Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
JUAZEIRO DO NORTE
2013
CARLOS RENATO DE LIMA BRITO
JUAZEIRO DO NORTE
2013
2
CDD 780.7
iii 3
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Ma. Maria Goretti Herculano da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFCA)
_________________________________________
Prof. Me. Marco Antônio da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFCA)
_________________________________________
Prof. Dra. Carmen María Saenz Coopat
Universidade Federal do Ceará (UFCA)
4
iv
A Deus.
A minha família, Elaine, Amanda, Carlos e
Ana.
5v
AGRADECIMENTO
À Igreja Batista Regular do Novo Juazeiro, onde trabalho e tenho encontrado nova
família e apoio espiritual.
RESUMO
ABSTRACT
This research is a case study on teaching music in the Christian Congregation in Brazil in
Juazeiro do Norte, state of Ceará. The overall objective is to investigate this teaching and the
specifics objectives are to check for dialogues between socio - cultural values present in the
Church with teaching music performed in their temples, as well as check for methodologies of
traditional music teaching and/or innovative. Based on the assumptions of Berger and
Luckmann (1983), referring to the concept of everyday life and of primary and secondary
socialization, as well as based on the Geertz (2008) concept of culture and the idea of music
education proposed by Swanwick (2008), this paper is a reflection of this music education
from the interviewees' statements, the observations of schools for music in churches,
conducting a qualitative study, using ethnography for data analysis. The research finds that
the teaching of music and religious values of the Christian Congregation of Brazil are strongly
linked and pedagogical methodologies used within the Church are eminently traditional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 45
EPÍGRAFE
Depois de ter rodado o quarteirão por três vezes, procurando o endereço do local da
primeira observação, acho a igreja, em que, de frente, se encontra parado um carro popular,
fechando mais da metade da rua estreita. O bairro é pobre e a igreja é pequena. Chego duas horas da
tarde e a escolinha de música inicia com 15 minutos de atraso. O encarregado me recebe muito bem,
afirma estar disposto a dar auxílio no que for necessário, sai por uns instantes e dá início aos
trabalhos. “Aqui tudo que fazemos começa com oração!”. Sinto-me transportado para outra
realidade. O encarregado usa uma palavra de ordem, todos respondem, a oração é iniciada, todos
participam da oração, confirmando, respondendo e reforçando as palavras do orador.
Depois da oração, surgem instrumentos aparentemente incompatíveis com o ambiente e com
as expectativas do pesquisador. Um bombardino, dois sax alto, um sax tenor, três violinos, clarinetes,
um trompete e uma tuba; instrutores “tirando lição”, alunos “tirando som”, métodos de instrumentos,
métodos de solfejo e hinários destinados a certos instrumentos de transposição.
A partir das 4 horas da tarde, inicia-se o ensaio que se destina ao aprendizado das novas
músicas do hinário. As irmãs chegam. Todas elas se sentam do lado esquerdo da nave e, a maioria
delas, é organista. Quando o ensaio começa, elas se revezam tocando os hinos, vez por outra
desacompanhadas da orquestra, mostrando habilidade com os olhos, ouvidos, mãos e pés. O
encarregado tem um metrônomo. Salienta a distância de andamentos entre o que é requerido e o que
está sendo executado. Sempre com otimismo, afirma arrematando: “Mas vamos chegar lá!”.
10
INTRODUÇÃO
dos jovens ao participarem do culto. A percepção de Lutero sobre essas questões o levou a
defender e promover a inclusão da música no currículo escolar sempre que lhe foi possível.
Esta preocupação em ensinar música aos fiéis acompanhou as Igrejas Evangélicas
implantadas no Brasil pelo esforço missionário empregado no século XIX, especialmente por
instituições religiosas norte-americanas. A respeito disso, destaca Braga (1960) que a senhora
Sarah Kalley, junto com seu marido, doutor Robert Kalley, fundou a primeira Igreja
Evangélica com cultos realizados em língua portuguesa no Brasil. Sarah Kalley dava aulas de
música para melhorar o canto congregacional desde 16 de setembro de 1863 e possuía uma
lista de frequência em que anotava os atrasados e os faltosos por motivo de doença (BRAGA,
1960, p.113). Robert e Sarah Kalley foram responsáveis pela publicação do primeiro hinário
evangélico no Brasil, uma coletânea de canções religiosas usada na liturgia e no ensino de
música nas Igrejas Evangélicas. O hinário Salmos e Hinos foi publicado em 1861, utilizado
pela primeira vez no dia 17 de novembro (BRAGA, 1960, p.111).
Os evangélicos chegaram a Juazeiro do Norte, extremo sul do Estado do Ceará,
quando a mesma só possuía 50 mil habitantes, intensamente influenciada pelo seu líder
religioso e político Padre Cícero Romão Batista. Sobre a chegada do primeiro líder evangélico
na cidade, Lima escreve que Edward Guy McLain “chegou solteiro no dia 11 de setembro de
1936, menos de nove meses depois de haver desembarcado no Rio de Janeiro” (2011, p. 20).
Depois dele, outros missionários se mudaram para região, com o propósito de irradiar a fé
evangélica pelo interior do país, já que a região do Cariri cearense, onde Juazeiro está
localizada, tem sido reconhecida como geograficamente estratégica.
Como Igreja Pentecostal, a Congregação Cristã no Brasil é “um segmento do
cristianismo que adota uma interpretação e uma prática marcadas pelo que consideram ser
experiência do Espírito Santo, iniciada pelo batismo no Espírito e confirmada pelos dons das
línguas” (PASSOS, 2005, p. 14). Tomando o adjetivo “pentecostal” da celebração judaico-
cristã do Pentecostes, os pentecostais se caracterizam pela “centralidade na experiência
emocional, o culto de louvor efervescente, a tendência à leitura literal dos textos bíblicos e a
prática do exorcismo” (PASSOS, 2005, p. 14).
O início do pentecostalismo tem sido demarcado no ano de 1906 na “Azuza
Street, Los Angeles” numa comunidade de negros “dirigida por William J. Seymour, um
negro ecumênico que animava uma espiritualidade entusiasta acima de raças e classes”
(PASSOS, 2005, p. 50). Os pentecostais “distinguem-se do protestantismo, grosso modo, por
pregar, baseado em Atos 2, a contemporaneidade dos dons do Espírito Santo” (MARIANO,
12
1999, p. 10). O Pentecostalismo chega ao Brasil em três fases. A primeira fase, que vai da
fundação até a década de 1950, é marcada pelo surgimento das Igrejas Congregação Cristã no
Brasil e Assembléia de Deus (PASSOS, 2005, p. 54).
A Igreja Congregação Cristã no Brasil foi fundada no bairro do Brás, na cidade de
São Paulo, incluindo brasileiros e imigrantes italianos em 1910 (SOUZA, p. 122). Segundo
Mariano, é possível classificar a Congregação Cristã no Brasil como Igreja do
Pentecostalismo “clássico”, por conta “do pioneirismo, a transformação da comunidade
sectária em uma instituição com reconhecimento social, liderança estabelecida e
regulamentação de comportamento litúrgico e social dos fiéis” (MARIANO, 1999, p. 24). A
Igreja possui uma liderança constituída de anciãos (líderes regionais) e cooperadores (líderes
locais), tendo como sede administrativa mundial a primeira de suas igrejas em São Paulo. É
conhecida por seus costumes, como uso do véu pelas mulheres nos cultos, a disposição de
assentos exclusivos para homens e mulheres nos templos, bem como o uso de um vestuário
mais tradicional.
Esta Igreja dá importância à execução musical nos seus cultos. Uma igreja da
Congregação Cristã em Juazeiro do Norte, cidade do interior do estado do Ceará, pode possuir
uma orquestra composta por um órgão e por instrumentos de cordas e de sopro. É possível ter,
numa Congregação Cristã, acompanhando a irmandade que canta os hinos, instrumentos
como flauta transversa, clarinete, sax, trompete, trombone, tuba e violino, além do órgão.
Mesmo numa localidade distante de grandes centros e mesmo num bairro pobre, é comum
achar um número razoável de músicos acompanhando as músicas do culto. Para o educador
musical, esta informação se torna mais impressionante quando se considera que a maior parte
desses músicos aprendeu a tocar na própria Igreja, por uma cooperação voluntária de outros
músicos que também aprenderam a tocar no mesmo contexto.
A Congregação Cristã no Brasil possui um sistema relativamente unificado de
formação de músicos e de professores de música em Juazeiro do Norte e adjacências. Esse
sistema inclui uma série de cargos dispostos de forma hierárquica, que inclui os líderes
administrativos, responsáveis pelos assuntos eclesiásticos de modo geral. Além desses líderes,
a Igreja tem os encarregados regionais, responsáveis pelas orquestras das igrejas da região;
tem os encarregados locais, responsáveis pela orquestra de sua igreja; os examinadores,
responsáveis por avaliar os músicos em testes de inclusão nas orquestras, a chamada
oficialização; os instrutores, responsáveis pelo ensino nas igrejas; e os alunos de música. Esse
sistema inclui divisão de tarefas e inclui um processo de avaliação e admissão para se tocar
13
nos cultos. Esse sistema inclui divisão de tarefas e um processo de avaliação e admissão para
se tocar nos cultos, possuindo também uma metodologia de ensino.
As orquestras da Congregação Cristã no Brasil são compostas por homens e
mulheres com divisão de tarefas por gênero. As mulheres tocam órgão e os homens tocam os
outros instrumentos. As organistas têm papel fundamental na execução dos hinos e nos
momentos de louvor, tocando no início e durante os cultos, providenciando o padrão para
afinação dos demais instrumentos musicais. Executam, com a destreza requerida, em dois
teclados e pedais os cânticos congregacionais a quatro vozes, provendo harmonia e uma
atmosfera religiosa para o culto.
É a partir de tal cenário que emergem alguns questionamentos: Que ensino de
música está presente Congregação Cristã no Brasil? Como os valores sociais, religiosos e
culturais dialogam com o ensino de música presente em seus templos? Existem métodos de
ensino tradicionais e/ou inovadores nas igrejas da Congregação Cristã no Brasil em Juazeiro
do Norte?
Nessa perspectiva, é correto supor que o ensino de música destas igrejas esteja
permeado de “sotaques”, “mundos” e “linguagens” musicais que merecem ser observados à
luz de seus contextos. Esta diversidade merece ser investigada, uma vez que uma educação
musical que pretenda alcançar alunos que vivem num mundo plural deve aprender a dialogar
com contextos diversos e falar a linguagem musical construída naquele meio social. Esse
entendimento pode ser melhor esclarecido como “uma educação que abranja os diferentes
„universos‟ de uma cultura e os distintos discursos e „sotaques musicais‟ presentes em cada
realidade” (QUEIROZ, 2004, p. 99).
Ao se considerar que o ensino formal de música em nosso país ganhou novo
alento desde a promulgação da lei 11.769/08, que torna a Música conteúdo obrigatório, porém
não exclusivo da disciplina de Artes (SANTOS, 2012, p.13), compreende-se a relevância de
um estudo como esse. Desta forma, denota-se a importância de uma pesquisa sobre um ensino
de música em contexto sociocultural específico, como na Congregação Cristã no Brasil em
Juazeiro do Norte, para fomentar a criação de novas ou reformuladas práticas pedagógicas
que visem tornar o ensino de música formal mais significativo, mais tolerante, plural e eficaz.
Esses “universos culturais”, onde ocorrem ensino e aprendizagem de música, fornecem
material para a investigação de diversos estudiosos que atuam em diferentes contextos em
suas pesquisas (QUEIROZ, 2010).
14
Educação pode ser tanto formal como informal. Crianças têm aulas de
música formais e aprendem a respeito da música na escola. Entretanto, tão
importantes quanto às aulas de música são as experiências informais que elas
têm ao ouvir os vários tipos de música, relacionados à subcultura que elas
representam, que incluem vestimentas e comportamentos, as mensagens
contidas nas letras, sendo estas igualmente influentes. (...) Isso ilustra o
ponto que a aquelas experiências musicais estão relacionadas estreitamente
não só a educação, mas também a afiliação a um grupo, família e processo
dessocialização, aprendizado religioso e status socioeconômico ou político
(PAUL; BALLANTINE, 2002, p. 566 – tradução minha).
O conceito de ensino de música no cotidiano aqui utilizado pode ser relacionado
às possibilidades de educação alistadas por Libâneo (2008). Para este autor, a educação não
está atrelada exclusivamente às instituições tradicionais de ensino, ainda que as mesmas
tenham um papel importante no desenvolvimento humano. Libâneo afirma que há “ações
pedagógicas não apenas na família, na escola, mas também nos meios de comunicação, nos
movimentos sociais e outros grupos humanos organizados, em instituições não escolares”
(2008, p. 3). A educação se impõe como “prática social que atua na configuração da
17
existência humana individual e grupal, para realizar nos sujeitos humanos as características de
„ser humano‟” (LIBÂNEO, 2008, p. 22).
Pensando na educação assim, o ensino das artes, em especial, o da música, é
imprescindível ao lidar com a sensibilidade estética, sendo os espaços tradicionais não
detentores da exclusividade deste ensino. Como afirma Penna, “ser sensível à musica não é
uma questão mística ou de empatia, não se refere a uma sensibilidade dada, nem a razões de
vontade individual ou de dom inato. Trata-se, na verdade, de uma sensibilidade adquirida num
processo” (PENNA, 2008, p. 29). Penna também destaca que esse processo de aquisição da
sensibilidade “é socialmente apreendido – pela vivência, pelo contato cotidiano, pela
familiarização – embora também possa ser aprendido na escola” (PENNA, 2008, p. 29).
Como mencionado acima, estudos na área de Educação Musical apontam para
importância do ensino de música em contextos não-escolares, no que seria considerado ensino
informal. Mesmo que haja muita organização e até uma tentativa de reproduzir, em certa
medida, a realidade escolar, é possível afirmar que o ensino de música realizado nos templos
das Igrejas Evangélicas, em especial na Congregação Cristã no Brasil, seja um ensino contido
na realidade da vida diária. Pesquisas no ensino de música nas igrejas evangélicas ou em
outras igrejas tendem, como esta pesquisa, a localizar este ensino dentro da educação
vivenciada no cotidiano (FREITAS; 2008; RECK, 2011; LORENZETTI, 2012).
O conceito de cultura aqui adotado é o modelo proposto por Clifford Geertz. Para
este autor, “o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu”,
sendo que a cultura é este entremeado de teias. Geertz defende, portanto, que a Antropologia é
uma ciência interpretativa e não uma ciência “experimental em busca de leis” (GEERTZ,
2008, p. 4). Para Geertz, “a cultura consiste em estruturas de significado socialmente
estabelecidas, nos termos das quais pessoas fazem certas coisas como sinais de conspiração e
se aliam ou percebem insultos e respondem a eles” (GEERTZ, 2008, p. 9). Deste modo a
descrição etnográfica caracteriza-se por ser “interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do
discurso social e a interpretação envolvida consiste em salvar o „dito‟ num tal discurso da sua
possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis” (GEERTZ, 2008, p. 15).
Da Antropologia é possível chegar à Etnomusicologia, uma vez que as duas
disciplinas foram desenvolvidas praticamente ao mesmo tempo (MERRIAM, 1964, p. 4). A
Etnomusicologia auxilia a entender a Educação Musical em seu contexto cultural,
considerando a música produzida em contextos particulares e diversos. Queiroz, citando
18
analisar os dados é também apropriado para a pesquisa, porque a análise etnográfica envolve
um “estudo das pessoas em seu próprio ambiente mediante a utilização de procedimentos
como entrevistas em profundidade” (GIL, 2009, p. 95).
Na redação da monografia, procurou-se destacar os aspectos centrais do ensino de
música a partir das falas de seus protagonistas, das gravações das aulas em vídeo e da
discussão teórica publicada sobre o mundo musical em questão. Foram salientadas as
estruturas do ensino e aprendizagem de música dentro do contexto social, cultural e religioso
estudado. Também foram inseridos os dados provenientes da pesquisa bibliográfica e
documental na tentativa de tratar do assunto de forma verossímil e compromissada.
23
Isso é muito antigo. Essa aí já vem... A parte musical veio assim de uma
necessidade. A Congregação eu acho que ela foi criada, ela foi fundada, em
1910. Pelo Luiz Franciscon. Ele foi fazendo aquele... Foi ministrando o
culto, tal. E aí, quando chegou, eu não lembro o ano exatamente, mas parece
que foi em 1950 ou foi 36, mais ou menos aí, eu posso verificar pra você
depois... Eles perceberam que a irmandade, no cântico, tinha dificuldade de
acompanhamento musical. E aí, segundo esse Luiz Franciscon, teve a
revelação de convidar os jovens para ver o que eles falavam, se eles tinham
prazer em aprender a música. E foi feita uma reunião, onde juntou vários
jovens, adultos ali. Mostrou aquela necessidade de criar-se uma orquestra na
Congregação pra auxiliar a irmandade no cântico. Então, todos que foi
unânime, ali, naquele momento. Sentiram alegria da música. E foi criada a
primeira orquestra da Congregação. Foi em São Paulo. Foi criada aquela
turminha, daquela turminha foi expandindo (ENTREVISTADO 2).
A impressão que se transmitiu desse início de ensino de música é de uma
espontaneidade, de um ensino não planejado, mas que foi ganhando forma com o passar do
tempo, numa cooperação coletiva. Não parece ter havido um líder dentro da Igreja que fosse
reconhecido como fundador ou idealizador do ensino de música dentro da Congregação Cristã
no Brasil, apesar de ter havido uma iniciativa do fundador da Igreja, o Luiz Francescon.
Perguntada sobre a existência de um idealizador do ensino de música na Congregação, uma
entrevistada respondeu:
Então quando foi em janeiro, esse ano, o Brasil inteiro se reuniu no Brás, no
dia 19 de janeiro desse ano pra receber essas orientações. Aí foi bem bonito
porque, no início, ele foi mostrar a História dos hinários, ele mostrou o
hinário 1. E as melodias, a estrutura, a construção da música, elas eram
influenciadas pela música da época. E aí a gente foi ver, o hinário 1 tinha
uma estrutura, o 2 já foi se tornando mais sacro, porque as primeiras
melodias tinham ritmo de marcha mesmo. E aí depois foi ficando mais sacro,
e foi mostrando as mudanças. O primeiro hinário da gente era italiano,
porque os primeiros crentes da congregação, eles eram italianos. Então tinha
muitas melodias no italiano. Aí o hinário 2 já foi em português. E aí ele foi
se modernizando.
Esses processos de modernização e sacralização das músicas contidas no hinário
são fatores preponderantes para o ensino de música na Congregação Cristã no Brasil, porque,
para que os músicos das orquestras tenham condições de tocar as novas edições dos hinários,
os mesmos devem se adaptar às novas publicações. Um exemplo muito claro é de um
encarregado de orquestra que aprendeu a transpor no sax alto o que estava escrito no hinário,
por conta de a publicação do hinário não fornecer uma versão transposta para seu instrumento
26
Num ensino de música, há sempre crenças imbuídas nos sujeitos que participam
dele. Daqueles que se constituíram professores por vias formais, nos cursos de licenciatura,
esperam-se crenças definidas pelos teóricos da educação estudados durante o curso, bem
como a reprodução de metodologias aprendidas no decorrer da formação prática e
profissional. Daqueles que se constituíram professores de modo informal, esperam-se crenças
que estão presentes no senso comum. A pesquisa revelou que o ensino de música presente na
Congregação Cristã pode trazer à tona discussões teóricas complexas e pertinentes para o
entendimento da capacidade de aprender música pelos alunos.
A discussão que veio mais à tona nas falas dos entrevistados relaciona-se a crença
de que alguém possui um talento natural para música e, por isso, pode se dedicar
satisfatoriamente ao aprendizado de um instrumento musical versus a crença de que esse
talento natural não existe e, por isso, aqueles que se dedicarem de modo suficiente poderão
chegar, em seu tempo, a tocar seu instrumento musical.
27
Uma entrevistada afirmou que, como modo de orientar o aluno que deseja
ingressar no programa de ensino, ressalta-se o fato de que uns são dotados de uma
musicalidade. Nas suas palavras, “geralmente quando eu vou pra uma escolinha, que vai abrir,
uma escolinha nova, eu vou pra aconselhar e falar sobre essas coisas. Que a pessoa, ela tem
que ter a consciência de saber se música é pra ela ou não”. Explicando mais detalhadamente a
mesma ideia, a entrevistada disse:
oficializar na igreja, isto é, não ganhou a liberdade de tocar em todas as Congregações Cristãs
espalhadas pelo mundo, a entrevistada afirmou: “Só que eu acredito também, se ela se
dedicasse ao máximo, ela poderia melhorar, mas não muita coisa, porque já é uma senhora
idosa, já tem 60 anos, os dedos já não ajudam mais” (ENTREVISTADA 1).
Outras visões sobre o talento são encontradas na Congregação Cristã no Brasil em
Juazeiro do Norte. Um dos entrevistados afirmou:
Eu acho que se o dom for a vontade... Todos têm. Se você tiver o desejo de
aprender, eu acho que todas as pessoas têm a capacidade de aprender
música. Todos. Minha visão. Minha visão é essa que todos conseguem, têm
a capacidade. Um surdo tem a capacidade. Agora nós é que... Nós é que
fazemos as limitações (ENTREVISTADO 3).
O mesmo entrevistado relatou que, como instrutor, procurava sempre adaptar seu
ensino para atingir seus alunos, mesmo os que tinham mais dificuldades. Em seu relato
também salientou a ação de outros instrutores que, segundo ele, sabiam “fazer a ponte” entre a
música e o aluno, em suas limitações. Para esse entrevistado, o aprendizado da música podia
levar mais tempo para uns, fazendo com que o aluno tenha que percorrer uma distância muito
longa, como quem vai de uma cidade a outra, mas com limitações de locomoção. Apesar de
levar um tempo maior, a persistência faria com que esse aluno percorresse todo esse caminho.
É sensato afirmar que uma visão equilibrada das características herdadas e da
influência do ambiente na aprendizagem seja mais verossímil. É fato que nascemos com
predisposições para essa ou para aquela atividade, mas que o ambiente é decisivo para moldar
essas predisposições. Um modelo interacionista de aprendizagem, como o proposto por Jean
Piaget, é preferido ao inatista e ao determinista.
Desde a década de 1960, igrejas evangélicas têm adotado um estilo musical mais
contemporâneo e incorporado práticas em seus momentos de louvor que os tornam
semelhantes a shows de artistas da música popular. Como afirma Mendonça:
pra saber se ele sabe de alguma coisa da conduta daquela pessoa, mas se não
houver nenhum impedimento... (ENTREVISTADA 1).
Requisitos morais e educação musical não são fatores que andam juntos somente
na Congregação Cristã no Brasil, nem é algo novo. Quando Johann Sebastian Bach assumiu o
cargo de chantre da Igreja de São Tomás e de diretor de música da cidade de Leipzig, na
Alemanha, em maio de 1723, além de ter passado por uma sabatina doutrinária para verificar
se ele não era um herege, ele tinha de se comprometer a dar quatro horas de aula por dia, “a
levar uma vida exemplarmente cristã e a não abandonar a cidade sem autorização do prefeito”
(GROUT; PALISCA, 2007, p. 450). Lembro-me também que, na lotação em uma escola
pública de ensino fundamental para estágio supervisionado, a única exigência feita pela
diretora da escola que nos recebeu foi dada às mulheres do grupo, que as mesmas não viessem
para o estágio com roupas curtas. Ainda que estas observações, uma histórica e uma empírica,
não justifiquem a rigidez moral do ingresso no ensino de música da Congregação Cristã no
Brasil, as observações são exemplos de como o ensino de música pode exigir mais do que
apontamentos musicais, mas também de conduta.
A pergunta mais latente da pesquisa diz respeito à questão de gênero e ensino de
música. É alvo de curiosidade, porque é percebida logo ao se entrar numa escolinha de
música. De um modo geral, quando se visita uma escolinha de música na Congregação Cristã
no Brasil em Juazeiro do Norte, ou estão presentes apenas mulheres ou estão presentes apenas
homens. Nos cultos realizados nesta Igreja Evangélica, diferente de todas as outras Igrejas
Evangélicas conhecidas pelo pesquisador, todas as mulheres sentam ao lado esquerdo de
quem olha para o púlpito e todos os homens sentam ao lado direito. As mulheres tocam órgão
e o mesmo fica posicionado à esquerda e os homens que tocam ficam sentados na bancada
destinada aos músicos, mais próximos à bancada dos homens. Ainda que este fator já mereça
um estudo à parte, a questão levantada na pesquisa é: por que às mulheres o órgão é ensinado
e aos homens são ensinados outros instrumentos?
Prevaleceu especialmente uma resposta mais ligada à estrutura já estabelecida da
Congregação Cristã no Brasil. Uma vez que o órgão está posicionado na bancada das
mulheres e, geralmente, há mais mulheres do que homens assistindo aos cultos, então ficaria
difícil ser permitido aos homens que tocassem o órgão. Além disso, se fosse permitido às
mulheres tocarem outros instrumentos, não haveria mais lugar para a irmandade sentar,
porque, já que o número de músicos da orquestra é grande e os mesmos têm lugares
reservados, os que não são músicos teriam que ficar em pé durante a celebração. A mesma
31
resposta estrutural é dada para a não permissão de certos instrumentos na orquestra, como o
acordeom, que ocuparia muito espaço nos bancos. Todos os entrevistados ressaltaram que, em
outros países, é permitido que mulheres toquem outros instrumentos da orquestra, mas que
esta permissão ainda não foi concedida no Brasil. Também é permitido que todos aprendam
qualquer instrumento musical fora da Igreja e esta restrição se aplica apenas ao ensino de
música realizado dentro da Igreja e a participação do membro da Congregação Cristã no
Brasil nas orquestras da Igreja. Um homem, por exemplo, membro da Congregação Cristã no
Brasil, poderia aprender a tocar órgão para executá-lo em casa, sem problema.
Quando perguntados sobre uma razão mais profunda, teológica ou moral, desta
prática, os entrevistados revelam não terem nenhuma além da tradição eclesiástica e da
determinação da liderança da Igreja. A seguinte fala de um entrevistado demonstra isso:
Sinceramente, eu sou membro da Igreja, mas não... Até agora, ainda não
entendi por quê, por que tá bloqueado. Tem hora até que a gente fica meio...
Alguém já perguntou e a gente fica até meio constrangido. Quer dizer que
você é membro da Igreja e não sabe! Mas em outros países existem irmãs
tocando outros instrumentos (ENTREVISTADO 4).
Outra entrevistada aponta para uma razão mais cultural que foi construída no
decorrer do tempo e consolidada pela liderança da Igreja. Quando perguntada se havia uma
razão religiosa para que às mulheres fosse permitido tocar apenas o órgão na Igreja, ela
respondeu:
Bíblica? Que esteja justificada na Bíblia? Cultural, mas que esteja justificada
na Bíblia, não. Né? Eu pelo menos eu nunca nem vi, falando na Bíblia que as
Igrejas deveriam ter orquestras e que a organista deveria ser mulher, não
tem. Mas virou uma questão cultural e depois doutrinária. Que a própria
Igreja vai tendo os costumes. Né? Tem aquela doutrina que é bíblica, que tá
justificada na Bíblia, mas outras foram se criando do hábito e do costume.
Né? E acabou virando lei. Né? Aí ninguém questionou, né? Também não sei
se vai resolver muita coisa (ENTREVISTADA 1).
Com muito cuidado, é possível afirmar que a Congregação Cristã no Brasil evoca
nessa divisão de tarefas e de ensino por gênero a tradição judaico-cristã, especialmente aquela
que é encontrada em alguns textos do Novo Testamento. Nas cartas de Paulo, encontram-se
expressões como “toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu desonra a
sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada‟ (BÍBLIA SAGRADA, 2008, p. 1511).
Também encontramos a orientação quanto ao culto dada pelo mesmo apóstolo: “porque para a
mulher é vergonhoso falar na igreja” (BÍBLIA SAGRADA, 2008, p. 1516).
32
É necessário ressaltar que esses valores religiosos esboçados nos textos sagrados
para os cristãos e, conseqüentemente, para as igrejas evangélicas tradicionais, foram
produzidos dentro de um contexto histórico. Falando sobre o cotidiano familiar, baseado nos
escritos rabínicos, Daniel-Rops escreve:
horas, cada um a seu tempo, de acordo com a disponibilidade dos instrutores presentes. Não é
dada uma palestra com apenas um professor, nem todos os alunos estão no mesmo nível de
aprendizado. No mesmo lugar, um aluno pode estar fazendo uma lição de solfejo, outro pode
estar tocando seu instrumento musical em preparação para apresentar um hino a um instrutor
e outro instrutor pode estar tirando a lição de um método com um aluno. A diversidade de
instrumentos musicais pode tornar o ambiente ainda mais plural. Um aluno pode estar tocando
sax, outro violino, outro bombardino e outro clarinete. Para mim, o pesquisador que
observava as aulas, era difícil manter a concentração, mas para os instrutores e alunos, aquele
ambiente parecia não atrapalhar o aprendizado.
Alguns dos bancos da Igreja possuem estantes de música acopladas,
demonstrando o lugar em que os músicos da orquestra sentam durante os cultos. Estas
estantes acopladas são utilizadas durante as aulas, onde métodos e hinários são colocados, o
que torna o ensino mais prático e direcionado. Nos templos visitados havia órgãos eletrônicos,
mas os mesmos não são usados nos momentos de ensino se os homens estão tendo sua aula.
Na aula das organistas, enquanto uma aluna está passando sua lição ao órgão, as outras estão
passando as lições de solfejo.
Chama atenção o fato de que todos os alunos trazem seus instrumentos musicais
para a aula. Alguns desses instrumentos são caros, considerando a classe social de muitas
pessoas que estão envolvidas no ensino de música da Congregação Cristã no Brasil. A igreja
fornece esses instrumentos musicais para os alunos das escolinhas de música, por tempo
indeterminado, e possui um sistema de coleta que proporciona a compra e a manutenção
desses instrumentos. Sobre esse sistema, um entrevistado explicou:
Aí existe o setor musical, onde eles compram esses acessórios, e deixam lá.
Então, a gente, como encarregado, conhece a necessidade da igreja, a gente
chega lá pra eles e “preciso de tantas cordas, tantas palhetas” e eles cedem
pra gente retribuir, distribuir para os alunos. Até porque eles são comprados
através de uma coleta que existe dentro dos ensaios. Então, termina o ensaio,
eles cooperam. E aquela coleta, junta toda região, e cria um fundo. Chama
coleta do fundo musical. E é para comprar instrumentos, é pra comprar
acessórios, reformar instrumentos. Têm instrumentos que, às vezes, você já
pega ele já usados, e com um certo tempo de uso, dois ou três anos, ele já
não tá tão bom, tá com vazamento... Aí, a gente repassa um instrumento
melhor para o aluno, recolhe aquele lá e manda para reforma. Então esses
instrumentos são reformados, é dado outro banho neles, eles voltam em
condição de novo para orquestra (ENTREVISTADO 2).
Segundo explicou o mesmo entrevistado, aqueles que têm condições de comprar
seu instrumento, de mantê-lo e até de doar outros instrumentos para a Igreja podem fazê-lo e
35
todos são incentivados a isso. Ao que parece, porém, a Congregação Cristã no Brasil se
predispõe a não deixar seus alunos sem métodos, sem instrumento ou sem a manutenção do
instrumento por falta de recursos pessoais.
3.2. Estrutura, hierarquia, cargos e papéis
O fato de a Congregação Cristã no Brasil em Juazeiro do Norte possuir um
sistema de ensino de música estruturado em cargos dispostos de forma hierárquica é muito
claro. Se os cargos forem dispostos do que possui maior autoridade até o aluno, que teria que
se submeter a toda essa estrutura, poder-se-ia apresentar a seguinte ordem: São Paulo (Igreja
Central no Brás), encarregado regional, encarregado local, instrutor e aluno. Para o ensino das
mulheres teríamos também a examinadora e a instrutora, ambas submetidas à autoridade dos
encarregados, que são homens.
Como diria um professor do curso de licenciatura em música da UFCA: “Não
chove de baixo para cima, chove de cima para baixo”. A Igreja fundadora da denominação
evangélica Congregação Cristã tem a palavra final no que diz respeito ao ensino de música
entre todas as outras igrejas espalhadas pelo mundo. Sobre esse poder de decisão, vários
entrevistados se pronunciaram. Falando sobre a prática de se não admitir mulheres tocando na
Igreja outro instrumento que não seja o órgão, uma das entrevistadas disse:
Então, eu não veria nenhum problema. É minha opinião pessoal. Não vai
mudar em nada lá, como eu te falei, eu não tenho poder de decisão, porque
tudo tem que ir lá pra São Paulo. E eu, chegar lá, quem que eu sou? Não sou
nada. Aí é uma opinião pessoal (ENTREVISTATADA 1).
A reformulação do hinário e a consequente preparação de materiais adaptados
para as necessidades de ensino da Igreja, como hinários publicados para instrumentos de
transposição, a formação do programa mínimo de estudos para ingresso dos alunos nas
orquestras, os procedimentos de avaliação e os requisitos a serem cumpridos pelos envolvidos
no ensino da Igreja são igualmente estabelecidos pela sede da Congregação Cristã em São
Paulo, no bairro do Brás. Esta Igreja se constitui, como em outros ramos do cristianismo, uma
sede administrativa em que se consolidam práticas e crenças que são irradiadas para os outros
pólos da denominação. Sendo um centro administrativo, é vital para o funcionamento do
ensino de música, proporcionando a este unidade e caráter. Ao que parece, a Igreja também
possui sedes regionais. Em Juazeiro do Norte, de acordo com informações fornecidas pelos
entrevistados, a sede fica no bairro do Triângulo, onde se localiza um templo mais amplo, que
comporta uma quantidade maior de músicos.
36
valores são tanto morais como pedagógicos. Alguns entrevistados expressaram a crença na
existência de um dom de ensinar, que levaria o professor a identificar as necessidades dos
alunos e a transmitir os conhecimentos musicais ao aluno de forma inteligível, chegando onde
ele está.
Esta estrutura não é, entretanto, hermética nem baseada num princípio de
autoridade absoluta. Nas falas de entrevistados, a expressão “passado em reunião” é
recorrente. A expressão quer dizer que existem momentos em que membros desses níveis
funcionais podem se reunir e tomar uma decisão em conjunto. Também ficou claro que
existem reuniões de instrutores, de encarregados de orquestra e de encarregados regionais, em
que os problemas que surgem no ensino são discutidos e, pela troca de ideias, soluções são
encontradas. A estrutura de comando esboçada também não quer dizer que os agentes desse
ensino se submetem às normas de forma mecânica e inquestionável. Como já foi demonstrado
na questão de valores socioculturais, membros da Congregação Cristã no Brasil podem não
concordar com certas normas estabelecidas pela liderança da Igreja, demonstrando assim
autonomia de pensamento e atitude.
3.3. Formação do professor
Nesse sistema em que os alunos e instrutores fazem parte da Igreja, fica patente
que os professores têm como formação musical e pedagógica inicial as escolinhas de música
da própria Congregação Cristã no Brasil. Uma das entrevistadas notou que a exigência feita às
alunas, especialmente as solteiras, é necessária, porque as mesmas podem se tornar
instrutoras. Ela esclareceu:
A gente cobra mesmo, porque uma pessoa que não tem responsabilidades de
lar, de família, vive para o estudo, então a gente exige mais. Até mesmo,
porque a pessoa, ela pode ser futuramente uma instrutora. E aí, se ela passar
com deficiência nos testes, ela não vai ser uma boa instrutora. Então a gente
leva em consideração essas coisas (ENTREVISTADA 1).
Como os instrutores têm que lidar com o ensino de diversos instrumentos, eles
adquirem conhecimentos diversificados. Um encarregado de orquestra pode vir a ensinar sax,
violino, trompete e ter também que desenvolver conhecimentos de regência e manutenção de
instrumentos musicais. Sobre essa polivalência, um encarregado se expressou:
orientação. Liga pra quem sabe. “Como é que funciona? Assim, você vai
trabalhar desse jeito”. Chama ele uma vez para vir aqui. Às vezes não
precisa ser nem instrutor. Mas ele já toca aquele instrumento? Chama ele
duas, três vezes na escolhinha, e vai pegando as dicas ali. Já vai orientando
aquele aluno, e vendo aquelas dicas, e acaba ensinando também
(ENTREVISTADO 2).
Na fala desse entrevistado, podem-se notar dois itens importantes na formação dos
professores que protagonizam o ensino de música da Congregação Cristã no Brasil em
Juazeiro do Norte: a prática autodidata e a cooperação. Como o entrevistado expressou com
clareza, uma necessidade que surge dentro da escolinha de música, como a vontade de um
aluno de estudar um instrumento não conhecido, leva o instrutor a procurar métodos e, com o
conhecimento prévio, o instrutor orienta o aluno no aprendizado daquele instrumento. Desse
modo, o instrutor, sem ter tido nenhum professor daquele novo instrumento, aprende-o para
poder ensiná-lo.
Nota-se também na fala do entrevistado que a quantidade considerável de
músicos, nas diversas comuns da Igreja, espalhadas em vários bairros, pode proporcionar uma
cooperação que vise ao ensino de música. O entrevistado expressou que chega a solicitar
ajuda de outros músicos de outras comuns, para que venham à escolinha de música e orientem
alunos que estejam começando a aprender instrumentos musicais novos para sua orquestra.
Essa dinâmica de cooperação, nem sempre presente em círculos artísticos
musicais, é significativa dentro do ensino da Congregação Cristã no Brasil em Juazeiro do
Norte. Este dado se torna ainda mais relevante quando se considera que nenhum dos que
fazem parte dessa estrutura recebe qualquer ganho financeiro para realizar esse trabalho.
Todos são voluntários e encaram o ensino de música como uma missão religiosa, o que pode
torná-los ainda mais dedicados a tarefa.
3.4. Currículo e Métodos de ensino
Para Silva (2003), não é tão importante saber o que currículo é, porque cada teoria
de currículo dará à palavra a definição que melhor lhe cabe. Entretanto, de acordo com Silva:
ensinada, seja pelos caminhos utilizados para levar o aluno a esta música. Sobre a condução
da aluna de órgão para executar o instrumento, uma entrevistada disse:
programa mínimo, que inclui os métodos para seu instrumento, e seguir para oficialização.
Sobre essa oficialização, uma entrevistada esclareceu:
O encarregado, ele faz um pré-teste, que a gente chama, que, pra ele, só é
obrigação dele, dever dele, cobrar os hinos. Então ele vai pegar os hinos e
ver se ela sabe tocar mesmo os hinos. Alguns gostam de pedir método e
Bonna, mas não é necessário. Ele vai examinar nos hinos se ela tem
condição de acompanhar a orquestra. Aí, ela passando, aí tem uma carta que
chama carta de apresentação, com ela, ele vai preencher aquela carta, que é o
pedido de teste. Coloca com o nome dela e ele marca lá qual teste que ela vai
fazer e assina. Aí ele vai coletar as assinaturas do cooperador, do ancião
daquela região. Aí, estando assinada,eles enviam a carta pra mim. Aí eu vou
preenchendo já os relatórios, pra poder, no exame, levar a aluna para lá. Aí
lá tem o ancião que vai presidir, geralmente a instrutora acompanha a aluna
dela. Aí lá vão ser feitos os exames de prova de teoria, prova mesmo, por
escrito e o órgão. O órgão a gente geralmente pede duas, no máximo, três
lições, dependendo da aluna, porque, às vezes, no próprio desenrolar de uma
lição você já vê que realmente ela tá preparada, não é necessário você pedir
duas, três lições (ENTREVISTADA 10).
Esse exame de oficialização, realizado em Juazeiro do Norte duas vezes por ano,
em janeiro e julho, é o marco final do percurso de ensino e aprendizado da Congregação
Cristã no Brasil. Nesse exame são cobrados conteúdos ligados aos métodos de instrumentos
musicais e, especialmente, os hinos, que, segundo a mesma entrevistada, “devem ser tocados
com perfeição”. Nota-se na fala da entrevistada um envolvimento de toda a estrutura
organizacional de ensino: a aluna, a instrutora, o encarregado, o regional e a examinadora.
Falando sobre a aprovação, a entrevistada afirmou que dificilmente uma pessoa é reprovada
nesse exame, ainda que isso possa acontecer. A dificuldade de reprovação se dá por conta do
aval dado pela instrutora e pelo encarregado. Ambos são como filtros que só permitem a
participação de pessoas que já estejam bem preparadas para o teste.
Desse modo, o egresso desse sistema de ensino de música é aquele capaz de tocar
escalas e aquele que tem condições de tocar os cânticos de adoração. Esse sistema tem forte
capacidade de adaptação a uma realidade singular. Possui valores que poderiam ser
transpostos para outras realidades, mas não pode ser reproduzido fora de seus templos. Por
fim, é também evidente que o músico que aprendeu a tocar nesse sistema, também absorverá
muito conhecimento musical com seus colegas de escolinha de música, com a execução de
hinos durante os cultos e com a música do seu entorno não-religioso, misturado à música de
sua herança familiar.
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
de se engajarem numa batalha espiritual pelo bem. A música fará parte de sua prática
religiosa. No mesmo fervor daqueles que fazem suas orações, o aluno de uma escolinha de
música da Congregação no Brasil leva o estojo de seu instrumento ao Templo no horário
marcado e espera o dia em que fará o teste de oficialização, para ter liberdade de tocar em
todas as Igrejas de mesma fé e ordem. Numa sociedade em que o ensino escolar tem se
tornado apenas um meio de ingressar numa profissão rentável, de acordo com os ditames do
mercado, o ensino de música da Congregação Cristã no Brasil mostra que a educação pode
sobrepor uma lógica meramente utilitarista.
Algumas questões emergem dessa discussão. Quando valores socioculturais estão
atrelados a um ensino numa comunidade onde os valores são diversificados, como lidar com
essa diversidade? Numa Igreja em que todos parecem pensar de modo semelhante a respeito
da vida e têm um comportamento adequado à doutrina religiosa, parece ser mais fácil
estipular um ensino. O que dizer do ambiente escolar? Como um ensino de música,
certamente consequente de uma ideologia, poderá atender às diversas ideologias ali presentes?
Além disso, a homogeneidade de pensamento dentro de uma Igreja Evangélica
pode ser ilusória, uma vez que nenhuma Igreja está imune aos efeitos da pós-modernidade,
que se destaca pela atitude de pluralidade de pensamentos e atitudes. Foram constatadas nesta
pesquisa divergências de opinião das pessoas envolvidas no ensino de música em relação à
posição oficial da Igreja. Como garantir que alunos e instrutores sigam sempre os mesmos
caminhos de ideia e de metodologia, se os mesmos estão inseridos numa sociedade de valores
plurais?
O ensino de música na Congregação Cristã no Brasil em Juazeiro do Norte se
demonstrou, entretanto, padronizado. Esta padronização é observada numa unidade de regras,
de procedimentos de ensino e numa estrutura funcional bem definida. É evidente que esta
padronização não é mecânica, inconsequente e desumana. Adaptações são feitas para chegar
aos alunos e o ensino varia de comum para comum, de professor para professor.
Esta padronização tem um lado positivo e outro negativo. Por um lado, a
padronização do ensino de música da Congregação Cristã no Brasil em Juazeiro do Norte
proporciona um controle e uma manutenção da qualidade desse ensino. Regras e padrões
ajudam a garantir que os músicos que estejam naquele nível formalizado possam executar as
mesmas músicas quando isto for requerido. Regras e padrões comuns ajudam a fazer com que
o professor se esforce para atingir uma determinada meta de aprendizado. Regras e padrões
44
também impulsionam o aluno a alcançar aquele ideal bem definido, dando-lhe algo material
com que ele possa trabalhar.
Por outro lado a padronização do ensino faz com que o mesmo tenha dificuldade
de sofrer qualquer melhoria, maior adaptação e venha atender de modo abrangente as
necessidades do grupo social que visa atender. Será que outra metodologia de solfejo seria
mais apropriada para o ensino de música da Congregação Cristã no Brasil? Os métodos de
instrumentos musicais utilizados seriam suficientes para suprir as carências de uma produção
musical mais estética? O que dizer da inclusão da composição no ensino de música da
Congregação Cristã, item tão popularmente divulgado como essencial à Educação Musical
pelos teóricos da atualidade, como o próprio Swanwick? Estas e outras melhorias no âmbito
do ensino de música teriam muita dificuldade de serem implementadas na Congregação Cristã
no Brasil, porque seu governo centralizado padroniza as ações de ensino, tornando as
adaptações às necessidades mais sonhos do que possibilidades.
Por fim, não há como negar a grande contribuição dada pela Congregação Cristã
no ensino de música do povo brasileiro, ainda que no contexto religioso de uma Igreja
evangélica pentecostal. Quantas pessoas teriam sequer condições de entrar em contato visual
com alguns instrumentos se não fosse pelos cultos e escolinhas de música da Congregação
Cristã no Brasil! Pessoas que pertencem a classes subalternas que jamais teriam condições de
comprar um trompete ou uma tuba se não tivessem recebido uma doação de um membro da
Igreja para poderem aprender a tocar esses instrumentos. Ainda que a metodologia possa ser
questionada, como toda metodologia deve ser sempre questionada, um ensino de música está
efetivamente sendo realizado em uma quantidade considerável de templos espalhados pelos
recônditos do nosso país. Além disso, esse ensino não é considerado apenas um emprego,
apenas diversão, apenas uma obrigação da lei, apenas um mal necessário. Este ensino, nas
palavras dos fiéis, é a “obra de Deus”, uma crença no transcendente aplicado ao ensino de
música, algo que leva o aluno, o instrutor, o encarregado e a examinadora a sacrificar seu
tempo, seus recursos financeiros, no afã de transmitir vida através do som. Deste modo, a
Congregação Cristã e seus heróis anônimos, anônimos por opção e não por opressão, ajudam
a pintar um cenário nacional com cores ainda mais vivas, cheio de notas e ritmos, regando a
planta da nossa religiosidade, fazendo-a ainda mais viçosa e frutífera.
45
REFERÊNCIAS
BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Música Sacra Evangélica no Brasil. Rio de Janeiro:
Kosmos, 1960.
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. 3ª Ed. São Paulo: Vida Nova,
2008.
FAVARO, Thomaz. Evangélicos dão o tom. Revista Veja. Rio de Janeiro. Edição n° 427,
p.35, 2007.
FREITAS, Débora Ferreira de. Educação musical formal, não-formal ou informal: um estudo
sobre processos de ensino da música nas Igrejas Evangélicas do Rio de Janeiro. 2008.
Monografia (Licenciatura Plena em Educação Artística – Habilitação Música) – Instituto Villa-
Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
GIL, Antônio Carlos. Estudo de Caso: fundamentação científica, subsídios para coleta e
análise de dados, como redigir o relatório. São Paulo: Atlas, 2009.
GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da Música Ocidental. 5ª. Ed. Lisboa:
Gradiva, 2007.
KERR, Samuel e KERR, Dorotéa. A atividade musical evangélica no Brasil – por uma
pedagogia musical. CAIXA EXPRESSIVA, periódico da Associação Brasileira de
Organistas, vol. 14, 2003, p.25-32.
KERR, Samuel e KERR, Dorotéa. A atividade musical evangélica no Brasil – por uma
pedagogia musical. CAIXA EXPRESSIVA, periódico da Associação Brasileira de
Organistas, vol. 14, 2003, p.25-32.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 8ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008.
LIMA, Jaime Augusto. Que História é essa? Memórias. Fortaleza, Princípios, 2011.
MCCARTHY, Marie. Social and Cultural Contexts of Music Teaching and Learning: An
Introduction. In: COLWELL, Richard; CAROL, Richardson. The New Handbook of
research on Music Teaching and Learning: A Project of the Music Educators National
Conference. Oxford, 2002. Cap. 31, p. 563-565.
PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começos. São Paulo: Paulinas, 2005.
Handbook of research on Music Teaching and Learning: A Project of the Music Educators
National Conference. Oxford, 2002. Cap. 31, p. 566-583.
RECK, André Müller. Práticas musicais cotidianas na cultura gospel: um estudo de caso
no ministério de louvor somos igreja. Dissertação de Mestrado. Santa Maria: UFSM, 2011.
SANTOS, Regina Márcia Simão (org.). Música, Cultura e Educação. 2ª Ed. Porto Alegre:
Sulina, 2012.
SCHALK, Carl F. Lutero e a música: paradigmas de louvor. São Leopoldo: Sinodal, 2006.
SILVA, Helena Lopes da. Declarando preferências musicais no espaço escolar: reflexões a
cerca da identidade de gênero na aula de música. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 11,
75-83, set. 2004.
SOUZA, Alexandre Carneiro de. Pentecostalismo: de onde vem? Para onde vai?; um
desafio às leituras contemporâneas da religiosidade brasileira. Viçosa: Ultimato, 2004.
SOUZA, Jusamara. Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008.
SWANWICK, Keith. A basis for music education. Taylor and Francis e-Library, 2003a