostumada a
ouvir sermões enquanto trabalhava na cozinha,
como uma forma de ter um tempo com Deus. Não
gostava realmente de ler a Bíblia por conta própria,
mas adorava ouvir os sermões centrados no
evangelho, de pastores reformados. Eu estava
sempre exausta, com cinco crianças pequenas para
cuidar e poderia inventar um milhão de desculpas
para não fazer a temida “devocional”, mas os
sermões eram prazerosos para minha alma.
Enquanto eu ouvia o sermão, o assunto da justiça de
Cristo começou a envolver meu coração. Eu era
uma bagunça fora de controle, mas Cristo se
alimentara de maneira perfeita por mim, e sua
benignidade fora dada a mim. Que pensamento
impressionante foi esse! Até aquele momento, eu
estava certa de que Deus me amava mais quando eu
cumpria minhas promessas de dieta a ele, comia de
forma saudável e perdia peso. Agora estava
começando a entender que Deus me amava em
todos os momentos, como amava seu Filho, Jesus.
Se meu pecado foi colocado sobre Jesus na cruz,
então, ele foi levado para sempre.
Isso tinha que ser verdadeiro em relação a todos os
pecados que eu ainda não cometera, bem como em
relação aos pecados que eu já tinha perpetrado
contra Deus. Se a justiça de Cristo me fora dada,
integral e completamente, Deus me via realmente
como uma pessoa que se alimenta de maneira
perfeita, com um histórico de obediência e
autocontrole que eu nunca poderia alcançar.
Enquanto essa doutrina penetrava profundamente
em minha mente e alma, uma revolução começou a
acontecer. Meu pecado se tornou uma oportunidade
para a maravilhosa celebração da verdade de que,
em Cristo, eu já estava justificada, santificada e
glorificada, apesar de meus miseráveis e persistentes
fracassos aqui e agora.
Eu não desisti de tentar mudar, mas comecei a
descansar em relação à minha persistente
incapacidade de mudar. Já possuía aquilo de que
tanto precisava: o inabalável amor do Deus do
universo e a bendita perfeição do seu Filho, que
viveu a vida por mim e também morreu pelos meus
pecados. Meu coração foi tomado por essa verdade,
enquanto eu me deleitava e me alegrava na perfeição
que tinha em Cristo. Isso parecia um amor louco,
audacioso e inacreditavelmente generoso que levara
Jesus a ir a tais extremos pela alegria de ter-me. Eu
sabia que não era digna de ser dele, mas pela alegria
que lhe estava proposta, Jesus escolheu me amar e
sofrer em meu lugar, sabendo plenamente que eu
continuaria a ser esta pessoa fraca, pecaminosa,
idólatra e rebelde, tão enroscada na teia de meus
próprios desejos.
Esse novo entendimento não me fez querer pecar
mais. Pelo contrário, moveu meu coração a querer
obedecer. Essa era a graça divina que um
conselheiro havia descrito a mim muitos anos antes,
um tipo de graça que eu ainda não podia sequer
imaginar ou entender. A graça de ficar muito fraca e
lutar diariamente contra o pecado e, ainda assim,
dançar e me alegrar na plena certeza do amor de
Deus por mim. Isso era estar em Cristo, unido a ele
em sua morte e em sua obediência, e deleitar-se com
o mesmo amor que o Pai tem por ele. A graça de se
obter uma alegria fora do comum na presença da
derrota dolorosa: a graça de não apenas sobreviver a
um grande fracasso, mas de crescer diante dele. Essa
era uma graça incrível, extravagante e inexplicável,
em que o orgulho próprio fora amorosamente
estilhaçado, de modo que tudo que eu poderia fazer
era olhar para Cristo, admirar sua perfeição e me
maravilhar em seu amor por uma pessoa tão
profundamente problemática.
Deus não é fascinado por nossas tentativas de
agradá-lo. Ele está totalmente focado na obediência
de seu Filho e satisfeito com a benignidade de Jesus
Cristo. Deus ama quando ficamos maravilhados com
a brilhante glória de seu Filho; portanto, ele não
permitirá que fiquemos exageradamente
impressionados com nossas próprias obras, por
muito tempo. Em amor, ele quebra o mito da
Disney, a fim de nos direcionar para uma alegria
ainda maior do que jamais poderíamos imaginar.
Em contraste com as errôneas concepções
modernas, John Newton nos apresenta, em seu hino
“Quão Doce é o Nome de Jesus”, uma visão mais
precisa e jubilosa da vida cristã:

Fraco é o esforço de meu coração


E frio meu pensamento mais quente
Mas, quando te vir como tu és,
Eu te louvarei como devo.27
PARA REFLEXÃO

1. O que você acha que torna alguém um cristão


forte? O que você acha que torna alguém um cristão
fraco? Você é forte? Como você sabe?
2. Quando foi a última vez que você sentiu grande
alegria em sua salvação? Descreva o que aconteceu,
o que você estava pensando e o modo como se
sentiu.
3. Que grandes obras você pretende fazer para
Cristo? Com o que você deseja parecer-se? De que
maneiras você é tentado a pecar quando está sendo
obediente a Deus e permanecendo forte?
4. Você tende a esconder sua fraqueza e derrotas
pecaminosas? Como o evangelho pode libertá-lo,
para que você possa apreciá-las, em vez de ser
esmagado por elas?
5. Por que viver sob a lei pode parecer mais seguro
e confortável do que viver sob a graça? O que
significa estar sob a graça e não sob a lei?
6. Como você se sente quando não consegue
mudar? Como Deus se sente quando você não
consegue mudar?
7. De que forma sua vida mais glorifica a Deus e a
Jesus? Quando glorifica mais a você mesmo?
26. Ver John Newton, “Man in His Fallen Estate (1)”, Select Letters
of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 117.
27. John Newton, “How Sweet the Name of Jesus Sounds,” The
Works of John Newton, vol. 3 (repr., Edinburgh: Banner of Truth,
1985), 370.
capítulo seis
santos e pecadores

Desafiando meu melhor julgamento e meus


melhores desejos, encontro em mim algo que
acalenta e se apega àqueles males com os quais eu
deveria, na verdade, espantar-me e fugir, como
deveria fazer se um sapo ou uma serpente fossem
colocados na minha comida ou na minha cama. —
John Newton28

Minha mente estava repleta de bons pensamentos


quando parei, apressadamente, no estacionamento
do supermercado. Ignorando tanto os sinais de
“pare” quanto as faixas de pedestres, encontrei uma
vaga e espremi meu carro, sem qualquer cuidado,
entre as linhas pintadas no chão. Estava com pressa
e odeio estar atrasada para o que quer que seja. Dei
uma olhada rápida em minha lista de compras,
enquanto me dirigia às portas automáticas; todavia,
coisas mais importantes roubavam totalmente a
minha atenção.
Eu havia passado a manhã ouvindo palestras sobre
aconselhamento bíblico e lendo livros sobre a
dignidade humana. Minha alma fora arrebatada pelo
evangelho de uma forma nova e emocionante; e eu
estava vivendo numa verdadeira nuvem de glórias.
Dei uma olhada em volta, enquanto enchia minha
cesta, e pensamentos maravilhosos invadiram a
minha mente. Somos portadores da imagem de
Deus, feitos para refletir a sua glória; mesmo em
nosso estado caído, carregamos a sua assinatura, a
marca do divino, corrompida e destorcida pelo
pecado, mas nunca completamente apagada.
Eu estava apreciando esse estado de ser docemente
alterado, enquanto achava, de modo rápido e
eficiente, cada item de que precisava. Tudo estava
indo bem, e eu não me atrasaria no final das contas.
Ao me posicionar em segundo lugar na fila do caixa,
uma conversa próxima me chamou a atenção,
tirando-me do estado de devaneio em que estava.
Embora o funcionário do caixa fosse rápido e
eficiente, as compras foram se acumulando na
extremidade da esteira, e o funcionário responsável
por ensacar as compras parecia falar muito mais do
que trabalhar. Levei um momento para absorver a
cena e perceber que o empacotador, um rapaz
chamado Edward, parecia ser, de algum modo,
deficiente. Agora o ouvia dizer, pela terceira vez, ao
cliente à minha frente: “Eu acho importante ir ao
dentista, você não acha?” O cliente concordou, e
Edward prosseguiu: “Eu tenho medo de meu
dentista. Tenho medo de que ele fique bravo
comigo. Então, disse para a moça que eu havia
usado fio dental quando, na verdade, não tinha. Não
quero que meu dentista fique bravo comigo”. O
cliente concordou com a cabeça e começou a
empacotar suas próprias compras. Edward não havia
terminado ainda: “Você acha que eu deveria usar fio
dental? Acho que eu deveria, mas não uso e tenho
medo de que meu dentista fique bravo comigo”.
Assim que o cliente à minha frente pegou suas
sacolas e desapareceu rapidamente, Edward
direcionou sua atenção para mim. Meu coração
ficou pesado ao ouvir pela quarta vez: “Eu acho
importante ir ao dentista, você não acha?”
Uma série de pensamentos rápidos passou pela
minha mente. Eu não estava de bom humor para
aquilo; estava com pressa! Tinha coisas importantes
a fazer e pessoas importantes a encontrar. Estava
prestes a dispensar esse jovem rapaz com um sorriso
e um mero aceno de cabeça, quando, de repente,
lembrei-me de que Edward também era um portador
da imagem de Deus. Ferido por tragédias da vida e
marcado com imperfeições físicas e mentais, ele,
ainda assim, era feito à imagem de Deus e
merecedor do meu respeito e minha honra. Eu sabia,
naquele momento, que Deus havia posto aquele
pensamento em minha mente, porque não era, de
maneira alguma, um pensamento característico meu.
O Espírito Santo estava agindo, conectando à vida
real o que eu tinha aprendido em aula, de maneira
maravilhosa. Parei para olhar para o Edward e
observá-lo, antes de sorrir e concordar, de todo o
meu coração, que era muito importante ir ao
dentista. Perguntei-lhe se havia ido ao dentista
recentemente, e ele me disse exatamente o que havia
dito ao homem antes de mim: que havia ido ao
dentista e havia mentido. Imaginei, por um
momento, como eu poderia entrar em seu mundo
naqueles poucos segundos em que nossas vidas se
encontravam. Concordei com ele em como os
dentistas podem parecer assustadores e que eu
também me sentia tentada a mentir quando estava
com medo de algo. A conselheira que havia em mim
queria tocar seu coração, mas eu não conhecia
Edward e não tinha tempo para isso. Demorei-me
por um momento e lhe fiz mais perguntas, realmente
desejando amá-lo naquele curto espaço de tempo
que dividíamos. Então, aquele momento chegou ao
fim, e, ao me dirigir para a saída, ouvi-o dizer à
mulher atrás de mim: “Eu acho importante ir ao
dentista, você não acha?” Segui meu caminho,
agradecendo a Deus por aquele momento, no qual
fui resgatada de minha aspereza típica por tempo
suficiente para abençoar alguém com atenção e
palavras gentis.
Ao entrar no carro e colocar o cinto de segurança,
continuava apreciando aqueles pensamentos
espirituais maravilhosos. Quando olhei para o
relógio e me dei conta de que, afinal, eu me
atrasaria, um sentimento alarmante inundou meu
corpo com adrenalina e fez meu coração acelerar.
Apressada, dei ré, corri pelo estacionamento e me
joguei em um fluxo de tráfego contínuo. Pelo
menos, se eu me apressasse, não chegaria tão
atrasada.
Tudo estava indo bem, até que um motorista
entrou à minha frente e passou a dirigir lentamente,
sem qualquer motivo aparente. Minha agitação
aumentou, e decidi acelerar e me aproximar dele, só
um pouco, a fim de lhe dar um bom incentivo. Ele
não acelerou, e maus pensamentos começaram a
voar pela minha mente: Qual o seu problema, seu
idiota? Você doou seu cérebro para a ciência? Não
tem sequer uma pessoa na sua frente, que tipo de
imbecil é você? Foi aí que a pessoa atrás de mim
decidiu, por sua vez, acelerar e se aproximar de
mim, buzinando incessantemente para que eu
corresse mais e fazendo com que eu explodisse. Que
cara de pau, esse rapaz! Eu estava furiosa e decidi
que precisava dar uma lição nele. Comecei a dirigir
ainda mais devagar e adorei observar sua agitação e
desespero ao se ver preso atrás de mim e
impossibilitado de ultrapassar. Inúmeros
pensamentos perversos e palavras de ódio passavam
pela minha cabeça enquanto me entregava, o quanto
podia, a essa birra infantil. Finalmente, o homem à
frente dobrou a esquina e, mais uma vez, pude me
concentrar em chegar à reunião o mais rápido
possível.
Não demorou muito para que a natureza ridícula
do que havia acabado de acontecer me fizesse
pensar. No período de poucos minutos, eu fui de um
extremo a outro. Em um momento, estava repleta de
pensamentos espirituais maravilhosos, que
resultaram em atos incomuns de amor e bondade
direcionados a Edward. Logo em seguida, havia me
tornado outra coisa totalmente diferente. Certamente
os homens à frente e atrás de mim também eram
portadores da imagem de Deus e igualmente dignos
de meu respeito e honra, mas não houve bons
pensamentos para me resgatar da minha raiva e
agressividade para com eles. Todo o inferno havia se
libertado em minha mente, e fui entregue ao limite
da minha raiva e do meu desejo de punir e me
vingar. O que estava acontecendo? Como eu poderia
ser tão piedosa em um momento e tão diabólica em
outro?
Isso pode parecer um relato benigno e ligeiramente
humorístico de algo que muitos de nós
experimentamos quase frequentemente no trânsito.
Talvez você não esteja alarmado com o meu pecado,
mas deveria estar. Sou cristã há quarenta e seis anos
e ainda sou capaz de sentir intenso ódio e amargura
pelos outros, até mesmo pelas pessoas que mais
amo. Minhas atitudes externas podem ser lavadas e
mantidas sob controle na maior parte do tempo, mas
meu coração está cheio de pensamentos e
sentimentos de rebeldia, que revelam a minha
profunda capacidade para o egoísmo, o ódio, a
inveja, o orgulho e quaisquer outros pecados
imagináveis.
Posso ler os Dez Mandamentos e me sentir
orgulhosa e presunçosa em relação à minha
obediência externa, mas, quando contemplo o modo
como Jesus aplica esses mandamentos no Sermão
do Monte, fico arrasada. Quando Jesus me mostra
que o pecado não é apenas um fenômeno externo e
que a verdadeira obediência deve ser proveniente do
coração e se manifestar exteriormente, percebo que
estou com grandes problemas. Não posso controlar
o meu coração.
John Newton entendeu bem esse dilema. Ele
escreveu a seguinte frase, não como um crente novo
na fé e imaturo, mas como um pastor respeitado e
cristão maduro: “Este mal está comigo: meu coração
é como uma estrada, como uma cidade sem muros
ou portões. Nada é tão falso, tão frívolo, tão
absurdo, tão impossível ou tão horrível que não
consiga obter acesso a mim em qualquer tempo e
lugar: nem mesmo o estudo, o púlpito ou até mesmo
a Ceia do Senhor são capazes de me eximir de tal
intrusão”.29
Você está chocado com a alarmante honestidade
desse homem? John Newton está dizendo que é
capaz de pensamentos horrendamente pecaminosos,
mesmo quando está no meio de suas atividades mais
santas, como quando está escrevendo seus sermões,
pregando e até ministrando a Ceia do Senhor. Na
verdade, ele destaca o contraste entre suas palavras,
comparando-as com a linha aguda de uma música, e
seus pensamentos, semelhantes à chocante e
dissonante linha do baixo. As pessoas que ouvem
apenas a linha aguda podem ficar impressionadas
com a sua santidade, todavia, o Senhor ouve a
música como um todo, em toda a sua horrível
confusão.
Pare, sente-se por um momento com esse
pensamento chocante em mente e considere suas
implicações. Newton passa a exclamar como era
surpreendente que alguém que conhece tanto da
graça e da misericórdia de Deus, como ele, pudesse
valorizar e se apegar a males pelos quais se sentia
atraído. Ele devia se afastar de tais tentações, do
mesmo modo alguém se afastaria, se colocassem um
sapo ou uma cobra em sua cama. Contudo, ele se
via continuamente abraçando-as, o que naturalmente
o levou a concluir que: “Certamente o indivíduo que
se vê capaz disso pode, sem a menor inclinação à
humildade (por melhor que sua conduta exterior
possa parecer), descrever a si mesmo como o menor
dos menores de todos os santos e o maior dos
pecadores”.30

A VIDA CRISTÃ NÃO VITORIOSA

Essa luta pode parecer familiar para você, enquanto


luta com seu próprio coração. Se assim for, você
não está sozinho. Newton sugere a oração e a leitura
da Bíblia como exemplos comuns a todos nós.31
Cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus e
admiramos a grande profundidade das doutrinas
contidas nela, a graça dos preceitos, a riqueza das
promessas e a beleza que ela contém. Como o rei
Davi, podemos dizer, com honestidade, que a
Palavra é mais doce do que o mel e muito mais
desejável do que a prata e o ouro. Ao mesmo
tempo, encontramos frequentemente o nosso
coração e a nossa mente muito mais atraídos a um
bom romance ou a uma revista do que às Escrituras.
O grande privilégio de ler a Bíblia se resume, com
frequência, a uma tarefa que temos prazer em ver
cumprida ou que podemos nos sentir extremamente
satisfeitos por tê-la realizado!
Do mesmo modo, acreditamos que a oração é um
privilégio grandioso e sublime. É uma honra
maravilhosa e prazerosa que o grande Criador do
universo desça tão baixo para dar ouvidos, de modo
tão gentil e atencioso, às preocupações de suas
criaturas rebeldes e pecadoras. Entretanto, embora
amemos a ideia da oração e a recomendemos
intensamente aos outros, nós mesmos passamos
pouquíssimo tempo colocando-a em prática. Muitas
vezes, ao longo do dia, nos esquecemos
completamente de Deus e lembramos apenas que ele
está lá quando nos encontramos em uma situação de
extrema necessidade. Quando conseguimos reservar
tempo para orar, nos distraímos facilmente, nossa
mente fica à deriva e nos perdemos em pensamentos
sobre coisas triviais e listas intermináveis do que
queremos que Deus faça por nós. Às vezes, nossa
maior alegria nessa tarefa será a de sermos capazes
de riscá-la de nossa lista de obrigações diárias e
podermos dizer que a fizemos. Caso Deus nos
conceda o desejo e a capacidade de orar, é provável
que nos sintamos superiores aos que confessam
fraqueza nessa área.
Essa mesma batalha constante contra o pecado é o
que o apóstolo Paulo descreve em Romanos 7, onde
afirma que as coisas que deseja fazer, ele não
consegue fazer, e as coisas que ele não deseja fazer,
ele as faz (Romanos 7.19). Seus desejos foram
transformados, de modo que ele ama a lei de Deus e
quer obedecer-lhe, mas há outra coisa operando nele
que o faz sentir-se como se fosse escravo do pecado
(Romanos 7.23). Paulo conclui essa passagem com
um brado de desespero mesclado com esperança:
“Desventurado homem que sou! Quem me livrará
do corpo desta morte?” e responde a si mesmo:
“Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor”
(Romanos 7.24-25). Paulo é livre para ser
assustadoramente honesto a respeito de sua
fraqueza, porque confia de modo radical no poder e
no amor de seu Salvador. A esperança do céu jamais
poderia estar nele, mesmo depois de muitos anos
como cristão; ela teria de vir pela obediência de
outra pessoa em seu favor. Ao enfrentar a
perturbadora realidade de seus pecados, Paulo não
conclui: “Eu tenho apenas que ler mais a minha
Bíblia e me esforçar mais”. Embora, como fariseu,
ele tivesse apresentado anteriormente muito mais
força de vontade do que qualquer um de nós. Em
vez disso, ele se submete à misericórdia de Deus e
olha para seu Salvador, a fim de que o livre de sua
própria carne pecaminosa — se não completamente
nesta vida, certamente na vindoura.
Muitos cristãos pensam que os crentes não devem
lutar contra o pecado contínuo desse modo.
Entendem corretamente que o Espírito Santo passa a
habitar em todos os crentes no momento de sua
regeneração. Contudo, eles não têm um
entendimento exato a respeito do que é a obra do
Espírito e como ela se dá na vida real. Imaginam o
Espírito Santo como algum tipo de kit de
ferramentas santo, implantado em sua alma a fim de
ser usado apropriadamente para o propósito de
santificação. Então, ouviremos pessoas dizerem
coisas como: “Você deve permitir que o Espírito
opere em você”, como se houvesse uma opção.
Outros dirão: “Você deve se submeter ao Espírito,
para que ele o abençoe e o faça crescer” ou: “Você
deve ‘aplicar’ o Espírito Santo em sua luta ou
problema particular”, como se houvesse um botão
em seu coração cuja função fosse ativar o Espírito
ou estimulá-lo e dependesse de você estar apto e
disposto a pressioná-lo cada vez mais a cada dia.
Todos essas afirmações refletem a visão comum
entre muitos cristãos de que a santificação deve ser
um esforço de cooperação entre Deus e cada crente.
Mesmo entre os que acreditam que Deus faz tudo
que é necessário para a nossa salvação, muitos
parecem pensar que ele deixa o nosso crescimento
em santificação sob a nossa responsabilidade.
Progrediríamos tanto quanto nos dispuséssemos a
obedecer e iniciar esse crescimento, mas
permaneceríamos imaturos se fôssemos fracos e
desobedientes ou não estivéssemos dispostos a
cooperar ou nos esforçar em nossa santidade.
E se a verdade sobre nós crentes for muito pior e,
ao mesmo tempo, muito mais maravilhosa do que
você imaginou? E se Deus deixou você em um
estado tão fraco aqui na terra que você não poderia
nem querer acionar aquele “botão” do Espírito
Santo (se existisse), sem a ajuda e a permissão dele?
E se ele fez exatamente isso para o nosso próprio
bem e para a sua glória? E se o caminho para a
imensa, impressionante e abundante alegria em
Cristo não nos leva a contornar o nosso pecado, mas
nos leva direto ao encontro dele?
Essa visão, que é a visão de santificação que
Newton sustentava, é bem contrária à visão da “vida
cristã vitoriosa”, que é ensinada em muitas igrejas
hoje e que nos descreve como soldados vitoriosos,
dominando os nossos pecados e nos tornando
melhores a cada dia. Porém, à medida que nos
aprofundamos nas Escrituras, vemos que a visão de
Newton sobre a fraqueza cristã é absolutamente
bíblica e ensinada consistentemente em toda a
Bíblia. Além disso, ela tem sido sustentada
historicamente por muitos grandes teólogos e
pastores da história da igreja e flui através das
confissões de fé reformadas e dos escritos de muitos
puritanos piedosos.
Talvez essa verdade não esteja presente nos
púlpitos e nos livros de autoajuda da atualidade
porque ela exalta o poder e a obra do Deus todo-
poderoso e representa um golpe mortal no orgulho
espiritual do ser humano. No entanto, é verdade que
ela conforta os crentes cansados e problemáticos
que, como Newton, são capazes de admitir que
muitas vezes amam seu pecado e realmente não
querem desistir dele. Também conduz os crentes a
uma vida de alegria e paz, que, de outro modo, seria
inimaginável. Essa alegria e paz se fazem presentes
porque nos lembram que Deus fará sua vontade em
nós, apesar de nossa fraqueza e da força de nossos
desejos pecaminosos recorrentes. A alegria nunca
virá de negarmos a nossa profunda pecaminosidade;
ao contrário, ela deve vir de enxergarmos quão
imenso nosso pecado realmente é e quão
completamente tratado ele foi em Cristo. Mais
adiante neste livro, veremos porque é tão importante
entender a nossa fraqueza e o nosso pecado, como a
aceitação da nossa fraqueza pode, realmente, nos
fazer mais fortes e qual a conexão entre a fraqueza e
a alegria.
Entretanto, por enquanto, você precisa saber que
sua alma ainda é muito doente, mas você tem um
grande médico que prometeu curá-lo e está
trabalhando em você a cada momento do dia. Você
é muito fraco, mas tem um forte e perfeito campeão
que venceu a batalha contra o pecado por você e
que agora luta ao seu lado contra ele. Você ainda
está propenso a vagar, mas tem um grande pastor
que sempre o acompanha e o traz de volta,
carregando-o para casa em braços amorosos. Tem
um Pai celestial que nunca deixaria que esse pecado
e essa fraqueza permanecessem em você, se não
houvesse planejado dominá-los para seu bem e para
a glória dele. Louvado seja Deus, pois você tem o
perfeito Sumo Sacerdote advogando por você,
orando por você e amparando-o com uma mão
segura, firme e amorosa.

DEUS USA O QUE ODEIA PARA REALIZAR O


QUE AMA
Todos sabem que Deus odeia o pecado.32 Na
verdade, essa pode ser a única coisa que algumas
pessoas sabem sobre Deus. O primeiro capítulo de
Romanos nos lembra que Deus está irado com o
pecado e tem todo o direito de estar. Ele deu a cada
ser humano prova irrefutável de sua própria
existência, do seu eterno poder e natureza divina,
tornando-se claramente visível à humanidade na
criação (Romanos 1.18-20). Não temos
absolutamente nenhuma desculpa para não nos
ajoelharmos perante ele, todos os dias, em louvor e
adoração. No entanto, não só deixamos de adorá-lo
devidamente, como também suprimimos ativamente
o que sabemos ser verdadeiro sobre ele. Isso não é
uma omissão passiva, mas uma decisão determinada
e resoluta de trocar a verdade de Deus por uma
mentira e de adorar as coisas criadas em vez de
adorar o Criador (Romanos 1.25). Pode não ser
uma decisão óbvia e consciente para nós no dia a
dia, pois, ao encobrir a verdade, nós a levamos às
profundezas de nossa mente, até que nossos pecados
não representem mais uma rebelião. Porém, esteja
certo, há uma alta traição envolvida. Não somos
crianças encantadoras e inocentes que fazem birras
de vez em quando. Somos mendigos a quem foram
dadas riquezas além da imaginação, os quais
agarram avidamente tais presentes, enquanto se
recusam a agradecer ou mesmo a reconhecer o
Doador; em vez disso, afrontamos Deus. Em nosso
vício do pecado, nos assemelhamos muito mais a
Satanás e não revelamos a imagem de Deus. Como
Satanás, não somente nos desviamos, mas também
seduzimos outros a se juntarem à nossa rebelião.33
Além disso, adoramos e idolatramos as coisas boas
que Deus nos deu como se fossem deuses e
entregamos nossas vidas a tais coisas (Romanos
1.25). Isso é feio, sem sentido, destrutivo, e a Bíblia
chama isso de pecado. Desde o início dos tempos, o
nosso Criador nos disse que ele é o autor de todas as
coisas e que somente ele tem o direito de determinar
o que é certo e o que é errado e de dizer-nos como
devemos viver em seu mundo. O pecado, portanto,
não se resume apenas aos nossos maus pensamentos
e ações, que violam as leis de Deus; não é apenas
falhar em atender às expectativas de Deus sobre nós;
é uma postura e um compromisso de se afastar do
Deus vivo para buscar outras coisas e se prostrar em
adoração a elas. Deus odeia o pecado e disse a Adão
que a consequência do pecado seria a morte
(Gênesis 2.17).
As Escrituras usam uma linguagem vívida e
aterrorizante para descrever o ódio de Deus ao
pecado e sua divina e justa determinação de punir
aqueles que o cometem. Episódios do Antigo
Testamento, como a destruição de Sodoma e
Gomorra (Gênesis 19) e a destruição dos habitantes
de Canaã da terra prometida, por causa de sua
iniquidade (Gênesis 15.16), servem como lembretes
vívidos do poder de Deus e de sua disposição para
julgar o mal. Os próprios israelitas sentiram essa
mesma ira quando se rebelaram no deserto
(Deuteronômio 9.7-8), e seu extenso histórico de
pecados os levou ao exílio da terra que Deus lhes
dera. De acordo com o Êxodo (34.6-7), a ira de
Deus é parte de seu caráter, assim como o são sua
graça e sua misericórdia. E isso não é simplesmente
uma perspectiva do Antigo Testamento; o próprio
Jesus falou da ira de Deus que recai sobre todos
aqueles que não creem no Filho (João 3:36). Deus
odeia o pecado, e nada do que dissermos a respeito
da graça de Deus pode enfraquecer ou contradizer a
veracidade deste fato.

A VONTADE DE DEUS SEMPRE PREVALECE

Deus também é completamente soberano sobre o


pecado do homem. Desde o primeiro pecado no
Éden, as Escrituras nos mostram um Criador que
odeia o pecado, mas que nunca foi surpreendido ou
pego desprevenido pela maldade de sua criação. Se
Deus escolheu crentes para pertencerem a ele em
Cristo antes da criação do mundo (Efésios 1.4),
então, muito antes de Adão e Eva entrarem em
cena, o evangelho já havia sido escrito. Deus não
está no céu lutando para consertar as más escolhas
das pessoas que ele criou. A vontade de Deus
sempre prevalece, em todos os lugares e em tudo.
Não há uma molécula neste universo que opere fora
da sua vontade, nem uma célula que se divida sem a
sua permissão, e nenhum pensamento humano o
surpreende ou escapa à sua percepção ou à sua
vontade. Deus fez Adão moralmente perfeito, mas
capaz de pecar e permitiu a intrusão da serpente no
jardim para tentar o primeiro homem e a primeira
mulher. Nada nessa história estava fora do controle
de Deus. Ele não olhou do céu para baixo, torcendo
as mãos e se perguntando quais escolhas Adão e Eva
fariam. A queda faz parte dos decretos de Deus.
Nós também sabemos, sem sombra de dúvida, que
Deus não é o autor ou o criador do mal. Tudo o que
Deus criou no início era bom (Gênesis 1). Deus não
criou o pecado, mas permitiu que o pecado entrasse
no mundo. O que quer que um Deus soberano
permita, ele, de fato, o ordena. Isso pode ser um
pensamento perturbador para algumas pessoas, mas
não há como escapar dessa verdade. Se Deus pode
impedir que algo aconteça e não o faz, então, ele
ordenou que aquilo acontecesse.
Vemos essa verdade operando em toda a Escritura.
Observe, no livro de Jó, quem inicia a discussão que
leva às perdas catastróficas de Jó (ver Jó 1). A cena
é chocante: todos os anjos estão se apresentando
perante o Senhor. A apresentação se parece com
uma prestação de contas dos anjos ou um momento
de inspeção, à medida que se apresentam ao chefe
para lhe responderem. Não há nada de
surpreendente nisso, até que lemos que Satanás está
entre eles! Espere um momento — o que ele está
fazendo no céu? O que ele está fazendo ao falar
com Deus? A resposta é que ele também é um dos
anjos — certamente um anjo perverso, distorcido e
mau, mas um ser criado, que também precisa se
apresentar diante do chefe. O Senhor lhe pergunta
de onde veio, e ele responde que veio de rodear a
terra e passear por ela. Então, Deus faz uma
observação, aparentemente casual, que introduz o
cerne da questão: “Observaste o meu servo Jó?
Porque ninguém há na terra semelhante a ele,
homem íntegro e reto, temente a Deus e que se
desvia do mal” (Jó 1.8). Parece que Satanás não
havia notado especificamente Jó até esse momento,
mas, quando Deus o menciona, ele se torna o centro
das atenções e tem início a ação. Em cada
reviravolta da história, Satanás precisa ter a
permissão de Deus para agir (Jó 1.12; 2.6). Em cada
ponto, Deus decide e decreta exatamente até aonde
Satanás pode ir. Deus não está causando o
sofrimento de Jó, mas está permitindo-o,
ordenando-o e medindo-o em doses cuidadosamente
prescritas, de acordo com sua vontade.
Também vemos a soberania de Deus sobre o
pecado do homem na história de José (Gênesis 37-
50). Essa trágica história chama a nossa atenção por
causa de todo o profundo sofrimento resultante da
pecaminosidade de uma família: um pai insensato
que favorece abertamente um filho em detrimento
dos outros, um jovem orgulhoso que gosta de
chamar atenção, irmãos invejosos levados por seus
próprios desejos malignos. Essa história está pronta
para ser uma novela de horário nobre, com uma
mulher sedutora e um marido ciumento! Há também
muitos eventos aparentemente coincidentes que
contribuem para a forma como a história se
desenrola: o homem desconhecido em Siquém, que
sabia inexplicavelmente para onde os irmãos de José
tinham ido (Gênesis 37.15-17); a caravana
programada convenientemente que descia para o
Egito (Gênesis 37.25), entre muitos outros. Por
muito tempo, essas coincidências pareciam estar
trabalhando contra José, de modo que toda a
esperança parecia perdida, diversas vezes.
No entanto, no extraordinário desfecho da história,
quando José faz o impensável e perdoa seus irmãos
pela traição, ele afirma de maneira corajosa e
audaciosa: “Vós, na verdade, intentastes o mal
contra mim; porém Deus o tornou em bem”
(Gênesis 50.20). A cada momento, os maus
pecadores estavam escolhendo pecar livremente, de
acordo com a sua própria natureza e desejo, mas
Deus era soberano sobre tudo. Era soberano sobre
os pensamentos que surgiram e tomaram lugar na
mente dos irmãos de José, soberano sobre os
homens que abusaram de seu irmão, soberano sobre
a programação dos guias da caravana e sobre os
desejos sexuais da mulher de Potifar. No processo,
Deus permitiu que uma grande quantidade de
pecados acontecesse — pecado que ele odiava, mas
que prevaleceria para o bem no final. Como diz Joni
Erickson Tada: “Deus decidiu usar o que ele odeia
para cumprir o que ele ama”.34 Vamos continuar
vendo a verdade dessa afirmação revelada em toda a
Escritura. Deus é completamente soberano sobre o
pecado do homem e o usa para realizar sua vontade
santa e perfeita. Que Deus poderoso, surpreendente
e maravilhoso nós servimos!
Em nenhum lugar essa verdade é mais poderosa e
surpreendentemente exposta do que na cruz, na qual
o amado e adorado Filho de Deus foi crucificado e
morto. Você acha que Deus odiou ver Jesus
escarnecido, brutalmente espancado e pregado à
cruz por crimes que ele nunca cometeu? Eu lhe
garanto que sim. Você imagina quanto domínio
próprio foi necessário para impedi-lo de intervir?
Quanto sofrimento você acha que dilacerou seu
coração e quanta raiva e fúria Jesus deve ter sentido
por homens pecadores? Mas Deus não interveio na
história para acabar com a insanidade. Em vez disso,
ele ordenou e permitiu que as ideias perversas de
homens pecadores prosperassem e fossem bem-
sucedidas. As pessoas tentaram prender e ferir Jesus
em muitas vezes ocasiões anteriores, mas não
puderam, porque sua hora ainda não havia chegado
(João 10.31-39). Esses foram momentos em que
Deus restringiu o pecado humano. Ele não deixou
aquelas pessoas pecarem como desejavam. Não
somos informados exatamente do que aconteceu ou
como Jesus escapou, mas Deus interveio, porque
ainda não era o momento de Jesus padecer. Mas,
finalmente, amanheceu o dia infernal que levaria
incontáveis almas redimidas para uma eternidade
segura no céu. Nesse dia, Deus se afastou e não
restringiu aqueles que buscavam crucificar seu
Criador, pois, como disse Pedro aos judeus, em
Atos 2.23: “Sendo este entregue pelo determinado
desígnio e presciência de Deus, vós o matastes,
crucificando-o por mãos de iníquos”. Deus ordenou
algo indescritível e horrível para si mesmo e para seu
precioso Filho — a execução de propósitos
pecaminosos — porque ambos amavam o que se
cumpriria.
DEUS USA O NOSSO PECADO PARA
REALIZAR A SUA VONTADE

O que discutimos até agora pode ser algo novo


para você ou podem ser doutrinas velhas e
conhecidas. Porém, a soberania de Deus sobre o
pecado não é meramente uma interessante
especulação filosófica para se contemplar. Podemos
ver como Deus agiu nos grandes eventos de
redenção para salvar seu povo de e por meio de atos
pecaminosos de seus inimigos. Essa também é uma
doutrina poderosa para você hoje. Você percebe
que, assim como Satanás precisa da permissão de
Deus para pecar, você também precisa? Deus nunca
o tenta a pecar (Tiago 1.13), mas não deixa de estar
no controle total dos pecados que você comete ou
não e certamente os usará para cumprir o que ele
ama — seu crescimento espiritual. Pense na semana
que passou ou mesmo nas últimas horas. Pense
especificamente nos pecados que você cometeu e
nas razões que o levou a cometê-los. Você
certamente tomou decisões e seguiu seus próprios
desejos pecaminosos, mas, em cada momento, Deus
permitiu que você pecasse.
Uma das maneiras de enxergar isso é pensar em
alguns momentos da sua vida nos quais você quis
pecar, mas Deus não lhe permitiu. Talvez você teve
desejos pecaminosos em seu coração, porém Deus o
restringiu, garantindo que lhe faltasse a oportunidade
de pecar do modo como procurava fazer. No
entanto, em outros momentos, quando Deus poderia
facilmente tê-lo impedido de pecar por meio de
circunstâncias diferentes, ele permitiu que você
caísse. Deus tem escrito a história da sua vida e, em
escala maior, a história do próprio povo dele,
permitindo e restringindo o pecado. Você não é um
agente livre, capaz de fazer o que quiser no reino
espiritual, assim como não é capaz de voar
simplesmente por desejar um par de asas. Você vive
sob o governo de Deus, e nada concernente a você
escapa à percepção ou à vontade de Deus. É um
pensamento transformador olhar para trás em sua
vida e perceber que em cada ponto em que você
pecou — e isso seria muitas vezes a cada dia —
Deus permitiu que você o fizesse para os bons
propósitos dele. Ele não ama o seu pecado, não o
tenta a pecar, nem causa o seu pecado de alguma
maneira, mas, ao permiti-lo, ele o ordena para o seu
bem e a glória dele.35
Talvez você esteja se perguntando como Deus pode
utilizar o nosso pecado para a glória dele e para o
nosso bem. Como algo tão mau e odioso pode ter
um bom resultado? Iremos discutir tais questões
com mais detalhes nos próximos capítulos. Por
enquanto, perceba isto. No dia em que eu conheci
Edward no supermercado e soube de suas aventuras
dentárias, experimentei tanto a alegria sublime pelo
que Deus pode fazer em minha vida, como a feiura
ridícula do que eu sou à parte dele. À medida que
eu corria atarefada pelo meu dia, pensando apenas
em mim e no que desejava, Deus interveio. Ele
invadiu a minha mente com novas verdades da sua
Palavra e me deu ouvidos para ouvi-la. Depois, ele
me fez passar por uma experiência em meu mundo
caído e, de maneira contrária aos meus padrões
normais de raiva e egoísmo, me deu um momento
de amor por alguém que eu normalmente evitaria e
desprezaria. Assim, para que eu não me tornasse
orgulhosa ou cheia de mim mesma, Deus me fez
olhar para dentro de mim a fim de descobrir, mais
uma vez, o que sou à parte de sua graça salvadora.
Aquele minuto de amor por Edward foi um presente
de Deus para mim e seu trabalho em mim. No
minuto seguinte, recebi outro presente de Deus: o
claro e inegável conhecimento de que, a menos que
eu receba sua graça renovada, a cada minuto e a
cada dia, pecar é o que eu ainda faço melhor.
De que modo essa verdade glorifica a Deus e me
beneficia? Se eu penso que estou cooperando com
ele nessa busca conjunta por santidade, como posso
não levar algum crédito por meu progresso? No
entanto, se reconheço que sou uma santa em um
minuto e uma miserável pecadora em outro, posso
ver mais claramente que toda a minha obediência
vem dele e que sem ele não posso fazer,
literalmente, nada. O Espírito Santo não é um
interruptor que você pode ligar ou desligar; não é
uma ferramenta que você pode optar por utilizar ou
ignorar; não é um copiloto sentado a seu lado,
pronto para ajudar se você realmente precisar dele.
Ele é o santo, poderoso e ativo Espírito do Deus
vivo, e a vontade dele sempre prevalecerá em sua
vida. Ele está sempre trabalhando em você, com ou
sem a sua cooperação ou permissão, moldando-o de
acordo com a vontade e os desígnios dele mesmo.
Às vezes, Deus lhe concede graça e poder
renovados para obedecer, a fim de lhe mostrar o que
ele pode fazer em você, e, às vezes, ele faz com que
você olhe para si, a fim de descobrir quão fraco,
desamparado e pecador você ainda é. Em ambos os
modos, ele está sempre agindo ativamente em você
para a glória dele e seu próprio bem, assim como
para o bem do seu corpo, a igreja. Agora, se essa
não é uma nova e gloriosa razão para cair de joelhos
e adorá-lo mais uma vez, não sei o que poderia ser!
PARA REFLEXÃO

1. Quando foi a última vez que você se comportou


como um santo? O que você estava fazendo e
pensando? Quando foi a última vez que você se
comportou como um pecador? Descreva essa
situação também. O que fez a diferença?
2. Leia Romanos 7.14-25. A luta de Paulo contra o
pecado remanescente lhe soa familiar? Você se sente
incapaz de fazer as coisas que quer e se encontra
fazendo as coisas que não quer? Descreva como isso
funciona em sua vida. A honestidade de Paulo o
conforta ou o perturba? Por quê?
3. Leia o Salmo 139. Você acredita que a vontade
de Deus sempre prevalece no universo? Esse
pensamento o conforta ou o incomoda?
4. O que Deus usou recentemente para transformá-
lo? De que maneiras ele tem usado os pecados que
você comete ou os pecados de outras pessoas para
lhe ensinar coisas novas e ajudá-lo a crescer?
5. Quando foi a última vez que Deus o impediu de
cometer um pecado que você desejava cometer?
Como isso o fez sentir-se?
6. Neste momento, de que modo inesperado e
confuso Deus tem realizado sua divina vontade em
sua vida? Em que você está tentado a acreditar sobre
Deus como resultado disso?
7. Olhando para o curso da sua vida, como Deus
tem usado o seu pecado e o de outros para
direcionar o caminho da sua vida? E com relação à
vida de seus amigos e familiares?
28. John Newton, “Evil Present with the Believer,” Select Letters
of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 147.
29. Ibid., 146.
30. Ibid., 147.
31. Newton, “The Believer’s Inability on Account of Remaining
Sin”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of
Truth, 2011), 142.
32. Newton, “Difference Between Acquired and Experimental
Knowledge”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh:
Banner of Truth, 2011), 138.
33. Newton, “Man in His Fallen Estate (1),” Select Letters of John
Newton, (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 120.
34. Joni Eareckson Tada e Steven Estes, When God Weeps: Why
Our Sufferings Matter to the Almighty (Grand Rapids: Zondervan,
1997), 69.
35. Newton, “Difference Between Acquired and Experimental
Knowledge”, Select Letters of John Newton, 138.
capítulo sete
descobrindo a sua depravação

O fato de sermos totalmente depravados é uma


verdade que ninguém jamais aprendeu apenas por
ouvir falar. — John Newton36

Eu mal podia acreditar nas palavras que tinham


acabado de sair da minha boca! Se antes deste
episódio você tivesse me perguntado se eu era
racista, eu teria ficado profundamente ofendida.
Nasci em Jos, na Nigéria, filha de pais missionários,
e cresci em vários países diferentes, cercada de
pessoas de todas as cores e nacionalidades. Eu sabia
que poderia ser acusada justamente por qualquer
tipo de crime, mas racismo não era um deles.
Entretanto, enquanto marchava furiosa e atordoada
pela charmosa rua de paralelepípedos, comecei a
refletir.
Nesse momento específico de nossas vidas, meu
marido estava plantando uma igreja em Oxford, na
Inglaterra, e eu estava à procura de um alojamento
com café da manhã, onde pudéssemos hospedar
uma grande equipe de uma das igrejas que nos
apoiam nos Estados Unidos. Eu tinha visitado, sem
sucesso, vários alojamentos naquele dia e estava me
sentindo desencorajada. Se não encontrasse um
lugar, nós mesmos teríamos que hospedar quinze
pessoas. Que pensamento assustador!
Bati numa belíssima porta de madeira com vitral no
meio e olhei esperançosa para o prédio e seu jardim
bem cuidado. A porta foi aberta por uma mulher
vestindo um sári e um véu, ostentando um ponto
negro no meio de sua testa. Ela sorriu educadamente
e me acompanhou em um tour pelas suas
encantadoras instalações. Era um local limpo, bem
decorado, com um preço razoável e estava vago. Ao
olhar para os quartos, percebi que, se essa senhora
colocasse uma cama a mais em um dos cômodos, o
local cairia como uma luva para as nossas
necessidades. Esse me pareceu ser um pedido
perfeitamente plausível, mas a anfitriã protestou.
Isso não poderia ser feito. Fiz algumas perguntas
para entender seus motivos, mas ela foi categórica e
inflexível. Ofereci-me para ajudá-la a mover a cama,
imaginando que ela talvez estivesse preocupada com
a dificuldade em movimentá-la. Ela sacudiu a cabeça
negativamente e ficou um pouco agitada. Agora eu
estava ficando nervosa. Mostrei-lhe as óbvias
vantagens financeiras da minha oferta, uma vez que
seu estabelecimento estava completamente vazio, e
traríamos grande lucro por duas semanas de
hospedagem em uma época de baixa temporada.
Então, ela começou a levantar a voz para mim e
falar em uma língua que eu não conseguia entender.
Tentei acalmá-la, mas ela estava enfurecida, e sua
raiva transbordava ao me conduzir em direção à
porta. Essa senhora estava me chutando para fora de
sua casa! Não podia acreditar nisso! Minha
frustração se transformou em fúria, enquanto ela me
empurrava para fora da porta. Então aconteceu. Em
minha indignação, olhei para ela e gritei com toda a
minha força: “Ora, volte para seu país!”, antes de
bater a porta em seu rosto com tanta força quanto
eu podia. E foi assim que descobri que sou uma
racista.
Minha raiva se transformou em vergonha amarga e
alegria surpreendente, enquanto voltava para casa
naquele dia, a fim de recomeçar minha busca. Eu
estava vivendo nesse país com o propósito de ajudar
a construir uma igreja, porém, em vez de ser um
referencial do amor de Deus, tinha derramado ódio
e amargura na face dessa senhora. Em um momento
de emoção extrema e raiva descontrolada, meu
coração foi revelado, e direcionei toda a minha fúria
para a cor de sua pele, para o estilo de suas roupas e
para aquele ponto no meio de sua testa. Em meu
íntimo, eu havia decidido que essa mulher era
estúpida e irracional, porque era estrangeira. Sabia
que eu não poderia me desculpar com chavões
como “não foi isso que eu quis dizer”. Eu quis dizer
cada palavra. Eu sabia que as palavras que escapam
de nossa boca em momentos de fraqueza e estresse
demonstram o que realmente somos e pensamos. Eu
era uma intimidadora — uma pessoa arrogante e
rude.
O riso me surpreendeu quando percebi que essa
mulher provavelmente vivia no Reino Unido há
muito mais tempo do que eu. Ela era como uma
cidadã britânica, e eu, uma americana com visto de
turista, havia gritado para ela: “Volte para seu país!”
Quem eu pensava que era?
Envergonha-me admitir que nunca tive coragem de
voltar lá e pedir perdão àquela mulher. Queria ter
pedido. No entanto, Deus me deu a graça para lutar
com meu coração diante dele, para confessar meu
pecado repugnante e encontrar perdão em meu
Salvador, que deixou seu lar maravilhoso e se tornou
um maltratado e ignorado estrangeiro nesta terra, a
fim de me resgatar do pecado e me dar um lar
eterno. Passei a agradecer-lhe cada vez que me
lembrava desse incidente vergonhoso!

A EXPERIÊNCIA É A ESCOLA DE DEUS

O que o Senhor planejava com tudo isso? Por que


Deus ordenou um dia desses para mim? John
Newton não seria surpreendido por esse
acontecimento. Ele teria interpretado minha
explosão como mais uma lição no que chamou “a
escola de experiência do Senhor”, em que
aprendemos sobre a nossa falta de sabedoria por
meio de nossos erros e sobre a nossa falta de força
por meio de nossas quedas e deslizes no pecado.
Esse é o modo, John Newton nos lembra, pelo qual
Deus nos afasta da ilusão de que temos sabedoria,
poder ou bondade em nós mesmos. É assim que
aprendemos a verdade das palavras de Jesus:
“Porque sem mim nada podeis fazer” (João 15.5).37
Meu amado Pai celestial quis que eu visse em
minha própria vida a verdade da afirmação bíblica
de que sou inclinada a trocar a verdade de Deus por
mentiras e a viver em cegueira voluntária em relação
a meu próprio pecado, enquanto adoro coisas
criadas em vez do Criador (Romanos 1). Meu
coração estava perdido em idolatria naquele dia, e eu
não sabia. Eu adorava o ídolo do conforto: não
queria fazer todo o trabalho duro de hospedar
aquela equipe. Adorava o ídolo do dinheiro: queria
conseguir o negócio mais barato para que coubesse
em nosso orçamento. Adorava os valores
consumistas da minha cultura e procurei despejá-los
sobre uma pessoa que via como inferior e menos
inteligente. Eu adorei o poder ao tentar constranger
aquela mulher a fazer a minha vontade. Muitos
ídolos estavam agarrados firmemente ao meu
coração naquele momento, e eu não tinha ideia disso
até aquelas palavras maldosas jorrarem da minha
boca. Eu não sei quanto a você, mas sou bem
resistente a ter uma visão precisa de mim mesma, até
que o Espírito Santo me conduza por um dia como
esse — até que ela faça a profundidade do meu
pecado visível para mim mesma por meio de minhas
emoções, palavras e ações.

NO DESERTO

Como os israelitas do Antigo Testamento, sou cega


à depravação do meu próprio coração, até que Deus
me leve ao deserto. Que experiência incrível deve ter
sido passar pelo êxodo e ver o poder e o amor de
Deus revelados em favor de seu povo! Imagine a dor
e a opressão horríveis da escravidão e do genocídio
que suportaram nas mãos dos egípcios e, depois, os
acontecimentos intrigantes ligados a todas aquelas
pragas. Como os israelitas devem ter se regozijado
ao ver seus perseguidores serem afligidos por seu
Deus poderoso e vingador! Que montanha-russa de
emoções deve ter acompanhado aquelas preparações
apressadas para a primeira Páscoa: alegria pela ideia
de uma libertação; medo ante a demonstração de
tamanho poder e autoridade; esperança de um
futuro melhor e terror por pensar em tudo que
poderia dar errado.
Então, houve a noite sombria e fatídica, quando os
primogênitos do Egito morreram, e o povo escolhido
de Deus realizou sua aterrorizante e apressada fuga,
tendo sido depois perseguido pelo poderoso exército
de Faraó. O drama atingiu seu auge quando Deus
disse a Moisés que estendesse seu cajado, e uma
nação inteira assistiu, maravilhada de alegria e com
espanto, Deus abrir o mar e conduzi-los em
segurança pelo meio das mesmas águas que, em
seguida, ele usou para esmagar seus inimigos. Talvez
os israelitas pensassem que a partir daquele
momento suas dificuldades haviam chegado ao fim e
que teriam apenas de seguir confiantemente para a
terra prometida e viver felizes para sempre. O que
poderia impedi-los agora? Contudo, ainda havia um
deserto a ser atravessado — um deserto físico de
sofrimento e dificuldade e o deserto ainda maior de
seus corações pecaminosos.
Ficamos perplexos com o fato de que, apenas
alguns dias depois de testemunharem esses grandes
milagres, os israelitas reclamaram de sede e ficaram
temerosos de que Deus os houvesse levado ao
deserto para morrerem. Apenas três meses depois,
eles mesmos fizeram um bezerro de ouro aos pés do
Monte Sinai e escolheram adorá-lo, em vez de
adorar o único e verdadeiro Deus, que os libertara
tão poderosamente. No deserto, os israelitas foram
confrontados, ao vivo e em cores, com seus próprios
pecados e fraquezas.
Quando Deus os levou ao sofrimento e à
dificuldade, eles não conseguiram se lembrar dos
atos miraculosos que o Senhor havia realizado por
eles. O medo os cegou, levando-os a esquecerem-se
da bondade de Deus e a acusá-lo do mal. No
deserto, seus corações pecaminosos e idólatras
foram expostos para que eles os vissem e para que
nós aprendêssemos a partir dessa experiência.
Quando Moisés não retornou da montanha em um
razoável período de tempo, os israelitas confiaram
em sua própria sabedoria e criaram um deus para si
mesmos. Não compreendiam que a coluna de fogo e
fumaça que os levara à vitória seria a mesma que os
conduziria às provas e às dificuldades, a fim de lhes
mostrar o que havia em seus corações. Eles
seguiram o Deus da força, da libertação e da
promessa, porém rejeitaram completamente o Deus
que também os conduziria pelo vale da morte.
Eu também tenho um coração igualzinho a esse.
Amo a Deus profundamente e o adoro
fervorosamente quando ele me leva por caminhos
agradáveis de paz e de alegria. Todavia, eu me viro
contra ele rápida e repetidamente quando contraria a
minha vontade e me ordena caminhos áridos,
assustadores e desconfortáveis. Se ele nunca tivesse
me levado para o deserto, eu nunca descobriria o
que realmente existe em meu coração. Eu me
enganaria facilmente, ao acreditar que o amo muito
e que estou ansiosa para me submeter à sua vontade.

UM DESERTO DE DOR

Certa manhã, Deus me ensinou poderosamente


essa lição, em um momento de inquietação, pouco
antes do amanhecer. Eu estava debaixo do chuveiro,
mais uma vez, às três horas da manhã. A enxaqueca
havia durado por várias horas e não mostrava sinais
de melhora. O tempo que passei vomitando tinha me
deixado exausta e impediu que eu digerisse todos os
analgésicos que havia tomado. Em um esforço
desesperado para escapar daquela dor latejante e
enlouquecedora, arrastei-me até o chuveiro para
sentir a água caindo em minha cabeça. Isso não
serviu para tirar a dor, mas trouxe alguns momentos
de distração e alívio. O problema é que, cada vez
que eu saía do chuveiro e voltava para cama, a dor
retornava. Essa já era minha terceira ida ao
chuveiro, e senti uma tensão crescente em minha
cabeça e em meu corpo, ao perceber que a dor
estava piorando e as náuseas, recomeçando. Estava
no meu limite, e, ao voltar para o chuveiro, o mundo
desabou em mim. Uma raiva poderosa contra Deus
brotou dentro de mim, e acusações jorravam,
enquanto as lágrimas começavam a cair. “Deus, já
implorei repetidas vezes que você dê um fim nestas
dores de cabeça, NESTA dor de cabeça, mas você
não a tirou de mim. Por quê? O que eu tenho que
fazer? Por que você não me ouve e por que não se
importa?” A grande teologia que aprendi ao longo
dos anos apenas alimentou meu desdém. Eu sabia
que Deus tinha o poder de realizar toda a sua santa
vontade. Ele poderia remover facilmente todas as
minhas dores de cabeça, e fui levada a lutar com o
fato de que ele não iria fazê-lo, apesar de quanto eu
implorasse, suplicasse ou ameaçasse.
De repente, um pensamento invadiu a minha
mente, e eu sabia que não vinha de mim. Se Deus
faz todas as coisas para sua própria glória e para
o bem dos eleitos, então, de algum modo, essa dor
de cabeça deve cumprir esses dois objetivos. Ela
tem que glorificar a Deus e, de algum modo
misterioso, ser boa para mim. Um pensamento
levou ao outro, quando o Espírito Santo invadiu a
minha mente, resgatando a minha alma: Se Deus me
ama — e sei que ele me ama, pois provou isso na
cruz — então, é o amor que o compele a não fazer
a minha vontade neste momento. Por que um Pai
amável e celestial planejaria isto para mim hoje?
Eu sabia que esses pensamentos não eram meus,
pois eram atípicos e alheios a mim. Meu padrão
habitual de respostas às dores de cabeça se resumia
a queixas e acusações amargas, mas esses
pensamentos eram algo completamente diferente:
eram verdades sobre verdades que me levariam a
uma forma totalmente nova de pensar. Comecei a
orar e a confessar a minha raiva grosseira a Deus.
Essa experiência no deserto de dor constante levou-
me a me levantar diante de Deus e a erguer o punho
com raiva infantil. Por que ele toleraria um
comportamento tão irreverente, orgulhoso e
pecaminoso? Eu estava fazendo isso há anos e,
ainda assim, sobrevivi! Ele não havia me destruído
por causa da minha audácia ou me castigado pelo
meu desaforo. Meus olhos foram repentinamente
abertos para a enxurrada de pecados que jorrava de
meu coração contra Deus pelo fato de ele não fazer
a minha vontade ou me deixar fazer as coisas como
eu quisesse; então, fui quebrantada. Meus
pensamentos mudaram de acusação amarga para
contemplação e adoração, à medida que eu me
maravilhava com a incrível paciência de Deus para
comigo. Deus nunca havia me prometido uma vida
sem dores, mas eu achava que ele me devia
exatamente isso e o odiava quando ele não cumpria
a minha vontade ou não agia como meu empregado.
Desliguei o chuveiro, e, enquanto a água escoava
pelo ralo, algo imenso e escuro começou a sair de
minha alma. Deus utilizou o deserto desta
enxaqueca e de muitas outras antes dela para abrir
meus olhos para algo que eu não enxergava havia
muitos anos. Minha postura diante de Deus havia
sido a de uma pessoa que se julgava merecedora e
cheia de exigências sem fim. Essa informação era
nova para mim, mas não era nova para Deus. Ele
sempre viu meu coração e sabia o que havia dentro
dele, mas esperou amorosamente até esse dia para
abrir meus olhos e me mostrar a profundidade de
meu pecado.
Mais uma vez, eu não fora apenas deixada a sentir-
me miserável e péssima. A imensidão de meu
pecado tinha que revelar algo maravilhoso sobre
meu Salvador. Jesus foi crucificado exatamente por
esse fardo de iniquidade, e ele me amou ao fazer
isso. Ele escolheu sofrer a ira, literalmente, de tirar o
fôlego, de seu amado Pai celestial em meu lugar,
para que eu não tivesse que morrer pelo meu
pecado.
Uma imagem se formou em minha mente ao me
visualizar diante da cruz do meu Salvador,
agonizando, enquanto eu o afrontava por não ter
parado a minha dor de cabeça. As implicações
absurdas dessa visualização derreteram meu coração
com um doce arrependimento e uma profunda
gratidão. Percebi que eu certamente era capaz de
atos tão maliciosos, egoístas e imaturos, e, no
entanto, nada do que eu pudesse fazer jamais me
afastaria do amor de Jesus Cristo. Além disso, Cristo
não somente morreu a minha morte, como também
viveu de modo perfeito por mim, sofrendo com as
doenças e dores de um ser humano, existindo em
um corpo limitado, sem murmurar contra Deus ou
acusá-lo e sem pecar de qualquer outra forma.
Então, ele apagou meu histórico de ressentimento e
ira e me deu a sua justiça.
Certa vez, Jesus também pediu algo a Deus, mas a
sua vontade não prevaleceu. No jardim do
Getsêmani, ele pediu a Deus que afastasse dele o
cálice de sua ira, que o removesse. Porém, Deus não
respondeu àquela oração (Mateus 26.39). Jesus, no
entanto, não reagiu com acusações amargas e
ameaçadoras. Em vez disso, ele orou: “Todavia, não
seja como eu quero, e sim como tu queres” e
levantou-se para dar início a uma caminhada de dor
que eu nunca conhecerei ou poderia suportar. Sem
ira ou acusações, ele escolheu sofrer grande agonia,
para que a minha ira direcionada constantemente a
Deus não me destruísse. Agora, a retidão de Jesus
era minha, embora eu ainda lutasse com pecados
como ira e amargura. Que amor maravilhoso Cristo
demonstrou por mim ao sofrer voluntariamente!
Que amor incrível o Pai demonstrou ao permitir que
Jesus sofresse em meu lugar! Que alegre surpresa
descobrir como ele continua me sustentando,
conduzindo-me através dos desertos que planejou
para mim e sofrendo pacientemente a injustiça das
minhas reações pecaminosas, a fim de revelar-me o
meu coração e ensinar-me sobre o seu amor!

O QUE APRENDI

Gostaria de poder lhe dizer que as minhas dores de


cabeça acabaram naquele dia. Seria ainda mais
maravilhoso poder dizer que nunca mais fiquei com
raiva de Deus! Contudo, nenhuma dessas coisas
aconteceu. Em vez de minha raiva para com Deus
ter desaparecido completamente, comecei a ver que
dentro de mim havia muito mais dessa raiva do que
pude observar naquela noite. Deus é bondoso e
misericordioso e não nos mostra a verdade sobre nós
mesmos de uma só vez. Em vez disso, ele determina
épocas e momentos em que abre nossos olhos pouco
a pouco, para que possamos suportá-la. A maravilha
de contemplar a medida da minha raiva é que, uma
vez conhecida, eu poderia confessá-la a Deus e
suplicar pelo dom do arrependimento. Quando
vivemos negando o pecado e não nos vemos com
exatidão, não podemos crescer verdadeiramente.
Estamos paralisados até que o Espírito Santo nos dê
visão e nos conceda o arrependimento em seu
tempo.
Naquela noite, uma benção mais surpreendente
chegou com o dom daquela minha dor de cabeça.
As dores de cabeça não terminaram naquele dia,
mas mudaram drasticamente. Enxaquecas somadas à
raiva são mais severas e dolorosas do que
enxaquecas sem ela! Descobri que minhas emoções
fortes e negativas alimentavam meu coração
pulsante e minha cabeça latejante, tornando as dores
muito piores. Quando a atitude de meu coração para
com Deus e sua vontade mudou, as dores de cabeça
se tornaram menos severas e mais suportáveis.
O Espírito Santo também começou a me mostrar
muitas maneiras pelas quais as enxaquecas eram, na
verdade, boas para minha alma. As enxaquecas me
tornaram mais humilde e me lembraram que sou
apenas carne e osso. Elas me mostraram, repetidas
vezes, que Deus não precisa da minha ajuda para
governar o universo. Ele pode fazê-lo muito bem
comigo deitada em minha cama. Em alguns dias, eu
achava que meus afazeres eram de suma
importância, porém Deus me mostrou o contrário.
Eu pensava comigo mesma que Deus queria que eu
fizesse, em determinado dia, isso, aquilo e aquilo
outro — somente coisas boas, como servir meus
filhos e trabalhar no ministério. Então, descobri que
o que Deus havia realmente decidido ser melhor
para aquele dia era que eu tivesse uma enxaqueca.
Comecei a refletir com mais frequência que, se
uma enxaqueca era a boa vontade de Deus para
mim, também era a sua boa vontade para meus
cinco filhos e meu marido. Por meio de minhas
dores de cabeça, Deus estava ensinando a meus
filhos a serem mais compassivos com pessoas que
sofrem e estava treinando meu marido a servir sua
família fielmente, mesmo quando o trabalho exigia
muito dele e era muito mais gratificante do que
cuidar da esposa e dos filhos. A minha luta ainda
revelou as idolatrias de outras pessoas em nossa
casa. Essa revelação levou à confissão e ao
arrependimento delas. Em outras palavras, minhas
enxaquecas não diziam respeito somente a mim!
Deus as usou para cumprir seu bom propósito em
muitas vidas e de muitas maneiras. Esse sofrimento
nunca me pareceu uma boa ideia, mas a perfeita
vontade de Deus havia mostrado o contrário. Ele me
concedeu gradualmente mais graça para que me
submetesse à sua vontade e cresse que ele é mais
bondoso e sábio do que eu jamais poderia ser.
Comecei a aprender e a crer que essa era sua
vontade amorosa para mim, não sua vontade má e
vingativa.
Se diminuir o número total de pecados que
cometerei fosse o principal objetivo de Deus, ele
teria me mantido longe do deserto. No entanto,
Deus me levou ao deserto para me revelar meus
pecados, porque enxerga-los é bom para mim e
glorifica a ele. Ver nosso próprio pecado é algo bom
para nós, pois, quando fazemos isso, nosso Salvador
torna-se mais estimado por nós. Quando estamos
firmes e fortes, não costumamos olhar para Cristo
— não precisamos dele. Porém, quando caímos,
derrotados pelo pecado e pela fraqueza, não há para
quem olharmos a não ser para aquele que morreu a
nossa morte e viveu a vida que deveríamos ter
vivido. Deus ama corações quebrados e contritos; e
não os adquirimos por meio de uma vida cristã
vitoriosa.
É justamente no contexto de toda essa fraqueza e
pecado que o nosso Deus nos convida a nos
apoiarmos em seu poderoso braço e promete guiar-
nos com olhos que não dormem e um coração
amoroso. Ele nos diz: “Não temas, porque eu sou
contigo; não te assombres, porque eu sou o teu
Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a
minha destra fiel.” (Isaías 41.10). Todavia, esse
fortalecimento não é sempre força para a
obediência; algumas vezes, é também aquele poder
extraordinário para sobrevivermos à nossa fraqueza
e para adorarmos a Cristo com mais alegria por
causa disso. Nosso Deus vai à nossa frente, e, por
meio de sua poderosa Palavra, o torto se faz reto, e
a luz brilha na escuridão. Em meio a todo o nosso
fracasso e pecado, as promessas de Deus para seus
filhos permanecem firmes e verdadeiras: ele será o
nosso sol, nosso escudo e nossa grande recompensa
(Salmos 84.11).
PARA REFLEXÃO

1. Ultimamente, de que modo você tem sido


surpreendido por seu pecado? O que você tem
aprendido sobre sua capacidade de cometer pecados
que nunca pensou que poderia cometer?
2. Qual é o maior deserto de sua vida neste
momento? De que maneiras você é tentado a pecar
contra Deus, enquanto ele o mantém nesse deserto?
O que você está aprendendo por meio das
experiências no deserto de sua vida?
3. Como sua vida seria diferente se você pudesse
sempre se lembrar da bondade e da fidelidade de
Deus para com você no passado?
4. Como você tende a pensar sobre Deus e a
responder-lhe nos momentos bons ou quando ele
responde às suas orações? Como você reage quando
as respostas de Deus são negativas e sua vontade
parece ser dolorosa e insuportável? Por quê?
5. Que pecados você comete repetidamente? Como
você se sente a respeito de ser um ofensor
frequente? Como Deus tem sido paciente com você
apesar do seu pecado?
6. De que maneiras você está irado com Deus?
Como você expressa a sua ira? Por que você está
irado?
7. Seu pecado tende a levá-lo ao desespero ou a
uma adoração exultante? Por quê?
36. John Newton, “The Advantages of Remaining Sin”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
153.
37. Ibid.
capítulo oito
graça para cair

O mui sábio, justo e gracioso Deus deixa muitas


vezes, por algum tempo, seus filhos entregues a
muitas tentações e à corrupção de seus próprios
corações. — Confissão de Fé de Westminster, 5.538

Sentei-me na sala de estar da minha conselheira,


imaginando como eu havia chegado àquele ponto
em minha vida. Quando comecei a me encontrar
com Margaret, vivíamos em Cambridge, na
Inglaterra, e eu tinha dois problemas enormes, que
me incomodavam muito. Estava muito acima do
peso e era uma mulher irada.
Meu peso era o que mais me incomodava, talvez
porque era o que mais me envergonhava. Eu havia
lutado com problemas de peso durante toda a minha
vida, mas agora estavam fora de controle, e eu
estava à beira da obesidade real. Lembro-me do dia
em que decidi entregar-me à adoração à comida. Há
muito tempo, encarei com honestidade o fato de que
era gorda porque comia grandes quantidades de
comida todos os dias. Eu poderia enganar outras
pessoas ao comer em segredo, mas não poderia me
enganar. Tive problemas de tireoide durante a maior
parte da minha vida, mas, como técnica em
medicina, eu sabia que não era essa a fonte de meu
problema. O medicamento estava funcionando
muito bem, mas a minha alma estava doente. Orei
mais pela minha glutonaria do que por qualquer
outro pecado em minha vida. Eu era membro fiel de
grupos como “vigilantes do peso”, tanto cristão
quanto secular, e, mesmo assim, eu comia sem
parar. Estava fora de controle e muito irada com o
fato de que Deus não atendia às minhas orações
desesperadas e não me dava autocontrole.
Um dia, ao caminhar pelo corredor de biscoitos do
supermercado, senti grande amargura em minha
alma. Estava com raiva por estar solitária e viver em
um país estrangeiro. Eu estava com raiva porque
meu marido parecia tão satisfeito com seu PhD,
enquanto eu trabalhava em casa, cuidando de
crianças pequenas no anonimato. Estava com raiva
até por ter de fazer compras, quando, na verdade,
estava cansada e preferia estar em casa, lendo um
bom livro e comendo biscoitos. Estava com mais
raiva ainda, pois tudo que eu queria fazer era comer.
E foi ali, no magnífico corredor de biscoitos, que
uma raiva intoxicante irrompeu em meu coração.
Lembro-me, especificamente, do momento em que
disse a Deus: “Certo, se você não vai me ajudar a
me controlar e perder peso, então comerei até
morrer”. Não havia lugar melhor para fazer aquela
ameaça infantil do que naquele corredor em
particular. Se você nunca experimentou a enorme
diversidade e criatividade dos biscoitos britânicos,
pode ser difícil para você imaginar. Havia tantas
guloseimas crocantes, deliciosas, fáceis de comprar e
de se esconder para devorar secretamente! Mantive
a minha palavra ao levar minha ameaça viciosa
adiante e, em apenas dois anos, fui diagnosticada
com obesidade e me senti pior do que nunca.
Minha ira também me preocupava. Ela parecia tão
desproporcional à minha história de vida e à
bondade e generosidade incríveis de Deus para
comigo! Eu cresci em um maravilhoso e amável lar
cristão. Fui amada desde meus primeiros dias de
vida, disciplinada com firmeza, mas sem abusos, e
instruída na Palavra de Deus por pais que viveram a
verdade das Escrituras diante de mim, todos os dias
de sua vida. Nunca sofri abusos físicos, sexuais ou
emocionais, mas encontrava-me cheia de problemas.
Muitas pessoas que conheço dariam tudo para
crescer no tipo de família maravilhosa em que nasci.
Éramos todos pecadores, porém nada fora do
comum. Não havia segredos velados entre nós,
apenas as influências modeladoras profundas dos
pecados comuns.
Além disso, havia me casado com um homem que
eu amava e respeitava profundamente. Ele era gentil
e atencioso, um excelente pai para nossos
pequeninos e um teólogo e pregador em pleno
desenvolvimento. Eu estava morando em um dos
lugares mais lindos do mundo, e, na época em que
conheci Margaret, já tinha três charmosos, saudáveis
e adoráveis filhos. Todos os meus ideais de vida já
haviam se realizado por volta dos meus trinta e dois
anos, mas a ira fervia dentro de mim e entrava em
erupção assustadoramente de tempos em tempos.
Quando aquela ira começou a afetar meus dois
filhos mais novos, fiquei desconcertada. Eu não
sabia por que estava me comportando daquela
forma. Em minha ira, eu puxava seus bracinhos com
um pouco mais de força ou gritava com eles numa
intensidade muito além do que o momento pedia.
Ainda não havia contusões ou fraturas, mas
certamente haveria se eu não conseguisse ajuda.
Sentei-me na casa de Margaret e abri meu coração
para ela. Falei por um bom tempo, enquanto ela
ouvia com compaixão e anotava algumas
informações. Quando a nossa primeira sessão
terminou, ela olhou calmamente em meus olhos
inchados e avermelhados e me deu um tipo peculiar
de esperança. Ela disse: “Barbara, Deus derramará
sua graça sobre você. Ele lhe dará graça para mudar
e crescer nessas duas áreas de grande luta com o
pecado ou lhe dará graça para permanecer a mesma
e sobreviver ao fracasso”.
Fui pega de surpresa pela declaração confiante de
Margaret. Eu não sabia que havia opções no
departamento da graça, mas, se houvesse, sabia com
certeza que tipo de graça eu queria. Não tinha
qualquer interesse em permanecer na mesma
situação e sobreviver ao meu fracasso, o que quer
que isso significasse. Eu estava determinada a mudar
e certa de que isso era o que Deus queria para mim.
Afinal, eu havia memorizado uma série de versículos
sobre despojar-se e revestir-se, sobre obedecer à lei
de Deus e correr a carreira com todas as minhas
forças. Deus não quer que eu me torne melhor a
cada dia? A santificação não se resume a pecar cada
vez menos?
Naquela época, eu não conhecia muito bem o meu
coração nem conhecia o coração de Deus. Eu não
tinha ideia de que poderia querer obedecer a Deus
por razões pecaminosas. Tudo que eu sabia era que
a minha gordura me envergonhava e revelava a
todos o caos da minha alma. Eu odiava esse pecado
por não conseguir escondê-lo. Ele me encarava toda
vez que eu me olhava no espelho. Ele me seguia
aonde quer que eu fosse, aprisionando-me num
sufocante caixão de carne. Eu queria impressionar as
pessoas com minha inteligência e sagacidade, com
meu conhecimento e sabedoria, mas minha gordura
impedia que as pessoas me vissem como eu era,
levando-as a me julgar como a fracassada que eu me
sentia. Também sabia que não queria fazer mal aos
meus meninos. Eu os amava muito e temia que meu
pecado os arruinasse para sempre. Estava
absolutamente certa de que Deus queria que eu
parasse de pecar, mas sentia-me completamente
impotente para lutar com esses dois poderosos
pecados recorrentes.

SANTIFICAÇÃO COOPERATIVA

Como eu, muitos cristãos crescem na fé


acreditando que Cristo morreu para pagar pelos seus
pecados e que, na prática, a santificação depende
amplamente deles mesmos. Recentemente, um
pastor escreveu em um site que a santificação é
constituída 100% de Deus e 100% de nós, refletindo
não só uma matemática pobre, mas também (e mais
importante) uma teologia pobre. Nesta visão, uma
vez que Deus está, obviamente, fazendo seus 100%
com perfeição, o motivo de você estar obtendo
sucesso ou fracassando deve ser inteiramente seu.
Não é surpreendente que cristãos cometam esse
engano. O homem caído é, por natureza, alguém
que deseja ser independente de Deus, e essa
independência aparece em nossa vida na forma de
inúmeras estratégias de autossalvação. Nosso modo
natural de agir é orientado pela lei, mesmo após a
nossa conversão. Essa estratégia acaba sendo o
nosso padrão, em vez de nos prostrarmos diante de
Deus e implorarmos por sua graça e misericórdia.
Ao mesmo tempo, tememos frequentemente que, se
contarmos aos outros que a santificação é
inteiramente uma obra de Deus, não haverá razão
para eles tentarem. E isso não é um medo
infundado, pois houve muitas pessoas na história da
igreja que erraram ao ensinar que o esforço humano
é irrelevante na santificação, o que ocasionou
consequências devastadoras.
Ao crescer, agarrei-me firmemente ao conceito de
“Kit de Ferramentas do Espírito Santo”. Acreditava
que, se pudesse encontrar a técnica correta ou
tivesse força de vontade suficiente, poderia usá-la ou
aplicá-la eficazmente em meus piores pecados. No
entanto, minha sensação crescente de vergonha e
frustração em relação ao meu peso e à minha ira foi
o início de uma nova obra em minha vida e de uma
nova compreensão da vontade de Deus para mim.
Eu pensava que Deus amava um coração vitorioso e
triunfante, mas comecei a aprender que Deus ama
um coração humilde e contrito (Salmos 51.17; 66.2)
e tem muitas maneiras surpreendentes de formar
esses atributos em seus filhos.
Tenho ouvido muitos cristãos dizerem que Deus
nunca ordenaria algo de nós que não
conseguíssemos realizar, mas acredito que estejam
seriamente (embora sinceramente) enganados.
Afinal, Deus chama todos os homens e mulheres a
crerem no Senhor Jesus Cristo para salvação, mas
nenhum de nós pode realmente fazê-lo, a menos que
ele nos dê o dom da fé, que precisamos tão
desesperadamente (Efésios 2.8-10). Ele ordena que
sejamos perfeitos como ele é perfeito, mas nenhum
de nós o será enquanto não alcançarmos o céu
(Mateus 5.48). Deus manda que os maridos amem
sua esposa como Cristo amou a igreja, o que é,
certamente, um objetivo que se encontra muito além
do alcance de qualquer um (Efésios 5.25). Do
mesmo modo, ele ordena às esposas que sejam
submissas a seu marido, como a igreja deve ser
submissa a Cristo (Efésios 5.22), mas não há
nenhuma esposa que possa afirmar ter feito isso com
qualquer proximidade da perfeição. Portanto, olhar
para todos os imperativos contidos nas Escrituras em
busca de santificação, como se estivesse em nosso
poder alcançar tal santidade, é um erro mortal. Não
é surpreendente que existam tantos cristãos
desencorajados por suas fraquezas e devastados por
seus pecados recorrentes.
Se os cristãos acreditam que podem realmente
viver de acordo com os padrões de Deus e que
devem alcançar esse objetivo cada vez mais a cada
dia, então, uma destas duas coisas vai acontecer em
face da realidade teimosa de nossos corações: ou
teremos que reescrever os padrões de Deus, de
modo a torná-los mais acessíveis — um conjunto de
regras externas que estejam (pelo menos, em teoria)
em nosso poder alcançá-las — ou, se mantivermos a
intensidade da busca pela verdade bíblica, teremos
que aceitar que Deus ficará desapontado conosco.
Ah! podemos também apelar à necessidade da graça
e do poder de Deus, mas isso é apenas um apelo ao
poder divino para sermos bem-sucedidos em superar
a tentação e não à graça para encontrarmos imensa
alegria e deleite no Senhor, apesar das montanhas de
pecado que não reagem aos nossos melhores
esforços. Muitos cristãos jamais ouviram falar de
uma graça suficiente para sobreviver ao terrível
fracasso em nosso desempenho e que nos capacita a
encontrar profunda alegria e paz na justiça de
Cristo.
UMA PERSPECTIVA DIFERENTE

No entanto, o apóstolo Paulo descreve exatamente


esse tipo de graça e seu lugar em um paradigma de
vida cristã bastante diferente. Em 2 Coríntios, Paulo
diz:
E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das
revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro
de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte.
Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de
mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o
poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais
me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o
poder de Cristo.
2 Coríntios 12.7-9
Paulo tinha um problema e queria que Deus o
livrasse dele. Não sabemos exatamente qual era o
problema, mas estava ligado à sua carne — quer isso
signifique sua natureza pecaminosa, ou meramente
sua humanidade, ou alguma combinação de ambas.
Também sabemos que, o que quer que fosse, isso
veio por meio de Satanás e veio de Deus. Paulo
suplicou três vezes a Deus para que lhe tirasse esse
espinho e, por três vezes, Deus não fez como ele
suplicou. Isso nos lembra Jesus no jardim do
Getsêmani. Ele também suplicou três vezes para que
o cálice do sofrimento fosse afastado de si (Mateus
26.39-44) e, três vezes, recebeu a resposta que não
queria ouvir. É notável que, após três pedidos, tanto
Jesus quanto Paulo concluíram que Deus havia, de
fato, lhes respondido, e a resposta fora “não”. Em
vez de continuar a orar, jejuar, fazer promessas ou
se comprometer a uma maior disciplina, cada um
deles aceitou, em silêncio, a resposta de Deus. Jesus
se levantou e caminhou rumo às horas de tortura e
abandono por parte de Deus, sabendo que a força
de Deus se aperfeiçoaria em sua fraqueza e morte.
Ele confiou que Deus anularia os pecados horríveis
de muitas pessoas e usaria a morte de seu Filho para
a sua própria glória, a glória de seu Filho e o bem de
todo o seu povo.
Do mesmo modo, Paulo concluiu, serenamente,
que Deus tinha um bom propósito em recusar seu
pedido, pois veria claramente que: “A minha graça te
basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2
Coríntios 12.9). Ele compreendeu que a história de
sua vida jamais fora planejada para exaltar e
glorificar a si mesmo; ela fora planejada a fim de
apontar para outro. Se Deus houvesse respondido a
todas as orações de Paulo e o tivesse feito forte e
triunfante em todos os sentidos, ainda estaríamos
nos maravilhando com a ótima pessoa que Paulo
era. Ao contrário, Deus o deixou fraco e pecador.
Em vez de remover o espinho de Paulo, ele disse:
“Não, Paulo, prefiro você com o espinho”.39 Agora,
não podemos simplesmente nos sentar e admirar
Paulo. Ele era um grande apóstolo, mas, em suas
próprias palavras, ele era o principal dos pecadores
(1 Timóteo 1.15). E, de acordo com sua própria
descrição em Romanos 7, Paulo resistiu em
obedecer a Deus e pecou repetidamente. Em nos
maravilharmos com Paulo, ficamos maravilhados
com Jesus Cristo, que livrou Paulo de seu corpo de
morte ao morrer em lugar dele. Cristo é aquele por
quem devemos nos apaixonar, aquele cuja beleza
nos fascina.
Os escritos de John Newton nos presenteiam com
esse paradigma paulino de crescimento cristão por
meio da fraqueza, enraizado, de modo prático e
teológico, na vasta doutrina da soberania absoluta de
Deus. Certamente, Newton não é a única pessoa na
história da igreja que notou esse paradigma; é o
paradigma encontrado nas grandes confissões e
catecismos que resultaram da Reforma nos séculos
XVI e XVII. Entretanto, talvez por seu histórico
pessoal de pecados, Newton explica o paradigma
mais claramente do que qualquer um que eu
conheça.
Como mencionos no capítulo 3, Newton começa
observando que Deus poderia nos ter salvado e nos
feito instantaneamente perfeitos, visto que todas as
coisas são igualmente fáceis para Deus, e ele cumpre
toda a sua santa vontade.40 Mas Deus escolheu nos
salvar e deixar um pecado habitando em nossa alma
para guerrear com nossos novos desejos. Por que
um Deus amoroso e gentil faria uma coisa dessas?
Como isso funciona para a sua glória e o nosso
bem? Se Deus estivesse interessado em
simplesmente diminuir a totalidade de pecados
cometidos no universo, ele nunca teria tomado tal
decisão. Por mais que odeie o pecado, deve haver
outra coisa que ele valorize tão grandiosamente que
valha a pena o custo do poder de destruição do
pecado. Newton argumenta que esse valor supremo
é a formação de corações humildes e contritos no
povo escolhido de Deus, à medida que, por meio da
fraqueza contínua e do pecado, eles passam a
confiar cada vez menos em si mesmos e a depender,
cada vez mais, de Jesus Cristo e a deleitar-se nele.41

LIÇÕES DE UMA BONECA

Pense comigo por um momento numa boneca


Barbie. Ela é linda e cheia de talentos, perfeita além
da possibilidade ou da realidade. Seu cabelo é louro
e brilhante, seus atributos faciais são esculpidos em
proporções perfeitas, e seu corpo é bastante
atraente. Ela busca carreiras emocionantes como as
de astronauta, veterinária e dançarina de balé,
enquanto encontra tempo para surfar nos fins de
semana com o Ken. Ela é toda deslumbrante, mas
tem uma fraqueza fatal: seus pés deformados! Ela
não consegue ficar de pé por conta própria e deve
ser amparada ou apoiada o tempo todo. Seus
criadores tiveram uma razão importante para
projetá-la de tal forma — a necessidade de ela ter
que usar salto alto sempre (não existem chinelos da
Barbie). Seus criadores a produziram de um modo
determinado, com uma fraqueza específica, devido a
seus próprios propósitos para a vida da Barbie.
Obviamente, a relação de Deus com sua criação
não é exatamente como a de um designer e suas
bonecas. No entanto, de modo semelhante, Deus
escolheu nos deixar significativamente deformados e
imperfeitos após nossa conversão, porque valoriza
algo além de nossa impecabilidade. Espiritualmente,
permanecemos fracos e impotentes, incapazes de
ficar em pé por conta própria, exatamente como a
Barbie. Mesmo que nossos pés não sejam
deficientes e deformados, nossa alma é pecaminosa
e rebelde. Somos nova criação e velha carne
pecaminosa juntas — duas naturezas competindo
por nossos afetos e lealdade. Sem dúvida, essas duas
naturezas em oposição não são iguais. Somos
habitados pelo Espírito do Deus vivo, e sua vontade
é sempre soberana. Nosso coração pecaminoso não
é páreo, de modo algum, para seu poder e
habilidade de trabalhar em nós, com ou sem a nossa
permissão.
Observamos essa verdade mais nitidamente em
relação à salvação. Se o Deus do universo escolheu
você antes da fundação do mundo, a fim de que o
adorasse (Efésios 1.4), então, você não será capaz
de resistir à vontade dele. Aqueles que o Pai deu ao
Filho são suas ovelhas, e ninguém pode impedi-los
de vir a Cristo ou arrebatá-los posteriormente de
suas mãos (João 10.27-29). Deus realiza esse
trabalho transformador de salvação, fazendo com
que Cristo lhe seja tão belo e irresistível, que seu
maior desejo passa a ser adorá-lo, e você pode até
acreditar que fazer isso tenha partido inicialmente de
você mesmo. Não existe conflito entre a nossa
vontade e a de Deus na salvação, porque Deus altera
soberanamente a vontade daqueles a quem escolhe
salvar, de modo que desejemos livremente ir até ele,
algo que nunca desejaríamos por conta própria.

INCAPAZ DE FICAR EM PÉ

A mesma coisa acontece no que diz respeito à


nossa santificação. No momento de nossa salvação,
Deus começa em nós um novo trabalho que
prometeu terminar e sobre o qual é soberano em
cada passo do caminho (Filipenses 1.6). Jesus Cristo
não inicia um novo trabalho em alguém e deixa ao
encargo do crente individual que ele determine como
esse trabalho será concluído. Jesus Cristo está
ordenando e cumprindo todos os detalhes e meios
pelos quais sua vontade se realiza. O Espírito Santo
está dando fé, graça e dons espirituais, segundo a
medida que lhes atribui (Romanos 12.3-6), e
produzindo frutos de acordo com sua vontade e
cronograma (Gálatas 5.22-23). A vida do crente é a
história de Deus e não a sua própria.
Deus ordenou que, assim como a Barbi, você não
possa se manter espiritualmente de pé por conta
própria. Você nunca descobrirá o “segredo” de ficar
em pé ou terá uma experiência espiritual que o torne
capaz de ficar em pé sozinho por muito tempo.
Quando Jesus diz: “Sem mim nada podeis fazer”
(João 15.5), ele o quer dizer de forma bem literal. O
Espírito Santo de Deus, amável e poderoso que vive
em você, decide, a todo o momento, se você
permanece de pé ou cai. A não ser que o Espírito
Santo lhe permita permanecer de pé, você
continuará fazendo aquilo que faz melhor, mesmo
como um cristão — continuará a pecar. Às vezes, o
Espírito Santo o mantém de pé e lhe mostra as
coisas incríveis e maravilhosas que é capaz de
realizar em você. Outras vezes, sem tentá-lo, ele o
deixa sozinho para cair em pecado.
Muitos de nossos pais e mães espirituais
compreenderam esse princípio muito melhor do que
nós. Por exemplo, a Confissão de Fé de
Westminster descreve esse trabalho em suas
discussões sobre a providência de Deus:

O mui sábio, justo e gracioso Deus muitas vezes deixa, por


algum tempo, seus filhos entregues a muitas tentações e à
corrupção de seus próprios corações, para castigá-los pelos
seus pecados anteriores ou fazer-lhes conhecer o poder
oculto da corrupção e dolo de seus corações, a fim de que
sejam humilhados; para animá-los a dependerem mais íntima
e constantemente do apoio Dele e torná-los mais vigilantes
contra todas as futuras ocasiões de pecar, para vários outros
fins justos e santos.
CFW 5.5
Observe o ponto central desta afirmação: seu
gentil, amoroso, gracioso e compassivo Pai celestial
deixa frequentemente — não só eventualmente —
seus próprios filhos, por um período de tempo,
entregues a muitas tentações. O Espírito Santo que
habita em você certamente é capaz de evitar que
enfrente tentações. Na verdade, somos instruídos a
pedir exatamente isso na oração do Senhor: “Não
nos deixeis cair em tentação” (Mateus 6.13). Do
mesmo modo, o Espírito Santo também é capaz de
levá-lo à tentação e fazê-lo suportá-la vitoriosamente
(Judas 24), como veremos no próximo capítulo. No
entanto, a Confissão de Westminster salienta que,
com o intuito de torná-lo mais humilde e mais
consciente de sua total dependência divina, Deus o
deixa frequentemente exposto à tentação e não
intervém para resgatá-lo. Deus o deixa prosseguir, e
você faz o que ainda lhe é natural como pecador
depravado — dá com a cara no chão.
Em tudo isso, Deus não o tenta a pecar, não faz
com que você peque e não o abandona de modo
alguma. Ele não precisa fazer isso. Ele apenas não
intervém para segurá-lo. Como a Barbie, você não
consegue se manter de pé sem a poderosa ajuda de
Deus. E certamente fracassará, a não ser que ele, de
forma ativa, conceda-lhe a vontade e o desejo de
obedecer a ele e o poder de seguir adiante nesse
desejo. Uma vez que tudo o que Deus permite, ele
já ordenou, esse é um aspecto de sua soberania
específica sobre cada minuto da sua vida. Deus está
no controle dos pensamentos que são permitidos
voarem em sua mente. Ele está no controle daqueles
pensamentos que começam a enraizar em sua alma a
fim de tentá-lo. Às vezes, Deus intervém com uma
verdade poderosa e o resgata de si mesmo, como fez
por mim naquele dia, no supermercado. Às vezes,
ele retira seu poder divino de você — sem deixá-lo
sozinho por um minuto sequer — e lhe permite ser
você mesmo, como eu fui com os motoristas que me
irritaram. Somos completamente responsáveis por
nosso pecado, porém toda a nossa obediência vem
de Deus.

EXEMPLOS BÍBLICOS

Se essa perspectiva sobre nossa santificação é


verdadeira, devemos esperar que encontremos
muitos exemplos disso nos textos bíblicos.
Certamente é isso o que vemos. Por exemplo, foi o
Espírito Santo que conduziu Jesus Cristo ao deserto
para ser tentado por Satanás (Mateus 4.1). Deus não
somente ordenou que seu Filho enfrentasse a
tentação e depois se afastasse para ver o que Satanás
poderia arquitetar, mas também acompanhou
ativamente e observou todas as circunstâncias
relativas a essa tentação. Ao contrário de Adão e
Eva, que pecaram num belíssimo jardim, repleto de
comida e companheirismo, Jesus, o segundo Adão,
enfrentaria a tentação sozinho, faminto, exausto e no
meio de um deserto estéril. Ele tinha toda a razão
humana para se deslumbrar com a riqueza, o poder
e a glória que lhe eram oferecidos, mas resistiu a
investida e permaneceu perfeitamente obediente. A
vontade soberana de Deus era que seu Filho
resistisse à tentação, cumprindo a lei em nosso lugar,
para que os infratores e insolentes, como você e eu,
recebessem seu legado impecável de retidão como se
fosse nosso.
Em outras situações, a vontade soberana de Deus é
que os homens pequem, como é ilustrado em
Ezequiel 38, quando o Senhor descreve o ataque do
inimigo final, Gogue e seus aliados, contra seu
próprio povo restaurado. A passagem delcara:

Assim diz o SENHOR Deus: Naquele dia, terás imaginações


no teu coração e conceberás mau desígnio; e dirás: Subirei
contra a terra das aldeias sem muros, virei contra os que
estão em repouso, que vivem seguros, que habitam, todos,
sem muros e não têm ferrolhos nem portas; isso a fim de
tomares o despojo, arrebatares a presa e levantares a mão
contra as terras desertas que se acham habitadas e contra o
povo que se congregou dentre as nações, o qual tem gado e
bens e habita no meio da terra.
Ezequiel 38.10-12

As Escrituras identificam os planos de Gogue como


“mau desígnio”, mas, isto também faz parte do
plano soberano de Deus para o mundo. Todos os
pecados começam com um pensamento, e Satanás é
certamente habilidoso em nos apresentar
pensamentos tentadores. Ele pode usar vários
aspectos do mundo atraente que nos rodeia, e suas
sugestões encontram livre acesso à nossa carne
depravada e corrompida. No entanto, essa passagem
nos lembra que, seja qual for a origem imediata das
nossas tentações (o mundo, a carne ou o Diabo), os
pensamentos que nos tentam de modo efetivo estão
inteiramente sob o controle soberano de Deus. A
soberania de Deus sobre os pensamentos de Gogue
condiz com a soberania do Senhor sobre os
pensamentos individuais que temos todos os dias e
que nos levam aos nossos próprios “maus
desígnios”.

TENTADO, PROVADO E FREQUENTEMENTE


FRACASSADO

Vemos esse princípio em ação na história de Davi e


Bate-Seba (2 Samuel 11-12). O pecado de Davi não
surgiu do nada. Seu pecado surgiu de seu fracasso
em cumprir o dever de conduzir seu povo à batalha.
Esse era, afinal, o motivo pelo qual Israel havia
pedido um rei (1 Samuel 8.20). O narrador dessa
história bíblica nos diz que esse incidente ocorreu
“na época em que os reis saíam para guerra”. Nessa
ocasião, Davi mandou Joabe em seu lugar (2
Samuel 11.1). E por que Davi estava no terraço de
seu palácio no exato momento em que Bate-Seba se
banhava? Deus poderia muito facilmente ter
intercedido e orquestrado as coisas para que Davi
nunca tivesse que enfrentar tal tentação. Afinal,
poderia ter chovido ou Deus poderia ter lhe causado
um forte resfriado!
Mesmo depois de tê-la visto, Deus poderia ter
agido para evitar que a tentação se concretizasse e
desse seu fruto amargo. Quando Davi teve a chance
de matar Saul na caverna, Deus deu a Davi força de
resistir à tentação (1 Samuel 24.3-7). No capítulo
seguinte, quando foi tentado a se vingar de toda a
casa de Nabal por causa da loucura de seu mestre,
Deus enviou Abigail para evitar que ele pecasse (1
Samuel 25.26). Davi foi impedido de ceder à
tentação muitas vezes em sua vida. Porém, na
ocasião de Bate-Seba, ele não foi salvo de si mesmo.
Ele viu algo belo e o desejou. Naquela noite em
particular, esses pensamentos pecaminosos se
enraizaram firmemente em sua alma e tornaram-se
desejos incontroláveis. Tiago nos diz que “cada um é
tentado pela sua própria cobiça quando esta o atrai e
seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido,
dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado,
gera a morte” (Tiago 1.14-15).
Havia morte no ar naquela noite. Muitos males
vieram a partir do pecado de Davi: uma mulher foi
tomada, um marido foi assassinado e um bebê
indefeso foi deixado fraco e moribundo. Que bem
poderia vir de todos este mal, traição e falsidade das
mãos de alguém que havia provado tão plenamente
da bondade de Deus? O Salmo 51 nos dá uma pista.
Esse Salmo, que Davi escreveu a partir de sua
fracassada experiência pessoal com o pecado, dá a
todos nós uma visão rica a respeito de como Deus
produz em nós o coração quebrantado e contrito
que ele tanto ama (Salmo 51.17). Davi poderia tê-lo
escrito de maneira abstrata. Entretanto, muito do
poder desse Salmo vem de suas raízes na própria
experiência de Davi.
Naquela noite de pecado e morte, havia também
vida eterna em gestação silenciosa, pois o Messias, o
Salvador do mundo, viria da união que começara
nesse mesmo relato. O poderoso redentor, que
derrotaria o pecado e a morte para sempre, nasceria
de uma linhagem de pecadores miseráveis, adúlteros
e assassinos, descendentes de Davi e Bate-Seba.
Deus determinou a ocorrência do pecado naquela
noite escura e o usaria para a sua glória e para o
benefício de todos os seus escolhidos.
Podemos observar o mesmo padrão em operação
no Novo Testamento. Em Lucas 22, Jesus e seus
discípulos se retiraram para uma ampla sala, no
andar superior de uma casa, a fim de celebrar a ceia
de Páscoa. Enquanto comiam e bebiam juntos, Jesus
alterou o roteiro milenar daquele ritual com o
propósito de falar de seu sofrimento iminente, na
condição do próprio Cordeiro Pascal. Jesus
ofereceu-lhes o pão, dizendo: “Isto é o meu corpo
oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice,
dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu
sangue derramado em favor de vós” (Lucas 22.19-
20). É provável que a mente dos apóstolos foi
tomada por medo e confusão, enquanto seu herói
persistia em falar sobre sua própria morte e
sofrimento. Depois, Jesus falou sobre a traição,
devastando a todos com a notícia de que um deles
era o traidor! Em meio à narrativa solene e sombria,
um embate irrompeu. O Rei da glória havia servido
humildemente a esses homens e, em breve, morreria
por eles, mas tudo o que eles conseguiam pensar
naquele momento era quem seria o maior nesse
novo reino sobre o qual Jesus continuava a falar.
Então, Jesus se virou para Pedro e lhe disse, de
maneira chocante, que Satanás o havia reivindicado,
para peneirá-lo como trigo (Lucas 22.31).42 Pedro
declarou, confiante, sua própria capacidade de
permanecer ao lado de Jesus, ainda que todos os
outros o abandonassem (Lucas 22.33). No entanto,
logo em seguida, Jesus disse a Pedro que ele o
negaria naquela mesma noite (Lucas 22.34).
Observe o mesmo padrão que vimos anteriormente.
Vemos Satanás aparecendo diante de Deus para
fazer suas exigências audaciosas e, novamente, Deus
dando a Satanás uma medida real, mas limitada, de
poder. No caso de Pedro, Jesus disse: “Eu, porém,
roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu,
pois, quando te converteres, fortalece os teus
irmãos” (Lucas 22.32). Que declaração espantosa
do propósito soberano de Deus para trazer o bem
por meio do pecado! Jesus sabia que Deus não
salvaria Pedro de si mesmo naquela noite. Apesar de
sua demonstração de fervor, Pedro fracassaria. O
poderoso, valente e corajoso discípulo, que pegaria
em armas contra os soldados que viriam para
prender Jesus e deceparia a orelha de um dos
homens, se reduziria a um covarde em frente de
uma garota serviçal, negando conhecer seu mais
querido amigo (João 18.10-27).
Observe também que quando Jesus orou por
Pedro, não orou para que ele não pecasse. Pelo
contrário, Jesus orou para que, depois que Pedro
pecasse, sua fé não lhe faltasse e que, por sua vez,
fortalecesse seus irmãos (Lucas 22.32). Mentir e
abandonar o Cordeiro precioso de Deus em sua hora
de maior sofrimento foi, certamente, um pecado
terrível para Pedro. Contudo, mais uma vez, Deus
usaria o que odiava para obter algo que amava.
Deus tinha grandes planos para Pedro, usando-o de
um modo dramático, com o intuito de edificar sua
igreja, mas Pedro não estava pronto. Era muito
orgulhoso, imprudente, seguro de si mesmo, muito
áspero e arrogante para pregar suave e
amorosamente a ovelhas fracas e pecadoras.
Pensava ser melhor do que os outros discípulos ao
declarar: “Ainda que venhas a ser um tropeço para
todos, nunca o serás para mim” (Mateus 26.33).
Pedro precisava conhecer seu próprio pecado e sua
própria necessidade, antes que pudesse cuidar do
rebanho de Deus com mansidão e humildade.
Por meio daquele pecado, Deus estava planejando
algo grandioso na vida de Pedro. Ele precisava
conhecer a profundidade incrível do perdão de que
ele próprio precisava e receberia em Cristo para que
pudesse, depois, estender a mesma compaixão e
perdão aos outros. Certamente Deus poderia ter
fortalecido Pedro para obedecer naquele momento,
mas, se o tivesse feito, a lição maior seria perdida.
Isso também é verdade no que diz respeito a você e
a mim. Será que o relato da minha experiência de
compras no supermercado e as histórias do rei Davi
e do apóstolo Pedro se conectam de algum modo à
narrativa de sua vida? Você se vê, em certos
momentos, repleto de pensamentos maravilhosos
sobre Deus e capaz de fazer coisas magníficas por
ele, somente para se ver, pouco tempo depois, cheio
de raiva, amargura, pensamentos ruins e novamente
pecando? Acho que isso ocorre com frequência nas
manhãs de domingo, que deveriam ser os momentos
mais sagrados da minha semana! Eu as começo em
um estado de completa distração e mau humor,
correndo de um lado para o outro, procurando
ajudar nos preparativos em nossa igreja e nos ajustes
de som da equipe de música. Realmente não quero
fazer essas coisas, mas, por enquanto, sou chamada
a servir e ajudar desse modo. Por isso, me dedico às
tarefas mais frequentes com o coração irritado.
Quando o culto começa, meu coração frio e
endurecido é comumente aquecido e amolecido,
logo que sou chamada a adorar e confessar meu
pecado diante de Deus, tendo certeza de seu perdão
e de seu amor. Lágrimas de alegria e gratidão são
frequentes — sempre contra a minha vontade — e
minha alma é renovada, fortalecida e investida de
poderes quando terminamos a Ceia do Senhor,
regozijando-se na celebração do amor surpreendente
de nosso maravilhoso Salvador!
No entanto, muitas vezes, não consigo nem sair do
ginásio onde nosso culto é realizado sem que meu
coração fique pesado e minha alma esteja em
ebulição. No minuto em que tiro meus olhos de
Cristo e olho novamente para mim, torno-me
suscetível a lutar contra todos os tipos de pecado.
Luto para amar as pessoas que reclamam de meu
trabalho ou depositam grandes expectativas sobre
mim, por eu ser esposa de pastor. Tenho dificuldade
em perdoar as pessoas que não mantêm sua palavra
e aquelas que assumem compromissos e os
abandonam facilmente. Uma vez que o ginásio está
sempre repleto de pessoas, é comum a presença de
tais pecadores, dentre os quais, tenho plena certeza,
sou a maior. Conforta minha alma, no entanto, saber
que em minha fraqueza e pecado, não sou algum
tipo de aberração terrível — não sou um monstro
espiritual. De acordo com a vontade soberana de
Deus, a vida cristã deve ser assim. Deus é capaz de,
quando lhe agrada e para seus próprios fins, dar-me
a graça para permanecer firme e resistir à tentação.
Mas, em vez disso, Deus escolhe muitas vezes, por
seus próprios bons desígnios e para me mostrar
graça através de minhas quedas, humilhar-me e
ensinar-me a tremenda necessidade que tenho dele.
PARA REFLEXÃO

1. Em quais áreas da sua vida Deus tem lhe dado


graça para mudar e para superar o pecado? Em
quais áreas da sua vida você tem permanecido o
mesmo? Como Deus lhe mostra sua graça quando
você não vence o pecado?
2. Você acredita que cabe a você mesmo cooperar
com Deus em sua santificação para que possa
crescer? Por que acredita nisso? Por que, em
determinados momentos, você não cooperará com
Deus?
3. De que maneiras você tentou fazer com que o
Espírito Santo fizesse o que você queria, esperando
que ele o ajudasse a mudar?
4. Você possui algum “espinho na carne” como o
apóstolo Paulo? Como ele o faz se sentir? Quantas
vezes você orou para que Deus o tirasse? Por que
você continua orando? Que coisas, especificamente,
Deus tem feito em você nas áreas em que sua
resposta ainda é “não”?
5. De que modo Deus fez você permanecer firme
ultimamente e o fez vitorioso sobre pecados que
normalmente o enganavam? Quais pecados você é
tentado a cometer quando Deus o faz permanecer
firme? Por quê?
6. De que modo Deus o tem feito virar-se contra si
mesmo e o tem deixado cair?
7. Quais são os pecados aos quais você é tentado
quando Deus permite que você caia novamente? Por
quê?
8. Descreva um momento em sua vida quando
Deus mudou seu coração e sua mente, de modo a
fazê-lo sentir-se disposto a fazer algo que não
queria. O que isso lhe ensina sobre Deus?
38. Disponível em: www.monergismo.com/textos/credos/cfw.htm.
Todas as citações da CFW neste livro estão baseadas nessa fonte.
39. Nate Larkin, Samson and the Pirate Monks: Calling Men to
Authentic Brotherhood (Nashville: Nelson, 2006), 73.
40. John Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 9.
41. John Newton, “Advantages of Remaining Sin”, Select Letters
of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 152.
42. De fato, o texto grego aqui está no plural: Satanás havia
demandado peneirar todos os discípulos, não somente Pedro.
Jesus ora por nós também, para que nossa fé não desfaleça em
meio aos nossos maiores fracassos. Sou devedora a Dale Ralph
Davis por este discernimento.
capítulo nove
permanecendo em Cristo somente

Embora possamos cair por nós mesmos, não


podemos
levantar-nos sem a ajuda dele. — John Newton43

Acho que a maioria dos cristãos acredita,


corretamente, que toda a nossa força para seguir na
vida cristã precisa vir de Cristo. Entretanto,
podemos querer dizer coisas diferentes quando
falamos isso. Alguns acreditam que o Espírito Santo,
que passa a habitar em nós no momento da
salvação, também nos capacita constantemente a
sermos obedientes. Em outras palavras, a graça
recebida na conversão inclui uma força permanente
para escolhermos obedecer a Deus, sempre que
estamos dispostos a fazê-lo. Portanto, a vontade e a
força para permanecermos em obediência vêm de
nossa própria diligência e esforço árduo, enquanto
caminhamos pela vida.
John Newton possuía uma visão diferente sobre a
obediência cristã — uma visão que colocava toda a
culpa do pecado no pecador, mas dá todo o crédito
pela obediência unicamente a Deus. Newton uniu a
essa ideia o conceito de autoglorificação e concluiu,
acertadamente, que se não houvesse nenhuma
jactância humana diante de Deus pelas boas obras, a
santificação teria de ser totalmente da graça e
dependeria completamente de Deus.44 Longe de
colocar a culpa em Deus por nossos pecados,
Newton via a presença permanente de nossa
natureza pecaminosa decaída e a atividade constante
de Satanás como explicação suficiente para nosso
contínuo pecado interior.45 Ele ponderou também
que, se isso for verdade, somente Deus pode obter o
crédito quando seu Espírito se move, em um novo
ato da graça, para engajar a vontade dos crentes, de
modo que eles queiram obedecer, e quando, depois,
provê a verdadeira força para seguirem em
obediência.
Nisto, John Newton repercute a percepção das
históricas confissões de fé reformadas. Por exemplo,
a Confissão de Westminster diz:

O poder de fazer boas obras não é, de modo algum, dos


próprios fiéis, mas provém inteiramente do Espírito de
Cristo. A fim de que sejam para isso habilitados, é
necessário, além da graça que já receberam, uma influência
positiva do mesmo Espírito Santo para obrar neles o querer e
o perfazer segundo o seu beneplácito; contudo, não devem
por isso tornar-se negligentes, como se não fossem
obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos
especialmente pelo Espírito, mas devem esforçar-se por
estimular a graça de Deus que há neles.
CFW 16.3

De modo semelhante, a Confissão Belga declara


Então, fazemos boas obras, mas não para merecermos algo.
Pois, que mérito poderíamos ter? Antes, somos devedores a
Deus pelas boas obras que fazemos e não Ele a nós. Pois,
“Deus é quem efetua em” nós “tanto o querer como o
realizar, segundo sua boa vontade” (Filipenses 2:13). Então,
levemos a sério o que está escrito: “Assim também vós,
depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei:
Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que
devíamos fazer” (Lucas 17:10).46

Assim como Newton, os elaboradores destas


confissões reformadas acreditavam que cada ato
específico de obediência exige uma influência real
do Espírito Santo em nosso coração. A graça que
recebemos no momento de nossa salvação não é um
tipo de poder capacitador geral que precisamos
descobrir como acessar e ativar para que possamos
crescer e ser abençoados. Pelo contrário, é a
presença pessoal e poderosa do Espírito do Deus
vivo, que governa sobre nossa alma e decide, em
cada momento, se nos dará graça para nos fazer
querer obedecer e se dará graça adicional para
sermos bem-sucedidos na obediência.
Esse tipo de cuidado, específico e minucioso por
nós, como indivíduos, não deveria surpreender-nos.
Quando Jesus disse que os fios de cabelo de nossa
cabeça estavam contados, estava se referindo a um
tipo de amor vigilante tão compreensível que nem
um único fio de cabelo pode cair de nossa cabeça
sem sua permissão (Mateus 10.30). Então, como é
que podemos chegar a imaginar que Deus deixaria a
grande e poderosa função de guiar nosso espírito ao
encargo de pessoas fracas e pecadoras como nós?
Certamente, o assunto a respeito de quais pecados
cometeremos ou não é muito mais importante para
Deus do que o número de fios de cabelo que
podemos chamar de nossos cada dia.
De modo semelhante, até a morte de um pequeno e
frágil pardal sob as garras de um gato da vizinhança,
algo que dificilmente nos causaria preocupação, é
objeto da vontade soberana de Deus (Mateus
10.29). Quanto mais, então, o Senhor exercerá sua
soberania e cuidado amoroso na santificação de seus
filhos? Aqueles que Deus criou à sua imagem e
redimiu com o sangue de seu precioso e único Filho
são muito mais valiosos para ele do que pequenos
pardais (Mateus 10.31)!
Outras Escrituras também falam da atenção pessoal
de Deus sendo manifestada em profusão sobre cada
um de nós em cada momento de nossos dias. Ele
sabe as palavras que estão em nossa língua, antes
que as falemos (Salmo 139.4); é ele quem decide se
elas sairão ou não de entre nossos lábios. Deus
conhece nossos pensamentos (Salmo 139.2), bem
como as características intrínsecas da nossa carne
pecaminosa. Deus está escrevendo a história da
redenção do seu povo, mantendo-o longe de
pecados que ele não permite e entregando-o a
pecados que planejou vencer para sua glória e nosso
bem. O que planejamos para o mal Deus usa para o
bem, apesar de nossas piores intenções.
NÃO HÁ NADA QUE POSSAMOS FAZER?

Embora a obediência exija, a cada momento, um


novo ato do Espírito Santo, a Confissão de fé de
Westminster nos lembra que não devemos usar isso
como desculpa para desistirmos da luta. Este é um
lembrete sábio e necessário. Talvez seja inevitável
que, quando seres humanos caídos se depararam
com a notícia desanimadora de que não conseguem
“fazer as coisas”, alguns concluam que seus pecados
são, na verdade, culpa de Deus e, por isso, não
precisam tentar levar sua vida de maneira obediente.
Parece que o apóstolo Paulo estava acostumado a
ser indagado sobre esta mesma questão —
“Permaneceremos no pecado, para que a graça seja
mais abundante?” (Romanos 6.1) — e sua resposta
era “NÃO!” Pode fazer sentido à sabedoria humana
que, se o pecado abre, de algum modo, as
comportas da misericórdia de Deus e libera as fontes
de graça, então devemos pecar mais, para obtermos
mais graça. A palavra de Deus, porém, diz:
“Absolutamente não!” Um dos erros mais tristes que
podemos testemunhar é crentes usarem a paciência e
a bondade de Deus, bem como a sua misericórdia e
graça, como pretexto para pecarem de maneira
escandalosa e flagrante. Ainda assim, não
precisamos entrar em pânico ou desespero. Uma vez
que o Espírito Santo governa completamente que
pecados serão ou não serão cometidos, até os
pecados de seus filhos imaturos e mal orientados
serão usados para a glória de Deus e o bem deles
mesmos.
Só Deus sabe por que tolera as “travessuras
abomináveis” (como Newton as chamava) daqueles
que resgatou. Contudo, está claro nas Escrituras que
a beleza do evangelho foi planejada para nos fazer
querer obedecer cada vez mais a Jesus e não cada
vez menos. O perdão radical que temos em Jesus
nos permite viver a nossa vida com confiança e
ousadia, embora ainda pequemos em grande medida
todos os dias. Entretanto, o perdão de Deus não tem
o propósito de servir como autorização para
cedermos à libertinagem, à linguagem torpe, ao
alcoolismo e à imoralidade sexual. Quando Martinho
Lutero disse a Filipe Melanchthon que “pecasse
ousadamente”, ele tinha em mente que Melanchthon
reconheceria a realidade do seu pecado interior, de
modo que também orasse com ousadia em busca da
graça de Deus, em vez de buscar ativamente seus
desejos pecaminosos.47 Eu me entristeço quando
ouço cristãos anunciarem seus pecados audaciosos
em nome da graça e de Martinho Lutero. O
evangelho nos leva a uma profunda tristeza por
nosso pecado, combinada com uma grande alegria
em nosso Salvador, mas nunca a uma apreciação
ousada e exagerada do pecado.
John Newton não teve problema algum em
examinar e proclamar a total incapacidade do crente
para obedecer e, ao mesmo tempo, exortar cada
crente a se esforçar por santificação. Ele disse, por
exemplo:

É mandamento de Deus e, portanto, dever deles; sim, com


base na nova natureza que ele nos deu, o desejo deles é
vigiar e empenharem-se contra o pecado; disporem-se à
mortificação de todo o corpo do pecado e ao avanço da
santificação em seu coração como seu alvo principal e
constante, para o qual devem ter consideração habitual e
perseverante.48

Em outro local, Newton escreveu:

É um privilégio do crente andar com Deus no exercício da fé


e, pelo poder do Espírito Santo, mortificar todo o corpo de
pecado, para obter vitória crescente sobre o mundo e sobre
si mesmo e fazer progresso diário em conformidade com a
mente de Cristo. E nada que professamos saber, acreditar ou
esperar, merece o nome de privilégio além do fato de que
somos influenciados a morrer para o pecado e viver para a
justiça. Todo aquele que possui a verdadeira fé não limitará
suas indagações ao simples ponto de sua aceitação com
Deus, nem se satisfará com a esperança distante do céu
vindouro. Ele será solícito a respeito de como glorificar a
Deus no mundo e desfrutará daquelas antecipações do céu
que são alcançáveis enquanto ele ainda está na terra.49

Embora permaneçamos nesta vida presos à carne


pecadora, repletos de fraquezas e totalmente
dependentes de Deus, e embora façamos apenas
“pequenos começos em obediência” (conforme
elucida o Catecismo de Heidelberg, Pergunta 114),
também somos novas criaturas (2 Coríntios 5.17). O
Espírito de Deus cria novos desejos em nosso
coração e, enquanto nos revela gradualmente a
beleza fascinante de nosso Salvador, ele nos garante
um anseio crescente de sermos como ele. Por isso,
Newton nos chama a trabalhar com afinco em
direção a nosso crescimento, enquanto, ao mesmo
tempo, mantemos em mente o fato de que sem
Cristo nada podemos fazer. O que pode parecer
humanamente contraditório se encaixa de modo
encantador no plano divino de redenção e de
santificação.
Neste assunto, Newton ficava contente em ecoar as
notas ressoadas pela Bíblia. As Escrituras nos
chamam a correr com toda nossa força (1 Coríntios
9.24) e a enfrentar a luta com todo o nosso vigor (1
Coríntios 6.12). Não precisamos compreender todas
as razões pelas quais Deus nos chama a tentar tão
arduamente e, apesar disso, nos permite fracassar
tão frequentemente. Mas precisamos nos submeter à
sabedoria de Deus e, por amor e gratidão a ele,
procurar obedecer a seus mandamentos. Jesus disse:
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos”
(João 14.15). De fato, quanto mais conhecemos o
evangelho, tanto mais crescemos em amor e gratidão
a Cristo e tanto mais firmemente esse desejo nos
atrai e nos motiva.
A BELEZA DE TENTAR COM TODAS AS
SUAS FORÇAS

Certamente, eu não sei todas as razões pelas quais


Deus ordenou que nos esforçássemos com afinco e
fracassássemos, em vez de não fazermos
absolutamente nada. Newton argumenta que Deus
vê como gloriosas as tentativas mais simplórias de
cada cristão.50 Deus adora admirar seu trabalho em
nós e ver em nós o reflexo de seu Filho. Se não
tentamos com afinco e falhamos, podemos nos iludir
pensando que, se tivéssemos escolhido nos esforçar,
teríamos conseguido obedecer a Deus. Mas, quando
tentamos com afinco e falhamos, e tentamos com
afinco e falhamos novamente, aprendemos a atribuir
toda nossa salvação somente à obra de Cristo.
Eu sei um pouco sobre o que significa esforçar-se
ao máximo. Quando o assunto é lutar contra o
pecado, posso muito me enganar facilmente.
Existem alguns pecados que, pela graça e bondade
de Deus, não considero tentadores... pelo menos,
não no presente momento. Parece que consigo
derrotar esses pecados sem tentar. Um exemplo
disso na minha própria vida vem da área da fantasia.
Quando era jovem, lutava frequentemente contra a
fantasia sexual e a luxúria. E isso, é claro, me
incomodava muito. Certa vez, ouvi um sermão
sobre despojar-se e vestir-se em que fui encorajada a
despojar-me do pecado por vestir-me de algum tipo
de obediência. Então, percebi que em meu arsenal
cristão possuía um antídoto poderoso contra
fantasias sexuais — as memórias dos dias em que
dei à luz a cada um dos meus filhos. Isso pode até
soar engraçado para você — mas existe alguma
maneira de evitar pensamentos sexuais pecaminosos
que seja melhor do que a lembrança da insuportável
dor do parto? No entanto, não foi exatamente assim
que a coisa funcionou. Os dias de nascimento de
meus filhos são as lembranças mais felizes que
tenho. Enchem-me de alegria incrível, gratidão e
verdadeiro deleite. É esse tipo de alegria e prazer
que funciona como remédio poderoso contra o
pecado.
Rosie, minha filha caçula, quase morreu no dia em
que nasceu. Ela sofreu uma privação de oxigênio e
chegou ao mundo com um tom arroxeado na pele.
Quando os médicos conseguiram que respirasse
corretamente, descobriram que ela havia sofrido
danos durante o parto, e o lado direito do seu corpo
estava paralisado. Fomos advertidos de que ela
poderia não ter uma vida saudável. Havia uma
grande possibilidade de a paralisia persistir e de que
viesse a ter o cérebro danificado. Algumas horas
antes, outro bebê havia falecido na sala ao lado da
minha. Ela nasceu morta, seu batimento cardíaco
sumira de repente, sem nenhuma explicação. Por
que meu bebê sobreviveu enquanto aquela criança
faleceu? Minha filha não apenas sobreviveu, ela
continuou a progredir — duas semanas mais tarde,
sua paralisia já havia desaparecido; e ela se tornara
uma recém-nascida cheia de energia e vitalidade.
Hoje, ela é uma jovem linda e esperta. E,
frequentemente, sinto-me desconcertada pela
lembrança do que poderia ter acontecido. Não
merecia que meu bebê sobrevivesse e se
recuperasse, mas Deus foi extremamente piedoso
comigo. Nessa poderosa lembrança da alegria de
meus filhos, em especial, da Rosie, Deus me deu um
forte auxílio contra esse tipo de pecado.
Obviamente, não havia notado que esse mecanismo
era um dom. Parecia que tudo que eu tinha de fazer
era apertar um botão e passar um vídeo em minha
mente, e, assim, os pensamentos sexuais dariam
lugar a pensamentos melhores. Parecia que nem
precisava me esforçar muito. Entretanto, em sua
bondade, Deus me deu outros campos de batalha
onde não haveria essa ilusão. Ele é um pai amoroso
que sabe que somos fracos e somos apenas pó, mas,
apesar disso, ele é gentil conosco. Se cada área da
nossa vida fosse um campo de batalha, morreríamos
de desânimo. Em seu amor, Deus faz questão de
que cada um de nós tenha pelo menos um ou dois
campos de batalha pessoais, nos quais, não
importando quanto nos esforcemos para obedecer,
não podemos obter sucesso.
Como já mencionei, lutar contra meu peso tem
sido uma das batalhas mais difíceis e dolorosas de
minha vida. Fui clinicamente obesa por quinze anos.
Tentei tudo que era possível para ser fiel e
obediente, e algumas vezes parecia estar no caminho
da vitória por algum tempo. Em quatro ocasiões
distintas, cheguei a perder mais de 40 quilos fazendo
dietas. No entanto, a cada tentativa, voltava a ganhar
ainda mais do que havia perdido, até que fui
derrotada pela vergonha e pelo desânimo. A graça
para nos reerguer pode vir de muitas maneiras
surpreendentes. Por muitos anos, estive decidida a
vencer essa batalha, enquanto imaginava como as
pessoas me admirariam pelas minhas realizações e
como eu poderia vir a ensinar outras pessoas a
fazerem o mesmo.
Porém, isso não estava exatamente nos planos de
Deus. Ao contrário, ele passou quinze anos me
provando que eu não conseguiria, antes de agir em
meu favor. O orgulho me levou a tentar fazer isso
por conta própria, mas meus fracassos constantes
abriram meu coração e minha mente para os
caminhos da ajuda que, até então, me pareciam
vergonhosos. Finalmente, em 2002, enfrentando
diabetes e pressão alta, vergonha e orgulho já não
me preocupavam mais; e comecei a pesquisar sobre
as possibilidades da cirurgia bariátrica. Eu era uma
pessoa doente e uma espectadora na vida dos meus
filhos; por isso, quando meu seguro permitiu pagar
por essa cirurgia, eu aceitei. Nesta cirurgia
específica, o estômago é grampeado até ao ponto
em que tudo o que sobra é uma pequena bolsa. Os
intestinos também são encurtados para reduzir a
capacidade de absorção de calorias do trato
gastrointestinal, à medida que o alimento passa por
eles. A partir daí, uma perda dramática de peso
acontece. Acho que você poderia dizer que meu
estômago me ofendeu, por isso tive de tirá-lo da
jogada. Desde então, tenho tido muitas e muitas
razões para agradecer a Deus o fato de meu
tamanho atual não ter quase nada a ver com o que
sou. É uma bênção valiosa e da qual sou indigna e
agradeço a Deus todos os dias. Às vezes, sorrio alto
ao pensar como meu Pai celestial fez o impossível
para permitir que eu me vangloriasse por perder 63
quilos. Não posso aconselhar a ninguém mais,
apenas agradecer a Deus sua bondade.
Um dos maiores problemas que encontro na sala
de aconselhamento é o orgulho natural humano que
impede que as pessoas busquem e aceitem ajuda. Às
vezes, isso vem da noção enganosa de que Deus
espera que organizemos nossa própria vida e
obedeçamos por conta própria. É tão difícil
compreender que Deus ama o coração humilde e
contrito daqueles que não se gloriam em nada,
exceto no amor de Jesus Cristo. O orgulho nos
mantem isolados de outras pessoas e nos desvia
frequentemente dos auxílios que estão disponíveis,
sejam médicos, sejam benefícios comunitários.
Contudo, uma longa batalha contra o pecado
geralmente nos leva a nosso próprio fim e, somente
então, estamos prontos para clamar a Deus por
libertação e para procurar ajuda. Com muita
frequência, Deus nos esmagará com nossas
fraquezas antes de nos dar graça para
permanecermos firmes — e ele demonstra amor
para nos esmagar. Quando nossas batalhas contra o
pecado são passageiras e leves, podemos ser gratos
quando acabam, mas somente em proporção à
extensão de tempo de nosso sofrimento e do esforço
que dispendemos. Então, quando nos reerguemos,
buscamos tomar o crédito por isso. Afinal de contas,
foi como se tivéssemos feito tudo sozinhos. Nessas
horas, não perdemos muito tempo nos lembrando de
Jesus, porque não precisamos tanto dele. Nossos
olhos permanecem principalmente em nós mesmos e
ficamos ansiosos para contar aos outros como fomos
capazes de superar aquele pecado.
Mas, quando lutamos com um mesmo pecado por
muitos anos e fracassamos, as coisas se tornam mais
claras. Quando recebemos graça para obedecer,
existe muito menos confusão a respeito de quem fez
o quê. Se tentei com todas as minhas forças e
fracassei, sou finalmente convencido de que sem
Cristo não existe esperança de vitória. E, se a vitória
chegar nessa altura, é mais provável que eu entenda,
do fundo de minha alma, que foi Cristo quem fez
toda a diferença e me libertou, apesar de mim.
John Newton observou que Deus raramente nos
liberta de um pecado inquietante antes de nos
mostrar quão enraizada está, em nossa alma, a nossa
incapacidade de nos livrarmos de tal pecado. Se essa
obra for cooperativa, em que Jesus e eu trabalhamos
juntos, no final da apresentação haveria duas
pessoas no palco, curvando-se para a plateia, em
agradecimento. Todavia, entender minha
incapacidade me leva a uma postura muito diferente.
Não estou no palco ao lado de Jesus, curvando-me
em agradecimento. Em vez disso, estou prostrada no
chão, com o rosto no pó e as mãos em minha boca
insensata, adorando aos pés de meu querido
Salvador, cuja força e graça me resgataram.
Newton compara a batalha contra o assédio do
pecado inquietante a um navio perdido no mar
durante uma tempestade. Se a tempestade durasse
várias horas ou dias, os marinheiros ficariam
apavorados e aceitariam o fato de estarem perdidos.
Seu alívio seria grande quando a tempestade
acabasse e eles navegassem seguros rumo ao porto.
Porém, quando um marinheiro se perdeu no mar
por mais de um mês e se considera perdido por dias
sem fim, quão grande não será seu alívio quando
navegar em direção ao porto? Quão diferente seria a
sua alegria, em magnitude e intensidade, se tivesse
passado apenas um ou dois dias em perigo?51 Assim
são as nossas lutas contra o pecado. Algumas serão
breves, e Deus nos garante alívio imediato. Algumas
duram por anos e anos, e aprenderemos quão é
desagradável precisarmos de perdão tantas vezes. A
maior parte desses pecados permanecerá de alguma
forma em nós até que vejamos a Deus face a face e
nos maravilhemos de que podemos estar diante
desse Deus santo e de seu Filho fascinante. No
entanto, embora continuemos a pecar nesta vida
terremos, sabemos que somos abundantemente
perdoados, e nosso amor e apreciação pela natureza
de nosso Deus se torna mais clara. Newton declara
que, exceto por batalharmos muito contra o pecado,
não há outra maneira de possuirmos um coração
quebrantado e contrito em relação ao nosso pecado
ou um coração amoroso e cheio de compaixão para
com os outros.
Portanto, tentarmos com afinco andar em
obediência glorifica a Deus e é bom para nós. Os
resultados de nossos esforços estão nas mãos de
Deus. Às vezes, nos esforçaremos muito e teremos
sucesso, porém, com muito mais frequência, nos
esforçaremos muito e fracassaremos. Na verdade, às
vezes não teremos a força nem o desejo de tentar.
Então, a glória de Deus será revelada no fato de que
ele se apega incondicionalmente a nós e continua
sua obra em nós, capacitando-nos, se não para
corrermos na direção correta, ao menos para
engatinharmos ou simplesmente olharmos para a
direção certa.52 Ainda neste caso, a sua graça é
suficiente para a nossa fraqueza.

O SOBERANO DEUS E O DOM DA FÉ

Antes de nos colocarmos diante de Deus face a


face, não conseguimos escolher quão forte será a
nossa fé ou o quanto progrediremos na santificação.
Em Romanos 12, Paulo une, de maneira admirável,
o esforço por crescimento e obediência à soberania
de Deus:
Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que
apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos
conformeis com este século, mas transformai-vos pela
renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja
a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pela
graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não
pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com
moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a
cada um. Porque assim como num só corpo temos muitos
membros, mas nem todos os membros têm a mesma função,
assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo
em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém,
diferentes dons segundo a graça que nos foi dada.

Primeiro, observe como Paulo faz um forte


chamado à obediência enquanto insta que os crentes
ofereçam seus corpos como sacrifícios vivos,
sagrados e aceitáveis a Deus (Romanos 12.1). Aqui,
os imperativos são fortes e potencialmente
impactantes. Temos de ser transformados, dotados
de discernimento e apaixonados em nossa busca de
uma vida consagrada, mortificando nossos próprios
desejos neste processo. Porém, ao mesmo tempo,
Paulo nos lembra duas coisas. À medida que nos
empenhamos arduamente, precisamos ter nossas
mentes renovadas, em um processo em que somos
passivos e Deus é ativo. Além disso, existe um forte
apelo à humildade e um lembrete de que não
pensemos a nosso respeito além do que convém e
que nos avaliemos com julgamento sóbrio
(Romanos 12.3). Temos de ponderar
cuidadosamente o fato de que é Deus quem
determina que tipo de fé teremos. Não temos de
tomar essa decisão! Deus concede a alguns uma fé
forte e a outros uma fé fraca, de acordo com sua
sabedoria e seu plano. Cabe a nós considerar nossa
própria fé e a dos outros, enquanto vivemos juntos
em um só corpo. Deus distribuiu quantidades
variadas de dons e graça, de acordo com sua
vontade e não como gostaríamos que ele fizesse.
Isso é tão contrário à ilusão da Disney! Não
podemos tentar arduamente e sermos mais fortes;
não podemos nem mesmo “apenas crer”! Em vez
disso, devemos nos submeter à vontade de Deus e
trabalhar com a fé e com os dons que ele designou
para nós.
É extremamente doloroso ser um cristão fraco na
igreja evangélica americana de nossos dias. Coloca-
se tanta ênfase na leitura, na oração, no crescimento
e na vitória, que sobra pouco espaço para se falar
daqueles que Deus segura com braço forte e talvez
conheçam pouco da alegria da plena certeza de fé e
da satisfação de crescimento em graça e em
obediência — pelo menos nesta vida. O que
devemos fazer com aqueles que possuem fé
suficiente apenas para serem contados como
pertencentes a Cristo, mas que, em meio à
severidade de circunstâncias da vida que Deus lhes
designa e ao efeito devastador de influências
moldadoras, mal podem recordar o evangelho dia a
dia?
Estou convencida de que estes crentes — aos quais
alguns podem se referir como “os menores deles” —
talvez sejam, de fato, os verdadeiros campeões da
nossa fé. Eles vacilam ao longo da vida, mal
conseguem recordar a verdade ou conectar as
poderosas doutrinas da fé às suas batalhas, para
acalmar seus medos e aquietar seu coração. Eles são
informados de que devem correr na direção de Deus
com toda a sua força, mas se encontram
frequentemente quase incapazes de permanecer no
chão e olhar na direção certa. Apegam-se
desesperadamente a Deus, mas sem nunca sentirem
a garantia de sua presença ou serem capazes de
descansar sob o amor que os rodeia. Vamos
organizar mais estudos bíblicos para eles? Vamos
discipliná-los quando se arrependem repetidas vezes,
mas pareçam não poder se libertar de padrões de
pecado profundamente enraizados.
Estou convencida de que esses preciosos santos
estão entre aqueles pelos quais Cristo morreu e são,
à sua maneira, heróis da fé que se apegam a Deus,
apesar da fraqueza e da fé instável. “Não esmagará a
cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega,
até que faça vencedor o juízo” (Mateus 12.20). Em
face de suas próprias lutas contra a incredulidade,
eles são aqueles que creem (Marcos 9.24). Devemos
amá-los, suportar seus fardos gentilmente e ajudá-
los a levar suas cargas, porque eles pertencem a nós
(Gálatas 6.2). São nossa família no Senhor.
Aconselho muitas pessoas que lutam contra a
incerteza e sofrem com uma fé fraca. Mal posso
esperar para ver o júbilo em sua face quando
finalmente chegarem ao céu! Aqueles que são
abençoados com uma fé vigorosa nesta vida
despertarão para estarem na glória como haviam
esperado. Sabem que tudo isso é verdade, acreditam
em Deus e talvez raramente experimentam um
momento de dúvida. No entanto, para outros, valerá
a pena assistir ao seu momento de despertar. Você
pode imaginar a surpresa e o prazer de estarem
realmente no céu depois de tudo? Na terra, eles mal
podiam esperar que a promessa de vida eterna fosse
verdadeira ou que Deus os salvaria e nunca sentiram
a alegria deste fato em toda a sua vida. Mas, quando
chegarem ao céu, tudo mudará. E imagino que
talvez eles passem seus primeiros milênios no céu
surpresos e felizes simplesmente por estarem ali.
“Muito bem, servo bom e fiel... entra no gozo do
teu senhor” (Mateus 25.21). A alegria deles no céu
será igualada somente à alegria do Pai em provar,
mais uma vez, que o evangelho do seu Filho é
suficiente para salvar até o mais fraco e o mais
quebrado entre os homens. Os anjos já estão se
regozijando, e a orquestra já está tocando para eles,
mas eles ainda não sabem disso (Lucas 15.7, 9, 22-
24). A graça de Deus realmente é suficiente para
todos eles.
UMA PALAVRA AOS FRACOS

Se você está lendo isto e se sente fraco, por favor,


encoraje-se. Estou falando aqui para pessoas que
lutam desesperadamente contra o medo, a
ansiedade, a depressão e a dúvida e para pessoas
que lutam constantemente contra pecados que elas
pensam estar além do alcance de Deus. Pecadores
sexuais se sentem frequentemente assim, em especial
cristãos que lutam contra sentimentos de atração por
pessoas do mesmo sexo e contra a tentação de se
entregarem ao pecado de homossexualidade.
Embora Deus não tenha criado essa sua luta nem
tente você a isso, ele o chamou para caminhar com
ele. Deus lhe designa esta luta e lhe mostra seu amor
quando o chama a passar através dela. Deus sente
desgosto de você. Não existe nenhum pecado
debaixo do sol que surpreenda a Deus ou o afaste de
você. Você não é o pior entre os piores ou mais
depravado do que aqueles que lutam contra pecados
socialmente mais aceitos, como a gula, o orgulho ou
a ostentação. Pecado é pecado, e estamos todos no
mesmo barco, não importando o foco de nossos
desejos pecaminosos. As raízes do pecado em nosso
coração são iguais, ainda que as manifestações
exteriores variem imensamente. Muitas vezes, Deus
realiza seus mais magníficos trabalhos naqueles que
consideram seus pecados os mais vergonhosos.
Muitos dos homens mais piedosos que conheço são
cristãos que lutam contra a atração por pessoas do
mesmo sexo e buscam viver em obediência a Deus.
Se você está em Cristo, você é querido, é lavado, é
limpo e está envolvido com as vestes perfeitas de sua
bondade. Onde quer que você tenha pecado e
continue pecando, Jesus obedeceu em seu lugar. Isso
significa que você é livre para lutar e fracassar, livre
para crescer lentamente, livre, às vezes, para não
crescer, livre para se entregar à misericórdia de Deus
por toda a vida. Derrotas repetidas não significam
que você não foi salvo ou que Deus esteja cansado e
desapontado com você. Significa que ele o chamou
para uma batalha dura e o segurará quando estiver
caindo e o trará em segurança para casa.
Você tem uma grande razão para ter esperança.
Deus está trabalhando fielmente em você, e ele
muda realmente o seu povo. Deus pode mudar seus
desejos ou amenizar sua batalha ou pode lhe dar paz
e alegria em meio a pensamentos e desejos que não
mudam. Ele o ama da mesma maneira como ama a
Jesus e está sempre a seu favor, nunca contra. Você
também é um troféu da graça e brilhará por toda a
eternidade na divina vitrine celestial, como um dos
ornamentos que decorarão os corredores do céu
para trazer glória a Deus para sempre. Como Tullian
Tchividjian disse:

Porque Jesus foi forte por mim,


Sou livre para ser fraco.
Porque Jesus venceu por mim,
Sou livre para perder.
Porque Jesus era Alguém,
Sou livre para ser ninguém.
Porque Jesus era extraordinário,
Sou livre para ser ordinário.
Porque Jesus venceu por mim,
Sou livre para fracassar.53

UMA PALAVRA AOS FORTES

Deus abençoou você amplamente com dons, como


estabilidade emocional e saúde mental? Se isto é
verdade, talvez você não passe por situações de
ansiedade, depressão ou vergonha com muita
frequência e talvez seja habilidoso em prosseguir
pela vida com propósito e sucesso. Provavelmente,
não é sua intenção ser descuidado com aqueles de
coração mais frágil ao seu redor, mas há uma boa
chance de que o seja e não saiba disso. Fui culpada
disso ao longo da minha vida e me entristeço
quando penso que aumentei os fardos de outros com
minha severidade e orgulho. Figuradamente, eu
poderia dizer que quebrei diversas canas e apaguei
muitas tochas cintilantes. Agradeço a Deus por ele
não ter me dado o poder de arruinar ninguém, caso
contrário, certamente seria culpada desse pecado.
Não sou muito forte, mas sou mais forte do que
alguns e já cheguei a usar essa força de maneira
destrutiva. Louvo a Deus por sua graça também ser
suficiente para todos os meus pecados.
Você é uma pessoa forte e destrutiva? Existe
inúmeras almas feridas atrás de você? Pessoas que
você culpa por serem demasiadamente sentimentais,
que você despreza ou ignora por serem fracas?
Pense com cuidado sobre a sua força e de onde ela
veio. Você cresceu numa casa cheia de graça e
saúde? Esse foi um presente que Deus lhe deu, pois
você não teve chance de escolher que família iria
criá-lo. Embora as circunstâncias que nos moldam
quando crianças não determinem nosso futuro, Deus
ordenou que elas tenham forte influência nos tipos
de problemas teremos que encarar ao longo de
nossas vidas. Você cresceu ao redor de
circunstâncias difíceis e superou muitas
adversidades, por isso espera que os outros o
acompanhem e façam o mesmo? Se isso é verdade,
talvez você tenha esquecido quem lhe deu esse
desejo e habilidade para superar seus obstáculos.
Não importando o que você faça, sua força não é
realmente sua, e se você acha que é, pode causar
grande quantidade de tristeza nos outros com suas
expectativas de que sejam fortes como você.
Se você suspeita que isto o descreve, não se
desespere. Infelizmente, esta é a descrição de muitos
cristãos, alguns deles pastores e líderes em nossas
igrejas. Ainda assim, a graça de Deus é suficiente
para você. Em cada situação que você possa ter
destruído e machucado, Jesus já lidou e cuidou
pacientemente de outros em seu lugar. Perceba a
bondade de Jesus para com a pouca fé dos
discípulos no barco. Pense no amor pela mulher
pecadora em Lucas 7. A obediência de Jesus
também permanece em seu lugar e as feridas dele
advogam por você diante do Pai. Peça-lhe que abra
seus olhos e o humilhe e, depois, celebre o
extravagante amor de Deus tanto para corajosos
quanto para temerosos.
Ainda que seus pecados sejam como uma
montanha, a justiça de Cristo se eleva acima de
todos eles e alcança o trono da graça para desarmar
a ira de Deus e obter para você a eterna alegria de
seu Pai celestial. Louve a Deus! Não estamos sob a
lei, mas sempre banhados pela fonte que jorra sua
maravilhosa graça.
PARA REFLEXÃO

1. Você tende a se sentir orgulhoso quando


permanece forte como um cristão? Você ficaria
decepcionado se descobrisse que sua obediência não
é realmente sua? Por quê?
2. De que maneira pode ser uma boa notícia o fato
de que você, mesmo como cristão, não pode gerar
obediência a Deus sem a intervenção ativa dele para
lhe dar desejo e capacidade para obedecer? Por que
você não é livre para tentar obedecer a Deus? Como
você acha que seria continuar tentando obedecer a
Deus, sabendo que você não tem em si mesmo o
poder para obedecer-lhe?
3. Que pecados de sua vida pareceram fáceis de
superar? Já parou para pensar por que outras
pessoas não conseguem parar de pecar como você
conseguiu? Que pecados o derrotaram, apesar de
seus maiores esforços em querer mudar? Por quê?
4. Caso você se considere alguém dotado de
julgamento sóbrio, responda que tipo de fé Deus lhe
concedeu até agora? Que dons ele lhe deu? Quanta
graça para mudar Deus está lhe dando neste
momento?
5. Visto que costumamos ser profundamente cegos
em relação a nós mesmos, que tipo de ajuda
devemos buscar enquanto tentamos avaliar essas
coisas?
6. Como as Escrituras nos encorajam a agir para
com outros crentes que lutam com dúvidas e
medos?
7. De que maneira você feriu outras pessoas ao seu
redor com sua força? Que verdades o ajudarão a
reconhecer suas próprias falhas nesta área?
43. John Newton, “Causes, Nature and Marks of a Decline in
Grace”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2011), 134.
44. Newton, “The Believer’s Inability on Account of Remaining
Sin”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of
Truth, 2011), 144.
45. Ver “Letter 15” em “Twenty-six letters to a Nobleman”, The
Works of John Newton, vol. 1 (repr., Edinburgh: Banner of Truth,
1985), 490.
46. Confissão Belga, Artigo 24: “A Santificação de Pecadores”,
disponível em:
www.monergismo.com/textos/credos/confissao_belga.htm.
47. A citação completa está desta forma: “Se você é um pregador
da graça, pregue a graça verdadeira e não uma graça fictícia; se a
graça é verdadeira, você deve tolerar um pecado de verdade e não
um pecado fictício. Deus não salva pessoas que são apenas
pecadores fictícios. Seja um pecador e peque ousadamente, mas
creia e se regozije em Cristo ainda mais ousadamente, pois ele é
vitorioso sobre o pecado, a morte e o mundo. Enquanto
estivermos aqui [neste mundo], havemos de pecar. Esta vida não é
a morada da justiça, mas, como disse Pedro, aguardamos novos
céus e nova terra, nos quais habita a justiça. É suficiente que, pelas
riquezas da glória de Deus, chegamos a conhecer o Cordeiro que
tira o pecado do mundo. Nenhum pecado nos separará do
Cordeiro, embora cometamos fornicação e assassinato mil vezes
por dia. Você acha que o preço pago pela redenção de nossos
pecados por um Cordeiro tão grande é pequeno demais? Ore
ousadamente – você também é um imenso pecador”. Ver Martinho
Lutero, “Letter to Melanchthon, 1 August de 1521”, in Gottfried
Krodel, trans., Luther’s Works, vol. 48 (Philadelphia: Fortress,
1963), 281-82.
48. John Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 10.
49. John Newton, “The Practical Influence of Faith”, Select Letters
of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 91.
50. John Newton, “What the Believer Can Attain to in This Life”,
Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth,
2011), 159.
51. John Newton, “Advantages from Remaining Sin”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
152.
52. Ver David Powlison, “Making All Things New: Restoring Pure
Joy to the Sexually Broken”, em John Piper e Justin Taylor, eds.,
Sex and the Supremacy of Christ (Wheaton, IL: Crossway, 2005),
81.
53. Tullian Tchividjian, Jesus + Nothing = Everything (Wheaton,
IL: Crossway, 2011), 24.
capítulo dez
pecadores que sofrem

Um homem verdadeiramente iluminado não


desprezará os outros, assim como Bartimeu, depois
de abertos seus próprios olhos, não pegaria uma
vara e agrediria todos os cegos que encontrasse.
— John Newton54

O pecado, quase sempre, nos torna miseráveis. Pode


parecer uma boa ideia no momento e promete todo
tipo de satisfação e prazer, mas, no fim, o pecado
sempre complica nossa vida, fere a nós mesmos e
aos outros, fazendo que nos sintamos culpados,
envergonhados e afastados do amor de Deus. No
livro de Provérbios, aprendemos que o caminho
perverso do transgressor é cheio de espinhos e
armadilhas (Provérbios 22.5). Tal fato corresponde à
nossa própria experiência de vida. Sofremos
intensamente devido ao fruto amargo de nossa
própria estupidez, apetites tolos, desejos
desordenados e desejos excessivos de coisas boas.
Contudo, muitos de nós achamos difícil reagir com
piedade e compaixão ao nosso próprio pecado e ao
de outros. Pensamos que, se não lidamos
severamente com o pecado ou se celebrarmos muito
o modo como Deus foi severo com o pecado ao
punir Cristo em nosso lugar, estamos tolerando e
permitindo o pecado em nós e nos outros. Como
resultado, nossa postura é, frequentemente, de
exasperação e julgamento para com os reincidentes,
em vez de uma postura compassiva, amorosa e
compreensiva. Podemos ser pacientes com o viciado
enquanto ele estiver se esforçando para se recuperar.
Podemos reagir com graça quando ele cai nas
primeiras vezes, mas o amor e a ternura se acabam
rapidamente diante do fracasso persistente.
No entanto, quando Jesus interagia com pecadores
graves — alguns deles reincidentes —, sua postura
era sempre gentil e encorajadora. Ele se referia ao
pecado como este realmente é e nunca o perdoou,
mas, ao mesmo tempo, nunca humilhou os
pecadores com a verdade e nunca lançou em rosto
seus fracassos. Ele proferiu muitas palavras ásperas
e graves para os fariseus hipócritas, mas o pecador
reincidente e contrito achava nele acolhimento gentil
e perdoador.

A HISTÓRIA DE JIM

Se a apresentação da vida cristã feita por John


Newton é verdadeira e fiel às Escrituras, há grande
razão para que tenhamos compaixão amorosa para
com os outros quando são apanhados em padrões de
pecado dos quais não conseguem se libertar. Se eles
são completamente dependentes da graça específica
e poderosa de Deus para verem com clareza seus
pecados e se arrependerem deles, pode haver longos
períodos de tempo em que saberão que devem se
arrepender, mas serão incapazes de fazê-lo.
Foi isso que aconteceu com Jim, um homem
amável e hospitaleiro, bem versado na Bíblia e na
teologia, que era e presbítero na igreja em que meu
marido servia como pastor temporário. Desfrutamos
de muitos almoços e conversas agradáveis sobre o
Senhor na cada de Jim; e nunca sonhávamos que ele
cairia tão drasticamente. Jim não se considerava um
homem de boa aparência e, por isso, achava seguro
aconselhar algumas das mulheres da igreja. Por estar
acima do peso e ter aparência razoável, ele julgava
que nenhuma mulher o acharia atraente. Estava
errado. Começou a aconselhar uma bela mulher,
casada com um marido irresponsável e alcoólatra. E
ela achou muitas coisas atraentes naquele homem
religioso que trabalhava zelosamente para sustentar a
família. Não demorou muito para que Jim e Valerie
se envolvessem sexual e emocionalmente. Quando
meu marido foi informado da situação, Valerie
estava grávida de Jim e duas famílias haviam sido
destruídas.
O pecado pareceu divertido por um tempo. Jim e
Valerie estavam apaixonados e completamente
absortos em sua nova vida juntos. Deixaram seu
cônjuge e pareciam despreocupados com o impacto
devastador que isso teve sobre os sete filhos, cujas
vidas e lares foram destruídos. Meu marido, com os
outros presbíteros da igreja, confrontou ou Jim e se
esforçava para argumentar com ele, mas não
adiantava. Ele concordou que o que estava fazendo
era errado, mas havia se encantado por Valerie e
estava resoluto em sua determinação de tê-la para si.
Então, depois de receber um tempo razoável para se
arrepender, Jim foi excluído da igreja — não por
cometer esse pecado, mas por não se arrepender.
Ficamos todos entristecidos por essa guinada de
eventos horrivelmente dolorosa.
À medida que a vida voltava ao normal e todos
lutávamos para viver com a nova realidade,
imaginávamos o que fazer com Jim. Ele possuía
muito conhecimento teológico e, nos meses
seguintes, se encontrou em uma situação que o
surpreendeu. Sabia que a igreja tinha feito a coisa
certa ao excluí-lo, mas isso o irritava muito. Sabia
que o que fizera e estava fazendo era errado e
pecaminoso, mas seu coração permanecia inflexível
como pedra. Perguntou se poderia nos visitar, e
concordamos em nos encontrar com ele novamente,
embora nos perguntássemos o que poderíamos dizer
ou fazer para causarmos diferença. Também
estávamos fortemente tentados a ficar com raiva
dele. Vimos a devastação que suas ações causaram e
nos perguntamos como um homem poderia ser tão
egoísta a ponto de arruinar seus filhos na busca de
um novo amor. Ele estava completamente cego à
dor dos filhos e cheio de razões pelas quais suas
ações faziam sentido.
Os ensinos de Newton nos ajudaram a amar Jim
em sua cegueira. Compreendemos que, se todos
somos dependentes do Espírito Santo para nos
capacitar a ver nosso pecado e se somente ele pode
nos dar um coração contrito e arrependido, Deus
deve ter deixado Jim nessa situação por um longo
tempo. Lembro vividamente o dia em que Jim se
sentou em nossa sala de estar e disse: “Eu sei que
deveria pedir perdão por tudo isso e que deveria me
arrepender, mas não consigo. Estou feliz por ter
feito isso e faria tudo outra vez”. Lembramos Jim
que ele deveria se arrepender, mas que não poderia
fazê-lo sem a ajuda de Deus. Como 2 Timóteo 2.25
nos mostra, o arrependimento é um dom que Deus
concede, não algo que podemos operar dentro de
nós. Dissemos a Jim que o amávamos e que não
pararíamos de orar para que Deus movesse seu
coração e lhe desse o dom do arrependimento.
Não ouvimos falar de Jim por quase dois anos, mas
finalmente o telefonema veio. Deus tinha sido fiel e,
por causa de seu grande amor por dois grandes
pecadores, havia amolecido dois corações com
arrependimento. Jim e sua nova esposa foram
inundados de admiração, espanto, alegria e gratidão
pelo fato de que Deus estenderia seu amor e perdão
a pessoas tão cegas e teimosas como eles. Ele não
conseguia parar de louvar a Deus e sua alegria o
levou a querer fazer as coisas da maneira mais
correta possível, à luz de tudo o que havia ocorrido.
Quando Deus finalmente abriu seus olhos e lhe
mostrou a enormidade de seus pecados e o impacto
devastador que teve em muitas vidas, Jim ficou
quase perdido. Todavia, algo mais estava
acontecendo em seu pecado e por meio dele. Jim
começou a construir dois monumentos em sua vida.
Um deles era um memorial à enormidade de seu
pecado atroz e destrutivo. O outro, próximo a esse,
era um belo santuário para comemorar o incrível
amor do Deus que, em vez de destruí-lo por seu
pecado, escolheu morrer numa cruz e pagar por ele,
para reconquistá-lo. Jim voltou à sua antiga igreja e
fez uma confissão completa diante da congregação.
Foi restaurado à comunhão e à Ceia do Senhor e
ainda está cantando louvores a Deus e dizendo a
todos que, embora tenha sido e continue sendo um
grande pecador, ele tem um Salvador muito maior.
Eu gostaria de acreditar que nunca poderia fazer o
que Jim e Valerie fizeram, mas é claro que posso e,
na primeira oportunidade, eu o farei. Se Davi, o rei
ungido de Israel, o homem segundo o coração de
Deus, pôde cometer adultério e assassinato, então,
eu também poderei, se Deus me deixar entregue a
mim mesma, por um momento, e me der a
oportunidade. Quanto mais Deus me ajuda a
acreditar nisso, tanto mais sou capaz de amar os
pecadores arrogantes e sentir compaixão por toda a
miséria que o pecado traz. Jim e Valerie passarão o
resto de sua vida vivendo com os efeitos de seu
pecado em seus filhos. A graça de Deus será
suficiente para isso, e ele usará o pecado deles
também para o bem de seus filhos, mas isso não será
fácil. Conhecerão tristeza e arrependimento ao
mesmo tempo que se regozijarão na fidelidade de
Deus por eles. Terão muitas oportunidades para
odiar seu pecado e amar o que Deus fez em seu
coração por meio dele.
Antes de cair, Jim era um homem orgulhoso e justo
a seus próprios olhos, que conhecia bem sua
doutrina, mas encontrava dificuldade em amar os
outros e suportar os que tinham doutrina defeituosa.
Ele era um espectador da graça. Admirava o
conceito e gostava de falar sobre suas implicações
teológicas, mas ele mesmo não sentia profunda
necessidade pessoal da graça. Hoje, ele é um
homem diferente, um recipiente feliz da graça que
outrora só admirava à distância. Como resultado,
agora ele exerce diariamente um ministério de
aconselhamento compassivo para trabalhadores e
clientes no lado de fora de uma clínica de aborto. O
caminho do transgressor é árduo e humilhante, mas
é cheio de admirável doçura e gozo para aqueles a
quem Deus chama ao arrependimento.
PACIÊNCIA COM O NOSSO PRÓPRIO
PECADO

A compreensão de como Deus trabalha na vida de


seus filhos não somente nos ajuda a saber como
amar os outros, mas também nos ensina a vermos a
nós mesmos com mais exatidão, quando estamos
presos a padrões de pecado dos quais sabemos que
devemos nos livrar mas não conseguimos. Deus
planeja algo bom até por meio de nossos piores
pecados – de fato, especialmente por meio deles.
Quando compreendemos e experimentamos nossa
profunda incapacidade de obedecer ou de
arrepender-nos, podemos nos tornar pessoas mais
pacientes e meigas e, por fim, vemos as traves, em
nossos próprios olhos, mais claramente do que
vemos o argueiro nos olhos dos outros (Mateus 7.3-
4). Nosso pecado pode nos moldar em pessoas que
exortam amorosamente os outros ao
arrependimento, sem um espírito de superioridade e
julgamento, mas com tremendo amor e gentileza
(Gálatas 6.1).
Existem várias áreas de minha vida em que gostaria
de mudar; e tenho pedido a Deus que me
transforme, mas eu mesma ainda não cresci. Por
exemplo, luto para ser uma amável esposa de pastor
para as mulheres em nossa igreja. Tenho uma amiga
estimada que é o tipo de esposa de pastor que eu
gostaria de ser: ela é amorosamente interessada na
vida das pessoas em sua igreja, preocupa-se com
elas e as serve com paciência; lembra-se de todos os
aniversários e dos detalhes importantes e menos
importantes da vida das pessoas e de seus filhos;
planeja estrategicamente receber em sua casa
pessoas para uma refeição e tem comunhão fiel com
as mulheres de sua igreja, por meio de estudos
bíblicos e eventos sociais. Esse é o tipo de esposa de
pastor que eu gostaria de ser, mas Deus não me
escolheu para me tornar no docinho de coco que eu
gostaria de ser, que transborda amor para todos ao
seu redor.
Em vez disso, sou inclinada a avaliar as pessoas
com base no que elas fazem ou deixam de fazer pela
igreja (e numa igreja sempre há muito a ser feito!).
Favoreço pessoas que valorizo, mas sou igualmente
propensa a julgar e a não favorecer outras pessoas,
bem como a ter um coração que se ira facilmente se
acho que elas têm expectativas injustas a meu
respeito. Neste exato momento, há uma pessoa em
minha vida a quem deveria perdoar por uma ofensa
seríssima, e não quero fazê-lo. Na verdade, mal
posso olhar para essa mulher. Sei que não tenho
motivo algum para guardar tamanho rancor. Deveria
perdoá-la livremente, assim como fui perdoada, mas
não quero fazer isso. O que devo fazer comigo
mesma? De certo modo, esta frieza em meu coração
se opõe a cada coisa que escrevi neste livro sobre as
maravilhas do evangelho. Ainda assim, acho que
não consigo amolecer o coração nem renuir desejo
necessário para que ele seja amolecido.
Estou presa, mas, ao mesmo tempo, posso estar em
paz com minha incapacidade de fazer como deveria.
Entendo que nunca serei capaz de querer perdoar
sem um ato de Deus em meu coração. Na verdade,
em outro sentido, tudo que sinto em meu coração
neste momento confirma tudo que aprendi. Não
existe um interruptor que eu possa ligar para me
fazer querer amar esta senhora, nenhuma disciplina
espiritual que eu possa exercer para colocar meu
coração rebelde em ordem. Ao lutar, sem sucesso,
com meu coração, Satanás zomba de mim
regularmente com e Evangelho, dizendo: “Como
você ousa ensinar outros sobre a graça e o perdão de
Deus quando não consegue nem mesmo olhar para
esta senhora sem desprezá-la!” De fato, ele está
certo; eu não tenho direito nenhum de abrir minha
boca, mas, antes de tudo, o evangelho não se
focaliza em mim; pelo contrário, o evangelho diz
respeito à maravilhosa graça de Deus que se
manifestou em Jesus — a boa-nova que agora é
declarada por meio de mensageiros imperfeitos, que
precisam desesperadamente da mesma graça sobre a
qual falamos aos outros.
Portanto, assim como posso ter compaixão dos
outras pessoas quando seus pecados tornam sua vida
tremendamente difícil, posso confiar que Deus usará
o pecado delas, que ele odeia, para realizar coisas
boas que ele ama na vida delas. Posso ter compaixão
de mim mesma — confiando que Deus usará meu
próprio pecado para sua glória e para meu benefício.
Afinal, mesmo agora, Jesus olha para o meu coração
imperdoável e manchado de pecado e declara
“nenhuma condenação” (Romanos 8.1). Eu não
deveria concordar com a avaliação de Deus quanto
ao meu status diante dele mesmo, em vez de
concordar com a avaliação de Satanás?

PACIÊNCIA COM O PECADO Dos OUTROS


Em seus escritos, John Newton expressou
tremenda compaixão para com os pecadores fracos
e reincidentes. Ele argumenta desta maneira:

Um grupo de viajantes cai num fosso: um deles pega o outro


a fim de puxá-lo para fora. Agora, este não deve ficar
irritado com os demais por haverem caído no fosso, nem por
não terem saído, como ele. Ele não puxou a si mesmo para
fora. Portanto, em vez de reprová-los, deve mostrar-lhes
compaixão... Um homem verdadeiramente iluminado não
desprezará os outros, assim como Bartimeu, depois de
abertos seus próprios olhos, não pegaria uma vara e
agrediria todos os cegos que encontrasse.55

William Cowper, poeta e compositor de hinos, foi


originalmente educado para ser um advogado, mas
teve de desistir dessa ambição por causa de sua
depressão. Ele tentou o suicídio três vezes e foi
internado por um tempo numa clínica psiquiátrica,
devido à depressão severa. Foi nessa clínica que, por
meio da influência de um médico evangélico, sua fé
em Cristo teve início. Cowper começou a frequentar
a igreja de Newton quando se mudou para Olney e
logo se tornaram amigos íntimos, colaborando nos
projetos de composição de hinos. Entretanto, suas
lutas com a depressão retornaram ao ponto em que
Cowper já não era nem mais capaz de ir à igreja.
Newton continuou a cuidar de Cowper e a encorajá-
lo, fazendo grandes caminhadas com ele e
ajudando-o em meio ao terrível desespero.56
Que maravilhosa providência de Deus levou esses
dois homens a serem ricamente abençoados um pelo
outro! Newton viu a glória de Deus em Cowper e,
com grande gentileza e paciência, procurou aliviar
seu sofrimento e fazer com que seus dons
estivessem à disposição do corpo de Cristo. Ele não
repreendeu Cowper por sua fé fraca ou por sua luta
contínua com a depressão, mas caminhou
amorosamente com ele. Embora nunca tenha sido
curado, Cowper viveu a restauração de sua
depressão por cerca de nove anos, que coincidiram
com sua descoberta da doutrina da graça. Esse fato
aliviou sua consciência e o convenceu, em seus
melhores momentos, de que sua segurança
repousava nas mãos de Deus e não na força de sua
própria fé. A compreensão de Newton quanto ao
sofrimento que o pecado e a fraqueza causam fez
com que ele se tornasse um homem cheio de
misericórdia e graça para com os que permaneciam
incapazes de prosperar emocionalmente sob os
fardos que Deus os chamou a carregar.
A análise cuidadosa de Newton sobre o estado do
crente o fez, como o cristão maduro que ele
descreveu em suas cartas, a levar em contra as falhas
de outros crentes.57 Sua resposta àqueles que lhe
escreviam em estado de desespero, devido a seus
pecados recorrentes, nunca teve o tom de “Como
você pôde fazer isso?” Ao contrário, sua resposta
habitual era: “Mas é claro que você fez isso; você é
um pecador, e é isso que os pecadores fazem”.58 Ele
ponderava que existem tantas coisas agindo contra
os pecadores neste mundo, que nunca devemos ficar
chocados quando eles caem. Pelo contrário,
devemos ficar constantemente admirados quando
não o fazem!
O primeiro desses enormes obstáculos que se
colocam entre os crentes e a vida santificada é a
realidade poderosa da corrupção ainda existente em
nós. É algo triste e desagradável conhecer o
evangelho, experimentar a incrível e poderosa graça
de Deus e, ainda assim, pecar e querer pecar
novamente contra ela. Pecar contra a lei de Deus é
bastante desagradável, porém, muito pior é pecar
contra Deus em face de seu amor excepcional e de
sua provisão sacrificial em favor de todo o nosso
pecado.59 No entanto, apesar disso, pecamos
repetidamente.
Lembro-me da época em que nosso segundo filho,
Sam, perturbava minha paz e alegria. Ele era um
bebê encantador – pelo menos até começar a sentar
em uma cadeirinha alta para comer suas refeições.
Isso era uma aventura para ele. Logo ele começou a
se divertir e a brincar com a comida. Às vezes,
colocava comida em sua cabeça; em outros
momentos, jogava-a tão longe quanto podia. Eu
sabia que não podia deixar que esse mau hábito se
transformasse em um estilo de vida; por isso, decidi
cortar o mal pela raiz imediatamente. Disse: “Sam,
NÃO! Você não pode fazer isso. A mamãe vai ter
que lhe dar umas palmadas se você fizer isso de
novo”. Esse discurso não teve impacto algum; ele
me olhava nos meus olhos com dengo e fazia de
novo. Dessa vez tive que seguir com minha ameaça,
por isso, tomei sua pequenina mão, dei-lhe uma
palmada e o avisei novamente. Esse pequeno e
audacioso querubim mal acabou de chorar, olhou-
me nos olhos e repetiu suas ações.
A batalha continuou. Logo depois de arremessar
sua comida, levantou a mão para que eu lhe desse a
palmada, enquanto se encolheu e esperou pelo tapa.
Assim era o seu compromisso com a inacreditável
rebelião! Ele não parava para pensar, nem por um
minuto, em nossa provisão ao dar-lhe comida, vesti-
lo ou amá-lo compreensivamente. Só estava
determinado a vencer a batalha. Pela graça de Deus,
Sam desistiu finalmente dessa batalha e cresceu,
tornando-se um rapaz alegre e um cristão dedicado
que ama o Senhor. Deus foi misericordioso com ele
e conosco ao convencê-lo de que esse tipo de
rebeldia não valia realmente o esforço! Entretanto,
por alguns meses, parecia que sua perseverança
poderia nos derrotar!
Que benção saber que nosso apego obstinado ao
pecado nunca poderá derrotar o amor de Deus por
seus filhos! Como o meu pequeno garoto, parece
que atingimos níveis cada vez mais profundos de
feiura quando perseveramos em nosso pecado,
apesar dos oceanos da graça de Deus que jorram em
nossa direção diariamente. Somos realmente muito
ruins e, quando Deus abre nossos olhos para que
vejamos as profundezas de nossa rebelião, ela é uma
coisa difícil de superar. Não é surpresa que muitos
crentes vivam envergonhados e deprimidos em face
dessas revelações, especialmente se o sistema
doutrinário que eles seguem não os prepara para a
verdade de que é assim que as coisas devem ser.
Deus planejou tudo dessa maneira para que
pudéssemos ver a grande necessidade que temos
dele e valorizássemos tudo o que ele fez por nós,
descobrindo que, não importando quão mau
verdadeiramente sejamos, sua graça é ainda maior.60
Esta verdade reconfortante raramente é ouvida.
Além disso, os cristãos possuem um adversário
muito poderoso. Satanás é antigo e experiente em
seu ofício. Ele tem tentado as pessoas por séculos e
se deleita com sua habilidade e com o poder que
Deus lhe permite exercer sobre os que não consegue
derrotar definitivamente. É interessante explorar os
pecados característicos contra os quais lutamos e ver
quão eficaz Satanás é em atrair-nos para uma
cascata de pensamentos que acabam por nos levar
ao pecado. Podemos até para e avaliar isto,
diagnosticando-o e esclarecendo-o, mas, apesar
disso, somos atraídos de volta a ele no momento
seguinte e cambaleamos, impotentes, em direção à
sua conclusão inevitável. É ridículo, mas poderoso e
cativante ao mesmo tempo.
Satanás conhece as influências modeladoras de
nossa vida e os padrões habituais em que caímos e
se aproveita muito bem disso. Falei sobre minha
grande luta contra a comida. Você pode pensar que,
por não ser mais obesa, devo ter conquistado certo
autocontrole nesta área. No entanto, vejo-me
atraída, outra vez, a uma luta poderosa contra este
velho e eterno inimigo. Neste momento, encontro-
me travando um combate mortal com os nuggets de
frango do McDonald’s. Até dois meses atrás, havia
trinta anos que eu comia um nugget de frango nem
me sentia tentada a fazê-lo. No entanto,
recentemente, enquanto esperava meu carro ser
consertado em uma loja de automóveis, acabei
assistindo a um programa de televisão, em que dois
cardiologistas foram convidados a encontrar as
opções mais saborosas e saudáveis de restaurantes
fast food. Um deles proclamou louvores sobre essas
delícias crocantes. Desde então, não consigo parar
de ficar indo ao drive-through e me entregar a esses
tesouros tentadores, com churrasco e molho
agridoce, certamente.
Esta situação é engraçada e triste ao mesmo tempo.
Deus está me conduzindo para algo contra o que
nunca sonhei ter de lutar, e Satanás é um especialista
em me atrair a um padrão de pensamento que faz
com que isso pareça a melhor ideia em todo o
mundo... até eu acabar de comer todos os dez
pedaços e não me sentir tão bem. Sozinha não sou
páreo para o poder de Satanás em me atrair para o
pensamento pecaminoso; po isso, é claro, eu peco, a
menos que seja resgatada.
Finalmente, vivemos em um mundo tão cheio de
tentações e oportunidades que é uma milagre
crescermos em obediência. Aconselho muitos
rapazes e moças que são viciados em pornografia e
que se sentem profundamente envergonhados por
seu pecado. Mesmo aqueles que lutam contra o
orgulho, a ganância e a autoglorificação, sem muita
culpa, sentem geralmente muita vergonha deste
pecado sexual e trilharão um longo caminho até a
reforma. Entretanto, esta é uma luta particularmente
resistente aos esforços para mudar. A poderosa
natureza viciante de todas as substâncias químicas
que produzem o bem-estar, liberadas no processo de
assistir pornografia e se masturbar, é difícil de
superar. A combinação de vergonha e incapacidade
de parar, normalmente, chama a atenção de uma
pessoa.
Quando é que a pornografia foi algo tão fácil de se
conseguir como agora, com o advento da Internet?
Você costumava arriscar algo para obtê-la, quando
era vendida em lojas, mas agora você pode se
entregar a ela secretamente e não deixar nenhum
rastro. Quando algum jovem é despedaçado por essa
batalha e vem pedir ajuda, espera ouvir um pastor
ou conselheiro dizer algo do tipo: “Como você
pôde?”, quando o que eles devem ouvir é: “Como
não poderia?” Vivemos numa sociedade altamente
sexualizada, em que mensagens audiovisuais nos
assediam constantemente. Temos corpos preparados
para o prazer do sexo. E, no caso de estudantes
universitários, que estão constantemente adiando o
casamento pelo bem de suas carreiras, a batalha é
intensa contra hormônios e desejos absolutamente
normais. Colocamos a nós mesmos e aos outros
numa posição de prontos para o fracasso e, depois,
agimos com surpresa quando as pessoas fracassam.
Um crente maduro estuda todos os aspectos da luta
de uma pessoa contra o pecado e faz muitas
concessões. Ele não deixa de se referir ao pecado
como a coisa horrorosa e má que ele é, mas entende
quão profundamente enraizado o pecado está em
nossa natureza humana e quão impotente todo
cristão é em se posicionar contra o pecado. Isso,
juntamente com a profunda compreensão de seu
próprio coração, torna o crente maduro brando e
compassivo para com cristãos que pecam e o torna
capaz de encorajar e restaurar com compaixão e
humildade. Esta expectativa realista sobre si mesmo
e sobre os outros, combinada com uma visão forte e
gloriosa da excelência do evangelho, forma uma
estabilidade na alma que não é abalada pelo pior que
os homens ou Satanás podem fazer. O pecado não
deveria nos chocar ou nos surpreender quando o
descobrimos em nós mesmos e nos outros.
Deveríamos esperá-lo.

E AGORA?

Tenho tido a grande alegria e o privilégio de ver a


verdade mudando pessoas. É inevitável. Deus está
trabalhando na vida de seu povo, e, como a maior
parte de meu ministério na igreja tem sido com
mulheres, eu as tenho visto crescer. Quando ensino
esse material para um novo grupo de mulheres, algo
começa a acontecer automaticamente. Podemos não
abordar o casamento diretamente, mas eles
começam a mudar. Quando alguém se torna um
recipiente da graça, esta começa a fluir para fora
daquela pessoa em direção aos outros. E ver isso
acontecendo não tem preço. Ao chegarmos ao
terceiro ou quarto estudo, as senhoras começam a
comentar e a dizer: “Sabe, agora que comecei a
entender como sou incapaz de mudar a mim mesma,
vejo que meu marido também está na mesma
situação. Não importa quanto eu o importune, ele
não consegue se organizar e mudar, assim como eu
não consigo”. Elas começam a importunar menos e
a orar mais. Na verdade, quando você começa
realmente a acreditar que somos incapazes e
dependentes de Deus para toda mudança, começa a
orar muito mais, não por achar que deve, mas
porque quer. Você vê que é a única forma de
transformação real.
A humildade muda muito nossos relacionamentos.
Entender a fraqueza muda o modo como criamos
nossos filhos também. É tão tentador palestrar para
nossos jovens e dizer-lhes como devem pensar,
sentir e agir. É tão difícil colocar-se ao lado deles,
como um “pecador como eles” e dizer-lhes como a
obediência é impossível. Podemos forçar uma
obediência externa sobre eles, porém somos
incapazes de mudar o coração deles. Não podemos
nos tornar arrependidos, entristecidos ou
compassivos, mas, de algum modo, nos parece justo
exigir essas coisas deles. Nós os envergonhamos até
que fiquem sobrecarregados com a pressão e
aprendam a fazer as coisas para nos agradar;
contudo, os resultados de longo prazo desta
abordagem nunca são bons. Tantas crianças cristãs
crescem e saem de casa completamente
despreparadas para entender e lutar com seu próprio
coração pecaminoso, porque nunca tiveram a
chance de entender e confessar a verdade de sua
própria fraqueza. São ensinados a confiar, obedecer
e marchar como um soldado no exército
conquistador de Deus, até que tudo se desintegre e
eles caiam em pecados que nunca pensaram que um
cristão poderia cometer.
Do mesmo modo, muitos pais temem admitir sua
própria fraqueza para seus filhos porque temem que
isso lhes dará autorização para pecar. Então,
trancamos todos numa situação impossível. Na
realidade, certamente nossos filhos conseguem ver
nosso pecado! Eles nos observam o tempo todo. Se
não confessarmos nossos pecados abertamente e o
explicarmos aos nosso filhos, corremos o risco de
perder toda a credibilidade diante deles.
Talvez pareça assustador confiar ao Espírito Santo
o desenvolvimento espiritual de nossos filhos, porém
ele é muito mais capaz e mais disposto a fazê-los
crescer espiritualmente do que poderíamos ser. Se
você se preocupa que, ao dizer aos filhos como eles
são incapazes de obedecer sem a ajuda de Deus,
lhes dará uma desculpa para continuarem pecando,
talvez deva experimentar fazê-lo e observar o que
acontece. Nos momentos em que você deve exigir
obediência exterior da parte deles, diga-lhes que não
podem mudar seu próprio coração. Em vez de punir
imediatamente a raiva deles, ponha-se no lugar deles
e procure entender. É claro que eles se sentem
impotentes, rebeldes e zangadas. A vontade deles
está sendo contrariada. Explique-lhes como você
também sente raiva com frequência. Provavelmente,
eles lhe diriam tudo sobre isso. Mostre-lhes como
seu coração também é incapaz e o que todos vocês
precisam fazer com corações assim.
Explique a seus filhos do que eles realmente
precisam. Precisam de Deus para fazer com que seu
coração seja mais brando e para fazê-los querer
obedecer; diga-lhes que precisam de Deus para lhes
dar força para obedecer. Em seguida, celebre com
eles tudo que eles têm em Cristo. Seus pecados
foram pagos pelo sangue de Cristo e são cobertos
por sua bondade obediente, como um manto
brilhante em torno deles. Celebre Cristo, ore por
seus filhos e espere que Deus faça sua obra, por
meio do Espírito Santo, a longo prazo.
Compreender sua própria incapacidade ajudará você
e seus filhos a aprenderem a lidar com a realidade de
seu coração caído e a valorizarem as maravilhosas
boas-novas do evangelho. Isso o ajudará a sentir
mais compaixão e entendimento, bem como menos
frustração e irritação. Afinal, eles são pecadores
como você.
Algumas vezes, compaixão e humildade também
nos levarão a permitir espontaneamente que outros
pequem contra nós. Há momentos, é claro, em que
essa não é a abordagem de devemos utilizar. Uma
mulher que está sendo espancada pelo marido não
deve se mostrar espontânea para sofrer esse abuso e
deixá-lo pecar contra ela. Ela precisa se proteger e
ajudar seu marido, saindo dessa situação de agressão
e achando ajuda para ambos. No entanto, há
momentos em que é espiritual deixar que outros
pequem contra você, colocar-se na brecha e suportar
a dor de permitir que outros o tratem mal. Não sei
quanto a você, mas, quando alguém peca contra
mim, há um clamor que aumenta no meu coração e
grita: “Como você ousa me tratar desse jeito!”
Permitir que outros me tratem com desrespeito e
falta de consideração é a coisa mais difícil do mundo
para mim .
No entanto, Jesus se ofereceu para sofrer
exatamente esse tipo de tratamento. Seu amor
cobriu uma multidão de pecados, tanto em relação
àqueles por quem morreu, quanto no caso daqueles
com quem interagiu aqui na terra. Ele nunca pediu
que fosse tratado como merecia, e, no final, se
ofereceu para ser espancado, abusado, odiado e
desprezado, a fim de resgatar seu povo. Somos
chamados a nos tornar como ele.
Recentemente, quando senti um senso de justiça
própria aumentando em mim e as palavras “Como
se atreve?” reverberando em minha mente, fui
resgatada pelo pensamento precioso de que, na
verdade, era eu que me atrevia. Sou aquela que se
atreveu a pisar no Filho de Deus e a tratá-lo como se
ele fosse irrelevante ou um capataz perverso. Eu me
atrevo frequentemente a acusá-lo de não se importar
e, com frequência, atrevo-me a reclamar de sua
vontade. Como é possível ele tolerar uma rebelião
tão ridícula e ultrajante de minha parte? Ele tolera
um comportamento desse tipo porque já pagou o
preço por tudo isso e está comprometido com meu
crescimento espiritual e minha bem-aventurança.
Quanto mais eu reconhecer a mim mesma como a
maior pecadora e a pior transgressora, tanto mais
serei apta a me aproximar dos outros e amá-los,
mesmo quando pecarem repetidas vezes contra
mim. Estes momentos são preciosos, quando tenho
um pequeno vislumbre de como seria estar no lugar
de Jesus. Não consigo imaginar como foi para o
impecável Filho de Deus, o Criador de todas as
coisas, ver-se pendurado numa cruz, impotente,
enquanto as suas próprias criaturas o desprezavam e
o matavam. Ele poderia ter-se libertado a qualquer
momento com um cósmico “como ousam?”, que os
teria destruído para sempre, vindicando-o em toda a
sua glória e justiça. Entretanto, por amor, Jesus se
ofereceu para ficar na cruz e sofrer indignidade,
humilhação e a dor de aceitar a zombaria de seres
tão inferiores a ele que nos deixa perplexos.
No entanto, quando me ofereço para deixar que os
outros me tratem mal por amor, participo daquele
sofrimento por apenas um momento. Ao fazer isso,
estou mais uma vez preenchida com respeito e
admiração pelo fato de que Jesus Cristo iria
depositar seu amor sobre mim para o seu próprio
prazer e escolheu sofrer e morrer por mim. Como
Charles Wesley colocou, “Amor surpreendente,
como pode ser que tu, meu Deus, morrerias por
mim?”61

E VOCÊ?

Você tem medo de que, ao ter compaixão por si


mesmo, suas lutas com o pecado o levem a pecar
cada vez mais? Essa não é a minha experiência
como cristã, como mãe ou conselheira bíblica. O
que acontece quando as pessoas se tornam ansiosas,
deprimidas e desanimadas devido ao seu pecado?
Começam a se sentir muito mal, e essa sensação as
leva a procurar o alívio desses sentimentos terríveis.
Aconselhei pessoas que se voltaram para comida,
álcool, pornografia, prostitutas, superação, boas
notas, aprovação dos pais, limpeza, organização,
leitura da Bíblia, jejum e oração. Há muitos
comportamentos, bons e maus, aos quais podemos
nos voltar para emudecer o batuque do fracasso
pessoal contínuo. Os maus comportamentos trazem
o prazer momentâneo e, depois, mergulham o
sofredor ainda mais profundamente em vergonha e
angústia, perpetuando, assim, o ciclo. Os bons
comportamentos trazem, por um minuto, uma
espécie de bondade espiritual, mas logo
decepcionam, porque não duram. Deus nos ama
muito para nos permitir encontrar paz duradoura em
qualquer comportamento, mesmo nos bons.
Podemos ser duros com nós mesmos de uma
maneira que Deus não o é, e nos castigamos e nos
punimos de modos errados por nossa impiedade.
Deus é muito paciente conosco e sempre lembra
que somos pessoas frágeis, feitas do pó. Não
queremos ser pessoas fracas, feitas de pó; por isso,
lutamos contra essa verdade por insistir que somos
fortes quando, na verdade, não o somos. Deus é
glorificado em nossa fraqueza de muitas maneiras.
Como conheceríamos a paciência de Deus se não
pecássemos repetidamente? Como poderíamos
sondar as profundezas de seu amor se não
pecássemos contra ele continuamente, para
descobrir que seu perdão é ilimitado e seu amor,
inabalável? Como Newton diria:

Bem, quando dissermos tudo que pudermos sobre a


abundância do pecado em nós — a graça será ainda mais
abundante em Jesus. Não podemos ser tão maus quanto ele é
bom. Seu poder é um bom desafio à nossa fraqueza. Suas
riquezas são um bom desafio à nossa pobreza. Sua
misericórdia é um bom desafio à nossa miséria. Somos maus
em nós mesmos — mas somos completos em Jesus. Em nós
mesmos, temos motivo para sermos humilhados — mas nele
podemos nos regozijar. Bendito seja Deus por Jesus
Cristo!62

É possível você odiar seu pecado e, ao mesmo


tempo, ser compassivo com sua própria fraqueza.
Às vezes, agimos como se houvesse apenas duas
opções: ou odiamos nosso pecado e nos punimos
por ele, ou nos permitimos negligência, o que leva a
quantidades imprudentes e crescentes de pecado. Há
outra maneira. Como o apóstolo Paulo, podemos
odiar o nosso pecado e planejar não praticá-lo,
entendendo a nossa fraqueza, aceitando-a e nos
lançando à misericórdia de Deus. Paulo está certo
quando exclama: “Desventurado homem que sou!”
(Romanos 7.24) Somos todos pecadores
desventurados no decorrer de nossa vida. Paulo não
rejeita este pensamento com um plano melhor de ler
a Bíblia e orar mais. Ele brada: “Quem me livrará do
corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo,
nosso Senhor” (Romanos 7.24-25). Ele já havia sido
libertado pela morte de Cristo e agora sabe que será
libertado ampla e eternamente na vida por vir.
Paulo não parece se preocupar com o fato de que a
afirmação de sua própria luta contra o pecado pode
incentivar todos nós a pecarmos mais. Ele sabe que
é fraco, e nos diz isto repetidas vezes, e até se
vangloriar de sua fraqueza. Paulo não parece
enredado com o problema do pecado recorrente,
mas segue fácil e imediatamente à doxologia. É
deslumbrante. Paulo não passa horas, dias, meses e
anos agonizando quanto ao seu pecado, como o
fazemos tão frequentemente. Este tipo de miséria
mórbida não nos ajuda a pecar menos; apenas nos
leva a mais e mais ciclos de pecado.
Considere minha luta atual para perdoar outro
pecador fraco que sei eu deveria amar e cuidar. Há
uma maneira correta e saudável em que eu deveria
sentir vergonha por isto. Tenho bebido
profundamente na fonte da graça, então, como ouso
me recusar a mostrar essa mesma graça a outra
pessoa? Mas, apesar disso, ainda me vejo fazendo
isso. Eu poderia ficar arruinada por causa de meu
pecado e, no processo, acrescentar muitos outros
pecados. Às vezes, meu pecado me faz querer
insistir em que meu marido deixe o ministério. “Já
que não consigo fazer isso direito”, eu pondero,
“seria melhor não fazê-lo de modo algum”. Às
vezes, eu como para me anestesiar da culpa que
sinto, ou apresento desculpas e culpo os outros, ou
desconto minha raiva em meus filhos. O desespero
por causa de meu pecado age como uma porta de
entrada para mais e mais pecados, nunca para
menos pecados.
Agora imagine o que aconteceria se, como Paulo,
eu corresse imediatamente para a cruz. Suponha
que, em lidar com meu pecado, eu caísse de joelhos
diante de meu Pai misericordioso, para confessar
meu pecado em toda a sua profundeza e horror,
admitindo que meu pecado é, verdadeiramente, uma
medida exata da enfermidade e da corrupção de
meu coração, e pedindo a graça abundante de que
preciso no momento. Neste caso, embora eu mesma
fosse humilhada cada vez mais por meu pecado,
estaria, ao mesmo tempo, aprendendo a me
regozijar na obra consumada de Cristo em meu
lugar, enquanto exultaria nas vestes festivais da
justiça que Cristo ganhou para mim e que me são
dadas gratuitamente pela fé. É assim que o
desespero se transforma em alegria, e ciclos de
pecado são cortados pela raiz gradualmente.
DUETO DINÂMICO

Adoração e introspecção de coração podem ser um


time poderoso. Se nos tornamos competentes em
entender e celebrar nossa união com Cristo de um
modo que leve à alegria, mas nunca tomamos tempo
nem usamos coragem para examinar nosso coração,
então, ficamos presos. Talvez desfrutemos
intensamente de nossa salvação, mas não temos o
privilégio de ver a Deus destruindo as idolatrias de
nosso coração e nos levando à adoração mais
profunda e mais pura. Por outro lado, se
examinamos nosso coração e não aprendemos a nos
alegrar e a celebrar a justiça de Cristo que nos foi
imputada, corremos o risco de cair num tipo
mórbido de introspecção que nos rouba a alegria
que devemos experimentar em nosso Salvador. No
entanto, quando Deus nos capacita a nos
conectarmos profundamente com a verdade de que
ele nos ama como somos, mesmo quando não
podemos mudar, nossa alegria em resposta à
adoração pode ser o combustível que nos impulsiona
a realizar o árduo e potencialmente desanimador
trabalho de sondar o nosso coração e descobrir
maneiras criativas para tentar mudar.
A boa notícia do evangelho é precisamente o que
nos dá a coragem para sermos honestos quanto ao
nosso pecado, sem nos arruinarmos por causa dele.
É possível e agradável engajar-se em sondar a alma
quando confiamos que Deus não se envergonha de
nós e nunca nos abandonará, não importando que
pecados acharemos escondidos em nosso coração. A
confissão se torna um alívio, enquanto o
arrependimento só é possível quando sabemos do
que precisamos nos arrepender. Quando entendemos
o evangelho, não precisamos temer o que acharemos
em nosso coração, pois a graça de Deus é muito
maior do que nosso pecado.
PARA REFLEXÃO

1. De que maneiras você tende a sofrer com seu


próprio pecado? Tende a se julgar com rigor por
causa de seu pecado ou a se olhar com piedade?
2. Já houve em sua vida uma situação da qual você
sabia que deveria se arrepender, mas não conseguiu?
Como isso aconteceu? O que você fez?
3. Como seus sentimentos e ações seriam
diferentes se você acreditasse que o arrependimento
é um dom de Deus?
4. O que significa pecar contra a lei de Deus? O
que significa pecar contra o amor de Deus? De que
maneiras você ainda faz isso?
5. De que modo característico você tende a
continuar pecando? Como sua própria carne
pecaminosa o leva a pecar? De que maneiras
Satanás é habilidoso em atraí-lo ao pecado? De que
maneiras o fazer coisas mundanas o atrai ao pecado?
6. Como você se sente após ter pecado? Como
tende a lidar com esse sentimento?
7. Como a sua vida seria diferente se você não se
sentisse ansioso ou deprimido pelo fato de que
continua pecando, mas, em vez disso, se movesse
diretamente para a adoração?
54. Citado em Richard Cecil, “Memoirs of the Rev. John Newton”,
The Works of John Newton, vol. 1 (repr., Edinburgh: Banner of
Truth, 1985), 105.
55. Ibid.
56. Ver John Piper, “Insanity and Spiritual Songs in the Soul of a
Saint”, January 29, 1992, biographiesinsanity-and-spiritual-songs-
in-the-soul-of-a-saint.
57. John Newton, “The Full Corn in the Ear” Select Letters of
John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 16. Ver
também Grant Gordon, ed., Wise Counsel: John Newton’s Letters
to John Ryland Jr. (Edinburgh: Banner of Truth, 2009), 34-35.
58. Ver John Newton, “Temptation”, Select Letters of John Newton
(repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 102–10.
59. John Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 11.
60. John Newton, “Letter 16 to Rev. Mr. S”, The Works of John
Newton, vol. 6 (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 1985), 195.
61. Charles Wesley, “And Can it Be?”, 1738.
62. Newton, “Letter 16 to Rev. Mr. S”, The Works of John Newton,
vol. 6, 195.
capítulo onze
amor constrangedor

Os repetidos e múltiplos perdões que você recebeu


aumentam sua admiração e o senso de suas
obrigações para com a rica, abundante e soberana
misericórdia da aliança. — John Newton63

Eu vinha temendo este momento por vários meses.


Sabia que tinha de falar a verdade, mas as palavras
simplesmente não saíam de minha boca. Então, em
vez de dizer o que deveria, achei outras maneiras de
preencher o estranho e doloroso silêncio. “Bem, eu
nunca me droguei nem roubei nada de muito
valor...”
“Isso é bom!”, ele disse com paciência, esperando
que eu revelasse a informação importante que eu
havia dito que precisava contar-lhe.
Eu continuava hesitante e não conseguia olhar para
ele. “Nunca fiquei bêbada... bem, talvez uma única
vez, mas depois nunca mais!”
Desta vez, ele não me respondeu de imediato, mas
deixou minhas palavras suspensas no ar por um
momento. Então, me envolveu em seus braços e
disse: “Acho que sei o que você está tentando me
dizer”.
Finalmente chegamos ao momento da verdade, do
qual eu tinha certeza que arruinaria tudo. “Você
sabe?”, perguntei, enquanto lágrimas enchiam meus
olhos e o medo apertava meu coração. “E... o que
você acha de mim agora?”, continuei.
Ele disse: “Acho que se tivesse tido a mesma
oportunidade, eu faria a mesma coisa. A única
diferença entre mim e você é que Deus não me
deixou ter essa oportunidade”. Foram palavras
realmente simples, mas, com essas poucas palavras,
ele mudou minha vida para sempre.
MINHA VIDA DUPLA

A verdade é que por muitos anos vivi uma vida


dupla. Comecei a namorar um rapaz quando tinha
14 anos; e nos primeiros seis anos desse
relacionamento fomos um exemplo de virtude e
decência. Eu me orgulhava de muitas coisas.
Entretanto, aquilo de que eu mais me orgulhava era
a nossa castidade e determinação para não cair no
pecado sexual, apesar de muitas oportunidades e um
coração cheio de desejos e fantasias. Não era fácil,
mas estávamos indo muito bem — até que um dia,
achei pilhas e pilhas de revistas pornográficas no
quarto dele.
Eu devia tê-lo confrontado com amor e ajudado a
buscar bom aconselhamento, mas não foi o que fiz.
Em vez disso, olhei para aquelas revistas e escolhi
mergulhar naquele mundo de engano e satisfação.
Enganei a mim mesma de várias maneiras,
convencendo-me de que o problema dele era culpa
minha, porque eu estava frustrando-o com minha
determinação de permanecer virgem até que nos
casássemos. Meu coração perverso e pecador o
desejava e se tornou claro que eu faria qualquer
coisa para segurá-lo. Eu também tinha certeza de
que, se ele não se casasse comigo, ninguém o faria.
Acreditava que era melhor casar com um derrotado
do que ficar sozinha para sempre. Falava para mim
mesma que Deus ficaria satisfeito se dormíssemos
juntos, contanto que nos casássemos. Dizia a mim
mesma muitas mentiras e me convencia de que
vinham de Deus. Mentir se tornou algo fácil e
natural no decorrer dos quatro anos seguintes.
Nesse tempo, eu era um líder de um ministério
cristão no campus de minha faculdade e liderava
nosso pequeno grupo de estudos bíblicos. Mentia
para os meus amigos e para os líderes de ministério.
Enganei meus pais e menti para o meu pastor, que
demonstravam preocupação com meu
relacionamento amoroso. Deixava as pessoas
acreditarem que eu era pura e casta, quando na
verdade não era nem uma coisa nem outra. Com o
passar dos anos, ficou evidente para mim que meu
namorado não era um bom candidato para ser meu
marido e pai de meus filhos, mas eu tinha que
corrigir aquilo. Tendo dormido com ele, achava que
podia consertar as coisas diante de Deus e de todos
ficando com ele até nos casarmos. Era a única
maneira que achava para lidar com a culpa enorme
de tanto pecado.
Perceba como eu estava presa à tolice da minha
própria mente! Nunca pedi ajuda, nunca procurei
um conselho ou aconselhamento espiritual. Era
orgulhosa demais para deixar alguém saber que tinha
cometido um pecado que julgava ser o pior de
todos. Estava determinada a pagar o preço sozinha e
corrigir as coisas diante de Deus. À medida que o
relacionamento esmorecia e desmoronava, comecei
a ficar cada vez mais desesperada. Tinha acabado de
me formar e tinha sido solicitada a aceitar um
trabalho missionário de curto prazo no laboratório
de um hospital na Libéria, na África Ocidental.
Pensei que isso me ajudaria a pagar pelo meu
pecado e, ao mesmo tempo, seria algo divertido por
um tempo.
Talvez nunca houve na história do mundo uma
missionária mais confusa e indevidamente motivada
do que eu quando tinha 21 anos. Atormentada pela
culpa e pelo medo de nunca me casar, segui em
frente com todos os desafios exigidos para ser aceita
como missionária, editando cuidadosamente minha
história para satisfazer meu público. Parti para a
Libéria com uma tímida promessa de casamento da
parte de meu namorado, que estava terminando a
faculdade, e com um anel de compromisso no dedo.
Eu era uma mentira ambulante.
Uma coisa interessante aconteceu quando cheguei
à África. Encontrei uma jovem que havia
frequentado a mesma igreja que eu e meu namorado
frequentávamos quando nos conhecemos. Ela tinha
ouvido falar muito da gente, mas não era nada bom.
Ela sabia que minha família não aprovava meu
noivo. Na verdade, ninguém que me conhecia e me
amava aprovava o relacionamento. Com amor e
grande determinação, ela não parava de conversar
comigo sobre o assunto. Relutantemente,
compartilhei um vislumbre da verdade com ela, que
me disse graciosamente que eu não tinha obrigação
espiritual de me casar com ele e que, em vez disso,
deveria terminar o relacionamento. “Mas eu o
amo!”, solucei. “E daí?”, ela perguntou. “Amar é
fácil, e você pode amar qualquer um. Mas você não
o respeita e não deve se casar com um homem que
não consegue respeitar”.
E lá estava ele: o veredito que, pela graça de Deus,
atingiu meu coração endurecido e conseguiu o que
anos de apelo dos meus pais e de muitos outros não
haviam conseguido. Dois dias depois, escrevi a carta
que terminaria dez anos de luta e rebelião, mas
também destruiria toda minha esperança e meus
sonhos de casar e ser mãe. Estava absolutamente
certa de que agora ficaria solteira para sempre. Que
homem decente desejaria casar comigo depois de
tantos anos de dissimulação e pecado?

GRAÇA IMERECIDA

Três meses depois, Ian chegou do Reino Unido à


nossa unidade para trabalhar como engenheiro
elétrico. Nossa amizade teve um começo difícil por
causa da diferença cultural entre britânicos e
americanos. Contudo, um ano depois me apaixonei
por um homem que eu respeitava profundamente.
Eu sentava ao lado deste homem piedoso, e suas
palavras de compaixão, humildade, graça e bondade
eram revigorantes para minha alma. Esperava
desgosto. Esperava repreensão e rejeição. Mas, em
vez disso, fui recebida com um perdão que
dificilmente eu podia compreender. Eu sabia o que
merecia! Merecia estar presa, pelo resto de minha
vida, em um casamento infeliz com um homem que
eu não respeitava nem amava mais. No entanto, em
vez disso, parecia que Deus estava me oferecendo o
melhor dos melhores, o melhor de todos, um
príncipe entre os homens! Não era para as coisas
acontecerem assim. A Bíblia não diz que colhemos o
que plantamos (Gálatas 6.7)? Não recebemos o que
merecemos? Então, como as coisas poderiam estar
sendo assim? Parecia que Deus estava me dando
exatamente o oposto do que eu merecia; e eu estava
seriamente confusa.
Naquele dia, o chão pareceu desaparecer sob meus
pés, quando velhas fortalezas de justiça própria
começaram a se desfazer. Foi naquele dia que
comecei a entender o evangelho. Sempre acreditara
que podia ser salva somente pela fé em Cristo, mas,
ao estilo típico de um cristão imaturo, havia
transformado isso em uma barganha com Deus. O
combinado era que, se eu tivesse fé e obediência, ele
me daria salvação, bênçãos e benevolência. Nas
palavras daquele hino clássico, acreditava que, se
cresse e obedecesse, Deus me deveria felicidade por
meio de Jesus. Contudo, se eu não fizesse a minha
parte, estaria à minha própria mercê. Eu ainda não
sabia que a própria fé para crer nele era um dom
concedido por Deus a mim ou que teria de depender
dele em cada momento de obediência ao longo de
toda a minha vida. Certamente, eu não tinha
cumprido minha parte no acordo e, por isso, estava
certa de que Deus me repreenderia em algum
momento e me faria pagar por todos esses pecados.
É importante acrescentar a observação de que, se
Deus tivesse permitido que eu recebesse as
consequências do meu pecado até essa altura de
minha vida, ele continuaria sendo completamente
bom e justo. Nem sempre Deus nos livra das
consequências de nossos pecados. Apesar de haver
removido, de uma vez por todas, o castigo eterno
que eu mereço por meu pecado, lançando-o em
Jesus, muitas vezes Deus me deixa sofrer os
amargos efeitos colaterais de meus erros e de meu
pecado aqui na terra, a fim de me tornar mais
humilde, ensinar-me dependência e treinar-me na
retidão.64
Existem princípios gerais nas Escrituras que se
aplicam no decorrer de nossa vida. É bem verdade
que colhemos o que plantamos: se trabalharmos
duro, colheremos prosperidade, enquanto, por outro
lado, se formos preguiçosos, passaremos fome. No
entanto, há momentos na vida da maioria dos
crentes em que Deus faz uma grande reversão,
como se a intenção dele fosse impressioná-los e
mostrar-lhes a profunda generosidade de seu
coração. Existem momentos assustadores nos quais
compreendemos que estragamos tudo de tal modo
que, certamente, Deus deveria nos expor e nos
castigar para o nosso próprio bem. Então, algo
completamente diferente acontece. Deus não
somente se recusa a nos dar o castigo que tanto
merecemos, mas também nos inunda com amável
bondade e nos surpreende com alegria.
John Newton experimentou essa generosidade
surpreendente de Deus muitas vezes em sua vida.
Durante um ano, ele passou por um período
desesperadamente miserável na África Ocidental,
onde foi um verdadeiro escravo de seu empregador.
Chegou a um estado lastimável por anos de
imaturidade e rebelião contra Deus e contra aqueles
que, durante a viagem marítima, tinham autoridade
sobre ele. Em determinado momento, Newton
adoeceu e quase morreu. Em outros momentos, ele
quase morreu de fome. Depois de algum tempo, um
navio com instruções de procurá-lo chegou
providencialmente ao lugar em que ele estava
trabalhando. Se o navio tivesse chegado alguns dias
depois, ele teria estado em terra firme numa viagem
de negócios. Houvesse chegado mais cedo, ele
estaria trabalhando numa fábrica em algum outro
lugar.
Na viagem para casa, o navio quase afundou várias
vezes — na verdade, se não estivesse carregando
uma carga de cera de abelha e madeira, que são
mais leves que a água, certamente teria afundado. A
certa altura, durante a tempestade, o capitão mandou
Newton buscar uma faca, e o homem que assumiu o
lugar de Newton acabou sendo varrido
imediatamente para fora do barco, rumo à morte.
Todas essas extraordinárias libertações aconteceram
quando ele ainda era um furioso blasfemador contra
Deus. Nem sempre ganhamos o que merecemos
nesta vida. Na verdade, às vezes ganhamos
exatamente o oposto.65

A HISTÓRIA DE DAVI

O rei Davi sabia muito bem o que era sentir esse


tipo de amor insuportável e totalmente imerecido.
Houve muitas vezes em sua vida em que ele
experimentou o amor e a proteção de Deus; e
podemos ler sobre esses momentos nos Salmos que
Davi nos legou. Existe, porém, uma história na vida
de Davi em que Deus o abençoou ricamente, apesar
de seu pecado voluntarioso e de sua rebelião.
Davi queria construir um templo para o Senhor (2
Samuel 7). Afinal de contas, isso era o que os reis
bem-sucedidos da antiguidade deviam fazer. Quem
melhor para fazê-lo do que este rei específico, um
homem segundo o coração de Deus? Além disso,
Deus lhe havia dado descanso dos inimigos que
estavam ao seu redor, o que Davi alegou ser o
motivo para a construção do templo (veja
Deuteronômio 12.10). Todavia, Deus disse “não” ao
desejo de Davi, não porque fosse um desejo mau,
mas porque havia escolhido o filho de Davi,
Salomão, para ser o construtor do templo (2 Samuel
7.13).
Foi depois dessa rejeição e dessa promessa que
Davi cometeu adultério com Bate-Seba e assassinou
seu marido, Urias (2 Samuel 11). Como
consequência de seu pecado, sua própria família
desmoronou: seus filhos cometeram estupros,
assassinatos e se rebelaram contra ele (2 Samuel 13-
18). Se antes Davi era desqualificado para construir
o templo (2 Samuel 7), agora ele era duplamente
desqualificado.
Mas lemos uma surpreendente história em 2
Samuel 24. Somos informados de que Deus incitou
Davi a contar o número de homens aptos para o
serviço militar em Israel e em Judá. Um
recenseamento talvez pareça para nós hoje como
algo prudente a fazer; mas o comandante de Davi,
Joabe, lhe rogou que não tomasse essa medida. Isso
é algo admirável, visto que Joabe não era muito
conhecido como alguém de consciência sensível —
antes disso, ele havia assassinado seu comandante
rival, Abner (2 Samuel 3.27), e levado a cabo as
instruções de Davi, sem questionar, para garantir
que Urias, marido de Bate-Seba, não voltasse vivo
da batalha (2 Samuel 11.14-15). No entanto, até
mesmo Joabe sabia que contar as tropas seria um
ato impensado de rebelião contra Deus. Os reis de
Israel deviam confiar em Deus quanto a seu
livramento das mãos de inimigos e não no número
de carros e de homens de guerra (veja Salmos 20.7).
Surpreendentemente, enquanto em 2 Samuel
somos informados de que Deus incitou Davi a
contar o número de tropas, na passagem paralela em
1 Crônicas 21 a culpa por incitar Davi é atribuída a
Satanás. Qual delas é verdadeira? Na verdade, não
há contradição aqui, assim como não há no livro de
Jó. Deus é absolutamente soberano sobre todas as
coisas, e, portanto, foi ele quem permitiu que
Satanás se aproximasse de Davi e o tentasse a pecar.
Davi não podia nem ao menos recusar-se a confiar
no Senhor sem a permissão expressa do Senhor.
As consequências do pecado de Davi foram
desastrosas para Israel. O rei, que devia ter
protegido seu povo de seus inimigos, se tornou a
causa de morte e destruição deles. Deus ofereceu a
Davi uma escolha entre os castigos pelo seu pecado:
sete anos de fome em sua terra, três meses fugindo
dos seus inimigos ou três dias de peste na sua terra
(2 Samuel 24.13). Em resposta, Davi pediu que
Deus eliminasse da lista a segunda opção — aquela
que o teria afetado mais diretamente — e escolhesse
somente entre as duas restantes. Então, Deus
mandou uma peste sobre seu próprio povo, e Davi
teve de assistir enquanto setenta mil pessoas
morriam por causa da transgressão dele. Somos
informados que Davi ficou em grande angústia (2
Samuel 24.14). Estou certa de que isso foi uma
afirmação abrandada.
Então, algo surpreendente aconteceu. O anjo do
Senhor estava atingindo pessoas na eira de Araúna,
o jebuseu, que ficava, naquele tempo, do lado de
fora das muralhas de Jerusalém. “E vendo Davi ao
Anjo que feria o povo, falou ao SENHOR e disse: Eu
é que pequei, eu é que procedi perversamente;
porém estas ovelhas que fizeram? Seja, pois, a tua
mão contra mim e contra a casa de meu pai” (2
Samuel 24.17). Deus respondeu à oração de Davi, e
a matança cessou imediatamente. Então, o anjo do
Senhor disse a Davi que comprasse a eira de Araúna
e edificasse ali um altar.
A confissão de Davi é preciosa e comovente,
especialmente em face de seu passado sórdido.
Quando pecou com Bate-Seba, Davi se manteve frio
e impenitente, até que Natã, o profeta, foi até ele e
explicou o que tinha feito. Desta vez, o coração de
Davi o convenceu antes que ele se encontrasse com
o profeta (2 Samuel 24.10). Davi tinha crescido um
pouco, e ver isso é encorajador para nós. Mas a
glória real vem no final da passagem. A terra de
Araúna, que Davi comprou com a finalidade de
edificar o altar e oferecer sacrifícios para expiação
dos seus próprios pecados, seria mais tarde o lugar
onde Salomão construiria o seu templo. O homem
proibido de edificar o templo do Senhor por ter
derramado sangue foi guiado por Deus, por meio de
sua própria experiência de pecado, a comprar o
mesmo pedaço de terra em que o templo seria
construído! Não somente lhe foi dado o incrível
privilégio de comprar a terra e os bois, mas ele
oficializou pessoalmente os primeiros sacrifícios
oferecidos naquele lugar! Apesar de seu pecado ter
causado um desastre, foi dado a Davi o maravilhoso
privilégio de fazer a mediação entre Deus e seu
povo.
Não sei se Davi sabia as ramificações dos eventos
daquele dia, mas com certeza esse privilégio foi um
ato inacreditável da bondade e da misericórdia de
Deus para com ele, apesar do seu pecado. Não
sabemos se o coração de Davi foi abalado pela
chocante natureza do amor e da bondade de Deus
para com ele, mas nossos corações deveriam ser
abalados. Isto é uma bondade e um amor
inacreditáveis.

A HISTÓRIA DE PEDRO

O apóstolo Pedro vivenciou muitos momentos de


humilhação quando seu entusiasmo e seu excesso de
autoconfiança o levaram a pecar. No monte da
transfiguração, ao sugerir a tolice de que fossem
construídas três tendas — uma para Jesus, uma para
Elias e outra para Moisés —, seu balbucio infantil
foi silenciado por uma mensagem forte vinda do
céu: “Este é meu Filho amado... a ele ouvi” (Mateus
17.5). Era como se Deus estivesse dizendo: “Pare de
falar, Pedro! Isso não lhe diz respeito, diz respeito a
Jesus!” Houve outro momento em que Pedro
sugeriu a Jesus que ir para a cruz não era
exatamente uma boa ideia. Jesus o chamou de
“Satanás”, disse-lhe que se retirasse e parasse de
tentar sabotar a obra trabalho para a qual ele viera
(Mateus 16.23). Pedro recebeu, em seu tempo,
algumas repreensões fortes e constrangedoras em
público e as mereceu!
No entanto, nada pode ser comparado à ocasião no
pátio do sumo sacerdote, quando, pressionado pela
criada, mesmo conhecendo Jesus, Pedro o negou
(Mateus 26.69-74). Depois, o galo cantou, e Pedro
irrompeu em lágrimas, certo de que, em seu medo,
havia cometido um pecado imperdoável ao negar
Jesus (Mateus 26.75). Como você acha que Pedro
se sentiu quando se encontrou novamente com o
Cristo ressurreto, face a face? Com certeza, a
vergonha que eu senti por cometer um pecado
sexual foi quase nada comparada ao que Pedro deve
ter sentido naquele momento. Quando Cristo mais
precisou, Pedro o rejeitou e o abandonou para sua
terrível morte.
Talvez você também conheça esse sentimento forte
e terrível de imundícia e vergonha quando seu
pecado é descoberto, em toda a sua feiura, e não há
nada a dizer, nem lugar algum para onde correr.
Apesar disso, o glorioso Jesus, a quem Pedro havia
traído, ressuscitou e esteve em pé diante dele. Quão
terrível deve ter sido! Pedro deve ter esperado raiva,
repreensão e até castigo. Mas, em vez disso, Jesus
fez algo tão inesperadamente amável e generoso,
que chegou a ser quase insuportável. Levando Pedro
à parte, Jesus lhe disse: “Pedro, apascenta as minhas
ovelhas”. Três vezes Jesus perguntou a Pedro se ele
o amava e lhe repetiu a mesma comissão, como se
estivesse dando simbolicamente a Pedro a
oportunidade de desfazer as três negações que ele
havia feito (João 21.15-17). Quão amável e
generoso! Pedro não somente foi perdoado e
recebido de volta na comunidade dos discípulos,
mas também foi recebido de volta ao coração
daquele que havia traído. Foi até comissionado de
novo por aquele que o conhecia totalmente para ser
um dos apóstolos fundadores sobre os quais a igreja
seria edificada.
Certamente, Pedro não era digno de tanta honra.
Era um covarde, mentiroso e desertor! Mesmo
depois de Jesus tê-lo restaurado, Pedro lutaria
novamente contra seu medo de pessoas, quando
esteve na Galácia, de uma maneira que pareceu
colocar o evangelho em risco (Gálatas 2.11-14).
Ainda assim, Jesus não somente reteve o castigo que
Pedro merecia, mas também o perdoou livremente e
o encheu de ricas bênçãos e uma missão gloriosa. Se
isso não faz o seu coração tremer de espanto e
admiração, o que fará?

A FORÇA EXPULSIVA DE UMA NOVA


AFEIÇÃO

Um pregador do século XVIII, chamado Thomas


Chalmers, escreveu certa vez um sermão intitulado
“A força expulsiva de uma nova afeição”.66 Neste
sermão, ele argumentou que Deus é o agente de
mudança em nossa vida, e, se ele não agir em nosso
coração, não desejaremos obedecer-lhe e, ainda que
desejemos, não seremos capazes de fazê-lo. Deus
usa muitos meios ou formas de operar mudanças em
nós. Afinal de contas, o universo todo está à
disposição dele, e o grande Criador pode ser bem
criativo em suas maneiras de nos convencer do
pecado e nos fazer querer obedecer-lhe.
Certa vez, fui profundamente convencida pelas
palavras de uma judia ortodoxa, apresentadora de
entrevistas de rádio, que me persuadiu, por suas
palavras dirigidas a um ouvinte, de que eu era uma
nora egoísta. Deus a usou para me motivar a pedir
perdão à minha sogra pelo meu péssimo
comportamento. Naquele tempo, não sabia que seria
a última vez que a veria, pois ela morreu poucos
anos depois.
Chalmers escreveu de uma maneira profunda que
Deus trabalha para nos transformar em melhores
adoradores. Ele vai direto ao cerne da questão, por
discutir o papel da idolatria que há em nosso
coração em moldar os comportamentos que fluem
de nós. Deus observa que um jovem é geralmente
cativado pela idolatria do conforto e do prazer e, por
isso, passa noites pela cidade e dorme em sua cama
até a tarde do dia seguinte. Esse jovem está perdido
na adoração do prazer e não vê nenhuma
necessidade de levantar cedo e trabalhar com
empenho, pois quer satisfazer a si mesmo. Porém,
ao amadurecer, outros amores podem cativar seu
coração. Talvez ele se apaixone por uma mulher,
então, novas e mais fascinantes idolatrias podem
achar morada em seu coração. Para ganhar a
mulher, seu prêmio mais recente, ele mudará
drasticamente seu comportamento. Ele se vestirá e
se arrumará melhor, a fim de parecer mais atraente
para ela. Será mais gentil e educado, mais sociável,
apresentável e atencioso.
Se o poder ou o dinheiro forem os ídolos desse
jovem, talvez um novo trabalho o fará levantar cedo
e o tirará da cama pela manhã.
Ele vê o trabalho como um meio de satisfazer seus
anseios e, de repente, a fim de manter o trabalho e
obter sucesso, é transformado e torna-se capaz de
fazer o que na semana anterior era completamente
incapaz. Assim, as afeições do coração governam o
comportamento.
Jesus disse a mesma coisa quando nos ensinou que
todo nosso comportamento flui do coração (Mateus
12.34-35); portanto, todas as nossas tentativas de
mudança devem passar pelo caminho do coração. O
coração é o centro da adoração e a sede dos desejos,
e somente Deus pode mudar nosso coração. Alguma
vez você já tentou mudar seu próprio coração? Já
tentou se tornar menos irritado, menos amargo, mais
paciente ou mais bondoso? Não dá muito certo.
Podemos mudar nosso comportamento exterior por
breve períodos de tempo, mas só Deus pode mudar
nosso coração.
Isso foi verdadeiro também quanto a Israel no
Antigo Testamento. Sua longa história de pecado
demonstrou claramente a incapacidade total de
mudarem a si mesmos e de guardarem a lei de Deus.
O que eles precisavam para agradar a Deus era nada
menos que um coração novo. E foi exatamente isso
o que Deus lhes prometeu dar.
Então, aspergirei água pura sobre vós e ficareis purificados
de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos
vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de
vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos
darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e
farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos
e os observeis
Ezequiel 36.25-27

Chalmers demonstra que a maneira pela qual Deus


muda nossas afeições e nossa adoração é fazendo
Cristo ser cada vez mais atraente para nossas almas.
Ele amolece nosso coração com sua infinita
paciência, amor e perdão, até que nos tornemos
pessoas que perdoam os outros prontamente. O
Espírito Santo nos mostra Cristo em toda a sua
glória, e com o passar do tempo nos tornamos mais
cativos dele do que de nossos ídolos tolos e
incapazes. Quanto mais o contemplamos, tanto mais
somos transformados à sua imagem, até aquele dia
maravilhoso em que seremos como ele é, pois o
veremos face a face (1 Coríntios 13.12).
A BONDADE TRANSFORMADORA DE DEUS

O apóstolo Paulo também sabia tudo sobre esse


tipo de amor insuportável. Ele não era apenas um
fariseu em sua juventude. Pelo contrário, o seu
objetivo de vida era extinguir os cristãos do mundo!
Esteve presente na morte de Estêvão e se mostrou
determinado a perseguir os seguidores de Jesus
Cristo (Atos 7.58-8.1). O que estava passando em
sua mente no dia em que foi lançado ao chão por
uma luz brilhante e ficou face a face com aquele a
quem mais odiava? As palavras de Jesus “Saulo,
Saulo, por que me persegues?” podem não ter soado
como palavras alegres de boas-vindas, quando a
cegueira caiu sobre ele e sua vida foi mudada para
sempre (Atos 9.5-8). A cegueira deve ter parecido
um castigo apropriado por todas as suas tentativas
de extinguir a luz do mundo.
Apesar disso, mais uma vez, nessa grandiosa e
surpreendente transformação, Paulo não somente foi
chamado e perdoado por seus crimes atrozes, mas
também lhe foi dado o privilégio de ver a Cristo face
a face e de se tornar um dos apóstolos da fé que ele
perseguira tão vigorosamente. Os seus escritos
predominam no Novo Testamento e sua alegria no
evangelho é indiscutível. Ele não conseguia parar de
pensar no contraste entre o que merecia como
alguém havia odiado a igreja e o que lhe fora dado
em Cristo — pensar em como a graça de Deus
transbordara sobre ele com a fé e o amor que estão
em Cristo, embora tivesse sido um blasfemador,
perseguidor e opositor da fé (1 Timóteo 1.12-14).
Não é surpreendente que Paulo tenha sido um
homem que possuía grande entusiasmo e força
diante de todos os tipos de provações e dificuldades
(2 Coríntios 4.16-18). A gratidão é a motivação mais
poderosa que existe para a adoração.
A bondade de Deus é transformadora de vidas.
Esse foi sempre o seu propósito. Você já foi
transformado por um momento como esse? Não é
necessário que você tenha cometido um pecado
grosseiro e visível para saber exatamente o que é
sentir-se assim. Newton comenta que Deus faz, de
alguns dos seus filhos, exemplos e alertas para
outros, deixando-os cair em graves pecados
públicos.67 Para outros, seus piores pecados serão
conhecidos somente por Deus e por eles mesmos,
mas seu próprio coração testemunhará as trágicas
profundezas de sua depravação. Às vezes, o Espírito
Santo encherá você com tão profundo senso de
convicção de pecado interior – até de um “pequeno”
pecado – que você começará a perceber quão
terrível é essa ofensa diante de um Deus tão santo e
amável. Tudo se torna muito pessoal, fazendo-o ver
claramente como odiou e ofendeu Aquele que o
criou e o redimiu, e você se sente destroçado por
duas coisas: “a maravilha do amor redentor e sua
indignidade”.68
Há alguns meses, recebi um telefonema
interessante de meu filho mais novo, Wayne. Nós o
conhecemos quando era um aluno na faculdade
onde meu esposo ensina, e nos últimos seis anos ele
se tornou o nosso bem-amado, quase adotado filho.
É um rapaz admiravelmente talentoso, que
desenvolveu pelos escritos de Newton um amor que
chega a ser quase tão profundo quanto o meu.
Wayne foi realmente a pessoa que Deus usou para
me convencer a escrever este livro. Ele estava me
telefonando para dizer que tinha acabado de receber
uma promoção no trabalho. Essa foi uma notícia
maravilhosa e festejei com ele. Contudo, o que
ainda mais me cativou foi o que ele me disse em
seguida. Wayne é um rapaz que deseja sinceramente
crescer e mudar, mas que, às vezes, se sente
desencorajado por seu próprio pecado. Ele me disse
que teve uma semana péssima no departamento da
santificação. Apesar de seus desejos sinceros de não
pecar mais, havia cometido muitos pecados e estava
sentindo o peso disso. Foi então que ganhou o
aumento. Ele se admirou com o fato de que Deus
planejou esse presente para ele após uma péssima
semana de fracasso e não depois de uma boa
semana de obediência. Concluiu que Deus foi
amável em fazer isso, pois ele é propenso a pensar
que deve receber o favor de Deus por obediência e
que Deus fica com raiva quando ele peca. Desta
maneira, Wayne não poderia se confundir ou se
sentir merecedor daquilo. Por seu próprio prazer e
para alegria de seu filho redimido, Deus havia dado
gratuitamente este presente a Wayne quando ele se
sentia fraco e pecador. Quanta bondade de nosso Pai
celestial em harmonizar tão cuidadosamente suas
provisões com as nossas necessidades!

A ATITUDE DE GRATIDÃO

Acho que se existe uma palavra que descreve esta


poderosa transformação, essa palavra é gratidão.
Gratidão é uma emoção forte e poderosa que acalma
o espírito e restaura a ordem no universo. Para ser
grato, é claro, você precisa primeiro ser necessitado
ou querer muito alguma coisa. Se você acha que
merece, seja lá o que for que você queira, não ficará
agradecido quando o receber; em vez disso, se
sentirá ressarcido ou remunerado por seu esforço.
Raramente nos sentimos agradecidos quando nosso
chefe deposita na nossa conta do banco o valor
combinado de nosso pagamento. Nós nos sentimos
em nosso direito. Se você quer realmente algo que
não tem condições de ter e alguém lhe dá, sua
gratidão é real. Mas, se a coisa que você quer e
deseja for o contrário do que merece e você estiver
tremendamente desesperado para obtê-la? E se, de
fato, quanto mais você tenta obter, tanto mais
distante ela fica de você? Qual é a sensação de
merecer amargura, desprezo e ódio e, em vez disso,
receber aceitação e amor avassalador?
Em Lucas 7, lemos sobre uma mulher que foi
verdadeiramente agradecida. De fato, ela se sentiu
tão agradecida a Jesus e tão envolvida no amor e
louvor a ele, que se comportou de maneira estranha
e até constrangedora. Afinal de contas, ela era uma
prostituta. E nesta passagem nós a vemos ungindo
os pés de Jesus com um perfume caro, enquanto
chorava copiosamente e com seus cabelos enxugava
os pés dele (Lucas 7.38). Nenhuma mulher
respeitável jamais agiria assim em público.
Quando os fariseus, presunçosos e justos a seus
próprios olhos, julgaram tanto ela quanto Jesus por
este insulto, Jesus respondeu por contar uma história
de perdão. Pensar em a nossa dívida em termos
financeiros parece deixar tudo mais claro. Fica óbvio
para todos nós que, em referência a dívidas
perdoadas, quanto mais dinheiro alguém deve, tanto
mais agradecido ele fica quando a dívida é
completamente perdoada. Jesus disse que aquela
mulher o amava muito porque muito lhe fora
perdoado (Lucas 7.41-48). Como Newton escreveu
à senhorita Medhurst:
Se obediência for o que está em questão, olhar para Jesus é o
objeto que funde a alma em amor e gratidão! Aqueles que
amam abundantemente e são profusamente agradecidos
acham a obediência fácil. Quando Jesus está em nossos
pensamentos – ou em sua humilhação, ou em sua condição
exaltada; ou sangrando na cruz, ou sendo adorado por todas
as hostes celestiais –, podemos fazer a pergunta do apóstolo
com desdém apropriado: “Permaneceremos no pecado para
que a graça seja mais abundante? De modo nenhum!” O
quê? Pecarei contra meu Senhor, meu amado, meu amigo —
aquele que morreu por meus pecados e agora vive e reina
em meu favor! O quê? Pecaria contra meu Redentor, que me
sustenta, me guia, me conduz e me alimenta todos os dias?
De modo nenhum!69

Eis a nossa conclusão em palavras simples: nunca


devemos pecar para que a graça seja mais
abundante; porém, sempre que pecamos, a graça é
superabundante. É surpreendente e impressionante
pensarmos que o Deus contra quem pecamos tão
fácil e frequentemente usa esse mesmo pecado para
nos abençoar e revelar seu coração amoroso e
perdoador a pecadores detestáveis. Isso é o que é tão
admirável a respeito da graça!
PARA REFLEXÃO

1. De que maneiras você colheu o que plantou


nesta vida? Como tem colhido o que não plantou,
tanto positiva como negativamente?
2. Quais são as grandes transformações de sua
história? Descreva aquelas ocasiões em que pecou e
sabia que merecia ser exposto e castigado, mas, em
vez disso, Deus o cobriu de bênçãos e amor. Como
você se sentiu?
3. De que maneiras você tem tentado mudar seu
comportamento exterior? De que maneiras tem
procurado mudar seu próprio coração? Quão bem-
sucedido você tem sido?
4. Como você tem experimentado o poder
transformador de Deus de dentro para fora? Quais
os sentimentos e pensamentos que o levaram a
mudar e crescer?
5. Você sente muitas vezes imensa gratidão a
Deus? Por quê?
6. Quais são algumas das histórias de sua vida que
resultaram em sentimentos de profunda gratidão?
Como a gratidão tende a impulsioná-lo a agir?
7. Você tende a se sentir culpado por falta de
gratidão a Deus? Qual é o remédio para isso?
63. John Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John
Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 13.
64. Ver Confissão de Fé de Westminster, 5.5.
65. Ver John Newton, Life and Spirituality, The Life and
Spirituality of John Newton (Vancouver: Regent College
Publishing, 2003), 38-55.
66. Thomas Chalmers, “The Expulsive Power of a New Affection”,
Sermons and Discourses (New York: Robert Carter & Brothers,
1877), 2.271-77.
67. Newton, “Grace in the Ear”, Select Letters of John Newton, 11.
68. Elizabeth Clephane, “Beneath the Cross of Jesus”, 1872.
69. Newton, “Letter 1 to Miss M____”, The Works of John Newton,
vol. 6 (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 1985), 6.
capítulo doze
as jubilosas implicações da
maravilhosa graça

Embora o pecado guerreie, jamais reinará;


embora ele quebre a nossa paz, não nos separará
do amor de Deus. — John Newton70

Recentemente, uma amiga minha foi à sua primeira


sessão de aconselhamento bíblico. Ela sentou-se e,
com um suspiro, começou a explicar ao conselheiro
como havia sido a sua semana. Estivera lutando com
uma culpa significativa a respeito de seus desejos
pecaminosos e de sua fraqueza e incapacidade de
mudar ou mesmo de querer mudar. Porém, alguns
dias atrás, Deus a abençoou com uma rica e
profunda sensação de necessidade de descansar seu
espírito na obra consumada de Cristo e desistir de
suas tentativas frenéticas de se esforçar bastante para
fazer melhor.
O conselheiro sorriu para ela e disse: “Ah! não vou
deixar você escapar desta facilmente!” É sério? Eu
teria elogiado a garota e até preparado uma festa
para celebrar a bondade de Deus para com ela e a
obra poderosa do Espírito Santo no coração dela!
Eu a convenceria de que os anjos no céu estariam
vibrando e desejando entender a graça maravilhosa e
impressionante de Deus para com uma pecadora
como ela. Por que fazemos isso uns com os outros?
Por que temos tanto medo da graça?
Existem poderosas implicações da mensagem do
evangelho a respeito das quais raramente falamos ou
ouvimos. Elas são como uma fonte de conforto, paz
e alegria inimagináveis, mas hesitamos em
mencioná-las, bem como não nos alegramos nem
temos prazer nelas. Ficamos aterrorizados com o
fato de que muita graça seja equivalente à libertação
de esforços humanos e que essa liberdade conduza,
invariavelmente, à libertinagem, a um viver
licencioso e a uma perda de interesse em buscar a
santidade. Estas são coisas importantes para
pensarmos a respeito, mas não deveriam nos privar
de imergir nos dons que nos foram dados em Cristo.
O medo não é uma bom fundamento para conselhos
espirituais. De fato, nosso medo pode nos afastar da
única verdade que é o mais poderoso motivador de
mudança que Deus nos deu. E se eu disser que ser
lembrados de que você não precisa mudar para
receber o favor de Deus libera tanta alegria e senso
de segurança em sua alma, que a mudança se torna
a coisa que você mais deseja, apenas devido a
gratidão por tão fascinante aceitação e amor? Se isso
é verdade, então, impedir as pessoas de se dirigirem
a tão grande alívio e alegria pode ser um obstáculo
enorme no caminhos delas rumo à santidade.
SEUS PECADOS SÃO FINITOS EM NÚMERO
E FORAM TOTALMENTE PAGOS

No círculo religioso que também chamo de lar,


amamos conversar a respeito das “doutrinas da
graça”. Amamos particularmente as últimas palavras
de Jesus na cruz: “Está consumado!” (João 19.30).
Essas duas palavras que saíram dos lábios de nosso
Salvador, na hora de sua morte, nos garantem que
sua obra redentora foi completada na cruz. Todos os
pecados de seu povo, desde a criação até à
eternidade, foram totalmente pagos naquele
momento inclusivo, grandioso e único de expiação
sacrificial. Essa doutrina é muito mais do que um
conceito teológico sofisticado para ser admirado ou
discutido. É uma verdade fascinante e
transformadora que se conecta diretamente a cada
momento de nossa vida. Ela deveria embasar, com
grande relevância, toda discussão que temos sobre
mudanças. Há verdades surpreendentes que
devemos apreciar aqui — verdades nas quais os
cristãos raramente se regozijam, mesmo em meus
círculos teológicos favoritos.
A primeira é verdade o fato de que, se estamos
unidos com Cristo hoje, o número de pecados que
cometeremos ao longo da vida é finito e já foram
pagos por completo, antes mesmo de sairmos do
útero de nossa mãe. Muitos de nós têm se
emocionado com as palavras do hino “Sou feliz com
Jesus”, que é bastante conhecido. A terceira estrofe
diz:

Meu pecado – oh! bendito e glorioso pensamento!


Meu pecado, não em parte, mas no todo,
Está cravado na cruz, e eu não o carrego mais.
Louva o Senhor, louva o Senhor, ó minh’alma.71

Pare por um instante e envolva-se com esse


pensamento. Você conhece a felicidade plena desta
verdade? Ela se apossa regularmente de seu coração,
trazendo doce paz e alegria, especialmente quando
você está lutando contra um pecado? Sua alma foi
comprada antes mesmo de você ser concebido. Seus
pecados podem lhe parecer incontáveis e
desencorajadores, mas eram todos conhecidos, um a
um, por Deus, antes de você existir. Cada um deles
foi pago individualmente antes de você pensar nele
ou querer cometê-lo. Os pecados que você ainda
não cometeu já foram cancelados, expiados e pagos
por completo. Jesus pagou por todos eles!
Esta é uma notícia extraordinariamente boa, em
especial quando o Espírito Santo começa a lhe
mostrar quanto você peca mesmo em seus melhores
momentos. Isso acontece porque, mesmo quando
somos crentes, a inclinação natural de nosso coração
é contrária a Deus, e o pecado permanece como o
contexto permanente para o nosso crescimento em
obediência. Com disse Robert Robinson, somos
todos propensos a vaguear, propensos a abandonar o
Deus que amamos.72
Contudo, não temos de agonizar por causa de todo
e qualquer pecado, como se cada nova transgressão
cravasse um novo prego nas mãos do nosso
Salvador. Está consumado! A sua obra foi
completada quando ele entregou seu espírito e foi
aceito por Deus como a nossa morte. Cada pecado
de cada um dos filhos de Deus foi expiado naquele
instante. E, quando o Pai ressuscitou o Filho, ele o
fez como demonstração irrefutável de que o
pagamento foi por completo.
Essa realidade livra você da necessidade mórbida
de afundar-se em tristeza e sofrimento por causa de
seu pecado. Jesus não está sofrendo diariamente por
seus pecados. Ele está sentado triunfante à direita de
Deus e garantiu a você uma vitória final e decisiva.
Se lamentar constantemente o seu pecado o
ajudasse, de algum modo, a expiá-lo, isso seria um
ato nobre. No entanto, visto que não há nada a ser
acrescentado à sua salvação, e sua agonia não
contribui nada para a salvação ou para a
santificação, você está livre para seguir pela vida
com confiança em seu perdão. Tristeza piedosa em
relação ao pecado não leva à autocondenação e a
tentativas de expiar seus pecados por meio de atos
de penitência. Tristeza piedosa leva ao
arrependimento, que, por sua vez, nos leva à cruz.
Ali, vemos, outra vez, a magnífica suficiência de
nosso maravilhoso Salvador. Tristeza piedosa nos
conduz a uma grande festa, outra celebração
gloriosa da verdade do evangelho.
Enquanto esperava a decisão da P&R quanto a me
oferecer ou não um contrato referente a este livro,
pude compreender, de uma nova maneira, a
realidade constante de meu próprio pecado.
Enquanto decidia como orar e qual seria a coisa
certa a pedir a Deus nesta situação, deparei-me com
um dilema. Tentando ser reverente, pensei que
talvez devesse começar pedindo a Deus um
desfecho que me levasse a pecar menos. Eu sabia
que a rejeição faria com que me sentisse furiosa,
ressentida, temerosa e deprimida. E, visto que o
contrato era o que eu realmente queria, orei muitas
vezes para que a P&R pensasse favoravelmente
sobre a minha proposta, e o conselho votasse em
favor da publicação do livro.
Este pensamento levou a outro. Como eu me
sentiria se a resposta fosse “sim”? Bem, exultante e
alegre, é claro! No entanto, só porque estes são
sentimentos positivos, não significa que não são
pecaminosos. Eu sabia que sentiria alegria, porque
ansiava por glória e notoriedade: eu realmente quero
ser alguém. Comecei a perceber que uma resposta
positiva à minha oração me conduziria,
inevitavelmente, a um caminho de pecado, assim
como uma resposta negativa o faria. Eu sou
pecadora e pecaria de qualquer maneira. Haveria
pecados de raiva e desespero, se eu ficasse
desapontada, e pecados de orgulho, impulsividade,
medo e defesa, se eu conseguisse o que queria. Isto
é o que significa estar ligada à carne pecaminosa
enquanto eu viver neste corpo: pecarei
independentemente do caminho pelo qual Deus me
conduza.
Isso poderia facilmente ser um dilema paralisante;
e, às vezes, eu fiquei realmente paralisada apenas
pela consciência da presença do pecado em todos os
meus pensamentos e razões. Talvez, pensei, eu
devesse retirar a proposta completamente. Mas não
seria apenas procurar um caminho mais fácil?
Haveria também um milhão de tentações à
autocompaixão e à autodepreciação, ao longo do
caminho. Se eu levar meu pecado muito a sério,
poderei ficar parada em um deserto que é
completamente focado em mim mesma, numa
inquietação repleta de medos, egoísmo e de boas
intenções equivocadas. Não devo querer pecar nem
planejar pecar. Entretanto, como uma pecadora que
vive num mundo caído, é inevitável que eu peque
frequentemente.
No entanto, existem alternativas à paralisia, e
pensar mais claramente poderia me levar a um
caminho totalmente diferente. Se todos os meus
pecados são conhecidos por Deus e foram pagos por
Cristo, sou livre para seguir em frente confiando que
Deus planejou contra quais pecados eu lutarei. Ele já
sabe como me conduzirá através deles e como os
usará para me ensinar e me fortalecer. Sou liberta de
uma inesgotável computação de erros para seguir
para onde quer que Deus tenha decidido seja o
próximo ponto para mim, confiante de que sua
graça é sempre maior do que todo o meu pecado.
Há uma liberdade em viver a vida com alegria, certa
de que sou uma pecadora que pecarei tantas vezes
cada dia que não poderei identificar todos os meus
pecados, mas também certa de que meu Pai celestial
é soberano sobre cada um desses pecados e de que
fui liberta da vasta e enorme punição que cada
pequeno pecado merece com justiça. Tal liberdade e
prazer em Deus é impressionante demais para eu
descrever ou explicar. E me faze querer cair de
joelhos em adoração, maravilhada pelo fato de ser
tão bem amada e cuidada pelo meu Criador!
Há um sentido agradável em que o evangelho nos
ajuda a não levarmos a nós mesmos muito a sério.
Embora o pecado seja feio, e nossa insensatez,
profunda, também somos livres para nos
admirarmos de nossa tolice e sorrirmos de quão
ridículos somos muitas vezes. John Newton era um
homem cheio de humor e inteligência que nunca
saiu de uma sala sem deixar para trás a rica
fragrância do evangelho de um modo comovente.
Você pode obter um vislumbre deste aspecto de
Newton em uma carta que ele escreveu para
Thomas Scott, o ministro que assumiu sua igreja
quando ele se mudou de Olney para Londres:
Parece que até consigo vê-lo sentado no meu velho canto no
escritório. Vou avisá-lo de uma coisa. Aquele cômodo —
(não comece) — costumava ser assombrado. Não posso
dizer que já vi ou ouvi nada com meus órgãos físicos, mas
estou certo de que havia espíritos malignos nele e bem perto
de mim, um espírito de tolice, um espírito de indolência, um
espírito de descrença e muitos outros — na verdade, o nome
deles é legião. Mas por que eu deveria dizer que eles estão
em seu escritório quando me seguiram até Londres e ainda
me incomodam aqui?73

SOMOS DECLARADOS
INOCENTES
A doutrina de nossa união em Cristo é outra
verdade que tem implicações que transformam a
vida. A doutrina da imputação é fabulosa. O fato de
que nossos pecados foram imputados a Cristo e
resolvidos por completo na cruz é
inimaginavelmente maravilhoso. Mas não é o
suficiente. A imputação é apenas metade do
evangelho, oferecendo grande conforto em relação
aos pecados que você já cometeu, mas faz
deixando-o sentir-se desanimado e desesperançado
por continuar pecando. Ela quase piora toda a coisa.
Saber que Jesus desceu do céu para viver na terra e
sofrer tamanha crueldade em seu lugar é uma carga
emocional muito pesada para ser levada em face de
tamanha fraqueza e incapacidade contínua. Os
verdadeiros crentes devem lutar contra a tristeza
trágica de que “Foi meu pecado que o colocou lá”,74
e essas emoções comoventes levam muitas vezes a
promessas extremas de mudança de vida e
obediência.
No entanto, corações tristes e culpados não
costumam achar a obediência alcançável; de fato,
eles a acham mais evasiva. Somos pessoas que
querem se sentir bem, e sentimentos reais de
verdadeira incapacidade raramente nos levam à
adoração. Em vez disso, nos levam a idolatrias e
vícios favoritos, a fim de encontrarmos um pouco de
conforto antes de iniciar novamente todo o processo
de culpa. Isto não é a alegria transbordante do
evangelho de Jesus Cristo.
A verdade emocionante de nossa vindicação
espiritual salta, com clareza, das páginas das
Escrituras, remontando ao livro de Zacarias. Com o
benefício da retrospectiva no Novo Testamento,
podemos obter um vislumbre cintilante da direção
em que a história está seguindo, mesmo nas sombras
da antiga aliança. Em Zacarias 3, deparamo-nos com
a cena de um tribunal em que o juiz é o Anjo do
Senhor, e o promotor é o próprio Satanás. O réu é
Josué, o sumo sacerdote, mediador entre Deus e seu
povo, que acabara de retornar do exílio na
Babilônia. A acusação contra Josué é de que o
homem que deveria ser justo e limpo está na
verdade coberto de imundícia.75 O povo de Deus
está em sérios apuros. Se o sumo sacerdote é uma
bagunça desastrosa e culpado, como será capaz de
implorar por misericórdia em nome de seu povo
extremamente culpado? A culpa de Josué é tão
evidente que podemos sentir o cheiro dela sobre ele.
Satanás não precisa dizer nada!
O veredito é igualmente óbvio: o sumo sacerdote é
claramente culpado das acusações. Josué precisa de
ajuda e rápido! No entanto, naquele silêncio tenso e
dramático, palavras de graça e misericórdia
outorgadoras de vida são proferidas: “Não é este um
tição tirado do fogo?…Tirai-lhe as vestes sujas... Eis
que tenho feito que passe de ti a tua iniquidade e te
vestirei de finos trajes” (Zacarias 3.2-4).
Você entendeu isso? Sem que fosse permitido a
Satanás proferir uma única palavra, o Anjo do
Senhor falou em favor de Josué. Satanás tinha um
caso legítimo contra este, mas nem ao menos teve
um momento para descrever a acusação antes de ser
totalmente silenciado e Josué, resgatado. Josué não
foi apenas absolvido por falta de provas claras ou de
uma acusação incompetente. Não, ele tinha sido
escolhido para ser salvo e resgatado do fogo, de um
modo que nunca precisaria enfrentar as
consequências mortais de seu pecado. Suas vestes
imundas foram removidas, o que significa a
remoção de todo o seu pecado e toda a sua culpa.
Mas a história surpreendente continuou! Josué foi
vestido de roupas limpas que ele não possuía nem
merecia.
Assim como a roupa imunda representava seu
pecado, a roupa limpa que recebeu representa a
justiça de Cristo que nos foi dada pela fé. Não
somente a culpa e o pecado de Josué foram
removidos, mas também ele foi vestido com as
roupas perfeitas e impecáveis de uma bondade
ganhas para ele por outro. Com esse acontecimento,
a história passa de maravilhosa para
espetacularmente feliz. Tullian Tchividjian chama
isso de “a hilaridade da graça incondicional”.76 É
inimaginável e além da razão o fato de que Deus
possa amar dessa maneira pecadores imundos.
Todos nós somos exatamente como Josué,
culpados e fedendo uma podridão tão profunda e
abrangente que ameaça constantemente nos dominar
e nos enterrar vivos. Não pecamos somente um
pouco, dia após dia; pecamos constantemente em
nossos pensamentos, nas coisas que fazemos e nas
incontáveis coisas que deveríamos fazer mas não
fazemos. Devemos a Deus amor perfeito,
obediência e adoração, cada minuto de cada dia. No
entanto, até o cristão mais maduro é incapaz de
aproximar-se deste tipo de bondade por um minuto
sequer de qualquer dia. Nosso problema é
abrangente e sem esperança, porque precisamos não
somente de um registro criminal parcialmente limpo,
precisamos de uma história de perfeita bondade para
satisfazer às exigências das leis de Deus. Zacarias 3
nos mostra uma visão da verdade espiritual que
possuímos em Cristo. Ele pagou o preço por todos
os nossos pecados, ao morrer na cruz, e agora nos
envolve a cada momento com toda a sua justiça, que
nos foi dada. Ele é tudo que precisamos, não apenas
para a nossa salvação, mas também para todos os
dias de nossa vida.
Então, o que isso significa para você e para mim
dia após dia? Significa que, embora pequemos a
cada momento, ao mesmo tempo possuímos em
Cristo toda a perfeição que precisamos para agradar
a Deus. Jesus teve sucesso em todas as maneiras em
que fracassamos. E, embora fiquemos
tremendamente aquém da obediência que
precisamos e desejamos, ele obedeceu em nosso
lugar e nos deu sua bondade para substituir nossa
maldade. No final de um dia em que posso olhar
para trás e ver os muitos momentos específicos em
que pequei por fraqueza ou por rebelião intencional,
também posso ver Jesus obedecendo por mim e me
dando sua justiça perfeita em cada uma dessas áreas
específicas. Não há outra maneira de sobreviver ao
meu fracasso. Eu fui resgatada, os meus pecados
foram pagos decisivamente na cruz, e agora Deus
me vê como vê o seu próprio Filho, como alguém
que cumpriu a lei perfeitamente. Essa não é uma
graça extravagante e prazerosa?
Desfrute essa verdade doutrinária. Mergulhe nela.
Delicie-se e deleite-se nela. É maravilhosa demais
para ser acreditada, mas é absolutamente verdadeira.
Vou avisá-lo de que é improvável que você pense
nisso com tanta frequência quando está firme e forte
na fé. Você não pensará que precisa dela nesses
momentos. Quando estiver severamente
desencorajado pelo seu pecado e pela falta de
crescimento, pense nos acontecimentos daquele dia
e lembre-se dos pecados que cometeu. Confesse-os
a Deus e peça-lhe o maravilhoso dom do
arrependimento e da fé. Em seguida, celebre.
Embora cada um desses pecados seja digno de
morte, você ainda está vivo! Deus não o destruiu.
Em vez disso, ele esmagou o Filho em seu lugar.
Você ainda está aqui, ainda é bem-vindo e querido
por seu pai, apesar de todo o seu pecado. Você está
seguro, e ele está preparando um lugar para você ao
lado dele, para toda a eternidade.
Às vezes, quando você olha para a história da vida
de Jesus, pode vê-lo ou ouvi-lo obedecendo em seu
lugar. Por exemplo, eu tenho problemas alimentares.
Uso a comida para me sedar pecaminosamente e
anestesiar meus sentimentos dolorosos e raivosos.
Apesar de já ter crescido substancialmente nessa
área, ainda sou uma glutona e propensa a me
medicar com alimentos. Hoje comi muitas coisas de
maneira pecaminosa — duas tigelas de cereal,
quando uma seria suficiente; uma enorme barra de
chocolate Cadbury; um lanche que eu não precisava;
e a lista não termina. Tenho vergonha de mim
mesma, e, como resultado, sinto-me horrível,
inclinada a ser má com as pessoas ao meu redor e a
comer ainda mais! Mas a verdade da bondade de
Cristo que me foi dada tem poder real para me
salvar em meio aos meus vergonhosos sentimentos
de fracasso. Cristo foi um exemplo de perfeição à
mesa, e essa perfeição é minha. Ele nunca usou
comida pecaminosamente, mesmo quando Satanás
tentou induzi-lo a transformar pedras em pães
(Mateus 4:3-4.). Ele comia em casamentos e jejuava
em oração, agradecendo a seu Pai pela boa comida
que lhe fora dada. Agora, hoje, a sua obediência
substituiu o meu pecado, e eu permaneço diante de
Deus limpa e pura. Como nenhuma outra, esta
doutrina tem o poder de transformar a vergonha e o
fracasso em adoração. Não há nada parecido com
isso.

A GENEROSA PACIÊNCIA DE DEUS

Todos nós amamos a história do filho pródigo ou


mais precisamente, como está na Bíblia, a Parábola
dos Dois Filhos (Lucas 15:11-32). Ficamos
admirados e impressionados com o pai amoroso que
espera o retorno de seu filho e corre para saudá-lo,
exalando perdão por todos os poros, quando, na
verdade, ele tinha todo o direito de estar com raiva.
Ficamos ainda mais admirados quando entendemos
que é uma história sobre Deus e sobre nós. Somos
os filhos, por vezes arrogantes, orgulhosos e cheios
de obediência egoísta, destroçados pela extensão de
nosso próprio pecado e rebelião (Isaías 1:2-9). Sim,
nosso Pai celestial sempre recebe de volta os
pródigos em sua casa, vez após vez.
No entanto, há um aspecto notável da história que
jamais ouvi alguém comentar. Como o filho foi
capaz de fugir e ser tão mau? Foi o pai quem lhe
deu o dinheiro, em primeiro lugar! Essa é uma
verdade surpreendente por muitos motivos! Dada a
natureza da cultura em que a história se passou, a
resposta do pai à exigência ousada e arrogante do
filho, de vender a herança da família, é totalmente
inesperada. No entanto, sou fascinada com o fato de
que o pai ao filho o que lhe pertencia por direito,
sabendo muito bem que ele usaria o dinheiro para o
pecado!
Há muitos pecados que o filho não poderia
cometer se não tivesse os recursos. Ele não teria sido
capaz de viajar para um país distante ou, muito
menos, de se envolver em abuso de álcool,
comilança e prostitutas. No entanto, na parábola, o
pai permite, de certo modo, que o filho persiga os
seus pecados.
Precisamos ter cuidado em aplicar esse
discernimento ao nosso relacionamento com Deus,
mas as semelhanças são inegáveis. Sabemos que
Deus é santo e despreza todos esses pecados, mas,
apesar disso, como o pai na história, ele nos dá os
meios que nós, seus filhos e filhas, usaremos para
pecar! Certamente, se Deus, o Pai, estivesse
determinado a manter o número total de nossos
pecados tão baixo quanto possível, uma maneira de
fazer isso seria restringir os meios para nosso
pecado. Contudo, não é isso o que o bom pai faz na
história ou em nossas vidas. Deus nunca tenta
ninguém a pecar, mas nos entrega ao pecado
repetidas vezes. De fato, visto que somos
dependemos dele para tudo, até para respirarmos,
podemos dizer que é ele quem provê os meios pelos
quais cairemos. O que vemos retratado nessa
parábola e em nossa própria vida é Deus usando o
que ele odeia para obter o que ama.
Pense no bom fruto que resultou da atitude do pai
em dar ao filho os recursos necessários para que ele
vivesse suas ambições pecaminosas. Se o filho mais
novo tivesse sido forçado a ficar em casa por falta
de recursos, seu comportamento exterior poderia ter
sido contido, mas seu coração não teria mudado. Ele
teria se tornado mais irritado e amargo, convencido
de que seu pai era na verdade um obstáculo entre ele
e a chance de aproveitar a vida. Ao liberá-lo para
seguir seus desejos pecaminosos, o pai o colocou,
paradoxalmente, no caminho que o libertaria do
poder do pecado, quando percebesse seu vazio e os
resultados amargos. Deste modo, o filho mais novo
aprenderia que aquele que é muito perdoado
certamente amará muito. Em última análise, a
grandeza de seu pecado serviu para amolecer seu
coração endurecido e exaltar o caráter paciente e
amoroso de seu pai.
Enquanto isso, o irmão mais velho, cujos elevados
padrões morais o mantiveram longe das aventuras
devassas de seu irmão, nunca aprendeu essa
verdade. Sua obediência procedia exatamente do
mesmo tipo de coração endurecido e amargo que
seu irmão manifestara e o convencia de que seu pai
era o principal obstáculo entre ele e sua felicidade
(cf. v. 29). No entanto, seu egoísmo o cegou em
relação a seu próprio coração, endurecido e
arrogante. Aqui há uma advertência séria para os
cristãos mais fervorosos: em toda a nossa
obediência, podemos pecar mais profundamente do
que os outros fazem em sua rebelião e ser os únicos
que perdem a festa da graça, porque não queremos
participar dela se os “pecadores” estiverem
presentes.
Talvez haja aqui uma lição para pais cristãos, que
também lutam com filhos rebeldes. Às vezes, em
nosso desejo de proteger nossos filhos do pecado,
nós os impedimos de entender a depravação de seu
coração. Podemos ensinar-lhes sobre isso e citar
versículos bíblicos relevantes, mas a teoria é
diferente da prática. Talvez eles precisem ver a
depravação profunda que se esconde em sua própria
alma para, assim, valorizarem profundamente a
salvação.
Como o pai na parábola, talvez seja necessário que
os deixemos partir e se voltarem a seu próprio
pecado por algum tempo, para que também
descubram sua grande necessidade do Salvador. Isto
parece ser um pensamento horrível para nós, pois
sabemos que eles podem se ferir gravemente, ferir
outros e a nossa reputação. Os nossos receios não
são infundados. O pecado leva à morte, e nossos
filhos podem causar danos graves e críticos a si
mesmos e a outros ao seu redor. Podem até gerar
filhos que levarão as marcas de seu pecado por toda
a vida. Mas, assim como Deus era soberano sobre
os pecados dos dois irmãos, assim também podemos
confiar que a proteção de Deus está ao redor de
nossos filhos. Ele definirá limites para a
desobediência e os limites para o mal que nossos
filhos podem praticar, bem como andará com eles
para protegê-los ao longo do caminho. Eles não
podem pecar fora da vontade de Deus, que
certamente caminhará com eles e conosco através
dos vales de morte que ele nos chama a atravessar,
orientando e confortando todos nós ao longo do
caminho. Deus prometeu usar todas as coisas para o
bem deles, para o nosso bem e para a sua própria
glória. E podemos nos agarrar a essa promessa,
mesmo quando a vida de nossos filhos parece fora
de controle.

O PRAZER PERMANENTE
DE DEUS
Muitas das pessoas que eu aconselho querem
saber, desesperadamente, como Deus se sente em
relação a elas quando pecam. Geralmente, elas
presumem que Deus fica satisfeito quando
obedecem e desejariam poder viver mais de acordo
com o padrão do irmão mais velho. No entanto,
quando a obediência exterior parece estar além do
alcance delas, convencem-se de que devem passar a
maior parte do tempo sob o justo desprazer de
Deus. Se você está muito consciente de seu pecado
e acha que Deus fica bravo toda vez que você peca,
então, a vida se torna verdadeiramente miserável. Eu
me sensibilizo com a tristeza destas pessoas. Visto
que também peco constantemente com meu coração
explodindo muitas vezes ao longo de cada dia, se a
maneira de pensar delas estivesse correta, eu seria
condenada a uma vida de depressão. Esta
perspectiva está expressa claramente no hino
“Confiar e Obedecer”.77
Quando andamos com o Senhor à luz de sua
Palavra,
Que glória ele derrama em nosso caminho!
Enquanto fazemos sua boa vontade, ele permanece
conosco
E com todos que confiarão e obedecerão.

Confiar e obedecer, pois não há outro meio


De ser feliz em Jesus, senão confiar e obedecer.

Mas nunca podemos provar as delícias do seu


amor
Até que sobre o altar tudo coloquemos;
Pois o favor que ele mostra, e a alegria que outorga
É para aqueles que confiarão e obedecerão.

Canções como esta ecoam certas ideias


profundamente em nossa alma torturada pela lei.
Esta canção foi escrita provavelmente para ser um
belo hino sobre as alegrias da obediência a Deus —
e a obediência é, de fato, uma coisa cheia de alegria
quando flui de um coração repleto de gratidão.
Todavia, é verdade que Jesus derrama sua glória em
nosso caminho somente quando caminhamos com
ele? Deus permanece conosco somente se fizermos
sua boa vontade? Certamente somos chamados a
caminhar com Cristo (Colossenses 2:6) e a
permanecer nele (João 15:4), mas a boa notícia do
evangelho está no fato de que, mesmo quando
somos infiéis, ele é fiel (2 Timóteo 2:13).
Em razão dessa fidelidade ao infiel, o Senhor
derrama sua glória em nosso caminho, mesmo
quando estamos fugindo dele. Assim como o profeta
Jonas, é uma glória descobrir-se perseguido
inescapavelmente pelo Deus amoroso do céu e da
terra. Ele ainda permanece conosco e jamais nos
abandonará, estejamos fazendo a sua boa vontade
ou não, como descobriu o salmista (Salmos 139:8-
12). Se não há, realmente, nenhuma outro meio de
alguém ser feliz em Jesus, exceto confiar e
obedecer, então, eu também posso desistir de toda
esperança de alegria agora, porque, apesar de meus
melhores esforços, há muitos momentos, cada dia,
em que eu não estou confiando ou obedecendo,
mesmo quando minha vida parece muito limpa do
lado de fora. Jamais poderemos provar as delícias
do amor de Cristo enquanto não colocarmos tudo
sobre o altar? Não podemos dizer que as delícias do
amor de Cristo são ainda mais evidentes quando
pecamos contra ele e que jamais poderão nos
separar do amor de Deus? De qualquer modo, em
toda a história da humanidade, quem já chegou
perto de colocar tudo no altar? Mesmo os maiores
heróis da Bíblia não o fizeram, e eu estou longe de
estar na categoria deles.
Há esperança para pessoas como eu, que olham
para o próprio coração e veem que são pessoas que,
muitas vezes, não conseguem confiar e,
frequentemente, nem querem obedecer? Se o favor
que ele mostra e a alegria que dá são apenas para
aqueles que confiam e obedecem, então, a minha
vida será constituída de miséria e frustração,
enquanto eu continuar tentando e não conseguindo
colocar tudo sobre o altar. Se esse é o único meio
para eu ser feliz em Jesus, terei de me dispor a ser
infeliz em Jesus até que eu morra ou ele venha para
mim.
No entanto, o evangelho me fala de maneira
diferente a respeito de ser feliz em Jesus — uma
maneira que se fundamenta no que realmente
significa estar em Jesus e que, portanto, traz alegria
e paz aos pecadores mais profundamente falhos em
meio a seu fracasso. Não importando a nossa atual
situação no departamento de obediência, há grande
alegria e prazer a serem encontrados no fato de que
Jesus confiou e obedeceu em nosso lugar; agora, a
confiança e a obediência dele são creditadas
perfeitamente a nós, a cada momento de cada dia.
Estar em Cristo significa que, sempre que o Pai olha
para nós, ele nos vê envolvidos na justiça de seu
Filho e se deleita com isso.
Como Deus se sente a respeito de seu próprio
Filho? Comecei a entender um pouco do amor de
Deus por seu filho quando segurei meu próprio
primogênito em meus braços. Os sentimentos que
encheram a minha alma e ameaçavam explodir em
todo o meu redor não eram simplesmente um afeto
carinhoso. Eu amava aquela criatura com todo o
meu corpo, alma, coração e mente e sabia que daria
minha vida por ele num piscar de olhos. O
nascimento de Jamie me ensinou sobre o amor de
Deus por seu Filho e, por conseguinte, sobre como
Deus se sente em relação a mim, como alguém que
agora está em seu Filho. Não foi o fato de que Jamie
era um bebê adorável, sereno e agradável que
ganhou meu coração. Nem mesmo seus grandes
olhos azuis ou seu sorriso cativante. Foi o fato de
que ele era meu. Sentime desta maneira e continuo a
me sentir em relação a todos os meus filhos —
incluindo o mais velho e “quase adotado” filho —
porque eles pertencem a mim. Se eu, que sou uma
mãe pecaminosa e caída, posso amar desta maneira,
quanto amor deve ter Deus, o Pai perfeito, para com
todos aqueles a quem ele escolheu e adotou em sua
família? Esse é um amor tão poderoso que desafia
toda a lógica humana, um amor que iria a distâncias
insondáveis para resgatar, proteger e defender seus
amados. Isto é exatamente o que Deus fez: ele foi a
distâncias inimagináveis a fim de nos ter para si. Isto
é amor insuportável, incompreensível e
transformador de vidas.
Deus não é mutável ou excêntrico. Ele não nos diz
em um momento que estamos vestidos da bondade
de seu Filho e profusos de seu amor, somente para,
toda vez que cairmos, seu sorriso ser substituído por
um rosto zangado. Deus não pode ficar irado
conosco. Sua ira foi satisfeita em seu Filho, em
nosso lugar, e somos informados de que agora não
há nenhuma condenação; portanto, nenhuma gota
da ira de Deus restou para nós (Romanos 8:1). Ele
também resolveu que agora devemos andar na terra
como pessoas fracas e pecaminosas. Por isso é
incoerente com a sua natureza pensar que, depois de
haver ordenado a nossa fraqueza, em seguida ele
fique com raiva de nós, sempre que caímos.
A Bíblia usa a expressão “entristecer o Espírito
Santo” para descrever como Deus se sente sobre nós
em nosso pecado (Efésios 4:30). Mais uma vez, a
parábola do filho pródigo pode esclarecer esta
linguagem. Apesar de bons pais humanos poderem
se irritar quando seus filhos se rebelam
deliberadamente, o pai referido na parábola não é
descrito nem mesmo com uma pitada de raiva. Pelo
contrário, há tristeza e saudade, conjugados com
uma alegria imensa quando o filho é visto ao longe
(Lucas 15:20-24). Não somente não há raiva da
parte do pai, como também não há recriminações no
retorno do filho. Em vez disso, a raiva e a
indignação pertencem ao irmão mais velho.
Esta é mais uma maneira pela qual podemos
concluir que não somos parecidos com Deus.
Aconselhei pais cristãos amorosos que se achavam
em tal situação, e, na condição de pecadores, era
quase impossível eles ignorarem a raiva e a
indignação para com o comportamento de seus
filhos. Entendo esse sentimento, porque ficaria com
raiva também. Mas neste aspecto, Deus não é como
nós.
De modo semelhante, em Hebreus 12:5-11 lemos
que Deus disciplina os filhos que ama, e isto é uma
bênção preciosa. No entanto, nosso coração
esmagado pela lei associa rapidamente a disciplina a
desprazer e raiva. Na realidade, Deus sente tristeza
singular pela dor que teremos de suportar na hora da
disciplina. Quando deixamos nossa filha Hannah
cair da escada, não apreciamos aquilo, nem
tínhamos qualquer vingança em mente. Não
estávamos com raiva ou descontentes com ela,
embora sua persistência pudesse ser irritante!
Apenas reconhecemos que ela precisava aprender
algo importante e que uma pequena dose de dor
seria a mais rápida e melhor maneira de ela aprender
algo que a protegeria de um dano maior. Nós nos
afastamos, por mais difícil que tenha sido para nós,
e corremos para consolá-la quando ela caiu.
Assim também, quando lemos que nosso pecado
pode entristecer o Espírito Santo, muitos cristãos
presumem imediatamente que a dor equivale a raiva.
Mas a dor é diferente da raiva. Deus é
profundamente compassivo conosco em nossa
fraqueza e se lembra de que somos feitos do pó.
Somos os únicos que continuam a esquecer essa
verdade. Assim como vemos Jesus sofrer por causa
do pecado durante seu ministério terreno, o Pai
também sofre por nós e conosco, mesmo quando
nos conduz a experiências dolorosas. Mas, neste
caso, ele não está nos punindo por causa de nosso
pecado, nem está com raiva de nós. Interpretar o
coração de Deus como sendo irritado,
decepcionado, impaciente ou exasperado com seus
filhos redimidos significa não compreender
profundamente seu caráter. Em vez disso, ele está
nos treinando em justiça e nos fazendo crescer nele
mesmo.
Deus não está no céu imaginando como nos
comportaremos e como reagiremos à tentação. Ele
está governando todas as circunstâncias para o nosso
crescimento e benefício. Quando nos entrega ao
nosso próprio pecado, para que vejamos a grande
necessidade que temos de nosso Senhor, Deus está
nos treinando em humildade e dependência. Isto é a
mão amorosa de nosso Pai celestial, infinitamente
paciente, que nos conduz calmamente pelos
caminhos que determinou para nós. Ele odeia o
pecado e sofre com a tristeza que causamos a nós
mesmos, mas não fica perturbado, irritado,
descontente, surpreso ou exasperado conosco. Por
que não? Porque Jesus obedeceu perfeitamente por
nós e, agora, estamos escondidos, envoltos e ocultos
nas vetes luxuosas de sua perfeição.
O Pai pode sentir qualquer dessas emoções
negativas em relação a seu Filho, Jesus Cristo? É
claro que não! E, já que estamos unidos a seu Filho,
Deus pensa em nós do mesmo modo como que
pensa sobre ele — mesmo quando pecamos. Esse
amor surpreendente pode mudar nossas vidas e nos
dar uma alegria profunda e duradoura em meio a
nossa fraqueza e pecado contínuos. E mais, em
lugar de induzi-lo a aprofundar-se no pecado,
conhecer este tipo de amor fará você querer
obedecer cada vez mais a seu Pai celestial.

AS VANTAGENS DO PECADO
REMANESCENTE
Magnificar a glória de Deus
Newton afirma categoricamente que nem o nosso
estado de segurança como crentes, nem a honra e a
glória da reputação de Deus são diminuídos pelo
pecado remanescente nos cristãos, visto que eles são
ensinados a combatê-lo.78 As implicações desta
afirmação nos fazem refletir de muitas maneiras.
Deus não vinculou sua própria glória ao nosso
desempenho e sim ao desempenho de seu Filho
amado. O acordo feito dentro da Trindade, antes
dos tempos eternos, visava revelar a glória da
Divindade, e ao homem nunca foi dado o poder de
diminuir essa glória com seu pecado. Pelo contrário,
a pecaminosidade implacável do homem só poderia
ampliar o imenso, maravilhoso, determinado e
inabalável amor que Deus fixou em seu povo para
seu próprio prazer. A glória não foi planejada para
residir na criatura, e sim, totalmente, na bondade e
santidade do Criador.
Embora haja um sentido em que cristãos que usam
o evangelho como desculpa para desfrutar do
pecado trazem desonra ao nome do Senhor aqui na
terra (Romanos 2:23), esse fato não se aplica
àqueles que odeiam seu pecado e continuam a lutar
contra ele, dia após dia. Pelo contrário, Newton
afirma que há uma glória única na luta deles, e cada
tentativa é preciosa para Deus, independentemente
do sucesso ou fracasso que ele tenha atribuído a
isso.79 Deus ensina seu povo a lamentar seu pecado
e a lutar contra ele. No entanto, eles são chamados a
fazer isso com a certeza de que, embora o pecado
guerreie contra os crentes, ele nunca reinará.
Embora o pecado possa abalar a paz e a alegria
deles, nunca poderá separá-los de Deus ou arrancá-
los de seu coração ou de sua mão. Em pouco tempo,
quando os cristãos estiverem livres da fraqueza por
meio da morte, eles serão completamente perfeitos.
As boas razões que Deus tem para nos fazer sentir
a nossa própria depravação são muitas. Por nos
mostrar o nosso pecado, o poder de Deus é
magnificado; e a sabedoria, a fidelidade e o amor de
Deus são revelados de maneira mais dramática para
nós e para o mundo espectador. O poder de Deus
para salvar e guardar seus próprios filhos, em meio a
tanta oposição, é ampliado. Newton compara isso a
um fogo que queima sob a água ou a uma sarça
ardente que não é consumida pelo fogo.80 O fato de
que Deus pode realizar facilmente a sua vontade,
sem levar em conta as probabilidades que se
acumulam contra o crente, é nada menos do que um
milagre.
Satanás também é afligido e colocado em seu
devido lugar pelo poder de Deus, que estabelece
limites para a fúria e os danos que Satanás pode
causar. Embora Satanás ataque, não pode vencer.
Quando ele nos derrubar, sempre nos levantaremos
em arrependimento, porque o Senhor está do nosso
lado. O fracasso de Satanás em nos vencer é ainda
mais impressionante devido à nossa fraqueza e
incapacidade de resistir-lhe. Satanás é humilhado e
despojado de seu suposto poder diante das hostes
celestes, enquanto Deus nos guarda, apesar de todo
o sucesso e influência do inimigo. Que coisa
engraçada para imaginarmos!

Aumentar o amor dos crentes por


Deus
Além disso, o Senhor Jesus se torna mais e mais
precioso para a alma redimida. Toda a vanglória é
completamente excluída, e toda a glória de uma
salvação gratuita e integral é dada somente a Jesus.
Não há espaço para a dupla glorificação, pois, se
somos totalmente dependentes de Cristo, tanto para
a vontade de obedecer quanto para ter capacidade
de fazê-lo, todo o nosso pecado permanece sob
nossa culpa, enquanto todo o crédito pela obediência
deve ser apenas dele. Aqueles que pecam muito são
perdoados muito e crescem no amor que têm por
seu Salvador, mais do que se nunca tivessem pecado
ou precisado da bondade de Jesus em lugar deles.
Os crentes que estão convencidos de sua própria
fraqueza e depravação não ousarão — nem ousam
— tomar o crédito por qualquer bondade há neles.
Em vez disso, eles reconhecem prontamente que,
se Deus não os tivesse mantido ao seu lado, teriam
se afastado dele em todas as oportunidades. Teriam
se destruído muitas e muitas vezes, se Cristo não
tivesse sido o pastor deles. Quando vagaram, ele os
trouxe de volta. Quando caíram, uma ou outra vez,
ele os levantou e lhes deu coragem para tentarem
mais uma vez. Quando estavam doentes, ele os
curou; quando ficaram exaustos e cansados e
pensaram que jamais poderiam seguir em frente, ele
os reviveu. Sua fraqueza foi tomada pela força de
Deus, e algumas das provas mais claras que tiveram
de beleza e excelência de Cristo foram
desencadeadas pelos vislumbres mais vergonhosos
que tiveram de si mesmos e de sua própria
depravação.
Aumentar a humildade dos crentes
Deus ama um espírito humilde e contrito, e isso
pode vir a nós por meio de nosso próprio fracasso
pecaminosa e repetitivo. É interessante ler o Salmo
51, à luz do pecado de Davi com Bate-Seba. A
dependência humilde de Davi em Deus é expressa
claramente quando ele confessa seu pecado e pede a
Deus que lhe dê o que ele não pode conseguir por si
mesmo. Ele diz: “Cria em mim, ó Deus, um coração
puro e renova dentro de mim um espírito
inabalável… Restitui-me a alegria da tua salvação e
sustenta-me com um espírito voluntário” (Salmo
51:10,12). Davi compreende, de um novo modo,
que não pode tornar seu próprio coração obediente
ou disposto a submeter-se a Deus. Estas boas coisas
exigem a obra do próprio Deus em favor de Davi.
Este conclui que, se Deus fizesse esta obra, ele,
Davi, ensinaria aos transgressores os caminhos de
Deus, para que os pecadores se convertessem para o
Senhor (v. 13). Como Pedro, Davi se tornou mais
qualificado para levar pessoas a um Pai celestial
amoroso depois de ter visto as profundezas de seu
pecado e a grande necessidade de que o poder de
Deus operasse nele.
Um profundo senso de nossa própria
pecaminosidade também detém o nosso orgulho e a
nossa atitude defensiva. Quem é verdadeiramente
humilde não se irritará facilmente quando se deparar
com críticas, apropriadas ou não. Ele sabe que a
verdade real de sua depravação é muito mais
profunda do que qualquer um pode ver e não
discutirá com aqueles que apontam seus erros ou o
acusam falsamente. Ele é pior do que qualquer
pessoa possa imaginar e grato ao Pai, pois a pior de
suas ofensas é conhecida apenas por Deus e por ele
mesmo. Os pecadores reincidentes precisam se
arrepender frequentemente para que se tornem mais
compassivos e amorosos para com as lutas de seus
irmãos pecadores e, assim, aprendam a andar ao
lado destes com mais amor e paciência.
Reconhecemos que, se parecemos mais fortes ou
mais espertos do que os outros em uma área
especifica, é somente a graça que tem feito a
diferença. Entendemos que, nos aspectos em que
outros são fracos, as sementes do mesmo tipo de
pecado residem profundamente em nosso próprio
coração e que, sem a graça e a vontade de Deus,
somos capazes de tudo.

Aumentar o anseio dos crentes pelo


céu
Em sua discussão sobre as vantagens do pecado
remanescente, Newton também incluiu a observação
de que nós, seres humanos, não tendemos
naturalmente a ansiar pelo céu. Somos presos à terra
e apegados às nossas posses e às pessoas que
podemos ver e tocar. No entanto, quando nos
cansamos de nosso pecado e ficamos esgotados por
nossa incapacidade de lutar contra ele, nossos
pensamentos se voltam cada vez mais para a vinda
do dia de nossa libertação.81 Newton viu neste fato a
bondade de Deus para conosco. A morte é uma
coisa assustadora, mesmo para aqueles que são
fortes na fé. Vivemos a maior parte de nossa vida
em negação da chegada da morte, porque não
podemos suportar a separação do que amamos na
terra e não temos tanta certeza do que está por vir.
Entretanto, em amor, Deus nos cansa de nós
mesmos e nos ajuda a ansiar pelo que tememos e
nos apavora naturalmente.
Vejo isto acontecendo em meus próprios pais
agora. Deus os abençoou com muitos anos
maravilhosos e saudáveis juntos no seu serviço dele.
Agora, muitos dos amigos mais próximos de meus
pais já morreram, e eles parecem viver em um
estado de expectativa e gratidão perpétua. Mal
podem esperar para partir e estar com o Senhor.
Meu pai está tão ansioso para isso, que faz suas
despedidas finais para mim cada vez que vou
embora de sua casa, após uma visita. Ambos falam
sobre a morte com admiração e expectativa, mas
não estão nem mesmo doentes. Os pensamentos
deles se encontram dirigidos ao céu e ficam a
imaginar como será a sensação de estar diante de
Deus e de ver a face de seu precioso Salvador. A
mente deles está tão focada no mundo vindouro,
que sinto a necessidade de, vez por outra, lembrar-
lhes que ainda não é hora da vigília de morte! A
morte já perdeu seu aguilhão e parece ter grande
dose de fascínio, alegria e expectativa para eles. Isto
talvez pareça loucura, mas, de fato, é sanidade
completa e maravilhosa. Como Newton mesmo diz:

Uma grande coisa é morrer e, quando a carne e o coração


falharem, ter Deus como a força de nosso coração e a nossa
porção para sempre. Sei em quem tenho crido, e ele é capaz
de guardar o que me foi confiado até aquele grande dia.
Desde agora, está reservada para mim uma coroa da justiça
que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia.82

Estas são apenas algumas das jubilosas implicações


do tipo de amor e perdão que Jesus Cristo ganhou
para nós!
PARA REFLEXÃO

1. Você já sentiu necessidade de restringir o pecado


em si mesmo e nos outros? Tem medo de graça
abundante? Por que sim ou por que não?
2. Você tende a mergulhar em vergonha e tristeza
quando peca? Com que pecados você tende a sofrer
mais? Por quê?
3. Em geral, você se acha mais parecido com o
irmão mais velho ou com o irmão mais novo na
parábola dos dois filhos? Ou talvez com ambos? Por
quê?
4. Avaliando o seu dia, de que maneira pode
celebrar a retidão de Cristo que lhe foi imputada?
Como você falhou, e como ele teve sucesso em seu
lugar?
5. Você acha que Deus fica bravo com você
quando permite que experimente as consequências
terrenas de seu pecado aqui e agora? Como isso
pode ser algo bondoso e amoroso da parte dele?
6. Como o seu pecado contínuo revela a glória de
Deus? De que maneira ele o torna mais humilde? E
como ele o tem tornado mais compassivo e
afetuoso?
7. Você anseia pelo céu? Por que sim ou por que
não? Como o pecado remanescente muda sua visão
sobre a morte e o céu?
70. John Newton, “Advantages From Remaining Sin”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
151.
71. Horatio Spafford, “It Is Well With My Soul”, 1873.
72. Robert Robinson, “Come Thou Fount of Every Blessing”,
1757.
73. Citado em Richard Cecil, The Life of John Newton, ed.
Marylynn Rouse (Tain, UK: Christian Focus, 2000), 145.
74. Stuart Townend, “How Deep the Father’s Love For Us”, ©
1995 Thankyou Music.
75. Ver Iain Duguid, “No Condemnation”, em Dennis E. Johnson,
ed., Heralds of the King: Christ-Centered Sermons in the
Tradition of Edmund P. Clowney (Wheaton, IL: Crossway, 2009),
136.
76. Tullian Tchividjian, “Presumption Produces Self-Deception”,
The Gospel Coalition Blog, January 21, 2013,
http://thegospelcoalition.org/blogs/tullian/2013/01/21/presumption-
produces-self-deception-2/.
77. John H. Sammis, “Trust and Obey”, 1887.
78. Newton, “Advantages From Remaining Sin”, Select Letters of
John Newton, 150.
79. Newton, “What the Believer Can Attain to in This Life”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
159.
80. Newton, “Advantages From Remaining Sin”, Select Letters of
John Newton, 151.
81. Newton, “The Believer’s Inability on Account of Remaining
Sin”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of
Truth, 2011), 144–45.
82. Citado em Richard Cecil, “Memoirs of the Rev. John Newton”,
The Works of John Newton, vol. 1 (repr., Edinburgh: Banner of
Truth, 1985), 89.
capítulo treze
daqui à eternidade

Quando o soprano é o louvor, e o baixo, a


humilhação do coração, a melodia é agradável e a
harmonia é boa. Deste modo, os cristãos passam
pela vida entristecidos, mas se regozijando sempre.
— John Newton83

Se tudo isto é verdade, como deveríamos viver dia


após dia? Que diferença o conhecimento destas
verdades deveria fazer em nossa vida aqui e agora?
A resposta é que isto deveria fazer toda a diferença
no mundo!
Jesus disse que veio para que a nossa alegria seja
completa (João 15.11), não apenas na vida futura,
mas também agora. Certamente, este mundo ainda é
um deserto, e a paz e a felicidade perfeitas devem
esperar pelo céu, mas a alegria é o grande resultado
de tirarmos os olhos de nós mesmos e olharmos
constantemente para Cristo, quer estejamos de pé,
quer estejamos caindo. John Newton abordou toda a
vida com uma confiança tão firme no Espírito Santo
que sua postura era inabalavelmente alegre. Isso não
é algo insignificante. O pecado é sério, horrível e
fere gravemente as pessoas. De que maneira John
Newton pôde, e nós também podemos, testemunhar
os efeitos devastadores do pecado sem medo e
pavor?
Se confiarmos em nossa própria capacidade de
cooperar com Deus quanto à resposta, jamais
conheceremos a paz de Deus. John Newton pinta
para nós um quadro realista da vida cristã como uma
vida que inclui muitos deslizes e quedas até
chegarmos ao céu, e algumas dessas quedas têm
consequências devastadoras. Às vezes, Deus nos
entrega ao nosso pecado por um breve período de
tempo; outras vezes, por uma longo tempo de
aridez, apatia e rebeldia descarada. Entretanto, se o
Espírito Santo está lidando cuidadosa e
amorosamente com todas as nossas quedas no
pecado e usando-as para a glória de Deus e para o
nosso bem, há um grande motivo para alegria e paz,
quer estejamos avançando rapidamente, quer
estejamos prosseguindo com dificuldades pela vida
cristã. Eu não poderia aconselhar ninguém se não
cresse nisto de todo o meu coração. Minha
esperança e minha confiança não estão na
capacidade ou na boa vontade de alguém para se
santificar, e sim na obra do Espírito Santo nela. Se
esta pessoa for um crente em Cristo, sei que o
Espírito Santo começou nela uma boa obra que
completará até ao Dia de Cristo Jesus (Filipenses
1.6). Independente da vontade desta pessoa, a obra
do Espírito Santo nela não pode ser frustrada.
Ao mesmo tempo, não importando quanto
progresso façamos nesta vida, sempre estaremos
aquém do padrão santo e perfeito de Deus.84 No
último dia, todos compareceremos diante de Deus e
celebraremos o fato de que nenhuma condenação há
para aqueles que estão em Cristo Jesus (Romanos
8.1) e de que toda a bondade que precisamos se
acha somente em Cristo e não em nós mesmos.
A vida Cristã é feita de momentos em que Deus
opera tanto o querer como o realizar (Filipenses
2.13), momentos em que ele desenvolve o querer,
mas não o realizar, e momentos em que ele parece
não estar fazendo nem uma coisa nem outra. O que
somos chamados a fazer hoje? John Newton é firme
e claro quanto à porção que é designada para nós.
Devemos lutar por nosso crescimento, com toda a
nossa força, e trabalhar para mortificar o pecado
dentro de nós. No entanto, devemos fazer isso de
uma maneira que estejamos sempre conscientes de
nossa fraqueza e incapacidade, para que não
desesperemos.
Newton nos guia aos meios comuns de graça, por
meio dos quais Deus se dá a nós na pregação da
Palavra e na ministração da Ceia do Senhor.85
Somos chamados a ser participantes fiéis no culto da
igreja, quer nos pareça bom, quer não. Haverá
ocasiões em que Deus usará o culto na igreja para
aquecer nossa alma, amolecer nosso coração e quase
matar-nos com uma percepção insuportável de seu
amor por nós. Em outras ocasiões, talvez mais
frequentemente, o culto será envolvente e
interessante; em outras, parecerá simplesmente
entediante. Não importa, pois em cada uma dessas
ocasiões Deus está trabalhando em nós, às vezes nos
mostrando o que ele pode fazer em nós e por nós; às
vezes, mostrando apenas o quanto somos incapazes
de adorá-lo por nós mesmos.
Newton reflete em que não podemos saber por que
Deus não nos outorga emoções fortes e calorosas
tão frequentemente quanto parece concedê-las aos
mais imaturos e mais jovens dentre os cristãos.86
Talvez porque ele vê que valorizamos demasiada e
facilmente essas experiências e as exigimos. O
Senhor dá experiências de sua proximidade ou as
retém conforme acha conveniente, mas ele prometeu
estar conosco por meio da pregação fiel e na Ceia
do Senhor, independentemente de emoções.
Este é um conselho muito prático. Você é um
peregrino fraco e cansado? Já chegou à conclusão
de que a vida é um deserto árduo e precisa de toda
ajuda possível para seguir em frente, apesar das
dificuldades? Então, vá aonde possa ouvir as
Escrituras pregadas fielmente e com regularidade.
Participe da Ceia do Senhor com a maior frequência
possível, para ser lembrado de que a batalha já foi
ganha por você e que você permanece aprovado por
Deus na justiça de Outro. Na Ceia de Cristo, você
achará alimento verdadeiro para nutrir sua alma e
fortificá-lo para a jornada: o corpo de Cristo que foi
partido e o seu sangue que foi derramado por você.
Quando chegamos à Ceia do Senhor, nos juntamos
com o que Dietrich Bonhoeffer chamou “A
Comunhão dos Pecadores”. Não há outra maneira
de receber essa refeição senão como pecadores.
Bonhoeffer disse:

[Quanto à] graça do evangelho, que é tão difícil o homem


piedoso entender... a Ceia nos confronta com a verdade e
diz: “Você é um pecador, um pecador terrível e desesperado;
agora venha, como o pecador que você é, ao Deus que o
ama. Ele o quer como você é; ele não quer nada de você,
nenhum sacrifício nem obra. Ele quer tão somente você.
‘Dá-me, filho meu, o teu coração’ (Provérbios 23.26). Deus
veio até você para salvar o pecador. Alegre-se!”87

Precisamos nos cercar urgentemente de irmãos e


irmãs em Cristo que sejam verdadeiramente
honestos quanto ao seu pecado. Assim como John
Newton, eles podem nos fazer lembrar o evangelho
a todo momento. São pessoas que não ficarão
surpresas com o pecado quando você o confessar.
Eles dirão: “É claro que você pecou… Venha
comigo ao trono da graça para celebrar o amor de
seu Salvador e achar socorro em seu momento de
necessidade. Permita-me ajudá-lo a entender seu
coração a fim de que continue tentando obedecer a
Deus”.

COMO VOCÊ DEVE PENSAR SOBRE SI


MESMO?

Pela graça de Deus, não somos abandonados na


tentativa de entender como devemos ver a nós
mesmos como pecadores salvos pela graça e
misericórdia de Deus. Observemos, mais uma vez, o
que Paulo diz em Romanos 12:

Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que


apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos
conformeis com este século, mas transformai-vos pela
renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja
a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pela
graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não
pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com
moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a
cada um (Romanos 12.1-3).

Primeiramente, observe isto: Paulo começa


emitindo um mandamento forte para obediência
radical: “Apresenteis o vosso corpo por sacrifício
vivo”. Este mandamento deixa claro que não somos,
de maneira alguma, passivos em nossa santificação.
Há coisas que precisamos tentar fazer com afinco,
atos de obediência que precisamos seguir. De modo
semelhante, em Efésios (4.22-24), Paulo nos diz que
nos despojemos de nosso velho homem e nos
revistamos do novo homem, enfatizando claramente
a nossa atividade.
Ao mesmo tempo, ambas as passagens deixam bem
claro quão dependentes de Deus são as nossas ações
para obterem qualquer sucesso. Não podemos nos
renovar no espírito de nosso entendimento (Efésios
4.23), nem conseguimos decidir a medida de nossa
fé (Romanos 12.3). Em Romanos 12, Paulo
prossegue e fala sobre os diferentes dons que nos
foram dados para o bem do corpo (Romanos 12.5-
8), e quanto a estes dons também não nos compete
decidir; eles são uma graça que nos foi dada.
Lembre-se que foi Walt Disney, e não Deus, quem
afirmou que você pode ser tudo que quiser.
A verdade é que Deus decide quanta fé cada um de
nós terá, quanta graça receberemos e que dons
possuiremos. Devemos, portanto, pensar em nós
mesmos com uma consideração séria e sensata e
viver de acordo com o que nos foi dado, em vez de
invejarmos os dons alheios e reclamarmos do que
não nos foi dado. Isto é difícil mas, ao mesmo
tempo, maravilhoso. Pode ser difícil viver no corpo
de Cristo e perceber que outras pessoas são mais
fortes na fé e têm muito mais dons do que nós. No
entanto, Deus tem designado a medida de fé que
cada um de nós receberá e nos chama a viver de
acordo com ela. Isso significa que não temos razão
para ficar orgulhosos se possuímos uma fé forte,
nem para ficar envergonhados se temos uma fé
fraca.

VIVENDO EM COMUNIDADE

Decidir quanta fé você possui não é algo que você


deve fazer sozinho. Você precisa de ajuda e
objetividade, porque somos profundamente cegos
quanto a nós mesmos. Viva na comunidade da fé e
permita que outros o ajudem a ver a si mesmo com
clareza. Isso é importante, pois, se pensamos que
somos mais fortes do que realmente somos, nos
colocaremos constantemente em situações perigosas
e, depois, nos sentiremos desanimados quando
cairmos. A algumas pessoas foram dadas uma fé
forte e abundância de autocontrole. No entanto, essa
mesma força pode tornar difícil para eles o serem
compassivos para com aqueles que não têm esses
dons. Recentemente eu soube que um pastor bem
conhecido descreveu a santificação como sendo,
primariamente, uma questão de decidir sair da cama
pela manhã, firmar os pés no chão e realizar
calmamente seu tempo devocional. Ao que parece,
Deus tem dado a esse pastor força e graça para fazer
isso com fidelidade, todas as manhãs, o que é
maravilhoso. Entretanto, ele acha que Deus
concedeu esta mesma capacidade a todas as pessoas,
e, se elas apenas obedecessem e fizessem o mesmo,
seriam tão santificadas e piedosas quanto ele é. Não
tenho esse tipo de graça, e, para algumas pessoas, o
simples ato de levantarem-se da cama já será uma
grande vitória da graça de Deus, quanto mais o
realizarem um tempo devocional. Precisamos de
ajuda para entender nossas fraquezas e nos proteger
em áreas em que somos vulneráveis. Também
precisamos de ajuda para saber quando estamos
atropelando os outros com as capacidades que Deus
nos deu e quando nossas expectativas em relação
aos outros são irreais e prejudiciais.
Como Paulo deixa claro, pessoas diferentes têm
dons diferentes e diferentes quantidades de fé. Isto
não se deve ao fato de que alguns cristãos estão mais
alinhados à vontade de Deus, enquanto outros estão
desviados. Isto se deve provavelmente ao fato de
que esta é a maneira como Deus designou as
coisas. Não é por acaso que a discussão de Paulo
leva ao seu ensino sobre os diferentes dons
outorgados aos membros do corpo de Cristo. Deus
concedeu a alguns cristãos grande força e grande fé
para cumprirem seu chamado no corpo. Eu talvez
não conseguiria fazer o que essas pessoas fazem e
não tenho de fazê-lo. Não preciso viver
envergonhada e desesperada por esses cristãos
serem, de muitas maneiras, mais fortes do que eu.
Sou muito fraca em muitas áreas, embora tenha
recebido fé e força para fazer tudo que Deus me
chamou a fazer por sua graça e pelo poder de
capacitação e renovação de seu Espírito.
Quanto mais você vier a admirar a sabedoria de
Deus e crer no amor e na bondade dele em nos
ensinar, tanto mais liberto você será de invejar
aqueles que têm mais fé e dons mais fortes e de
sentir-se superior àqueles que são mais fracos do
que você. Deus sabe o que está fazendo e faz todas
as coisas muito bem no corpo de Cristo.
John Newton enfatiza como Deus poderia ter
formado o ministério perfeito por combinar as
habilidades de pregação do pastor _____ com as
habilidades de lidar com pessoas do pastor ____,
acrescentando as capacidades administrativas do
pastor ____ (preencha as lacunas como quiser).88
No entanto, Deus não escolheu dar à sua igreja um
homem de Deus tão perfeito para guiá-la; ao
contrário, ele deu uma multiplicidade de
mensageiros com dons e falhas. Consequentemente,
todos nós precisamos do corpo de Cristo para
atravessarmos esta vida. Você precisa de pessoas
mais fortes para fortalecê-lo e ajudá-lo e de pessoas
mais fracas para amar e encorajar ao longo do
caminho. Você precisa da ajuda de outros para abrir
seus olhos, quando for apanhado em padrões de
pecado. Precisa da ajuda deles ao seu lado para
direcioná-lo a Jesus Cristo como sua única
esperança na vida e na morte. Se você é fraco,
precisa da igreja de Jesus Cristo. Se é forte, precisa
da igreja de Jesus Cristo (Romanos 15.1).

DESCANSANDO E CORRENDO

Enquanto permanecer em seu corpo de carne,


vivendo na terra, você é chamado a fazer duas
coisas; e nenhuma delas você conseguirá fazer em
sua própria força. É chamado a correr como um
atleta campeão (1 Coríntios 9.24) e a descansar em
Cristo (Mateus 11.28-30). Esses não são dois
chamados distintos e sim iguais, como se
devêssemos tentar nos esforçar e descansar ao
mesmo tempo. Nessa abordagem, todo o nossa
esforço consumirá o nosso descanso e viveremos
num redemoinho de atividades incessantes, de
serviço perpétuo a Deus e incontáveis estratégias de
autossalvação. Mas, em vez disso, o descanso deve
ser prioridade, pois, de acordo com o autor de
Hebreus, ele é o alvo de nosso esforço:

Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque


aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo
descansou de suas obras, como Deus das suas. Esforcemo-
nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que
ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência
(Hebreus 4.9-11).

Em Mateus 11, Jesus disse: “Vinde a mim, todos os


que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coração; e
achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu
jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11.28-
30). O descanso deve ser o paradigma primário,
pois, mesmo se nos empenharmos com toda a nossa
força por obediência, sempre precisaremos da
justiça de Cristo para permanecer em nosso lugar.
Nenhuma bondade de nossa parte será boa o
suficiente; mesmo em nossos melhores momentos, a
nossa justiça é como trapo de imundícia (Isaías
64.6). Se temos de permanecer firmes diante de
Deus, devemos estar constantemente escondidos nas
vestes reais da bondade de Deus.
Sabemos disto com certeza, pois, ainda que
estaremos ocupados no céu, este é retratado como o
sábado de descanso que nunca termina. Nosso tema
principal por toda a eternidade será descanso e
deleite em nosso Salvador. Portanto, visto que agora
procuramos desfrutar na terra de uma antecipação
do céu, nosso alvo primário deveria ser entender o
que significa descansar e deleitar-se na obra
consumada de Cristo. Para continuarmos correndo a
árdua carreira, existe maneira melhor de obtermos
coragem e força do que descansarmos
supremamente em Cristo, enquanto nos
empenhamos no sério trabalho de obediência?
Peça a Deus que lhe mostre Cristo em toda sua
glória e beleza, a fim de que sua alma beba
profundamente dele. Medite nele e encha-se dele.
Encha sua mente com a Palavra de Deus e os
escritos de homens e mulheres piedosos que exaltam
a Cristo e apontam para ele como sua única
esperança. Ler a Bíblia e outras grandes obras
literárias não lhe dará a capacidade de descansar em
Cristo; você precisará de uma ação renovadora do
Espírito Santo para capacitá-lo e dispô-lo a ler bons
livros, bem como obra dele em abrir seus olhos para
entender. Contudo, se você chegar a entender que é
completamente dependente do Espírito Santo para
todas as coisas, você orará cada vez mais, falará
com Deus constantemente e lhe pedirá que faça o
que você não pode fazer por si mesmo.
OLHANDO PARA CRISTO

Você também precisa contemplar frequentemente a


cruz de Cristo para pensar apropriadamente a
respeito de si mesmo. A cruz o faz lembrar que você
é um filho amado e um bem precioso. Ainda quando
você era um pecador perdido, Deus o amou e
enviou seu Filho para morrer por você (Romanos
5.8). Por seu próprio prazer, o Pai escolheu você
antes que o mundo fosse criado. Para a sua própria
alegria, Jesus Cristo julgou que valeria a pena sofrer
a tortura brutal e a separação de seu amado Pai a
fim de ganhar você para ele mesmo. O Espírito
Santo está dedicado ao seu bem-estar espiritual,
trabalhando em você sem parar, conformando-o,
gradativamente e de muitas maneiras, à imagem de
Cristo. Você é muito amado, completamente salvo, e
um dia terá glória e beleza inimagináveis, pois verá
seu Salvador face a face e, por fim, será como ele.
Desde agora até àquele dia, o Deus trino
supervisionará seu crescimento em cada passo do
caminho e o conduzirá meticulosamente. Nem todos
nós chegaremos ao mesmo lugar nesta vida, nem
enxergaremos as mesmas verdades, nem chegaremos
às mesmas conclusões. Deus determinou que seja
assim, talvez para nos lembrar que não somos salvos
pela exatidão de nossas opiniões, embora a verdade
seja importante. Entretanto, há um dia vindouro em
que seremos todos perfeitos e completos, em uma
maravilhosa concordância. Nada pode impedir que
isso aconteça. Você não pode decidir não se
santificar, nem Satanás nem as suas circunstâncias
prevalecerão contra você. Você é salvo e amado.
John Newton chegou a esta mesma conclusão a
respeito de mesmo: “Embora minha doença seja
grave, não é desesperadora. Tenho um médico
infalível e gracioso. Não morrerei, mas viverei e
declararei as obras do Senhor”.89
Em última análise, o evangelho não se focaliza em
nós, no que podemos fazer ou não e no que faremos
ou não. O evangelho se focaliza inteiramente em
Cristo e no que ele fez para resgatar os pecadores
perdidos e torná-los herdeiros da vida eterna. Que
Deus nos dê um coração que se associe cada vez
mais a Newton em celebrar o extravagante e
incomparável amor de Deus para conosco em
Cristo!

Que consolo! Não estamos sob a lei, mas sob a graça. O


evangelho é uma dispensação para pecadores, e temos um
Advogado junto ao Pai. Lá está o solo inabalável da
esperança. Um Pai reconciliado, um Advogado prevalecente,
um Pastor poderoso, um Amigo cheio de compaixão, um
Salvador apto e disposto a salvar até as últimas
consequências. Ele conhece a nossa estrutura e se lembra de
que somos pó; ele abriu para nós um novo caminho,
aspergido de sangue, que dá acesso ao trono da graça, para
que obtenhamos misericórdia e achemos graça para nos
socorrer em todos os momentos de necessidade.90
PARA REFLEXÃO

1. Você tem medo do pecado — seu ou de outros?


De que maneiras você deveria temer o pecado e de
que maneiras não deveria temê-lo?
2. Você vivenciou momentos em que parecia que
Deus não estava trabalhando em você de modo
algum? Como foi? Como terminou? O que você
aprendeu?
3. O que você está vivendo neste momento? Suas
afeições são fortes, e seus desejos por Deus,
elevados, ou você está num deserto de apatia e
letargia? O que Deus pode estar querendo com tudo
isso?
4. O que você é chamado a fazer mesmo quando
Deus parece não estar lhe dando vontade ou
capacidade para obedecer? De que maneiras Deus
prometeu ministrar à sua alma?
5. Como Deus usa a pregação de sua Palavra e a
Ceia do Senhor para fortalecê-lo em sua caminhada
no deserto? Você participa frequentemente da Ceia
do Senhor?
6. Como o corpo de Cristo o ajuda a formar uma
avaliação mais exata de si mesmo? Como você tem
sido uma bênção para os fracos? E como os crentes
de fé mais forte têm sido uma bênção para você?
7. Você é melhor em correr a carreira de fé ou em
descansar na obra consumada de Cristo?
8. Você pensa frequentemente na cruz de Cristo?
De que maneiras tangíveis e reais você precisa dela
todo dia?
83. “Introduction”, Select Letters of John Newton (repr.,
Edinburgh: Banner of Truth, 2011), xii. A referência é à “Letter 7 to
Mr. B___”, em The Works of John Newton (repr., Edinburgh:
Banner of Truth, 1985), 1.631.
84. Esta perspectiva causou uma grande ruptura entre Newton e
John Wesley, que ensinava uma forma de perfeccionismo. Bruce
Hindmarsh comenta: “A reivindicação quanto à perfeição, embora
cercada pela conversa sobre a graça, parecia [para Newton], em
muitos casos, não mais do que uma justiça própria entusiasta que
contradizia totalmente a confiança nos méritos de Cristo para a
redenção” (“‘I Am a Sort of Middle-Man’: The Politically Correct
Evangelicalism of John Newton”, em George Rawlyk e Mark Noll,
eds., Amazing Grace: Evangelicalism in Australia, Britain,
Canada, and the United States [Grand Rapids: Baker Book
House, 1993], 43).
85. John Newton, “Causes, Marks and Nature of a Decline in
Grace”, Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2011), 135.
86. Ibid.
87. Dietrich Bonhoeffer, Life Together, transl. John W. Doberstein
(New York: Harper & Bros., 1954), 111.
88. Richard Cecil, “Memoirs of the Rev. John Newton”, The Works
of John Newton, vol. 1 (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 1985),
107.
89. John Newton, “Evil Present with the Believer”, Select Letters
of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 149.
90. Newton, “What the Believer Can Attain to in This Life”, Select
Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011),
159–60.
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