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Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais

Comissão de Psicologia Escolar e Educacional

Belo Horizonte

2019
© 2019, Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais
É permitida a reprodução desta publicação, desde que
sem alterações e citada a fonte.
Capa: Brasil84
Revisão ortográfica e gramatical: Brasil84
Projeto e edição gráfica: Brasil84
Impressão: Global Print Editora Gráfica Eireli
Tiragem: 1.000 exemplares

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais


Rua Timbiras, 1.532, 6º andar, Lourdes
CEP: 30.140-061 – Belo Horizonte/MG
Telefone: (31) 2138-6767
www.crpmg.org.br / crp04@crp04.org.br
Comitê editorial do livro:
Celso Francisco Tondin Maria Cristina Silva Santos
Deborah Rosária Barbosa Sílvia Gonçalves Soares
Eliana Costa Prates Stela Maria Bretas Souza
Evely Najjar Capdville Tânia Regina Melo
Maircon Rasley G. Araújo

Revisão técnica:
Celso Francisco Tondin Evely Najjar Capdville
Deborah Rosária Barbosa Stela Maria Bretas Souza

Comissão organizadora e cientifica do 1º Encontro


e Mostra de Práticas em Psicologia Escolar e Edu-
cacional do Centro-Oeste:
Ivanilson Eleutério Raquel Cabral de Mesquita
Luiz Henrique de Assis Rosângela Maria de Sousa
Miranda Botelho Dias

Comissão organizadora e cientifica da II Mostra de


Práticas em Psicologia e Educação:

Celso Francisco Tondin Ligia Dias Mendes


Deborah Rosária Barbosa Luiz Paulo Ribeiro
Diogo Ferreira do Maircon Rasley G. Araújo
Nascimento Maria Cristina Silva Santos
Evely Najjar Capdville Renato Batista da Silva
Leila Aparecida Silveira Stela Maria Bretas Souza
XV Plenário do Conselho Regional de Psicologia
– Minas Gerais (Gestão 2016-2019)
DIRETORIA
Stela Maris Bretas Souza
Conselheira Diretora Presidenta
Aparecida Maria de Souza Cruvinel
Conselheira Diretora Vice-Presidenta
Felipe Viegas Tameirão
Conselheiro Diretor Tesoureiro
Délcio Fernando Pereira
Conselheiro Diretor Secretário

CONSELHEIRAS(OS)

Aparecida de Souza Cruvinel Márcia Mansur Saadallah


Claudia Natividade Mariana Tavares
Dalcira Ferrão Marília Fraga
Délcio Fernando Pereira Odila Fernandes Braga
Eliane de Souza Pimenta Paula Khoury
Eriane Souza Pimenta Reinaldo Júnior
Érica Andrade Rocha Rita Almeida
Ernane Maciel Robson de Souza
Felipe Viegas Tameirão Roseli de Melo
Filippe de Mello Solange Coelho
Flávia Gotelip Stela Maris Bretas Souza
Leila Aparecida Silveira Tulio Picinini
Letícia Gonçalves Vilene Eulálio
Madalena Luiz Tolentino Waldomiro Salles
Marcelo Arinos Yghor Gomes
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................08

PALESTRAS DE CONVIDADAS(OS)......13
A experiência de matriciamento em saúde mental
infanto-juvenil com as escolas: a construção de
uma rede.........................................................................14

História e memória do serviço de Psicologia


Escolar da prefeitura de São Paulo..................................29

O desempenho escolar da pessoa com deficiência..........52

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


perspectivas, possibilidades e desafios............................70

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre as


práticas do psicólogo educacional...................................85

TRABALHOS APRESENTADOS
PELAS(OS) PARTICIPANTES............ 99
A brinquedoteca como ferramenta da Psicologia:
um trabalho voltado para a estimulação cognitiva.........100

A educação sistêmica e a
dificuldade de aprendizagem.........................................108
A escola e o processo de subjetivação: uma
intervenção à luz da educação para as relações
étnico-raciais.................................................................119

A orientação profissional no curso técnico


integrado: um processo de reconhecimento..................130

As condições de acessibilidade ofertada pela


UEMG – unidade Divinópolis: perspectivas dos
discentes dos cursos de licenciatura.............................146

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa?............161

Bullying: conhecer para enfrentar.................................175

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03 por


professoras de uma escola pública................................188

Demandas de instituições educacionais:


mapeamento a partir de uma prática de observação......201

Desenvolvendo o hábito de estudo................................214

Desvendando a relação com o saber de


adolescentes por meio de uma roda de conversa...........224

Dever de casa: conceitos, contribuições e conflitos......237

Dificuldade de aprendizagem e formação


continuada: aspectos importantes nas práticas
dos professores..............................................................251

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes


e vivências ....................................................................265

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia......278


Estágio supervisionado básico – intervenções
psicossociais.................................................................289

Experiência de estágio em
orientação à queixa escolar ..........................................301

Grupo terapêutico com crianças na escola....................313

Indisciplina na escola: desafios contemporâneos..........325

Intervenção psicossocial realizada em uma escola


pública para promover a formação de um coletivo
feminista ......................................................................337

Introdução e demarcação da Psicologia na escola


através de projetos pedagógicos ...................................350

Preconceito contra universitários não-


heterossexuais: análises de processos de
hierarquização e inferiorização social............................364

Protagonismo juvenil e possibilidades de ação no


espaço escolar...............................................................378

Psicologia e educação: atuação de psicólogos na


mesorregião do campo das vertentes.............................392

Relato de intervenção em Psicologia Escolar


Institucional..................................................................408

Relato de intervenção escolar – prevenção da


violência no contexto educacional.................................420
Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva
de adolescentes em uma escola....................................431

Resignificando valores e fortalecendo a


convivência no contexto escolar....................................444

Superdotação e altas habilidades: os desafios da


inclusão........................................................................451

Transtorno do déficit de atenção com


hiperatividade e medicalização: percepções
escolares e familiares....................................................462

Uma experiência de aprendizado compartilhada


com pedagogos da rede de ensino municipal de
Ribeirão das Neves/ MG...............................................478

Uma interlocução possível entre a Psicologia


Escolar e a mediação de conflitos.................................491
Apresentação
Esta publicação do Conselho Regional de Psicologia
-Minas Gerais (CRP-MG), gestão do XV Plenário, foi orga-
nizada pela Comissão de Psicologia Escolar e Educacional.
Criada como Grupo de Trabalho em 2014, no XIV Ple-
nário, por uma demanda institucional e também de psicólo-
gas(os) que atuam em escolas do estado de Minas Gerais, a
atual Comissão de Psicologia Escolar e Educacional, assim
denominada em 2016 pelo XV Plenário, tem por objetivo
refletir, dialogar e propor melhorias para temas específicos
atinentes à Psicologia enquanto ciência e profissão, articu-
lando ações com as instâncias internas, com a categoria e
com a sociedade em geral para efetivação desses diálogos.
Tem também como finalidade subsidiar especificamente
posicionamentos e orientações do CRP-MG.
O presente livro decorre de dois eventos. Um deles é
o 1º Encontro e Mostra de Práticas em Psicologia Escolar e
Educacional do Centro-Oeste, ocorrido no dia 11 de maio
de 2018, em Divinópolis (MG), atividade organizada pela
Comissão de Psicologia Escolar e Educacional da Subsede
Centro-Oeste do CRP-MG; e o outro é a II Mostra de Prá-
ticas em Psicologia e Educação, que aconteceu no dia 20 de
setembro de 2018, em São João del-Rei (MG).
As mostras promovidas por esta comissão buscam: co-
nhecer, divulgar e valorizar práticas da Psicologia na inter-
face com a Educação; fazer o intercâmbio de experiências e
conhecimentos referentes ao trabalho compartilhado entre
psicólogas(os) e profissionais da escola; reconhecer a espe-
cificidade do trabalho da(o) psicóloga(o) em contextos esco-

Apresentação |9
lares e a importância do diálogo e da construção coletiva de
tal atuação com professoras(es), gestoras(es) e comunidade
escolar; e reafirmar os compromissos da Psicologia, enquan-
to ciência e profissão, com práticas de transformação social.
O 1º Encontro e Mostra de Práticas em Psicologia Escolar
e Educacional do Centro-Oeste contou com 125 participan-
tes, 21 cidades representadas e 38 trabalhos inscritos, dos
quais 30 foram aprovados (modalidade de pôster). Além
da exposição dos pôsteres, aconteceram quatro mesas que
envolveram 11 palestrantes e mediadoras(es).
A II Mostra de Práticas em Psicologia e Educação contou
com 147 participantes, 48 cidades representadas e 100 tra-
balhos inscritos, dos quais 80 foram aprovados (54 na ca-
tegoria de diálogos e 26 de pôster). Além da exposição dos
pôsteres e das sessões de diálogos, houve uma conferência
e uma apresentação cultural. Todas(os) que apresentaram
trabalhos e palestraram nestes dois encontros foram convi-
dadas(os) a comporem este livro. Como resultado, 37 arti-
gos foram recebidos para integrar a obra.
Desta forma, com muita alegria e satisfação, disponi-
bilizamos às(aos) profissionais e estudantes de Psicologia
e demais interessadas(os), os conhecimentos construídos
nas experiências vivenciadas em diversos espaços espalha-
dos por todas as regiões do nosso estado. Eles abordam
a dimensão subjetiva dos processos educacionais desde
o chão das Minas Gerais. Ademais, este livro se soma a
outro, intitulado “Práticas e pesquisas em Psicologia e Edu-
cação: experiências de Minas Gerais”, publicado também

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como livro digital (e-book) no ano de 2017, decorrente da
I Mostra de Práticas em Psicologia e Educação, ocorrida na
cidade de Belo Horizonte (MG), em 2016.
Esperamos que estas experiências dialoguem com o sa-
ber já em desenvolvimento e os que estão por vir, servindo
de inspiração para o reforço e renovação das práticas em
curso. Desejamos também que seja estímulo para outras
iniciativas, as quais aconteçam em prol de uma Psicologia
comprometida com a Educação pela e para a democracia,
o que pressupõe a promoção da igualdade e do respeito
às diferenças, no marco da luta pela justiça educacional e
social.

Stela Maris Bretas Souza e Celso Francisco Tondin


Coordenação da Comissão de Psicologia Escolar e Educa-
cional do XV Plenário do CRP-MG

Apresentação | 11
Palestras de
Convidadas(os)
Uma experiência
de matriciamento
em saúde mental
infanto-juvenil
com escolas: a
construção de
uma rede

Vanuse Maria Resende Braga


Psicóloga clínica, especialista em Clínica
Psicanalítica (PUC-Minas) e mestre em
Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
(UFMG). Coordenadora das Equipes de
Matriciamento em Saúde Mental na Atenção
Primária no município de Brumadinho.
vanusemrbraga@gmail.com
Essa proposta surgiu da necessidade de organizar os en-
caminhamentos feitos pelas escolas à equipe de referência
em saúde mental infanto-juvenil, ERSM-IJ, que atuava na
atenção primária de uma região adscrito. Foi uma expe-
riência construída pela gestão colegiada em Saúde Mental,
atuante no município de Betim/MG no período de janeiro
de 2013 a janeiro de 2015, juntamente com a equipe de
referência em saúde mental infanto-juvenil.
Sobre a experiência, a ERSM está lotada na Unidade
Básica de Saúde do Teresópolis – Programa de Saúde da
Família (UBS/PSF). O Teresópolis é um bairro localizado
na cidade de Betim, região metropolitana de Belo Hori-
zonte. O território da UBS tem como base populacional
24.247 habitantes (dados cadastrados no SIGSS atualiza-
dos em março/2018), e possui quatro escolas municipais e
duas escolas estaduais, o CERSAMI/CAPSi também faz
parte da rede, dentre outros dispositivos.
A Região do Teresópolis faz parte da periferia de Be-
tim. O bairro cresceu no entorno da FIAT, na década de
1960. Já nas décadas de 80 e 90 apresentou um grande
crescimento populacional, sendo uma região extensa que
abrange outros oito bairros. Cresceu sem planejamen-
to, saneamento básico, com histórico de vulnerabilidade
social, violência, dentre outros problemas conhecidos de
nossas comunidades periféricas.
A situação encontrada pela ERSM-IJ foi inúmeros en-
caminhamentos da rede, como Conselhos Tutelares, Esco-
las, demanda espontânea da própria população e da própria

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
equipe da UBS/PSF. As conduções eram diversas, casos
graves de transtornos psiquiátricos na infância, transtornos
de aprendizagem, de comportamento, de desenvolvimento,
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtor-
no do espectro autista, dentre outros. Os que mais causa-
vam angústia na equipe eram os das escolas, primeiro pelo
volume, segundo por que sabíamos que independente do
diagnóstico, o fato da escola encaminhar significava que
algo não ia bem nesta e no processo de aprendizagem da
criança e com certeza haviam efeitos em sua vida e em
seu desenvolvimento. Outro ponto que também chamava
a atenção da equipe era que os encaminhamentos muitas
vezes já chegavam com o “diagnóstico”, principalmente de
TDAH e às vezes até com indicação de qual medicamento
deveria ser prescrito. (metilfenidato ou a ‘famosa’ ritalina).
Não era um cenário favorável para ninguém, nem para
quem encaminhava e nem para a equipe que faria os aco-
lhimentos, muito menos para as crianças encaminhadas e
suas famílias.
A ERSM-IJ tinha como função avaliar e acompanhar os
casos de saúde mental que chegavam até ela através destes
encaminhamentos. Como a estratégia de trabalho do mu-
nicípio era baseada no conceito de matriciamento, a ideia
era aos poucos repensar as formas das conduções e pensar
em um trabalho conjunto de responsabilização, ou melhor
corresponsabilização, envolvendo as escolas, os profissio-
nais da UBS/PSF e a ERSM-IJ, pelos usuários.
Nesse contexto, a Atenção Básica de Saúde/PSF de-

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sempenha um importante papel no processo da reforma
psiquiátrica brasileira. De acordo com as orientações do
Ministério da Saúde é importante que os municípios orga-
nizem a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS através da
atenção primária como porta de entrada. Nesse modelo,
a Atenção Básica de Saúde/PSF deve ser responsável por
organizar e desenvolver o atendimento seguindo o modelo
de cuidados de base territorial, com o objetivo de acolher,
avaliar, acompanhar e estabelecer vínculos terapêuticos
com os casos adscritos seguindo o processo de Reforma
Psiquiátrica Brasileira (MELLO; MELLO; KOHN, 2007)
Com a aprovação da Lei nº 10.216/2001, que trata da
proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais,
a redução dos leitos dos hospitais psiquiátricos, a constru-
ção de uma rede substitutiva através do acesso populacio-
nal e a um novo projeto de atenção em saúde mental, o
redirecionamento da assistência se consolida.
A rede substitutiva ao hospital é caracterizada com base
na corresponsabilização pelo cuidado e conta com alguns
dispositivos, repensando uma nova estratégia para traba-
lhar a saúde mental, como acolhimento, apoio matricial e
equipe de referência (BRASIL, 2011). O acolhimento fa-
vorece a construção de uma relação de confiança, de um
vínculo entre usuários e equipe. O matriciamento ou apoio
matricial é um arranjo organizacional em que uma ERSM
deve ser responsável pelo acompanhamento e comparti-
lhamento de casos com os profissionais da atenção básica/
PSF. Assim, as ERSM estimulam novos padrões de relação

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
que perpassam os trabalhadores e usuários do território.
Essas estratégias possibilitam o cuidado e a atenção psi-
cossocial às pessoas em sofrimento psíquico, orientadas
pela demanda dos sujeitos, da região e da rede, articulando
a atenção primária/PSF e as ERSM (BRASIL, 2011).
O matriciamento ou apoio matricial é um novo modo
de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num pro-
cesso de construção compartilhada, criam uma proposta
de intervenção pedagógico-terapêutica. No processo de in-
tegração da saúde mental à atenção primária na realidade
brasileira, esse novo modelo, tem sido o norteador das ex-
periências implementadas em diversos municípios, ao lon-
go dos últimos anos. Esse apoio matricial, formulado por
Gastão Wagner Campos (1999), tem estruturado em nosso
país um tipo de cuidado colaborativo entre a saúde men-
tal e a atenção primária. Tradicionalmente, os sistemas de
saúde se organizam de uma forma vertical (hierárquica),
com uma diferença de autoridade entre quem encaminha
um caso e quem o recebe, havendo uma transferência de
responsabilidade. A comunicação entre os dois ou mais ní-
veis hierárquicos ocorre, muitas vezes, de forma precária e
irregular, geralmente por meio de informes escritos, como
pedidos de parecer e formulários de contra referência que
não oferecem uma boa resolubilidade. A nova proposta in-
tegradora visa transformar a lógica tradicional dos sistemas
de saúde: encaminhamentos, referências e contra referên-
cias, protocolos e centros de regulação. Os efeitos buro-
cráticos e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem
vir a ser atenuados por ações horizontais que integrem os

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profissionais e seus saberes nos diferentes níveis assisten-
ciais (BRASIL, 2011).
O trabalho segue repensando a lógica de encaminha-
mentos e buscando romper com o modelo tradicional e
trabalhar com a lógica da responsabilização compartilhada
dos casos de saúde mental, aumentando, assim, a capa-
cidade resolutiva dos problemas de saúde através de dis-
cussões agregadas de casos, intervenções conjuntas junto à
família e comunidades ou em atendimentos conjuntos pela
equipe (MELLO; MELLO; KOHN, 2007).
Na situação específica do Sistema Único de Saúde
(SUS) no Brasil, as equipes do Programa de Saúde da Fa-
mília/PSF ou Unidade Básica de Saúde/UBS funcionam
como equipes de referência interdisciplinares, atuando
com uma responsabilidade sanitária que inclui o cuidado
longitudinal, além do atendimento especializado que rea-
lizam concomitantemente. Segundo Campos e Domitti
(2007, p. 400 apud BRASIl, 2011, p. 14), a relação entre
essas duas equipes constitui um novo arranjo do sistema
de saúde: “apoio matricial e equipe de referência são, ao
mesmo tempo, arranjos organizacionais e uma metodologia
para gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as
possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração
dialógica entre distintas especialidades e profissões. ”
O apoio matricial é distinto do atendimento realizado
por um especialista dentro de uma unidade de atenção
primária tradicional. Ele pode ser entendido com base no
que aponta Figueiredo e Campos (2009, p. 130 apud BRA-

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
SIL, 2011, p. 14): “um suporte técnico especializado que
é ofertado a uma equipe interdisciplinar em saúde a fim
de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações. ”
Ainda segundo Brasil (2011, p. 14), matriciamento não
é: encaminhamento ao especialista; atendimento indivi-
dual pelo profissional de saúde mental; intervenção psicos-
social coletiva realizado apenas pelo profissional de saúde
mental. E “[...] deve proporcionar a retaguarda especiali-
zada da assistência, assim como um suporte técnico-peda-
gógico, um vínculo interpessoal e o apoio institucional no
processo de construção coletiva de projetos terapêuticos
junto à população” (p. 14-15). Adquire características di-
versas da supervisão, “[...] pois o matriciador pode parti-
cipar ativamente do projeto terapêutico. O matriciamento
constitui-se numa ferramenta de transformação, não só do
processo de saúde e doença, mas de toda a realidade des-
sas equipes e comunidades” (p 15).
Quando solicitar um matriciamento? Pegando esta per-
gunta que nos provoca o Guia prático em matriciamento
em saúde mental, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011)
e a demanda encaminhada às ERSM-IJ, pensamos em le-
var essa experiência também para as escolas e construir a
partir destes encontros novas formas de cuidado em saúde
mental no território.
O referido guia orienta que a equipe de referência pode
solicitar um matriciamento sempre que:

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- Em casos em que a equipe do PSF sen-
te necessidade de apoio da saúde mental
para abordar e conduzir um caso que exi-
ge, por exemplo, esclarecimento diagnós-
tico, estruturação de um projeto terapêu-
tico e abordagem da família.
- Quando se necessita de suporte para
realizar intervenções psicossociais espe-
cíficas da atenção primária, tais como
grupos de pacientes com transtornos
mentais.
- Para integração do nível especializado
com a atenção primária no tratamento de
pacientes com transtorno mental, como,
por exemplo, para apoiar na adesão ao
projeto terapêutico de pacientes com
transtornos mentais graves e persisten-
tes em atendimento especializado em um
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
- Quando a ERSM sente necessidade de
apoio dos profissionais do PSF ou de ou-
tros dispositivos, na condução do caso,
onde o saber de outros profissionais pode
contribuir e muito na condução do caso e
nas dificuldades das relações pessoais ou
nas situações especialmente difíceis en-
contradas na realidade do trabalho diário
com o usuário e seus familiares, favore-
cendo assim o processo de corresponsa-
bilização sobre o caso matriciado. (BRA-
SIL, 2011, p. 15).

Ainda segundo o referido guia:

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
No processo de construção coletiva do
projeto terapêutico entre as duas equi-
pes – a de referência (PSF) e a de apoio
matricial –, profissionais de diversas es-
pecialidades compartilham o seu saber
ao se depararem com a realidade exposta.
[...] Profissionais matriciadores em saúde
mental na atenção primária são psiquia-
tras, psicólogos, terapeutas ocupacio-
nais, fonoaudiólogos, assistentes sociais,
enfermeiros de saúde mental. Portanto,
o processo de saúde-enfermidade-inter-
venção não é monopólio nem ferramen-
ta exclusiva de nenhuma especialidade,
pertencendo a todo o campo da saúde.
Isso torna o matriciamento um processo
de trabalho interdisciplinar por natureza,
com práticas que envolvem intercâmbio e
construção do conhecimento. Esse novo
modo de produzir saúde situa-se dentro
da perspectiva do pensamento construti-
vista que trabalha com a hipótese de uma
eterna reconstrução de pessoas e proces-
sos em virtude da interação dos sujeitos
com o mundo e dos sujeitos entre si. Essa
capacidade se desenvolve no matricia-
mento pela elaboração reflexiva das ex-
periências feitas dentro de um contexto
interdisciplinar em que cada profissional
pode contribuir com um diferente olhar,
ampliando a compreensão e a capacida-
de de intervenção das equipes. (BRASIL,
2011, p. 16).

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 22


Com esse cenário teórico favorável pensamos em trans-
por a teoria à prática também no ambiente educacional.
Ações de matriciamento que aconteciam muitas vezes
dentro dos muros da UBS/PSF e com pontos da rede,
como os dispositivos do SUAS, foram base para propor-
mos aos casos encaminhados pelas escolas para a UBS/
PSF, fortalecendo assim os compartilhamentos das situa-
ções atendidas e as relações entre os profissionais e os di-
versos saberes. A aposta era adaptar os recursos teóricos
que tínhamos às questões da escola, desse modo avaliações
e acompanhamentos aconteceriam após as discussões de
casos e de ações. E outro ponto fundamental, quem fazia
o que? Essa é a proposta do matriciamento, qual a res-
ponsabilidade de cada trabalhador na condução do caso.
O que, cada um com seu saber, poderia contribuir para o
acolhimento e acompanhamento do caso?
Isso posto, a ERSM-IJ juntamente com a gestão cole-
giada, propôs um primeiro encontro com as escolas a fim
de se conhecerem (ponto fundamental, visto que muitas
vezes os encaminhamentos eram feitos através de papéis
ou telefonemas – conhecer as pessoas é dar um rosto aos
nomes, só conhecidos até então por meio de encaminha-
mentos escritos ou por telefone) e apresentarem a proposta
de matriciamento. Esse primeiro encontro foi importante
para esclarecer algumas dúvidas e também perceber o que
angustiava os profissionais das escolas, construindo a partir
destes encontros um espaço coletivo de discussão.

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
A relação entre as escolas e a saúde mental nem sempre
foi fácil, enquanto equipe de saúde mental tínhamos a sen-
sação de que as escolas esperavam que nós conseguiríamos
responder a todas a demandas, como dificuldades aprendi-
zagem, de comportamento, déficits de linguagem, TDAH
e outros, enfim, não faltava demanda! As escolas tinham
outra visão: a saúde mental não recebe nossos encaminha-
mentos e não responde às nossas demandas da forma que
esperamos.
Tínhamos demandas demais e profissionais de menos
para responder às expectativas das escolas, famílias e tam-
bém da ERSM-IJ. E será que tínhamos que responder a
todas?
Precisávamos qualificar essa relação, organizar essa rede
cheia de furos, para que não ficassem “presas” crianças que
não deveriam estar ali.
As dificuldades eram muitas...
Nem todas escolas podiam contar com o profissional
psicopedagogo, quando alguma escola contava com este
profissional ele não era concursado ou era contratado para
exercer a função de professor ou outra, não sendo legítima
a sua atuação enquanto psicopedagogo. No município exis-
tia o CRAEI – Centro de Referência e Apoio à Educação
Inclusiva, mas por questões de diagnósticos e de deman-
da reprimida tinham problema também de receber todos
os encaminhamentos das escolas. Dificuldades apareciam
nos encaminhamentos da UBS/PSF: as crianças não eram
acolhidas pois o motivo do mesmo não era uma “demanda

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 24


de saúde mental e sim de dificuldade de aprendizagem”.
A escola e os profissionais se viam perdidos sem saber
para onde e como encaminhar crianças e adolescentes que
apresentam algum distúrbio de aprendizagem, comporta-
mento e outros.
O que observamos era que as escolas que possuíam a
sala recurso conseguiam qualificar mais os encaminha-
mentos e isso já era um dado interessante. Diante das difi-
culdades encontradas pelas escolas de conseguir bom êxito
em seus encaminhamentos e da ERSM-IJ de qualificar os
atendimentos, era preciso garantir um novo modo de cui-
dado em saúde mental.
Na reunião de apresentação ficou mais claro as dúvidas
dos profissionais das escolas e também o papel das ERS-
M-IJ e com isso conseguimos traçar planos de ação que
pudessem diminuir as “falhas” nos encaminhamentos e nas
suas acolhidas.
Foram propostos encontros mensais com os profissio-
nais das escolas e a ERSM-IJ com agendamento dos casos
para matriciamento, com todos os pressupostos que isso
implica, com o objetivo de produzir e estimular padrões
de relação que perpassem as equipes, favorecendo a troca
de informações e a ampliação do compromisso dos profis-
sionais com a produção de saúde, acolhimento, vínculo e
corresponsabilização pelos casos.
Nos primeiros encontros já observamos um aspecto im-
portante. Com a criação do espaço de construção e discus-
são, as equipes das escolas estavam mais seguras quanto

Uma experiência de matriciamento em saúde


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mental infanto-juvenil com escolas
aos casos. Elas sabiam que teriam um espaço para falar da
angústia que estes provocavam no ambiente escolar e nas
famílias e que seriam escutadas.
Outro ponto importante que o matriciamento pro-
porcionou foi a qualificação da demanda, o que deixava
a ERSM-IJ muito atribulada, pois diante de uma avalan-
che de encaminhamentos era sabido que casos graves es-
tavam ficando sem o atendimento e o acompanhamento
necessários.
Foi proposto também que convidássemos a equipe do
CRAEI para participar de algumas reuniões, principalmen-
te quando tivéssemos casos que poderiam ser beneficiados
se acompanhados pelo referido dispositivo. Pensando na
metodologia do matriciamento é importante ressaltar que
outros atores que fazem parte da rede e do território, como
Conselhos Tutelares, Juizados e Promotoria da Infância e
outros equipamentos do Sistema de Garantia de Direitos,
além do CRAS, CREAS (equipamentos do Sistema Úni-
co de Assistência Social – SUAS) assim como outros dis-
positivos da política pública (Esporte, Cultura, Habitação
etc.), seriam também incluídos nas reuniões de matricia-
mento, fazendo valer todos os pressupostos metodológicos
deste trabalho. Mas era preciso iniciar, e principalmente
antes de ampliar a discussão, organizar os encaminhamen-
tos deste importante dispositivo – escolas – na política de
saúde mental infanto-juvenil.
Um ponto que precisa ser observado desta experiência: ela
começou a acontecer já no meio do segundo semestre e as

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 26


férias escolares já “batiam nas nossas portas”. O combinado
era que assim que o próximo ano letivo retornasse, no final
de janeiro, já marcaríamos as reuniões do primeiro semestre.
A questão foi que em janeiro, nós coordenadores de saúde
mental desta gestão colegiada, acabamos saindo desta fun-
ção e não acompanhando o desenrolar dos casos. Sabemos
que os encontros de matriciamento foram interrompidos por
um período na mudança da gestão da coordenação de saúde
mental, mas com uma nova modificação nesta coordenação
estava sendo avaliada e retomada esta proposta.
Esta experiência também aconteceu na região de Ci-
trolândia, bairro da periferia de Betim que na época apre-
sentava o menor IDH do município. Até março de 2018
a região contava com uma população de 21.207 pessoas
cadastradas no Sistema Integrado de Gestão de Serviços
de Saúde (SIGSS). Não foi relatada aqui esta experiência
apenas por uma questão de organização do texto e tempo
de explanação na Mostra, mas a experiência também nos
mostrou as mesmas dificuldades de encaminhamentos e
observamos resultados muito parecidos, mas com um pon-
to importante: o envolvimento maior da rede e da equipe,
o que nos fez avaliar que poderíamos estender a proposta
para todo o município, mas para isso precisaríamos recom-
por as ERSM-IJ em todo o território. Isso não era possível
no momento em função de corte de gastos com recursos
humanos pela gestão.
Entre saberes teóricos, questões práticas e organização
da gestão municipal compreendemos que o que sustenta

Uma experiência de matriciamento em saúde


| 27
mental infanto-juvenil com escolas
nossa prática é o desejo de construir uma rede de cuidados
integral à população. Entre sucesso e frustrações, a nossa
aposta era que esse sustentasse o diálogo como uma forma
de cuidado integral e acolhimento universal.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Saúde. Centro de Estudo de Pes-


quisa em Saúde Coletiva. Guia prático de matricia-
mento em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde,
2011.

CAMPOS, G. W. S. Equipes de referência e apoio espe-


cializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do
trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. .4, n. 2, p. 393-403, jan. 1999.

MELLO, M. F.; MELLO, A. A. F.; KOHN, R. (Org.). Epi-


demiologia da saúde mental no Brasil. Porto Alegre:
Artmed; 2007.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 28


História e memória do
serviço de Psicologia
Escolar da prefeitura
de São Paulo1

Carmem Sílvia Rotondano Taverna


Psicóloga (Universidade de Mogi das Cruzes), mestra em
Psicologia (Universidade São Marcos), doutora e pós-
doutora em Psicologia Social (PUC-SP). Professora no
curso de Psicologia do Centro Universitário Unicapital.
É pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em
História da Psicologia da PUC-SP, participa do Núcleo de
Educação e do grupo de trabalho História e Memória da
Psicologia no estado de São Paulo no Conselho Regional
de Psicologia – São Paulo.
carmemtaverna@gmail.com

1 Agradecemos à Deborah Barbosa e ao Renato Batista da Silva


pela transcrição da palestra proferida por Carmem Sílva Rotondano
Taverna na II Mostra de Práticas em Psicologia e Educação.
Iniciando minha conferência neste evento quero agra-
decer o convite e dizer um pouco da minha trajetória. Ori-
gino da Psicologia Escolar, fui contratada para o Serviço de
Psicologia Escolar da prefeitura de São Paulo. Enquanto
desenvolvia minha tese de doutorado, estudei história da
Psicologia e acabei neste serviço. Foi um trabalho que le-
vou em conta a minha memória, ou seja, um estudo que
envolve história e memória apoiando em documentos.
Além disso, participei das comissões do CRP-SP, tanto
de Psicologia Escolar e Educacional quanto de história da
Psicologia, conversando sempre com as duas áreas. E ulti-
mamente, como supervisora de estágio, pude supervisionar
um grupo de alunos que tinha interesse na área.
Neste sentido, para esta conferência vou apresentar
duas experiências que são frutos de um trabalho que co-
meça há mais de 43 anos e tenho como objetivo inspirar
nossas reflexões, nossas discussões. Então, começo con-
tando sobre um caso que eu chamei assim: “O caso do
Serviço de Psicologia Escolar da Prefeitura de São Paulo”.
Para mim, estamos sempre falando de um “entre” que nos
caracteriza como Psicologia Escolar. O trabalho do psicólo-
go na educação está sempre neste “entre”: entre a Saúde e
a Educação. Parece que isto nos caracteriza; este lugar “en-
tre”, que talvez seja essa nossa contribuição. Construir um
espaço que dialogue com a Psicologia, a Saúde e a Educa-
ção num “entre” esses diferentes conhecimentos.
E por que o Serviço de Psicologia Escolar da Prefeitura
de São Paulo é importante de ser lembrado? Por que este
caso é importante? Porque ele acontece numa prefeitura,

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 30


num serviço público. Claro que não é qualquer uma, é uma
prefeitura rica, da cidade de São Paulo, a maior da Amé-
rica Latina. Ele foi um projeto instalado em 1975, então,
há 43 anos, foi um projeto-piloto. Foi criado também por
iniciativa de uma psicóloga, Dra. Yvonne Khouri. Ela foi,
na época, uma psicóloga pioneira, que se tornou antes de
a gente ter a regulamentação da profissão. Era professora
de graduação onde ministrava conteúdos de saúde pública.
Ela estudou Filosofia na USP e fez curso de especialização
em psicologia Clínica, em meados dos anos 1950. Quando
a regulamentação da profissão de psicólogos no Brasil é
efetivada, Dra. Yvonne Khouri recebe o título de psicóloga
com registro por comprovar sua prática.
Nesse tempo ninguém era chamado de psicóloga. Os
psicólogos eram chamados de “psicologistas” e estavam
bastante ligados à psicotécnica. Então Yvonne Khouri ini-
cia esse trabalho prático em São Paulo e delimita o campo
da Psicologia Escolar na prefeitura deste município.
Nós fomos contratados como “Psicólogos Escolares”
tanto no cargo quanto na função, era esta a designação des-
te grupo pioneiro da prefeitura de São Paulo. Quem traba-
lha em serviço público entende o que estou falando. Algu-
mas não utilizavam a terminologia de “psicólogo escolar” e
tinha muita gente em desvio de função, como por exemplo,
professor que é psicólogo e não aparece em registro oficial
com essa denominação. Não sei como está isto hoje, mas a
Dra. Yvonne brigou muito para que os psicólogos tivessem
cargo e função de “psicólogo escolar” já naquela época.
Nós éramos 140 profissionais: 100 psicólogos escolares e

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
40 psicólogos clínicos. Estes clínicos atendiam às deman-
das da escola e eles também eram oriundos do Serviço de
Psicologia Escolar.
Quanto ao atendimento clínico, as clínicas na prefeitura
de São Paulo existem desde 1956, então, desde que o en-
sino primário foi instituído. Claro, as crianças começam a
frequentar os grupos das escolas públicas, e essas que não
correspondiam aos interesses, não retribuíam às expectati-
vas da escola, eram encaminhadas às clínicas. E lá se fazia
um diagnóstico básico daqueles que a gente aprende até
hoje na faculdade, e depois se conduzia para as psicotera-
pias. Nessa época se fazia apenas um trabalho individual.
Nos anos 1980 a clínica também se revê e começa a pensar
em outros tipos de trabalho, em um de cunho mais institu-
cional e grupal.
Então, a Psicologia Clínica era a principal área, mesmo,
de orientação, o que parece que continua até hoje. Nós,
psicólogos escolares e educacionais, quase éramos os pri-
mos pobres. Em termos simbólicos nós éramos os “pobres”
e o pessoal da Psicologia das Organizações e do Trabalho
eram os nossos colegas ricos. O pessoal que trabalhava em
consultório tinha muita dificuldade em fazer a carreira na
Psicologia clínica e, claramente, nós sabemos que fazer a
carreira clínica e ter uma independência financeira demora
de 15 a 20 anos. Quem quer, em geral, no início, atende
poucas pessoas que não podem pagar, além de que o pro-
fissional precisa estudar muito, gastar muito com terapia
pessoal, supervisão, etc.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 32


É importante destacar que, quando a Dra. Yvonne
Khouri propõe trabalhar a Psicologia Escolar na prefeitura
ela coloca em cheque o imaginário do que o psicólogo faz
na escola. Porque a escola esperava um trabalho do psicó-
logo na perspectiva médico-clínica e ela propõe que nós le-
vássemos um outro modo de trabalho. Um exemplo que eu
posso contar é: quando eu cheguei numa escola, em 1978,
a diretora disse assim: “Ué, cadê o seu jaleco? ”. Eu então
respondi: “Eu não uso jaleco”. A diretora diz ainda: “Venha
para eu mostrar seu gabinete”. E me leva para um anexo da
escola, para uma saleta onde eu deveria trabalhar e me diz:
“É aqui que você vai ficar”. E então você percebe que você
não pode entrar em sala de aula, você não pode entrar na
cozinha, enfim, eu senti que eu não podia me mexer dentro
da escola. E consegui ficar pouquíssimo tempo lá, logo foi
possível minha transferência, mas eu ficava na porta do
pátio, e a única pessoa com quem eu podia conversar era
o professor de Educação Física. Então, eu começo a traba-
lhar com os adolescentes, mas aí proíbem os adolescentes
de ficar fora do horário de Educação Física. Quer dizer,
ou eu fazia aquela clínica tradicional ou não tinha como
trabalhar. A saída que eu tive foi sair desta escola, que me
colocava apenas esse modelo de atendimento.
A minha colega que foi em seguida tinha uma formação
clínica. E eu conversei com ela antes, e ela já chegou de
jaleco, e ela foi fazer então uma Psicologia que não era a
proposta do projeto da Dra. Yvonne Khouri. Mas é preci-
so dizer que alguns psicólogos sobreviviam fazendo o que
a escola queria. Eu acho que isto nós temos até hoje, eu

História e memória do serviço de Psicologia


| 33
Escolar da prefeitura de São Paulo
acho que é uma grande questão, até onde a gente pode
elaborar um próprio projeto de acordo com um certo pen-
samento, uma certa teoria, e quantas vezes a gente fica re-
fém do pedido da escola e do que a escola quer que a gente
faça. Eu escuto pedidos sobre laudos de crianças. Ou seja,
nós já falávamos disso há 43 anos.
Então, este nosso projeto foi um desafio, em 1975, para
Dra. Yvonne, inclusive porque, a gente estava ainda na di-
tadura civil militar. Nós tínhamos certa abertura democrá-
tica, mas a gente vivia em um regime extremamente auto-
ritário. A proposta da Dra. Yvonne Khouri era um projeto
de abrangência comunitária, profilática. O que acontecia
nesse momento, depois da lei de 1971, das diretrizes e ba-
ses para o ensino de primeiro e segundo grau, é uma am-
pliação da abertura de vagas nas escolas. Se queria abrir
a escola para todos. E é verdade. Começaram a construir
muitas escolas e muitas crianças que nunca tinham ido à
escola, filhos de famílias que, também, nunca tinham ido
à escola, filhos de pessoas analfabetas, estavam indo para a
escola. Mas para receber uma educação e para receber um
programa que supunha que eles vinham de uma camada
média da população e letrada. Consequência: as crianças
não aprendiam e repetiam de ano.
Então a gente tinha, nesse momento, uma questão de
um índice muito elevado de repetência na primeira série e
chamávamos essas crianças de multirrepetentes. Foi um
grande problema para nós. Este se tentou resolver por meio
do projeto de progressão continuada, mas que também não

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 34


deu certo, pois virou o que tem sido chamado de aprova-
ção automática e deu no que deu, todo mundo sabe. En-
tão, veja, nós éramos psicólogos, e nós tínhamos que com-
preender toda a relação da escola com a sociedade, então a
gente sai daquele lugar do psicólogo clínico tradicional e se
aproxima da Psicologia Social para poder entender quem
eram as crianças que estavam lá, quem eram os professores
que pretendiam ensinar essas crianças. Nós trabalhávamos
mediando (hoje eu vou usar a palavra mediando, na época
eu não usava essa palavra cheia de ação). Naquela época
a gente trabalhava em ações integrando as pedagogas, que
eram assistentes pedagógicos e orientadores educacionais,
os professores, os diretores e os pais em todo o processo
educativo. Então transitávamos em todos os segmentos e,
sempre que possível, individualmente com cada segmento.
Dependia muito do diretor da escola se aceitava. Aquela
diretora primeira que eu fui trabalhar eu não pude fazer
nada, mas uma outra, quando eu cheguei na escola ela
disse: “Sente aí”. Depois eu soube que tinha aquela tal
“cadeirinha” que todo mundo que chegava na escola ela
mandava sentar e perguntava o que tinha estudado, no que
acreditava, ela era uma pessoa terapeutizada, já tinha longo
contato com psicólogos e fui de peito aberto. Isso era já
1979 e fui contando tudo que eu acreditava e que fazia, e
ela disse: “Você vai poder ficar porque a nossa equipe pre-
cisa de você”. Então já tinha um trabalho de equipe. Este
grupo desta escola se reúne até hoje pelo menos duas vezes
ao ano. A gente ainda discute as questões de Educação,
apesar de estarmos atualmente todas aposentadas.

História e memória do serviço de Psicologia


| 35
Escolar da prefeitura de São Paulo
Mas o que quero ressalta é a importância do trabalho ser
apoiado pela direção, o contato com psicólogo e a propos-
ta da diretora ou diretor é fundamental. Eu acredito que
o nosso trabalho começa a partir dessa parceria. Quando
há uma compreensão do que podemos realizar na escola.
Nessa época, foram poucos os psicólogos que conseguiam
concretizar um trabalho com equipes, mas foi a partir disto
que a gente conseguiu apresentar trabalhos, publicar um
livro e pôde fazer um caminho novo para a Psicologia Esco-
lar. O livro foi publicado em 1984 e tem como título “Psi-
cologia Escolar” da Coleção Temas Básicos de Psicologia,
organizado por Yvonne Khouri, editora EPU.
Toda esta história tem como precedentes o início da
prática em Psicologia Escolar na cidade de São Paulo que
remonta a existência de equipes de recreadoras nos par-
ques infantis da cidade. O que acontece na cidade de São
Paulo também é interessante falar. Em 1935 o prefeito re-
solve instalar parques infantis. Naquela época na cidade
de São Paulo começam a se desenvolver as fábricas princi-
palmente na Zona Leste da cidade e as mulheres trabalha-
doras precisam de um local para deixar seus filhos. Então o
prefeito cria quatro parques infantis, com o objetivo de re-
creação, de gerar saúde e alimentação para essas crianças.
Então, nestes parques existiam atividades como cuidar das
crianças para eliminar os piolhos, sarna e, ainda, oferecer
atividades físicas e alimentos.
A partir dos anos 1940 já se observa o desenvolvimento
de um setor de Psicologia Clínica que teve como criado-
ra a Dra. Yvonne que já trabalhava na prefeitura. Então

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 36


ela assume esse setor e cria um departamento de Educa-
ção, Assistência e Recreio. As professoras eram chamadas
“jardineiras”.
E a Dra. Yvonne Khouri fica atenta às inovações, às trans-
formações da década de 1970, e vai acompanhando as trans-
formações da escola pública que culmina com a proposta
dela de criar em 1975 o serviço da Psicologia Escolar. Ela
observou os índices significativos de reprovação das primei-
ras séries e este vem a ser seu objeto de tese de doutorado
em 1974. Ela faz então estudos com o objetivo de conhecer
a realidade escolar e pensar já num plano para a Psicolo-
gia. Ela desconfiava, nesse momento, de que os alunos que
repetiam de ano, o faziam porque tinham algum problema
psicológico. Ela falava: “Não é possível. Sabendo quem são
essas crianças e como se constitui a escola, acho que temos
que estudá-las”. Então, ela vai lá e estuda.
Yvonne Khouri já falava nesse momento em fracasso es-
colar. É importante dizer isto, porque parece que o fracasso
escolar tem dono depois de 1980, mas este conceito tem
sido estudado há muito mais tempo. O fracasso escolar era
motivo de cerca de 80% dos encaminhamentos para as clí-
nicas psicológicas. Até hoje, eu acho que inclusive, nos con-
sultórios particulares. E como pesquisou Marilene Proença
no doutorado, geralmente são crianças do sexo masculino
que são encaminhadas. E aí ela vai defender a necessidade
de adequação de programas e metodologias educacionais e
de que ações profiláticas na área da saúde adentrem o uni-
verso escolar. Então, como dissemos antes é de âmbito esco-
lar e também é de saúde. Já estamos no “entre”.

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
Observa-se que há uma mudança de olhar para o fracas-
so escolar, destacando que o problema não é só da crian-
ça, nem só da sua família ou só da escola. Porque a gente
individualizava o problema no infante e, quanto à escola,
ninguém questionava os programas e metodologias. Então
Dra. Yvonne Khouri vai defender isto no projeto, que as
ações poderiam ser realizadas de modo integrado: psicó-
logos, pedagogos, professores e pais na escola. E é assim
que ela pensa em constituir o serviço de Psicologia Escolar.
Na época, tinha uma outra palavra que era psicopedagogia.
Ela não fala disso, ela fala de Psicologia Escolar, e já na
perspectiva que integrava a criança, os professores, a equi-
pe da escola e os pais. O psicólogo seria um profissional
muito importante, para estar, inclusive, pensando todos os
problemas da criança, do professor, do material pedagógi-
co, da família e da própria escola.
Então ela continuou o serviço de Psicologia Clínica
para aqueles alunos que necessitavam de psicodiagnóstico
e psicoterapia, mas ao mesmo tempo, propõe à Secreta-
ria de Educação um projeto-piloto em Psicologia Escolar.
Este é proposto em 1975 e é efetivado em 1978. E Yvonne
Khouri coordenava esses dois serviços – de clínica e esco-
lar. Toda a sessão de Psicologia da prefeitura de São Paulo
era chefiada por ela, e uma curiosidade: nós trabalhávamos
em duas escolas durante quatro dias da semana. Mas um
dos dias da semana ela instituiu uma reunião de equipe
com todos os psicólogos escolares. Foi outra providência
que ela tomou, porque no nosso trabalho nós somos muito
solitários, a gente troca pouco, a gente conversa pouco. E

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 38


ela determina um dia de trabalho só para o encontro en-
tre os profissionais, justificando que nosso trabalho seria
muito mais confiável, porque além de trocar experiências a
gente estudava, e chamava pessoas, ia atrás de supervisão,
era um momento de capacitação. Em outras palavras, ela
valorizava a formação do trabalhador. Hoje há psicólogos
que ganham por produção e muitos que estão em posi-
ção de chefia não permitem um espaço de troca entre os
profissionais.
Neste momento, então, de instalação do serviço, a gen-
te já buscava uma identidade do psicólogo escolar. Parece
que buscamos até hoje, porque se pensarmos nas referên-
cias técnicas para atuação do psicólogo na Educação Bási-
ca (CREPOP/CFP, 2013), quando o CREPOP faz a pes-
quisa, e estes respondem, eles claramente estão buscando
uma identidade.
Esta é uma questão que eu defendo, o fato do psicólogo
ter claro sua própria identidade. E aos psicólogos me per-
gunto, será que eles fazem a sua prática a partir da sua teo-
ria de base, seu fundamento? Ou ficam ao sabor do desejo
do contratante, que é a escola ou é a secretaria? A prática
fica muito mais coerente, com base nestes fundamentos,
com base em toda crítica que a gente faz à própria Psicolo-
gia, e também não discutimos a questão da medicalização
por nada. Acho que a gente falhou aí numa melhor defini-
ção desta identidade.
Em 1979 Dra. Yvonne se aposentou, ficou como profes-
sora na PUC-SP e passou a colaborar com o Conselho Fe-

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
deral de Psicologia, participando de todo o processo de re-
democratização pelo nosso Conselho Federal e no Conselho
Regional de São Paulo. Para mim gente, ela sempre foi com-
panheira, ela sempre respondeu a todos os meus pedidos de
ajuda. Ela estava doente quando eu estava qualificando a
tese de doutorado, mas ela me recebeu na casa dela, quali-
ficou minha tese, foi muito atenciosa. Esse trabalho, talvez
vocês já tenham visto. Este livro da Yvonne Khouri (Temas
Básicos em Psicologia: Psicologia Escolar, Khouri, 1984)
reúne experiências do pessoal na prefeitura de São Paulo no
atendimento com mães, com professores, com alunos… E
foi extremamente usado na época da publicação.
Entre os anos 1980 e 1985, a nossa grande chefe, dra.
Yvonne, não estava mais conosco, estava lá para o que pre-
cisasse, mas ela não era mais a nossa chefe. Tivemos outras
chefes e sempre tentávamos definir quem era o psicólogo
escolar. Nessa época tinha uma coisa assim: “Ah, o psicó-
logo não tem que ficar no departamento de saúde escolar,
ele tem que ficar no departamento de planejamento e ele
tem que trabalhar com os pedagogos e com os professores
especialistas de área”. Chegamos a mudar para o departa-
mento de planejamento por questões políticas, inclusive.
O departamento de saúde escolar não tinha só psicólogo.
Tinha médico escolar, tinha dentista escolar, tinha fonoau-
dióloga (a fono não era escolar, ela atendia nas clínicas).
Eram profissionais de saúde trabalhando na Secretaria de
Educação. Então foi sempre uma complicação o lugar onde
estaríamos lotados. Hoje, parece que isso já está resolvido,
né? Quem é da Saúde está na Saúde, quem é da Assistên-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 40


cia Social está na Assistência Social. Quem é da Educação
na Educação, não é? [Momento de interação com a plateia.
Uma pessoa da plateia diz que não e explica que em Minas
Gerais é comum que um psicólogo atenda todas as deman-
das da cidade]. Então, um psicólogo que atende a cidade
toda? Fica mais complicado ainda se o psicólogo não tem
um projeto de trabalho. Porque daí ele não tem nem o que
negociar com o prefeito. Porque sobra para ele negociar com
o prefeito, e vai negociar o quê? Se ele não tem plano?
No caso da prefeitura de São Paulo cada psicólogo atendia
no máximo duas escolas e suas funções estariam correlacio-
nadas com encaminhamento. A gente tinha poucas funções
escritas no papel, ninguém nos perturbava muito. Então eles
diziam assim: “Mas você vai encaminhar”? E a gente respon-
dia. “Posso encaminhar, vamos ver se precisa ou não. Tem que
ver primeiro”. E aí a gente ia negociando. No início fazíamos
grupos com crianças. A psicomotricidade estava no auge. A
gente se estruturava, fazia cursos, e fazia grupos com crianças.
Além disto, tinha um trabalho com professor.
Na primeira escola que eu trabalhei eu fiquei próxima
do professor de Educação Física e depois eu trabalhei mui-
to com outros desta disciplina atuando com psicomotri-
cidade. Também realizava o trabalho com mães e com a
classe que nós chamávamos de ‘experimental’. Nesta, ti-
nham crianças mais velhas com dificuldades em algumas
matérias, era chamada de classe de aceleração ou reforço.
Cada escola denominava de uma forma. Sempre monta-
vam uma desse tipo.

História e memória do serviço de Psicologia


| 41
Escolar da prefeitura de São Paulo
Além disso, queríamos e precisávamos participar de
grupos de pesquisa, e a prefeitura de São Paulo sempre
foi um lugar interessante para estágio. Então os psicólogos
escolares recebiam estagiários. Assim, nós montávamos
uma proposta de trabalho com alunos, com pais, com pro-
fessores, com a diretoria. Se olharmos para esse final dos
anos 1980 e olharmos para hoje, a queixa escolar ainda é
determinante para que o trabalho se realize.
Entre os anos 1986 e 1989 no Brasil a gente teve um
período de muito desânimo. Teve a morte do Tancredo,
Sarney assumiu o poder, o Brasil viveu uma hiperinflação,
era um desânimo, era um desastre... Então, apesar de a
ditadura ter formalmente acabado ainda teve esse período
conturbado.
Interessante que, em São Paulo, elegemos Jânio Quadros
como prefeito que tinha sido Presidente da República, então
ele dizia assim: “Vão fazendo o que vocês sempre fizeram”.
Nada que nos animasse. Ao contrário! Cada psicólogo tinha
se isolado em sua escola. Não tinha mais reuniões de traba-
lho para se encontrar. Essas reuniões terminaram, e ficamos
assim até 1989, que teve a mudança de administração para
o governo da prefeitura Luíza Erundina.
A gente tinha uma associação de psicólogos da prefei-
tura extremamente atuante, que não era só de psicólogos
escolares. Isso [o período de 1986 a 1988] foi de um im-
passe ferrenho para a gente. Muita gente foi embora. Foi
um tempo de desesperança, de frustração para muitos psi-
cólogos. Então foi muito triste tudo isso...

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 42


Em 1989, mudou a administração e entendeu-se que
estes profissionais de saúde escolar, incluindo os psicólo-
gos clínicos e escolares não deveriam ficar na secretaria de
Educação. Deveriam ficar na secretaria de Saúde porque
havia sempre o lugar desses psicólogos nas UBSs, nos hos-
pitais, nos centros de convivência. E, além disto, os mes-
mos tinham conseguido um adicional de salário de 95%,
quase o dobro. E aí o serviço de Psicologia Escolar da Se-
cretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo é extinto
e os psicólogos são transferidos para a Secretaria de Saúde.
Vou confessar que muita gente adorou que isso acon-
teceu porque disseram assim: “Agora eu vou fazer o que
eu sei fazer”. A Psicologia Escolar, para alguns psicólogos,
sempre foi um bico. A atividade principal era a clínica. Ir
para o serviço de saúde e fazer psicoterapia individual ia ao
encontro do desejo destas pessoas. Mas de qualquer ma-
neira, extinguiu o serviço e fomos todos transferidos.
Foi a gestão do PT no executivo, e o secretário de Educa-
ção era Paulo Freire. Alguns poucos psicólogos não aceitaram
ser transferidos da Secretaria de Educação para a Secretaria de
Saúde, então a gente foi até o Paulo Freire dizendo: “Queremos
ficar na Educação”, e ele nos aceitou, mas não na escola. Ele
nos aceitou num módulo intermediário em que cada psicólogo
faria parte de uma equipe para trabalhar alguns temas como
educação sexual, pré-escola, educação de jovens e adultos, etc.
Eu, por exemplo, fiquei em uma equipe que fazia integração
de crianças da quarta para a quinta série. Eram várias equipes.
Mas a gente ainda conseguiu ganhar a tal verba de 95% que foi
designada para quem foi para Secretaria de saúde.

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
Então ficou ótimo... A gente não estava diretamente na
escola, mas muito próximos, pensando projetos que essa
administração entendia como importantes para a escola.
Até que vem a notícia de que, como a gente não estava na
saúde, não podíamos receber o aumento de 95%. Eu pen-
sei o seguinte: 95% de zero é zero. Era muito pequeno o
salário. Pensei: “Vou fazer outra coisa para ganhar dinheiro,
mas vou ficar aqui”. E fiquei mais um pouco... fiquei para
apagar a luz. Mas aí ia mudar a gestão da prefeitura de novo
e a perspectiva era de uma condição muito pior porque era o
Paulo Maluf. Nesta administração os profissionais de saúde
tiveram que colocar os seus bens à disposição da prefeitura,
porque o prefeito pretendia fazer cooperativas. Quer dizer, a
gente não seria mais servidor, ia virar contrato terceirizado...
aí eu fui embora. Decidi sair. Isso foi em 1994. Eu fiquei na
Prefeitura de São Paulo de 1978 a 1994.
Mas acho que esse pensamento da história contribui
para vislumbrar o futuro. A gente não pode considerar que
a história anda em linha reta. As forças são diversas: políti-
cas, econômicas, culturais, e não temos considerado isto.
Forças e tendências diversas, embates diversos... E aí a
gente pode compreendê-los não só neste caso da cidade de
São Paulo, mas os que se dão hoje, nesse tempo presente.
Ao estudar este caso, eu comentava com algumas pessoas
que eu posso, sim, fazer a história do tempo presente. Cla-
ro, vou usar a minha memória, mas os documentos vão
dizer: “Olha, ela não está louca, isso aconteceu”.
E nesse tempo a gente pode avançar para o que alme-
jamos, eu e um grupo, para a educação e para a Psicologia

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 44


Escolar. Para a educação a gente almeja sempre: a efetivação
de uma prática democrática, o sucesso escolar e a garan-
tia de direitos. Isto é fundamental. Não podemos esquecer
os fundamentos teóricos básicos: o respeito aos estágios
de aprendizagem e desenvolvimento de todos, de todas as
crianças e adolescentes, incluindo aquelas com necessida-
des educativas especiais e em cumprimento de medidas so-
cioeducativas, em privação de liberdade. Estes grupos são
tão excluídos e tão mal olhados que, eu acho, um bom co-
meço para atingir a prefeitura inteira. Quem está privado de
liberdade, quem está abandonado... ou seja, quem deve ser
foco do nosso trabalho, aqueles que mais precisam.
E à Psicologia Escolar, a gente busca conquistar um es-
paço na instituição e, aí sim, nos apropriarmos e interfe-
rirmos na elaboração e execução das políticas públicas da
Educação. É estar lá dentro discutindo junto, em uma re-
lação horizontal, com pedagogos, com assistentes sociais,
com gestores, com diretor, numa relação de igualdade. E
aí sim, com um trabalho que se adequa à perspectiva de
compartilhar informações e reflexões a partir do lugar que
se originam os problemas, que é a própria escola.
Precisamos melhorar esse compartilhar com outros pro-
fissionais. O Paulo Freire falava disso, dessa mania autoritá-
ria que nós psicólogos temos de falar. Às vezes a gente tem
muita dificuldade em compartilhar informações e reflexões
necessárias. As vezes não tem fundamento dizer que não po-
demos compartilhar informações. E às vezes dizemos que
não podemos só para chegar naquele lugar de usar jaleco,

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
uma pastinha, uma maleta, de ocupar um lugar que diz para
o outro o que fazer e não se coloca como igual ao outro.
Temos que ampliar nossa intervenção considerando
que a origem das questões de aprendizagem é na escola.
Mesmo que tenham outros problemas, o trabalho na esco-
la pode ajudar. Ele sempre pode potencializar para o bem.
Não precisa esperar que a pessoa fique bem. Não! Você
pode fazer algo. E pode fazer no contexto da escola.
Tem uma experiência de uma colega que ela era uma
psicóloga clínica e eu escolar. E eu encaminhei uma crian-
ça para ela, e esta atendeu simultaneamente. A mãe vi-
nha conversar comigo e tinha na escola mais três filhos. E
quando vinha ela trazia o aluno e mais três filhos. E a gente
conversava e fazia um relato integrado, minha colega atua-
va na perspectiva clínica e eu na perspectiva escolar junto
com a professora e com a coordenadora da escola. No iní-
cio do trabalho ninguém dava nada por ele e no fim do ano,
a classe o escolheu para desenhar a capa do livro da turma.
Ou seja, o trabalho fez diferença. Alguma coisa é possível.
Para terminar eu gostaria de dizer que participei da ela-
boração das Referências Técnicas para atuação do psicó-
logo na educação básica. Essas referências estão online. E
acho que é bom relembrar do ano da Educação, de 2008
que também tem textos que estão online.
Agora eu vou para a segunda parte. Pode?

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 46


SEGUNDA PARTE: UMA
PRÁTICA DE ESTÁGIO

SURGIMENTO DA DEMANDA
Então gente, depois disso tudo, que estudei e me de-
diquei ao trabalho na comissão de Educação do Conselho
Regional de Psicologia, colaborei nas referências, eu voltei
a dar aula. Fiquei um tempo parada, me aposentei e depois
voltei.
Quando estava dando aula para discentes dos últimos
semestres, ministrei um estágio específico em Psicologia
Institucional. Na instituição que eu dou aula existe a ên-
fase na área da saúde, mas um grupo me procurou falando
do interesse na área escolar. Eles disseram assim: “A gente
quer fazer escolar”. Então eu tive esse desafio: como pen-
sar escolar num grupo que é da saúde? E comecei a pensar
o que eu tinha a oferecer a eles. Era algo que, fosse da área
deles, para terem contato com a escola e parar com essa
coisa de encaminhar para a clínica.
E a gente começou a procurar escolas que aceitassem
estagiários no bairro da Mooca na cidade de São Paulo. E
antes mesmo da prática começar as escolas enviavam uma
lista de alunos “problema”. Eles faziam uma lista (mesma
coisa hoje) pensando que o trabalho dos estagiários na es-
cola seria como se fosse uma clínica psicológica. E aí es-
crevemos uma proposta de estágio que chamamos de “Psi-
cologia Institucional no contexto educacional” direcionado
para os estudantes do último ano de Psicologia, supervisio-

História e memória do serviço de Psicologia


| 47
Escolar da prefeitura de São Paulo
nado por psicólogo, que no caso era eu. A justificativa que
foi enviada para as escolas era de que o projeto: “tinha a
finalidade de contribuir para o desenvolvimento da saúde
psicológica no meio escolar numa perspectiva interdiscipli-
nar e coletiva”.
Aí não parecia que eles tinham que se sentir tão envol-
vidos, mas aceitaram. Oferecemos esse serviço com prin-
cípios teóricos e metodológicos da OQE, que basicamente
afirma que o trabalho é com a criança e/ou adolescente,
mas para investigar a relação da escolarização, rompendo
com a lógica da produção do fracasso escolar. Aqui apro-
veito para citar um texto precioso. Este texto pequeno está
publicado no site da Abrapee e se intitula: “Problemas
de aprendizagem ou problemas de escolarização? (Souza,
2002).
Para realizar o estágio, oferecemos aceitar uma queixa
escolhida pela escola. Assim buscamos conhecer a vida es-
colar dessa criança ou adolescente por várias vozes. Quem
contava era o aluno. Na psicologia tradicional a gente
aprende fazer teste, interpretar desenho, mas sentar com a
criança é algo que não aprendemos, é raro. Na Psicologia
Escolar na perspectiva da OQE a ideia é trabalhar junto
com ele, ouvir, ver o que acontece. A criança fala. Quase
uma biografia escolar.
Depois fiz isso com os meus alunos do 4º período de
Psicologia. Trabalhamos com a biografia escolar dos alunos
de Psicologia, foi muito interessante.... Eles relembravam:
Como foi minha vida escolar? Quem eram meus profes-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 48


sores, o que aprendi, o que não aprendi, com quem eu
brincava? A escola promete para todos nós que vai ensi-
nar várias coisas: conhecimentos, a ler, escrever, história e
tal, e que ela vai ajudar a gente a viver com os outros, ser
cooperativo, habilidades sociais, métodos ativos. Sempre
prometeu. O que será que ela cumpre?
No estágio falávamos com a família e com a escola. Ain-
da apareceu pai analfabeto. Demos voz àquilo que acon-
tece. A mãe contava a história escolar do filho, professora
contava, cada um contava a sua versão da história. Então
a gente juntava todos dados e buscava de modo coletivo
a resolução do problema. Sentava todo mundo: diretora,
mãe, professora, estagiários de psicologia e a criança. Co-
locávamos na roda o que cada um falou. E agora? Nós da
Psicologia fazíamos uma mediação. E aí alguém dizia: “tão
pequenininha [a criança] e tem que dizer da vida dela”? E
eu respondia: “Sim, já tem vida escolar”.
Outro exemplo, os adolescentes diziam assim para nós:
“ela faz bullying comigo!”. E não era colega, era adulto que
faz bullying. E com isto, buscávamos de modo coletivo a
resolução da queixa. Claro que nem tudo são flores...
Vou contar um caso de uma estagiária que acompanhou
uma situação limite. Ela foi estagiar em Itaquera na zona
leste de São Paulo que é um local mais pobre. Ao chegar na
escola eles disseram que ela tinha que ver o Sérgio. Disse-
ram que era um menino que estava dando muitos proble-
mas. Ele fazia o que queria, saia e entrava da sala, e todo
mundo reclamava dele.

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
Ele começou a andar agarrado na professora. Queria fi-
car agarrado na professora e ninguém conseguia tirar ele.
Ela entendeu que ele estava a agredindo e começou a gritar
e chutar ele. Foi uma situação de violência dos dois. Cha-
maram alguém que conseguiu tirar a criança e que ficou
segurando ele. Chamaram a polícia. Detalhe: ele tinha seis
anos de idade. A polícia pôs ele deitado com as mãozinhas
para trás e levou para o conselho tutelar preso. O Conselho
Tutelar chamou a mãe, fez uma entrevista com ela e enca-
minhou a criança para psicoterapia.
No dia seguinte ele faltou. Mas voltou à escola. Quan-
do a estagiária chegou, ele é muito simpático. Ele vem e
abraça ela. Eles então começam a conversar e ele diz para
ela quanta raiva que ele sentiu da professora chutar ele. E
ele diz que só queria ficar perto da professora porque ela
gostava dele e ninguém mais gostava dele.
Ele conta para a estagiária que vive preocupado porque
mora na invasão e a polícia todo dia ameaça de entrar na
ocupação onde ele vive. Ele tinha essa preocupação. A di-
retora disse que ele era filho do dono do tráfico da ocu-
pação. A estagiária chamou o pai dele. A estagiária ficou
insegura se ele iria ou não. Então eu respondo: ele vai, ele
é o pai, é o filho dele que está em jogo. Então indico que
tem que reunir todos: pai, mãe, diretora, professora...
A intervenção com a professora foi difícil. Ela falava que
ele queria fazer lição na mesa dela. E ela não deixava. Ela
afirmou que tinha medo da criança. Não tinha possibilida-
de de se aproximar da criança e dizia que tinha medo dele.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 50


Na reunião com todos estavam: a direção, a professora, a
mãe, a criança, o pai não compareceu.
Então a gente propôs: o que podemos fazer juntos para
que o Sérgio possa ficar na escola? Perguntamos se ele po-
deria ir para outra sala na qual outra professora o aceitasse.
Ao ouvir esta proposta a professora diz que quer que ele
fique na sala dela. E quando ela diz isso ele abre um sorriso
e ela se dá conta de que ainda quer ele na sala dela. Eles
começam a se aproximar. Terminou assim.
Terminado o estágio, a aluna da Psicologia que mora
próximo dessa ocupação encontra Sergio na rua e ele a
abraça, a beija e diz que está tudo bem na escola. Parece
que a coisa deu uma ajeitada. Então esse caso limite, deste
menino que foi tratado aos seis anos de idade como bandi-
do, porque era filho de um traficante, é um bom exemplo
de como o psicólogo deve trabalhar de forma a não indivi-
dualizar as questões escolares, mas de horizontalizar, con-
versar sobre.
FIM.

História e memória do serviço de Psicologia


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Escolar da prefeitura de São Paulo
O desempenho
escolar da pessoa
com deficiência

Márcio Pereira
Psicólogo, professor universitário nos
cursos de Psicologia e Pedagogia, Mestre
em Educação (UNISAL), doutorando
em Educação (Universidad Internacional
Iberoamericana/Puerto Rico).
marcio.marcio@uemg.br
RESUMO
O presente texto é fruto de reflexões a partir de vivên-
cias no trabalho com a inclusão de pessoas com deficiência
no espaço escolar, desde 2008, através do serviço de apoio
à inclusão de uma Escola Especial da SEEMG. Foi apre-
sentado na II Mostra de Práticas em Psicologia Escolar e
Educacional, evento realizado em Divinópolis, no mês de
maio de 2018, organizado pela Subsede Centro-Oeste/CR-
P-MG. Muitas são as barreiras que dificultam a acessibili-
dade e permanência da pessoa com deficiência na escola e
uma delas é o questionamento quanto ao desempenho es-
colar. Normalmente, os professores querem saber o quanto
a criança irá “render” e, sobretudo, se irá aprender a ler e a
escrever, pois, se não, qual o sentido de frequentar a escola
ou mesmo qual o sentido do seu investimento nesse aluno.
Prioste et.al. (2006) diz que o desempenho escolar com-
preende a medida das capacidades do estudante expres-
sando o aprendizado ao longo do processo educacional.
Também abarca a capacidade do estudante em responder
aos estímulos educativos e, nesse sentido, o desempenho
escolar corresponde à aptidão. Assim, o trabalho busca re-
fletir sobre o desempenho escolar num contexto inclusi-
vo e não a partir de uma visão econômica da educação. A
discussão centraliza na perspectiva de que o desempenho
escolar deva ser pensado a partir dos avanços e conquis-
tas realizado pelo aluno em relação a sua compreensão de
mundo e a forma como intervém na realidade e não espe-
cificamente em conceitos transmitidos pela escola ou em
habilidades de leitura e escrita.

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 53


PALAVRAS-CHAVE: deficiência; desempenho escolar;
escola; inclusão; professor.

INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, a organização da escola tem sido
marcada por critérios seletivos tendo como base a con-
cepção homogeneizadora do ensino e, nessa perspectiva,
muitos alunos são rotulados e excluídos do processo edu-
cacional. Essa visão reflete o modelo da uniformização dos
conteúdos, das atividades para todos na sala de aula e se
o estudante não corresponder ao proposto fica a margem
da escolarização, tendo como consequência o fracasso e a
evasão escolar, pode-se dizer que a exclusão é evidenciada.
Nas últimas décadas, muitos diálogos têm sido estabe-
lecidos em relação aos direitos humanos e essas discussões
fundamentam diretrizes e acordos internacionais trazendo
uma mudança conceitual na área da educação. As mudan-
ças preveem a defesa e promoção do exercício do direito à
educação, à participação e à igualdade de oportunidades
para todos. Neste contexto, novos conhecimentos teóricos
e práticos têm consolidado uma pedagogia para a inclusão
(DUK, 2007).
A inclusão educacional tem o compromisso de ofere-
cer uma educação de qualidade para todos e prevê a di-
versidade como elemento enriquecedor de aprendizagem,
catalizadora do desenvolvimento pessoal e social. A visão
inclusiva contrapõe à postura tradicional de educação que

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 54


não valoriza a diversidade, rotula, discrimina e exclui o es-
tudante caso o mesmo não apresente o desempenho espe-
rado pelos ideais educacionais nessa perspectiva.
Concordando com que todos têm o direito a uma edu-
cação de qualidade, Lindquist (apud DUK, 2007, p. 59)
assinala: “não são nossos sistemas educacionais que tem
direito a certos tipos de crianças. É o sistema escolar de
um país que tem que se ajustar para satisfazer as necessi-
dades de todas as crianças”.
A partir das mudanças conceituais e práticas em rela-
ção à educação, o conceito de desempenho escolar pau-
tado numa visão econômica da educação deve ser anali-
sado, tendo em vista que a inclusão propõe aos processos
de ensino e aprendizagem buscar o equilíbrio ao que se
vai oferecer ao grupo como um todo e a cada aluno (a)
individualmente.
Então, desde a implantação e implementação da inclu-
são da pessoa com deficiência no Estado de Minas Gerais,
datado a partir de 2003, como coordenador de um serviço
de apoio à inclusão, numa Escola Especial/SEEMG, a dis-
cussão da capacidade dos alunos (as) com deficiência em
atender o que a escola propõe em termos de conhecimento
é debatida. Muitos (as) professores (as) questionam se es-
ses alunos aprenderão o necessário e básico frente às legis-
lações educacionais, ou seja, saber ler, escrever, conhecer
as operações básicas e resolver situações problemas.
Pois bem, é a partir da vivência em acompanhar alunos
no processo de inclusão, como também na orientação à es-

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 55


cola e aos professores, que a reflexão sobre o desempenho
escolar da pessoa com deficiência se efetiva, e o texto tem
como objetivo contribuir com o pensar dos envolvidos com
a educação a respeito dessa temática.

DESENHO METODOLÓGICO
A metodologia é a etapa sustentada pela construção do
conhecimento científico e o referido estudo possui uma
abordagem qualitativa. Quanto aos procedimentos técni-
cos utilizaram-se no delineamento deste estudo, pressu-
postos teóricos metodológicos bibliográficos e a vivência
no acompanhamento de crianças deficientes matriculadas
em escolas regulares, no serviço especializado, denomina-
do AEE1, de uma Escola Especial da SEEMG.
A pesquisa bibliográfica objetiva realizar um levanta-
mento teórico dos principais aspectos da temática em
questão, que de acordo com Carvalho (1991, p. 156), “des-
perta o interesse pelo tema e o espírito indagador e crítico
acerca de múltiplas dimensões de uma dada realidade”.

1 O serviço especializado, Atendimento Educacional Especializa-


do (AEE), é uma modalidade de ensino da Educação Especial que
transversaliza a educação para o apoio às crianças com deficiência,
matriculadas na rede de ensino regular, e suas ações propõem a de-
mocratização do acesso e promoção de condições de permanência dos
alunos no percurso escolar. Os serviços ofertados podem ser de com-
plementação e/ou de suplementação, podendo ser no próprio turno ou
no contra turno. Duas são as modalidades de apoio: a Sala de Recursos
(contra turno) e/ou o professor de apoio (turno do aluno).

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 56


Para buscar os dados sobre o desempenho escolar da
pessoa com deficiência foi realizada a coleta de dados em
artigos, teses, dissertações, livros, em pareceres, resolu-
ções, orientações e outras publicações científicas. O le-
vantamento de dados já existentes é caracterizado como
“apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados,
revestidos de importância por serem capazes de fornecer
dados atuais e relevantes relacionados com o tema” (AL-
VES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001, p. 12).
Em relação à vivência no acompanhamento de crianças
com deficiência matriculadas em escolas regulares, pelo
serviço especializado, Atendimento Educacional Especiali-
zado (AEE), na Escola Especial da SEEMG, pode-se dizer
que se refere à experiência profissional. De acordo com
Carvalho (1991) experiência profissional é aquela obtida
através de um longo período pelo qual uma pessoa passa
desenvolvendo uma mesma função (ou quando atua em
uma mesma área), proporcionando um grande conheci-
mento e vivência. Nesse contexto, pode-se dizer que a vi-
vência é vista atrelada nas mais diversas formas de apoio
dada a essas crianças e aos professores, o que permitiu re-
fletir sobre a temática.

DESEMPENHO ESCOLAR E A
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O baixo desempenho durante o processo escolar pode
estar associado a várias causas. Lozano e Rioboo (1998),

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 57


nos seus estudos, indicam três causas fundantes: o con-
texto familiar e social, a personalidade do sujeito e as ins-
tituições educativas, incluindo suas áreas metodológicas e
de organização. Dolle e Bellano (2002) acrescentam como
causa dessa problemática a interação entre a qualidade da
instrução que envolve a metodologia, os recursos, o pla-
nejamento, as atividades, o conteúdo; e as características
emocionais e motivacionais dos alunos.
Smith e Pellegrini (2001) identifica problemas envolven-
do a autoestima, tanto na causa como no efeito do baixo
desempenho escolar, assim como das dificuldades de apren-
dizagem, inclusive mais efeito que causa. Rutter (2008) diz
que quando a criança não corresponde as demandas esco-
lares, essa situação é vista como fracasso, podendo causar
consequências emocionais, e, nessas circunstâncias, afetar a
autoconfiança e as possibilidades de sucesso na escola.
Para Castro (2004), a relação professor-aluno se consti-
tui com uma base importante na relação ensino e aprendi-
zagem, e, nesta relação, três elementos são constitutivos:
os conteúdos transmitidos, o conhecimento a ser adquirido
e os afetos estabelecidos. Como nenhuma relação é igua-
litária, ou seja, ninguém a percebe ou possui expectativas
semelhantes, o professor terá um papel fundamental, pois
as ocorrências dessa relação dependerão da maneira como
o professor se colocará diante das situações, podendo auxi-
liar ou prejudicar o processo de aprendizagem.
Coll e Solé (1996), já afirmavam que na análise do baixo
desempenho escolar, no âmbito educacional, não pode ser

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 58


verificada apenas a partir do comportamento do professor
e a metodologia utilizada, devendo considerar a relação es-
tabelecida entre professor-aluno.

Nesse sentido, considera-se que, ao pen-


sar a aprendizagem, não basta apenas
analisar os problemas escolares, focando
no conteúdo e/ou na metodologia adota-
da pelo professor. É preciso verificar tam-
bém a relação entre professor e aluno. A
maneira como o docente percebe o estu-
dante pode levar a antipatias e simpatias
que poderão facilitar ou dificultar o rela-
cionamento e o vínculo em sala, afetando
o desempenho do aluno e a maneira como
o professor lida com ele. (MARTINELLI;
OSTI, 2014, p. 52).

Os estudiosos sobre as interações pessoais afirmam: o que


se vive na relação depende das percepções e expectativas de
uma pessoa em relação à outra, e essa expectativa pode, invo-
luntariamente, tornar-se real. Rosenthal e Jacobson (1968),
nos seus estudos, afirmam que as expectativas da relação in-
fluenciarão na maneira como se irá comportar, responder ao
outro e esperar dele. Importante frisar que grande parte das
expectativas é “gerada no contexto das próprias interações e
sofre a influência de inúmeros fatores, entre eles os nossos
valores, as crenças que fomos construindo sobre as coisas,
entre outros. ” (MARTINELLI; OSTI, 2014, p. 53).
O fator família, outra causa, influenciará no baixo de-
sempenho escolar, isso porque a família representa um

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 59


significativo cenário para o desenvolvimento afetivo-emo-
cional e social de qualquer pessoa. Segundo Szymanski
(2000), a família é

Uma das instituições responsáveis pelo pro-


cesso de socialização, realizando mediante
práticas exercidas por aqueles que têm o
papel de transmissores – os pais e/ou res-
ponsáveis – desenvolvidas junto aos que são
os receptores – as crianças. Tais práticas se
concretizam em ações contínuas e habi-
tuais, nas trocas interpessoais. (p. 16).

Nesse sentido, as características do ambiente familiar,


podendo considerar as condições físicas da moradia; as
características culturais, manifestados pelos valores cul-
tuados e pelas atitudes nas relações entre seus membros
e destes com a comunidade; as expectativas de futuro da
família engloba a vida familiar e as possibilidades dos fi-
lhos; o convívio familiar que é importante considerar: as
relações afetivas, as pessoas com quem a criança frequen-
temente se relaciona; a qualidade da comunicação entre os
membros da família, as oportunidades de desenvolvimento
e de conquista de autonomia oferecidas à criança, influen-
ciarão no desempenho escolar.
Em relação ao próprio aluno, considerando sua cons-
trução como pessoa, é importante estar atento às suas ca-
racterísticas funcionais (cognitivas, motoras, sociais, emo-
cionais) que dizem respeito às habilidades permitidas, de
modo mais ou menos eficaz, pelo qual o mesmo enfrente

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 60


as demandas das diferentes etapas do fluxo educacional.
Também as competências escolares conquistadas é outro
fator a ser considerado. E, outro aspecto, são as condi-
ções pessoais da criança, principalmente as necessidades
educacionais especiais2 decorrentes de deficiência como:
mental, sensorial, física, motora, múltipla e/ou decorrentes
de síndromes neurológicas, psiquiátricas ou com quadros
psicológicos graves, e, ainda, dos que apresentam altas ha-
bilidades/superdotação. Esse conjunto de fatores irá inter-
ferir no desempenho escolar.
A história da pessoa com deficiência traz estigmas que
nos tempos atuais, apesar de uma visão mais humanizado-
ra do ser humano, ainda permanece. Uma delas é a inca-
pacidade em aprender conteúdos escolares, ou seja, não
conseguirão ler, escrever, operar aritmeticamente e nem
resolver situações problemas.
A ideia de padrão, de média, de homogeneização que
a escola ainda apresenta em seu bojo, apesar das diversas

2 As necessidades educacionais são aquelas apresentadas pelos


indivíduos levando em conta a tarefa do aprendizado, em suas respec-
tivas faixas etárias, e sua comunidade escolar, e, neste sentido, todo
aluno tem necessidades educacionais. Já os alunos com necessidades
educacionais especiais (NEE) apresentam dificuldades em responder
positivamente às exigências das demandas das tarefas escolares, assim
o entendimento das NEE é de suma importância. De uma maneira
geral, a expressão NEE refere-se a todas as crianças e jovens cujas
diferenças se relacionam com as deficiências ou dificuldades escolares
que exigem diferentes formas de interação pedagógica e/ou suportes
adicionais: recursos, metodologias e currículos adaptados, bem como
tempos diferenciados, durante todo ou parte do seu percurso escolar.
(CORREIA, 1999; BLANCO, 2001 apud GLAT; BLANCO, 2007.).

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 61


discussões sobre as diferentes formas de aprender e de li-
dar com a realidade, faz com que o olhar do professor em
relação ao aluno deficiente é o de que ele não conseguirá
acompanhar os demais alunos, aparentemente correspon-
dem ao conceito de uma educação que preza o enquadra-
mento de todos em um determinado nível de desempenho
escolar.
O fato de ser uma pessoa com deficiência não implica
que não conseguirá aprender ou mesmo acompanhar os
alunos não deficientes. Não implicará em ter dificuldades
no seu desenvolvimento cognitivo, ou seja, no seu raciocí-
nio, na sua linguagem, na percepção, na concentração, na
atenção, no pensamento ou na memória. Todos nós pode-
mos apresentar essas dificuldades mesmo não sendo defi-
cientes. Certamente, algumas pessoas terão mais dificul-
dades e/ou facilidades a outras em diversas habilidades e/
ou competências. Assim, não podemos partir do princípio
de que uma pessoa com deficiência terá baixo desempenho
escolar.
O pensamento a respeito dos deficientes de que eles
fracassam em determinadas aprendizagens acaba, num
cenário educacional, trazendo a ideia da não necessidade
do investimento pedagógico devido a uma expectativa bai-
xa de produção por parte desses alunos. De acordo com
Prioste et al. (2006, p. 58) “a crença de que crianças com
deficiência seriam incapazes de aprender a ler e a escrever
induz muitos professores a conceber as práticas escolares
inclusivas apenas do ponto de vista do social, que muitas

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 62


vezes, é restrito ao estar entre os alunos normais3”. Como
dito, esta ideia é fruto de uma visão reducionista da apren-
dizagem, restringindo a aquisição da leitura, da escrita de
das habilidades aritméticas.
Certamente, uma deficiência pode trazer dificuldades
na estrutura e no desenvolvimento de uma pessoa o que
pode ocasionar prejuízos no desempenho de atividades,
principalmente escolares, e o uso de ajustes para a acessi-
bilidade escolar do aluno é essencial.
Importante frisar que um bom desempenho escolar ne-
cessita de dois movimentos, que de acordo com Abe (2009)
são: o do aluno que se esforça e se capacita a responder po-
sitivamente às demandas do processo de escolarização e o
movimento da escola que se prepara a fim de recebê-lo. Da
união dos esforços do aluno e da escola espera-se um bom
resultado, traduzindo num bom desempenho escolar nos
aspectos da aquisição de conhecimentos e nos aspectos da
participação na rotina escolar. Nesse sentido, é importante
deslocar a responsabilidade pelo aprendizado, que nas vi-
sões tradicionais de educação, concentra-se nas capacida-
des e incapacidades dos alunos, para enfatizar os recursos
e apoios oferecidos a estes alunos para que eles possam
obter sucesso escolar.
3 A palavra normal configura um período histórico, pois a partir
das propostas que valorizam a diversidade e a diferença entende-se
que o conceito de padronização que a palavra normal implica não se
aplica ao ser humano. Importante frisar que a palavra “normal” possui
uma fundamentação organicista que visa um quadro de equilíbrio do
organismo. Também uma visão estatística, que valoriza a padronização.
O que está fora do padrão, do normal, é “anormal”.

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 63


As novas concepções de educação partem da perspec-
tiva epistemológica interacionista prezando pela relação
estabelecida entre os atores do processo ensino e apren-
dizagem. Essa concepção valoriza o aluno como único em
sua relação com a aprendizagem e os sistemas e programas
educacionais devem levar em conta a vasta gama de carac-
terísticas e necessidades de cada um. Assim, a pedagogia
e a escola devem de estar voltadas à criança e precisam
atender as necessidades dela.
Então, para uma escola que atualmente visa atender a
diversidade dos alunos, buscando ofertar acessibilidade e es-
tratégias para a permanência dos mesmos no espaço escolar
é essencial que a mesma defina com clareza, os procedimen-
tos e os caminhos administrativos e técnicos que deverão ser
adotados, quando necessários, para o desenvolvimento de
estudos de casos, a elaboração de Planos Individualizados
de ensino, o trabalho cooperativo entre o professor de ensino
comum e o professor especialista, o registro formal do pro-
cesso de escolarização do aluno, a garantia de apoio profis-
sional especializado, a parceria com outras áreas da atenção
pública, dentre outros (ARANHA, 2004).
O desempenho escolar do aluno com deficiência na nova
perspectiva educacional, fundamentada na inclusão, está
em reconhecer em cada criança uma pessoa única e dedi-
car-lhe afeto. Ou seja, como já dito, a relação entre professor
e aluno poderá determinar a relação ensino e aprendizagem,
tornando, portanto, essencial estabelecer relações autênti-
cas e adotar uma atitude de abertura, sendo importante o
professor demonstrar respeito por todos, aprender a ouvir os

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 64


alunos seja em grupo ou individualmente, não desconside-
rar nenhum aluno tornando-o invisível, trazendo confiança
e clareza na sua comunicação com os alunos, que as aulas
possam ter situações onde todos participem e ofereça formas
colegiadas de resolução de atividades, que saiba promover a
autoestima e o desenvolvimento emocional do aluno, ressal-
tando os pontos positivos e reflexões sobre os pontos negati-
vos, não de forma punitiva, mas que motive transformações.
A avaliação não poderá ser igualitária, não devendo se
pautar na classificação ou na rotulação do aluno em função
de suas características individuais, mas na identificação do
tipo de ajuda e recursos necessários para facilitar a apren-
dizagem de todos, a fim de que os alunos possam participar
o máximo possível das atividades educacionais da aula e
terem um bom desempenho escolar.
Uma avaliação centrada na produção ou nos resultados
da aprendizagem do que nos processos individuais de apren-
dizagem e ensino, provoca um baixo desempenho escolar,
pois foca no conteúdo e não nas formas de aprender e saber
do aluno, mas na homogeneização da aprendizagem, trazen-
do aos alunos sentimentos de incompetência e incapacida-
de. Nessa perspectiva, a escola focaliza sua atenção na fra-
gilidade do aluno em vez de focar no potencial do mesmo.
Entende-se que todos podem ter um bom desempenho es-
colar, independentemente de ter alguma deficiência ou não. E
o que fará com que o olhar sobre essa questão seja diferente
é o modo como a escola concebe educação e seus processos
educacionais (conteúdo, avaliação, planejamento, projetos etc).

O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 65


Quando o sistema educacional rever suas políticas e
conceitos, principalmente partindo do pressuposto de que
todos possuem uma forma de lidar com a aprendizagem,
respeitando seus estilos em aprender e seus modos de con-
ceber a mesma, terão outras formas de avaliação individual
e coletiva, com critérios que possam atender não o conteú-
do ensinado, mas o aluno e como ele intervém na realida-
de. Assim, todos serão vistos pelas suas potencialidades e
a educação será verdadeiramente inclusiva, ou seja, uma
educação de qualidade para todos.

CONCLUSÃO
Infelizmente, embora, há uma preocupação em estudar
os resultados dos esforços de alunos e professores para que
haja um bom desempenho escolar por parte dos discentes,
ainda esses estudos são incipientes para analisar o desem-
penho escolar e a participação do aluno com deficiência na
rotina da escola.
Para se falar de desempenho escolar da pessoa com
deficiência, apesar de ter traçado neste texto reflexões, os
estudos têm confirmando a importância da avaliação do
desempenho dos alunos em diferentes contextos e deman-
das, bem como a avaliação das barreiras que possam difi-
cultar a participação escolar.
A partir dessa colocação e das mudanças educacionais
é importante entender que o desempenho escolar é signi-
ficativamente influenciado pelo meio ambiente e deve ser

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 66


considerado a partir do desempenho do aluno em seus di-
versos contextos e não a partir de um programa a ser cum-
prido, transmitido e aprendido sem contextualizá-lo.

REFERÊNCIAS

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rotina escolar de alunos com necessidades educa-
cionais especiais na perspectiva do professor. 2009.
100F. Dissertação (Educação) - Faculdade de Filosofia e
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O desempenho escolar da pessoa com deficiência | 69


Olhar sobre a
dimensão da inclusão:
perspectivas,
possibilidades e
desafios

Dani Cristina de Castro


Andrade e Gonçalves
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa, mestre em
Educação, especialização em Psicopedagogia, Educação
Especial e Inclusiva, fonoaudióloga.
danifono1@yahoo.com.br
RESUMO
Dentro da temática ‘deficiência, inclusão e diversidade’
percebo ser possível discorrer sobre possibilidades e pers-
pectivas, assim como sobre desafios e problemas. A partir
desta percepção, foi feita uma breve revisão na literatu-
ra, inclusive, foi possível destacar alguns argumentos que
possam suscitar reflexões e questionamentos acerca das
práticas profissionais conforme exposição realizada na I
Encontro e Mostra de Psicologia Escolar e Educacional do
Centro-Oeste de Minas Gerais.
PALAVRAS-CHAVE: educação especial; inclusão;
prática.

INTRODUÇÃO
De acordo com as Políticas Nacionais de Educação no
Brasil, a educação de alunos com necessidades educacio-
nais especiais deve ocorrer, preferencialmente, na rede re-
gular de ensino visando promover a valorização da integra-
ção destes alunos, evitando assim sua exclusão. Anterior
a tais políticas ocorreram vários encontros internacionais
que discutiram a questão da inclusão em um sentido mais
amplo. Dentre estas, pode-se citar a Conferência Mundial
de 1994, ocorrida em Salamanca, pela UNESCO sobre as
necessidades educacionais, que deixa bem claro o ensino
inclusivo como a prática da inclusão de todos, indepen-
dente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica
ou origem cultural, em escolas e salas de aula provedoras,

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 71
perspectivas, possibilidades e desafios
onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas. Sen-
do o Brasil signatário desta conferência, a política educa-
cional brasileira voltada para a inclusão escolar está pauta-
da em uma política internacional.
Dentro de um processo histórico, atualmente, a defi-
ciência ou as necessidades educacionais especiais não
estão mais centradas no aluno, mas na sociedade ou na
instituição escolar que devem promover o desenvolvimen-
to deste aluno diferente da maioria, que foge da categoria
‘normal’.
Assim a revisão aqui realizada busca trazer à baila a di-
mensão da inclusão buscando compreender as perspecti-
vas, desafios e possibilidades, cada uma delas de acordo
com as categorias eleitas para um debate.

Formação docente como


perspectiva para a inclusão
Baseando nos princípios de liberdade e nos ideais de so-
lidariedade humana, tendo por objetivo o pleno desenvolvi-
mento do educando, Educação Especial e Educação Comum
encontram-se em sua finalidade, porém alunos com necessi-
dades especiais exigem recursos físicos e materiais especiais,
de profissionais com preparo específicos. Estes aspectos mui-
tas vezes leva o docente a criar barreiras atitudinais frente ao
processo de inclusão escolar, não percebendo os benefícios
que tais mudanças nos paradigmas educacionais podem tra-
zer para sua prática e seu crescimento pessoal.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 72


A discussão sobre a formação do docente é antiga, ou
melhor dizendo, não é um debate somente de agora, mas
constante. Ações, políticas e investimentos foram, são e se-
rão muitos, porém, em termos de resultados, entende-se que
a formação do docente ainda está centrada em um processo
externo ao fazer pedagógico não se fundamentando na análi-
se da própria prática. Apesar da política educacional vigente,
a maioria dos docentes teve ou ainda tem sua formação com
base na perspectiva tradicional e homogeneizadora com o
foco na transmissão de conhecimentos teóricos sem signi-
ficado para o aluno e sem refletir sobre sua própria prática.
No processo de inclusão escolar todos têm ganhos. Em
relação ao professor pode-se observar que ele tem a opor-
tunidade de planejar e conduzir a educação como pares de
uma equipe, a colaboração e a consulta aos colegas ajuda-os
a melhorar suas habilidades profissionais e ele toma conhe-
cimento dos progressos na educação, consegue antecipar as
mudanças e participa do planejamento da vida escolar diária.
Schön (1997) descreve sobre a ações de um professor
reflexivo:

Um professor reflexivo permite-se ser sur-


preendido pelo que o aluno faz. Num se-
gundo momento, reflete sobre esse fato, ou
seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse
ou fez e, simultaneamente, procura com-
preender a razão por que foi compreendi-
do. Depois, num terceiro momento, refor-
mula o problema suscitado pela situação.
Num quarto momento, efetua uma expe-

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 73
perspectivas, possibilidades e desafios
riência para testar a sua nova tarefa e a
hipótese que formulou sobre o modo de
pensar do aluno. Esse processo de reflexão
na ação não exige palavras. Após a aula, o
professor pode pensar no que aconteceu
no que observou, no significado que lhe
deu e na eventual adoção de outros senti-
dos. Refletir sobre reflexão na ação é uma
ação, uma observação, uma descrição, que
exige o uso de palavras. (p. 83).

Analisando a descrição de Schön sobre a ação reflexiva


nota-se que o professor que realmente se envolve no pro-
cesso inclusivo, quase que naturalmente, inicia uma busca
e uma prática reflexiva. A todo momento em sua sala de
aula, onde as diversidades são muitas e em principal quan-
do o aluno possui necessidades especiais, a ação deste
aluno o surpreenderá a todo momento levando-o a buscar
uma consulta cooperativa com os colegas e outros profis-
sionais, muitas vezes isto é um estímulo para sua formação
continuada e também busca promover na sua prática uma
aprendizagem cooperativa a todos os seus alunos, não só ao
aluno incluído. Pois com leciona Freire (1996, p. 32).

Ensino porque busco, porque indaguei,


porque indago e me indago [...]. Pesquiso
para conhecer o que ainda não conheço
e comunicar ou anunciar a novidade [...]
É próprio do pensar certo a disponibili-
dade ao risco, a aceitação do novo [...] a
rejeição mais decidida a qualquer forma
de discriminação. (p. 32)

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 74


Neste sentido a reflexão compartilhada é promovida pe-
los profissionais que se dispõe a trabalhar com a escola in-
clusiva, pois é uma atividade multidisciplinar que requer o
encontro, o relato, o debate entre todos os envolvidos para
a partir desta ação modificadora da prática centrada na dis-
pensabilidade do aluno encontrar sua própria necessidade
de conhecer o que lhe é desconhecido.

Preconceito e o possível
Pode parecer contraditório falar da categoria possibilida-
des sob a égide do preconceito, porém partindo do pressu-
posto de que tememos o que desconhecemos, o medo pode
ser entendido como um fator desencadeador do preconceito.
Mesmo no mundo globalizado em que a informação está
à disposição de todos, nem todos têm realmente acesso a
ela ou a conteúdos com teor de veracidade mais próximo
do real. Este volume de achismo disponibilizado não ofere-
ce condições para novas elaborações. Neste viés podemos
considerar que a minimização do preconceito a partir da
disseminação de informações consistentes pode ser uma
das possibilidades para caminharmos, ou avançarmos no
processo de inclusão.
Sob o ponto de vista legal a inclusão escolar, dentro des-
te novo paradigma da educação, é um processo sem volta.
Não há mais como aceitar o impedimento a inclusão es-
colar, uma vez que a inserção e o acesso à educação é um
direito de todos.

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 75
perspectivas, possibilidades e desafios
No entanto como trata-se de um processo ainda per-
cebe-se que há grupos e pessoas que estão resistentes a
esta visão, estando arraigados às ideias antigas, por sen-
tirem segurança em continuar fazendo “aquilo que está
dando certo”. Porém, enquanto processo, estes “empeci-
lhos?”, “obstáculos?” são naturais nestes momentos. Pes-
soas criam fronteiras imaginárias, como na história do ovo
de Colombo, onde ninguém havia estabelecido que o ovo
ao ser posto de pé não poderia ser um ovo quebrado. Esta
fronteira imaginária foi aceita por todos, menos por Co-
lombo. Fronteiras imaginárias devem ser cuidadosamente
apagadas, não podemos simplesmente impor a estas pes-
soas que mudem radicalmente suas ideias por que este
processo de inclusão escolar deve ser feito de forma caute-
losa, apesar do tempo urgir.
Tal processo ocorre pela própria evolução histórica da
exclusão/inclusão que origina na negligência e maus tratos
e exclusão da sociedade da pessoa com qualquer tipo de
deficiência na Era pré-cristã; passa pelo período de prote-
ção e caridade na Era cristã onde atinge o auge da segre-
gação em internatos e grandes abrigos nos séculos XVII
e XIX; e chega ao século XX com as primeiras iniciativas
governamentais e não governamentais buscando uma so-
ciedade em busca da aceitação e inclusão destas pessoas e
em principal no ambiente escolar.
As últimas décadas do século XX foram fundamentais
para chegarmos a mudança de paradigma atual, começan-
do em 1981 com o ano internacional da pessoa portado-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 76


ra de deficiência estabelecendo os primórdios para uma
sociedade inclusiva; 1989 com o CORDE, o Estatuto do
deficiente, criminalizando o preconceito, que foi um mar-
co de grande importância para toda a sociedade em geral;
1990 com a Conferência Nacional “Educação para todos”
Jointiem/Tailândia consolidando os compromissos éticos e
políticos com a educação básica para todos e também neste
ano a formulação dos Direitos da criança e do adolescen-
te; 1993 com a LOAS tirando o portador de necessidades
especiais do patamar da caridade e da proteção; 1996 com
a LDB com sua característica essencial da flexibilidade na
educação especial contento um capítulo com as diretrizes
para esta – este talvez tenha sido até então o marco mais
importante para uma sociedade inclusiva, uma vez que as-
segurado por lei a garantia de educação para todos, dentro
das diretrizes e bases para toda educação nacional ter in-
cluído um capítulo destinado a educação especial onde sua
flexibilidade permite que esta ocorra, não deixando brecha;
1994 Conferência Mundial de Salamanca trazendo a con-
ceitualização de escola inclusiva e a consolidação dos prin-
cípios, políticas e práticas em Educação Especial.
Nota-se que é fundamental que a inclusão escolar ocor-
ra, vindo a ter um papel de alicerce para uma sociedade
mais humanizadora, uma vez que se o indivíduo, desde a
infância, tem a oportunidade de desfrutar de tudo o que a
sociedade proporciona a todos, a tendência é que o precon-
ceito diminua, o conhecimento e interesses aumentem, e
assim haja uma convivência mais agradável e pacífica pos-
sível. Entretanto ainda há um despreparo em relação às

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 77
perspectivas, possibilidades e desafios
pessoas diretamente ligadas a este processo e de grande
importância para que ele se consolide adequadamente que
é o professor.
Pode-se observar nas colocações de Carvalho (1997) so-
bre sociedade inclusiva e educação, além da importância
do papel social da escola, uma visão mais ampla acerca do
conceito de inclusão,

Quando a sociedade faz opção por construir


uma sociedade para todos, pelo usufruto
dos bens sociais por todos, esta opção refle-
te-se também, no modelo de escola que a
sociedade irá desenvolver, reconhecendo a
grande capacidade de transformação social
da instituição escolar. [...] Inclusão é um
processo de cidadania, inerente a todas as
políticas sociais básicas (educação, saúde,
habitação, trabalho, lazer, esporte, assis-
tência social, transporte, etc.). Exige uma
nova arquitetura social, uma nova arquite-
tura para o processo e para as relações entre
as pessoas. [...] Inclusão deve ser discutida
como um conceito a ser apropriado por to-
dos e, principalmente pela escola requeren-
do novas atitudes e hábitos. (p. 90).

No processo de transformação exigido pela proposta


de educação inclusiva, se há um envolvimento e um rela-
cionamento democrático entre os profissionais que atuam
na educação e a necessidade de que as atitudes se modi-
fiquem para que ocorra um aprendizado mútuo, sendo o
maior favorecido neste contexto o aluno. Nesta situação

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 78


todos se interagem e podem agir sem preconceitos, assim
todos os alunos terão assegurados seu direito a convivência
na comunidade escolar, de socialização, fator que certa-
mente favorece e é um aspecto facilitador da aprendiza-
gem, como todo e qualquer cidadão.

Política enquanto desafio


A dimensão política foi alocada na categoria desafio por
estar diretamente ligada a interesses econômicos e muitas
vezes partidários. A cada mudança de gestão, novas adequa-
ções são feitas nas propostas de educação atendendo ao que
cada grupo entende sobre o que é relevante, por esta razão,
acredito que nesta dimensão, em termos de uma análise,
compete ser feita uma apreciação do que foi realizado e pos-
sibilitar uma reflexão sobre o que está por vir.
Nas últimas décadas do século XX, perpetuando no
século XXI, tem ocorrido a internacionalização da agenda
educativa da América Latina, em principal, devido às polí-
ticas neoliberais que pela lógica neoclássica propõe a cons-
trução de um mercado no mundo da educação. Estas polí-
ticas são impulsionadas pelo Banco Mundial e por outras
agências internacionais com um movimento pela criação
de padrões educativos de rendimento educativo em todos
os níveis da educação, porém sendo utilizado como contro-
le político e não como melhoramento educativo.
Estas corporações internacionais têm reforçado a pro-
posta de privatização da educação pública na América La-

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 79
perspectivas, possibilidades e desafios
tina, proposta está também, baseada no modelo hegemôni-
co neoliberal que implica na redução de gastos do governo,
na despolitização das práticas regulatórias do estado, sendo
colocada como proposta de solução educativa, ampliando
o discurso de que através do controle político se consegue
melhora na educação. A presença de tais corporações, em
todos os níveis da educação, em geral, baseia-se no cus-
to-benefício na contratação do professor implicando em
uma curta formação inicial e a seguir na capacitação em
serviço, sendo reduzida à atualização dos últimos modelos
e técnicas de ensino, desconsiderando o professor como
um profissional reflexivo e seu papel e valor na educação.
Neste mesmo contexto, as reformas educativas têm sido
promovidas pelas agências de financiamento da educação
apoiadas em diversas organizações internacionais, conce-
bendo a educação como um serviço prestado aos consu-
midores pelo governo ou pelo setor privado. Na proposta
neoliberal de reforma do estado, as políticas educativas
vêm sendo direcionadas para atender ao mercado, através
de estratégias paralelas de descentralização dos serviços e
centralização das decisões. Sendo assim, o desempenho
do docente, dentro do modelo neoliberal, é fundamentado
na qualificação da mão-de-obra e na valorização de habili-
dades e competências. Neste sentido a aprendizagem do
professor é avaliada de acordo com o rendimento e apren-
dizagem do aluno, sendo esta direcionada para testes pa-
dronizados para selecionar o sujeito conforme as necessi-
dades do mercado.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 80


O docente é frequentemente excluído da participação
da elaboração das políticas educativas, em principal dentro
do contexto da generalização de que escola pública significa
baixa qualidade de ensino e que o professor é um profissional
medíocre. O docente é um profissional que perdeu sua auto-
nomia, entendendo-a como privatização e descentralização,
onde nos moldes neoliberais a descentralização significa
que educação privada é melhor que educação pública. No
entanto, sendo feito um resgate da ação sindical, sendo os
sindicatos formados via formação do docente, promovendo e
gerando espaços de reflexão da prática pedagógica, pode vir
a ser um caminho para se iniciar a participação do docente
nas políticas educativas e assim resgatar sua autonomia.
Outro fator que acaba gerando a exclusão do docente é
a tentativa de políticas inclusivas pelas novas tecnologias.
Muitas vezes o professor não tem como adotar e adaptar
tais tecnologias a sua prática o que o leva a percebê-las
como elemento de competitividade. E é possível obser-
var que há uma hipótese de substituição do docente pelas
novas tecnologias, que facilitam o acesso rápido às infor-
mações e atingindo a um número maior de sujeitos que a
atuação pedagógica restrita à escola.
Estas adotam o paradigma inclusivo de busca de um en-
sino de qualidade para todos, respeitando e compreenden-
do as diversidades na sala de aula priorizam a qualidade do
ensino, tendo-a como um desafio a ser assumido por todos
os envolvidos com a educação, conforme o que é exposto
por Mantoan (2002, p. 20).

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 81
perspectivas, possibilidades e desafios
Priorizar a qualidade do ensino é um desafio que precisa ser
assumido por todos os educadores. É um compromisso inadiá-
vel das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do de-
senvolvimento econômico e social. Trata-se de uma tarefa pos-
sível de ser realizada, mas é impossível de se efetivar por meio
dos modelos tradicionais de organização do sistema escolar.
O que significa que a inclusão não exige a utilização
de métodos e técnicas de ensino específicas para este ou
aquele aluno, pois acredita sim que os alunos aprendem
até seus próprios limites, sejam eles pessoais ou sociais, se
o ensino for de qualidade, compreendendo como aquele
exercido pelo professor que considere as possibilidades e
potencialidades de cada um, por meio da realização de ati-
vidades levanto em conta os seus interesses e necessidades.
De acordo com a concepção neoliberal de valorização
da eficiência e considerando que na América Latina o pro-
blema de acesso à educação foi resolvido, a questão passou
a ser a qualidade. Porém apesar de vários trabalhos direcio-
nados para tal, ainda não se tem indicadores claros, tanto
que um aspecto que foi vinculado, sabendo que não é uma
relação verdadeira, foi a diminuição da repetência.
Pode-se depreender que para o modelo neoliberal, a
política educativa é reduzida a reforma escolar e está re-
duzida a escola pública. Assim com a criação de estraté-
gias dirigidas a atender os menos favorecidos da população
garantindo educação privada de qualidade para a elite e
para os pobres como contenção de disciplina e controle
social, faz-se entender que com o passar do tempo a escola

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 82


pública na América Latina será vista como uma “educação
pobre para os pobres”.
Este tema tem relevante importância ao promover uma
reflexão profunda não só sobre os aspectos políticos ine-
rentes à educação, bem como sobre a formação do docente
e o resgate de sua autonomia.

Considerações finais
Para que ocorra a garantia da qualidade de ensino na
escola especial é preciso que em sua organização sejam
previstas parcerias com escolas da rede regular de ensi-
no, professores especializados e equipe técnica de apoio à
matrícula do aluno e oferecer atendimento educacional es-
pecializado, conclusão e certificação de educação escolar,
incluindo terminalidade específica.
Mediante o enfoque da inclusão na educação, deno-
ta-se que a proposta é oferecer possibilidades para que se
rompa com o dualismo existente entre educação regular e
educação especial. A medida que as práticas educacionais
includentes vão dando espaço para a unificação das moda-
lidades de educação regular e especial, havendo verdadei-
ramente um sistema único de ensino, vai se caminhando
para uma reforma educacional que contemple as necessi-
dades educacionais individuais dos alunos.
Os desafios são e serão muitos, mas as perspectivas se-
rão ‘sempre’ boas.

Olhar sobre a dimensão da inclusão:


| 83
perspectivas, possibilidades e desafios
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Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 84


Orientação à queixa
escolar: reflexões
sobre as práticas
do psicólogo
educacional

Raquel Cabral de Mesquita


Doutora em Educação (UFMG), psicóloga com
experiência em Clínica Psicanalítica e em Psicologia
Educacional e Escolar, professora no curso de Psicologia
da Faculdade Pitágoras - Divinópolis.
raquelcmesquita@hotmail.com
Como temos orientado à queixa escolar? Estamos supe-
rando práticas alienantes e adaptativas, que constituíram
no passado uma história de críticas ao fazer da psicologia
escolar, por práticas inovadoras, o posicionamento em fa-
vor da emancipação do sujeito na educação? A precipitação
diagnóstica ou patológica dos impasses escolares, numa
visão unilateral, situada no aluno-problema, já nos trouxe
dificuldades históricas, no qual, o psicólogo foi acusado de
compactuar com uma lógica sutil de exclusão social, justi-
ficada por um nivelamento educacional de todos os alunos,
unido à pretensão de neutralidade científica da psicologia
principiante. Assim, é preciso refletirmos e questionarmos
se nossas práticas na escola e nossa atuação como psicólo-
gos educacionais propiciam alienação ou emancipação dos
sujeitos envolvidos no processo educacional.
É preciso que o psicólogo se encontre preparado para
perceber o que há de implícito nas queixas que são dire-
cionadas ao serviço de psicologia. A psicanálise nos ensina
a não desconsiderar a queixa, uma vez que essa pode in-
dicar o sintoma, entretanto, ela não é o sintoma. A queixa
quando bem conduzida ou bem orientada numa escuta dos
sujeitos perpassados por ela, pode nos levar ao sintoma.
Segundo Vieira (2008, p. 187), as demandas direcionadas
ao psicólogo nos contextos educativos, muitas vezes “assen-
tam-se em expectativas irreais e desinformadas sobre a ação
desse profissional”. O que expõe a importância do psicólogo
escutar e acolher às demandas, entretanto, deve ir além de-
las, e evidenciar sua função nos espaços educativos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 86


Desse modo, cabe aos psicólogos educacionais, recorrer
às atribuições profissionais nas quais são responsáveis. Tais
atribuições do Psicólogo Educacional (CONSELHO FE-
DERAL DE PSICOLOGIA, 1992) nos direciona a pensar
que a prática desse profissional não está situada nos aten-
dimentos individuais em sua concepção abstrata e, supos-
tamente, neutra, desconsiderando os contextos sociais dos
sujeitos atendidos, contrariamente, convida-nos a direcio-
narmos às relações e aos laços que remetem a uma atuação
que abrange o aluno, a família/social e a escola.
Assim, Souza (2006, p. 313) considerando a orientação à
queixa escolar uma modalidade de atendimento clínico bre-
ve e focal, aponta para uma abordagem que pela investiga-
ção e intervenção supere práticas baseadas numa concepção
abstrata de indivíduo e interfira nas relações escolares:

Nosso objetivo é conquistar uma mo-


vimentação da rede de relações na qual
emerge a queixa escolar no sentido de sua
superação. Essa rede tem como persona-
gens principais, via de regra, a criança/
adolescente, sua escola e sua família. As-
sim, nosso objeto de investigação/inter-
venção é essa rede e como as relações en-
tre seus participantes se desenvolveram e
se desenvolvem. (SOUZA, 2006, p. 313).

As pesquisas no campo da Psicologia e Educação, evi-


denciaram que as queixas escolares constituíam cerca de
75% da demanda infanto-juvenil para atendimento psi-

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 87
as práticas do psicólogo educacional
cológico na rede pública de saúde, o que aponta para a
prioridade que a queixa escolar deveria ter na formação do
psicólogo e nas ações da saúde (SOUZA, 2006, p. 313).
Ao consideramos a orientação à queixa escolar como uma
modalidade clínica (Souza, 2006), uma vez que pode ser si-
tuada na interface da psicologia clínica e escolar, somos con-
vidados a superar as práticas historicamente centradas na
clínica médica, normativa e patologizante. Desse modo, en-
fatiza-se a importância da investigação/intervenção voltar-se
para as três dimensões de atuação da psicologia escolar: alu-
no, sua escola e sua família. Através dessa atuação, busca-se
não responder com práticas adaptacionistas e normativas,
no qual, a superação da queixa escolar consiste apenas na
mudança do aluno, algumas vezes, se estendendo à família,
entretanto, mantendo a escola intocada. Então, é preciso es-
cutar os familiares e suas vivências sociais; é preciso escutar
o aluno na sua singularidade subjetiva e em seu contexto
social; é preciso escutar a escola na sua impossibilidade.
A impossibilidade na educação é uma das afirmações de
Freud (1976[1925]; 1975[1937]) mais citadas por aqueles
que trabalham na interface da psicanálise e da educação.
Esse impossível repetidamente vem se inscrevendo como mal
-estar na prática educativa e em suas inovações, e pode ser
lido a partir das manifestações sintomáticas de cada tempo.
Segundo Santiago (2005, p. 19-20), o adjetivo impos-
sível na psicanálise refere-se “às modalidades de ato cujo
efeito não se pode antecipar”. Sendo o ato educativo uma
transmissão, no qual o resultado não é previsível e nem
passível de cálculo coletivo, a dimensão desse ato acarre-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 88


taria um impossível. A autora esclarece ainda que, quando
se admite a existência do inconsciente perpassando as rela-
ções humanas e de aprendizagem, “não é possível fixar uma
relação de causalidade entre meios e os efeitos obtidos”.
Santiago (2012) ainda propõe que se possa restituir o
lugar de impossível na prática da educação que consiste
em suportar certa angústia diante de situações marcadas
pela incerteza que não tem uma resposta pronta ou ime-
diata, mas que, pelo contrário, preserva um lugar de vazio
que permite interrogar o sujeito sobre o que não vai bem.
Referenciando à clínica psicanalítica como teoria e
prática que subsidia o tratamento dado à queixa escolar,
refletimos que não devemos rejeitar de antemão qualquer
vertente clínica em nossa prática na educação, a clínica
tem muito a colaborar com o espaço escolar. A abordagem
clínica, proposta neste trabalho, se mostra bem diversa da
tão criticada “clínica na escola”, que levou psicólogos esco-
lares a serem acusados de respaldar, através de sua ciência,
a exclusão, ao centrarem sua atuação no aluno-problema,
atribuindo o fracasso ou a inadequação escolar a carac-
terísticas inerentes a esse aluno (PATTO, 2010). Esse
processo culminou em psicopatologização dos problemas
escolares e propiciou um deslocamento de questões e reso-
luções pedagógicas para causas e soluções pretensamente
psicológicas ou médicas, consequentemente inacessíveis à
educação (MOYSÉS; COLLARES, 1992a; 1992b).
É pertinente o exercício de uma clínica que reconhece
o lugar do Outro Social ou das relações escolares nas ma-

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 89
as práticas do psicólogo educacional
nifestações sintomáticas e não desconsidera os saberes e
práticas pedagógicas já existentes ou desenvolvidas pelos
professores na escola. Essa proposta de intervenção é ini-
ciada com uma questão que remete ao sintoma, ao escutar
a queixa dos educadores, o que consiste numa leitura a
partir da questão do que não vai bem no contexto escolar.
Essa abordagem de orientação à queixa escolar deve in-
serir a escola na investigação e na intervenção. Considera-
se como princípio, que a pesquisa, ou seja, a investigação
em educação ou em espaços escolares, inclua a intervenção,
seja uma pesquisa/intervenção e, também, que a prática em
educação, seja uma constante investigação, que não perca-
mos nossa perspectiva de pesquisadores e questionadores
enquanto profissionais atuante neste campo de trabalho.
Portanto, para concluir, apresenta-se uma proposta de
pesquisa/intervenção no espaço educacional, no qual, come-
ça-se pela escuta da escola, através das questões: o que não
vai bem? O que aponta para o sintoma através da queixa?
Atentando-se a discussão interdisciplinar entre psicologia,
psicanálise e educação, tem-se nesta pesquisa/intervenção, o
uso de dispositivos metodológicos como a Entrevista Clínica
de Orientação Psicanalítica (ECOP) e o Diagnóstico Clínico
Pedagógico com os alunos e a Conversação junto aos educa-
dores. O objetivo da utilização dessa metodologia consiste em
investigar e intervir, respectivamente, sobre os impasses dos
alunos que podem ser diagnosticados como questões concei-
tuais e pedagógicas ou referentes à subjetividade, remetendo
ao sintoma da criança; e/ou sobre os sintomas da escola, que

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 90


aparecem como mal-estar impossibilitando a transmissão e,
muitas vezes, inviabilizando a escolarização. Essa proposta de
intervenção é iniciada com uma questão que remete ao sinto-
ma, ao escutar a queixa dos educadores, que consiste numa
leitura do que “não vai bem” no contexto escolar, sendo que
a partir dessa leitura, casos de alunos podem se especificar e
demandar uma intervenção mais particularizada que conside-
re a subjetividade de cada aluno (MESQUITA, 2017).
Sobre tal metodologia, podemos especificar:

1. Entrevista Clínica de Orientação


Psicanalítica (ECOP):
Esse nome foi sugerido por Eric Laurent para uma ativi-
dade inspirada na prática de “Apresentação de Pacientes”,
porém, realizada em contextos que não são instituições es-
pecializadas em tratamento de saúde mental. Um atributo
essencial na prática de “Apresentação de Pacientes” refe-
re-se à subversão que Lacan estabeleceu a essa prática,
ao propor que “o entrevistador deve despojar-se do próprio
saber, pois, no que concerne à estrutura da entrevista, é o
paciente que ensina seu savoir-faire”, o que permite resti-
tuir ao entrevistado – louco, criança ou adolescente – seu
estatuto de sujeito (SANTIAGO, 2009, p. 136).
Trata-se de uma intervenção pontual e de curta duração,
que se apresenta como conversas com alunos, partindo das
queixas dos professores sobre os variados problemas desses
alunos. Quando oportuno, pais ou familiares também são
convocados para entrevista. Nesta investigação junto ao alu-
no, quando se verifica “que o problema é da ordem de um

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 91
as práticas do psicólogo educacional
sintoma, que está se manifestando sob a forma de inibições
ou de angústia, objetiva-se localizar uma ‘identificação mor-
tífera” (SANTIAGO, 2015, p. 16). Através da oferta de es-
paço para falar, busca-se que a criança ou o jovem possa se
livrar do peso das identificações que lhe são impostas pelo
Outro (nomeações proferidas pelos professores). Muitas ve-
zes, essas entrevistas se tornam o momento mais propício da
passagem do sintoma do Outro para o sintoma do sujeito.

2. Conversação com educadores:


Conversação é o nome da metodologia, sugerida por Ja-
cques-Alain Miller, para os encontros clínicos do Campo
Freudiano, nos quais, se propõe a promoção de um debate
entre os participantes em torno de temas cruciais, para li-
dar com questões que não têm saída prévia e que somente
poderão ser construídas a partir daquela conversa. (SAN-
TIAGO, 2008; MANDIL, 1998).
Trata-se de um dispositivo psicanalítico de investigação,
tomado, num primeiro momento, como recurso de pesqui-
sa e, seguidamente, de intervenção pelo Laboratório CIEN
(Centro interdisciplinar de estudos sobre a criança) na Fran-
ça. A Conversação caracteriza-se pela aposta de que é pos-
sível pela via da palavra a construção do novo ou inédito, de
uma invenção, que leva em conta a experiência particular
de cada um dentro de um grupo (LACADEÉ, 1999/2000).
Portanto, a metodologia de Conversação se transfere de es-
paços puramente clínicos para espaços sociais, configurando-
se como uma prática de intervenção sobre um coletivo, que,
mesmo tendo a singularidade de seus componentes assegura-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 92


da, visa efeitos, também, no social, ao intervir na desinserção
de alguns sujeitos em desconexão com o Outro social.
Diante de situações e problemas que se repetem e se
configuram em queixas na escola, mesmo depois de utiliza-
dos todos os recursos educacionais possíveis, a Conversação
tem possibilitado um lugar em que o falar livremente pode
mobilizar questões e inventar respostas, lidando com o que
se evidencia como impossível. “O ponto de partida dessa
prática é o sintoma, ‘o que não vai bem’. A aposta da Con-
versação resume-se a passar da queixa, que paralisa a ação
dos professores e produz identificações indesejáveis para os
alunos, a outro uso da palavra em que dificuldades tomam a
forma de questão e esta se configura em respostas, ou me-
lhor, em invenções inéditas” (SANTIAGO, 2015, p. 16).

3. Diagnóstico Clínico Pedagógico


(DCP):
Um procedimento de investigação-intervenção que
parte da dificuldade do aluno com a aprendizagem esco-
lar e visa elucidar a trajetória intelectual deste, através da
resolução de tarefas até o ponto em que permita identi-
ficar se seus impasses na aprendizagem, situariam na es-
fera conceitual-pedagógica ou seriam de ordem subjetiva
(SANTIAGO, 2011). É a partir dessa constatação que se
propõe uma discussão interdisciplinar, na qual os limites e
as diferenças das intervenções pedagógicas e psicanalíticas
são reconhecidos. Dessa forma, nem todas as dificuldades
de aprendizagem são sintomas, mas somente aquelas que
se constituem em respostas particulares a impasses sub-

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 93
as práticas do psicólogo educacional
jetivos e que, por essa razão, continuam se repetindo em
fracasso, mesmo depois da execução de todos os recursos
pedagógicos e educacionais disponíveis à escola.
O método de investigação dos conhecimentos da crian-
ça é inspirado na clínica psicanalítica, sendo a criança in-
terrogada sobre seus impasses escolares, “como se inter-
roga alguém sobre seu sintoma [...] e considera-se que a
própria criança é quem tem o que dizer sobre sua dificul-
dade” (SANTIAGO, 2011, p. 97).
Ainda é fundamental enfatizar que a capacidade de
escutar a criança, dando-lhe estatuto de sujeito, possibili-
tará não somente a possível constatação de elementos da
subjetividade ou de sentido inconsciente, como também
indicará um método de intervenção particularizado (SAN-
TIAGO, 2005), sinalizando um caminho na superação das
suas dificuldades escolares. Portanto, o Diagnóstico Clíni-
co Pedagógico constitui um modo de restituir ao aluno seu
estatuto de sujeito de sua aprendizagem.
A metodologia de pesquisa aqui apresentada, se eviden-
cia como efetiva proposta de intervenção às queixas escola-
res, ao propor práticas fundamentadas no reconhecimento
do impossível da educação. É óbvio que a busca por uma
sociedade mais justa e uma educação de qualidade para to-
dos deve avançar em suas lutas e seus ideais; porém, quan-
do focamos no cotidiano atual das nossas escolas, marcado
por uma intensa diversidade com suas mais variadas pro-
blemáticas (familiares, sociais, jurídicas, subjetivas, entre
outras), somos convocados a intervenções não pautadas
em ideais, mas, sim, direcionadas ao sintoma, ou seja, ao

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 94


que se ressalta como aquilo que “não vai bem”.
Um grande desafio da psicanálise e, também, da psicologia
em sua aplicação ao campo da educação consiste em criar,
no âmbito institucional, um espaço em que a singularidade
possa se inscrever, de modo que as impossibilidades da edu-
cação, não sejam tratadas de forma generalista ou universal,
mas numa adequação do universal da política e da legislação
ao particular de cada escola e ao singular de cada sujeito. En-
tretanto, em tempos de psicanalistas engajados com o social,
essa consideração à singularidade não finda seu efeito sobre o
particular do sujeito e seu sintoma, mas é capaz de transcen-
der e localizar essa singularidade nos sintomas sociais, permi-
tindo efeitos sobre um coletivo através do laço social. Assim, a
psicanálise pode atuar sobre o sintoma de desinserção social,
no qual, a intervenção pode extrapolar o efeito da clínica do
caso a caso, já constatado nos tempos de Freud, e repercutir
sobre as instituições e suas políticas. Deste modo, ao con-
siderar a singularidade, atributo específico das intervenções
psicanalíticas, não se perde de vista a repercussão dessa con-
sideração sobre um coletivo como possibilidade de atuação
sobre os sintomas nas instituições (MESQUITA, 2017).
Portanto, é a partir desse desafio, que amplia a modali-
dade clínica da orientação à queixa escolar, que propomos
uma prática psicológica no espaço educacional que seja,
cotidianamente, refletida e questionada, uma vez que, em
meio as melhores intenções e as mais consistentes teorias
existem as impossibilidades da educação que sempre de-
mandam um repensar dos efeitos de nossas atuações como
profissionais e um reinventar constante de nosso fazer.

Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 95
as práticas do psicólogo educacional
REFERÊNCIAS

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Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho
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FREUD, S. Análise terminável e interminável (1937).


ESB, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

______. Prefácio a juventude desorientada, de Aichhorn


(1925). ESB, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1976

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disciplinaire sur L’enfant. Paris, 1999/2000. (mimeo).

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2017. 163 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universida-
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Brasília, v. 11, n. 53, p. 13-28, jan./mar. 1992a. Disponível
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MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. O renascimento da


saúde escolar legitimando a ampliação do mercado de trabalho
na escola. In: CENTRO DE ESTUDOS EDUCAÇÃO E SO-
CIEDADE. Cadernos CEDES: o sucesso escolar um desejo
pedagógico. Campinas: Papirus, 1992b. n. 28. p. 23-29.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: his-


tórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicó-
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SANTIAGO, A. L. A inibição intelectual na Psicaná-


lise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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Orientação à queixa escolar: reflexões sobre


| 97
as práticas do psicólogo educacional
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SOUZA, B. P.. Orientação à queixa escolar: consideran-


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Brasília, v. 26, n. 2, p. 312-319, jun. 2006. Disponível
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Acesso em: 06 jun. 2019.

VIEIRA, R. C. O psicólogo e o seu fazer na educação: uma


crítica que já não é mais bem-vinda. Psicologia da Edu-
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Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n27/
v27a10.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 98


TRABALHOS
APRESENTADOS
PELAS(OS)
PARTICIPANTES
A brinquedoteca
como ferramenta
da Psicologia: um
trabalho voltado para a
estimulação cognitiva

Mariene de Lima Ribeiro


Graduada em Psicologia (UNIUBE), especialista em
Psicologia Clínica (UNINTER) e Neuropsicopedagoga
(UCAM). Atua como psicóloga na Secretaria Municipal
de Educação de São Roque de Minas - MG e como
psicóloga clínica na CORPORE.
marienelima-r@hotmail.com
RESUMO
Este projeto foi idealizado devido a necessidade de mais
uma ferramenta de auxílio psicológico/psicopedagógico da
Secretaria Municipal de Educação de São Roque de Minas,
tanto para contribuição com fluxo do Setor de Psicologia,
quanto ao atendimento às crianças que apresentavam difi-
culdades ou problemas no processo de escolarização. An-
tes da Brinquedoteca, os serviços prestados pela Psicologia
aos sujeitos atendidos, englobavam estimulação cognitiva
de infantes já diagnosticados, ou que estavam em processo
de investigação. No geral, este projeto possibilitou a otimi-
zação do fluxo de atendimentos, assim como tem propor-
cionado diálogos entre monitoras, psicóloga, supervisoras e
professoras regentes dos respectivos participantes, com o
propósito de ir além da estimulação cognitiva contribuindo
mais com o desenvolvimento do indivíduo assistido.
PALAVRAS-CHAVE: brinquedoteca; Psicologia Es-
colar; estimulação cognitiva.

INTRODUÇÃO
A Brinquedoteca, da Secretaria Municipal de Educa-
ção de São Roque de Minas, teve seu início, em 2017,
por meio de uma necessidade do setor de Psicologia. Antes
desse projeto a dinâmica de recepção dos que procuravam
o serviço era lenta, o que acarretava em longas filas de es-
pera para avaliação de aprendizagem, atendimentos psico-
lógicos e orientações dos pais. Atualmente, tal setor, conta

A brinquedoteca como ferramenta da Psicologia: um


| 101
trabalho voltado para a estimulação cognitiva
com uma psicóloga para acompanhar toda a Rede Muni-
cipal de Ensino (RME), do maternal ao 5° ano do Ensino
Fundamental, englobando zona rural e urbana, assim como
realizar estimulação cognitiva de crianças já diagnosticadas
ou em avaliação com equipe multidisciplinar.
Segundo Magalhães e Pontes (2002), o papel da brin-
quedoteca é o desenvolvimento de atividades lúdicas e
também empréstimo de brinquedos e materiais de jogos,
entretanto não há empecilho para adequação ao contexto
em que está situada, até porque o serviço oferecido em
uma ludoteca hospitalar, por exemplo, pode ter funções di-
vergentes de uma escolar. No caso, a brinquedoteca aqui
referida está voltada para a expansão de habilidades cogni-
tivas dos alunos que necessitam, pois passaram por avalia-
ção. Esses estão devidamente matriculados na RME.

A estimulação de habilidades cognitivas


tem impacto poderoso no desenvolvimento.
Muitas crianças têm na escola a única opor-
tunidade de receber estimulação embasada
cientificamente, que auxiliam no desenvol-
vimento de determinadas habilidades lin-
guísticas, socioemocionais, comportamen-
tais e acadêmicas. Uma série de estudos
tem mostrado a relevância de intervenções
no contexto escolar, principalmente quando
iniciadas na pré-escola. Os programas de-
senvolvidos para crianças nessa faixa etária
preocupam-se em promover habilidades
linguísticas, funções executivas e autorre-
gulação bem como competências socioe-
mocionais. (GANZ et al., 2015, p. 16).

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 102


A maioria das crianças atendidas nesse serviço apresen-
tam algum tipo de diagnóstico como deficiência intelec-
tual, Síndrome de Down, Dislexia, TEA (Transtorno do Es-
pectro Autista), TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade) e/ou demais atrasos na aprendizagem.
Contudo, é importante frisar que nem todos os alunos são
passíveis de diagnóstico e avaliação médica, pois a dificul-
dade/atraso também pode ser inerentes à cultura, vulne-
rabilidade social e demais problemáticas que, por acaso,
não exclui a criança, quando avaliada, de participar desse
recurso.
O objetivo central é o atendimento diferenciado ao pú-
blico específico executado por duas monitoras (uma no tur-
no matutino, outra no vespertino). Por meio de treinamen-
to e discussões sobre casos e diagnósticos, elas conseguem
planejar e realizar através de jogos, brinquedos e diversos
recursos a estimulação individualizada e necessária a cada
criança. Este trabalho nem sempre é focado em escrita, lei-
tura e matemática, mas sim nas estruturas essenciais para
a aprendizagem como atenção, concentração, raciocínio
lógico, memória, linguagem e motricidade.

DESENVOLVIMENTO
O brincar é extremamente relevante na infância e é re-
conhecido em diferentes teorias psicológicas, pois cons-
titui-se como fonte para o prazer de viver, sendo também
necessário para o desenvolvimento físico, emocional,

A brinquedoteca como ferramenta da Psicologia: um


| 103
trabalho voltado para a estimulação cognitiva
cognitivo e social da criança (HANSEN et al., 2007). Na
Psicologia existem técnicas de brincadeira: livre e direcio-
nada, em que por meio dessas se conhece melhor o indi-
víduo e como ele lida com seus conceitos internalizados.
Segundo Winnicott (1975) no ato de brincar o infante es-
tabelece vínculos entre as características do papel assu-
mido, suas competências e as relações que possuem com
outros papéis. Ou seja, no lúdico a criança transforma os
conhecimentos que já possui em conceitos gerais com os
quais brinca e isso não é diferente no recrear visando a
estimulação cognitiva, pois através de jogos, brinquedos,
atividades diretivas, fantoches, outros, se conhece o que o
indivíduo sabe e qual a melhor forma de tornar seu apren-
dizado efetivo.
Baseado nisso, o primeiro passo para criar este projeto
foi fazer um levantamento minucioso das crianças que apre-
sentavam desordens ou atrasos, para mensurar a real neces-
sidade da Brinquedoteca. O segundo significou a apresen-
tação à Secretária Municipal de Educação. Essa o aprovou
e disponibilizou: duas monitoras, ambiente físico (uma sala
na Escola Municipal “Guia Lopes”) e material para o desen-
volvimento do mesmo. Já no terceiro passo ocorreu o trei-
namento das monitoras. Houve um diálogo sobre o perfil de
cada infante que seria atendido, assim como especificação
da forma de trabalho voltado para o lúdico.
Após a implantação completa (treinamento, criação de
fichas de atendimento, etc.), os pais das crianças indicadas
foram convocados para inteirarem-se dos motivos e planos

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 104


desse projeto. Todos compareceram e concordaram com a
participação de seus filhos. Em outro momento, a reunião
com as supervisoras serviu para esclarecer e efetuar levan-
tamento de sugestões a serem fomentadas na brinquedote-
ca. Visto que o enfoque é a ludicidade enfatizou-se que o
trabalho não deveria parecer um reforço escolar.
Dando continuidade, a psicóloga encerrou os atendi-
mentos semanais com o público alvo, no entanto por ques-
tões de vínculo e acompanhamento do desenvolvimento
do projeto, foi definido manter encontros mensais com
os pequenos. Assim, desde agosto de 2017, este progra-
ma tem funcionado e atendido várias crianças de 3 a 11
anos, diariamente. As tarefas produzidas pelas monitoras
são acompanhadas e articuladas pela supervisão, psicó-
loga e professoras regentes, ampliando e fortalecendo a
comunicação sobre cada indivíduo. Dessa forma tem se
mostrado eficiente, já que contribuí com os planejamentos
pedagógicos.
Portanto este projeto tende a crescer pois, atualmen-
te, a forma de avaliar o desenvolvimento do assistido tem
sido somente através da observação e feedbacks dos pro-
fissionais envolvidos. Assim sendo, pretende-se a implan-
tação anual de avaliação mais criteriosa para verificação,
por meios científicos, dos avanços cognitivos estimulados.
À vista disso, nota-se que seria de grande valia articulação
com os campos da fonoaudiologia, terapia ocupacional e
educação física.

A brinquedoteca como ferramenta da Psicologia: um


| 105
trabalho voltado para a estimulação cognitiva
CONCLUSÃO
Apesar de ser um trabalho voltado para a estimulação
cognitiva de crianças com transtorno e/ou dificuldades no
processo de escolarização é notório que tem conquistado
outras ramificações e a que mais se destaca é o diálogo
construído entre monitoras, psicóloga, supervisoras e pro-
fessoras regentes dos alunos assistidos. Isso tem transfor-
mado tal projeto não só em uma ferramenta de um espaço
isolado, porém em trocas e discussões visando melhores
abordagens a cada caso, ou seja, ampliando ainda mais as
contribuições e, automaticamente, usando a mesma lin-
guagem ao tratar e estimular cada criança.
Em suma, a Brinquedoteca é uma ferramenta impres-
cindível na construção do sujeito em desenvolvimento,
principalmente na vida daquele que necessita de auxílio
extra e especial, pois os olhares aqui não são exclusivos
para as dificuldades e sim para crescer, potencialidades, in-
cremento e independência. Entende-se que a inclusão não
se faz de uma mera inserção do indivíduo em um espaço
escolar, mas de projetos voltados para abranger com quali-
dade e dimensionar os seres envolvidos. É fato que existe
oportunidades de ampliação de vulnerabilidades, porém,
antes de tudo, a ênfase está nas habilidades.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 106


REFERÊNCIAS

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Acesso em: 15 fev. 2019.

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de


Janeiro: Imago, 1975.

A brinquedoteca como ferramenta da Psicologia: um


| 107
trabalho voltado para a estimulação cognitiva
A educação sistêmica
e a dificuldade de
aprendizagem

Maria Aparecida Alves


Pedagoga, professora de Educação Infantil, psicopedagoga
e psicóloga clínica. Atua como psicopedagoga na Rede
Municipal de Ribeirão das Neves e psicóloga clínica em
consultório particular e projeto social.
narripe@gmail.com
RESUMO
Este artigo busca evidenciar um relato da experiência
sob a visão da Educação Sistêmica no espaço da rede pú-
blica de ensino do município de Ribeirão das Neves-MG,
no Núcleo de Apoio Psicopedagógico Infantojuvenil Lud-
mila Patrícia Martins (NAPPI), com crianças de dez anos
de idade que apresentavam queixas relacionadas ao pro-
cesso de aprendizagem. A metodologia foi desenvolvida a
partir da modalidade de grupo. Foram realizados vinte e
quatro encontros ao longo de seis meses. Utilizou-se dinâ-
mica de grupo, vivências e roda de conversa, intercalando
momentos dos pequenos e os pais e/ou responsáveis. O
objetivo era abordar o campo fenomenológico, os conhe-
cimentos do cotidiano, o sistema familiar e o processo de
aprendizagem. Os resultados refletiram de forma positiva
no progresso escolar, bem como, no relacionamento fami-
liar. Este projeto viabilizou o desenvolvimento de uma prá-
tica sistêmica, um instrumento importante no compromis-
so com as queixas escolares.
Palavras-chave: Educação Sistêmica; dificulda-
des; aprendizagem.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve início com um grupo de crian-
ças que foram encaminhadas, pelas escolas municipais
e estaduais de Ribeirão das Neves/MG para o Núcleo de
Apoio Psicopedagógico Infantojuvenil Ludmila Patrícia Mar-

A educação sistêmica e a dificuldade de aprendizagem | 109


tins (NAPPI), com queixas relacionadas à aprendizagem.
Após isso, elas passaram pela anamnese. Nela, a família
foi acolhida, fez-se uma escuta sobre as demandas apre-
sentadas pela escola e, em seguida, uma avaliação psico-
pedagógica para averiguar as necessidades. Cabe aqui sa-
lientar que o infante só é atendido no NAPPI caso possua
dificuldade em aprender, caso contrário são orientados e
encaminhados, por meio de relatório, para a área da saúde.
A proposta traz princípios da Educação Sistêmica a se-
rem produzidos em conjunto à rede pública de ensino do
município. E têm como objetivos fundamentais instrumen-
talizar os alunos, os pais e/ou responsáveis e os educadores
a reconhecerem-se como protagonistas deste cenário. Tal
abordagem enfatiza a importância de analisar, com os ato-
res envolvidos, os motivos de um possível descompasso na
aprendizagem que possam sustentar a queixa inicial.
Como o programa, dessa abordagem no âmbito da rede
pública, era pioneiro foi realizado em caráter experimental,
no período de seis meses. O que se mostrou um desafio,
já que poucos colegas de trabalho conheciam ou sabiam
sobre esse enfoque. Assim, oito crianças foram chamadas
para participar do grupo, cujos encontros eram realizados
uma vez por semana, em tempo estimado de uma hora, no
contraturno da agenda escolar.
Com essa ótica, o projeto avançou nas dimensões do
fazer, estudar, brincar, sentir e viver experiências de apren-
dizagem em seu próprio corpo, através do campo fenome-
nológico. Tal teoria está fundamentada em pressupostos

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 110


apresentados pelo aporte da Constelação Familiar, oriun-
dos de estudos da hipótese sistêmica fenomenológica, de-
senvolvida pelo alemão Bert Hellinger (2003; 2004; 2006).
A autora Marianne Franke Gricksch (2005), professora
alemã, foi a pioneira na abordagem Sistêmica fenomeno-
lógica no contexto da sala de aula. Ela ampliou o conheci-
mento da percepção familiar e escolar trazendo novas com-
preensões das relações: família x aluno x escola. Segundo
essa autora, trabalhar desta forma possibilita olhar para a
família tendo respeito e amor. Já que esses sentimentos
fundamentam-se em uma postura sistêmica, compreen-
dendo o TODO e não apenas as partes. Portanto é de suma
importância assimilar que cada um tem seu espaço/lugar
no grupo ao qual pertence. Pois, quando o lugar do outro
não é respeitado podem surgir diferentes conflitos dentro
da escola, entre outros.

DESENVOLVIMENTO
A proposição deste projeto começou em meados de
Março de 2018, sendo realizados vinte e quatro encontros
no total. (Contribui nesse grupo servindo de mediadora,
colaborando para que os infantes pudessem-se beneficiar
deste trabalho em sua vida, sem o intuito principal de
alfabetizá-las).
No primeiro momento: realizamos uma reunião com os
pais e as crianças, a fim de explicar a proposta do progra-
ma, os objetivos dos atendimentos e ouvir as expectativas

A educação sistêmica e a dificuldade de aprendizagem | 111


dos participantes. Esclarecemos que o projeto seria con-
duzido sob a ótica Sistêmica, considerando o aluno e o seu
campo familiar, percebendo sua inclusão (no seu sistema
familiar de origem, sua interação, o lugar em que ocupa
dentro desse grupo e sua funcionalidade). Para isso a Pe-
dagogia Sistêmica propõe a elaboração em equipe com os
pais, educadores e alunos, proporcionando uma visão ho-
lística, uma vez que, os relacionamentos familiares interfe-
rem na aprendizagem do aluno, bem como na instituição
escolar. Foi um momento de interação.
Do segundo ao quarto encontro: utilizamos roda de con-
versas e explicação das Leis de Bert Hellinger. Os peque-
nos tiveram oportunidade de apresentar-se para o grupo
denominando uma característica, um sonho/desejo, dizer
de quem mais gostam, se o pai ou a mãe e porquê. Conta-
ram com quem elas moram, se tem irmãos, qual a ordem de
nascimento entre eles -nessa representação usaram mini
bonecos- e sua importância enquanto membro dessa famí-
lia. Assim puderam se perceber pertencentes e capazes de
melhorar o equilíbrio familiar, mesmo que a contribuição
deles seja menor. Entenderam também que obedecer essa
posição traz estabilidade e a responsabilidade que possuem
de tomar a vida que os pais lhe deram e seguir em frente,
fazendo e dando o seu melhor.
Do quinto ao oitavo atendimento: retomamos à roda de
conversa com assuntos que ocorreram durante a semana.
Tanto a chegada quanto escolha dos lugares para assenta-
rem-se ocorreu de forma aleatória, por isso, perguntamos

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 112


como estavam sentindo-se no lugar que estavam. Pararam
um pouco, concentraram e comentaram sobre o assento
que escolheram (às vezes, estavam incomodados; outras
bem, tranquilo). Posteriormente, se organizaram nos as-
sentos por cronologia, da direita para a esquerda respei-
tando assim a “Lei da Ordem”: o que veio primeiro tem
precedência sobre quem veio depois, isto é válido também
na família. No entanto, por todos terem dez anos questio-
naram qual deveria ser a sequência dos assentos. Expli-
camos que nem todos nasceram no mesmo mês. Surgiu
assim a oportunidade de trabalharmos o calendário. Após
esse movimento de descobrir quem veio primeiro, qual
mês nasceram, fizemos novamente a pergunta sobre como
estavam sentindo-se em seus lugares e responderam que
estavam mais leves.
Do nono ao décimo segundo encontro: iniciamos com
a roda de conversas, onde foi construído combinados pau-
tados na perspectiva do grupo. As crianças tiveram a opor-
tunidade de fazer um desenho de suas famílias e afixá-lo
no mural da sala. Ao longo dos encontros, utilizaram esse
painel quando sentiam-se tristes, preocupados por algo
que havia acontecido em seu círculo familiar. Colocavam
a mão sobre o desenho ou somente fechavam os olhos e
mentalizavam a presença dos pais ou responsáveis próximo
deles. Após alguns minutos sentiam-se mais aliviados e re-
tornavam as atividades do grupo.
Do décimo terceiro ao décimo quinto atendimento: o
grupo foi convidado para representar, no campo Sistêmico

A educação sistêmica e a dificuldade de aprendizagem | 113


fenomenológico, sua família. Em um dos casos, uma crian-
ça afirmou odiar a mãe. Ela constituiu um novo relaciona-
mento, teve outro filho e entregou o primogênito para os
cuidados dos avós, emaranhando sua história de origem. A
partir deste projeto, foi possível perceber novas possibili-
dades. Já que aquele infante passou a aceitar o irmão mais
novo (filho da atual união). E, embora ainda possua muitas
dificuldades, tem ocorrido um avançado na perspectiva de
relacionar-se com a mãe. Durante cada atividade, vivên-
cia ou oficina, foi trabalhado o (re)conhecer da sua própria
percepção acerca das implicações, vínculos, e afins.
Do décimo sexto ao décimo nono encontro: confeccio-
namos uma “árvore dos sentimentos” onde eles puderam
trabalhar as emoções que nutriam pelos integrantes de seu
sistema familiar. Desta forma eles tinham que colocar seu
nome e dar um sentimento para si mesmo, para a mãe, pai,
avós, outros. Ficou evidente o grande amor que nutriam
por cada membro.
Do vigésimo ao vigésimo segundo atendimento: busca-
mos entrelaçar as vivências de um com o outro, refletindo
sobre os entraves na escola, as dificuldades de aprendizado
e a visão individual sobre a instituição de ensino –aqui a
maioria deles apresentaram uma perspectiva de repulsa so-
bre o assunto. Então, listamos no papel Kraft essas negati-
vidades em forma de palavras. A partir dessas informações
começamos a pensar o que poderia ser mudado, encetando
pela responsabilidade de transformar o lugar onde estão
inseridos. Da mesma forma, registrou-se em papel Kraft as

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 114


possíveis alterações sugeridas, atitudes que poderiam tor-
nar a ESCOLA que temos na que queremos. Após refle-
xão desta atividade eles partiram para a representação do
campo fenomenológico, analisando os mesmos aspectos.
Também foi delimitado com barbante o espaço de ambas.
As crianças foram para dentro da área que demarcaram,
uma de cada vez. Na escola real falaram palavras negati-
vas, precisavam sentir a instituição e expressar através de
seu corpo a completa negatividade. Todos experimentaram
muita apatia, cansaço e alguns não queriam ficar lá dentro.
Em contrapartida, passaram para o espaço da que queremos
(a dos sonhos) e disseram palavras positivas, sentiram essa
escola e expressaram por meio de seu corpo. Surgiu, então,
uma nova postura, infantes mais felizes, alegres, leves.
Em um dado momento, pedimos que entrelaçassem as
escolas, num ponto de interseção, os alunos dividiram-se,
alguns dentro da que temos e outros na que queremos e
dessa forma eles começaram a sentir no corpo as sensações
da real e da imaginaria, entenderam que poderiam ter a
escola dos sonhos em sua escola real. As crianças foram-
se movendo para a interseção do círculo e dando as mãos
umas para as outras. Todas unidas em prol de sua escola
real, uma vez que esta era a única que realmente tinham.
Do vigésimo terceiro ao vigésimo quarto encontro: na
reta final dos trabalhos realizados, os envolvidos tiveram
oportunidades de refletirem sobre: a família, a aprendiza-
gem e os efeitos dessa abordagem em suas vidas. Procu-
rando estabelecer o fio condutor entre os olhares, dentro e

A educação sistêmica e a dificuldade de aprendizagem | 115


fora da escola. Construímos uma linguagem comum, bus-
cando articular valores, posturas, levando-os a uma aber-
tura para compreender a instituição de ensino e seu filho
dentro dela. Os pais deram feedback sobre as mudanças
ocorridas, com os seus rebentos. Tanto no desenvolvimen-
to do aprendizado, como do comportando em casa e na
escola. Por sua vez as instituições de ensino também nos
deram retorno, através de relatório, sobre transformações
de interesse e avanços na aprendizagem dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Sistêmica vem para somar, não como um
método, mas uma postura daqueles que estão envolvidos no
processo de ensino (escola, professores, pais e alunos) para
que tenham um novo horizonte com possibilidades de olhar
para cada estrutura. Essa abordagem abre a oportunidade
para os pais tomarem parte de maneira eficaz na vida de seus
filhos; os professores terem mais uma forma para ajudar a
lidarem com os alunos e a escola como um sistema amplo
que acolhe integralmente, possibilitando assim, a participa-
ção eficiente, a inclusão porque todos fazem parte.
A Pedagogia Sistêmica instrumentaliza os professores
para recuperarem a alegria e a força de darem aula, pois é
possível usar o amor que lhe é peculiar, tomando força dos
próprios pais e deixando fluir para os alunos. Da mesma
forma o amor dos pais, mana por meio deles, porque en-
tendemos que cada criança é representada pelos seus pais,

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 116


mesmo que não encontrem-se de corpo presente dentro da
escola. Isso é grande e muito poderoso. Sem esse entendi-
mento, não flui o amor; não tem a mesma força e, portanto,
é necessário que aconteça o mesmo impacto na vida dos
educandos, professores, família e demais funcionários da
escola.
Foi o que vimos em nosso projeto. O grupo vem evoluin-
do consideravelmente em torno dessas questões importan-
tes, relativa à sua origem, seus ancestrais, percebendo que
outras pessoas possuem problemas parecidos e que podem
vê-los por outro prisma.
A Pedagogia Sistêmica, como instrumento, pôde com-
provar a partir de vivências no campo fenomenológico
mudanças importantes na escola, na família e na vida do
educando. Vale ressaltar que o objetivo de nosso projeto
não era de alfabetizar, mas à medida que fomos desenvol-
vendo o nosso trabalho, a escola nos informou, por meio
de relatórios, que esses infantes estavam melhorando o
desempenho escolar. Em contato com os pais, estes nos
informaram que seus filhos estão aperfeiçoando o compor-
tamento dentro de casa e também têm se mostrado mais
afetivos. As crianças também relataram que estão tendo
melhor compressão da aprendizagem.
Desta forma tivemos acesso às informações antes e de-
pois da intervenção. As ações desenvolvidas não só facili-
taram a compreensão do processo de aquisição da leitura e
linguagem escrita, mas de maneira geral no comportamen-
to e nas relações com os colegas. Em posse de feedbacks

A educação sistêmica e a dificuldade de aprendizagem | 117


das partes envolvidas, percebemos que esta intervenção
contribuiu para ampliar a visão dos envolvidos no proces-
so de formação, numa perceptiva sistêmica. Observamos
mudanças significativas na aquisição dos conhecimentos,
tanto para os alunos quanto para os professores e pais,
além da convicção de ter sido um período de crescimento
profissional e pessoal, pois todos os alunos conseguiram
obter média nos conteúdos escolares. A visão da Pedagogia
Sistêmica mostrou-se significativa, porque vê nas dificul-
dades escolares a necessidade de incluir a família, a escola
abrangendo o corpo discente e docente. Diante dos resul-
tados obtidos nas avaliações por parte dos professores, alu-
nos e da própria família, pode-se concluir a viabilidade e a
importância do desenvolvimento de uma prática sistêmica.

REFERÊNCIAS

FRANKE-GRICKSCH, M. Você é um de nós: percep-


ções e soluções sistêmicas para professores, pais e alunos.
Patos de Minas: Atman, 2005.

HELLINGER, B. Ordens do amor: um guia para traba-


lho com constelações familiares. São Paulo: Cultrix, 2003.

HELLINGER, B. O essencial é simples. Patos de Mi-


nas: Atman, 2004.

HELLINGER, B. Liberados somos concluídos. Patos


de Minas: Atman, 2006.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 118


A escola e o processo
de subjetivação: uma
intervenção à luz da
educação para as
relações étnico-raciais
Adelina M. B. Nunes
Graduada em Psicologia (FAP), mestranda em Educação
(UFOP), especialista em Políticas Públicas com ênfase
em Gênero e Relações Étnico-Raciais (UFOP) e
Micropolíticas e Gestão do Trabalho em Saúde (UFF/RJ).
abn.psi@gmail.com

Isabela Perucci E. Fagundes


Graduada em Direito (UFOP), mestranda em Educação
(UFOP), especialista em Direito Processual Civil. É
técnica-administrativa em educação, membra do NEABI
e do Grupo de Pesquisa Caleidoscópio da UFOP.
isabela@ufop.edu.br

Margareth Diniz
Professora Adjunta do Departamento de Educação da
UFOP, psicanalista, doutora em Educação (UFMG).
dinizmargareth@gmail.com
RESUMO
Esse trabalho é fruto do projeto de intervenção: “Crian-
ça faz cultura: promovendo a igualdade racial na escola”,
desenvolvido em uma escola da educação básica na Rede
Municipal de Educação de Mariana-MG. Com a justifi-
cativa de conhecer e combater o racismo estrutural que
permeia a sociedade brasileira, essa ação teve como objeti-
vo trabalhar a identidade negra, ofertando material simbó-
lico positivo e valorizando as contribuições locais dos(as)
africanos(as) e seus descentes para a região. Por meio de
oficinas, histórias, filmes, desenhos, dinâmicas e outras
atividades mediadoras que se propuseram a promover uma
ressignificação das categorias “negro” e “África” facilitando
reflexões sobre as diversidades étnico-raciais, as diferenças
e as desigualdades, entendendo-as como produzidas so-
cioculturalmente. As práticas desenvolvidas conseguiram
ganhar a atenção e interesse dos(as) participantes que fo-
mentaram a discussão da temática junto a outros integran-
tes da comunidade escolar.
Palavras chaves: Identidade racial; subjetivida-
de; educação.

INTRODUÇÃO
No século XIX a categoria raça transita da biologia para
a cultura, assentando-se no que caracteriza sua função, a
de viabilizar uma “hierarquização social” em substituição
ao sistema escravocrata. A cor passa a ser um tipo de có-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 120


digo para raça (GUIMARÃES, 1995), escala social cromá-
tica tradutora das desigualdades produzidas pelo período
da economia escravista como um “problema do negro”. O
que é ser negro, o que é ser branco ou indígena? A educa-
ção para as relações étnico-raciais advém por essa questão
primária: há tempos os estudos raciais vêm se debruçan-
do sobre o “outro”. Mas, nesse processo de diferenciação
identitária racial (o “eu” e o “outro”), para uma equação
completa é preciso dar contornos também ao “eu”, de
modo que todos(as) presentes na trama reflitam sobre sua
posição e assim possam se conscientizar (sem defesas) dos
comportamentos que colaboram com a manutenção ou
ruptura do statu quo racial vigente.
A cultura racialista não é um aspecto a parte, ela é
transmitida como quaisquer outras feições culturais que
são naturalizados. O grupo familiar é para os(as) bebês a
primeira fonte pela qual ele(a) fará contato com a teia de
significações estabelecida na cultura, previamente à sua
chegada ao mundo. E, por conseguinte, os adultos(as) e
outras pessoas com que estabelecerem laços contribuirão
na sua assimilação do “mundo”, até que a criança desen-
volva as possibilidades cognitivas e sociais para estabelecer
suas próprias significações. Esse processo não se dá ape-
nas na relação de interação humana; a televisão, os dese-
nhos, os livros, as músicas, e mais recentemente, a internet
são meios de transmissão da cultura, o que lhes confere
também uma dimensão pedagógica, somando-a à função
educativa dos familiares e da escola, entre outros. O que
nos ajuda a compreender parte dos desafios de uma educa-

A escola e o processo de subjetivação: uma intervenção à


| 121
luz da educação para as relações étnico-raciais
ção para as relações étnico-raciais, ainda hoje. Qual imagi-
nário vem sendo reificado das mulheres e homens negros,
dos(das) brancos(as) e dos “indígenas” na mídia, nos livros
didáticos, na arte? (SILVA, 2011), (GOMES, 2012). Que
reflexos tais signos impactam na subjetividade? (FANON,
2008; SOUZA, 1983).
Apesar de compreendermos que o sistema de aprendi-
zado do “ethos racial” transpõe as instituições, reconhece-
mos que também estão presentes nela e, às vezes, podem
ser meios de produção de novas desigualdades, as escolas
não estão alheias a esse processo. Neste trabalho apresen-
taremos um projeto de intervenção realizado na Rede de
Educação de Mariana-MG, em uma escola que atende a
Educação Infantil, Fundamental I e II.
O cenário das políticas afirmativas, de reparação sim-
bólica é destacado aqui pela Lei de nº 10.639/2003 (BRA-
SIL, 2003) que torna obrigatório o Ensino da História da
Cultura Afro-brasileira. Isto colocou-nos diante de um
desses impasses do racismo que demanda uma legislação
específica para que seja reconhecido o legado cultural e a
importância da contribuição africana para o Brasil. Confor-
me demonstra o estudo de Nilma Lino Gomes e Rodrigo
Ednilson de Jesus (2013) a implementação desta legislação
ainda não pode ser considerada realizada, pois tais iniciati-
vas se localizam em professores e disciplinas específicas e
são tratadas pontualmente. A dificuldade expressa em pes-
quisas de âmbito nacional e as experiências trocadas du-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 122


rante o planejamento do projeto1e de contatos prévios com
a escola foram cruciais para a construção dessa proposta de
intervenção e escolha da metodologia, viabilizando o obje-
tivo principal de trabalhar a identidade negra, oferecendo
material simbólico positivo desse grupo racial e valorizando
as contribuições dos(das) africanos(as) e seus descenden-
tes para a região.

DESENVOLVIMENTO
A educação é um campo de conhecimento que se arti-
cula com as diferentes áreas entre as quais ressaltamos a
contribuição neste trabalho, que foram: a sociologia, a his-
tória e a psicologia. Campos que há um tempo vêm cons-
truindo novos paradigmas em torno do racismo brasileiro
e ampliando as possibilidades de uma maior consciência
racial. O percurso de estudo realizado no desenvolvimento
desse projeto também teve contribuições da psicanálise,
da antropologia, da medicina e do direito, setores que in-
fluenciaram, ao longo da formação do Brasil as políticas
educacionais, bem como o modo com que o tema “raça” foi
abordado na esfera das pesquisas e logo nas instituições.
Ao demonstrar a interdisciplinaridade dos estudos rea-
lizados posicionamos nosso argumento em defesa de que
1 Teve início na disciplina “Constituição do Sujeito e/ou identi-
dades culturais” ofertada pelo programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da UFOP em 2017/1. Sua execução foi vinculada ao Grupo de
Pesquisa Caleidoscópio coordenado pela professora da disciplina, Dr.ª
Margareth Diniz.

A escola e o processo de subjetivação: uma intervenção à


| 123
luz da educação para as relações étnico-raciais
o racismo está presente de forma estrutural na sociedade
brasileira. O que afeta a subjetividade, agrava desigualda-
des, impactando diferentes dimensões da vida do sujeito2
fazendo parte de um repertório de “aprendizado social” e
como tal pode ser desconstruído.
Para fins desta intervenção, iniciamos dividindo os(as)
discentes em três grupos, conforme a faixa etária sendo o
grupo 1: os que tinham entre 4 e 6 anos (matriculados no 1º
e 2º período e 1º ano do Ensino Fundamental), grupo 2: os
de 7 a 10 anos (alunos do 2º ao 5º ano do ensino fundamen-
tal) e grupo 3: dos 11 a 15 anos de idade (aqueles que cur-
savam entre o 6º e o 9º ano do Ensino Fundamental). Isso
permitiu adequar as atividades, a linguagem e a abordagem
a cada grupo. Com a primeira e segunda turma foram reali-
zadas três atividades e com a terceira quatro. Todas as ações
contaram com pelo menos duas mediadoras, que apresenta-
vam a proposta aos alunos e conduziam os trabalhos.
Interações realizadas com o Grupo 1:
a) Bonecas - nessa atividade as crianças foram estimu-
ladas a criarem uma história e interagirem com as bonecas
(onde moram, o que serão quando crescerem, etc). As bo-
necas em tudo eram idênticas, exceto na cor -uma preta e
outra branca. Essa atividade teve por objetivo identificar
construtos racistas promovendo uma mediação que possi-
bilitasse a ressignificação de estereótipos preconceituosos,
extensivos também à perspectiva do gênero;

2 Para compreensão mais ampla da tese ver: ALMEIDA, Silva. O


que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 124


b) Cineminha - a partir da exibição do desenho “Menina
Bonita do Laço de Fita”3 foi iniciado um diálogo com os(as)
alunos(as) em torno dos recursos apontados na animação;
as mediadoras conduziram a atividade na direção da valori-
zação da beleza negra na perspectiva da afetividade dando
ênfase ao fenótipo com herança ancestral;
c) Contação de história - com a leitura do livro “A cor de
Coraline” (RAMPAZO, 2017) foi proposto o debate sobre
a percepção da cor da pele de cada pessoa, sendo na se-
quência os(as) alunos(as) convidados(as) a desenharem a si
próprios, utilizando giz de cera com diversos tons de pele4.
Interações realizadas com o Grupo 2:
a) Contação de história - contando a história de “Chico
Rei”, rei africano em sua nação, que é trazido para o Brasil
escravizado e lidera um movimento de luta pela liberda-
de, as mediadoras propuseram uma reflexão sobre a tensão
entre violência e resistência que marcam a trajetória da
população negra no Brasil;
b) Pensar brincando - através de uma brincadeira onde
as crianças alternavam posições de dar e receber ordens, as
mediadoras de atividade pediram ao final que as crianças
discutissem como se sentiram em cada um desses lugares,

3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UhR8SXh-


Qv6s. Acesso em 25 jan. 2019.
4 O giz utilizado foi produzido em parceria com um curso de
aperfeiçoamento da UNIAFRO/UFRGS, em Política de Promoção da
Igualdade Racial na Escola e a Pintkor. Atualmente, já é possível en-
contrar também algumas opções de lápis de cor.

A escola e o processo de subjetivação: uma intervenção à


| 125
luz da educação para as relações étnico-raciais
introduzindo, a partir das respostas, o tema da violência no
período escravocrata brasileiro;
c) Que cor é a minha cor? - as crianças foram convida-
das a selecionar em jornais e revistas pessoas que se pa-
recem ou não com elas, construindo um mural das seme-
lhanças e diferenças. Através do debate e da observação,
os mediadores puderam verificar se havia a necessidade de
desenvolver outras atividades que auxiliassem na constru-
ção de uma identidade positiva.
Interações realizadas com o Grupo 3:
a) Somos todos iguais? - a partir da apresentação do cli-
pe “Minha Rapunzel tem Dread”5 os alunos foram chama-
dos a debater sobre a diferença fenotípicas, a semelhança
como herança ancestral, a construção e desconstrução das
desigualdades articuladas as diferenças raciais;
b) Preconceito, onde você guarda o seu? - instados a
descrever imagens de negros e brancos e como cada grupo
racial é representado pelas mídias, os alunos, através das
provocações das mediadoras, discutiram as diferentes for-
mas que o racismo assume;
c) Jogo das diferenças – os(as) alunos(as) foram convi-
dados a dar um passo atrás ou à frente conforme sua res-
posta às indagações das mediadoras sobre como sentimen-
tos e percepções raciais da sua vivência (ex.: se você já quis
ter um cabelo diferente, dê um passo à frente), de forma a
“visualizar” a própria trajetória e a dos colegas.
5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=b1Uf6_
SV5_8. Acesso em 25 jan. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 126


d) Cine Black - o racismo no cotidiano escolar foi dis-
cutido após a grupo assistir o vídeo “Vista minha pele”6. No
diálogo as mediadoras introduziram conceitos essenciais
para a temática do racismo e injúria racial e apresentaram
medidas de prevenção e combate à discriminação (como
o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei nº 10.639/2003,
que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da História
e Cultura Afro-brasileira e Indígena na educação básica).
Assim, diversos recursos foram mobilizados e várias inte-
rações provocadas, convidando os(as) alunos(as) a refletirem
sobre o racismo: o que é, como se manifesta, quais conse-
quências produz na vida de todas as pessoas e, sendo um
construto social, como é possível também desconstruí-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para alcançar o objetivo do projeto mostrou-se importan-
tíssimo que o espaço das oficinas não fosse um ambiente
de “certo ou errado”, mas que todos pudessem se expressar
tal como se sentiam. Coube às facilitadoras, ao identificar
comportamentos racistas, falas estereotipadas, intolerân-
cias às diversidades realizarem prontamente a ponte se-
mântica e simbólica de desconstrução diante do ocorrido,
de forma horizontal, com todos(as) os(as) participantes.
Conclui-se que promover a igualdade racial é possível,
através do deslocamento das próprias percepções e condu-
6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LWBo-
dKwuHCM. Acesso em: 25 jan. 2019.

A escola e o processo de subjetivação: uma intervenção à


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luz da educação para as relações étnico-raciais
tas. Dessa intervenção resultou ainda a elaboração de uma
cartilha com sugestões de atividades para a abordagem das
relações étnico-raciais na escola7.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Alte-


ra a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras
providências. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso
em: 06 jun. 2019.

GOMES, N. L. Corpo e cabelo como símbolos de iden-


tidade negra. [s. l.], 2012. Disponível em: <http://www.
acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/
Corpo-e-cabelo-como-s%C3%Admbolos-da-identidade-
negra.pdf>. Acesso em: 02 set. 2018.

GOMES, N. L.; JESUS, R. E. Educar em Revis-


ta, Curitiba, v 29, n. 47, p. 19-33, jan./mar. 2013. Dis-
ponível em: <https://revistas.ufpr.br/educar/article/
view/31329/20035>. Acesso em: 06 jun. 2019.

7 Foi produzida uma cartilha a partir desse projeto que está dispo-
nível virtualmente e pode ser solicitada pelo e-mail igualdaderacialna-
escola@gmail.com.br

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 128


GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil.
Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 43, p. 26-44,
nov. 1995. Disponível em: <O2https://edisciplinas.usp.br/
pluginfile.php/4116181/mod_resource/content/0/A.%20
S.%20Guimar%C3%A3es%20-%20Racismo%20e%20anti
-racismo%20no%20Brasil.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador:


EDUFBA, 2008.

RAMPAZO, A. A cor de Coraline. Belo Horizonte: Roc-


co, 2017.

SILVA, A. C. A representação social do negro no livro


didático: o que mudou? por que mudou? Salvador : EDU-
FBA, 2011.

A escola e o processo de subjetivação: uma intervenção à


| 129
luz da educação para as relações étnico-raciais
A orientação
profissional no curso
técnico integrado:
um processo de
(re)conhecimento
pessoal

Cristiany Seppe Faria


Psicóloga (UNEC), especialista em Neuropsicologia
(UNIARA), especialista em Educação Profissional e
Tecnológica (IFES). Mestranda em Ciências Aplicadas
à Saúde (UFJF). É psicóloga escolar do IFMG-
Campus Governador Valadares.
cristianyseppe@gmail.com 
RESUMO
A Orientação Profissional/Vocacional justifica-se como um
processo de construção de um projeto de vida e não como um
simples anichar de indivíduos no mercado de trabalho, pelo
menos não mais. O presente programa relata a experiência vi-
venciada no ano de 2017, desenvolvido com alunos de 3º ano
de Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio de uma ins-
tituição de ensino pública federal, no leste de Minas Gerais.
Participaram do método 17 alunos, os quais foram divididos
em dois grupos, de 8 e 9 indivíduos cada. Foram realizadas 7
reuniões grupais e, ao final, 1 encontro individual com cada
orientando, para a realização do feedback. Acredita-se que a
ação realizada tenha sido proveitosa aos alunos, trazendo gan-
hos principalmente em relação ao autoconhecimento. Mas
vislumbra-se, contudo, a necessidade de melhorias no arranjo
processual, principalmente no tocante à época de realização
dos encontros, pois esta experiência foi realizada nos meses
finais do ano, a fim de melhor adequar-se à rotina acadêmica
dos alunos, visto ser um tanto conturbada nesse período.
PALAVRAS-CHAVE: orientação profissional; orienta-
ção vocacional; Psicólogo Escolar; Curso Técnico Integra-
do ao Ensino Médio.

INTRODUÇÃO
A Orientação Profissional (ou vocacional, como também
é comumente denominada) é um processo hoje bastante

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 131
um processo de (re)conhecimento pessoal
difundido, abrangendo, todavia, diferentes concepções e
práticas. Como ponto de partida, tomemos neste trabalho
a definição trazida por Müller (1988, p. 8-9):

Entendo a orientação vocacional como


uma tarefa clínica, cujo objetivo é acompa-
nhar a um ou mais sujeitos na elaboração
de suas reflexões, conflitos e antecipações
sobre seu futuro, para tentar a elaboração
de um projeto pessoal que inclua uma
maior consciência de si mesmos e da reali-
dade socioeconômica, cultural e ocupacio-
nal que permita aos orientandos aprender
a escolher um estudo ou ocupação e pre-
parar-se para desempenhá-lo. Esta ideia
de orientação vocacional leva os orientan-
dos a considerarem, em primeiro lugar, a
construção de si mesmos, antes [...][da]
escolha eventual de uma ou outra profis-
são, dado que é a partir do esclarecimento
de quem se é e aonde se deseja chegar que
se depreende o que se quer fazer.

Embora Müller (1988) traga-nos o entendimento do


processo como uma tarefa clínica, a Orientação Profissio-
nal (OP) não se limita ao espaço clínico, estendendo-se
para outros contextos, cuja realização é feita com grande
proficuidade e coerência, como no ambiente escolar e so-
cioassistencial. Entende-se que uma técnica tão rica e com
possibilidades de desdobramentos tão profundas no curso
de vida do indivíduo não poderia estar limitado a um con-
texto tão específico.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 132


O presente trabalho ancora-se na Psicologia Sócio-His-
tórica, a qual se mostra oportuna ao considerar que o pro-
cesso de escolha (da profissão) realiza-se em uma socie-
dade incapaz de oferecer igualdade de condições a todos;
desse modo, a preferência é permeada por condicionantes
sociais. Por conseguinte, cabe compreender a OP como
uma intervenção processual cujo objetivo é instrumenta-
lizar o indivíduo de forma que este possa realizar escolhas
conscientes e autônomas na definição de sua identidade
profissional (MELO-SILVA; JACQUEMIN, 2001).
A OP, segundo a abordagem sócio-histórica, realiza-se
principalmente através de um sistema de reflexão grupal,
utilizando dinâmicas de grupo, trocas de experiências, pes-
quisas, etc., objetivando a elaboração dos conflitos experi-
mentados pelo jovem em relação à definição da profissão.
Isso permitindo o trabalho em suas dificuldades, a fim de
explorar os aspectos internos e externos envolvidos na sele-
ção, considerando uma sociedade em constante transforma-
ção. Assim, as profissões mudam de características e surgem
constantemente novas especializações (BASTOS, 2005).
Sobre a função/caráter social do processo de escolha,
Aguiar (2006, p. 22) acrescenta-nos:

A escolha, de um modo geral, e, nesse


caso, a profissional, seguramente, é atra-
vessada pela ideologia e pelo ocultamento.
Cabe a nós, como orientadores, tensionar
tal processo e injetar realidade na sua di-
nâmica, ao mesmo tempo questioná-la,
questionando a ordem social dada e apon-

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 133
um processo de (re)conhecimento pessoal
tando a utopia, ou seja, aquilo que até o
momento parece irrealizável. A escolha de
uma profissão pode vir a ser mais do que a
decisão sobre que carreira seguir, pode se
constituir num projeto pessoal, mas que se
constitui nas e pelas relações sociais e his-
tóricas e que, dessa forma, integra-se num
projeto maior de transformação social.

Carvalho e Marinho-Araújo (2010) consideram a insti-


tuição educativa como o espaço privilegiado para que este
trabalho (OP) se desenvolva, pois

ao ter como objetivo central de seu traba-


lho contribuir à promoção do desenvolvi-
mento global dos alunos, cabe ao psicólogo
escolar assumir como uma de suas tarefas
essenciais implementar a OP na escola,
encarando o desenvolvimento acadêmico
e da carreira como processos relacionados,
que se apoiam e suplementam mutuamen-
te, em benefício do aluno. (CARVALHO;
MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 224).

Embora acreditemos que a escola seja um espaço pro-


fícuo sobremaneira para o desenvolvimento de OP, cabe
ressaltar a ciência de que há impedimentos muito concre-
tos à sua implementação sistemática nas escolas ofertantes
da formação básica final (nível médio), tais como recursos
materiais e humanos insuficientes, havendo muitas vezes a
falta do profissional da psicologia nesses espaços ainda nos
dias de hoje.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 134


Destarte, o presente trabalho trata de experiência viven-
ciada no ano de 2017, com grupos de Orientação Profissional
desenvolvidos com alunos do 3º ano de Cursos Técnicos In-
tegrados ao Ensino Médio de uma instituição de ensino pú-
blica federal. O processo foi realizado em 2 grupos, de 8 e 9
alunos cada. Foram realizados 7 reuniões grupais e 1 encontro
com cada orientando, ao fim do processo, para o feedback. Os
encontros grupais eram semanais e contaram com técnicas
variadas, como dinâmicas, rodas de conversa, questionários,
tarefas para casa, pesquisas e entrevistas externas.
A OP se mostrava oportuna, pois visava possibilitar a
esses alunos (adolescentes e jovens adultos) um maior co-
nhecimento do mundo do trabalho, bem como uma am-
pliação do autoconhecimento, para que o processo de es-
colha profissional, após o término do curso de nível médio,
se desse de forma mais consciente. Porque mesmo forman-
do-se técnicos a maioria destes alunos prosseguem com os
estudos em nível superior. A esse respeito cabem discus-
sões que extrapolam o escopo deste trabalho.

DESENVOLVIMENTO
O processo de OP iniciou-se com a visita breve da psi-
cóloga às duas turmas de terceiro ano (e último ano) dos
cursos técnicos integrados ao Ensino Médio da institui-
ção (Meio Ambiente e Segurança do Trabalho), a fim de
divulgar o período de inscrições para participação. Nessa
ocasião, também foram esclarecidos o formato do procedi-

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 135
um processo de (re)conhecimento pessoal
mento, o tempo de duração das sessões, bem como solici-
tado que fossem elencados, pelos próprios estudantes, os
melhores dias e horários para realização dos encontros. Foi
ressaltado o fato de não se tratar de teste vocacional, como
muitos questionaram, mas sim de uma ação de autoconhe-
cimento e conhecimento do mundo do trabalho, objetivan-
do que eles tivessem condições de escolher uma profissão
de forma mais consciente; o processo não daria uma “res-
posta” pronta a eles, podendo, inclusive, trazer mais dúvi-
das. Findado o período de inscrições, fez-se contato com
os inscritos via e-mail, informando-os sobre a necessidade
dos menores de idade levarem aos pais/responsáveis um
termo de ciência e o trazerem assinado, para não haver im-
pedimentos à participação no processo. Houve 18 inscri-
tos, dos quais 1 não chegou a comparecer em nenhum dos
encontros, ao que foi considerado então desistente.
No primeiro encontro foram realizadas algumas elucida-
ções iniciais sobre o formato geral das reuniões, a necessi-
dade de comprometimento, a importância do respeito a ser
externado naquele espaço, bem como o sigilo requerido em
relação às informações dos colegas. Efetuou-se então di-
nâmica quebra-gelo, pedindo aos alunos que escolhessem
até duas figuras cada um, dentre as disponibilizadas pela
psicóloga em uma mesa, essas figuras deveriam represen-
tá-los de alguma maneira. A seguir precisariam apresentar
aos colegas as imagens escolhidas e explicar como elas os
representavam. Após, foi efetuada roda de conversa sobre o
desejo profissional dos alunos quando eram crianças, con-
frontando os sonhos de infância com as opções atuais. Os

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 136


alunos levaram para casa a tarefa “Árvore genealógica vo-
cacional”, em que deveriam pesquisar as profissões presen-
tes nas últimas gerações da família; além de uma atividade
na qual o orientando descreveria a história de seu nome,
acompanhada das características herdadas das linhagens
materna e paterna. Os exercícios dados objetivavam traba-
lhar as influências familiares no processo de escolha e na
formação geral da identidade dos jovens.
No segundo encontro, as tarefas foram discutidas
e isso tomou boa parte do tempo. Acredita-se que elas
tenham cumprido o seu papel, mostrando aos alunos a
grande influência do meio parental em suas escolhas,
mesmo quando motivando-os a irem em sentido distinto
do esperado pela família. Muitos alunos relataram nunca
ter pensado sobre essa interferência. A seguir, eles reali-
zaram um exercício denominado ‘Tempestade de profis-
sões’, na qual teriam três minutos para escrever o máximo
de carreiras das quais se lembrassem, avaliando depois
quais dessas figuravam entre suas opções atuais; quais
eles descartavam e quais significavam um talvez. O ob-
jetivo da atividade consistiu em trazer à tona as profis-
sões que, naquele momento, permeavam o imaginário dos
alunos. Estes levaram duas tarefas para casa. Uma con-
sistiam num questionário e a outra e um roteiro auxiliar,
cujo objetivo era conhecer mais a fundo os participantes,
questionando-os a respeito de suas famílias, a visão de si
mesmo, as opções preferidas de cursos no momento, as
universidades almejadas, as disciplinas favoritas na esco-
la, o que esperavam do processo de OP, etc.

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 137
um processo de (re)conhecimento pessoal
No terceiro encontro, as atividades foram recolhidas,
mas não discutidas. A seguir foram realizados os exercí-
cios: “Quem sou eu?” e “O que gosto e faço?” a fim de
compreender, respectivamente, as características atribuí-
das a si mesmos -sejam positivas, negativas ou neutras- e as
tarefas presentes/ausentes no dia a dia deles, questionando
o gosto ou não por elas, bem como a necessidade ou não
em realizá-las. Esta última objetivou ainda pôr em questão
o senso de dever e o equilíbrio necessário entre o atendi-
mento às nossas responsabilidades em sociedade e a rea-
lização de tarefas consideradas mais prazerosas. Ambas as
atividades foram discutidas com o grupo. Observou-se que
muitos alunos relataram dificuldade em apontar suas ca-
racterísticas e gostos/preferências, recorrendo à visão dos
colegas sobre eles. Então foram alertados de que poderiam
usar a fala do outro, contudo, era necessário haver uma
reflexão, avaliando se realmente era coerente com o que
acreditavam sobre si. Posteriormente, foi aplicado questio-
nário visando a investigação de interesses, aptidões e traços
de personalidade dos alunos. Ao final do encontro, entre-
gou-se tarefa na qual deveriam pesquisar em site específico
uma lista com a maioria das profissões reconhecidas hoje
e fazerem uma breve leitura, a fim de terem acesso a um
leque maior de opções, mesmo raso à princípio, por terem
acesso apenas ao nome da carreira. Contudo tal tarefa abri-
ria caminho para a averiguação posterior, caso a profissão
fosse alvo da curiosidade e/ou interesse do aluno. Também
foi dado exercício para cada orientando entrevistar pelo
menos um profissional de sua(s) respectiva(s) área(s) de

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 138


interesse, ressaltando que esta atividade poderia ser entre-
gue até a última sessão, por ser mais dispendiosa.
No quarto encontro, após breve discussão da tarefa re-
ferente à lista de profissões, foi efetuada o exercício ‘Ânco-
ras de carreira’, visando investigar o que era mais relevante
a cada orientando em relação à vida profissional. As ânco-
ras eram: competência técnica/funcional, gerência geral,
autonomia/independência, segurança/estabilidade, cria-
tividade empreendedora, serviço/dedicação a uma causa,
desafio puro e estilo de vida. Os resultados da atividade
foram discutidos em grupo. Aplicou-se também questio-
nário denominado ‘Os meus valores profissionais’ a fim de
que os alunos avaliassem o quanto cada um dos valores
citados era relevante para eles no exercício da carreira, tais
como altruísmo, criatividade, liderança, prestígio, etc. Ao
final, foram entregues duas tarefas. Em uma delas, os alu-
nos deveriam realizar uma pesquisa mais aprofundada so-
bre até três profissões dentre suas opções, examinar fatores
como média salarial, características pessoais necessárias,
perspectiva de crescimento na área, etc. A outra atividade
é denominada ‘Frases incompletas’, na qual completariam
frases já iniciadas com certos temas, essa possibilitou co-
nhecer mais do que os alunos pensavam sobre a temática
profissional, bem como captar aspectos pessoais relevantes.
No quinto encontro, os exercícios foram recolhidos e en-
tão a roda de conversa teve início abordando o que é sucesso
profissional para cada um. A grande maioria dos alunos rela-
tou visar uma carreira a qual propicie um conforto financei-

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 139
um processo de (re)conhecimento pessoal
ro, embora valorizassem, também, o equilíbrio entre a vida
profissional e a vida pessoal. A seguir, os alunos responde-
ram um questionário cujo alvo era investigar o nível de ma-
turidade em relação à escolha profissional. Então realizaram
a atividade “Círculo da vida”, na qual deveriam dividir um
círculo em partes representativas do que era importante na
vida para eles. Essa prática discutiu-se com o grupo. Ao final
foi entregue uma tarefa para refletirem sobre o dia a dia, des-
crevendo o tempo dedicado aos estudos, ao lazer, o cuidado
com a alimentação, o sono e a saúde de maneira geral.
No sexto encontro, após recolhida a atividade, realizou-
se a “Dinâmica dos classificados”, em que deveriam criar
uma propaganda de si mesmos enquanto futuros profissio-
nais, objetivando estimular os alunos a reconhecerem seus
pontos fortes, bem como saberem se colocar frente ao mer-
cado de trabalho, pois isso, provavelmente, será exigido de-
les quando estiverem em busca de um bom emprego, du-
rante os processos seletivos para preenchimento de vagas
profissionais. Essa tarefa ressaltou um caráter mais lúdico,
incluindo exageros que, em alguma medida, podem refletir
os desejos de sucesso dos alunos. Como por exemplo, alguns
deles desenharam-se segurando sacos de dinheiro no futuro.
Foi realizada ainda atividade a qual visou investigar como
está o relacionamento de cada um com a família, com os
amigos, a escola e a sociedade de forma geral, estimulando a
reflexão sobre a colocação do indivíduo em cada um desses
espaços. A relação familiar mostrou-se um ponto considera-
do sensível ao ser abordado com determinados alunos. Ao

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 140


final, foi entregue a tarefa “Autobiografia”, nela os orientan-
dos escreveriam suas histórias de vida até o momento, colo-
cando os assuntos considerados mais importantes. Tal exer-
cício costuma ter grande valor para a reflexão pessoal sobre
o caminho percorrido até a atualidade pelo indivíduo, como
uma súmula de vida, a partir da qual se pode continuar a
escrever mais conscientemente uma história.
No sétimo encontro foi recolhida o exercício e então
realizada a técnica “Visão de futuro”, na qual os alunos fo-
ram estimulados a imaginar-se daqui a 10 anos. Na segun-
da parte da atividade, deveriam traçar um planejamento
dos próximos anos, a fim de alcançarem o estado almeja-
do na primeira parte. Tal exercício intencionava possibili-
tar a tomada de consciência de que para alcançar nossos
objetivos, chegar ao patamar desejado, há um caminho a
percorrer, há trabalho a ser feito, e o planejamento pode
facilitar as coisas, podendo inclusive chegar mais longe,
embora também devamos saber lidar com a imprevisibili-
dade natural da vida. Posteriormente, foi realizada roda de
conversa, semelhante àquela realizada no primeiro encon-
tro, nela os alunos deveriam expor sua primeira opção de
curso atualmente, depois de todo o processo vivenciado,
confrontando-se com as opções colocadas no início da OP.
Os que conseguiram fazer a entrevista com um profissional
expuseram as impressões obtidas na realização da mesma.
Pediu-se ainda a opinião dos participantes a respeito do
processo de OP, podendo tecer sugestões de melhora para
uma oferta seguinte. Após agradecimentos de ambas as
partes, findou-se o encontro.

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 141
um processo de (re)conhecimento pessoal
Cabe colocar que esse foi um modelo padrão segui-
do com os dois grupos. Embora naturalmente, pelo ritmo
de trabalho e peculiaridades inerentes a cada coletivo de
alunos, o curso do processo tenha sofrido variações, in-
cluindo a ordem de realização de algumas atividades, bem
como a aglutinação das tarefas de dois encontros em úni-
co dia, a fim de se atender à disponibilidade dos alunos
de cada grupo.
Após a finalização dos encontros em grupo, foram mar-
cadas as reuniões individuais, a fim de receberem o fee-
dback sobre o seu desenvolvimento no processo. Essa não
se trata, de forma alguma, de uma “resposta” acerca de
qual profissão o aluno deva seguir, pois a decisão a ser
tomada (ou não) cabe unicamente ao orientando (SILVA;
SOARES, 2001).
Na ocasião, as atividades escritas foram devolvidas e
discutidas as intenções dos alunos para o ano seguinte,
também foram aconselhados em alguns aspectos práti-
cos. Essa ponderação final não se realizou com alguns
alunos, porquanto não responderam ao e-mail enviado a
fim de marcar uma data para a realização da mesma. Es-
ses orientandos aparentaram estar muito envolvidos com
a organização da formatura, incluindo uma viagem de fim
de ano com a turma, não mais comparecendo à institui-
ção de ensino. Acredita-se que mesmo esses, apesar de
não terem recebido o feedback, o fechamento/finalização
do processo, puderam beneficiar-se do que foi vivenciado
durante os encontros de OP.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 142


CONCLUSÕES
Durante o percurso descrito, pôde-se verificar algumas
dificuldades, tais como excesso de atividades acadêmicas
e extra-acadêmicas no período de realização do processo,
ocorrido nos meses finais do ano (setembro a dezembro),
o que acabou acarretando em remarcação de datas dos en-
contros, faltas de alguns alunos e perda parcial de foco no
procedimento, prejudicando um maior aproveitamento.
Contudo, acredita-se que a OP pôde trazer benefícios
em alguma medida a todos os participantes, os quais ex-
puseram ao final um ganho principalmente em relação ao
autoconhecimento, sendo comum o relato dos alunos de
que as tarefas propostas os motivara a refletir sobre vários
aspectos de si mesmos, seus interesses, suas habilidades,
objetivos de vida, bem como sobre o contexto familiar/so-
cial por trás de suas escolhas. Os grupos foram recomeça-
dos no ano de 2018, abarcando a nova turma de 3º ano,
mas com algumas modificações, dentre elas os meses de
realização.
Nota-se, portanto, que a OP pode ser considerada um
processo de conhecimento e reconhecimento pessoal, pois
possibilita ao indivíduo conhecer aspectos de si dos quais
não tinha ciência e que influenciam terminantemente seu
curso de vida; além de possibilitar o reconhecer em si e
em suas escolhas as múltiplas influências das quais é alvo
enquanto ser inserido em diferentes espaços sociais, como
família, escola e comunidade. Deste modo, o indivíduo se
torna (mais) consciente em relação à multiplicidade de fa-

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 143
um processo de (re)conhecimento pessoal
tores que envolvem uma decisão profissional, possa fazer
sua escolha de forma consonante com seu projeto de vida,
libertando-se, em alguma medida, de pressões as quais po-
deriam incitar-lhe a seguir curso alheio às suas inclinações
e preferências, ferindo sua coerência interna.

REFERÊNCIAS

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da Educação, São Paulo, n. 23, p. 11-25, jul./dez. 2006.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n23/
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BASTOS, J. C. Orientação vocacional/profissional de


abordagem sócio-histórica: uma proposta de concretização
da orientação para o trabalho sugerida pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Revista Virtú (ICH - UFJF), v.
1, ed. esp., p. 1-7, jul./dez. 2005. Disponível em:

<http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/04/artigo-2a2.pdf>.
Acesso em: 24 jan. 2019.

CARVALHO, T. O.; MARINHO-ARAUJO, C. M. Psi-


cologia Escolar e Orientação Profissional: fortalecendo
as convergências. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 219-228, jul./dez.
2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/
v11n2/v11n2a07.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 144


MELO-SILVA, L. L.; JACQUEMIN, A. Intervenção em
Orientação Vocacional/Profissional: avaliando resul-
tados e processos. São Paulo: Vetor, 2001.

MÜLLER, M. Orientação Vocacional: contribuições


clínicas e educacionais. Trad. Margot Fetzner. Porto Ale-
gre: Artes Médicas, 1988.

SILVA, A. L. P.; SOARES, D. H. P. A orientação profissio-


nal como rito preliminar de passagem: sua importância clí-
nica. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, p. 115-
121, jul./dez. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/pe/v6n2/v6n2a16>. Acesso em: 29 jan. 2019.

A orientação profissional no curso técnico integrado:


| 145
um processo de (re)conhecimento pessoal
As condições de
acessibilidade
ofertada pela UEMG
- unidade Divinópolis:
perspectiva dos
discentes dos cursos
de licenciatura1

1 A presente produção faz parte de um projeto maior que avaliou


a perspectiva tanto dos discentes dos cursos de licenciatura quanto de
bacharelado. Tendo o grupo se dividido em dois, cada um ficou res-
ponsável por uma modalidade, sendo este pela de licenciatura. Além
do mais, esta versão se configura em um formato resumido em razão
de atender a proposta de publicação dos organizadores. A pesquisa foi
avaliada e aprovada pelo comitê de ética da Universidade do Estado
de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Divinópolis sob o número do
parecer: 1.756.715.
Andressa Cardoso Mariano
Graduada em Psicologia (UEMG - Unidade Divinópolis).
andressa.c.mariano@gmail.com

Letícia Maia Amaral


Graduada em Psicologia (UEMG - Unidade Divinópolis).
leticiamaia796@gmail.com

Rosângela Gonçalves Martins


Graduada em Psicologia (UEMG - Unidade Divinópolis).
Pós-graduanda em Psicanálise e Saúde Mental
(Faculdade Pitágoras - Unidade Divinópolis).
rosangelagoncalvesm1@gmail.com

Rosimar Rodrigues
Graduada em Psicologia (UEMG - Unidade Divinópolis).
roserodriguesrcr@gmail.com

Ronaldo Santhiago Bonfim de Souza


Doutorando em Psicologia: Cognição e Comportamento
(UFMG); Mestre em Psicologia do Desenvolvimento
Humano (UFMG).
santhiagosouza@yahoo.com.br

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


| 147
Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
RESUMO
O presente estudo teve por finalidade identificar o nú-
mero de alunos com deficiência matriculados nos cursos de
Licenciatura da Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) unidade Divinópolis, os tipos de deficiência que
apresentam e investigar como os discentes, desses cursos
em geral, avaliam o trabalho da unidade em relação à pes-
soa com deficiência. Constituiu-se um estudo introdutório a
partir da realização de um levantamento de dados descritivo
e quantitativo por meio da aplicação de um questionário es-
truturado com quinze perguntas: sendo quatorze objetivas e
uma dissertativa, contendo algumas destinadas aos estudan-
tes em geral e outras específicas para os com deficiência. As
enquetes foram respondidos de forma voluntária e indivi-
dual após os alunos terem assinado um Termo de Consenti-
mento Livre e Esclarecido (TCLE), permitindo que as infor-
mações neles contidas pudessem ser utilizadas para os fins
desta pesquisa. Ao todo, 509 alunos responderam ao ques-
tionário sendo 364 mulheres, 143 homens e 2 não identifi-
caram o sexo. Do total: 28 responderam apresentar algum
tipo de deficiência e 13 não responderam. Ao que se refe-
re à avaliação do trabalho da unidade em relação à pessoa
com deficiência, 107 pessoas classificaram como ruim, 315
como bom, 41 como muito bom, 13 como ótimo e 33 não se
posicionaram. Nesse sentido, possíveis demandas puderam
ser detectadas acerca da acessibilidade oferecida dentro da
unidade ao gerar parâmetros para que estudos e ações, futu-
ramente, possam ser promovidos na busca de se avançar na
garantia dos direitos assegurados pela Lei nº 13.146/2015.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 148


PALAVRAS-CHAVE: acessibilidade; deficiência; en-
sino superior; inclusão.

INTRODUÇÃO
O trabalho aqui descrito faz parte de um projeto intitu-
lado: “Pensando a Pessoa com Deficiência” tendo iniciado
no mês de maio do ano de 2017, foi executado durante
todo o mês de junho, encerrando-se com a apresentação
de seus resultados na segunda semana de julho do mesmo
ano. Foi originado na intenção de seu coordenador, o pro-
fessor Me. Santhiago Souza, desenvolver atividades exten-
sionistas através da disciplina “Psicologia do excepcional”,
ministrada por ele no 7º período do Curso de Psicologia
da UEMG-Unidade Divinópolis, a fim de oportunizar aos
seus alunos mais possibilidades de atuação prática no de-
correr da graduação, embasando-se na Lei Brasileira da In-
clusão da Pessoa com Deficiência, mais conhecida como o
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015.
Nossa pesquisa caracteriza-se como descritiva por tra-
tar-se de um levantamento de dados cujos resultados e
análises correspondem a opinião dos discentes de licen-
ciatura da Universidade investigada, representada pelo
recorte amostral, sobre as características das ofertas de
condições de acessibilidade das pessoas com deficiência
em seu meio acadêmico (DALFOVO; LANA; SILVEIRA,
2008). Foi utilizado um questionário aplicado individual-
mente aos alunos, da categoria já mencionada, no intuito

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


| 149
Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
de delinear considerações a respeito do fenômeno estu-
dado. Tendo em vista que esta também é uma pesquisa
quantitativa, ao problematizar as questões específicas aqui
citadas anteriormente, as informações foram coletadas e
sistematizadas de forma numérica com auxílio de técnicas
estatísticas (DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008).
A Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei nº 13.146 homo-
logada no ano de 2015, visa a asseguração do exercício dos
direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiên-
cia em condições de igualdade, sem que sofra qualquer tipo
de discriminação, cabendo ao Estado, à família e a toda so-
ciedade o dever de zelar com o cumprimento dessa proposta
(BRASIL, 2015). O estatuto ainda prevê atribuíção ao poder
público para eliminar as barreiras causadoras de dificulda-
de e impecilhos ao acesso, a permanência e o processo de
aprendizagem no sistema educacional, ao gerenciar seu apri-
moramento visando efetivar uma inclusão plena propiciada
pelas condições de acessibilidade (BRASIL, 2015).
O termo “acessibilidade” quando referido, geralmente,
apresenta-se em meios de empregar medidas a fim de fa-
vorecer o acesso de pessoas com mobilidade reduzida a es-
paços físicos, bens, pessoas, atividades, obras, entre outros.
A mobilidade é compreendida como aquilo que é móvel,
quando esta, ao ser observada em condição reduzida, não
deve conceitualmente levar-nos a pensar exclusivamente
em casos de pessoas com deficiência, por não se restringir
a elas, podendo ser destinado também a idosos e crianças,
por exemplo (ALVES, 2006). Arquitetar propostas as quais

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 150


concretizem a acessibilidade em seu caráter de possibilida-
de e qualidade de acesso, implica em fomentar discussões e
realizar ações pensadas para além de ser necessária no aten-
dimento por meio do desenvolvimento de técnicas específi-
cas às características de um determinado público exclusivo.
Tendo em vista a possibilidade de resultar sobre si uma visão
de uma medida para solucionar algo a posteriori, ao invés de
ser eixo norteador e pensando do ponto da perspectiva de
um acesso viável, qualificado e universal (ALVES, 2006).
Percebe-se um grande avanço no processo de inclusão
da pessoa com deficiência no Brasil. Isso se dá a partir da
década de 1990, com base nos princípios da Declaração
de Salamanca (UNESCO, 1994). Essa legislação parte da
conjectura de que a educação inclusiva se caracteriza como
uma expansão de acesso à educação dos grupos excluídos e
marginalizados, em desvantagem de sua cor, gênero, classe
social, idade e deficiência. A Declaração de Salamanca é
vista como um relevante documento mundial apontado à
inclusão social e a “Educação para Todos”.
Porém, mesmo com avanços dos ideários e de projetos
político-pedagógicos, muitas instituições de ensino ainda se
encontram distante do ideal, e não implementaram ações
favoráveis a formação de profissionais de diversas áreas para
trabalharem com a integraçao. É importante a compreensão
do contexto sócio-histórico da exclusão e da proposta de in-
clusão. Além disto, possuir o manejo de conhecimentos que
os auxiliem a se aproximarem das pessoas com deficiência,
no escopo de se integrarem com elas, obtendo assim subsí-
dios para atuarem pedagogicamente (LIMA, 2002).

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


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Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
Nesse sentido este estudo teve por finalidade identificar
o número de alunos com deficiência matriculados nos cur-
sos de Licenciatura da UEMG-Unidade Divinópolis, os ti-
pos de deficiência por eles apresentados e investigar como
avaliam os discentes destes cursos em geral, o trabalho da
Unidade em relação à pessoa com deficiência. No intuito
das possíveis demandas pudessem ser detectadas acerca
da acessibilidade oferecida dentro da Unidade ao gerar
parâmetros para que estudos e ações, futuramente, fossem
possíveis de serem promovidos na busca de se avançar na
garantia dos direitos assegurados pela Lei nº 13.146/2015.

DESENVOLVIMENTO
A realização do levantamento de dados constituiu-se
por meio de uma pesquisa descritiva quantitativa, através
da aplicação de um questionário estruturado com quinze
perguntas, sendo quatorze objetivas e uma dissertativa,
contendo algumas destinadas aos estudantes em geral e
outras específicas para os com deficiência. As perguntas
destinadas aos discentes em geral referiam-se a: idade,
sexo, profissão, curso, turno, se teria alguma dificuldade
para se locomover na Unidade, o meio de transporte usa-
do para ir à Universidade, a avaliação que fazia acerca do
trabalho da Unidade em relação à pessoa com deficiên-
cia (ruim, bom, muito bom ou ótimo), contendo ao final
a opção dissertativa, na qual poderia haver sugestões para
este trabalho ser aprimorado. Estritamente aos alunos com
deficiência, qual o tipo de deficiência, seu grau de acordo

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 152


com a Classificação Internacional de Doenças - CID-10
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993), se to-
tal ou parcial, se possuía em sua decorrência algum tipo
de benefício como passe livre e se fazia o uso de algum
medicamento, caso sim, qual.
Tal instrumento foi respondido de forma voluntária e
individual após os discentes terem assinado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), permitindo
que as informações neles contidas pudessem ser utiliza-
das para os fins desta pesquisa. A participação desses foi
de grande relevância pois, juntos ao corpo docente, será
possível desenvolver estudos e trabalhos futuros voltados
para atender, de forma inclusiva, os estudantes com algu-
ma deficiência e sabendo que o processo de inclusão vai
muito além. Portanto, precisa ser acompanhado e traba-
lhado assim o estudante pode ter oportunidade e liberdade
de acesso em igualdade aos outros que se dizem “normais”.
Nesse contexto, entende-se por inclusão a oferta do siste-
ma educacional, na qual há participação ativa, dentro das
suas potencialidades e singularidade.
A partir da colaboração acordada entre as alunas para
a elaboração e cópias dos questionários do projeto “Pen-
sando a Pessoa com Deficiência”, não houve recursos fi-
nanceiros extras, nem patrocinadores para a produção da
pesquisa. Ficou definido o rateamento de todos os custos
financeiros entre os integrantes do grupo em partes iguais.
A questão dos horários em que cada uma iria aplicar ficou
bem definida e aceita entre as elas, havendo um bom de-
sempenho do trabalho.

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


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Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
A coleta de dados se deu do dia 19 a 23 de junho, nos
turnos matutino, vespertino e noturno. De acordo com a
divisão estabelecida dentro do grupo responsável pelo pro-
jeto, aplicou-se nos cursos da área de educação (Ciências
Biológicas, Educação Física -licenciatura, História, Le-
tras, Matemática, Pedagogia e Química) em 509 alunos:
sendo 364 mulheres, 143 homens e 2 não identificaram o
sexo. Do total, 28 responderam apresentar algum tipo de
deficiência.
Pessoas com Pessoas sem
Sexo Total
deficiência deficiência
Feminino 364
28 468 509
Masculino 143
Abstenções 2 13

Tabela 1. Dados coletados na pesquisa

Diante de tal levantamento, foram observadas a relação


de algumas profissões exercidas por pessoas com deficiência:
1 Educador físico - sexo masculino - 26 anos - deficiên-
cia motora;
1 Professora - sexo feminino - 29 anos - deficiência au-
ditiva parcial;
1 Professor - sexo masculino - 31 anos - deficiência au-
ditiva parcial;
1 Técnica de enfermagem - sexo feminino - 45 anos -
deficiência motoral (leve, parcial);
1 Operadora de telemarketing - sexo feminino - 27 anos
- deficiência auditiva (total esquerdo);

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 154


1 Demonstradora de sistemas - sexo feminino - 27 anos
- deficiência visual (total em um olho).

A partir disso, a deficiência (meio interno – órgão) pode


ser classificada como lesão ou anormalidade de elemen-
to ou função anatômica, fisiológica ou psíquica. Também
é possível classificá-la por tempo determinado ou perma-
nentemente. Ela pode corroborar para uma incapacidade
(meio físico – pessoal), apresentando restrição na desen-
voltura de atividades classificadas como normais. A defi-
ciência ou a incapacidade também podem engendrar uma
desvantagem (meio social) que diz de um prejuízo para o
indivíduo, o qual o limita e/ou o impede de desempenhar
papéis. Há possibilidade de ocorrer deficiência acoplada à
incapacidade e desvantagem ou somente a desvantagem
(ICIDH apud AMIRALIAN, 2000). Percebe-se, por meio
dos dados apresentados, que a incapacidade nem sempre
está associada à deficiência, pois a lesão exposta por tais
pessoas não as impediram de exercer suas profissões.
Em relação à acessibilidade, os estudantes apontaram
como fatores dificultadores de locomoção dentro da uni-
versidade: falta de iluminação, inclinação da rampa da
entrada (muito alta), dificuldade em estacionar, distância
entre os blocos, “falta de passeios bons”, e o não funciona-
mento do elevador. Também houve uma resposta sobre não
ter dificuldade, mas possuir um irmão que é cadeirante e
passa por muitaos impedimentos para se locomover dentro
da UEMG. Sobre o trabalho da universidade em relação à

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


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Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
pessoa com deficiência: 102 pessoas avaliaram como ruim,
295 como bom, 41 como muito bom e 11 como ótimo.

No campo de sugestões surgiu o relato sobre um caso es-


pecífico: “tem um aluno de engenharia de computação que
é cadeirante, sempre o vejo com dificuldade para chegar
na lanchonete do bloco administrativo. Seria legal facilitar
o deslocamento dele na universidade e aumentar a largura
da porta do bloco 1.” (sic) Foram colocadas pontuações po-
sitivas quanto às mudanças já iniciadas dentro da UEMG:
“creio que já é um avanço tudo isso que está sendo feito na
instituição,” (sic) entretanto foi também enfatizado sobre
uma atenção maior quanto às necessidades peculiares e
possibilidade das rampas serem menos íngremes.
Como crítica, foi apontado a possível análise ou coleta
com o intuito de ouvir mais os deficientes:“bom, eles se
adaptaram para atender a lei, porém nem todas as adap-
tações foram feitas de maneira que beneficiasse o próprio

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 156


deficiente. Levando-nos a entender que as adaptações não
foram feitas pensando 100% nos deficientes.” (sic) Tam-
bém outra pontuação nos chamou atenção: “é os alunos
que devem se adequar. Conheço uma que ganhou até mo-
tocicleta adaptada, anda de cadeiras de rodas, mas na ver-
dade, anda com amparo de bengala. Oportunismo dela.”
(sic) Nesse caso, o mesmo se refere à atitude de alguém
que se diz com alguma deficiência e, ao mesmo tempo,
demarca sua posição diante de tal fato, pois também apon-
ta ter deficiência. Por fim, referenciar-se em universidades
onde os índices de acessibilidade aos deficientes seja ele-
vado também foi um aspecto sugerido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados obtidos pela pesquisa “Pensando
a Pessoa com Deficiência” esperamos que novos debates
sobre as políticas de inclusão possam ser amplamente dis-
cutidas e aprofundadas dentro das universidades, para se
dar maior visibilidade às pessoas com deficiência e suas
necessidades específicas e, partir disto, aprimorar o atendi-
mento educacional para este público. Visto que assegurar
“o direito à educação” à pessoa com deficiência está para
além de oferecer condições de seu acesso ao sistema edu-
cacional, devendo-se também para se atingir tal objetivo
ofertar serviços e recursos de acessibilidade a fim de pro-
moverem condições de sua permanência neste contexto
evitando-se assim evasões ao propiciar uma inclusão plena
(PEREIRA, 2008).

As condições de acessibilidade ofertada pela uemg - unidade


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Divinópolis: perspectiva dos discentes dos cursos de licenciatura
Espera-se que o sistema educacional como um todo, ao
fazer cumprir o dever de ofertar recursos e condições de
acessibilidade para as pessoas com deficiência, busquem
em primeiro lugar oportunizar aos seus profissionais uma
formação continuada. Pois o conhecimento destes possam
sempre se atualizar e ampliar sobre as especificidades e
instrumentos adequados tendo como objetivo os alunos
encontrem ambientes favoráveis para a sua permanência e
a possibilidade de melhor aprendizado.
A presença de pessoas com necessidades educacionais
específicas no ensino superior é ainda um grande desa-
fio. O processo de construção de um espaço inclusivo na
educação se dá por meio do reconhecimento e interação
das diferenças as quais deveriam ser facilitado pelos seus
próprios mecanismos, como as universidades, sendo assim
ainda nos cabe questionar sobre os desafios e fatores difi-
cultadores deste processo.

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vas práticas. Indústria e Ambiente, s./l., n. 55, p. 12–14.
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103, fev. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scie-
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Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 160


Autolesionismo e
adolescência: que
dor é essa?

Evely Najjar Capdeville


Psicóloga, filósofa, professora e mestre em Educação.
Membro da Comissão de Psicologia Escolar e
Educacional do CRP-Minas. Vice-coordenadora da
ABEP-Minas.
evelyncap@hotmail.com
RESUMO
A prática de autolesão, também denominada automu-
tilação, cutting, do verbo “cortar”, em inglês, ou violência
autoprovocada vem crescendo entre jovens, nesses últimos
anos (BRASIL, 2013b). Tal atividade vem sendo abordada
em novelas e séries de televisão. Encontramos nas práticas
de estágio e em acompanhamentos psicopedagógicos na
área escolar, ocorrências relacionadas ao exercício de au-
tolesão em adolescentes. Esse trabalho, busca reconhecer
os aspectos psicológicos, familiares e sociais que desen-
cadeiam a ação do autolesionismo em jovens, através de
análise de casos e revisão bibliográfica de artigos. Segundo
Tostes (2017), há duas categorias analíticas para a com-
preensão da complexidade do fenômeno: “desprovidas de
afeto” e “crime e castigo”. Os aspectos psicoemocionais
associados ao exercício de autolesão são os sentimentos
de insegurança, solidão, culpa estresse, ansiedade e a per-
cepção de hostilidade no ambiente familiar. Os atos são
praticados para aliviar tensões e assim, ao provocar a dor
física, busca-se um meio de alívio para a “dor da alma”.
Afirmamos a importância do desenvolvimento de ativida-
des grupais e oficinas como estratégia para trabalhar a es-
cuta, inclusão, o sentimento de pertencimento, bem como
o fortalecimento dos laços sociais entre jovens. O olhar
atento da Psicologia Escolar em relação a vulnerabilidades
psicossociais e individuais, que vem emergindo na socieda-
de contemporânea, faz-se necessário no contexto escolar,
para um trabalho coletivo e de rede. Novos estudos sobre
esse fenômeno histórico-social, subjetivo e coletivo para

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 162


conhecer fatores associados aos ferimentos são fundamen-
tais para fomentar ações de prevenção e promoção à saúde.
Palavras-chave: autolesão; adolescência; Psicologia Es-
colar e Educacional; automutilação.

INTRODUÇÃO
A prática de autolesão, também denominada automu-
tilação, cutting, do verbo “cortar”, em inglês, ou violência
autoprovocada vem crescendo entre jovens nesses últimos
anos. Segundo dados epidemiológicos da Secretaria de
Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (BRASIL,
2013a), 13% das ocorrências de violências contra adoles-
centes de 10 a 19 anos, no Brasil, são provocadas pela pró-
pria pessoa.
Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Hori-
zonte (BELO HORIZONTE, 2018), constatam que a vio-
lência autoprovocada é a segunda maior causa de agressão
entre jovens. Ela correspondeu a 24 % dos casos notifica-
dos, no período de 2007 a 2017, na faixa etária de 10 a 19
anos. Dentre esses (n = 936), 701 ocorreram entre púberes
do sexo feminino e 235 do sexo masculino.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) também tem
registrado crescimento nos eventos, em relação à ocorrên-
cia de automutilação. Fala-se, inclusive, em uma epidemia,
dado o seu rápido avanço entre adolescentes, especialmen-
te entre as meninas de 13 a 17 anos.

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa? | 163


Para Hinduja e Patchin (2015) a prática de autolesão
vem sendo estimulada nas redes sociais, onde é possível
encontrar grupos que informam sobre métodos mais efica-
zes, comemoram aniversário das cicatrizes, relatam as ex-
periências até com glamour e competem sobre quem sen-
te mais dor. Tal exercício vem sendo abordado, também,
em novelas e séries de televisão, como a minissérie Sob
pressão e a novela Malhação, exibidas em 2017, pela Rede
Globo. O tema repercutiu bastante após a viralização de
um jogo virtual chamado Baleia Azul que entre os desafios
incluíam atos de autolesão.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE),
realizada pelo Ministério da Saúde, juntamente com o
IBGE, nos anos de 2009; 2012 e 2015, também traz dados
esclarecedores para reflexão sobre o fenômeno. Dentre ou-
tros aspectos, ela trata sobre a prevalência de ocorrência,
tipo e causa de ferimentos em escolares do 9º ano do Ensi-
no Fundamental, de escolas situadas nas zonas urbanas ou
rurais, públicas e particulares, em todo o Brasil. Conforme
os dados apresentados, dos adolescentes que compuseram
a amostra de 2012: 10,3% relataram ter sofrido ferimento
sério nos últimos 12 meses (MALTA et. al., 2014).
Um dos itens da pesquisa investiga os tipos de ferimentos
sofridos pelos jovens. Aqueles considerados de menor ou mé-
dia gravidade, lesão ou machucado, corte ou perfuração foram
os mais referidos por eles. Desta amostra: 30,6% dos estudan-
tes do 9º ano do Ensino Fundamental relatam ter tido cortes
ou perfurações nos últimos 12 meses, antes do levantamento.
Desses 44,7 % descreveram lesão ou machucados. Dentre as

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 164


causas dos ferimentos: 33% relataram causa diferente das op-
ções trazidas no questionário, a saber: acidente, atropelamento,
queda, brigas, incêndio, ataque etc. (MALTA et. al., 2014).
A pesquisa investigou também fatores de risco relacio-
nados aos comportamentos da vida em família e da forma
como os pais se relacionam com os filhos, sobretudo quan-
do usam formas violentas de se comunicar e de se compor-
tar. Trouxe perguntas relacionadas à supervisão dos pais
sobre a vida estudantil e social dos filhos, evasão da escola,
comportamentos dos jovens, tais como: relegar obrigações
estudantis, ter baixo rendimento escolar, viver longos pe-
ríodos fora de casa, não informar aos responsáveis sobre
como utilizam o tempo livre etc. O estudo destacou aspec-
tos associados aos ferimentos, como o sofrimento mental,
os sentimentos de solidão e isolamento. Dentre o grupo
de amostra: estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental
do país, 16% dizem ter se sentido só, na maioria das vezes
ou sempre, nos 12 meses que antecederam o questionário.
O percentual de alunos do sexo feminino que relatou ter
se sentido só totalizou 22%, representando mais do que o
dobro reportado pelo sexo masculino (10%).
As pesquisas, os autores e as instituições citadas eviden-
ciam necessidade de aprofundamento sobre as questões
relacionadas a ferimentos entre adolescentes, em especial
a prática de lesão autoprovocada. Nesse trabalho, fazemos
a opção pelo vocábulo autolesão, ao invés de automutila-
ção, por entendermos que o termo diz respeito ao ato vo-
luntário, consciente, sem intenção de destruir, desfigurar
ou arrancar partes da estrutura corpórea (TOSTES, 2017).

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa? | 165


Para além das evidências mencionadas, no primeiro se-
mestre de 2018, durante supervisão de estágio curricular
em Psicologia, em uma escola estadual da capital mineira,
nos foi relatada prática de autolesão coletiva, no banhei-
ro da escola, entre grupo de meninas das séries finais do
Ensino Fundamental. Conforme informado pelo vice-dire-
tor, os episódios começaram a ocorrer em períodos prece-
dentes as avaliações finais. O evento nos mobilizou e nos
propusemos a desenvolver um trabalho com esse grupo.
Porém, por motivos alheios à nossa vontade, o estágio nes-
sa instituição não foi autorizado dentro do período letivo,
inviabilizando a ação.

DESENVOLVIMENTO
Esse projeto está estruturado com base no estudo de
dois casos de autolesão em estudantes da área da saúde e
em análise bibliográfica. O objetivo é compreender a com-
plexidade histórica, social e psíquica que envolve a questão
entre jovens. Os casos, descritos a seguir, se inspiraram
em atendimentos psicopedagógicos, em uma instituição de
ensino superior, durante nossa experiência como Psicóloga
Escolar. Portanto, por questões de sigilo, a descrição não é
fiel aos casos reais e optou-se por utilizar uma letra aleató-
ria como nome fictício para não identificar as estudantes.
Uma delas, aqui chamada de D, veio para acompanha-
mento uma única vez. Foi trazida por uma colega de sala,
que já vinha tentando marcar horário para a amiga, por vá-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 166


rias vezes, e essa não comparecia. D tinha 20 anos, cursava
Medicina, morava longe da família e havia perdido a avó na
infância. Relatava ter iniciado a prática de autolesão, a par-
tir dos 12 anos de idade, com a separação dos pais. A mãe
casou-se novamente e teve outros filhos. A relação com o
pai era hostil e de muitas críticas. Desde então, cometia
a lesão autoprovocada todas as vezes que estava vivendo
alguma crise, fazendo cortes nas pernas e braços. Percebe-
mos a falta de laços familiares significativos e o ambiente
familiar era descrito como pouco acolhedor. Sentia-se “no
limbo” (sic) e relatava que começou a comer compulsiva-
mente. Mesmo em dias quentes vestia-se cobrindo todo o
corpo. A timidez e a fragilidade de D eram evidentes, em
seu relato.
Segundo Tostes (2017), há duas categorias analíticas
para a compreensão da complexidade dos aspectos psí-
quicos e emocionais do fenômeno de autolesão, a saber:
“desprovidas de afeto” e “crime e castigo”. O caso de D
pareceu enquadrar-se na categoria “desprovida de afeto”,
pois os sentimentos de insegurança e solidão assemelham-
se e associam-se à perda da avó e a separação dos pais. A
percepção dela sobre as atitudes hostis por parte do pai
teve início após esses fatos.
Maestri (2017) enfatiza a carência de afeto como possí-
vel raiz em aspectos psicossociais e existenciais que colo-
cam adolescentes no grupo de risco para autolesão. Dentre
esses aspectos, salienta: a) padrões inadequados de edu-
cação, tais como agressão física ou verbal e b) ambiente
frustrante, falta de manifestação adequada de afeto, amea-

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa? | 167


ças e castigos, intromissão na vida privada. A existência de
amigos, assim como de um ambiente familiar favorável e
de um meio social acolhedor são fatores de proteção fun-
damentais para promover a saúde mental, conforme avalia
a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Os fatores protetivos pareciam estar ausentes no caso
de D, mas não foi possível aprofundar. No ensino superior
em saúde, observamos que estudantes de medicina, por se-
rem bem-sucedidos cognitivamente, apresentam resistên-
cia em reconhecer suas fragilidades emocionais e buscar
ajuda psicológica.
Outro caso a ser apresentado é o de F, 20 anos, que
compareceu ao serviço, em encontros alternados, por três
meses. Era bolsista do Prouni, morava em uma república,
pois os pais viviam em uma cidade próxima. Apresentava
conflito em relação à sua orientação sexual definida como
homoafetiva desde os 15 anos de idade. Mesmo período
que começou a se cortar. Sua orientação sexual era aceita
pela mãe, mas o pai era descrito como muito rígido.
F chegou ao serviço relatando tristeza, ansiedade, des-
conforto, sentindo-se “machucada” e “dolorida” (sic). En-
caminhada ao psiquiatra, foi diagnosticada com depressão
leve e receitada com medicamento de uso contínuo. Ela
trazia relatos de relacionamentos abusivos com as namo-
radas anteriores e a atual, assim como com amigos e co-
legas de sala. Demonstrava intensa necessidade de apro-
vação pela mãe, cujo relato, muitas vezes não reconhecia
seu sofrimento, dor, depressão, e fazia exigências de alto

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 168


rendimento escolar, causando-lhe o sentimento de “não ser
boa o bastante” (sic). A progenitora sabia das autolesões
praticadas pela filha e, quando essas aconteciam, lhe dizia
“então você não gosta nem de você e nem de mim” (sic).
F trazia dificuldade em falar como se sentia para as pes-
soas e colocar limites nas relações. As frustrações de todos
os tipos eram sempre acompanhadas de lesão autoprovoca-
da nos braços e nas mãos. Houve recomendação de psico-
terapia individual, exercícios físicos como corrida e boxe,
para liberar a raiva contida, presente em seus relatos, mas
relutou em buscar ajuda.
Segundo Botega (2015), há um consenso de que a auto-
lesão é uma forma simplificada de lidar com os problemas,
a solidão e as frustrações, pois desvia momentaneamente
a atenção da dor emocional para a física. Há, portanto, um
alívio imediato, seguido de culpa, vergonha e arrependi-
mento. O praticante, contudo, costuma voltar a se cortar,
quando sente necessidade de fugir novamente de suas afli-
ções e ansiedades, correndo o risco de agir compulsiva-
mente. A passagem direta ao ato, sem se permitir sentir
tristeza, demonstra uma ação impulsiva, na qual a dor não
é processada ou significada.
Essa clivagem nas emoções e a negação da raiva eram
perceptíveis no caso de F, pois a intenção predominante
era cessar a dor emocional e, não necessariamente, fazer
mal para si. Havia também um pedido de socorro, uma
tentativa de chamar a atenção sobre o sofrimento viven-
ciado. E os estudos alertam que os cortes sucessivos vão

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa? | 169


naturalizando a autoagressão e podem levar a tentativas de
suicídio no futuro.
A partir do que nos foi possível perceber, no acompa-
nhamento de F, havia uma relação de “crime e castigo” na
qual a estudante se sentia enovelada, seguida de percep-
ção de altas exigências vindas do núcleo familiar, às quais
ela não conseguia corresponder. Sentia-se triste, sozinha e
queria pertencer a algum grupo, ao mesmo tempo, perce-
bia-se privada de afeto, cuidado e consideração, não con-
seguindo expressar seu sofrimento.
Segundo Carreteiro (2003), encontramos na sociedade
contemporânea um esgarçamento do contrato narcísico,
como o vivido por jovens. Há um sofrimento social gera-
do por humilhações, vergonha e falta de reconhecimento,
produzindo efeitos sociais e subjetivos. A autora, ao ana-
lisar a influência dos imaginários sociais prevalentes nas
instituições, nos alerta para a produção de exclusão social,
através das formas de desqualificação, fracasso e não per-
tencimento, que colocam adolescentes em estado de vul-
nerabilidade no laço social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática de autolesão, também denominada automuti-
lação vem crescendo entre jovens brasileiros, nos últimos
anos, especialmente entre as meninas de 13 a 17 anos.
Estudos por amostragem, realizados pelo Ministério da
Saúde, juntamente com o IBGE, nos anos de 2009, 2012

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 170


e 2015 - Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE),
com escolares do 9º ano do Ensino Fundamental, de esco-
las em todo o Brasil, apresentam dados alarmantes e signi-
ficativos relacionados a ferimentos, lesões ou machucados
sérios, em adolescentes.
Essa atividade encontrada tanto entre grupos de estu-
dantes, em experiência de supervisão de estágio, quanto
no trabalho de acompanhamento psicopedagógico de estu-
dantes do ensino superior, suscitou a escrita desse artigo.
Este trabalho está estruturado com base no estudo de dois
casos, nos quais o exercício de lesão autoprovocada teve
início na adolescência e se prolongou nos anos seguintes,
no curso superior. Embora não seja nosso objetivo esgotar
a questão, buscamos uma análise fundamentada, a partir
de revisão bibliográfica, com a finalidade de compreender
a complexidade histórica, social e psíquica que envolve tal
demanda entre jovens.
Nesta obra não é nosso objetivo aprofundar a análise so-
bre os casos trazidos, mas principalmente gerar reflexões e
perguntas, visando compreender a enredamento psicosso-
cial que perpassa a questão do autolesionismo. A partir de
nossa prática, afirmamos a importância do desenvolvimen-
to de atividades grupais e oficinas como estratégia para tra-
balhar a escuta, inclusão, o sentimento de pertencimento,
bem como o fortalecimento dos laços sociais entre jovens.
É relevante destacar, também, a necessidade de um
olhar atento da Psicologia Escolar e Educacional em rela-
ção a vulnerabilidades psicossociais e individuais que vem

Autolesionismo e adolescência: que dor é essa? | 171


emergindo na sociedade contemporânea e a possibilidade
dessas instabilidades serem detectadas no contexto esco-
lar, para um trabalho coletivo e de rede. Além disso, faz-se
necessário novos estudos sobre esse fenômeno histórico-
social, subjetivo e coletivo que vem crescendo entre a po-
pulação púbere, no cenário escolar.
A atualidade, relevância e gravidade do fenômeno, as-
sociada à escassez de pesquisas e correlações com o de-
senvolvimento psíquico de adolescentes, nos instigou a
investigar mais sobre a questão, buscando entender e re-
conhecer os aspectos psicológicos, familiares e sociais que
desencadeiam a prática do autolesionismo. É importante
salientar a necessidade do acompanhamento da(o) Psicó-
loga(o) Escolar e Educacional, inserido nas escolas de edu-
cação básica, como forma de identificar, prevenir e intervir
de forma coletiva, sistêmica e também individual.
Destacamos, ainda, a relevância de tomarmos a inclu-
são, enquanto desafio necessário proposto pelas políti-
cas públicas para a educação, bem como o cuidado com
o desenvolvimento de laços sociais na escola, como fator
potencializador do sentimento de pertencimento, entre
jovens. E, ainda, afirmamos que conhecer fatores associa-
dos aos ferimentos é fundamental para fomentar ações de
prevenção e promoção à saúde, em diferentes contextos.
No Brasil, esses estudos ainda são incipientes, havendo
necessidade de introduzir, nas pesquisas com escolares,
perguntas claras referentes à prática de autolesão, de for-
ma a tornar possível a identificação do fenômeno, em toda
sua complexidade.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 172


REFERÊNCIAS

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183-202, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
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(Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia, Ponti-
fícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2017.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 174


Bullying:
conhecer para
enfrentar

Márcio Pereira
Graduado em Psicologia, Pedagogia, mestre em Educação
(UNISAL-SP), doutor em Educação (UNINI – Puerto
Rico). Pós-graduado em Educação Especial e Inclusiva,
Psicopedagogia Clínica e Institucional, Psicopedagogia
com ênfase em Neurociência e dificuldades de
aprendizagem. Professor universitário (Pedagogia
e Psicologia), coordenador de curso (Pedagogia),
experiência em pesquisa e extensão.
marcio.marcio@uemg.br

Palmira Feliciano Silva


Graduada em Psicologia (UEMG).
palmirabiblioteca@gmail.com
RESUMO
Este trabalho refere-se a um relato de experiência a par-
tir do Estágio Supervisionado do curso de Psicologia da
Unidade Acadêmica Divinópolis/UEMG na área de Psico-
logia Educacional e Desenvolvimento II, realizado numa
escola pública estadual da mesma cidade, com alunos dos
anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano). De fato,
a violência na escola vem afetando populações do mundo
todo, sem distinção de classes sociais e é um fenômeno di-
versificado que acontece nas mais variadas modalidades. O
bullying, uma das formas de violência, tem se destacado de
maneira a preocupar a sociedade devido os danos causados
nos envolvidos e na coletividade de maneira geral, além da
difícil detecção do mesmo. Nesse sentido, pela demanda
da escola e alunos, foi realizado um projeto de oficinas
ligadas à temática, sendo a intervenção uma mediação ao
processo reflexivo dos próprios alunos. A culminância das
oficinas foi à elaboração de uma cartilha realizada pelos
próprios alunos com o objetivo de publicação. Nessa mate-
rial, o conceito, o pensamento e as experiências dos estu-
dantes em relação ao bullying foram expressos. Os alunos
foram autores e, por isso, a realidade das relações na escola
se modificaram. A experiência de estágio demonstra a im-
portância da Psicologia Educacional e Escolar no espaço
educacional para solucionar problemas que afetam as re-
lações interpessoais, melhorando a qualidade do ensino/
aprendizagem e a saúde mental.
Palavras-chave: bullying; escola pública; anos finais;
alunos; Psicologia

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 176


INTRODUÇÃO
O presente projeto trata de um relato de experiência,
resultado do Estágio Supervisionado do curso de Psicolo-
gia da Unidade Acadêmica Divinópolis/UEMG, na área de
Psicologia Educacional e Desenvolvimento II. Realizado
no 2º semestre de 2017, em uma escola pública estadual
na cidade de Divinópolis/MG, com alunos do 6º ao 9º ano
do Ensino Fundamental, no tocante à temática bullying.
Tal fenômeno não pode ser confundido com outras mo-
dalidades de conflitos existentes no espaço escolar, como
indisciplina, brincadeiras comuns da idade e até mesmo
agressões motivadas por desentendimentos entre pares.
Segundo Pereira (2009), pesquisas vêm apontando altas
taxas de ocorrência de ações intimidantes entre os estu-
dantes brasileiros e os acontecimentos trágicos se destaca-
ram de tal forma que mobilizou o poder público a criar leis
cuja proposta é erradicá-lo, principalmente, no contexto
escolar, onde as principais vítimas são as pessoas em de-
senvolvimento, especificamente a Lei n. 13.185 de 06 de
novembro de 2015 (BRASIL, 2015).
Segundo a legislação citada, para efeito de conceitua-
ção, o bullying caracteriza-se em atos de intimidação sistê-
mica de um ou mais indivíduos, contra uma pessoa ou gru-
pos em condição de desequilíbrio de poder. Maia (2012)
diz que tais atos atentam contra a Constituição brasileira,
visto ferir os princípios da dignidade humana.
De acordo com Maia (2012), o bullying pode se apre-
sentar em oito tipos, a saber: a) físico: inclui beliscões, so-

Bullying: conhecer para enfrentar | 177


cos, chutes, empurrões e afins; b) verbal: é o mais comum
e é composto de apelidos, xingamentos e provocações; c)
escrito: quando bilhetes, cartas, pichações, cartazes, faixas
e desenhos depreciativos são usados para atacar os cole-
gas; d) material: tem os pertences danificados, furtados ou
atirados contra si; e) cyberbullying: a agressão se dá por
meios digitais, como e-mail, fotos, vídeos e exposição na
internet e, em pouco tempo, alcança muita gente. Devido à
sua rápida disseminação, hoje, a ofensa online chega a ser
mais impactante nos círculos escolares; f) moral: a tática é
difamar, intimidar ou caluniar imitando ou usando trejei-
tos próprios do alvo como armas; g) social: criar rumores,
ignorar, fazer pouco caso, excluir ou incentivar a exclusão
com o objetivo de humilhar estão entre as artimanhas; h)
psicológico: todos os tipos têm um componente que afeta
a saúde mental, mas aqui se destaca a pressão na psique
induzida por diversos meios.
Para Silva (2015), são muitas as consequências do
bullying sobre os envolvidos, distinguindo-se de acordo
com a estrutura psicológica de cada indivíduo, suas expe-
riências, história de vida, questões biológicas, formato e
intensidade das agressões. Segundo a autora, em maior ou
menor grau, todas as pessoas envolvidas serão afetadas pe-
las ações de violência. Ela aponta desinteresse pela escola,
doenças psicossomáticas, problemas comportamentais e
psíquicos como transtorno do pânico, depressão, anorexia
e bulimia, fobia escolar, fobia social, ansiedade generaliza-
da, entre outros são evidenciados nas vítimas das ações de
intimidação sistêmica. Quando exposto há um tempo pro-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 178


longado ao bullying, Silva (2015) alerta para os agravos aos
disturbios preexistentes poderão ocorrer, como a evolução
para suicídios, homicídios e quadros de esquizofrenia.
A partir dessas considerações, este trabalho teve como
objetivo melhorar a compreensão das questões que afetam
o desenvolvimento saudável das relações entre as pessoas
no contexto escolar, com alunos do 6º ao 9º ano de esco-
laridade, visando construir estratégias possibilitadoras de
transformação das relações doentias em amistosas, promo-
toras de habilidades sociais e de vida, como: resolução de
conflitos; tomadas de decisões; pensamento crítico; comu-
nicação eficaz; relacionamento interpessoal; autorregula-
ção; manejo de emoções e estresse; habilidade intelectual
e desenvolvimento emocional.

DESENVOLVIMENTO
O levantamento bibliográfico foi prioritário para o enten-
dimento do assunto e a compreensão desse fenômeno no
espaço escolar. Considerando a discussão sobre bullying o
caminho escolhido foi a roda de conversa com os alunos que
demonstraram interesse pelo assunto. Essa é uma das téc-
nicas da metodologia participativa cujo foco, de acordo com
Figueiredo e Queiroz (2013), prioriza discussões em torno
de uma temática. No processo dialógico, as pessoas podem
apresentar suas elaborações, mesmo contraditórias, pois
cada indivíduo instiga o outra a falar, sendo possível expres-
sar seu pensamento e ouvir o posicionamento dos demais.

Bullying: conhecer para enfrentar | 179


Inicialmente realizou-se o conhecimento da realidade
da referida escola seus aspectos internos no que diz res-
peito aos seus princípios, fundamentos, relações, propos-
tas pedagógicas, as formas de ensino e aprendizagem e o
contexto social na qual ela está inserida. Nesse ínterim,
uma das colocações da direção da escola dizia respeito ao
bullying, situação frequente no espaço escolar e necessita-
va de intervenções, mesmo a instituição já desenvolvendo
alguns projetos interdisciplinares referente a temática.
Pereira (2002) destaca que cada contexto escolar apre-
senta realidades próprias. No entanto, frente às condições
impostas pelo tempo de realização do estágio, focou-se na
observação dos relacionamentos dos alunos nos espaços da
sala de aula e do intervalo com o objetivo de verificar a
ocorrência da violência relacionada ao bullying. Conver-
sou-se também com professores e alunos para identificar
situações caracterizadas como tal.
A partir deste momento, propôs-se o trabalho em grupo
com os alunos, a fim de desenvolver um processo interativo
de discussão e propiciar aos envolvidos uma compreensão
da sua responsabilidade e participação refere ao bullying.
O projeto em grupo, de acordo com Pereira (2009), é uma
ferramenta que possibilita interações interpessoais e, por-
tanto, trocas indispensáveis no processo de aprendizagem e
desenvolvimento. Desta maneira, as ações interventivas de
equipe, orientadas pela perspectiva participativa e dialógi-
ca, tinham como objetivo levar os alunos a terem conheci-
mento sobre o tema e assim organizarem estratégias tendo

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 180


em vista a viabilização do respeito e a consciência de uma
relação saudável pautada na diferença e na diversidade.
Participaram 12 alunos do 6º ao 9º ano. Os encontros
foram realizados no próprio turno de aula, uma vez por se-
mana, durante o 2º semestre de 2017, perfazendo um total
de 1 hora cada encontro, totalizando 12 sessões, e os con-
teúdos discutidos foram escolhidos pelos estudantes. Eles
foram convidados e os que participaram do processo foram
liberados pelos professores, pois a ocorrência da oficina se
deu durante o período de aula. Para facilitar a comunica-
ção e a interação entre os estudantes, utilizou-se técnicas
de dinâmicas de grupo, a partir de recursos lúdicos foi pro-
porcionado o diálogo e a livre expressão. Nesse sentido,
as dinâmicas tinham o objetivo de promover a discussão
sobre as diversas formas de bullying e suas consequências
para a pessoa e para a coletividade.
Utilizou-se como material de fomento: livros, carti-
lhas, músicas, material jornalístico, documentários, filmes.
Também foram utilizados outros recursos para possibilitar
a expressão dos estudantes, tais como: momentos de dra-
matização, relatos de experiências dos próprios estudantes,
debates a partir de temáticas, expressão de sentimentos
através da arte, como desenhos e elaboração de textos.
A roda de conversa, foi o instrumento metodológico uti-
lizado para mediar a comunicação e o diálogo entre os alu-
nos. Ela possibilitou as discussões sobre o fenômeno e sua
influência no aprendizado, no desenvolvimento psicológico
e no adoecimento psíquico das vítimas em decorrência dos

Bullying: conhecer para enfrentar | 181


maus tratos cometidos pelos agressores. Além de ter focado
a atenção nos fatores que provocam a violência no contexto
escolar, no perfil das vítimas, dos agressores e da platéia,
buscou-se ainda a compreensão sobre o papel do professor, o
contexto de sala de aula, e a família no processo do bullying.
O diálogo foi um momento singular de partilha e exerci-
tou a capacidade de escuta e fala, contemplando todas as
experiências possíveis dos participantes. Desta forma, foi
gerada a oportunidade de aquisição de diversas habilidades
imprescindíveis para o convívio social. A roda de conversa
serviu como técnica de aprendizagem de conteúdos de na-
tureza formativa como ética, cidadania, política, direitos e
acessos às políticas públicas de proteção aos envolvidos no
bullying e seus familiares.
Diante das experiências vivenciadas, verificou-se que só
é possível envolver o adolescente no processo de transfor-
mação de si e do ambiente se ele se sentir como parte desse
processo. E para tanto, nota-se como o formato principal das
atividades proporcionou o desenvolvimento das atividades
propostas levando-os a uma aprendizagem de habilidades de
vida e social, tornando-os sujeitos capazes de protagoniza-
rem o processo de aquisição das referidas habilidades.
Outra questão percebida e já colocada por Pereira
(2009) é que a escola tem um desconhecimento a respeito
do bullying, mesmo diante do grande avanço do mesmo. O
autor destaca alguns fatores dificultantes na percepção dos
professores sobre a violência escolar, sendo preponderante
para a manutenção do anonimato deste fenômeno, a saber:

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 182


os agressores elegem espaços da escola para atacar suas
vítimas e, geralmente, ocorrem no banheiro ou em lugares
mais afastados da vigilância dos responsáveis.
Para Maia (2012) a escola, na atualidade, tem a incum-
bência de formar cidadãos que deem conta das demandas
cujas transformações sociais, tecnológicas, científicas e po-
líticas vêm impondo ao ser humano. Porém, há de se levar
em conta que as instituições sofrem com as dificuldades
impostas pelas mudanças que ocorrem e, por consequên-
cia, fenômenos por ela desconhecidos aparecem no dia a
dia no contexto escolar, como o bullying. Cita-se, fora este
fenômeno, a violência de alunos contra professores, de pro-
fessores contra alunos e de professores contra professores.
O autor salienta que o bullying está presente em todas
as escolas, sem distinguir modelo de instituição privada ou
pública, deixando o corpo docente e alunos em condição
desesperadora. Há um profundo sentimento de desampa-
ro, devido à amplitude de suas modalidades e pelos seus
feitos refere-se aos princípios constitucionais, ao se colo-
car como barreira impeditiva do desenvolvimento, atentan-
do contra a dignidade humana.
Desta forma, entende-se o espaço escolar como compro-
metido, visto que o ambiente destinado à formação do in-
divíduo, frente a esses fenômenos, depende de estratégias
possibilitadoras de um espaço harmonioso. Porém, o clima
de violência presente no ambiente escolar é um fator que di-
ficulta essa harmonia. Desta forma, o trabalho realizado foi
o de colocar todos os que a constitui cientes de suas respon-

Bullying: conhecer para enfrentar | 183


sabilidades para terem uma convivência a partir dos princí-
pios éticos e dos valores que enaltecem uma sociedade. A
perspectiva foi de tornar todos autônomos em suas decisões,
a fim de se autorregularem e, assim, manter relações onde
possam sentir-se responsáveis em promover o bem estar,
com o objetivo de contribuir com a qualidade do ensino,
da aprendizagem, das relações e da saúde mental de todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo da proposta de estágio foi trabalhar com os
alunos na construção de habilidades sociais as quais pu-
dessem reduzir a vitimização e também a prática das ações
de bullying no ambiente da referida escola. Os resultados
demonstraram que a intervenção realizada atingiu seu ob-
jetivo ao alcançar transformações relevantes no processo
relacional de alunos e alunos, quanto de alunos e professo-
res, de professores e alunos. Pelo menos no que tange ao
pequeno grupo trabalhado.
Isso, por sua vez, contribuiu com o melhoramento da
participação dos alunos nas atividades recreativas e cola-
borativas no espaço escolar, e indicou uma maior utilização
por parte destes das habilidades sociais. Os participantes
passaram a agir com mais civilidade, empatia, autocontro-
le emocional, resolvendo os problemas interpessoais com
os seus pares de forma não violenta, algo essencial para
a construção de amizades. Além disso, apresentaram au-
mento de apoio social e da capacidade para autodefesa de

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 184


agressões. E ao envolver toda a comunidade escolar no pro-
cesso de aprendizagem das habilidades de vida e sociais,
através dos alunos participantes, percebeu-se transfor-
mações substanciais no comportamento dos professores,
como dos demais alunos.
Desta maneira, entende-se a aprendizagem de estraté-
gias de enfrentamento assertivas aliadas a um maior domí-
nio emocional, configurada como elemento que pode inter-
romper o ciclo de agressões e, assim, aumentar a qualidade
de vida dos alunos e das suas interações sociais. O empo-
deramento proporcionado aos alunos, mediante a melhoria
das habilidades necessárias à diminuição da condição de
vulnerabilidade ao bullying, indica também que ao longo
da vida poderão lidar de modo mais adequado com situa-
ções semelhantes.
Cabe salientar que o trabalho realizado não pretendeu
conhecer e atuar sobre o fenômeno bullying levando em
conta apenas o sofrimento das vítimas, mas a toda comu-
nidade escolar. E o maior aprendizado dos alunos foi o res-
peito como princípio das relações humanas e a base funda-
mental da saúde mental. Como resultado, os estudantes,
por iniciativa própria, elaboraram uma cartilha sobre o
bullying e, como consequência, as relações na escola obti-
veram melhorias, o que favoreceu o ensino e aprendizagem.
Outra questão a ser salientada é que a Psicologia traz
muitas contribuições para a educação, dada a importân-
cia da formação do aluno em busca da consciência da sua
cidadania e da sua autonomia. A Psicologia é um dos fun-

Bullying: conhecer para enfrentar | 185


damentos essenciais para a relação ensino e aprendizagem,
contribuindo com todos os envolvidos no processo educa-
cional na compreensão das relações que se estabelecem
no contexto escolar. Cassins et al. (2007) entende que ela
contribui para a compreensão dos processos de mudança
que o sujeito atravessa no percurso das atividades educa-
cionais, englobando o desenvolvimento e aprendizagem.
Logo, nesse sentido, o que a experiência mostrou através
deste estágio, foi que a Psicologia, de fato pode intervir no
processo educacional e contribuir com as relações inter-
pessoais estabelecidas no âmbito escolar, proporcionando
a todos os envolvidos um novo olhar sobre as formas de
estabelecerem relações saudáveis, permitindo que todos se
expressem e se sintam pertencentes ao contexto escolar in-
dependente de suas formas de expressão e/ou mesmo suas
condições de vida.

REFERÊNCIAS

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do Paraná; Gráfica e Editora Unificado, 2007.

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Bullying: conhecer para enfrentar | 187


Cor, raça e
implementação da
lei 10.639/03 por
professoras de uma
escola pública

Angélica Barroso Bastos


Graduada em Direito (UFOP). Mestre em Filosofia do
Direito (UFMG). Doutoranda em Direito (PUC-MG).
Professora da UNILESTE.
angel.ufop@gmail.com   

Marielle Costa Silva


Graduada em Psicologia (UNILESTE). Mestranda
do Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFSJ),
pela linha de pesquisa Instituições, Saúde e Sociedade.
Bolsista de mestrado.
silva.marielle94@gmail.com
RESUMO
Esta pesquisa integrou o projeto de intervenção “Educa-
ção para as relações raciais: implementação da Lei 10.639/03
e seus desdobramentos em uma escola pública de Coronel
Fabriciano” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) em parceria com o
Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILES-
TE). A referida lei estabelece a obrigatoriedade do ensino
da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos
escolares formais. Por meio do presente estudo descritivo e
exploratório, objetivou-se identificar a autoclassificação de cor
e raça de 17 professoras de uma escola pública de Coronel
Fabriciano, por meio das cinco categorias do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE): preto, branco, pardo,
amarelo e indígena, bem como analisar a adoção de práticas
voltadas à educação para as relações raciais no âmbito esco-
lar. Os dados foram produzidos por meio da aplicação coleti-
va de um questionário, analisados de maneira quantitativa e
qualitativa por meio da técnica de análise de conteúdo. Os
resultados indicaram que a maioria das professoras se auto-
declararam pardas, seguidas das brancas e, com menor fre-
quência, as pretas. Foram revelados discursos embasados no
mito da democracia racial e na negação de situações escolares
discriminatórias. Nesse sentido, ao se recusar a existência das
desigualdades, nega-se também a presença do racismo insti-
tucional, enraizado nas experiências de exclusão ao longo do
tempo. Evidencia-se que, ainda nos dias atuais, não há a efeti-
va implementação da lei, além de um desconhecimento sobre
o tema por parte da equipe docente.

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


| 189
Por professoras de uma escola pública
PALAVRAS-CHAVE: autodeclaração de cor e raça; pro-
fessoras; lei 10.639/03.

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa integrou o projeto “Educação para as rela-
ções raciais: implementação da Lei 10.639/03 e seus desdo-
bramentos em uma escola pública de Coronel Fabriciano/
MG”. O projeto foi desenvolvido com o apoio de um Núcleo
de Estudos da Cultura Africana e Afro-Brasileira (NEAB) do
Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILES-
TE), em parceria entre os cursos de Direito, Pedagogia,
Psicologia e Comunicação Social. Foram realizados o total
de 12 encontros com periodicidade mensal, direcionados à
capacitação da equipe docente para adotarem práticas didá-
ticas direcionadas ao tema nos espaços escolares.
Passos e Caputo (2012) indicam que as relações étnico
-raciais atravessam as esferas sociais, históricas, políticas e
econômicas. Os mediadores sociais, dentre eles a escola, são
poderosos meios de disseminação de histórias, produção e
reprodução de estereótipos e de representações negativas e/
ou positivas em relação aos segmentos étnico-raciais. Nesse
sentido, raça é compreendida enquanto uma construção so-
cial e não está fundamentada em preceitos biológicos.
De acordo com Rocha e Rosemberg (2007), o Brasil não
apresentou um sistema formal de segregação racial, sendo
distinto das leis segregacionistas nos Estados Unidos e na
África do Sul. Entretanto, o Brasil produziu e ainda produz

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 190


seus próprios racismos, pois após a abolição da escravidão
brasileira, negros e negras foram excluídos dos campos so-
ciais e de trabalho, o que culminou com a hierarquização
de cor e raça. Percebe-se no contexto brasileiro, o racis-
mo mais embasado em aspectos ligados à aparência física
do que na ascendência ou origem racial. Assim, é possível
explicitar a construção sócio-histórica das desigualdades
entre brancos e negros, e como permanecem ao longo do
tempo, por meio das diversas experiências culturais, rela-
ções de poder, dominação e hierarquização cultural.
Ainda segundo o IBGE, o termo “negro” contempla
pretos e pardos, por apresentarem características físicas e
socioeconômicas semelhantes. As fronteiras separatórias
das três principais zonas de cor brasileiras – preta, parda
e branca – são tênues e qualificam grande fluidez e fle-
xibilidade na classificação racial, conforme as diferentes
contextos, regiões, relações sociais estabelecidas e classes
socioeconômicas (OSORIO, 2003).
A Lei 10.639/03 estabelece a obrigatoriedade do ensi-
no da história e da cultura africana e afro-brasileira nos
currículos escolares formais da Educação Básica, além da
posterior Lei 11.645/08, a qual amplia a anterior para a
história e cultura indígena. É possível evidenciar a criação
de ambas as leis como resultado de lutas históricas dos
movimentos sociais, sendo que não surgiram de maneira
espontânea. A legislação oportuniza um tempo e espaço,
por meio da educação formal, para escuta das narrativas
silenciadas e negadas no ambiente escolar como modelo
ético e estético (PASSOS; CAPUTO, 2012).

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


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Por professoras de uma escola pública
Passos e Caputo (2012) também afirmam que o racismo no
Brasil é encoberto pelo mito da democracia racial, por meio
do qual a sociedade afirma a convivência harmoniosa entre os
diferentes grupos raciais, porém este discurso não se sustenta,
devido às desigualdades raciais e sociais mantidas no cotidiano.
É possível perceber o silenciamento das narrativas não corres-
pondentes ao padrão europeu, ademais a grande parcela da po-
pulação negra e indígena não possui acesso às universidades,
espaços de poder e de produção tecnológica e científica.
Gomes (2001) discute a rigidez da estrutura escolar
no Brasil, na qual impera o paradigma branco, masculino,
heterossexual e jovem. Assim, distanciar-se desse padrão
estabelecido, muitas vezes, é motivo para ser discriminado
e rotulado. O racismo brasileiro é percebido no dia a dia,
presente nas diversas instituições sociais, é enraizado e na-
turalizado, além de não depender apenas dos indivíduos,
ou seja, não se manifesta somente no nível individual, mas
se apresenta em nível institucional.
Pode-se perceber isso por meio da posição de inferiori-
dade atribuída aos negros nos livros didáticos, nos quais a
riqueza e heterogeneidade da história e da cultura africana
e afro-brasileira são reduzidas à representação do negro na
condição de “escravo” (GOMES, 2001). Por outro lado, as
escolas também podem apresentar possibilidades de trans-
formação desse cenário, por meio da produção de novos dis-
cursos e práticas. Ao se pensar no papel da escola, é preciso
compreender que esta não é a única instituição responsável
por discutir esta temática, sendo essencial estar articulada
aos demais sistemas sociais, econômicos e políticos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 192


O presente estudo esteve interligado a este projeto e
objetivou identificar a autodeclaração de cor e raça de 17
professoras de uma escola pública de Coronel Fabriciano/
MG, por meio das cinco categorias do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE): preto, branco, pardo,
amarelo e indígena. Estas podem ser obtidas por meio de
autoatribuição, na qual a própria pessoa se autodeclara; ou
heteroatribuição, em que uma outra pessoa define a cate-
goria racial por outrem. Também buscou analisar a adoção
de práticas voltadas à educação para as relações raciais no
âmbito escolar, conforme preconiza a Lei 10.639/03.

DESENVOLVIMENTO
A pesquisa realizada é do tipo descritiva e exploratória.
De acordo com Gil (2002), este tipo de diagnóstico obje-
tivam uma maior familiaridade com o tema. Enquanto as
descritivas destinam-se a relatar características das ques-
tões estudadas.
O estudo contou com a participação de 17 professoras
do Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano) de uma escola
pública em Coronel Fabriciano, Minas Gerais. A amostra
de participantes corresponde àquelas presentes no dia do
encontro em que foi aplicado o questionário de pesquisa.
Adotou-se como instrumento um questionário produzi-
do pelas autoras deste estudo, o qual continha quatro per-
guntas enfocando os seguintes aspectos: autodeclaração de
cor e raça (segundo as categorias do IBGE: preta, branca,

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


| 193
Por professoras de uma escola pública
parda, amarela e indígena); explique se você considera que
existe diferença entre os termos cor e raça; práticas adota-
das para discutir as questões étnico-raciais na escola.
A aplicação foi coletiva na biblioteca da escola, durante
o período de 30 minutos, momento reservado em um dos
encontros iniciais do projeto. As informações e dúvidas a
respeito do preenchimento escrito do questionário foram
explicadas pelas autoras deste trabalho.
Realizou-se uma análise quantitativa e qualitativa dos
dados obtidos por meio desta pesquisa. Foi quantificada a
frequência das respostas às duas primeiras questões, em
termos percentuais. A análise qualitativa se baseou na téc-
nica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1995).
No total, a escola estudada apresenta um corpo docente
composto por 35 professores. A presente pesquisa contou
com a participação de 17 professoras presentes no dia da
aplicação do questionário, o que correspondeu a 48,6% do
total da equipe docente. As categorias de autodeclaração
de cor e raça podem ser observadas abaixo:

Tabela 1 - Autodeclaração de cor e raça das participantes


segundo as categorias do IBGE
Autodeclaração de Frequência
cor e raça (IBGE) Relativa (%)
Parda 52,9
Branca 29,4
Preta 17,7
Total 100
Fonte: As autoras (2019)

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 194


Na tabela 1, é representada a autodeclaração de cor e
raça das professoras, com base nas categorias do IBGE.
Observa-se o uso dos termos “parda”, “branca” e “preta”.
As demais categorias (amarela e indígena) não foram esco-
lhidas pelas participantes. Os dados confirmam o exposto
por Osorio (2003) e por Rocha e Rosemberg (2007), sendo
que um menor número de professoras utilizou a categoria
“preta”. Na pesquisa de Souza e Pereira (2013), as autoras
demonstram a dificuldade de gestores na definição de sua
pertença racial e de sua ancestralidade negra, devido ao
paradigma hegemônico branco.
O processo de reconhecimento da pertença racial é cons-
truído e mutável, além de ser marcado pela forma como cada
pessoa se percebe em relação à cor e raça. Dessa maneira, a
maioria das professoras optou pelo uso do vocábulo “parda”,
o que aponta para respostas pautadas em um termo interme-
diário do contínuo de cor, em vez dos extremos, conforme
indicado por Rocha e Rosemberg (2007).
Ao se declararem como pardas, as professoras assumem
possuir traços ligados ao fenótipo negro, porém de forma
mais diluída; isso configura menores chances de serem dis-
criminadas, comparado à escolha de termos mais extremos,
próximos à categoria “preta” do contínuo de cor. Por outro
lado, o extremo direcionado ao “branco” no contínuo de cor
obteve a segunda maior frequência de uso. Segundo Mu-
nanga e Gomes (2006), não há histórico de discriminação
vinculado aos brancos, além de se observar, ao longo dos
anos no contexto ocidental, um processo de significação po-
sitiva da cor, sendo valorizada nos diversos contextos sociais.

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


| 195
Por professoras de uma escola pública
Também se analisou a compreensão acerca dos termos
“cor” e “raça”. Observou-se que uma frequência de 76,4%
professoras afirmaram haver diferenças entre ambos os ter-
mos, enquanto 23,6% consideraram-nos equivalentes. Em
relação à cor, 92,3% responderam que significa tom de pele
e 7,7% conceituaram como a expressão física da raça. Em
referencia à raça, as respostas foram identificadas abaixo:

Tabela 2 - Percepções das professoras sobre o termo “raça”


Conceito Frequência Relativa (%)
Herança cultural 38,4%
Raça humana ou animal 23,1%
Etnia 15,4%
Origem 7,7%
Sinais físicos do corpo 7,7%
Mestiçagem 7,7%
Total 100
Fonte: As autoras (2019)

Também se buscou analisar as práticas adotadas pela


equipe docente para implementar ações relacionadas à Lei
10.639/03, debatida ao longo dos encontros do projeto, no
sentido de apreender as percepções das professoras sobre a
temática. Percebeu-se que 11,8% das docentes não respon-
deram a essa questão. Dessa forma, pode-se refletir sobre a
ausência de posicionamento em relação a esta pergunta, no
sentido de que é possível aqui interrogar se essas educadoras
não adotam tais práticas em seu trabalho, ou se tiveram dú-
vidas sobre a pergunta ou se desejaram não se expor diante
do tema. Porém é preciso afirmar que as autoras deste tra-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 196


balho explicaram que as participantes e a escola não seriam
identificadas na pesquisa e houve espaço para discutir dúvi-
das e possíveis perguntas sobre o questionário.
Dentre as respostas (88,2%), foi possível estabelecer
três grupos:
• 46,7% apontaram não discutirem tais questões, pois
“todos são iguais”, não há discriminação racial na
escola; as crianças (alunos) são seres “puros” e mui-
to “pequenos” para perceber as questões raciais;
• 33,3% relataram adotar práticas didáticas no coti-
diano para discutir sobre cultura, ética e cidadania;
• 20% indicaram que o tema da diversidade étnico
-racial é pouco trabalhado e muitos profissionais
necessitam atualizar as suas práticas pedagógicas.
Analisa-se que a maioria das participantes se apoiou no
discurso da democracia racial, porém a realidade escolar
cotidiana, muitas vezes com suas práticas excludentes,
exibe inúmeras desigualdades. Tal postura de negação do
racismo, se faz presente na história brasileira, visibilizando
as desigualdades raciais, conforme aponta Passos e Caputo
(2012). Além disso, também se embasaram na justificativa
de que a discriminação racial não existe na instituição na
qual trabalham.
As docentes também supõem seus alunos como “seres
ingênuos”, os quais desconhecem o tema e ainda demons-
tram o temor à racialização do universo infantil, sem con-
siderar a influência da mídia televisiva, internet, espaços
familiar, escolar, religioso e recreativo, dentre tantos ou-

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


| 197
Por professoras de uma escola pública
tros. A presença dessas concepções pode levar à perda de
importantes momentos educativos a fim de problematizar
as questões raciais com as crianças.
Em posição divergente, 33,3% das docentes afirmaram
adotar práticas didáticas no contexto escolar. Entretanto,
estas participantes não explicitaram exemplos de ativida-
des e ações empregadas em suas respostas. Observou-se
também que, 20% apontaram a necessidade de mais avan-
ços no tema, indicando a necessidade de transformação
das práticas pedagógicas, para discutir outros assuntos ain-
da não muito trabalhados na escola como a diversidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou concluir que há um desconhe-
cimento por parte da equipe docente a respeito da lei, bem
como uma escassez de estratégias didáticas eficazes para
implementá-la, apesar da existência de materiais focados
no tema, disponíveis na escola, como livros e cartilhas.
Com isso, não se busca culpabilizar a escola mas (re)pen-
sar estratégias para transformar este cenário.
A análise dos dados permitiu compreender a baixa fre-
quência na utilização do termo “preto/preta” no contexto
estudado, sendo possível pressupor também que tal fato se
deve à estigmatização em seu entorno. Já o termo “branca”
ou vocábulos semelhantes, no contínuo de cor cuja aproxi-
mação é do padrão branco e afastam-se do fenótipo negro,
são utilizados com maior frequência.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 198


Também se apontam as limitações deste estudo, pois
os dados foram produzidos por meio de um questionário
escrito, o que restringe informações mais detalhadas. Su-
gere-se a realização de novas pesquisas sobre este tema,
por meio de instrumentos mais abertos e participativos
para compreender os contextos de cada escola, pois o de-
bate necessita se expandir em áreas interdisciplinares de
conhecimento, a fim de alcançar uma maior visibilidade na
atuação cotidiana dos profissionais.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70,


1995.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed.


São Paulo: Atlas, 2002.

GOMES, N. L. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pe-


dagógico da diversidade. In: CAVALLEIRO, E. (Org.). Ra-
cismo e anti-racismo na educação: repensando nossa
escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 83-96.

MUNANGA, K.; GOMES, N. L. O negro no Brasil de


hoje. São Paulo: Global, 2006.

OSORIO, R. G. O sistema classificatório de cor ou


raça do IBGE. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, 2003.

Cor, raça e implementação da lei 10.639/03


| 199
Por professoras de uma escola pública
PASSOS, M. C. P.; CAPUTO, S. G. Práticas e narrativas
da diáspora africana: notas sobre o papel da escola na valo-
rização da diversidade. In: DESLANDES, K.; LOUREN-
ÇO, E. (Org.). Por uma cultura dos direitos humanos
na escola: princípios, meios e fins. Belo Horizonte: Fino
Traço, 2012. p. 61-80.

ROCHA, E. J. da; ROSEMBERG, F. Autodeclaração de


cor e/ou raça entre escolares paulistanos(as). Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 132, p. 759-799, set./
dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/
v37n132/a1237132.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2019.

SOUZA, F. da S.; PEREIRA, L. M. da S. Implementação


da Lei 10.639/2003: mapeando embates e percalços. Edu-
car em Revista. Curitiba: UFPR (47), 2013. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/er/n47/05.pdf. Acesso em 06
fev.2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 200


Demandas de
instituições
educacionais:
mapeamento a partir
de uma prática de
observação
Bianca de Araújo Liboreiro
Graduanda em Psicologia (UFSJ). Bolsista de Extensão
na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares.
Integrante do Núcleo de Estudos em Gênero Raça e
Direitos Humanos, membro do Fórum Popular de Saúde
de São João Del Rei.
biancaliboreiro07@hotmail.com

Celso Francisco Tondin


Doutor em Psicologia. Professor adjunto do
Departamento de Psicologia da UFSJ, na graduação e no
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. É membro
do Grupo de Pesquisa: Conhecimento, subjetividade e
práticas sociais desta Universidade.
celsotondin@ufsj.edu.br

Deruchette Danire
Henriques Magalhães
Graduanda em Psicologia (UFSJ). Bolsista de Iniciação
Científica na área de Psicologia Escolar e Educacional.
deruchettedhm3@gmail.com

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 202


Fernanda de Cássia Oscar Otaciano
Graduanda em Psicologia (UFSJ).
fernanda.oscar2@gmail.com

Martha Lages Rodrigues


Graduanda em Psicologia (UFSJ).
marthalages@yahoo.com.br

Miriam Jhenifer Xavier Paiva


Graduanda em Psicologia (UFSJ).
miriam.jhenifer@gmail.com

Samuel Augusto Diniz Silva


Graduando em Psicologia (UFSJ).
samuelaugusto_diniz@hotmail.com

Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 203
a partir de uma prática de observação
RESUMO
A unidade curricular Psicologia Escolar e Educacional
I do Curso de Psicologia da Universidade Federal de São
João del-Rei (UFSJ), é composta por uma parte teórica e
outra prática, constituindo-se esta última como atividade de
observação realizada pelos alunos em escolas, organizações
não governamentais e outras instituições educacionais. A
turma é dividida em duplas ou trios, que vivenciam a prática
organizada nas seguintes etapas: configuração da atividade,
entrada na instituição, observação participante, definição de
foco/demanda, entrevista, resumo expandido, seminário de
socialização, avaliação da prática e devolutiva à entidade. O
presente trabalho apresenta os temas discutidos pelos dis-
centes ao longo de quatro semestres: 2016 (2º), 2017 (1º e
2º) e 2018 (1º). Tratando-se do mapeamento das demandas
educacionais levantadas no referido lapso temporal, estas
podem ser sistematizadas em seis eixos. De um total de 34
temáticas: 11 delas integram o “processo de ensino e apren-
dizagem”; 11 “questões ideológicas no contexto escolar”;
cinco “práticas em Educação Inclusiva”; quatro “outras for-
mas de atividades educativas”; duas “relação família-escola”
e uma configurada como “saúde do professor”. É necessário
refletir sobre as demandas observadas, seus significados e
quais as possibilidades de atuação da Psicologia a partir das
identificações, considerando os determinantes sócio-históri-
cos e culturais que configuram as instituições educacionais.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar e Educacio-
nal; Psicologia e Educação; ensino de psicologia; prática
de observação; demanda educacional.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 204


INTRODUÇÃO
Ao longo de sua consolidação enquanto ciência, a Psi-
cologia veio assumindo compromissos e produzindo sabe-
res que atuavam como resposta às demandas de ordem e
controle dos sujeitos. Seu objeto, coadunando com a so-
ciedade burguesa e com as demais ciências da época, de-
lineava-se na redução do homem ao seu comportamento,
instaurando princípios de análise, por meio de técnicas de
laboratório, da normalidade e de padrões dos processos
de adaptação do sujeito ao ambiente no qual está inserido
(PATTO, 1984; YAZLLE, 1997), desconsiderando a pos-
sibilidade do homem ser influenciado pelos fenômenos
que o circundam e de também influenciá-los. Entretanto,
outros movimentos surgiram dentro da Psicologia e con-
tribuíram para ela caminhar em direção a um saber con-
textualizado, analisando os fenômenos em suas múltiplas
determinações e os considerando como fatores marcantes
na construção da subjetividade humana. Assumida como o
referencial teórico deste texto, a Psicologia Histórico-Cul-
tural considera o homem como determinado, mas também
sujeito ativo de suas vivências e pertencente a um todo
social, e, portanto, não se constitui enquanto ser fechado
ou isolado de um movimento sócio-histórico (LEONTIEV,
1978; VYGOTSKY, 1984; LURIA, 1991).
Ainda assim, apesar desse novo modo de olhar o homem e
produzir saberes sobre ele, o fazer arcaico da Psicologia nos é
constantemente solicitado, tendo em vista a continua e pró-
pria lógica imediatista e reducionista da ciência nos moldes
do capitalismo muito bem quista. Nesse sentido, repensar

Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 205
a partir de uma prática de observação
as práticas da Psicologia deve ser um exercício consciente
e constante não só dos profissionais atuantes nos diversos
campos e abordagens, mas também dos que ainda estão em
processo de formação. Sendo assim, a construção de com-
ponentes curriculares e de outros espaços possibilitam aos
estudantes o conhecimento sobre as raízes históricas e epis-
temológicas da Psicologia como um movimento e um com-
promisso ético-político a ser assumido pelas universidades.
Em se tratando desse engajamento, a unidade curricular
Psicologia Escolar e Educacional I (PEE I) da Universida-
de Federal de São João del-Rei (UFSJ) se pauta nos pres-
supostos da Psicologia Histórico-Cultural, articulando-se à
Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2008), e ressaltan-
do a necessidade de olhar a realidade escolar sob a ótica
do multidimensional, reforçando a potência pedagógica da
escola, e não um fazer arcaico da Psicologia -psicologizan-
te e medicalizante- neste espaço. Por conseguinte, a re-
ferida unidade curricular também se vincula ao conceito
de rede, buscando ressaltar que até mesmo a Psicologia
Escolar quando se propõe crítica pode acabar voltando-se
apenas para dentro das escolas e limitando-se a este espa-
ço (TONDIN; SCHOTT, 2013a). Nesse contexto, faz-se
necessário um processo de formação em Psicologia, a fim
de discutir a possibilidade de articulação das diversas insti-
tuições pertencentes às redes de proteção social.
Esta unidade curricular, que compõe o núcleo comum
do curso, possui 72 horas, das quais 48 são de fundamen-
tação teórica e 24 concerne à atividade prática. Segundo
Tondin et. al. (2018), sua ementa engloba:

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 206


a contextualização histórico-crítica da Edu-
cação e da instituição escolar; a constituição
histórica da PEE como campo de atuação e
pesquisa; a problematização sobre o objeto
de estudo deste campo de conhecimento; e
a aproximação teórico-prática da realidade
escolar, com observação e descrição de ati-
vidades educativas. (p. 184).

Em se tratando da atividade de observação, esta é realiza-


da em escolas ou em outras instituições educacionais (como
organizações não-governamentais e afins), cumprindo as se-
guintes etapas: entrada dos alunos na instituição a ser nota-
da, observação participante, definição de foco/demanda, en-
trevista (formal e informal) com membros do corpo discente
e docente da instituição, construção de diários de campo,
elaboração de resumo expandido, seminário de socializa-
ção, avaliação da prática (com autoavaliação) e devolutiva
à entidade (TONDIN et. al., 2018). No início da unidade
curricular, a sala é dividida em duplas ou trios e, no decorrer
dela, com base no embasamento teórico e em orientações,
acontece a parte prática. Essa alterna idas a campo com dis-
cussões acerca do processo de observação entre os alunos, o
professor responsável e os(as) monitores(as).
Nessa conjuntura, este texto toma como base os resu-
mos expandidos elaborados pelos discentes como produ-
to decorrente da atividade de observação. Dessa forma, o
presente trabalho tem como objetivo apresentar os temas
levantados pelos discentes ao longo de quatro semestres:
2016 (2º), 2017 (1º e 2º) e 2018 (1º).

Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 207
a partir de uma prática de observação
DESENVOLVIMENTO
Foi realizado um levantamento dos temas explorados
pelos discentes na atividade de observação. Para tal, foi fei-
ta uma leitura sistemática dos resumos expandidos escritos
por eles. Estes contêm título, nomes dos autores, resumo,
palavras-chave, introdução, objetivos, metodologia, resul-
tados, discussão, considerações finais e referências.
Os temas abordados nos resumos são escolhidos pelas
duplas ou trios de discentes a partir da experiência da ob-
servação. Aquilo que despertou neles maior curiosidade e
atenção e constitui-se como problemática relevante passa
a ser explorado ao longo da prática, com orientação do pro-
fessor e dos(as) monitores(as). Ou seja, os alunos fazem a
escolha de uma demanda ou foco para discussão, tornan-
do-se o objeto para o qual dirigem o olhar. É exigido dos
estudantes uma justificativa para a escolha do tema e tam-
bém uma descrição e discussão, de modo a articularem os
conhecimentos construídos acerca da realidade institucio-
nal e o conhecimento teórico do componente curricular.
Considerando quatro edições da unidade curricular (2016/2,
2017/1, 2017/2 e 2018/1), foram levantados 34 temáticas fo-
ram organizadas em torno de eixos, sendo que: 11 integram o
“processo de ensino e aprendizagem”, 10 a “questões ideoló-
gicas no contexto escolar”, cinco as “práticas em educação in-
clusiva”, quatro “outras formas de atividades educativas”, duas
a “relação família-escola” e uma configura-se como “saúde do
professor”. A partir destes, torna-se possível visualizar quais as-
suntos sobressaíram no decorrer de dois anos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 208


Onze trabalhos enquadram-se no eixo “processo de ensino
e aprendizagem”, relacionado a um fenômeno muito discuti-
do na área da Psicologia Escolar e Educacional. A partir do
referencial teórico trabalhado na unidade curricular (e tam-
bém em Psicologia Genética, ministrada no semestre anterior
à PEE I), pode ser notado que tal tema foi trabalhado a partir
de um olhar mais amplo sobre o sujeito, indo além da indivi-
dualização e buscando o contexto educativo e social no qual
ele está inserido, ainda que a demanda possa ter sido trazida
pela escola a partir de outra perspectiva, sendo ela a tradi-
cional, voltada à individualização e culpabilização da “criança
problema”. Neste eixo, os temas trazem questões relativas ao
desenvolvimento dos alunos, dificuldades de aprendizagem,
desafios envolvidos na passagem dos anos iniciais para os fi-
nais do Ensino Fundamental, análise de programas educacio-
nais, projetos políticos pedagógicos, entre outros.
Onze trabalhos constituem o eixo “questões ideológicas no
contexto escolar”. O grande número de resumos abordando
essas questões chama a atenção. Pode-se perceber que os te-
mas tratados nesses compêndios versam sobre a forma como
a religião é inserida e influencia o contexto educativo, os re-
sultados da rigidez e da disciplina no ensino, como são vistas e
tratadas as múltiplas determinações socioeconômicas, a estig-
matização enfrentada pelos alunos, a questão da indisciplina
deles em sala de aula, dentre outros assuntos.
Cinco resumos expandidos compõem o eixo “práticas em
Educação Inclusiva”. A inclusão escolar também vem sen-
do amplamente debatida no campo da Psicologia Escolar e
Educacional. As temáticas debatidas pelos estudantes dizem

Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 209
a partir de uma prática de observação
respeito à acessibilidade e às práticas realizadas por professo-
res na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)
mas, principalmente, em escolas municipais e estaduais.
Quatro temas compõem o eixo “outras formas de ativi-
dades educativas”, englobando práticas além do currículo
escolar ou do espaço de sala de aula. Inserem-se aqui aulas
de expressão corporal, práticas pedagógicas alternativas e
atividades extracurriculares como artes -de modo especial
a música- e esportes. Os trabalhos relativos a esse núcleo
em geral foram realizados em espaços não-escolares, o que
justifica a possibilidade maior de implementação de práti-
cas diferentes das previstas nos currículos escolares.
A tradicional temática “relação família-escola” forma
um eixo com apenas dois trabalhos, o que chama a aten-
ção, pois este assunto costuma ser bastante abordado no
contexto escolar e educacional. Por fim, um conteúdo se
configura como “saúde do professor”. Esse trata sobre a
exaustão de docentes da educação infantil. Mesmo sendo
um trabalho apenas, é importante visibilizar essa demanda
dada a sua relevância e a pouca vigilância dada à saúde do
educador, tanto pelas políticas educacionais quanto pela
Psicologia Escolar e Educacional.
A partir deste levantamento pode-se ter uma percepção
inicial de como o referencial teórico é de extrema importân-
cia para a visão e o contato dos acadêmicos com a prática. A
forma como as temáticas foram selecionadas e trabalhadas
convergem com o movimento da unidade curricular, que é
o de perceber o desenvolvimento e aprendizagem como pro-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 210


duto das relações escolares e sociais, os quais são atravessa-
dos pelas múltiplas questões contemporâneas e em que os
sujeitos (aluno, professor e pais) são seres ativos. Essa visão
marcou o contato estabelecido pelos alunos de PEE I com
as instituições observadas e o conhecimento trabalhado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados encontrados pode-se afirmar que
o olhar do psicólogo marca o modo como ele conduz sua
prática. Esta visão é composta por diversas determinações
cujo foco está na formação do sujeito, tanto pelo próprio
trilhar da vida, como, principalmente, pelos atravessamen-
tos teóricos e relacionais construídos ao longo da sua traje-
tória acadêmica e profissional.
Na unidade curricular em questão, o referencial teórico
propõe-se a um quefazer psicológico crítico (YAZLLE, 1997;
PATTO, 1984; MEIRA, 2003; BARBOSA, 2012; TONDIN;
SCHOTT, 2013b; SOUZA; SILVA; YAMAMOTO; 2014).
Com estes autores tornou-se possível conduzir uma prática
contextualizada, com respaldo conceitual para análises, pro-
blematizações e posicionamentos. Com a mediação planeja-
da do professor responsável e dos(as) monitores(as) tornou-se
possível uma prática ética, respeitando o tensionamento su-
jeito e objeto e voltando um olhar crítico e atento para a pró-
pria atividade, visibilizando seus potenciais e suas limitações.
O presente trabalho possui insuficiências, como o nú-
mero de resumos expandidos que foi possível analisar, dado

Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 211
a partir de uma prática de observação
qual não se conseguiu resgatar todos eles. Em um futuro
projeto a amostra pode ser aumentada, contemplando mais
ou até todos os resumos deste lapso temporal. Assim, este
é uma produção aberta, cabem novas análises de como os
temas levantados dialogam com a literatura e com outras
atividades práticas, desta forma este levantamento pode
apresentar significativa importância para a condução de
uma práxis cada vez mais atualizada, que respeite o percur-
so e o contexto sócio-histórico e se faça reflexiva e crítica.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, D. R. Contribuições para a construção da his-


toriografia da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil.
Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 32, n. esp., p.
104-123, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
pcp/v32nspe/v32speca08.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2019.

MEIRA, M. E. M. Construindo uma concepção crítica de


Psicologia Escolar: contribuições da pedagogia histórico-crí-
tica e da psicologia sócio-histórica. In: MEIRA, M. E. M.;
ANTUNES, M. A. M. (Org.). Psicologia Escolar: práticas
críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 13-79.

LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo.


Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

LURIA, A. R. A atividade consciente do homem e suas


raízes histórico-sociais. In: ______. Curso de Psicologia

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 212


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Demandas de instituições educacionais: mapeamento


| 213
a partir de uma prática de observação
Desenvolvendo o
hábito de estudo

Alda Lúcia Guimarães


Orientadora Educacional do Colégio Santa Catarina
de Juiz de Fora. Licenciatura Plena em Português –
Literatura (UNISUAM). Pós-Graduação em Língua
Portuguesa (Puc-Minas).

Anna Paula Gomes da Silva


Psicóloga Escolar do Colégio Santa Catarina de Juiz
de Fora. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento
Humano (UFJF). Pós-Graduada em Psicologia do
Desenvolvimento (UFJF). Pós-Graduada em Orientação
Vocacional (CES/JF). Professora do Centro Universitário
Estácio de Juiz de Fora.

Maria Aparecida Grossi Moreira


Coordenadora Pedagógica do Colégio Santa Catarina de
Juiz de Fora. Licenciada em Pedagogia (CES/JF). Pós-
graduada em Psicopedagogia (FERP Barra do Piraí).
RESUMO
A escola é um lugar de desenvolvimento de competên-
cias e habilidades. Organizar-se, administrar o tempo, con-
centrar-se nas tarefas são requisitos para um bom desem-
penho escolar. O Projeto Desenvolvendo o Hábito de Estudo
teve como objetivo contribuir para a formação de práticas
relacionadas ao desempenho e performance da criança no
espaço acadêmico e no aprimoramento de habilidades. Par-
ticiparam do projeto 845 crianças de uma escola particular
da cidade de Juiz de Fora, respectivamente, 24 turmas do
Ensino Fundamental I. Para cada série, foram oferecidos
quatro encontros, um em cada bimestre. Em cada encon-
tro introduziu-se temas referentes à criação de hábitos e
rotinas, gestão do tempo e estudo efetivo das disciplinas,
aprendizado específico de cada disciplina e o valor de es-
tudar. Os encontros aconteceram em sala de aula, tendo
a participação da equipe pedagógica da escola. O projeto
iniciou-se em 2007, tornando-se permanente na escola.
Ele contribuiu para o maior envolvimento das crianças nas
tarefas escolares e empenho nas atividades em classe.
PALAVRAS CHAVES: educação, aprendizagem, hábito
de estudo.

INTRODUÇÃO
A infância é uma janela de oportunidades para o aprendi-
zado. Este acontece por meio do contato com os adultos, pais,
irmãos, avós e/ou responsáveis e do cuidado oferecido por

Desenvolvendo o hábito de estudo | 215


eles. A alimentação, a higienização, o controle nos horários
de vigília e sono, vão sendo percebidos e aprendidos a partir
dessas diligências ofertadas ao longo da infância e são essen-
ciais à constituição do eu. Elas ajudam a construir a noção de
tempo, ritmo, autoconceito, consciência. Se esses cuidados
são ofertados de forma suficiente, em qualidade e quantidade
equivalentes às necessidades da criança, esta vai edificar a
consciência de si, percebendo que habita um corpo, ocupa
um espaço, um entorno a si, e está inserida em um tempo
histórico (MATURANA, H.; VERDERN-ZÖLLER, 2004).
Assim, no tecido das configurações familiares, a criança nas-
ce para si, para o outro e para o mundo. A autonomia na vida
adulta dependerá então, da nutrição afetiva, social, biológica
ofertada e consolidada ao longo dos primeiros anos de vida.
Outro marco importante na infância é a entrada na es-
cola. De acordo com Cosenza e Guerra (2011), por meio
da educação a criança desenvolve-se e adquire novos co-
nhecimentos ou comportamentos, sendo mediada por um
processo cuja abrangência é a aprendizagem. Um ambien-
te escolar estimulador é essencial para o despertar das ca-
pacidades e habilidades infantis. A cognição, a imaginação,
a psicomotricidade, a internalização da cultura, a sociali-
zação e a maturidade estão em constante evolução. Para
Nunes (2014) a escola pode potencializar os pré-requisitos
trazidos de seu ambiente familiar pela criança com orien-
tação, método e padrões supervisionados por um educador.
Rodrigues e Ramos (2014), ao realizar uma pesquisa com
estudantes portugueses, chegaram à conclusão que desenvol-
ver hábitos e estratégias de estudo pode proporcionar ao estu-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 216


dante o acesso às condições e instrumentos mentais. Esses lhe
permitem tornar sua aprendizagem mais efetiva e cada vez mais
autônoma. Infantes com bom desempenho escolar têm pais
que os auxiliam diretamente nas atividades diárias, no controle
e organização do tempo para as refeições, o sono e as atividades
da escola. Nesse sentido, as atitudes dos pais sobre os deveres
de casa influenciam diretamente a vontade das crianças em
aprender (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
A escola tem também o papel de facilitar e mediar a
aprendizado das rotinas e regras de convivência. Às vezes, é
na escola, onde a criança fará experiências de estar com ou-
tras crianças, dividindo com elas o mesmo espaço, o mesmo
professor. Nesse sentido, ela aprende a relacionar-se, perce-
ber as diferenças e o mundo ao seu redor. O que parte da ex-
periência gera aprendizados mais consistentes e duradouros.
Desta forma a construção do projeto teve o objetivo
principal desenvolver o hábito de estudo nas crianças no
Ensino Fundamental I. Como objetivos específicos, incen-
tivar o hábito de estudo diário entre elas; promover a cons-
cientização sobre a importância do estudo na vida escolar;
despertar o interesse para as disciplinas acadêmicas e esta-
belecer estratégias para melhorar o desempenho na escola.

DESENVOLVIMENTO
O Projeto Desenvolvendo o Hábito de Estudo iniciou numa
escola particular da cidade de Juiz de Fora no ano de 2007.
Desde então, é oferecido às crianças que cursam o Ensino

Desenvolvendo o hábito de estudo | 217


Fundamental I, cuja faixa etária é de 6 a 11 anos, aproxima-
damente. Em 2017, 845 crianças, divididas em 24 séries e
turmas, participaram do projeto. Cada classe recebeu quatro
encontros sobre o tema. Ao todo foram 96 encontros na es-
cola. A duração de cada um respeitava o tempo hora/aula da
série e variava conforme a idade dos alunos.
Na época de sua implementação, a escola não adotava a
marcação das avaliações no bimestre. Nesse sentido, para
ter um bom desempenho nas provas e tarefas escolares as
crianças precisavam ser estimuladas ao estudo diário, pois
não sabiam quando as provas bimestrais iriam ocorrer. Na-
quela época, os estudantes tinham aulas de matemática,
português, história, geografia e ciências. Além disso, a gra-
de curricular oferecia também, aula de literatura, educa-
ção física e ensino religioso. O projeto foi construído pela
psicóloga escolar em colaboração com a orientadora edu-
cacional e a coordenadora de série, a pedido da direção.
O trabalho passou por diversos formatos até adquirir
consistência. A forma atual contempla a participação efeti-
va do aluno na construção dos temas. Eles são vivenciados
em grupo na presença do professor da série. Cada encontro
deixa uma mensagem indicativa de algo que os infantes
precisam fortalecer em suas estratégias de aprendizado.
Nesse sentido, o princípio norteador do projeto é o apren-
dizado de estratégias de estudo a partir da criança, de sua
linguagem e maturidade. Assim, em cada série, a noção
de hábito era construída a partir de recursos simbólicos
daquele grupo específico. Dessa forma, no primeiro ano
foram construídos encontros que privilegiavam a curiosi-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 218


dade e participação efetiva dos pequenos e valorizassem a
sua iniciativa. No segundo ano, foram introduzidos temas
ligados à estima, ao valor da disciplina e a introdução das
primeiras regras de convivência. Já no terceiro ano, foram
trabalhados durante os encontros temas ligados ao esforço
e persistência. Enquanto no quarto ano, as reuniões acon-
teceram em torno do tema atenção e coragem. Para o quin-
to ano, os temas das sessões versaram sobre a construção
de estratégias de estudo, foco e responsabilidade.
Cada encontro seguiu uma metodologia: o tema era
apresentado de forma lúdica, a partir de um conto ou
fábula que representasse a realidade da criança naquele
momento. Para a introdução de temas como a organização
dos estudos, trabalhava-se antes, com cada turma, a com-
preensão da organização familiar de cada um. Por exemplo:
como é acordar, almoçar em casa? Quem faz o quê? Como
é uma rotina na minha casa? Assim, após a explanação do
cotidiano de cada uma, elas eram convidadas a ouvir uma
história de acordo com o tema levantado. Após a história,
os infantes eram convidados a fazerem a ligação da mesma
com o processo familiar e o momento na escola. Ao final
de cada reunião, a criança levava para casa uma ficha con-
tendo as informações do tema abordado, por exemplo, a
importância da rotina, da organização diária, dos treinos,
dos deveres de casa, da atenção nas aulas, de se trazer o
material completo, da participação na escola, de fazer suas
perguntas e não levar dúvidas para casa.
Elas compartilhavam seus sentimentos em relação ao
esforço, dedicação, fracasso, persistência e jeito de estudar

Desenvolvendo o hábito de estudo | 219


e o que haviam aprendido em anos anteriores. Ao final da
sessão, levavam para casa uma tarefa para realizar com os
pais a fim de fixar o tema trabalhado em sala de aula. O
conteúdo trazido de casa servia como material auxiliar para
os professores continuarem o processo da construção da
estratégia de estudo individual e coletiva. Dentre os temas
trazidos por elas para a escola estão: como ajudar nas ta-
refas familiares; a importância de se fazer o dever de casa;
como é bom não se comparar com os colegas; como en-
frentar o medo de errar; como fazer amigos; como prestar
atenção; como estabelecer metas; como ter responsabili-
dade; como estudar a partir do brincar; a importância do
tempo no processo de aprendizagem; a ajuda dos pais, o
medo de desagradar os pais; como fazer provas, etc.
Cada encontro obedecia um eixo de funcionamento: a.
tempo para perceber-se diante da série, das potencialida-
des e limites relacionados ao momento escolar; b. momen-
to para conhecer as especificidades de cada disciplina, o
que cada uma tem de específico; c. período para construir
estratégias individuais e coletivas em sala de aula; d. tem-
po para avaliar o percurso realizado na escola e o efeito da
adoção da estratégia escolhida.
Outra consideração importante sobre o Projeto Desenvol-
vendo o Hábito de Estudo é o fato de que no dia de cada en-
contro, toda a equipe vestia-se de amarelo. De acordo com
Freitas (2007), é tamanha a expressividade das cores, pois
elas tornam-se transmissoras de ideias, tão poderosas que
ultrapassam fronteiras espaciais e temporais. Ainda segundo
a autora e sua simbologia, o amarelo é considerado a cor da

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 220


potência, da atenção, da força, é o símbolo da luz irradiando
em todas as direções. Ativa a motivação e o interesse.
Além disso, no cotidiano, no trânsito, representa ainda a
cor da atenção. O amarelo era uma cor familiar às crianças.
Além disso, no coletivo institucional, a cor despertava a
curiosidade das pessoas da escola e aumentava o envolvi-
mento de todos do contexto escolar com o projeto. Durante
a semana de aplicação, todos os professores das turmas
visitadas vestiam-se também de amarelo, assim o segmento
participava do processo.
Os encontros eram montados para ajudar a criança a or-
ganizar-se no tempo, a ter consciência da importância do
cumprimento das tarefas, a perceberem a importância da
rotina na construção dos hábitos, a constituição de hábito
como aquisição de autonomia e responsabilidade e compro-
misso com a autoaprendizagem. Nesse sentido, abaixo en-
contram-se os temas trabalhados em cada turma de acordo
com as especificidades de cada série, em cada encontro:
1. Cresço e apareço - a importância dos hábitos para o
crescimento saudável;
2. Bom em tudo, bom no estudo: construindo o hábito
de estudo para crescer como estudante;
3. Saboreando as disciplinas de cada dia. O estudo de
cada disciplina. O ambiente que favorece o estudo;
4. Colhendo os frutos dos bons hábitos: o que levo na
mochila?

Desenvolvendo o hábito de estudo | 221


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola pode e deve propiciar a continuidade dos pro-
cessos de aprendizagem ajudando a criança a adquirir há-
bitos necessários durante o período de escolarização. Os
modos como organizamos a vida cotidiana da criança na es-
cola tem grande importância em sua formação (BARBOSA,
2013). Quando introduzidos em equilíbrio, respeitando-se
a maturidade da criança, os hábitos favorecem a apreensão
de novas habilidades e competências tornando-a mais apta
para lidar com tarefas cada vez mais complexas.
O Desenvolvendo o Hábito de Estudo revelou-se um espa-
ço para troca de experiências, compartilhamento de ideias e
construção de hábitos. Tornou-se inclusive um projeto per-
manente da escola. De forma lúdica e envolvente, é uma fer-
ramenta que auxilia o processo da aquisição de estratégias
fundamentais para a escolarização. Nesse sentido, a cons-
trução de hábitos nos anos iniciais da escola pode favorecer
a aquisição de saberes essenciais à vida escolar futura. A no-
ção de tempo é fundamental. Essas concepções são essên-
cias para o seu crescimento como um todo.

REFERÊNCIAS

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infância. Leitura: Teoria & Prática, Campinas, v. 31, n .61,
p. 213-222, nov. 2013. Disponível em: <https://ltp.emnuvens.
com.br/ltp/article/view/185/122>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 222


COSENZA, R.; GUERRA, L. Neurociência e educa-
ção: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

FREITAS, A. K. M. Psicodinâmica das cores em comu-


nicação. Nucom, Limeira, v. 4, n. 12, p.1-18, out./dez.
2007. Disponível em: <http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/
ld/Cor/psicodinamica_das_cores_em_comunicacao.pdf>.
Acesso em: 05 fev. 2019.

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lo: Casa do Psicólogo, 2014.

PAPALIA, E. D.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. De-


senvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006.

RODRIGUES, R. L. R.; RAMOS, S. I. V. Hábitos de es-


tudo, estratégias de estudo e de aprendizagem: sua relação
com a ansiedade e o stress face às avaliações nos alunos do
ensino superior. Psicologia.PT: O Portal dos Psicólo-
gos, [s. l.], 2014. Disponível em: <http://www.psicologia.
pt/artigos/textos/A0768.pdf.>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Desenvolvendo o hábito de estudo | 223


Desvendando a
relação com o saber de
adolescentes por meio de
uma roda de conversa
Anayanze Rocha Crispim Dutra
Graduanda em Psicologia (UFSJ). Foi bolsista pela Pró-
Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários no Projeto
“A Roda Integral: um espaço de diálogo, ideias e debates”.
Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares Sobre
Contextos de Desenvolvimento. anayanze@gmail.com

Jean Ranyere Viana Rodrigues


Graduanda em Psicologia (UFSJ). Participa do Grupo
de Estudos Interdisciplinares Sobre Contextos de
Desenvolvimento. Atuou como voluntário no projeto de
extensão “A Roda Integral: um espaço de diálogo, ideias e
debates”. jeanviana2005@gmail.com

Neyfsom Carlos Fernandes Matias


Doutor e Mestre em Psicologia. Docente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de São João del-Rei. Coordenador do Programa de
Extensão “A Roda Integral: um espaço de diálogo, ideias e
debates” e do Grupo de Estudos Interdisciplinares Sobre
Contextos de Desenvolvimento. neyfsom@ufsj.edu.br
RESUMO
Qual a relação dos estudantes com o que aprendem nas
mídias sociais, na família e na escola? O Projeto “A Roda
Integral: um espaço de diálogo, ideias e debates” é uma pro-
posta de extensão universitária, cujo objetivo é apreender
como os jovens se relacionam com o mundo, com o outro e
consigo nas redes sociais, na escola e na família a partir da
perspectiva da relação com o saber de Bernard Charlot. A
escolha desses contextos se deu pela importância que pos-
suem no desenvolvimento, na educação, e por carregarem
diversos saberes. O público-alvo foi constituído de 75 alu-
nos, do 9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino
Médio, de uma escola pública de uma cidade do interior de
Minas Gerais. Utilizou-se de rodas de conversa para pro-
porcionar um espaço de interações, diálogos e reflexões. Ao
expressarem suas motivações, vivências, opiniões, ambições
e sonhos, nota-se a dificuldade desses discentes em apre-
sentam e integrarem os aprendizados adquiridos na escola
com àqueles obtidos em outros ambientes, pois há um dis-
tanciamento entre os diversos conteúdos escolares aponta-
dos como “formais” e os extracurriculares concebidos como
“informais”. Propostas como A Roda Integral proporcionam
voz aos alunos, possibilitando o desenvolvimento do prota-
gonismo no seu processo de construção do conhecimento.
Com isso, é importante estimular a reflexão dos estudantes
acerca de suas subjetividades em seus processos de forma-
ção, pois essa é uma maneira de fortalecer seu entendimen-
to e auxiliar na valorização e criação de relações com os sa-
beres ensinados na escola.

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 225
por meio de uma roda de conversa
PALAVRAS-CHAVE: Roda de Conversa; Psicologia Es-
colar e Educacional; Relação com o saber.

INTRODUÇÃO
A educação brasileira enfrenta inúmeros desafios. No en-
tanto, poucas são as iniciativas as quais abordam os estudan-
tes com o intuito de ouví-los. No Manifesto a Voz do Jovem
“muitos alunos disseram querer sentir que o espaço esco-
lar é um ambiente aberto a opiniões e que eles serão bem
recebidos visando existir um desenvolvimento intelectual e
crítico.” (MOVIMENTO MAPA DA EDUCAÇÃO, 2014,
p. 14) Assim, a realização de trabalhos com o intuito de re-
gistrar as ideias desses discentes é de suma importância.
“A Roda Integral: um espaço de diálogos, ideia e deba-
tes” é um projeto de extensão universitária idealizado e con-
cretizado pelo Grupo de Estudos Interdisciplinares Sobre
Contextos de Desenvolvimento (GREISCO), vinculado ao
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ). Por meio de rodas de conversa,
realizadas com alunos de Ensino Médio e Fundamental
de escolas do interior de Minas Gerais, buscou-se debater
a relação com o saber nas mídias sociais, na família e na
escola. Pôde-se assim entender os estudantes, enquanto
sujeitos em formação, com o intuito de aprender com a
participação nesses três contextos e como eles se motivam
para tal. A escolha destes temas se deu por serem espaços
cotidianos que oferecem possibilidades de aprendizagem e

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 226


se mostram importantes no desenvolvimento, influenciam
e na constituição desses indivíduos.
A Roda Integral teve a intenção de contribuir na escuta
das opiniões dos estudantes com foco no entendimento de
como se dá a atividade dos sujeitos ao se implicarem na
construção de conhecimentos a partir das relações esta-
belecidas consigo, com o mundo e com os outros. Sob a
perspectiva da noção de relação com o saber, proposta por
Bernard Charlot, buscou-se conhecer as condições de mo-
bilização, de geração de desejo e o estabelecimento da afe-
tividade para os alunos direcionarem a um objeto de saber,
quando confrontados com a necessidade de aprender. Des-
ta forma, é considerada a indissociabilidade dos sujeitos
com seus desejos no que diz respeito às posturas adotadas
frente às transmissões de diferentes aprendizagens propor-
cionadas pelos contextos em questão (CHARLOT, 2001).
Quando ausente a ideia de subjetividade, torna-se também
ausente a ideia de saber. Logo, sendo a educação um processo
de subjetivação, conhecer as relações com o saber é também
conhecer os sujeitos. Por isso, fez-se importante, como um
dos objetivos da Roda Integral, estimular a reflexão dos estu-
dantes acerca de suas subjetividades em seus processos de
formação, pois essa é uma maneira de fortalecer seu entendi-
mento e auxiliar na valorização e criação de relações com os
saberes ensinados na escola (CHARLOT, 2000; 2001).
Para apreender como o indivíduo estabelece relações
consigo mesmo, com o mundo e com o outro a fim de cons-
truir-se, deve-se entender a singularidade de sua história,

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 227
por meio de uma roda de conversa
sua posição social e como se dá sua mobilização frente às
diferentes fontes de aprendizagem. Os processos de mo-
bilização perante a esses saberes são específicos para cada
ambiente, já que as competências a serem aprendidas na
escola são diferentes daquelas desenvolvidas pela família
e comunidade (SOUZA; CHARLOT, 2016). Apesar de a
escola ser vista como um espaço para aprender conteúdos
“formais”, deve-se dar a devida importância ao conteúdo
aprendido fora dela, aos saberes “informais”. Portanto, A
Roda Integral pretendeu compreender se saberes adquiri-
dos na escola, na família e nas mídias sociais interagem en-
tre si, ou seja, se o que aprendem em um contexto interfere
em suas relações com os outros ambientes.
Como um dos objetivos do psicólogo escolar é a otimiza-
ção dos processos educativos, ou seja, da transmissão cul-
tural e do desenvolvimento das subjetividades ocorridas na
escola, a proposta da Roda Integral de entender as relações
com o saber se mostra válida. Isso porque o oferecimento de
uma atividade direcionada ao desenvolvimento integral dos
alunos é uma forma de atuação emergente desse profissio-
nal. Esse contribui para perceber o espaço escolar tanto em
sua dimensão psicoeducativa quanto em seu aspecto psicos-
social. Além disso, a participação do psicólogo em atividades
curriculares se mostra positiva, uma vez que potencializa a
realização de outras tarefas (MARTINEZ, 2009). A partir
dessas considerações, este trabalho apresenta considerações
sobre o projeto de extensão “A Roda Integral: um espaço de
diálogo, ideias e debates”. Especificamente, demonstram-
se os resultados das análises de conteúdo das informações

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 228


coletadas nas rodas de conversa, a partir da perspectiva da
relação com o saber (CHARLOT, 2001).

DESENVOLVIMENTO
O projeto foi realizado em uma escola pública de um
município do interior de Minas Gerais. Os participantes
foram 75 alunos, de 13 a 18 anos, matriculados em duas
turmas do 9º ano e uma do 3º ano do Ensino Médio.
Foram realizados nove encontros, semanais, com dura-
ção de 50 minutos. Oficinas de dinâmicas de grupos foram
usadas para promover os diálogos sobre a escola, a famí-
lia, as mídias sociais e a integração entre os estudantes
(AFONSO, 2006). Em seguida, a roda de conversa pro-
priamente dita se iniciava, ocorrendo um debate para os
alunos expressarem livremente suas opiniões. Nesse mo-
mento, os coordenadores conduziam a discussão estimu-
lando a troca de ideias e reflexões. No final era realizada
uma avaliação do encontro.
As rodas foram gravadas e os coordenadores anotavam
suas impressões. As gravações foram transcritas e anali-
sadas por meio de uma análise de conteúdo (BARDIN,
2006). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da UFSJ (Parecer nº. 2.534.125). Assim, as rodas
tornaram-se espaço de fala e perpassaram por diversos te-
mas além dos propostos. No entanto, serão mencionados
aqui os principais aspectos relacionados às mídias sociais,
família e escola.

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 229
por meio de uma roda de conversa
No que se refere às mídias sociais, foram destacados
fatores de socialização e de acesso à informação. Quanto
ao primeiro, destacaram a possibilidade de se comunicar
com alguém virtualmente quando não se tem a coragem de
fazê-lo pessoalmente: paquerar, conversar e acompanhar
notícias de amigos e parentes. A quantidade de curtidas
em uma publicação foi apontada como índice usado pelas
pessoas para se sentirem superiores.
A respeito do acesso à informação através das redes so-
ciais, os estudantes apontaram a fonte mais útil como o perfil
do Facebook que noticia fatos ocorridos na cidade. Apesar da
possibilidade de acesso às informações sobre assuntos para
além da sua cidade, eles apresentaram desinteresse por não se
sentirem afetados por acontecimentos relacionados à política,
às questões sociais e econômicas. Outro ponto salientado foi
a existência de perfis falsos, os chamados “fakes”. Eles apon-
taram a disseminação de fofocas, ofensas pessoais e o envio
de fotos íntimas sem consentimento, por meio desses perfis.
Os alunos demonstraram que a relação com o saber que
possuem nas mídias mostra-se exterior daquela existente na
vida offline, no entanto, as formas de se relacionar e comuni-
car virtualmente adquirem parâmetros diferentes das intera-
ções reais. A integração das mídias com os outros contextos
se estende somente às pessoas com quem se conecta. Apesar
disso, reconheceram a importância das mídias sociais como
facilitadora de acesso a informação e o quanto isso expande
a forma de relacionarem-se com o mundo. Porém, sabem da
necessidade de cautela para usar essas informações devido à
disseminação de falsos conteúdos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 230


Quanto à relação com o saber no âmbito familiar, de-
monstram ter consciência de que tal relação é uma via de
mão dupla, por isso, tanto aprendem como ensinam. Eles
reconhecem os familiares como mediadores importantes
na construção de si, ensinando questões como andar, falar,
relacionar-se com os outros e conhecer o mundo. Porém
ressaltaram que nem sempre os ensinamentos familiares
são bons. Aliás, tal tema mostrou-se o mais delicado. Mui-
tos discentes se recusaram a falar e ficaram escutando o
que os outros colegas diziam sobre suas famílias.
As instituições sociais são responsáveis pela educação,
por promover o conhecimento do patrimônio construído pela
humanidade. A primeira instituição que desempenha esta
função é a família (BERGER: LUCKMANN, 2004). Apa-
rentemente, os alunos reconhecem este papel, mas remetem
à educação familiar apenas saberes básicos, ainda úteis para
a vida cotidiana. Os conhecimentos mais complexos são atri-
buídos à escola, porém não são vistos como úteis para o dia a
dia. Isso corrobora os achados de Charlot (2005), que desta-
ca o conflito entre formas heterogêneas do aprender, onde o
“aprender na escola” se opõe ao “aprender na vida”.
Sobre a escola, eles indicaram como componentes de uma
escola ideal características externas aos estudos em si, como
estrutura física, uniformes e disponibilidade de armários para
uso individual. Como aspectos favoritos na instituição de
ensino, indicaram majoritariamente a aula de educação físi-
ca, a merenda e encontrarem com os amigos. Como pontos
que menos gostam, indicaram as aulas, principalmente a de
matemática, bem como alguns professores. Foi comum rela-

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 231
por meio de uma roda de conversa
cionarem o professor e a matéria que não gostavam. Quando
questionados sobre como considerar uma matéria melhor que
outra, foram bem enfáticos em responder o professor.
Dessa forma, o docente é responsabilizado por fazer uma
matéria ser interessante ou não, e não o conteúdo da discipli-
na. Para Charlot (2005, p. 55) uma aula interessante “é aquela
em que ocorre o encontro do desejo e do saber, ” mas o relato
dos alunos traz outra perspectiva. O interesse ou sentido de
uma determinada disciplina, para os alunos, está estreitamen-
te ligado à relação que o professor estabelece com eles. Esta
possui forte influência no desejo e busca pelo saber, na busca
pela apropriação de sentidos que significam o mundo.
A grande maioria dos alunos utilizou o argumento de “ga-
rantia de futuro ou de um bom emprego” como motivação
para se frequentar a escola. Duas formas de motivação ex-
postas por alunos específicos chamaram atenção: uma, o es-
tudante cita que vai à escola para que sua família não perca
o benefício governamental do Programa Bolsa Família; já na
outra um aluno insistiu que única forma de se motivar um
jovem para ir à escola é com agressão por parte dos respon-
sáveis. Isso demonstra uma relação negativa com o ambien-
te escolar, pois tanto a imposição através de violência física
quanto a permanência em um programa social são formas
de mobilização extrínsecas às aprendizagens que podem ser
adquiridas nessa instituição. Nesses casos, portanto, há uma
ausência de sentido na escola em si e nos conteúdos ofereci-
dos por ela como saberes para esses alunos.
Segundo Charlot (2005), cerca de 80% dos alunos vão
a escola para futuramente terem um bom emprego, mas

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 232


quando este é o único sentido da frequência para o aluno,
isso se configura como um problema. A questão é o sentido
dado pelos discentes não converge com o sentido pelo qual
a instituição existe: para aprender, para a apropriação do pa-
trimônio humano, apropriação dos símbolos e significados
que dão sentido ao mundo. O sentido dado pelos alunos não
se relaciona com o saber propriamente dito. Eles sabem que
precisam do diploma para conseguirem um emprego, ele
é útil, mas não vislumbram a utilidade do saber adquirido
dentro da escola no mundo profissional (CHARLOT, 2005).
Atualmente, para a inserção profissional, exige-se cada
vez mais a formação e escolarização dos trabalhadores.
Desta forma a função da escola volta-se para a formação
do mercado de trabalho, numa lógica apenas econômica
esquecendo-se de seu papel sociocultural de hominização.
“Tem-se, portanto, um espaço onde circula cada vez menos
sentido, mas que é cada vez mais importante para a socia-
lização dos jovens.” (CHARLOT, 2005, p. 110) A situação
ainda se agrava quando os alunos percebem o diploma como
forma de conseguir um emprego, ou um “bom futuro”, pois
isso não é garantido. Sendo assim, é gerada uma crise ainda
maior de sentido quanto a sua presença na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de extensão “A Roda Integral: um espaço de
diálogo, ideias e debates” mostrou-se um contexto rico
de interações, diálogos e reflexões. A partir desta ação, os
alunos expressaram suas vivências, motivações e opiniões.

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 233
por meio de uma roda de conversa
Eles indicaram que gostavam das rodas, dos temas propos-
tos, de conhecer o ponto de vista do outro, e sentiam estar
em um lugar onde eram ouvidos. Experiências como esta
colaboram na superação da timidez e da ansiedade causada
por falar em público. No entanto, trabalhos como estes são
desafiadores, sobretudo, no que se refere à elaboração de
estratégias as quais chamem a atenção dos jovens para par-
ticipar. Em alguns momentos, os estudantes demonstram
pouco entusiasmo em se envolver nas ações. Isso deve ser
considerado em trabalhos futuros com o intuído de desen-
volver atividades mais interessantes para os discentes.
Por meio das rodas de conversa foi possível acessar as-
pectos da relação com o saber dos estudantes vinculadas a
escola, a família e as mídias sociais. Verifica-se a existên-
cia de relações diferentes online e offline. Os jovens relatam
não só aprender, mas também ensinar em ambiente familiar.
Observou-se um distanciamento entre conhecimentos for-
mais e informais. A escola foi entendida como garantia de
um bom futuro/emprego, apesar da obscuridade entre o que
se aprende nela e a utilização destes saberes no mercado de
trabalho. Ademais, a relação professor-aluno foi reconhecida
como influenciadora no processo de busca pelo saber.
Em 2019, esta ação deixou de ser projeto para se tor-
nar programa de extensão a ser desenvolvido durante dois
anos com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários da UFSJ. Nesta nova etapa, as rodas foram
implantadas em duas novas escolas públicas e dois projetos
sociais. Com isso, A Roda Integral aumentou não só em
tamanho, bem como na promoção de diálogos, ideias e de-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 234


bates com aproximadamente 250 participantes. Mas essa
história fica para uma próxima roda de conversa.

REFERÊNCIAS

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método de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2006.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70,


2006.

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da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Rio
de Janeiro: Editora Vozes, 2004.

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para


uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

______ (Org.). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais.


Tradução de. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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sores e globalização. Porto Alegre: Artmed, 2005.

MARTINEZ, A. M. Psicologia Escolar e Educacional:


compromissos com a educação brasileira. Psicologia Es-
colar e Educacional, Campinas, v. 13, n. 1, p. 169-177,
jan./jun. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/
pdf/pee/v13n1/v13n1a20.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Desvendando a relação com o saber de adolescentes


| 235
por meio de uma roda de conversa
MOVIMENTO MAPA DA EDUCAÇÃO. Manifesto - A
voz do jovem. 2014. Disponível em: <http://mapaeduca-
cao.com/manifesto/>. Acesso em: 20 dez. 2018.

SOUZA, M. C. R. F.; CHARLOT, B. Relação com o saber


na escola em tempo integral. Educação & Realidade,
Porto Alegre, v. 41, n. 4, p. 1071-1093, out./dez. 2016. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/edreal/v41n4/2175-
6236-edreal-59843.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 236


Dever de casa: conceitos,
contribuições e desafios
Eduarda Pampolin Miessi Luchini
Graduanda em Psicologia (UEMG). Bolsista da pesquisa
“Dever de Casa: conceitos, contribuições e conflitos” e da
pesquisa “Um estudo sobre a disgrafia no espaço escolar -
anos iniciais do Ensino Fundamental”
eduarda.luchini@gmail.com

Helena de Almeida Cardoso Caversan


Graduanda em Psicologia (UEMG). Bolsista de iniciação
científica no projeto de pesquisa “A arte imita a vida:
articulações entre psicanálise e cinema”. Participante
da pesquisa “Dever de Casa: conceitos, contribuições e
conflitos”.
helenacaversan@gmail.com

Márcio Pereira
Graduado em Psicologia, Pedagogia, mestre em Educação
(UNISAL-SP), doutorado em Educação (UNINI – Puerto
Rico). Pós-graduado em Educação Especial e Inclusiva,
Psicopedagogia Clínica e Institucional, Psicopedagogia
com ênfase em Neurociência e dificuldades de
aprendizagem. Professor universitário (Pedagogia
e Psicologia), coordenação de curso (Pedagogia),
experiência em pesquisa e extensão.
marcio.marcio@uemg.br
RESUMO
A referida pesquisa foi desenvolvida pelo Programa Ins-
titucional de Bolsas de Iniciação Científica -PAPq/UEMG/
Edital 03/2017- e discutiu conceitos, contribuições e con-
flitos em relação ao dever de casa. O objetivo central foi ve-
rificar a existência de tumultos familiares a partir do acom-
panhamento do dever de casa. A metodologia utilizada é a
pesquisa bibliográfica sobre a literatura do dever de casa
do ponto de vista pedagógico, sociológico e psicológico e
a investigação junto aos professores, pais/responsáveis e
alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sobre os
conflitos existentes ao realizar a atividade no seio familiar,
por meio de entrevistas e rodas de conversas. Os resulta-
dos indicam que o acompanhamento do dever de casa pela
família se problematiza por: fatores como não possuir tem-
po; não saber ensinar; não saber a ideia clara do exercício;
dentre outros. Conflitando o clima familiar, causando des-
gastes emocionais, brigas, aborrecimentos, estresse devido
à quantidade e dificuldades das atividades, desencadeando
na criança insegurança, medo, incapacidade, baixa autoes-
tima e outros sintomas. Essa pesquisa tem sua relevância
por possibilitar aberturas como o ponto de vista do alu-
no sobre o dever de casa e o apontamento de conflitos no
acompanhamento ao dever de casa no seio familiar.
PALAVRAS-CHAVE: dever de casa; família; alunos;
conflitos; aprendizagem.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 238


INTRODUÇÃO
O dever de casa é reconhecidamente importante para o
processo de ensino e aprendizagem. É uma estratégia pedagó-
gica que possui múltiplas finalidades, como estender o tempo
de instrução, oferecer complementação curricular, estabe-
lecer uma mediação entre conhecimentos aprendidos, esti-
mular o hábito de estudo independente, aplicação das infor-
mações escolares no cotidiano, enriquecimento do currículo,
ampliação das aprendizagens e estreitar a relação família/es-
cola. Ele é um recurso importante que potencialmente visa
beneficiar todos os envolvidos no processo de como, também,
contribui com questões ligadas às dificuldades de aprendiza-
gem, desenvolvendo habilidades, competências e, por vezes,
se integra ao método avaliativo do aluno.
Estudos apontam que, geralmente, além dos benefícios pro-
porcionados pelo dever de casa no desenvolvimento de apren-
dizagem, o mesmo aparece na escola para crianças com o ní-
vel psicogenético mais avançado da turma, desconsiderando a
defasagem de conteúdo ou dificuldades de alguns discentes.
Muitas vezes, ele fica a cargo da realização dos pais/responsá-
veis, seja pela sua extensão ou dificuldade, ocasionando de-
sinteresse nos alunos, dependência intelectual em relação ao
pensamento do outro. Nesse sentido, há a emergência de uma
questão muito peculiar e que necessita de investigação, que são
os efeitos desses pontos citados e outros na aprendizagem do
estudante, interferindo na sua relação com o saber.
A partir dessas considerações, a pesquisa propôs desenhar
o conceito de dever de casa, a visão do professor, da família e

Dever de casa: conceitos, contribuições e desafios | 239


do aluno sobre o referido tema para, enfim, verificar as relações
estabelecidas no âmbito familiar no tocante aos conflitos exis-
tentes no momento do acompanhamento do dever de casa.

DESENVOLVIMENTO
Realizou-se uma investigação da literatura sobre o dever
de casa do ponto de vista pedagógico, psicológico e socio-
lógico. Consultaram-se arquivos de bibliotecas, internet,
editoras e outros em busca de textos, livros e/ou periódicos
a respeito do tema, com o objetivo de fazer uma análise
histórica de como ele era e de como é pensado atualmente.
Num segundo momento da investigação, foi realizado
uma pesquisa experimental, cujo universo incluiu cinco
professores de cinco escolas públicas (estadual e munici-
pal), da cidade de Divinópolis/MG. Cada representante
leciona nos anos iniciais do Ensino Fundamental, um de
cada série do Ciclo de alfabetização e de complementação.
Para esse momento, a entrevista foi o meio de coletar da-
dos e informações de como os professores trabalham com
o dever de casa, o que pensam, como o elaboram e quais
os sentidos, fins e possibilidades desse tipo de atividade.
Por fim, utilizando depoimentos e rodas de conversa, a
participação dos pais/responsáveis e dos alunos se efetivou.
O objetivo foi de verificar quais os efeitos que o dever de
casa tem ocasionado na relação familiar e como os pais/
responsáveis se comportam ao acompanhar os rebentos em
suas tarefas. A forma de execução desse acompanhamento

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 240


foi realizada por meio de entrevista aberta. O universo ana-
lisado também correspondeu a cinco famílias, uma de cada
ano de escolaridade dos anos iniciais. Do mesmo modo, os
alunos foram entrevistados, com objetivo de colher informa-
ções de como pensam a respeito do assunto, se ele os ajuda a
aprender, se há conflitos em casa e quais, o que eles sentem
quando não conseguem fazer as atividades, como ele deveria
ser e se o dever de casa aumenta a vontade de estudar.
De acordo com Fujimoto e Martins (2013), o dever de
casa tem sua origem na época dos jesuítas na aplicação do
método Radio Studiorium, onde era adotada a prática de en-
viar tarefas escolares para serem feitas em casa. Esta estraté-
gia recebia o nome de repetição em casa e o objetivo primário
era o de se ter um tempo para exercitar a inteligência no lar,
buscando trabalhar as dificuldades e favorecer as aprendiza-
gens. Outras considerações sobre a temática, em relação a sua
origem, é que de acordo com Nogueira (2002), são apontadas
por Johann Friedrich Herbart. Para Herbart (NOGUEIRA,
2002) a aplicação do conhecimento não se restringia à sala de
aula, podendo estender-se até a casa do aluno. Assim, o pen-
samento do autor contribuiu com os fundamentos da escola
tradicional, incluindo a prática da lição de casa.
De acordo com Paula (2000), Resende (2006), Carneiro
(2010) a prática em casa é uma atividade complexa que en-
volve aspectos do meio social, cultural e educacional, sendo
uma tarefa de múltiplas possibilidades e é destinada a ser
realizada fora do período regular das aulas. Franco (2002) diz
que o tema é considerado como uma atividade pedagógica
elaborada e proposta por professores, destinado ao trabalho

Dever de casa: conceitos, contribuições e desafios | 241


de alunos fora do período regular das aulas, incluindo exer-
cícios escritos, pesquisa, resolução de problemas, ativida-
des práticas e outras. Como estratégia pedagógica, ele pode
ser pensado e entendido como uma flexibilização do tempo
de aprendizagem, complementação de matéria/conteúdo,
como meio de fixar os conhecimentos já adquiridos e iniciar
novos. Criar hábitos de estudos independentes, aplicação
das noções acadêmicas no cotidiano da vida dos educandos,
enriquecimento de currículo, ampliação de experiências de
aprendizagem e é utilizado, também, como meio de avalia-
ção e acompanhamento da aprendizagem.
O dever de casa também encontra justificativas de ordem
psicológica, como a construção da independência, autonomia
e responsabilidade através do desenvolvimento de hábitos de
estudo e pontualidade. De acordo com Carneiro (2010), a
partir do enfoque psicológico e da experiência, o mesmo pode
ser uma fonte de trabalho que viabiliza a utilização de técnicas
na realização das atividades, favorecendo o desenvolvimen-
to de habilidades cognitivas. Ademais, o dever de casa pode
propiciar aos alunos a capacidade de monitorarem a própria
aprendizagem, tornando-os autônomos e autogestores dela
e, em longo prazo, desenvolver a competência em iniciativa,
disciplina e responsabilidade, independência e capacidade de
gerenciar o próprio tempo (ROSÁRIO et al., 2008).
Sociologicamente, como afirma Silva Jr (1996), a edu-
cação está voltada à formação do indivíduo para o mercado
de trabalho e para a competição. A partir da visão de que a
educação deve estar voltada aos interesses sociais, princi-
palmente ao âmbito econômico, num contexto de competi-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 242


ção, enfatizando o desempenho do aluno, um dos recursos
e sucesso do capital escolar passa a ser o dever de casa e o
acompanhamento da atividade pela família (CARVALHO;
SERPA, 2006). Nesse sentido, as consequências do exercí-
cio extraclasse de forma negativa advêm da atribuição dessa
prática a partir de um único modelo de família, ou seja, a
amostra ideal, tanto econômica e culturalmente, desconsi-
dera os recursos das classes sem essas condições. Carvalho,
Nascimento e Paiva (2006) afirmam que quando se omitem
as diferenças e as desigualdades sociais, culturais e econômi-
cas, tende-se a exacerbar as desigualdades de aprendizagem.
As pesquisas com os professores indicaram que a visão
sobre o dever de casa depende das concepções de posturas
educacionais, o que afeta diretamente o planejamento peda-
gógico de diversas formas. Contudo, Carvalho, Nascimento
e Paiva (2006) já pontuaram em suas pesquisas sobre as mu-
danças educacionais do ponto de vista curricular e das práti-
cas pedagógicas como a intensificação do trabalho docente,
associado aos baixos salários, levando o professor a assumir
mais de um turno para se sustentar, o que o obriga a mudar
a forma de avaliação do dever de casa.
A falta de tempo do docente não lhe permite individua-
lizar a correção dos exercícios e nem dar uma atenção es-
pecial na elaboração, planejando-o e corrigindo-o de forma
coletiva. Normalmente, essa última tem sido feita de for-
ma geral, oral, às vezes, utilizando o quadro e o aluno se
autorretificando. Visto que as correções são feitas de forma
rápida. Oo professor faz uma revisão do assunto do dia an-
terior e, logo em seguida, inicia um novo conteúdo.

Dever de casa: conceitos, contribuições e desafios | 243


De acordo com os dados coletados nas entrevistas, com
os professores, o dever de casa é um tema corrente no co-
tidiano escolar e não é devidamente discutido. Os dados
deste trabalho, corroboram com a literatura e sugerem a
necessidade da escola dar ênfase a temática e definir ações
claras para a mesma, o que supõe uma agilização na dis-
cussão de pontos como a elaboração, o que considerar, a
frequência, a concentração em respectivos dias e a forma-
ção dos responsáveis pelo acompanhamento no seio fami-
liar para que possam ajudar as crianças.
Muitas são as inferências que podem ocorrer em relação
às falas dos pais/responsáveis que participaram da pesquisa.
Uma delas é o entendimento de que o dever de casa, além de
suas contribuições em criar habilidades e competências, in-
diretamente contribui com a produtividade escolar, ou seja,
melhora o desempenho do aluno. Negativamente, ele utiliza
o tempo, o espaço e os recursos domésticos como uma ex-
tensão da escola e, isso, de certa forma, não desconsideran-
do que a família deva ser parte integrante do processo de
descoberta e aprendizagens dos pequenos. No entanto, as
atividades ocupam o lugar de conversa familiar, de forma
livre e espontânea, voltando seu interesse a realizações das
tarefas pré-estabelecidas pela escola. Assim, os pais deixam
de estar junto com os filhos de forma lúdica e prazerosa e
ocupam o lugar do professor, deixando a relação entre eles,
por vezes, tensa e estressante.
Outra questão levantada foi à família como extensão da
escola. Pensar no lar como um local para o desenvolvimento
do currículo escolar é uma forma de estender a instituição

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 244


de ensino e repartir com a família uma função propriamente
escolar. O tempo dispensado na realização do dever de casa,
de certa forma, tira da família a autonomia e a liberdade de es-
colher uma maneira complementar de educar seus filhos, seja
na arte, no esporte, na leitura e outras formas de conhecimen-
to que enriqueçam a pessoa e que os rebentos não sejam pe-
nalizados em casa por um contexto competitivo da avaliação
escolar. Os pais/responsáveis entendem que a família pode
contribuir com o espaço da escola sem assumir suas funções.
Ademais, eles entendem que as situações de conflitos
acontecem no espaço da família na hora do dever de casa,
uma situação muitas vezes corriqueira, devido à demanda
da escola e das próprias dificuldades, como: cansaço do
trabalho, não saber ensinar como as(os) professoras(res),
não entender o conteúdo, entre outros aspectos. Por fim,
às vezes, acabam por possuir atitudes agressivas com os
filhos. As situações conflituosas vividas pela família, ao
acompanhar a criança na elaboração do dever de casa, po-
dem resultar no medo, na insegurança e na ideia de que
aprender traz discórdias, e a interpretação da criança pode
ser que as coisas da escola fazem com que os pais/respon-
sáveis não gostem dela. Quando o apoio afetivo não é cla-
ramente demonstrado pelos mesmos, ou quando existam
expressões adversas ao sentimento de acolhimento como
brigas, xingos, descrédito na capacidade do filho, etc. pode
fazer com que os pequenos apresentem dificuldades em
reconhecerem-se/ sentirem-se pertencentes ao seio fa-
miliar e assim apresentarem dificuldades nas relações de
aprendizagem e relacionamento.

Dever de casa: conceitos, contribuições e desafios | 245


Quanto as crianças, na roda de conversa, pensam que o
dever de casa ajuda a entender melhor as matérias que o(a)
professor(a) dá em sala de aula. Pensam que a atividade
poderia ser diferente, além de só responder perguntas; po-
dendo ter outros assuntos que as ajudem a aprender outras
coisas além de português e matemática.
Sobre o fazer o dever de casa, muitos disseram que pos-
suem dúvidas e quando pedem as mães para ajudar elas ficam
nervosas. A tarefa, muitas vezes, consiste em só copiar do li-
vro e a correção nas professoras passarem na carteira olhando
quem fez. Outras vezes corrigem no quadro e outras nem isso.
“A professora rasga a folha do dever quando a letra está feia e
quando está de caneta dá outra folha para a gente.” (sic)

O meu pai fica nervoso e dá murro na


mesa quando eu não sei as coisas do dever
de casa. Ele que me ensina matemática.
Minha mãe começa a xingar porque fico
perguntando muito e ela fica estressada.
Lembro que minha mãe me tacou o pano
de prato porque eu não sabia a pergunta.
A minha mãe até hoje me bate e olha que
tenho sete anos. A minha mãe fala que
vai me deixar de castigo se eu não fizer as
coisas certas. (sic)
Eu me sinto ruim quando minha mãe
perde a paciência comigo quando está me
ajudando no dever. Quando ela me xinga
eu falo com Deus para ela parar. Eu fico
pensando que quero morrer, pois acho
que ela não gosta de mim, eu fico com
medo. (sic)

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 246


O dever é muito e a minha mãe fica fa-
lando para eu andar rápido para ir dormir.
O dever é muito, vai até 30 questões. O
dever devia de ser mais ou menos, eu levo
para casa e faço de noite e fico a manhã
para fazer. Toma muito tempo. Como eu
gosto muito de ver televisão fico fazen-
do o dever vendo televisão, senão não dá
para eu ver a televisão. (sic)

Percebe-se através da fala das crianças que o dever de


casa é uma questão que deve ser repensada na sua forma
de ser dada e exigida. Muitos são os conflitos existentes a
partir dessa atividade e suas limitações ocorrem na vida
dos alunos devido ao tempo que se gasta para fazê-lo. Os
pequenos, como visto nos seus depoimentos, estão abertos
à aprendizagem e as dificuldades do aprender irão aconte-
cer no processo da relação existente entre as redes de apoio
desse infante (família, escola, amigos etc.).

Considerações finais
O que fica evidenciado na pesquisa é: o dever de casa
ainda é uma área a ser investigada. Pois não é um movimen-
to isolado e está atrelado às políticas educacionais, econô-
micas e sociais. Contudo, o que mais interessou na pesquisa
foi verificar a existência de conflitos no seio familiar no mo-
mento do acompanhamento das atividades complementares
em casa. Isso fica evidente tanto na fala dos pais como na
das crianças. Há situações vivenciadas pela família que as

Dever de casa: conceitos, contribuições e desafios | 247


colocam em uma posição de fragilidade frente ao apoio a ser
dado aos pequenos no seu processo de conhecimento esco-
lar, podendo trazer diversas dificuldades para eles.
Portanto a necessidade de um maior aprofundamento nes-
se assunto é essencial, tendo com o objetivo verificar quais
são as consequências em relação à aprendizagem no momen-
to em que o apoio afetivo na relação do aprender não se mos-
tra positivo. Essa pesquisa demonstra a imprescindibilidade
de maiores investimentos e atenção ao que os alunos sentem
em relação à temática como, também, aprofundar os estudos
de acompanhamento do dever de casa pela família.

REFERÊNCIAS

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ROSÁRIO, P. S. L. et al. Trabalho de casa, auto-eficiên-


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SILVA JR., C. A. Infância, educação e neoliberalismo.


São Paulo: Cortez Editora, 1996.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 250


Dificuldade de
aprendizagem e
formação continuada:
aspectos importantes
na prática dos
professores
Karine Aparecida Teixeira
Graduanda em Psicologia (UNILESTE). Bolsista no
Projeto de Iniciação Científica “Perfil de estudantes
do curso de Psicologia que apresentam dificuldades de
leitura”. Participou do Projeto de Iniciação Científica
“Atuações do Psicólogo Organizacional”. Realiza estágio
na Fundação Emalto.
tkarine02@gmail.com

Michele Giovana do Amaral Andrade


Graduanda em Psicologia (UNILESTE). Estágios
realizados: Clínica Monlevade de Medicina e Psicologia
(Climamp), Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
michelegeoana@gmail.com

Regina Lúcia de Souza


Psicóloga, mestre em Psicologia (UFES). Especialista
em Neuropsicologia Clínica (IPAF Lev Vygotsky -
Instituto de Psicologia Aplicada e Formação).  Professora
e Supervisora de Estágio em Psicologia Escolar
Institucional do Curso de Psicologia do Centro
Universitário do Leste de Minas Gerais.
reginalucia.souza@gmail.com

Stela Maris Bretas Sousa


Psicóloga, psicopedagoga, mestre em Psicologia (PUC-
Minas). Professora do Centro Universitário do Leste de
Minas Gerais. Conselheira e Coordenadora da Comissão
de Psicologia Escolar do CRP - 04 do XV Plenário.
stela.maris.bretas@gmail.com

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 252


RESUMO
Este trabalho refere-se às atividades realizadas nas discipli-
nas Psicologia e Educação I e II do curso de Psicologia do Cen-
tro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE. A
intervenção foi elaborada pelas autoras e desenvolvida com um
grupo de três professoras e a diretora de uma escola de educa-
ção infantil da rede privada localizada em Minas Gerais. Através
das demandas levantadas constatou-se a necessidade de aplicar
a concepção de dificuldade de aprendizagem explicitada pelas
professoras, bem como a conscientização da formação conti-
nuada das mesmas. O objetivo da intervenção foi contribuir
para a reflexão acerca de transformações que promovam novos
olhares para o contexto escolar. A metodologia utilizada foi ofi-
cinas de grupo. O desenvolvimento das temáticas ocorreu em
quatro encontros, sendo o primeiro direcionado a interação das
educadoras e reflexão sobre a questão ensino e aprendizagem;
o segundo em oportunizar diálogos sobre as diferenças presen-
tes no contexto escolar; o terceiro em abordar a valorização da
prática docente e a relevância de sua formação continuada e o
encerramento deteve-se em retomar as discussões anteriores e
promover reflexões envolvendo novas possibilidades de atua-
ção. No decorrer dos encontros todas participaram, mostrando
interesse pelos temas abordados, percebendo que a educação
continuada proporcionará a construção do conhecimento além
de corresponder com as práticas a serem exercidas. Concluiu-
se assim que a dificuldade de aprendizagem é uma inquietação
presente no cotidiano de muitos professores, mas, compreen-
der essa dificuldade, a luz de uma formação consolidada, per-
mitirá ao professor, encontrar formas de empreender ações que
promovam o potencial dos alunos.

Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


| 253
importantes na prática dos professores
PALAVRAS-CHAVE: dificuldade de aprendizagem; forma-
ção continuada; intervenção psicossocial.

INTRODUÇÃO
Este trabalho refere-se às atividades práticas realizadas
em cumprimento ao trabalho de campo das disciplinas de
Psicologia e Educação I e II, do curso de Psicologia do Cen-
tro Universitário do Leste de Minas Gerais - UNILESTE.
Trata-se da realização de um mapeamento institucional e,
posteriormente, uma intervenção psicossocial com um gru-
po de três professoras e uma diretora da escola de educa-
ção infantil da rede privada, localizada na região do Médio
Piracicaba - MG. Martinez (2009) ao refletir sobre o com-
promisso social do Psicólogo Escolar e Educacional com a
educação brasileira enfatiza uma participação ativa desse
profissional a fim de que oportunize mudanças no contex-
to de sua atuação. A autora explicita formas estratégicas de
ação destacando a necessidade de práticas inovadoras que
inspire novas possibilidades ao âmbito escolar.
No primeiro contato realizado com a instituição, ocorrido no
segundo semestre de 2016, durante o levantamento de deman-
da, constatou-se a necessidade de trabalhar a concepção de di-
ficuldade de aprendizagem explicitada pelas professoras com
relação aos alunos e a conscientização da formação continuada
das mesmas. A revisão de literatura aponta que a qualificação
dos professores não consiste somente na teoria ou na prática;
é necessária a junção de ambas para se formar um profissional

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 254


capacitado. Apresenta ainda que nem sempre teoria e prática
vão se coincidir, indicando uma formação ineficiente dos edu-
cadores. Sendo assim, a prática proposta oportunizou reflexões
quanto à articulação entre o saber científico e as experiências
de carreira, bem como um olhar diferenciado para questão
ensino-aprendizagem.
No segundo momento, em continuidade ao trabalho, foram
discutidas e então trabalhadas no primeiro semestre de 2017
as demandas levantadas. A metodologia que embasou o projeto
foram as oficinas de dinâmicas de grupo. De acordo com Afon-
so (2010) grupo é um conjunto de indivíduos reunidos pelo
mesmo propósito, com foco em uma ideia central se propõe
elaborar.
A educação infantil exige professores que possuam nível
proeminente em relação ao contexto educacional, para que
possa auxiliar os alunos em suas complexidades; para isso é
crucial que os educadores reaprendam com os novos tempos
e seus avanços tecnológicos e científicos com intuito de adqui-
rir maior conhecimento ao longo da carreira, mesmo com todo
o saber é importante a busca por nova compreensão, visando
desenvolver as habilidades necessárias na fase de ensino apren-
dizagem das crianças (PAROLIN; CALDEIRA, 2007). Kauark
e Silva (2008) reiteram que é importante que os educadores
consigam entender e agir de forma positiva diante da dificulda-
de, conduzindo o aluno a ultrapassar seus limites contribuindo
para a superação do processo educativo.
Ressalta-se que o trabalho do educador fica evidente no
compromisso em articular teoria e prática. Nesse sentido, a
formação continuada torna-se relevante. Ou seja, ser profes-

Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


| 255
importantes na prática dos professores
sor exige estar continuamente em busca de atualizar e inovar o
conhecimento já consolidado. Nesse sentido, Bebrens (1996)
apresenta que a formação de docentes é um meio imprescin-
dível para consolidar a transformação, mas, exige interação si-
multânea com a prática exercida no contexto escolar. Para ele a
formação acontece em meio aos processos de mudança.
Diante do exposto, o objetivo geral desse trabalho foi con-
tribuir com a promoção de novos olhares acerca da dificuldade
de aprendizagem e incentivar a busca por embasamento teó-
rico para as questões que emergem na prática. E os objetivos
específicos foram: promover reflexões sobre a questão ensino
-aprendizagem; oportunizar discussões quanto as diferenças
individuais no processo de aprender e conscientizar as profes-
soras sobre a importância da formação continuada.

DESENVOLVIMENTO
Primeiramente, no segundo semestre de 2016, na disciplina
de Psicologia e Educação I realizou-se visitas à instituição, com
o objetivo de mapear a entidade, utilizando-se de técnicas de
observação e entrevista. Segundo Marinho-Araújo e Almeida
(2014), o mapeamento institucional refere-se a um conjunto de
ações voltadas à intervenção, análise e reflexão sobre o contexto
organizacional, que possibilita a compreensão dessa realidade
e orienta a intervenção do psicólogo escolar. Foram realizadas
cinco visitas à escola e a partir desse levantamento elencaram-
se as principais demandas desse contexto educacional e ele-
geu-se, juntamente com a escola a proposta de intervenção.
Posteriormente, no primeiro semestre de 2017, na disciplina

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 256


de Psicologia e Educação II, foi realizada a ação, a partir das
Oficinas de Dinâmicas de Grupos. Estas é um método de in-
tervenção psicossocial e possui suas bases na teoria dos grupos
dentro de um contexto sociocultural. O seu objetivo é realizar
um trabalho de inter-relação entre a subjetividade e a cultura
(AFONSO, 2010).
Foram realizados quatro encontros, aos sábados, com dura-
ção de duas horas. Participaram da intervenção três professoras
e uma diretora, sendo que, a diretora participou apenas de dois
das quatro sessões realizadas. As oficinas foram pautadas nas
necessidades psicossociais do grupo, tais como: a interação das
educadoras e reflexão sobre ensino e aprendizagem, diversidade
dos alunos, valorização da prática docente enquanto promotora
de mudanças, importância da formação continuada e reflexões
sobre novas possibilidades de atuação.
No primeiro encontro estabeleceu-se o contrato grupal e
realizou-se a técnica “Nome dos bichos” (AFONSO, 2010) a
fim de promover a interação da equipe. Em seguida discutiu-se
a concepção consolidada de dificuldade de aprendizagem cita-
da pelas participantes, nesse momento foi trabalhada a técnica
“Árvore da aprendizagem” (AFONSO, 2010, adaptada).
No segundo encontro utilizou-se a técnica “Quebrando bar-
reiras no relacionamento social” (MOREIRA, 2011). O objeti-
vo foi oportunizar um diálogo sobre as diferenças presentes no
contexto escolar, considerando o limite de cada aluno.
O terceiro encontro iniciou-se com a técnica “Mala
Coletiva” (AFONSO, 2010), o objetivo desse momento
foi permitir o grupo falar sobre os sentimentos, sonhos

Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


| 257
importantes na prática dos professores
e expectativas com relação ao contexto educacional e ao
mesmo tempo descrever os recursos que “carregam na ba-
gagem” para que isso se concretize.
O último encontro oportunizou ao grupo um momento
de discussão e reflexão acerca do trabalhado nas reuniões
anteriores.
Durante os encontros foi observado que já havia se estabele-
cido um vínculo entre as participantes. Sobretudo, referiram-se
à intervenção desenvolvida como um espaço acolhedor e afir-
maram nunca ter tido uma oportunidade semelhante. Nesse
sentido, além de promover um momento de descontração, es-
cuta e reflexão, as sessões oportunizaram o fortalecimento dos
vínculos já instituídos.
Por meio das atividades desenvolvidas e relatos das pro-
fessoras, foi possível identificar o nível de fragilidade permeia
o contexto em que estão inseridas com relação à formação.
Demonstravam insegurança, dificuldade para refletir e ver-
balizar as respostas. Durante os encontros surgiram discur-
sos sobre dificuldade de aprendizagem dos alunos, nos quais
a responsabilidade, na maioria das vezes, era atribuída aos
discentes ou aos seus pais. Além disso, trouxeram de forma
explícita a insatisfação com relação a não oferta de cursos
e/ou outras possibilidades por parte da escola. Relataram
ainda sentirem-se “impotentes”, bem como de “pés e mão
atadas” em meio as dificuldades apresentadas pelos alunos,
mas não souberam especificar tais dificuldade.
Souza (1997) aponta que muitas vezes educadores agem de
forma equivocada, atribuindo aos estudantes a responsabilida-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 258


de pelo não aprender, caracterizando um conjunto de expecta-
tivas escolares em relação à criança. Desta forma, as situações
vivenciadas pelo infante na escola são analisados como algo in-
terno do indivíduo e de sua relação familiar que, considerada
inadequada ou insuficiente compromete o desenvolvimento
desse aluno e respectivamente sua aprendizagem.
Sendo assim, buscou-se desmitificar essa concepção con-
solidada a qual educandos sabem ou não, conseguem ou não e
em contrapartida provocar reflexões que despertassem nas pro-
fessoras o desejo de compreender os ritmos, dinâmica e o tem-
po de cada aluno. Foram promovidos diálogos para impulsionar
o grupo a identificar metodologias nas quais aprendizagem e
potencialidades dos estudantes fossem favorecidas ao invés de
reduzi-los ao fracasso escolar.
Ademais também houve reflexões com foco na formação
mínima exigida para se ocupar um cargo de professor da educa-
ção infantil, bem como na relevância da formação continuada,
pois, apenas a proprietária e diretora da instituição possuía gra-
duação em Pedagogia.
Quando questionadas sobre a proposta pedagógica, as
educadoras relataram que entre as fontes de recursos utili-
zadas para elaborar o planejamento de aula estava a internet,
de onde retiravam desenhos para colorir, pintar, recortar, etc.
Destacaram ainda apoiarem-se, em momentos de dúvidas,
nos conhecimentos da diretora ou trocavam sugestões en-
tre si, reafirmando a ausência do embasamento científico.
A diretora afirmou que também se apoiava na internet. So-
bre este recurso, foi perguntando ao grupo quais as bases

Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


| 259
importantes na prática dos professores
de dados científicos estavam utilizando, entretanto alegaram
desconhecer esse tipo de informação.
Oliveira (2008) nos orienta quão comum é escutar de pro-
fessores que o trabalho na educação infantil se baseia em ati-
vidades lúdicas como desenho, pintura, recorte, brincadeiras,
entretanto estes profissionais não estão conscientes sobre como
cada uma dessas atividades requer fundamentação teórica,
bem como o objetivo que almeja ser alcançado.
Partindo desse pressuposto foi trabalhado junto as docen-
tes a necessidade de investir na criatividade, sabendo apro-
veitar o espaço e os recursos existentes. Foram conscientiza-
das com relação a busca por materiais aleatórios na internet
e mais uma vez reafirmada a obrigatoriedade e necessidade
de uma formação sólida.
A partir da “Técnica Árvore da Aprendizagem”, disseram
ser fundamental o respeito, a paciência e a dedicação por
parte de pais e professores. Afirmaram que o que sustenta
o trabalho é a motivação, proporcionando bons frutos é a
formação dos educadores, o engajamento por parte dos mes-
mos e o envolvimento da família.
Começaram a se colocar no lugar dos alunos e trouxeram a
importância do acolhimento, de entender que para as crianças
à escola é um ambiente desconhecido a ser explorado e com
isso reconhecer o tempo de cada aluno. “Além de sermos em
algumas vezes incompreendidas, também deixamos de com-
preender o outro” (sic), esse discurso proporcionou uma troca
de experiências entre o grupo. Ao realizarem a “Técnica da Mala
Coletiva”, relataram carregar dificuldades, mas também gran-
des conquistas ao longo de suas jornadas enquanto professoras.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 260


Ao final da intervenção as professoras já se percebiam com
novos olhares, as questões discutidas nos encontros anteriores,
como buscar conhecimento para além da escola e focar na for-
mação continuada para aprimorar as práticas já existentes sur-
giram nos relatos das educadoras. Ao retomar todas as ações
desenvolvidas, o grupo alegou que havia sido bem proveitoso,
pois, a intervenção permitiu ampliar o olhar para outras ques-
tões, oportunizar a reunião e troca de experiências entre elas.
Segundo uma das participantes, serviu como um “chacoalhar”,
um alerta para a profissão e o contexto em que estão inseridas.
Assim sendo, o trabalho do Psicólogo Escolar envolve con-
textos educacionais que mantêm como foco central processos
de aprendizagem e desenvolvimento humano e a relação entre
estes, além disso, as propostas interventivas desenvolvidas por
esse profissional referem-se à mediação dos processos desse
campo de atuação (OLIVEIRA; MARINHO-ARAÚJO, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos encontros foi possível observar o grupo par-
ticipativo, mostrando interesse por cada tema abordado. As
atividades foram propostas com intuito de trabalhar a for-
mação continuada dos professores e desmistificar a questão
da dificuldade de aprendizagem como uma problemática ex-
clusiva do aluno. Em todos os momentos o grupo socializou,
tornando os encontros mais produtivos. Apesar de apresen-
tarem algumas limitações, as participantes encontravam-se
sempre dispostas e entusiasmadas ao realizarem as ativida-
des e discussões sugeridas.

Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


| 261
importantes na prática dos professores
As reflexões oportunizadas possibilitaram a percepção das
integrantes a respeito da importância da formação para melhor
compreender as dificuldade de aprendizagem. Perceberam
também que a educação continuada proporciona uma reflexão
crítica e científica da prática. Buscou-se desconstruir a ideia de
um trabalho direcionado a dificuldade de aprendizagem para
em contrapartida oferecer estratégias que promovam o desen-
volvimento do aluno.
As práticas das disciplinas são consideradas oportunida-
des que possibilitam ampla aprendizagem ao relacionar teoria
e prática. No entanto, elas têm limites de tempo em função
da duração dos semestres letivos. Nesse sentido, a interven-
ção somente com quatro encontros é, apesar da contribuição
perceptível proporcionada pelas reflexões surgidas nas sessões,
entendida como um fator impossibilitante na continuidade e
aprofundamento das questões que emergiram no grupo. Ain-
da assim, ela oportunizou ponderações que proporcionaram às
professoras e diretora o compromisso com a sua formação, a
fim de fortalecer o aprendizado dos estudantes.
Conclui-se que a dificuldade de aprendizagem é uma in-
quietação presente no cotidiano de muitos professores, mas,
sua compreensão, do contexto específico, à luz de uma forma-
ção sólida e atualizada possibilitará a reflexão coletiva do educa-
dor ao promover o potencial dos alunos. Sendo assim, observa-
se o alcance dos objetivos propostos ao promover análise, trocas
de experiência e conhecimentos relacionados ao contexto edu-
cacional, ressignificando a concepção de ensino-aprendizagem.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 262


REFERÊNCIAS

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área da saúde. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

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gicas. Revista Psicopedagogia, São Paulo, v. 25, n. 78, p. 264-
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MOREIRA, L. M. A. Dinâmicas de grupo e oficinas. In:


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Dificuldade de aprendizagem e formação continuada: aspectos


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importantes na prática dos professores
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SOUZA, M. P. R. A Queixa Escolar e o Predomínio de uma


Visão de Mundo. In: MACHADO, A. M.; SOUZA, M. P. R.
(Org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4. ed.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 17-34.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 264


Encontro de pais e
responsáveis: olhares,
saberes e vivências

Eliana Costa Prates


Psicóloga clínica, escolar e educacional, com formação
em abordagem sistêmica e mediação de conflitos.
elianaprates111@gmail.com

Maria Aparecida Alves


Pedagoga e psicóloga clínica, escolar e educacional, com
especialização em Psicopedagogia e Pedagogia Sistêmica.
narripe@gmail.com

Simone Siqueira Maksud


Fonoaudióloga, com especialização em Motricidade
Orofacial, profissional do NASF/ PMBH.
smaksud@gmail.com
“Ato de encontrar(-se), de chegar um diante do outro
ou uns diante de outros.”
(ENCONTRO, 2018).

RESUMO
A experiência relatada neste artigo destaca o papel da
família na vida escolar e no desempenho acadêmico da
criança e do adolescente. No acompanhamento dos alunos
com queixas escolares, realizado no Núcleo de Apoio Psico-
pedagógico Infantojuvenil Ludmilla Patrícia Martins (NAPPI
- Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão das Ne-
ves - MG), deparamos com a necessidade premente de uma
participação ativa da família neste processo para o alcance
de melhores resultados. Construímos este projeto que cons-
tituiu-se em Encontros mensais com os pais e responsáveis
dos alunos atendidos no serviço, no período de abril a ae-
zembro de 2018. A metodologia pautou-se pelas rodas de
conversa, oficinas temáticas e dinâmicas de grupo, sendo
construída a cada mês conforme o tema abordado, de forma
interdisciplinar. Cujo objetivo era provocar e fomentar o pro-
tagonismo familiar neste cenário. Isso possibilitou um espa-
ço de reflexão e troca de conhecimentos sobre os principais
desafios, aprendizados e descobertas sobre a relação com os
filhos e o percurso escolar de cada um. Nesta perspecti-
va, proporcionou uma ampliação da visão dos participantes
acerca do “insucesso escolar”, envolvendo viabilidades e pos-
síveis entraves. Ainda assim, por meio do reconhecimento e

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 266


valorização do seu papel e recursos, mobilizar e incentivar o
comprometimento e o empoderamento familiar.
PALAVRAS-CHAVE: família, empoderamento, o pro-
cesso de escolarização e o insucesso escolar.

INTRODUÇÃO
O Núcleo de Apoio Psicopedagógico Infantojuvenil Lud-
milla Patrícia Martins (NAPPI) é um serviço subordinado
a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão das Ne-
ves - MG. Suas ações buscam oferecer suporte e apoio às
escolas municipais e estaduais da região, no que tange o
processo de escolarização, por meio de diferentes projetos.
Além disso, realiza o acolhimento, orientação e atendimen-
to de crianças e adolescentes com queixas relacionadas ao
insucesso escolar, as quais não estejam diretamente asso-
ciada a um quadro de saúde específico.
O trabalho desenvolvido ocorre no âmbito da educação
com estudantes cujas queixas evidenciam o papel funda-
mental exercido pela família, no desenvolvimento e na vida
acadêmica dos filhos. O atendimento realizado com os pais
e responsáveis (intervenções relacionadas a escuta da quei-
xa, acolhimento, orientação, encaminhamentos pertinen-
tes para a rede de saúde, social, entre outros), sempre fez
parte essencial no acompanhamento dos casos das crian-
ças e dos adolescentes. Assim, não é novidade a inclusão
dos pais e cuidadores no acompanhamento, constituindo-
se até como prioridade, frequentemente, para uma condu-

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 267


ção mais adequada dos casos. Desde o início, o trabalho
realizado no NAPPI contempla as famílias nas suas ações,
de forma interdisciplinar, com as áreas que compõem a
equipe técnica (Fonoaudiologia, Pedagogia, Psicologia,
Psicopedagogia, Serviço Social e Terapia Ocupacional).
Entretanto, muitas vezes, chamava a atenção o fato de tais
intervenções mostrarem-se insuficientes ou pouco eficazes em
sua metodologia. No sentido de sensibilizar e responsabilizar
a família sobre a importância do seu papel e as interferências
diretas possíveis no processo de escolarização ou nas dificulda-
des relacionadas. Assim, a prática do dia a dia apontava para a
exigência de se realizar mais do que o cotidianamente oferecido
nos atendimentos aos pais, de forma individual.
Na experiência do trabalho desenvolvido, o destaque
(além da Fonoaudiologia) é na frequente orientação dos res-
ponsáveis para que os exercícios continuem a ser realizados
em casa. Contudo, nem sempre conseguem, limitando a pos-
sibilidade do trabalho. As outras áreas também encontravam
diversas questões como dificuldades, pouca presença e/ou
tênue ação dos responsáveis diante da vida escolar dos filhos.
Durante o acompanhamento dos casos, algumas vezes,
era possível perceber elevado nível de expectativas, frustra-
ção, ansiedade ou outras dificuldades da família para lidar
com o insucesso escolar dos filhos. Outras vezes, revelavam
um discurso depreciativo ou com um efeito que parecia
insistir em ratificar a relação da criança com o “fracasso”.
Também há os casos cujas atitudes limitavam a auto-
nomia dos filhos -com relação à linguagem e expressão

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 268


oral, hábitos da vida diária, por exemplo- ou sugeriam uma
desconfiança sobre a sua capacidade, excesso de proteção
ou um tratamento infantil, em comparação com a idade
cronológica. E ainda, as perceptíveis dinâmicas influencia-
doras como ausência ou frágil presença, apoio, cuidados,
incentivos e participação na vida escolar, assim como, pos-
síveis projetos associados. Ademais, não são raros os casos
de maior complexidade que envolvem alcoolismo ou uso
de drogas ilícitas, violência intrafamiliar, sofrimento men-
tal, dentre outros. Alguns acompanhados por serviços es-
pecializados ou sem adesão a tratamentos e/ou adicionais
políticas de atendimento do município.
Neste sentido, por múltiplas perspectivas, o proces-
so de escolarização mostra-se marcado também por tais
fatores. Em cada especialidade, encontramos diferentes
visões e teorias esclarecedoras do processo das dificulda-
des apresentadas na linguagem (oral e escrita), nos seus
desdobramentos ou no raciocínio lógico e matemático.
Por outro lado, o que não difere entre tais concepções é
a capacidade da família em potencializar e favorecer ou,
prejudicar e fragilizar o percurso e a relação de cada um
com o aprendizado.
Por mais que haja um entendimento comum às áreas
(educação e saúde) sobre a necessidade do suporte familiar
para a evolução do caso, frequentemente, esses atores per-
manecem em segundo plano, numa posição passiva diante
de tais questões. O alvo dos olhares e dos cuidados restrin-
gem-se ao aluno, restando à família um lugar de execução
de orientações e de normas, que lhe serão transmitidas por

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 269


outro “detentor de saber” -o professor / o técnico- diante
das dificuldades enfrentadas pelo filho. Enfim, um lugar
daqueles os quais precisam ser “formados” ou “treinados”
para tal tarefa.
O Encontro com os pais e responsáveis almejava a des-
construção desta lógica. Pretendia escutar, apresentar in-
formações e aprender com cada família a respeito da sua
história, valores/ crenças, dúvidas, preocupações, insegu-
ranças, anseios, objetivos e desejos. Por este viés, fomen-
tar a responsabilização e o empoderamento das famílias no
que tange à sua ação no acompanhamento da vida escolar.
Incentivar o seu protagonismo, favorecer o (re)conheci-
mento dos recursos objetivos e subjetivos existentes na sua
história, dinâmica e vida familiar.

DESENVOLVIMENTO
O projeto foi desenvolvido no período de abril a dezem-
bro de 2018. Realizamos Encontros mensais com os fa-
miliares dos estudantes acompanhados no serviço, com o
objetivo de ir além das intervenções já realizadas no acom-
panhamento dos casos individuais. Tratava-se de oferecer
um espaço para trocar, discutir e compartilhar experiên-
cias, além de abordar informações e orientações pertinen-
tes a cada área do NAPPI. Nesta perspectiva, refletir so-
bre as relações, o uso da palavra, modos de comunicação,
o processo de escolarização, a sua trajetória, bem como
outros aspectos do desenvolvimento e da convivência fa-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 270


miliar. Foram abordados temas diversos relacionados aos
atendimentos à aprendizagem; à estimulação ao desenvol-
vimento; à linguagem; às relações entre pais/responsáveis,
filhos e educadores; o universo da escola; entre outros.
No primeiro Encontro, apresentamos a proposta e os
objetivos do projeto. Foi possível escutar as principais
preocupações, expectativas, demandas e sugestões. Em
cada mês, uma área que compõe a equipe foi responsável
pelo planejamento e condução do grupo, sendo construído
um cronograma das referências técnicas, totalizando nove
reuniões para serem realizados no decorrer do ano. Esses
eram discutidos nas reuniões de equipe e o técnico res-
ponsável construía a proposta do formato da abordagem
do próximo mês (dinâmicas, oficinas, vivências, rodas de
conversa, com recursos audiovisuais, etc). Para facilitar a
participação das famílias, na semana do Encontro, todos os
estudantes e responsáveis foram convidados a comparecer
no mesmo dia, totalizando 150 participantes.
De forma simultânea, foram realizadas oficinas e dinâmi-
cas também em grupos com as crianças e os adolescentes.
Cujo planejamento e condução aconteceu pelos outros téc-
nicos da equipe. Ao longo do projeto, abordamos diferentes
temáticas pertinentes aos atendimentos com os dois públi-
cos, como: o afeto, a atenção, a aprendizagem e o universo
lúdico; a relação pais e filhos; família e equipe pedagógica;
o cotidiano na escola, desafios, a origem, a identidade e a
autoestima; a comunicação, a socialização, a estimulação da
linguagem (oral e escrita) e outras habilidades cognitivas (ra-
ciocínio lógico, abstrato, memória, atenção, etc).

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 271


Toda a proposta (formato, periodicidade mensal e regu-
lar), procurava inscrever uma postura diferente da equipe,
sobrevalorizar a ação e o olhar das famílias. Buscava-se so-
bressaltar a importância do seu papel, a necessidade de
estarem juntos, ativamente, como protagonistas deste pro-
cesso, para o alcance de quaisquer resultados. Ao compar-
tilhar experiências e informações em cada Encontro, abria-
se espaço para a possibilidade de aprender uns com os
outros, conforme nos ensina as teorias de Vykotsky (1989)
e Paulo Freire (1980), delineada também por Afonso e
Abade (2008) ao descrever a metodologia das Rodas de
Conversa e, consequentemente, contribuir para fomentar
o empoderamento e o protagonismo familiar.
Diante de cada tema, era possível conversar sobre as orien-
tações e o que ditam as teorias, sobre descobertas e desafios
reais enfrentados na relação com os filhos, com as escolas e
dinâmica familiar, etc. Os responsáveis relatavam sobre con-
quistas, perdas, diferentes superações ao longo de sua histó-
ria, sobre recursos, “abundâncias” e “carências” presentes em
suas vidas. Os Encontros traziam para cena o Encontro entre
olhares, de conhecimentos particulares e coletivos de diferen-
tes gerações, valores e crenças culturais. Os pais relatavam os
obstáculos e ferramentas encontradas na trajetória de cada
um, ao mesmo tempo, era possível contrapor e discutir sobre
o percurso e o processo de escolarização dos filhos.
No último mês, os pais e responsáveis apresentaram
uma avaliação bastante positiva das reuniões com o grupo.
Muitos descreveram ter sido um grande aprendizado com-
partilhar experiências, dificuldades, aprendizados, recursos

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 272


e possibilidades. Alguns pais registraram a satisfação dos fi-
lhos ao saberem que iriam no Encontro e o desejo de conti-
nuidade no próximo ano, com novos temas e interação com
os outros familiares. No registro das avaliações, a palavra
mais recorrente foi “aprender” em diversas conjugações.
Muitas vezes, após o grupo, alguns familiares demonstra-
ram maior angústia ou uma questão despertada pela discus-
são e solicitavam conversar, individualmente, com a equipe.
Este momento também era visto como importante oportu-
nidade para acolher, escutar, abordar questões mais especí-
ficas e delicadas do caso, entre outros. Além da riqueza das
discussões foi possível perceber uma aproximação e maior
presença dos responsáveis no serviço, devido ao chamado do
projeto. O que não ocorria com a mesma frequência antes,
devido à jornada de trabalho e outras particularidades. O
trabalho exigiu um esforço e movimento de muitos familia-
res para se fazerem presente, pois os estudantes, geralmen-
te, são acompanhados por outros cuidadores (irmãos, tios,
vizinhos, etc.) no dia a dia dos atendimentos.
Outro aspecto relevante do projeto, refere-se à orga-
nização da equipe na semana do Encontro, pois todos os
atendimentos foram remanejados para o mesmo dia. Este
agendamento único foi necessário devido ao alto custo
com transporte para comparecer duas vezes no serviço,
em uma semana. A princípio, a família poderia, dentro da
semana, optar por ir no dia do atendimento do seu filho
e retornar no dia do Encontro. O que foi reavaliado pela
equipe, posteriormente, pois alguns familiares (frequente-
mente, os casos de maior complexidade) preferiam apenas

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 273


o comparecimento da criança ou do adolescente no aten-
dimento à participação no projeto. Como se fosse posssível
não envolver-se ou recusasse se ter uma questão específi-
ca, por receio, resistência, desconhecimento da proposta
ou, exatamente, da busca por despertar com este trabalho.
Enfim, a família chega a demonstrar e verbalizar o desejo
de que seus filhos realizem o atendimento e de que consigam
ter um desempenho diferente na escola. Porém, a experiência
mostra não ser tão simples quando percebem o desejo per-
passando também por suas próprias questões, exige reflexões
e mudanças, talvez na mesma proporção. É nesta perspectiva
que o projeto traz um chamado para os pais e responsáveis.
Não de uma forma aqual envolva julgamentos, acusações,
diminuições, vitimiza ou fragiliza. Ao contrário, busca em-
poderar, reconhecer, fortalecer e compartilhar. Além disso, a
proposta contemplava o agendar do atendimento individual
daquela semana para o mesmo dia do evento, de forma que a
equipe pudesse estreitar suas ações por meio de reuniões, vi-
sitas, discussões e acolhimento de casos novos, planejamento,
avaliação e organização dos próprios Encontros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação desta experiência foi bastante positiva pe-
las discussões, oferta do espaço, escuta e importância da
voz ativa dos familiares, somado a aproximação e troca de
experiências, dentre os outros pontos já citados. Claro que
não é um único projeto que irá alterar todas as dificuldades

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 274


e a relação das famílias com a vida escolar dos filhos, mas
considera-se ter sido um importante passo, catalizador de
saberes e de aprendizado recíproco. Pretendia-se escutar
e acolher, expressar e compartilhar experiências, informa-
ções, olhares. Assim, os Encontros apresentaram-se como
uma ferramenta importante para ampliar perspectivas e
horizontes no trabalho com as queixas escolares.
A mobilização e a presença dos responsáveis nas sessões
apresentam-se na qualidade de um dos dificultadores, ain-
da, a ser focados pela equipe. A participação espontânea
e uma adesão necessária ao processo só poderão ocorrer
num momento posterior, após um primeiro contato com
a proposta. Isto se deve também pelo desconhecimento
da ação e suas implicações, sem desconsiderar o fato de
ser realizado em dia de semana, no horário de trabalho da
maior parte das pessoas. Mesmo com o esforço e a recepti-
vidade positiva das famílias, outras intervenções são essen-
ciais para incentivar um maior protagonismo e empodera-
mento familiar no campo da educação.
Esbarramos em desafios pautados também por uma vi-
são cerceada por valores de uma cultura inscrita, de certa
forma, desde os primeiros anos escolares. Ou seja, de que
as famílias dispõem de um não-saber sobre o processo de
aprendizagem dos seus filhos, como se fossem destituídas
desta capacidade ou silenciadas diante do conhecimento
hábil de ser transmitido por uma instituição de ensino ou,
ao longo da trajetória escolar, quando são chamadas na es-
cola apenas para serem advertidas sobre o comportamento
ou o insucesso escolar.

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 275


Muitas famílias, apesar de comprometidas com as ques-
tões enfrentadas, muitas vezes, verbalizam sentimentos e
desgastes vivenciados por esses chamados recorrentes da
escola. Enquanto ambos universos poderiam ser potencia-
lizados exatamente no seu montante, na sua parceria dian-
te de tal processo, alimenta-se uma postura que acaba por
desencadear num desencontro: família x escola.
A experiência se apresenta como um caminho possível que
precisa somar-se a outras ações, na busca por alteração deste
cenário traçado desde as primeiras etapas do ciclo escolar. Uma
atuação ofuscada da família corroborada por vários motivos re-
lacionados, desde a sua relação com a escola, dentre outros fa-
tores da atualidade e da sociedade de formal geral que, muitas
vezes, vem contrapor uma impotência da escola para lidar com
diferentes problemas que escapam do seu fazer. Neste sentido,
o trabalho reforça a importância de agregar saberes e esforços
reais com a família para potencializar o processo de aprendi-
zagem e transformar as dificuldades enfrentadas. O caminho
de escolarização se apresenta indissociável da vida do aluno,
das relações, do campo do afeto e do desejo. O “aprender” ou
o “fracassar” é abarcado pelo ser sujeito, conforme nos ensina
a psicanálise, requer atenção e não culpabilização. Assim, as
chances se ampliam quando não se enxerga de forma isolada
do contexto e da história particular de cada um.
Com a realização dos Encontros, foi oferecido mais um
espaço de escuta e de diálogo sobre a realidade e o con-
texto familiar. Favoreceu-se a aproximação da equipe para
qualificar possíveis intervenções. A otimização na condu-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 276


ção dos casos e resultados, o pensamento, a construção in-
terdisciplinar e o aprendizado, de diferentes perspectivas,
exige flexibilidade e diálogo entre os profissionais diante
dos conhecimentos advindos da sua formação. A propos-
ta é de escutar e encontrar-se, literalmente, de estar uns
diante dos outros para a construção coletiva de novos olha-
res e saberes acerca dos temas abordados.
Pode-se concluir que o caminho é extenso para todos
os atores envolvidos. Contudo, ainda assim, indica para a
possibilidade de mudanças e melhorias importantes não só
para o desenvolvimento da linguagem ou da aprendizagem,
claro, mas, para o crescimento afetivo, emocional e social
saudável. A construção de um projeto de vida e de futuro
desejado, transita além do universo acadêmico e da relação
com a escola, é edificado em âmbito individual e coletivo
por todos nós.

REFERÊNCIAS

AFONSO, M. L. M.; ABADE, F. L. Para reinventar as


Rodas: rodas de conversa em direitos humanos. Belo Ho-
rizonte: RECIMAM, 2008.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 8. ed. Rio de Janei-


ro: Paz e Terra, 1980.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 1989.

Encontro de pais e responsáveis: olhares, saberes e vivências | 277


Estágio em Psicologia
escolar: diálogo e
autonomia

Cristina Toledo
Graduada em Psicologia e Mestre em Educação (UFJF).
Formação em Terapia de Família e pós-graduada em
Neuropsicologia. Leciona nos cursos de Psicologia e Pedagogia
da Faculdade Governador Ozanan Coelho de Ubá-MG.
cristina.toledo@fagoc.br

Eduardo Antônio Pereira Lima


Graduando em Psicologia (FAGOC Ubá-MG). Já realizou
estágios nas áreas de Psicologia Social, Escolar e Clínica.
Participou de projetos de extensão em Psicologia e
Subjetividade e Psicologia e Esporte.
aenemavestra@gmail.com

Joana Cardoso Lopes Venâncio


Graduando em Psicologia (FAGOC Ubá-MG). Já realizou
estágios nas áreas de Psicologia Social, Escolar, Clinica
e Saúde Mental. Participou de projetos de extensão em
Psicologia e Ansiedade e Terapia Cognitivo Comportamental.
joana.venancio@ufv.br
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a exposição do Es-
tágio Básico II realizado pelos alunos do 7º período do Curso
de Psicologia da Faculdade Governador Ozanam Coelho. O
estágio foi exercido em uma escola particular, situado na ci-
dade de Ubá-MG, com turmas do 6º e 7º anos do Ensino
Fundamental. Além de preparar os estagiários para a prática
da Psicologia Escolar, o estágio teve como finalidade conhe-
cer a demanda do colégio, as necessidades de cada turma e
trabalhar dificuldades acerca delas. A metodologia consistiu
na aplicação de dinâmicas e rodas de conversa acerca de te-
mas propostos. Cada encontro tinha um tema a ser trabalha-
do, podendo ser estendido para outros se necessário. Nesses
era feita a roda de conversa, abordando o papel da Psicologia
e tirando dúvidas dos alunos. Na sequência, realizou-se a
dinâmica de grupo, para um maior entendimento dos alu-
nos. Ao longo do ano de 2018 foram realizados um total de
16 encontros, no quais os temas escolhidos pelo 7º ano fo-
ram: ansiedade, comportamento, respeito, bullying, depres-
são, relações interpessoais, sexualidade e preconceito. Já o
6º ano optou por: comportamento, respeito, sexualidade,
preconceito, bullying, emoções e ansiedade. Conclui-se que
proporcionar aos adolescentes a oportunidade de dialogar
sobre temas presentes no contexto deles deve fazer parte do
dia a dia da escola, buscando assim dar voz e autonomia aos
estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: estágio; Psicologia Escolar;
adolescência.

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia | 279


INTRODUÇÃO
Toda entidade social tem, em suas estruturas subjetivas,
influências representativas de manifestações e opiniões da
inerência social prevalecente da nação onde se está inse-
rida. Desse modo, com a escola não poderia ser diferente:
o transcurso patologizante relacionado aos obstáculos es-
colares ganha espaço ultimamente (REY, GOULART; BE-
ZERRA, 2016). Sendo assim, entende-se a importância
da pesquisa na área da Psicologia Escolar, com o intuito de
identificar eventuais pontos fortes e fracos das escolas, e
contribuir com estas de forma positiva.
Segundo o sítio da Associação Brasileira de Psicologia Es-
colar e Educacional (ABRAPEE), “as concepções teórico-
metodológicas que norteiam a prática profissional no campo
da psicologia escolar são diversas, conforme as perspectivas
da Psicologia enquanto área de conhecimento, visando com-
preender as dimensões subjetivas do ser humano.”
Os procedimentos concebidos na Psicologia Escolar
durante os últimos 20 anos acompanham as pesquisas
deste campo e são retratados, mesmo delicadamente, nas
instituições educadoras. A heterogeneidade de currículos
e referências teórico-práticas procura qualificar, na cons-
tituição do profissional da Psicologia, particularidades que
envolvam, no contexto educacional, a manifestação da
subjetividade sem a desarticulação com o marco histórico-
social (MARINHO-ARAUJO, 2010)
Entende-se a existência de muitas necessidades ainda a
serem realizadas para o psicólogo escolar comprometer-se

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 280


de forma evidente e bem estabelecida a fim de promover a
construção de um processo educacional de qualidade ele-
vada, em todos os tipos de instituições de ensino. Desse
modo, deve-se deixar a postura clássica, aderindo, dentro
de suas possibilidades e especificações, às práticas que
auxiliem as instituições educativas a ponderar e concre-
tizar processos nos quais as dificuldades entre o sujeito e
o conhecimento sejam superadas, propiciando a expansão
das concepções críticas e contribuindo com o processo de
humanização (MEIRA, 2003)
A partir dessa perspectiva, os alunos do Curso de Psico-
logia da Faculdade Governador Ozanam Coelho (FAGOC),
ao ingressarem no 6º período, encontraram a possibilidade
de atuar em um Estágio Básico na área da Psicologia Esco-
lar, em um colégio particular, que objetivou a preparação
deles para a prática nessa área, por meio do conhecimento
das demandas da instituição, e das necessidades de cada
turma e, assim, o trabalho acerca das dificuldades delas.

DESENVOLVIMENTO
O presente trabalho foi realizado em uma escola par-
ticular, na cidade de Ubá-MG. Esse tece início com uma
visita realizada pelos estagiários de Psicologia a fim de
conhecer a dinâmica de aprendizagem da instituição e as
possíveis demandas a serem trabalhadas. Com base nelas,
decidiu-se usar como estratégias de observação e aplicação
de intervenções, dinâmicas (FRITZEN, 1985) e rodas de

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia | 281


conversa. Por questão de congruência de horários, optou-
se pelas turmas do 6º e 7º anos para a realização do estágio.
Cada encontro tinha um tema a ser trabalhado, em que
era feita a roda de conversa, abordando o papel da Psicologia
e tirando dúvidas dos alunos. Depois, as dinâmicas de grupo
eram realizadas, para um maior entendimento dos estudantes.
Para a escolha dos assuntos propostos, foram feitas duas di-
nâmicas: primeiramente uma de apresentação, que teve o in-
tuito de facilitar a percepção das relações entre eles. Após todos
se apresentarem, foi indicado que eles escrevessem, anonima-
mente, três sugestões para discussão durante o estágio.
Os tópicos escolhidos pelo 7º ano foram: ansiedade,
comportamento, respeito, bullying, depressão, relações in-
terpessoais, sexualidade e preconceito. Já o 6º ano optou
pelos seguintes: comportamento, respeito, sexualidade,
preconceito, bullying, emoções e ansiedade.
A tabela abaixo apresenta um resumo das intervenções
realizadas:
Tur-
Tema Objetivo Dinâmica
ma
Explicar a diferença Os alunos deveriam manter os
de ansiedade, balões a salvo, pelo período de
transtorno de dois minutos, para demonstrar
ansiedade, síndrome o que uma pequena alteração
6º e 7º
Ansiedade do pânico, fobias no nível de ansiedade pode
anos
e medo; modos fazer, devido ao sistema de
de perceber essas “luta ou fuga’’ do cérebro.
diferenças e como Logo após, foram tiradas
reagir a crises. dúvidas da turma.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 282


Cada um, anonimamente,
Explicar o tema
escreveu em um papel
e melhorar o
sugestões de melhoria de
Compor- comportamento em 6º e 7º
comportamento para a turma.
tamento sala de aula, através anos
As propostas foram misturadas,
de uma roda de
redistribuídas, lidas e discutidas
conversa
em sala de aula.
Problematizou-se o porquê
dos temas comportamento e
Esclarecer dúvidas, respeito serem tão solicitados
discutir relações de pelas turmas, que relataram
respeito: professor- episódios de desrespeito 6º e 7º
Respeito
aluno, familiar, sofridos e como se sentiram anos
entre os amigos e acerca disso. Após ouvir os
sociedade em geral. relatos, foram discutidas
possibilidades de reforçar o
respeito entre eles.
Por meio de uma roda de
Esclarecer acerca
conversa, foi perguntado
do tema, destacar
se algum deles já passou
a diferença
por alguma experiência de
entre bullying
bullying e solicitado relatos.
e brincadeira
Também foi proposta a escuta 6º e 7º
Bullying comuns entre
individual, caso quisessem anos
amigos, ensinar
denunciar ou desabafar algo.
formas de combater
O tema foi associado ao
o problema e
crescimento da depressão e
incentivar a
destacado a importância do
denúncia.
combate e da denúncia.
Explicar os Foi apresentado um estudo de
conceitos de caso a fim de abordar o tema
depressão, depressão e a diferença entre tristeza,
pós-parto, depressão luto, depressão e angústia.
Depressão 7º ano
infantil, Setembro No final da discussão, com
Amarelo e destacar os objetivos alcançados,
a importância da relacionou-se o tema bullying
psicoterapia. e a depressão.

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia | 283


Houve discussão acerca
de diversas dificuldades de
relacionamento observadas
durante as visitas à escola e à
Abordar temas turma. Ademais a coordenação
diversos que se também apontou preocupação
complementavam, quanto ao comportamento e
como: dificuldade/ maturidade da turma. O olhar
Relações facilidade de dos alunos para as barreiras
fazer amigos, que as “panelinhas” fazem
interpes- 7º ano
relacionamento surgir na turma foi sugerido
soais em sala de aula, e eles foram convidados
amizades falsas/ a escrever em pedaços de
sinceras, entre papéis, anonimamente,
outros solicitados recados bem-intencionados
pela turma. ao grupo ou a alguém em
específico. Os papéis foram
misturados e divididos, para
que cada um lesse em voz alta
e fizesse suas considerações.
Explicação do tema,
Trabalhar a
esclarecimento de dúvidas,
Sexualida- diferença entre 6º e 7º
discussão sobre identidade
de sexualidade, sexo e anos
sexual e patologias acerca da
sensualidade.
sexualidade.
Uma roda de conversa foi feita
Discutir o
e também a solicitação a quem
significado de
quisesse relatar episódios que
preconceito,
sofrera, praticara ou observara
diferenciá-lo de
a prática do preconceito.
discriminação e
Os resultados de atitudes
Precon- racismo, identificar 6º e 7º
preconceituosas e o que isso
ceito como lidam com anos
acarreta foi problematizado.
isso em sala de
Voltou-se na questão da
aula e intervir em
depressão, do bullying e do
eventuais situações
respeito, fazendo observações
que fossem
de como o preconceito poderia
referidas.
influenciar nesse processo.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 284


Foi explicado sobre a tríade
comportamento, inteligência e
emoção; foi feito um pequeno
questionário de emoções, a
fim de identificar as emoções
mais comuns no dia a dia dos
alunos. O questionário foi feito
oralmente, e consistiu em oito
Trabalhar o
perguntas: 1. A emoção que
significado do tema,
mais gosto de sentir é? 2. A
diferenciando
emoção que menos gosto de
emoções de
sentir é? 3. Eu fico feliz quando? 6º e 7º
Emoções sentimentos e
4. Eu fico triste quando? 5. anos
identificando como
Qual emoção sinto com mais
elas influenciam
frequência? 6. Quando chego
pensamentos e
à escola o que sinto? 7. Qual
atitudes.
emoção eu mais sinto ao me
relacionar com esse grupo
(turma)? 8. Ao ter que tratar de
algum assunto ou questionar
a professora o que sinto? Após
o questionário, uma roda de
conversa com a discussão dos
resultados foi realizada.

Fonte: Autores, 2019.

A partir do trabalho desenvolvido com os alunos em seu


contexto escolar, pôde-se observar uma demanda significa-
tiva no que se refere à escuta pedagógica:

O termo escuta provém da psicanálise e


diferencia-se da audição. Enquanto a au-
dição se refere à apreensão/compreensão
de vozes e sons audíveis, a escuta se refere

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia | 285


à apreensão/compreensão de expectativas
e sentidos, ouvindo através das palavras
as lacunas do que é dito e os silêncios,
ouvindo expressões e gestos, condutas e
posturas. A escuta não se limita ao campo
da fala ou do falado, [mais do que isso]
busca perscrutar os mundos interpessoais
que constituem nossa subjetividade para
cartografar o movimento das forças de
vida que engendram nossa singularidade.
(CECCIM: CARVALHO, 1997, p. 31).

Foi relatado pela supervisora da instituição e também


por alguns professores, que haviam “problemas” comporta-
mentais nas turmas e no decorrer das observações e inter-
venções realizadas pôde-se contestar essa afirmação. O que
os docentes categorizavam como disfunção comportamen-
tal, demonstrou-se mais como falta de comunicação, pois
de acordo com os próprios alunos, eles não tinham voz, ou
ao menos não sentiam que tinham; não eram ouvidos por
seus professores em suas demandas particulares e muitas
vezes sentiam-se oprimidos na relação professor-aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta feita foi uma dinâmica de trabalho que
privilegiava a escuta e a autonomia dos estudantes, sendo
sempre elucidado que aquele era o momento de dar voz às
suas dúvidas e anseios em relação à instituição e seu papel
nela, e também aos assuntos que, na atualidade, se fazem

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 286


cada vez mais presentes em suas vidas, como a depressão e
a sexualidade, temas escolhidos por eles mesmos. Oferecer
um viés mais amplo sobre os tópicos como respeito, com-
portamento e as consequências tanto institucionais quanto
pessoais, possibilitou aos alunos reverem sua postura no
tocante à instituição, como é o caso do corpo docente, a
partir de suas próprias reflexões, durante as dinâmicas.
Outros tópicos tratados também provocaram meditações
e relatos que enriqueceram a experiência para todos os
presentes; além de proporcionar-lhes maior liberdade de
comunicação e “quebrar” um pouco o paradigma da comu-
nicação, por vezes difícil, entre aluno e professor.
Harmonizar um espaço de liberdade possibilitou a chan-
ce de observar o desenvolvimento desses indivíduos ao lon-
go dos encontros, levando à conclusão de que proporcionar
aos adolescentes a oportunidade de dialogar sobre temas
os quais permeiam o contexto deles deve fazer parte do dia
a dia da escola. Buscando, assim, dar-lhes voz e autonomia,
favorecendo, logo em seus primeiros anos de formação,
processos de autoconhecimento e vinculação com o outro.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ES-


COLAR E EDUCACIONAL. O psicólogo escolar. São
Paulo, [2019].Disponível em: <https://abrapee.wordpress.
com/sobre/o-psicologo-escolar/>. Acesso em: 22 jan. 2019.

Estágio em Psicologia escolar: diálogo e autonomia | 287


CECCIM, R. B.; CARVALHO, P. R. A. Criança hospita-
lizada: atenção integral como escuta à vida. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 1997.

FRITZEN, S. J. Exercícios práticos de dinâmica de


grupo: volume I. 42. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.

MEIRA, M. E. M. Construindo uma concepção crítica de


Psicologia Escolar: contribuições da pedagogia histórico-
crítica e da psicologia sócio-histórica. In: MEIRA, M. E.
M.; ANTUNES, M. A. M. (Org.). Psicologia Escolar:
práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p.
13-79.

MARINHO-ARAUJO, C. M. Psicologia Escolar: pesquisa


e intervenção. EmAberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 17-35,
mar. 2010. Disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/
index.php/emaberto/article/view/2249/2216>. Acesso em:
06 jun. 2019.

REY, F. G.; GOULART, D. M.; BEZERRA, M. S. Ação


profissional e subjetividade: para além do conceito de in-
tervenção profissional na psicologia. Educação, Porto Ale-
gre, v. 39, n. esp. (supl.), p. 54-65, dez. 2016. Disponível
em: <http://www.fernandogonzalezrey.com/images/PDFs/
producao_biblio/fernando/artigos/teoria_da_subjetivida-
de/Ao-profissional-e-subjetividade-para-alm-do-conceito.
pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 288


Estágio supervisionado
básico: intervenções
psicossociais

Aline Ferreira da Silva


Graduanda em Psicologia (FUNORTE).
alinesilva30@live.com

Leila Aparecida Silveira


Psicóloga, professora nas Faculdades Integradas do
Norte de Minas, atua nas áreas de Ensino, Clínica e
Organizacional. Conselheira do Conselho Regional de
Psicologia/MG.
leilasilveiramoc@gmail.com

Woochiton Ramos Lopes PereirA


Graduanda em Psicologia (FUNORTE). Membro da
Liga de Psicologia Social (LAPS) e da Liga Acadêmica de
Terapia Cognitiva Comportamental (LATCC). Membro da
Comissão de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual na
Subsede Norte do Conselho Regional de Psicologia/MG.
contatowoochiton@gmail.com
RESUMO
A alfabetização de idosos não busca somente ensinar a “ler
e a escrever”, mas criar possibilidades do indivíduo ou o grupo
possa exercer a leitura e a escrita de maneira a ser inserido de
modo mais pleno e participativo na sociedade. A Psicologia per-
mite uma educação libertadora desenvolvendo as competên-
cias necessárias para enfrentar os desafios do envelhecimento e
fortalece a coragem de romper e compor o novo, apesar das li-
mitações psicológicas, físicas e neurológicas. O objetivo do Es-
tágio Supervisionado Básico em Intervenções Psicossociais foi
promover atividades que estimulassem a cognição, interação,
autoconhecimento e aprendizagem com um grupo de 28 idosas
em processo de alfabetização na Associação de Moradores do
bairro Jardim Brasil, em Montes Claros-MG. Foram realizados
dez encontros, quinzenalmente, no período de fevereiro a junho
de 2018, pelos acadêmicos do 7º período do Curso de Psico-
logia das Faculdades Integradas do Norte de Minas (Funorte).
Esses usaram como instrumentos técnico-metodológicos duas
técnicas com trabalho de grupos: a oficina psicossocial de Ma-
ria Lúcia Afonso e o grupo operativo de Pichon-Rivière. As téc-
nicas utilizadas proporcionaram a autorreflexão e o autoconhe-
cimento no sentido de possibilitar às participantes a tomada de
consciência. Como resultado, houve melhora nas habilidades
cognitivas, ajudando assim no processo de alfabetização e nas
relações entre os membros do grupo. Conclui-se que a velhice
é mais uma etapa de crescimento pessoal e é fundamental des-
frutá-la com autonomia e dignidade.
PALAVRAS-CHAVE: velhice; educação; Psicologia.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 290


INTRODUÇÃO
A partir dos 65 anos inicia-se a terceira idade, última
fase da vida. Entretanto, há indivíduos, nessa faixa etária, os
quais não se sentem e nem agem como hegemonicamente
espera-se de idosos. Muitos desfrutam de boa saúde física e
mental e, com o fim da aposentadoria obrigatória, continuam
a trabalhar. Embora algumas habilidades possam diminuir,
as pessoas, física e intelectualmente, ativas podem manter-
se bem, na maioria dos aspectos, e até mesmo melhorarem
suas competências. O funcionamento físico e cognitivo tem
efeitos psicossociais, determinando o estado emocional do
idoso e a capacidade de viver de maneira independente (PA-
PALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Este trabalho é um relato de experiência do Estágio Su-
pervisionado Básico III – Intervenções Psicossociais, com
um grupo de 28 idosas em processo de alfabetização na As-
sociação de Moradores do bairro Jardim Brasil, em Mon-
tes Claros-Minas Gerais. Durante o período de fevereiro
a junho de 2018, os acadêmicos do 7º período do Curso
de Psicologia, das Faculdades Integradas do Norte de Mi-
nas (Funorte), realizaram dez encontros quinzenais. Nos
quais foram realizadas intervenções em relação às ques-
tões emocionais e psicológicas do grupo, vistas a partir da
identificação das demandas. Em cada encontro elas foram
trabalhadas, por meio de temas e atividades, envolvendo
memória e percepção, o que viabilizou a interação, o auto-
conhecimento e a autoestima, no intuito de contribuir para
o processo de alfabetização, objetivo da turma.

Estágio supervisionado básico: intervenções psicossociais | 291


A alfabetização de idosos não busca somente ensinar “a
ler e a escrever”, mas criar possibilidades para o indivíduo
ou o grupo exercer a leitura e a escrita de maneira a ser
inserido, de modo mais pleno e participativo, na sociedade.
Alfabetizar pessoas da terceira idade significa devolver a
oportunidade de um (re)encontro dessa população com os
infinitos conhecimentos que o prazer do saber ler e escre-
ver proporcionam ao ser humano (SOUZA, 2002).
A Psicologia permite uma educação libertadora desen-
volvendo as competências necessárias ao enfrentamento
dos desafios do envelhecer e fortalece a coragem de romper
para compor o novo (RABELO, 2010). Diante das limita-
ções psicológicas, físicas e neurológicas pelas quais passam
a pessoa idosa, é importante uma melhor compreensão de
seu ritmo, habilidades cognitivas e fragilidades próprias
deste estágio do desenvolvimento humano, para que as-
sim possam ser realizadas intervenções diretivas, tornando
a pessoa idosa integrada ao processo de aprendizagem, não
apenas no ambiente escolar, mas também em diferentes
contextos socioculturais (RABELO, 2010).
Segundo Papalia (2010), as atividades que envolvem
a percepção e memória na terceira idade são necessárias,
pois nesta fase há um comprometimento intelectual. Com
isso, o objetivo da intervenção foi promover atividades que
estimulassem a cognição, interação, autoconhecimento e
aprendizagem do grupo.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 292


DESENVOLVIMENTO
O primeiro passo foi pensar o contexto que se pretendia
propor uma intervenção com as idosas. As demandas exigi-
das, bem como as características de saúde física e mental
delas deveriam ser consideradas. Segundo Cachioni e Neri
(2004), os motivos que as levam a participarem de programas
para a terceira idade incluem as buscas de conhecimentos
e de atualização cultural, de oportunidades para o autode-
senvolvimento e autoconhecimento, de contato social, ocu-
pação do tempo livre e o compromisso com a geratividade.
Nessa perspectiva foi feita uma análise do contexto em
que se encontrava a equipe de 28 voluntarias, com idade
entre 60 e 80 anos, que iria ser acompanhado durante o
estágio. A proposta englobou dez encontros quinzenais, no
período de fevereiro a junho de 2018, às segundas feiras,
no início da tarde, com duração de três horas, no prédio
da Associação de Moradores do bairro Jardim Brasil, onde
habitualmente o grupo realiza suas reuniões.
No primeiro encontro um grande círculo foi feito com
as idosas, as facilitadoras, a supervisora e orientadora do
estágio, a fim de compreender o contexto do grupo e as
demandas iniciais. Foi pedido para que todas se apresen-
tassem e relatassem o motivo da criação da equipe e a cau-
sa individual de participação dos encontros. A professora
relatou que a equipe foi criada devido à procura das idosas
para aprendem a ler e escrever, ou seja, a alfabetização,
mas que estava tendo problemas com o engajamento delas
devido o baixo resultado nas atividades. Durante as apre-

Estágio supervisionado básico: intervenções psicossociais | 293


sentações e colocações foram perceptíveis as dificuldades
de interação entre elas, as quais refletiam de forma nega-
tiva no processo de ensino e aprendizagem. Vale ressaltar
que apesar da mobilidade reduzida, devido à idade, as en-
volvidas não apresentavam problemas mentais.
Com as demandas definidas, as dinâmicas visavam facili-
tar essas questões. Além disso, a aprendizagem no ambiente
grupal se dá não apenas pelo desenvolvimento do raciocínio,
mas também por meio da emoção, vontade, intuição, pelo
simbólico e pelo afeto. Assim, dinâmicas de grupo contri-
buem para a importância do lúdico e do prazer como parte
do processo educativo, justificando assim o seu frequente
uso pela psicologia (GONÇALVES; PERPÉTUO, 2005).
No segundo encontro, trabalhou-se o tema Carnaval. O
objetivo era confeccionar cartazes e máscaras para orna-
mentar a sala onde eram realizados os encontros. Os ma-
teriais utilizados foram: cartolinas, colas, EVA, tesouras e
tintas. Divididas em dois grupos de 14 pessoas, cada uma
deveria fazer um cartaz criativo sobre o que o Carnaval re-
presentava. Com essa atividade foi possível desenvolver a
interação do grupo e as funções motoras fina e grossa. To-
das realizaram a atividade sem apresentar problemas.
No terceiro encontro foi desenvolvido o tópico “revendo
os papéis” cujo propósito é conhecer, de modo mais apro-
fundado, os integrantes e suas expectativas em relação a
equipe. Cada membro deveria apresentar-se mencionando
o que considerava relevante. Foi feita uma dinâmica e os
materiais utilizados foram: bexigas coloridas e pincéis. As

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 294


bexigas foram colocadas à disposição das participantes e
solicitado que escolhessem uma pelo critério da cor, a se-
guir, deveriam explicar a opção. Por fim foi pedido que cada
uma desenhasse na bexiga um rosto expressando o que
estavam sentindo naquele momento e que comentassem
sua representação associada à sua vida atual. O objetivo
foi alcançado de modo produtivo, pois elas compartilharam
experiências que contribuíram para a empatia do grupo.
No quarto encontro abordou-se o assunto “O dia Interna-
cional da mulher”, devido a coincidência do encontro com
a data comemorativa. A finalidade era apresentar a impor-
tância do dia da mulher e trabalhar a autoestima de todas.
Pois, além do caráter festivo, a data levanta questões sociais
importantes. O momento também serviu para discutir pon-
tos relevantes, como a importância da mulher na sociedade,
conquista de espaço no mercado de trabalho, bem como pe-
ríodos marcantes da história que foram protagonizados por
figuras femininas. Os materiais utilizados foram: cartolinas,
revistas, tesouras e colas. Foi solicitado que elas fizessem
colagens e frases da importância da mulher e montassem
cartazes para serem apresentados. Com as confecções fina-
lizadas a atividade mostrou-se proveitosa, pois muitas relata-
ram não saberem o motivo da comemoração.
No quinto encontro tratou-se da questão “A importância
da matemática em nossas vidas”, pois a professora apresen-
tou a demanda que o grupo tinha uma dificuldade com as
aulas de matemática, dessa forma o tema trabalhado teve a
finalidade de mostrar a importância dos números com a uti-
lização de atividades de resolução de problemas matemáti-

Estágio supervisionado básico: intervenções psicossociais | 295


cos e jogos de fichas, os quais proporcionaram uma reflexão
sobre a relevância do emprego dos números no dia a dia.
No sexto encontro desenvolveu-se o assunto “Alimen-
tação e vida saudável” com a intenção de conscientizar a
equipe sobre a importância de ter uma alimentação saudá-
vel, bem como esclarecer eventuais dúvidas alimentícias.
Uma nutricionista esteve presente para uma roda de con-
versa. A equipe fez muitos questionamentos e receberam
os devidos esclarecimentos.
No sétimo encontro abordou-se o tópico “A importância
da amizade” cujo alvo era promover uma reflexão sobre o
seu significado e qual a sua importância para as pessoas na
vida. Além disso, foi possível trabalhar a oralidade, a crítica
e a sociabilidade da equipe. Elas assistiram um filme sobre
amizade chamado: “Conduzindo miss Daisy” e logo após
foi feito uma roda de conversa onde comentários e troca de
experiências sobre o tema ocorreram.
No oitavo encontro foi discutido o tema “Família” vi-
sando propiciar uma reflexão sobre a estrutura e o relacio-
namento familiar e o conhecimento estrutural de outras
famílias. A tarefa oportunizada foi artística e cada uma pro-
duziu um desenho que representasse a sua família. Esses
foram expostos na sala e promoveram interação e reflexão
sobre a importância da família.
No nono encontro foi falado sobre a “Teia do envolvi-
mento” com o objetivo de promover uma estimulação cog-
nitiva, solicitamos que tentassem relembrar as brincadeiras
da infância e cantiga que gostavam, estimulando, portanto,

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 296


a memória de longa duração, que geralmente é preservada.
Todas participaram e as brincadeiras e cantigas que foram
elencadas, realizadas.
No décimo e último encontro ocorreu uma confraterniza-
ção que encerrou com um feedback do grupo. Elas relataram
uma melhoria na interação da equipe e que o processo de
ensino aprendizagem tinha ficado mais produtivo e prazeroso.
Foram utilizados como instrumentos técnico-metodoló-
gico duas tarefas: oficina psicossocial e grupo operativo.
Segundo Afonso (2006), a primeira é um projeto estrutu-
rado com grupos, independentemente do número de en-
contros, sendo focalizado em torno de uma questão central
que os envolvidos propõem elaborar, em um contexto so-
cial. A ponderação que se busca na oficina não se restringe
a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira
integral, formas de pensar, sentir e agir.
Já o grupo operativo, criado por Pichon Rivière, define-se
por um conjunto de pessoas com um objetivo comum de dis-
cussões e tarefas que são colocadas em funcionamento por
um coordenador, cuja finalidade é obter, dentro do grupo,
uma comunicação que se mantenha ativa, ou seja, criadora.
Nessa perspectiva a aprendizagem é centrada nos processos
grupais e coloca em evidência a possibilidade de uma nova
elaboração de conhecimento, de integração e de questiona-
mentos acerca de si e dos outros (BLEGER, 1998).
As atividades foram realizadas e preparadas com muito
cuidado e prudência, pois faz-se mister salientar que ao se
trabalhar com grupo de idosos, primeiramente, é necessá-

Estágio supervisionado básico: intervenções psicossociais | 297


rio respeitar as características e ter cuidados para não agir
de forma que eles se sintam infantilizados. Toda precaução
em relação às palavras a serem escolhidas foi fundamental
para que gerasse empatia.
Os temas foram escolhidos a partir de três eixos: a. saú-
de na terceira idade (mente e corpo) com o objetivo de
informar sobre a importância do bem estar não apenas fí-
sico, mas também mental para uma vida saudável; 2. o en-
velhecer como parte do desenvolvimento humano: desafios
e possibilidades com o intuito de desestigmatizar os este-
reótipos e preconceitos acerca do envelhecer, elaborando
melhores caminhos para o enfrentamento das dificuldades
decorrentes ao envelhecimento; 3. a educação não tem
idade. Nesse eixo entrou as temáticas relacionados à im-
portância da alfabetização.
É importante salientar que cada indivíduo vive o enve-
lhecimento de uma maneira singular, dessa forma os as-
suntos foram selecionados com o foco no processo que era
a alfabetização e interação do grupo, mas respeitando as li-
mitações e especificidades de cada uma das participantes.
A prática possibilitou engajamento e reflexão das idosas
sobre suas questões subjetivas ligadas à autoestima e rea-
lização pessoal. Houve também a oportunidade de trocas
de experiências, elaboração de novos sentidos atribuídos às
suas histórias, aumento da autoestima, autoconsciência e
aperfeiçoamento da autoimagem.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 298


CONCLUSÃO
Diante da busca por qualidade de vida e inserção so-
cial, pode-se avaliar o trabalho positivamente, pois as téc-
nicas grupais, aliadas a escuta especializada de cuidado e
acolhimento, propiciaram às participantes a oportunidade
de expor sentimentos e ampliar suas possibilidades, que
consequentemente refletiram na melhoria no processo de
ensino aprendizagem. As estratégias adotadas foram bem
aceitas pelo grupo e houve participação ativa de todas as
envolvidas, sendo corroboradas nas avaliações verbais rea-
lizadas espontaneamente por todas as participantes.
O trabalho proporcionou a inserção das idosas nos diá-
logos, estimulando a conversação entre elas, melhorando
assim os relacionamentos interpessoais, a partir de valores
como a tolerância, a paciência, o respeito e a admiração
das experiências compartilhadas. Como resultado, houve
melhora nas habilidades cognitivas, visto que teve avanço
nos resultados das avaliações que a professora aplicou ao
grupo, como também nas relações entre os membros da
equipe e na compreensão de que a velhice é mais uma
etapa de crescimento pessoal, portanto é fundamental des-
frutá-la com autonomia e dignidade.
É importante ressaltar que o trabalho realizado não esgota a
necessidade de intervenções permanentes no grupo das parti-
cipantes. A psicologia contribui para a superação dos impactos
sociais advindos do envelhecimento natural do ser humano,
em questões ligadas a sentimento de abandono, inutilidade e
o medo da morte na vida cotidiana do idoso contemporâneo.

Estágio supervisionado básico: intervenções psicossociais | 299


REFERÊNCIAS

AFONSO, M. L. M. Oficinas em dinâmica de grupo:


um método de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2006.

BLEGER, J. Temas de Psicologia: entrevistas e grupos.


São Paulo: Martins Fontes, 1998.

CACHIONI, M., NERI, A. L. Educação e velhice bem-


sucedida no contexto das universidades da terceira idade.
In: NERI, A. L., YASSUDA, M. S. (Org.). Velhice bem-
sucedida: aspectos afetivos e cognitivos. Campinas: Papi-
rus, 2004. p. 29-49.

GONÇALVES, A. M., PERPÉTUO, S. C. Dinâmica de


grupos na formação de lideranças. 9.ed. Rio de Janei-
ro: DP&A, 2005.

PAPALIA, D. E. Desenvolvimento humano. 10. ed. Por-


to Alegre: AMGH, 2010.

PAPALIA, D. E., OLDS, S. W., FELDMAN, R. D. De-


senvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006.

RABELO, A. A. Processos grupais. In: COELHO, A. G.;


RABELO, A. A. Psicologia Social. Montes Claros: Uni-
montes, 2010.

SOUZA, M. M. C. O analfabetismo no Brasil sob enfoque


demográfico. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,. n. 107,
p. 169-186, jul. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/cp/n107/n107a07.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 300


Experiência de estágio
em orientação à queixa
escolar

Elenice Procópio Araújo


Graduada em Psicologia (UNILESTE) e em Pedagogia
(UFOP), mestranda em Psicologia (UFSJ).
elenicep.araujo@hotmail.com

Stela Maris Bretas Souza


Professora dos cursos de Psicologia e Pedagogia
(UNILESTE), vice-presidente e conselheira do Conselho
Regional de Psicologia/MG, coordenadora das Comissões
de Psicologia Escolar e Educacional e de Formação
Profissional do Conselho Regional de Psicologia/MG,
coordenadora estadual da ABRAPEE.
smbretas@uol.com.br
RESUMO
O presente artigo advém da experiência de estágio em
Psicologia, referente ao 10º período do curso, realizado no
Núcleo de Atividades Práticas em Psicologia, com uma
criança do sexo feminino de nove anos de idade, durante
o segundo semestre letivo do ano de 2017. Desta forma,
neste texto busca-se apresentar os caminhos percorridos
em tal prática e as reflexões consequentes. O trabalho rea-
lizado buscou intervir no processo de produção da queixa
escolar, visando à compreensão dos possíveis significados
do comportamento da mesma. Para tal, foram realizadas
sessões lúdicas, análise de material escolar, aplicação de
teste psicológico e entrevista de orientação com o respon-
sável. Eram realizadas ainda, supervisões semanais com
professora orientadora do estágio, além de escuta dos re-
latos dos colegas estagiários que contribuíram para forma-
ção profissional. Tal processo baseou-se na perspectiva de
atendimento “Orientação à Queixa Escolar”, que busca
não reduzir os problemas de escolarização a um fenôme-
no psicopatológico, numa linha medicalizante, mas se pro-
põe a um diálogo com os atores envolvidos na queixa, tais
como a instituição escolar e a família da criança. A respei-
to dos resultados, viu-se que as reclamações apresentadas
pelo responsável e pela escola, de fato eram pertinentes.
Orientou-se, um acompanhamento mais próximo do de-
sempenho da infante pelos responsáveis com a escola e a
criação de uma rotina de estudos em casa. A partir disto,
foi indicado a continuação do atendimento psicológico. O
processo e resultados permitiram compreender a impor-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 302


tância de abordagens que trabalhem em rede nos casos de
queixa escolar.
PALAVRAS-CHAVE: atendimento psicológico; Psicolo-
gia e Educação; escola; orientação à queixa escolar; infância.

INTRODUÇÃO
O presente relato advém do trabalho de Estágio Especí-
fico IV, do 10º período do curso de Psicologia, do UNILES-
TE, no Núcleo de Atividade Práticas em Psicologia-NAPP
(serviço-escola). O estágio ocorreu no período de agosto
a dezembro de 2017, com uma criança do sexo feminino
de nove anos. Tal processo baseou-se na perspectiva de
atendimento “Orientação à Queixa Escolar”, cuja busca é
não reduzir os problemas de escolarização a um fenômeno
psicopatológico, numa linha medicalizante, mas se propõe
a um diálogo com os atores envolvidos nas reclamações,
tais como a instituição escolar, a criança e sua família.
A respeito desta perspectiva, Souza (2013) aborda a Psi-
cologia Escolar, a partir de 1980, com o desenvolvimen-
tos teórico-práticos buscando investir para a melhoria da
rede escolar. Neste sentido, a Psicologia esforça-se com
intervenções junto as escolas de maneira a problematizar
e reverter o funcionamento institucional que, por vezes, é
produtor de fracasso escolar e encaminhamentos a atendi-
mentos psicológicos externos à escola. Tais acolhimentos,
frequentemente não dão conta dos sofrimentos e fracassos
individuais e acabam por permanecer cristalizados.

Experiência de estágio em orientação à queixa escolar | 303


Souza (2013) aponta a necessidade de uma abordagem
que aprofunde a compreensão das relações, para o indiví-
duo e a instituição se constituírem mutuamente, desenvol-
vendo frentes de trabalho diferenciadas nos planos macro
e microestrutural, realizando transformações sociais pro-
fundas. Dessa forma, Beatriz Souza e Cíntia Copit viram
a necessidade de criar uma abordagem em atendimento
psicológico cuja inclusão de novas práticas fosse pertinen-
te a demanda, instituindo a “Orientação à Queixa Escolar”.
Nesta perspectiva, a queixa escolar tem como centro o pro-
cesso de escolarização, sendo os personagens principais a crian-
ça ou adolescente, sua escola e família. Aqui, o objeto de inves-
tigação é a rede de relações e como elas, entre seus integrantes,
se desenvolvem. O objetivo é conquistar uma movimentação
nessa rede dinâmica a qual seja direcionada no desenvolvimen-
to de todos os seus participantes (SOUZA, 2013).
Tal abordagem de atendimento tem os seguintes princí-
pios técnicos, que foram utilizados em sua maioria e pos-
sibilidades dentro do formato do atendimento em ques-
tão: colher e problematizar versões de cada participante
da rede; promover circulação de informações e reflexões
pertinentes e integração ou confronto das mesmas dentro
desta rede, propiciando releitura e buscando soluções con-
juntamente; identificar, mobilizar e fortalecer as potências
contidas nessa rede, para que ela se movimente para supe-
rar a situação produtora da queixa (SOUZA, 2013).
É preciso ainda destacar tal abordagem como breve e
focal, pois ao centrar na queixa escolar e não no superar

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 304


promove movimentação, identificando condições deste
movimento que possam sustentar-se sem o auxílio do pro-
fissional psicólogo(a). A duração costuma ser de dois a três
meses, sem contar o processo de acompanhamento. No
entanto, a forma de atendimento não é rígida, mas segue
alguns procedimentos: triagem de orientação; encontros
com a criança; interlocução com a escola e entrevista de
fechamento (SOUZA:2013).
Através destes procedimentos a “Orientação à Queixa
Escolar” foi utilizada como metodologia dos atendimentos
psicológicos, com vistas a promover a oxigenação dos dis-
cursos a respeito da queixa escolar. Para tanto, é necessá-
rio, em qualquer atuação do psicólogo(a), conhecer a res-
peito de aspectos básicos característicos do público a ser
atendido e do contexto em que está inserido.
Cohn (2005) explica a infância como uma construção so-
cial e histórica do ocidente, e a forma de vivê-la vem da in-
fluência de vários fatores contextuais. O que vem a ser crian-
ça, ou quando acaba a infância, tem uma forma muito diversa
em diferentes contextos socioculturais. Pode-se perceber com
isso que ser criança não quer dizer ter infância, pois essa ideia
vem sofrendo modificações ao longo dos anos, sendo as expe-
riências e vivências diferentes para cada lugar.
É importante ressaltar as diferenças das concepções do
senso comum ao apontar a criança como um ser receptor
de informação. Cohn (2005) desdobra que a criança tem
um papel ativo na construção das relações sociais ao se
engajar; ela é atuante e não passiva nos comportamentos

Experiência de estágio em orientação à queixa escolar | 305


sociais e incorporações de papéis. Assim, o infante interage
ativamente com os adultos e com outras crianças, sendo
isto, importante para as relações. Desta forma, a ideia de
que as crianças incorporam gradativamente ao aprender é
revista, pois ela formula um sentido ao mundo que a rodeia.
No trabalho com crianças a forma de abordagem utiliza-
da é diferenciada, sendo o brincar uma maneira de ajudá-los
a resolver suas dificuldades e identificar questões centrais
a trabalhada. Esta é a ludoterapia, ou sessões lúdicas, nas
quais, segundo Homem (2009), o profissional deve pro-
mover um ambiente de aceitação, empatia e compreensão,
apropriando-se do brincar como gesto natural do infante,
para que ele possa exprimir suas preocupações a respeito
das situações da vida, utilizando objetos familiares. Assim, a
criança conduz a brincadeira, quando e como quer.

DESENVOLVIMENTO
A partir destas considerações, este trabalho busca apresen-
tar uma experiência de estágio nestas perspectivas, bem como
as reflexões permitidas na formação do estudante de Psicologia.
O estágio foi realizado por meio de atendimentos psicológicos
com uma criança do quarto ano do Ensino Fundamental, de
uma escola pública, que morava em Coronel Fabriciano-MG.
A queixa que encaminhou a criança aos atendimentos, levada
pelos pais com influência da escola foi a não realização de ativi-
dades, em sala de aula e dos deveres escolares, o que compro-
metia seu desenvolvimento de aprendizagem.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 306


Os quatros procedimentos apontados na abordagem de
“Orientação à Queixa Escolar” podem ser compreendidos
a seguir. Primeiramente faz-se uma “Triagem de orienta-
ção” com os pais da criança, de maneira a apresentar a
modalidade para que escolham estar incluídos no processo
ou não. Busca-se colher a versão dos pais sobre a queixa,
investigar e pensar a demanda procurando soluções, ava-
liar conjuntamente os recursos em jogo, produzindo então,
uma releitura da situação. O próximo procedimento são
os “Encontros com a criança”, verificando a versão dela,
propiciando a conquista de sua condição de sujeito de sua
própria história, percebendo e acolhendo suas demandas,
sempre favorecendo a manifestação e utilização de suas
capacidades, potencialidades afetivas e cognitivas. Tais en-
contros são planejados um a um de acordo com o processo,
utilizando materiais ludoterápicos e escolares. Em geral,
ocorrem de seis a oito encontros (SOUZA, 2013).
O terceiro procedimento, diz respeito a “Interlocução com
a escola”, podendo ocorrer no meio do processo ou no final.
Viabilizar estratégias escolares de enfrentamento das dificul-
dades detectadas ampliam as possibilidades do trabalho con-
tinuar caso o professor da criança tenha que se afastar de suas
atividades. Esse trabalho com a escola pode ser possível se
buscar um diálogo horizontal, atentar aos preconceitos dos
docentes que muitos psicólogos(as) têm, ouvir a versão deles
e fazer questionamentos os quais ajudem a esclarecer e pen-
sar a queixa, valorizando recursos e esforços (SOUZA, 2013).
O quarto procedimento é a “Entrevista de fechamento”,
nela podem estar os pais e a criança juntos ou separados. Tal

Experiência de estágio em orientação à queixa escolar | 307


momento objetiva uma releitura do caso pelas novas informa-
ções, avaliando o processo e seus efeitos. Contato anteriores
com os pais, também podem ocorrer de maneira a orientar.
Por fim, é preciso adotar o procedimento de “Acompanha-
mento”, que é realizado por telefone com os pais e a escola,
de maneira a colher versões dos três principais personagens,
verificando a efetividade do trabalho (SOUZA, 2013).
Foram realizados sete atendimentos com a criança e
dois com o responsável, sendo estes uma vez por semana
com duração média de 50 minutos, descritos a seguir: re-
cebemos o pai da criança para levantamento e para avalia-
ção da queixa; atendimento com a criança na sala lúdica
do NAPP, com o objetivo de construir o vínculo por meio
do lúdico e verificar a versão dela sobre a queixa; atendi-
mento com a criança na sala lúdica do NAPP, de maneira
a compreender a relação dela com o brincar, bem como
suas representações familiares por meio do lúdico também
objetivou-se aprofundar a construção do vínculo e investi-
gar melhor a demanda; atendimento com a criança na sala
lúdica do NAPP, de maneira a compreender a relação da
criança com a escola e com atividades escolares; aplica-
ção do Teste de Desempenho Escolar (TDE) de maneira a
compreender as capacidades fundamentais para o desem-
penho escolar que a criança possuía, mais especificamente
na escrita, aritmética e leitura; atendimento com a criança
na sala lúdica do NAPP, de maneira a compreender melhor
aspectos do pensamento lógico da criança por meio do lú-
dico; sessão de análise de material escolar de modo a ex-
plorar mais amplamente as dificuldades escolares; sessão

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 308


de encerramento com a criança; sessão de encerramento
com responsável. Eram realizadas ainda, supervisões se-
manais com a professora orientadora do estágio, além de
escutar os relatos dos colegas estagiários que contribuíram
para formação profissional.
As etapas do atendimento apresentadas por Souza
(2013) foram desenvolvidas no estágio em partes. Na tria-
gem de orientação com o pai, viu-se a preocupação deste
em ajudar e participar do processo de sua filha, o que foi
essencial para os resultados. Aqui, observou-se que a apre-
sentação da demanda que eles levaram pela estagiária de
maneira a inclui-lo no processo de resolução influenciou
em uma nova postura diante da situação, não mais de pas-
sivo diante da escola, mas ativo. Já nos encontros com a
criança, identificou-se a dificuldade que esta, assim como
tantas outras tem em posicionar-se sobre seus próprios
problemas, demonstrando a importância de validar seus
sentimentos e opiniões.
Quanto as orientações de Souza (2013) a respeito dos
atendimentos com infante, esta aponta que testes psicoló-
gicos não devem ser utilizados nesta perspectiva, de ma-
neira a não reduzir a criança e suas relações a números. No
entanto, nesta situação, o teste permitiu uma compreensão
de como ela lidava com atividades escolares e se relaciona-
va com matérias básicas a sua idade e ano escolar. Assim,
viu-se que mesmo dentro das orientações de cada aborda-
gem de atendimento, é necessária uma leitura do contexto
em que se está trabalhando.

Experiência de estágio em orientação à queixa escolar | 309


A respeito da interlocução com a escola, tal etapa não
foi realizada pela estagiária, visto que no processo não se
chegou a ter condições de discutir e contribuir naquele
ambiente de maneira pertinente. Souza (2013) aponta que
não se vai para a escola de imediato e é preciso ter manejo
para lidar com as questões apontadas. Neste ambiente é
preciso conversar com várias pessoas e não somente com o
professor, de maneira a compreender de modo mais com-
pleto as relações. Mesmo que o contato direto da estagiária
com a escola não tenha ocorrido, em atendimento com o
pai, orientações eram dadas para lidar e nortear a escola
nas questões levantadas.
A entrevista de fechamento, tanto com o pai quanto
com a criança permitiram uma nova leitura da situação e
a constatação de avanços na queixa escolar. No entanto, o
acompanhamento apontado por Souza (2013) não foi pos-
sível de ocorrer, por ser um estágio. A responsabilidade do
caso não poderia se dar pela estagiária que o encaminhou
para a continuação dos atendimentos por outro(a) estagiá-
rio(a) no semestre seguinte.
Desta forma, tal abordagem de atendimento demons-
trou-se diferentes dos modelos clínicos tradicionais, não
separando diagnóstico de intervenção. Aqui, o fechamento
não é algo novo aos pais e filhos, pois as questões vão sendo
resolvidas ao longo dos atendimentos. Os encontros são
construídos um a um, sempre trabalhando com as poten-
cialidades demonstradas pela rede, o que é fundamental
para a efetividade do trabalho.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 310


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim do processo de estágio, faz-se importante desta-
car os ganhos e dificuldades encontradas, de maneira a ava-
liar tal processo e sua efetividade. Inicialmente, destaca-se
a experiência adquirida pela estagiária, no procedimento
de investigação para intervir sobre a queixa escolar, o que
necessita de grande empenho e disponibilidade para apren-
der. Sem a abertura ao novo é mais difícil a caminhada.
Compreender e debater os campos e focos de atuação
do psicólogo(a) no atendimento psicológico voltado a quei-
xa escolar é essencial, visto que ainda há muitas práticas
clínicas nesse contexto, com caráter de responsabilização
da criança por seu fracasso escolar, excluindo os demais
atores construtores dessa demanda.
Aqui, é possível compreender que o trabalho do(a) psi-
cólogo(a) voltado a demandas escolares não se faz sozinho,
pelo contrário, necessita de um trabalho em rede, que so-
licita a todo momento da abertura dos demais profissionais
para o desenvolvimento, bem como da família da criança.
Esta é uma das maiores dificuldades encontradas neste es-
tágio, cujas peculiaridades do infante, apresentam-se mais
introvertida e demanda maior tempo para construção do
vínculo. O processo de reconhecimento da queixa e levan-
tamento de potencialidades prolongaram-se, não permitin-
do mais contato com o contexto escolar. Assim, o trabalho
poderia ser mais efetivo sem as resistências da criança.
Por fim, vê-se a necessidade de trabalhos semelhantes
a esse que ocorram com maior efetividade e tempo nos

Experiência de estágio em orientação à queixa escolar | 311


atendimentos psicológicos. Crianças com demandas es-
colares possuem questões que a Psicologia pode contri-
buir, seja na geração de reflexões, planejamento de ações e
intervenções.

REFERÊNCIAS

COHN, C. Antropologia da criança. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2005.

HOMEM, C. A ludoterapia e a importância do brincar: re-


flexões de uma educadora de infância. Cadernos de Edu-
cação de Infância, Lisboa, n. 88, p. 21-24 dez. 2009.
Disponível em: <http://apei.pt/upload/ficheiros/edicoes/
CEI_88_Artigo2.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

SOUZA, B. de P. Apresentando a Orientação à Queixa Es-


colar. In.: ______ (Org.). Orientação à Queixa Escolar.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. p. 97-118.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 312


Grupo terapêutico
com crianças na escola

Sílvia Gonçalves Soares


Graduada em Psicologia (UEMG), trabalha em
consultório particular com atendimento a crianças e
adolescentes. Atuou como psicóloga no Centro Básico de
Equoterapia e também como psicóloga na Escola Infantil
Educart, em Divinópolis/MG.
silviagpsic@gmail.com
RESUMO
A Psicologia tem sido relacionada com a Educação por
abordar questões referentes à aprendizagem e ao comporta-
mento. É importante pensar que a criança está inserida em
um contexto sócio-histórico-cultural, cujas relações sociais
interferem nas conexões reproduzidas pelas mesmas em sala
de aula. O infante traz para a escola as atitudes e comporta-
mentos advindos do seu meio social e familiar, assim como
leva para estes ambientes as relações estabelecidas na esco-
la. Podemos entender melhor o fracasso ou sucesso escolar
quando damos relevância ao que a criança traz e permiti-
mos sua expressão no meio escolar. Tendo por parâmetro
tais apontamentos, este trabalho, realizado pela psicóloga,
aconteceu em uma escola infantil, com crianças de dois a
cinco anos. Foram formados três grupos, onde os atendi-
mentos eram desenvolvidos através do brincar, e por meio
desse as questões que surgiam eram intermediadas e levadas
a outras possibilidades. Neste contexto escolar é importante
considerar o social, pois entendemos que o indivíduo apren-
de na interação com o outro. E nesse intercâmbio mútuo ele
desenvolve seus conhecimentos intelectuais e relacionais.
Portanto, a interação social tem um papel importante no
desenvolvimento cognitivo do ser, quando este se confronta
com o conhecimento do outro. Não é possível pensar em
desenvolvimento de uma criança sem pensar no momento
histórico e na realidade sociocultural em que ela está insere,
assim como na condição familiar em que ela se encontra.
PALAVRAS-CHAVE: criança; lúdico; grupo.

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INTRODUÇÃO
Este projeto se deu em uma escola de educação infantil,
com 13 crianças entre dois e cinco anos. O atendimen-
to de três grupos separados por idade acontecia uma vez
por semana. Diante das questões trazidas pela instituição,
o posicionamento da psicóloga foi de perceber a criança
para além da queixa inicial, atentando-se para o sofrimento
dessa e seus modos de estar no mundo. Entre as reclama-
ções estavam comportamentos considerados inadequados,
agressividade entre os colegas, dificuldades de aprendiza-
gem, suspeita de autismo e dislexia.
Os impedimentos escolares e comportamentais eram
atribuídos a problemas intrapsíquicos ou a situação fami-
liar. Pensar que o psicólogo pode relacionar tais questões a
apenas causas individuais ou familiares, contribui para a não
responsabilização da escola também nos ditos “problemas”
ao não considerar todo o processo como a dinâmica escolar,
as relações estabelecidas e modo de ensino, que podem estar
interferindo na “situação- problema”. Foi considerado que o
sintoma trazido pela criança poderia estar relacionado a ou-
tras demandas, sendo estas sociais, familiares ou da própria
instituição escolar. A psicoterapia infantil tende a envolver
a participação dos pais, por isso foi proposto o contato com
eles, tendo em vista acolher suas angústias frente à demanda
por eles traziam sobre seus filhos.
Pensando na contribuição da Psicologia à Educação, é
possível constatar a atuação de muitos psicólogos que tra-
balham na escola. Influenciados pelo referencial teórico-

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metodológico que vem da clínica, dão foco a aspectos indi-
viduais do aluno, limitando assim a atuação do profissional
na instituição escolar. É preciso reconstruir a identidade
do psicólogo no contexto educacional, repensando suas
concepções e práticas profissionais, para que elas possam
dar conta da complexidade da instituição de ensino. O en-
tendimento sobre queixa escolar, necessita ser ampliado
a fim de não mais centralizar só na criança, mas também
identificar os outros atores sociais envolvidos neste contex-
to. Considerar os fatores intraescolares e os ligar com tal
queixa, tornará possível uma intervenção mais adequada às
necessidades da escola e dos alunos.
Como o psicólogo escolar/educacional atua no campo
da educação ele realiza pesquisas, diagnóstico e intervém
individualmente e por meio de grupos. Desta forma, de
acordo com Andrada (2005, p. 196), essa atividade “en-
volve, em sua análise e intervenção, todos os segmentos
do sistema educacional que participam do processo de
ensino- aprendizagem.” No âmbito educacional, encontra-
mos uma grande demanda imposta pelos profissionais da
educação, como alunos que não se adaptam aos objetivos
da escola e uma visão desses mesmos profissionais sendo
sustentados no paradigma normalidade x anormalidade,
idealizando padrões de comportamento e atitudes que le-
variam ao “sucesso escolar”. No entanto, sobre a atuação
do psicólogo escolar Andrada (2005) diz o seguinte:

Ele precisa ouvir os alunos, o que pen-


sam sobre sua escola e sua turma. Isso

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pode ser feito através de desenhos ou pe-
dindo para que escrevam o que pensam,
sentem, como percebem sua turma e
sua escola. É igualmente necessário ou-
vir os professores, suas demandas e fa-
zê-los participar dos atendimentos com
as crianças, repensando novas práticas e
novos olhares sobre o aluno que chama
de problema. Assim, o psicólogo educa-
cional não cairá em armadilhas do tipo
não sei mais o que fazer, dê conta desse
problema para mim. (p. 198).

Tendo isso em mente, o objetivo do projeto era criar um


momento em que as crianças pudessem brincar e assim
refletir e esclarecer questões que as perpassassem, atra-
vés das intervenções feitas pela psicóloga. Pois ao brincar
a criança transmite o que sabe para seus colegas de grupo
que se apropriam e retornam o conhecimento. Na intera-
ção a criança é ativa na construção de sua história e conhe-
cimento vai sendo partilhado nesse processo.
Além disso, trazer valores da cultura para a brincadeira
propicia questioná-los e reconstruí-los, ou fortalecê-los,
dependendo da interação com os conceitos dos colegas.
Por isso Harris (1995 apud CARVALHO; PEDROSA,
2002 p. 184), “sugere que o grupo de pares é o principal
responsável pelo desenvolvimento de atitudes e valores
desde a infância, possivelmente superando o papel dos
adultos nesse processo”.

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DESENVOLVIMENTO
A metodologia empregada foi o trabalho desenvolvido
por meio de grupos terapêuticos em que eram utilizados
recursos lúdicos como brinquedos e brincadeiras para a
constituição do processo terapêutico. A experiência teve
como proposta sair do modelo de atendimento individual e
apostar no grupo como espaço terapêutico.
O grupo terapêutico é uma possibilidade das crianças mani-
festarem seus desejos, angústias, emoções, partilhando sua in-
fância com outras crianças. Estar em grupo permite trocar, pro-
porciona potencializar o infante em suas relações e seu modo
de ser, e não apenas centrar nos seus problemas. A proposta da
formação do grupo se deu através de se encontrar alternativas
de atendimento as quais pudessem trabalhar os modos de se
relacionar. A coletividade é um espaço de expressão e projeção,
onde se pode trabalhar a diversidade e singularidade, rompendo
com o modelo biomédico que foca na doença e seus sintomas,
o que pode ter como resultado a rotulação e discriminação.
Ao final do trabalho foi possível constatar mudanças nos
comportamentos e nas relações estabelecidas pelas crian-
ças. Uma delas que tinha dificuldade de relacionamento,
por ter problemas neurológicos que afetavam a fala não
conseguia se comunicar com as outras crianças, vivia isola-
do e fugindo da sala de aula. Com a formação do grupo, e a
partir das intervenções, ela passou a interagir mais com as
outras, comunicando-se através das brincadeiras. A visão e
comportamento dos colegas sobre ela mudaram, tornaram-
se mais próximos e passaram a brincar mais juntos.

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Outro aluno com suspeita de autismo foi um desafio
para a psicóloga, pois como era o único de sua turma que
estava no grupo, quando a psicóloga ia chamá-lo na sala
ele tinha diversas reações, às vezes se recusava ir com o
grupo, em outros momentos ele ia, mas não ficava no aten-
dimento. Depois de muitas tentativas, a psicóloga passou a
ir primeiro nas outras salas, e com todas as outras crianças
chamá-lo para brincar, o que resultou na adesão dele ao
grupo, que passou a comparecer em todos os atendimen-
tos. A princípio ele ficava isolado, brincando sozinho. Com
o tempo passou a participar de algumas brincadeiras com
o grupo e estabeleceu um bom vínculo com a psicóloga.
Alunos que demonstravam comportamentos agressivos
por não saberem se expressar ou por não conseguirem se
comunicar de forma eficiente, tiveram as relações interme-
diadas para resolver os conflitos. E, passaram a relacionar-se
de forma, positiva e diferente. A deficiência do aluno citado
impedia que ele interagisse com os colegas como as outras
crianças faziam, por isso tinha dificuldade de manter con-
tatos sociais, estando sempre isolado para brincar, pois os
companheiros não sabiam como se comunicar com ele.
Considerando a questão da inclusão de pessoas com defi-
ciência, devemos entender que elas têm o mesmo direito de
ter condições dignas para viver em sociedade. Deve-se dar a
ela oportunidades, permitindo sua diferença e tendo suas ne-
cessidades atendidas pela sociedade. De acordo com Batista
e Enumo (2004, p. 103), “pressupõe-se que a proposta de in-
clusão escolar de crianças com necessidades educativas espe-
ciais procura evitar os efeitos deletérios do isolamento social

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dessas crianças, criando oportunidades para a interação entre
as crianças, inclusive como forma de diminuir o preconceito.”
Os colegas que participam das brincadeiras são funda-
mentais para a socialização dos infantes. Segundo Harris
(1995 apud BATISTA; EMUNO, 2004), sobre a socializa-
ção de crianças, os pais não são os principais protagonistas
na determinação da personalidade adulta dos filhos, cons-
tata a importância do grupo no processo de socialização.

De acordo com a teoria da socialização de


grupo de Harris (1999): “(...) as crianças se
identificam com um grupo constituído dos
pares delas, que talham o comportamento
delas às normas do grupo e que os grupos
contrastam com outros grupos e adotam
normas diferentes”. Dessa forma, não são
as relações próximas que fazem alguém
pertencer a um grupo, mas o grupo com o
qual se identifica; o grupo de referência ou
grupo psicológico é o que conta. (BATIS-
TA; ENUMO, 2004, p. 102).

O processo de formação do grupo está centrado na


identificação. Estar em um grupo remete a perceber que
são semelhantes aos outros membros, que existe algo em
comum. Neste caso, a criança com deficiência pôde se
identificar com os colegas através das brincadeiras que fo-
ram surgindo no decorrer dos atendimentos.
O brincar tem papel fundamental no desenvolvimen-
to infantil. Para Morin (1979 apud BATISTA; ENUMO,

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2004, p. 103), “o brincar pode ser entendido como um pro-
longamento da infância na qual a criança encontra-se ain-
da protegida e cuidada, tendo mais tempo para desenvolver
habilidades necessárias para a vida adulta”.
A inserção e permanência no grupo advém da aceitação
e identificação com o grupo. No que concerne ao aluno
que estamos nos referindo, foi perceptível sua aceitação
pelas outras crianças que também participavam do grupo.
De acordo com Batista e Enumo (2004, p. 109):

Não é só pela proximidade que alguém se


acha pertencendo ao grupo, ele tem de se
identificar com este, pois é esse o proces-
so básico de formação do grupo. Reside aí,
então, a importância do parceiro no desen-
volvimento e para a aceitação desses alunos
no grupo, fazendo com que este se perceba
de algum modo semelhante, diminuindo o
preconceito e aumentando a auto-estima.

Portanto, a intervenção não deve ser feita apenas com os


alunos que possuem alguma deficiência, mas também com
os colegas que estarão ao seu lado, para que ocorra uma real
inclusão. Assim, a intermediação da psicóloga ocorria nos
momentos em que eles brincavam, propiciando espaços de
interação entre este aluno específico com os demais.

A análise da aceitação e do desenvolvi-


mento das interações sociais de alunos
portadores de necessidades especiais por
seus colegas de escola contribuem, não

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somente para uma avaliação das conse-
quências sociais para os estudantes em
ambiente inclusivo, mas também para
auxiliar no esboço de uma prática educa-
cional inclusiva que promova a interação
e aceitação social de todos os estudantes.
(BATISTA; ENUMO, 2004, p. 109).

CONCLUSÃO
As mudanças que ocorrem na sociedade provocam
transformações na consciência e no comportamento hu-
mano. No que diz respeito ao desenvolvimento da criança,
acontecem modificações nos seus processos psíquicos e na
sua personalidade. Já no primeiro ano de vida aparecem
condutas vindas das condições sociais e da influência em
termos de educação das pessoas que a cercam. No período
pré-escolar a atividade principal é o jogo ou a brincadeira, a
criança se apropria do mundo concreto dos objetos huma-
nos, reproduzindo as ações realizadas pelos adultos. A fase
posterior se resume a entrada na escola e a atividade prin-
cipal passa a ser o estudo. Dessa forma o infante adquire
novas habilidades e ocupações, tendo deveres a serem en-
tregues e tarefas a serem cumpridas.
Começam a ocorrer mudanças em volta da criança, até
mesmo na família, os parentes passaram a fazer perguntas
sobre a escola, sobre as atividades e relações no âmbito
escolar e ela adquire novos conhecimentos. O ensino pos-

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sibilita criar nos pequenos condições do desenvolvimento
psíquico e relacional. Neste contexto, o professor tem pa-
pel fundamental como aquele que é o mediador entre o
aluno e o conhecimento. Os educadores devem ter habili-
dade sobre as etapas do desenvolvimento intelectual e das
dificuldades e particularidades dos alunos, para que possa
criar estratégias que possibilitem uma melhor aquisição do
conhecimento transmitido.
Pensar sobre a infância é compreender sua inserção em
um contexto histórico e social, onde estão implantadas
concepções que dizem sobre ela. É importante considerar
que os sintomas apresentados refletem demandas relacio-
nadas também a questões do contexto escolar e familiar
que pertencem à vida da criança. Falar sobre intervenção
na escola é considerar diversos pontos, entre eles a relação
professor-aluno, o modo como os conteúdos pedagógicos
são transmitidos, os vínculos entre a família e a escola, a
história pessoal e escolar da criança, como a escola a com-
preende, outros. A criança transmite em seu brincar o di-
zer daquilo que ainda não pode falar. Pois é nele que ela
procura construir e recriar sua realidade. O trabalho com
grupos proporciona um lugar de expressão, de compreen-
são sobre as relações com as outras crianças. Lugar onde
se pode trabalhar a subjetividade infantil, pensando na di-
versidade e singularidade de cada criança.

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REFERÊNCIAS

ANDRADA, E.G.C. Novos paradigmas na prática do psi-


cólogo escolar. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto
Alegre,, v. 18, n. 2, p.196-199, maio/ago. 2005. Universi-
dade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/prc/v18n2/27470.pdf>. Acesso em: 06
jun. 2019.

BATISTA, M. W.; ENUMO, S. R. F. Inclusão escolar e de-


ficiência mental: análise da interação social entre compa-
nheiros. Estudos de Psicologia,Natal, v. 9, n. 1, p. 101-
111, abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
prc/v18n2/27470.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

CARVALHO, A. M. A; PEDROSA, M. I. Cultura no grupo


de brinquedo. Estudos de Psicologia, Natal, v. 7, n. 1,
p. 181-188, jan. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/epsic/v7n1/10966.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

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Indisciplina na
escola: desafios
contemporâneos

Márcio Pereira
Graduado em Psicologia, Pedagogia, mestre em Educação
(UNISAL-SP), doutorado em Educação (UNINI/Puerto
Rico). Pós-graduado em Educação Especial e Inclusiva,
Psicopedagogia Clínica e Institucional, Psicopedagogia com
ênfase em Neurociência e dificuldades de aprendizagem.
Professor universitário (Pedagogia e Psicologia), coordenação
de curso (Pedagogia), experiência em pesquisa e extensão.
marcio.marcio@uemg.br

Marcelo Rufino Ferreira


Graduada de Psicologia (UEMG/Unidade Divinópolis)
mrfpsi@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho refere-se à experiência de estágio
na área da Psicologia Educacional e do Desenvolvimento,
no 6º período do curso de Psicologia/Unidade Acadêmica
de Divinópolis/UEMG, realizado no segundo semestre de
2017. A proposta foi de realizar uma pesquisa para verificar
em quais contextos escolares pode-se referir a indisciplina,
pautada na visão socioconstrutivista. A escola estadual A. N.
S. participou e a amostragem foi composta por alunos do
6° ano do Ensino Fundamental, com idades entre 12 e 14
anos, e seus respectivos professores, do período vespertino.
O objetivo principal foi o de compreender as possíveis causas
da indisciplina no âmbito escolar, a partir da relação profes-
sor-aluno, em especial as práticas pedagógicas e perfis dos
docentes. O método utilizado foi observação assistemática e
transcrição das experiências e diálogos (com alunos, profes-
sores e demais profissionais) dentro e fora da sala de aula e a
análise dos dados coletados se deu pela “análise categorial”.
As conclusões e análises apontaram as seguintes causas: o
perfil dos educadores (classificados em autoritários, permis-
sivos e democráticos); a definição de atividades pedagógicas
inapropriadas para a idade dos alunos ou contexto sociocul-
tural; homogeneidade quanto ao método de ensino (méto-
dos tradicionais - como leitura do livro em voz alta); tentativa
e centralidade excessiva na padronização de determinados
comportamentos, entre eles, ficar em silêncio e sentados. A
indisciplina deve ser compreendida multicausal, ao conside-
rar fatores genéticos, sociais, subjetivos, a relação professor
-aluno, métodos de ensino, práticas pedagógicas e a cultura

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da escola, por isso, torna-se um desafio para os educadores
compreendê-la e buscar estratégias de enfrentamento.
PALAVRAS-CHAVE: escola; indisciplina; aluno; pro-
fessor; Socioconstrutivismo.

INTRODUÇÃO
No Brasil, profissionais da educação têm debatido ampla-
mente sobre a temática “indisciplina”, compreendida como
um dos desafios na relação escola, aluno e aprendizagem.
A definição da palavra disciplina e indisciplina tornam-se
substanciais para a compreensão do que se busca. O dicio-
nário Mini Aurélio (2001), define disciplina como “regime
de ordem imposta ou mesmo consentida; ordem que con-
vém ao bom funcionamento de uma organização; relações
de subordinação do aluno ao mestre; submissão a um regu-
lamento” (p, 239). Enquanto que a indisciplina concerne
ao “procedimento, ato ou dito contrário a disciplina; deso-
bediência; desordem; rebelião” (FERREIRA, 2002, p. 384).
Para pensar tal conceito, estão dispostas diversas inter-
pretações. Uma delas, como nos aponta Rego (1996), é a
posição de passividade daquele que é disciplinado, moldado
pelas regras. Em seu oposto encontra-se o aluno indiscipli-
nado, caracterizado como desajustado, infrator das regras,
mal-educado e que precisa ser “disciplinado”. Essa visão ain-
da se faz presente e bem difundida nos espaços escolares.
Entretanto, há outra visão que subverte essa noção da
indisciplina. Do ponto de vista sócio-histórico, ela “seria sin-

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toma de injunção da escola idealizada e gerida para um de-
terminado tipo de sujeito e sendo ocupada por outro. Equi-
valeria, pois, a um quadro difuso de instabilidade gerado
pela confrontação deste novo sujeito histórico a velhas for-
mas institucionais cristalizadas.” (AQUINO, 1996, p. 45).
Cabe salientar as diversas perspectivas para se pensar o
fenômeno indisciplina. Porém, nesse estudo, abordou-se a
relação professor-aluno, em especial as práticas pedagógicas
e perfis dos educadores. Essa relação se torna crucial, pois
para a aprendizagem ocorrer é preciso ter formado um vínculo
sólido e seguro. Ao pensar que, a partir da teoria sociocons-
trutivista, as características do indivíduo se dão por inúmeras
interações com o meio e, ao mesmo tempo, ele internaliza as
regras e conhecimentos da cultura, pode-se entender a im-
portância do papel intermediário do docente (REGO, 1996).
A indisciplina tem diversas causas, entre internas e externas
ao sujeito que a pratica. Nesse sentido, também torna-se exi-
gente a sensibilidade em compreender o seu sentido para, en-
tão, propor saídas possíveis que suscitem o interesse dos alunos
pela aula em questão. A ordem já não será mais a finalidade,
mas o efeito produzido do desejo em aprender que passa a loca-
lizar e nortear os comportamentos (AQUINO, 1996).
Esse trabalho teve como objetivo compreender à luz do
socioconstrutivismo em quais situações, especificamente
nas práticas pedagógicas e perfis dos professores, ocorre
o fenômeno da indisciplina. O estudo se mostra relevan-
te, pois, para a educação, em especial para os professores,
a indisciplina têm-se tornado grande dificultador do pro-

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cesso ensino-aprendizagem e a psicologia pode contribuir
numa compreensão holística do fenômeno e junto aos do-
centes criando possíveis saídas.

DESENVOLVIMENTO
O presente estudo foi realizado numa escola pública
estadual/Divinópolis-MG. A amostragem foi composta por
alunos do 6° ano do Ensino Fundamental, com idades en-
tre 12 e 14 anos, e seus respectivos professores, do período
vespertino. Optou-se como método a observação assiste-
mática não estruturada, sem critérios prévios para nortear
as observações, registrar os fenômenos (MOURA; FER-
REIRA, 2005) e a transcrever as experiências e diálogos
(com professores, alunos e outros profissionais) dentro e
fora da sala de aula. O trabalho aconteceu em 14 semanas,
sendo em média três horas de observação por semana. A
análise dos dados coletados se deu pela análise categorial.
Dessas duas foram apresentadas durante a coleta de dados:
“Perfil dos professores” e “Práticas pedagógicas”.
Segundo Gomes (2004, p. 70), “a palavra categoria, em
geral, se refere a um conceito que abrange elementos ou
aspectos com características comuns ou que se relacionam
entre si. Essa palavra está ligada à ideia de classe ou série”.
Sendo assim, elas são processos analíticos que agrupam as
unidades de um corpus de análise, isto é, dos dados cole-
tados na pesquisa. Sendo assim, as categorias precisam ser
claras e objetivas.

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A indisciplina pode ser interpretada por diversas pers-
pectivas, seja pelo viés psicológico, sociológico, histórico
ou, até mesmo, a partir da relação professor-aluno (AQUI-
NO, 1996). Pensa-se em interpretações desde a concepção
de que a indisciplina são comportamentos desviados e pre-
cisa ser eliminado até a compreensão de que ela se apre-
senta como resistência às práticas pedagógicas ultrapassa-
das. O que se percebe é a indisciplina compreendida de
forma multicausal, considerando fatores genéticos, sociais,
subjetivos, psicológicos ou mesmo as práticas escolares.
Acompanhou-se no processo dessa experiência sete
professoras(es), das quais foram categorizados em três ti-
pos de perfis: permissivo, autoritário e democrático. Além
dessas postulou-se outra: “práticas pedagógicas”. Foi possí-
vel perceber como alguns métodos têm íntima relação com
o perfil do professor e a forma como isso pode afetar, de
maneira positiva ou negativa, a aprendizagem.
A aprendizagem, na perspectiva vygostskyana, se dá por
meio das interações, seja com outras pessoas ou objetos.
Assim, a criança não é vista como sujeito passivo, pelo con-
trário, nesse sistema complexo e dinâmico ela se apresenta
de maneira ativa (REGO, 1996).
Cada docente, em sua singularidade, estabelece rela-
ções distintas com os alunos. Entretanto, alguns aspectos
aparecem de forma geral, de acordo com o perfil e o vín-
culo formado. Entre os educadores observados, dois deles
tinham características permissivas, ou seja, dificuldade em
lidar com a ordem e os impulsos dos alunos, desde as saí-

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das corriqueiras da sala até a “bagunça” existente no final
da aula. Nesse tipo de relação foi observado algo impor-
tante nos dois docentes a permissividade acompanhada do
cinismo, o que não parece apenas ser descaso pelo fato da
turma “ser indisciplinada”, mas um mecanismo para dar
conta das próprias dificuldades “da” e “para” com a turma.
Brasil (2012), em seu artigo “Psicologia escolar: o de-
safio da crítica em tempos de cinismo”, já apontava esse
aspecto da educação brasileira. Diante do fracasso escolar,
professores e alunos demonstram indiferenças acerca da-
quilo que é ensinado e deveria ser aprendido. Uma relação
mútua de descrença que tem por resultado a não produ-
ção de conhecimento e aprendizagem. Nota-se que a in-
disciplina e o tipo de vínculo estabelecido de acordo com
o perfil do professor têm alguma relação. Contudo, cabe
salientar que deve ter o cuidado em não reduzir a causa da
indisciplina aos tipos de perfis.
Outro perfil observado foi o tipo autoritário, profes-
sores que em suma construíam vínculos mais rígidos.
Atividades avaliativas com o objetivo de manter a ordem,
gritos para obter o silêncio, castigos para punir os alunos
“indisciplinados”, eram recorrentes durante a aula. Em
diálogos, esses docentes apresentavam saudosismos às
práticas do passado. Falas do tipo “antigamente que era
bom”, “na minha época aluno não gritava com o professor
e se o fizesse era castigado” e outras do gênero, denota a
crença de que é preciso ser rígido, pois assim seria possí-
vel controlar a indisciplina.

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A rigidez das práticas e o vínculo autoritário apresentam
o mesmo objetivo das antigas escolas, ou seja, normatizar o
comportamento e focalizar na reprodução do conhecimen-
to. Nessa lógica, a indisciplina pode sugerir como sintoma
de resistência aos modelos e práticas tradicionais; visto a
mudança sócio-histórica e as novas formas de produção de
subjetividade e conhecimento (AQUINO, 1996).
O terceiro perfil refere-se ao professor democrático e
apenas dois dos sete professores apresentaram esse perfil.
Esses demonstraram características como abertura para a
diversidade e inovação das práticas pedagógicas. Além disso,
o diálogo para com os alunos se mostrou essencial, tornando
o vínculo mais saudável. Eles preconizavam a individualida-
de de cada estudante, suas histórias, aptidões e dificulda-
des, para assim buscar alcançar maior êxito no ensino e na
aprendizagem, ocorrendo menor incidência de indisciplina
em comparação aos outros professores. É importante frisar a
necessidade da interação ativa do aluno para o seu desenvol-
vimento. Paulo Freire (1987) acreditava em uma pedagogia
da libertação, em outras palavras, que o aluno desenvolves-
se a capacidade crítica do pensamento através da interação
com o educador, numa relação bilateral da qual os dois pro-
duziriam e aprenderiam um com o outro.
Os professores permissivos e auto pedagógicas que
não atendem ao desenvolvimento cognitivo dos alunos,
causando desinteresse por parte dos mesmos, aulas con-
teudistas desprivilegiando o contexto sociocultural dos
discentes; homogeneidade quanto ao método de ensino,
não considerando a diversidade em sala de aula; tentativa

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e centralidade excessiva na padronização de determinados
comportamentos, entre eles, ficar em silêncio e sentados,
desconsiderando os trabalhos em grupo.
Aquino (1996) diz que o professor deve apostar no vín-
culo com a turma, elemento essencial para aprendizagem.
Além disso, há a precisão de reinventar-se a cada aula, na
tentativa de desconstruir e construir novos saberes. As ati-
vidades propostas devem instigar o desejo dos alunos em
realizá-las. Para isso, é importante que não seja muito fácil
ou muito difícil, mas sempre no ponto de despertar o inte-
resse de sua resolução (ARAÚJO, 1996).
Os educadores com postura mais democrática as aulas
eram diferentes, permitiam que os alunos participassem do
processo da aula, davam liberdade para se relacionarem com
o conhecimento, as atividades eram coerentes com o con-
texto sociocultural dos estudantes e também com o nível do
desenvolvimento cognitivo, a realidade dos alunos era consi-
derada como ponto de partida para a aprendizagem. Os con-
flitos eram resolvidos conjuntamente, sem gritos ou mesmo
sem lições de moral. Os professores levavam os estudantes
a refletirem sobre suas ações num diálogo participativo, bus-
cando um consenso. As avaliações eram para analisar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem e não como balizadores de
nota e/ou aplicação de punição. Analisava através das avalia-
ções o conceito, procedimentos e atitudes.
O que se pode refletir é que a disciplina não deve ser
pensada como o objetivo final da escola. Ao instigar o saber,
o desejo em aprender, o próprio conhecimento norteará e

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localizará o comportamento dos discentes. Reconhecer as
habilidades e dificuldades dos alunos e apostar num vínculo
seguro e saudável, reinventar-se cotidianamente a partir das
necessidades deles e romper com práticas ultrapassadas, são
alguns dos caminhos para a obtenção do êxito no processo
de ensino-aprendizagem e no enfrentamento da indisciplina.

Conclusão
Este projeto propiciou compreender um dos vieses do
fenômeno da indisciplina. Entretanto, ao levar em con-
sideração a sua multicausalidade, é preciso ampliar as
perspectivas e propor outros estudos que contemplem os
diversos elementos que contribuem para a ocorrência da
indisciplina. A visão holística da problemática persiste em
tomar o todo de tal maneira que caminhe na contramão do
reducionismo de suas causas.
Pode-se perceber que, com os resultados apresentados,
tanto o perfil dos professores como suas práticas podem in-
fluenciar na ocorrência de comportamentos indisciplinados.
As práticas tradicionais instituídas há décadas e ainda pre-
conizadas nos cursos de formação superior, o tipo de vínculo
estabelecido na sala de aula, ou até mesmo a maneira como
os professores enxergam a turma (“anjinhos”, apelido irôni-
co quando qualificavam a turma como alunos difíceis), não
só implica de certa forma na manutenção desses comporta-
mentos indesejados e no fracasso do ensino, como, também,
dificulta a criação de estratégias de enfrentamento.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 334


Contudo, levantar todos esses pontos referentes aos do-
centes e sua relação com a indisciplina, não significa tirar
a responsabilidade do aluno e de outras esferas, por exem-
plo, a família e o Estado. Cada caso é um caso, a indiscipli-
na é singular e ao mesmo tempo similar a diversas outras
ocorrências. A psicologia e os demais profissionais da edu-
cação, em trabalho conjunto devem encontrar, de acordo
com a necessidade cultural e o meio socioeconômico dos
alunos, estratégias de enfrentamento da indisciplina, ten-
do como objeto final desse processo a aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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(Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e
práticas. 4. ed. São Paulo: Summus. 1996, p. 39-56.

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In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina na escola: al-


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Indisciplina na escola: desafios contemporâneos | 335


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quisa: elaboração, redação e apresentação. Rio de Janeiro:
UERJ, 2005.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 336


Intervenção psicossocial
realizada em uma escola
pública para promover a
formação de um coletivo
feminista
Cinthya Bastos Ferreira
Psicóloga (PUC-Minas Poços de Caldas), com ênfase em
Processos Educativos e Lazer Cultural. Graduanda em Ciências
Sociais (UNIFAL/MG). cinthya_bastos@yahoo.com.br

Paolla Magioni Santini


Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia (UFSCar). Professora
da PUC-Minas Poços de Caldas. Membro do GT-ANPEPP
“Tecnologia Social e Inovação: Intervenções psicológicas
e práticas forenses contra a violência”. Atua na área de
promoção de saúde mental e prevenção da violência familiar e
escolar. paollams@gmail.com

Paula Montenegro Euzébio


Psicóloga (PUC-Minas Poços de Caldas), com ênfase em
Processos Educativos e Lazer Cultural. Participa do projeto
“Mapeamento e Estratégias de Prevenção das Violências
Enfrentadas pelas Mulheres no Município de Poços de Caldas
(MG)” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Sul de Minas Gerais.
montenegropaula95@yahoo.com.br
RESUMO
O presente trabalho refere-se ao relato da experiência de
intervenção psicossocial, a qual foi realizada em uma escola
pública do sul de Minas Gerais, com o objetivo geral de pro-
mover condições para a formação de um coletivo feminista
no contexto escolar. O número de participantes foi flutuan-
te, apresentando cinco “fixas”, isso é, presentes na maioria
dos encontros, e com idades que variaram entre 14 e 18
anos. Foram realizados seis encontros com o grupo: 1. apre-
sentação da proposta de estágio; 2. história do movimento
feminista, suas abordagens e conceitos fundamentais; 3.
violência contra a mulher; 4. Oficina de Teatro do Oprimi-
do; 5. sexualidade; 6. auto-organização na escola. Os encon-
tros com o grupo ocorreram na escola, tendo início após a
última aula do período vespertino, com duração de aproxi-
madamente uma hora cada, expandindo-se conforme a ne-
cessidade e disponibilidade das participantes, e conduzidos
a partir dos pressupostos da intervenção psicossocial. Como
resultados, o grupo participou de forma ativa nas reflexões,
especialmente por meio do relato de suas experiências e vi-
vências, entrelaçadas a uma compreensão da estrutura pa-
triarcal; demonstraram compreender o papel do feminismo
como movimento de transformação da estrutura desigual,
bem como o interesse em concretizar a criação de um co-
letivo feminista na escola; estabeleceram uma organização
prévia para a constituição do coletivo feminista na escola,
assumindo-se como protagonistas das mudanças e indican-
do a permanência das discussões feministas no contexto es-
colar, que adquire um novo espaço de ensino-aprendizagem.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 338


PALAVRAS-CHAVE: intervenção psicossocial; movi-
mento feminista; contexto escolar.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta a experiência de uma in-
tervenção psicossocial desenvolvida na Disciplina de Está-
gio Profissionalizante II: Processos Educacionais e Lazer
Cultural, do 10º período do curso de Psicologia da PUC Mi-
nas, campus Poços de Caldas, e também consistiu em parte
integrante do trabalho de conclusão de curso da primeira
autora. É contextualizado a partir da compreensão da im-
portância da construção do pensamento crítico e superação
das condições de subordinação enfrentadas pelas mulheres
na sociedade contemporânea, a partir da formação de um
coletivo feminista na escola. Desse modo, faz-se imperativo
resgatar aspectos do que constitui o movimento e como esse
pode contribuir no contexto educacional/escolar.
Em consonância com Pinto (2010), ao longo da his-
tória ocidental sempre houve mulheres que se rebelaram
contra sua condição, que lutaram por liberdade e, muitas
vezes, pagaram com suas próprias vidas. Todavia, tais po-
sicionamentos engendravam-se de forma isolada e indivi-
dualizada, não compondo, ainda, uma estratégia de ação
conjunta e sistemática. Sendo assim, o resgate histórico do
que veio a se denominar feminismo faz-se importante para
compreender as pautas e reivindicações das mulheres, em
diferentes momentos históricos, e lançar luz sobre os ru-
mos que estas discussões seguem na contemporaneidade.

Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 339
promover a formação de um coletivo feminista
O autor discorre acerca das chamadas Primeira e Segunda
onda do Movimento Feminista. A primeira se manifesta nas úl-
timas décadas do século XIX e tem como pauta central a luta
pelo direito das mulheres ao voto, ou de modo mais amplo, ao
sufrágio universal e igualdade política. Esse feminismo inicial,
tanto na Europa, nos Estados Unidos como no Brasil, perdeu
força a partir da década de 1930 e só aparecerá novamente,
com importância, na década de 1960. Assim, a segunda onda
do movimento abarca o período entre as décadas de 1960 e
1980 e, conforme pontua Saffioti citada por Bittencourt (2015),
expressa um avanço de percepção e análise do feminismo como
um todo, incorporando diversas frentes de luta e denuncian-
do o patriarcado como forma de expressão do poder político
exercido através da dominação masculina e inferiorização das
mulheres que ultrapassa o campo do privado, invadindo todos
os espaços da sociedade e representando, além disso, uma es-
trutura de poder baseada tanto na violência quanto na ideolo-
gia. Assim, se a primeira onda representa investidas quanto à
igualdade política/jurídica, a segunda tem como foco principal
a equidade no âmbito das relações sociais.
Além disso, destaca-se a importância da participação (e
transformação potencial) política em meios não institucio-
nais. Quanto a isso, segundo Brabo (2008), as mulheres bra-
sileiras, nas últimas décadas e das mais diversas formas, têm
se afirmado como sujeitos sociais através de seus movimen-
tos e ações. A autora ressalta, ainda, que, nesse caminhar,
o ativismo político da mulher se firma como uma atividade
auto-orientada, com a pretensão de influenciar as políticas
públicas fora do campo convencional e institucional.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 340


Com isso, faz-se substancial ater-se ao papel dos co-
letivos feministas e dos debates relativos ao ser-mulher
na atualidade do ambiente escolar, uma vez que a escola
compõe o tecido do social e tende a reproduzir os discur-
sos cristalizados que o permeia, reforçando estereótipos e
preconceitos de uma sociedade historicamente alicerçada
no patriarcalismo. Assim, torna-se significativo analisar as
políticas educacionais que tratam da necessidade de se in-
cluir a temática da mulher, de gênero e orientação sexual
no panorama das escolas brasileiras.
Reis e Eggert (2017) citam o Fórum Mundial de Edu-
cação, ocorrido em 2000, a realização da Conferência Na-
cional da Educação Básica – Coneb, ocorrido em 2008,
as Conferências Nacionais de Educação – Conae (2010
e 2014), e as Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos (2012), os quais abordam equidade de
gênero e orientação sexual em suas elaborações e indicam
que uma educação com qualidade social deve visar à su-
peração das desigualdades sociais, raciais, de gênero e de
orientação sexual. Os autores defendem o papel da esco-
la como imprescindível na construção de uma sociedade
mais justa e na superação de violações específicas, que le-
vam a marca do machismo, sexismo, homofobia, entre ou-
tros, que tendem a ser naturalizados. Todavia, mesmo com
a constatação de índices de violência alarmantes, apontam
a grande resistência quanto à inclusão destas discussões
em sala de aula -o que pode ser ilustrado pelo fenômeno
da dita “ideologia de gênero”. Esta propaga, na atualidade,
um pânico moral em relação à desconstrução de estereó-

Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 341
promover a formação de um coletivo feminista
tipos ligados ao feminino e masculino; associando, pois, o
questionamento de estruturas opressoras ao fim da família
tradicional e dos valores a ela correspondente.
Portanto, o objetivo geral deste trabalho se alicerçou em
promover condições para a formação de futuros coletivos
feministas na escola, a fim de que, através da atuação orga-
nizada das estudantes em sua realidade, possam-se alcan-
çar mudanças nos aspectos sexistas que permeiam e estru-
turam a vivência das estudantes na dinâmica escolar (e,
por extensão, nos diversos espaços). Assim, como objetivos
específicos, foram traçados: a) debater questões relativas
ao ser mulher na sociedade contemporânea, em específico
na realidade brasileira; b) possibilitar um espaço de escuta
às demandas das jovens estudantes quanto a sua condição
de mulher; e c) criar conjuntamente métodos de auto-or-
ganização das jovens.

DESENVOLVIMENTO
Para alcançar os objetivos elencados, adotou-se como
prática a intervenção psicossocial. Conforme apresenta
Afonso (2011) ao se ancorar em André Lévy, entende-se
que o referencial dessa influência envolve a produção de
conhecimento do grupo-sujeito sobre si mesmo e sobre o
seu contexto com a cooperação de sujeitos-analistas, bem
como a produção de ação sobre o mundo, por meio de es-
colhas dos sujeitos e coletivos sobre como agir no contexto
histórico-social. Assim, a intervenção psicossocial produz

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 342


reflexão ao mesmo tempo em que visa à ação transforma-
dora, aproximando-se do conceito freireano de práxis. Nes-
te sentido, esta proposta metodológica foi adotada devido a
compreensão desta enquanto viabilizadora de transforma-
ções sociais, como também indica Neiva (2010), possibi-
litando a construção de um espaço de reflexão e de auxílio
para as adolescentes, referente especialmente às vivências
das mulheres na sociedade contemporânea.
A proposta foi elaborada como um projeto de estágio su-
pervisionado e apresentado em reunião à coordenação da
referida escola, a qual firmou o acordo para sua realização.
O público-alvo traçado foi estudantes, do sexo feminino,
matriculadas no Ensino Médio de uma escola pública do
sul de Minas1, constituindo, ao final, um grupo compos-
to por cinco integrantes, com idades que variaram entre
14 e 18 anos. Foram realizados seis encontros, sendo eles:
1. apresentação da proposta de intervenção; 2. história do
movimento feminista, suas abordagens e conceitos funda-
mentais; 3. violência contra a mulher; 4. oficina de Tea-
tro do Oprimido; 5. Sexualidade e 6. auto-organização na
escola e encerramento. Além disso, foram realizadas duas
visitas iniciais para a apresentação da proposta para a coor-
denação da escola, que concedeu o estágio.

1 Embora o recorte estabelecido para o público-alvo da intervenção


tenha sido traçado a priori, a situação de campo apresentou o interesse
de um menino trans em participar dos debates feministas propostos,
o que nos levou a uma revisão do recorte anterior para a inclusão de
pessoas trans –uma vez que se compreende as violências as quais está
população está submetida socialmente e as possíveis contribuições do
movimento feminista para a discussão e ação política.

Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 343
promover a formação de um coletivo feminista
Os encontros com o grupo ocorreram na sala de multimí-
dia da referida escola, que foi disponibilizada pela direção,
tendo início às 17h30, após a última aula do período vesper-
tino. Tiveram duração de aproximadamente uma hora cada,
expandindo-se conforme a necessidade e disponibilidade das
participantes. O formato de organização destes baseou- se em
rodas de conversa, com apresentação de conteúdos relativos
aos temas programados e mediação de duas estagiárias.
Como materiais, foram utilizados nos encontros: folhas
A4, questionário, panfletos explicativos da Secretaria de
Promoção Social do município, sobre violência contra a
mulher, cartilha em quadrinhos sobre a lei Maria da Penha,
feita pelo estado de Minas Gerais, bem como entrega de
material informativo organizado pelas interventoras. Ade-
mais, foi criado um grupo no aplicativo WhatsApp para
facilitar a comunicação sobre as datas e horários dos en-
contros entre as participantes e as interventoras.
Os resultados obtidos ao longo dos encontros permea-
ram as temáticas abordadas nos encontros. Assim, os de-
bates acerca do ser mulher na sociedade contemporânea
englobaram experiências das participantes e de colegas,
parentes ou conhecidas, somada a reflexões do contexto
histórico-social patriarcal constituinte da sociedade. As
experiências pessoais relatadas envolveram descrição de
assédio e abuso sexual, enfrentado tanto na rua quanto na
escola, além de vivências relativas aos papeis sociais impos-
tos e diferenciados para “meninos” e “meninas”. Também
discorreram sobre amigas que cresceram em contexto de
violência doméstica, algumas que vivenciaram relaciona-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 344


mentos abusivos e outras que engravidaram na adolescên-
cia. Relataram acerca de familiares e vizinha que sofreram
violência física, abuso sexual por parte de pai de colegas
e fetichização de relacionamento lésbico. Além destas, a
temática do aborto foi inserida nos encontros em diversos
momentos pelas próprias participantes, bem como aspec-
tos relativos a inserção política feminina.
Relataram experiências de assédio, sexismo e machismo por
parte de professores no contexto escolar, em diversas escolas
que estudaram, como nos casos: do professor “ficar olhando
a bunda das meninas”; do professor “impedir de realizar tare-
fas e dar notas baixas por ter escolhido disciplina considerada
masculina”, associada à maior complexidade e incapacidade de
meninas aprenderem, tendo sua capacidade contestada e des-
valorizada por sua condição de fêmea; do professor “não per-
mitir que assistisse aula estando de vestido”; do professor “ficar
vendo vídeo pornográfico durante a aula”; do professor “pedir
que as meninas dessem beijo no rosto dele após atividade de
educação física”; da professora que expôs a estudante que es-
tava grávida, envolvendo julgamento moral. As participantes
questionaram: “todo mundo ali transa, a diferença é que ela
acabou engravidando.” (sic) Relataram também a forma como
a escola lidou com os casos de assédio denunciados, sendo que
em um dos casos apenas houve o afastamento do professor por
alguns meses e em outro demitiu o professor apenas após te-
rem filmado o comportamento do mesmo.
As participantes demonstraram interesse na constituição
do coletivo a partir de falas relativas ao descontentamento pelo
baixo número de participantes na intervenção -frente ao qual se

Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 345
promover a formação de um coletivo feminista
encarregaram de passar nas salas de aula para convidar outras
meninas-, bem como pela sugestão de realização dos encon-
tros em lugares fora da escola quando impedidas de utilizarem
esse espaço no período de greves que permearam o decorrer
desta intervenção. Também foi evidenciado pela pontualidade
com o horário combinado, além da atenção, participação e con-
tribuição com falas ao longo dos encontros. Ainda, no último,
destinado à auto-organização na escola, elencaram os primeiros
passos para a organização do coletivo, discutindo sobre o for-
mato das reuniões e possíveis ações delas, demonstrando preo-
cupação em “descobrir temas de interesse de outras meninas”
a fim de atraí-las para participarem, bem como a necessidade
de explicar “o que é o movimento feminista”, considerando este
tema de pouca compreensão, muitas vezes concebido de uma
maneira divergente da realidade. Além disso, pediram para re-
produzir os materiais entregues pelas interventoras, elencaram
pautas a serem abordadas, estratégias de divulgação e pensa-
ram em uma primeira intervenção para ser realizada.
Atribuíram o interesse em criar o coletivo ao caráter
informativo, descrito no interesse em “repassar ideias”,
“conscientizar” e “informar as pessoas”. Foi associado tam-
bém ao desejo de combater o machismo dentro da escola,
bem como da sociedade. Ainda, identificaram que podem
transformar a sociedade a partir do movimento feminista,
sendo que a maioria indicou o papel do conjunto/união/
coletivo para as transformações. Ao aspecto transformador
foi atribuída especialmente a necessidade das mulheres
defenderem seus direitos e a importância da igualdade de
gênero para além de uma categoria formal.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 346


Assim, o grupo participou de forma ativa nas reflexões, espe-
cialmente por meio do relato de suas experiências e vivências,
entrelaçadas a uma compreensão da estrutura social patriarcal;
demonstraram clareza quanto ao papel do feminismo como
movimento de transformação da estrutura desigual, bem como
o interesse em concretizar a criação de um coletivo feminista
na escola; e estabeleceram uma organização prévia para a cons-
tituição do mesmo, assumindo-se protagonistas das mudanças
e indicando a permanência das discussões no contexto escolar,
que adquire um novo espaço de ensino-aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se que o objetivo geral do trabalho, quanto a
promoção de condições para a formação de futuros coletivos
feministas na escola, foi alcançado, uma vez que pôde ser de-
batido com o grupo, a partir da intervenção psicossocial, tanto
aspectos relativos a estudos feministas, acerca da estrutura
de dominação das mulheres -percebidos, por sua vez, no co-
tidiano das participantes-, quanto formas de auto-organização
na formação de um coletivo feminista inserido no contexto
escolar. Assim, foram contemplados os debates de questões
relativas ao ser mulher na sociedade contemporânea; a cons-
tituição de um espaço de escuta às demandas das jovens es-
tudantes quanto a sua condição de mulher; além da criação
conjunta de métodos de auto-organização das jovens.
Acerca deste último, foi possível perceber a compreen-
são das participantes quanto ao papel do feminismo como
movimento de transformação da estrutura desigual, bem

Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 347
promover a formação de um coletivo feminista
como demonstrado por diversas vezes o interesse em con-
cretizar a criação de um coletivo feminista na escola. As-
sim, percebe-se o desejo das estudantes em assumirem o
papel de protagonistas das mudanças. Neste sentido, fo-
ram capazes de elencar algumas pautas importantes para
serem trabalhadas dentro do contexto escolar, especial-
mente frente ao comportamento de alguns professores.
Entretanto, vale considerar que, para um efeito maior da
intervenção, poderiam ser realizados um maior número de
encontros do grupo, aprofundando os debates e ampliando
as temáticas. Porém, foram enfrentadas dificuldades de or-
dem temporal, decorrentes de greves ocorridas no período
da intervenção. Além disso, aponta-se como sugestão para
novas intervenções neste âmbito, um acompanhamento do
grupo posterior às intervenções, prestando auxílio necessá-
rio, além de maior divulgação do grupo na escola.
Ademais, a construção de um coletivo feminista no con-
texto escolar garante a permanência das discussões acerca da
situação da mulher na sociedade dentro do ambiente da es-
cola e pode servir como uma rede de articulação para eventos
(ciclos de debate, palestras, divulgação de conteúdos, produ-
ções culturais relativas ao feminismo, etc.), de estabelecimen-
to de pautas, ações e reivindicações, entre outras questões
relevantes detectadas pelas participantes. Com isso, preten-
de-se obter a incisão do debate feminista dentro da escola,
protagonizado por essas jovens, seja em sala de aula ou em
articulações extra sala de aula, difundindo informações e pos-
sibilitando transformações graduais da estrutura social a partir
da compreensão e atuação da/na realidade.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 348


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BITTENCOURT, N. A. Movimentos Feministas. Revista In-


SURgência, Brasília, v. 1, n. 1, p. 198-210, 2015. Disponível
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Intervenção psicossocial realizada em uma escola pública para


| 349
promover a formação de um coletivo feminista
Introdução e
demarcação da
Psicologia na escola
através de projetos
pedagógicos
RAILDA WANESSA DE SOUZA SANTOS
Psicóloga clínica, professora da Educação Básica
na Rede Pública Estadual de Minas Gerais. Possui
graduação em Psicologia (FASI) e graduação em
Matemática (UNIMONTES). Especialização em
Matemática (UNIMONTES), pós-graduação em
Mídias na Educação e Didática e Metodologia do
Ensino Superior (UNIMONTES), pós-graduanda
em Neuropsicopedagogia (Faculdade Dom Alberto).
Experiência em docência do ensino fundamental, médio e
superior.
raildawanessa@yahoo.com.br

FERNANDO SOARES DE ALMEIDA


Mestrando em Filosofia, professor da Educação Básica
na rede pública estadual de Minas Gerais. Graduado em
História (Unopar), em Teologia (Faculdade Dehoniana) e
em Filosofia (Faculdade Batista Brasileira). Especialização
em Sociologia (FACEL) e Filosofia (FACIJ). Tem
experiência em docência do Ensino Médio, das
disciplinas de Sociologia e Filosofia.
nandusoares@yahoo.com.br

VALKUÍRIA MIRANDA ANDRADE BRAGA


Graduada em História (UNIMONTES). Professora da
Educação Básica na Rede Pública Estadual de Minas
Gerais.
kirinhaandrade@yahoo.com.br

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 351
escola através de projetos pedagógicos
RESUMO
Este relato refere-se à experiência vivenciada em uma
Escola Estadual localizada no norte de Minas Gerais, no
período de abril a junho de 2018. O projeto Relações: com-
preendendo atitudes e emoções teve como objetivo promover
um espaço de reflexão/conscientização acerca dos temas:
“Amizades e suas influências” (turmas dos 1º anos do En-
sino Fundamental), “autoconhecimento” (2º ano) e “ansie-
dade e perdas” (3º ano). Os temas foram escolhidos a partir
da necessidade de tais diálogos, presente no dia a dia dos
estudantes, especialmente do Ensino Médio, que repre-
senta 84% dos 832 discentes. Muitas definições na vida do
adolescente passam pela vivência escolar e pelas relações ali
estabelecidas, produzindo impactos subjetivos nos sujeitos.
A dinâmica utilizada previu: pesquisa sobre o tema, carac-
terização das salas, inscrição em blog, participação na roda
de conversa com um psicólogo convidado e participação dos
pais/responsáveis em palestra concomitante. O resultado do
projeto surpreendeu pela adesão e envolvimento dos alunos,
qualidade das produções e participação dos pais. Esse foi
auge inédito receber mais de 300 pais. Alunos, pais, psicó-
logos e professores foram convidados a avaliar o projeto de
onde constatou-se uma satisfação unânime pela discussão
dos temas, clima de interação proporcionado a manifestação
do desejo de mais projetos dessa natureza. Pela repercussão
gerada, a escola pretende incluir o projeto no Programa En-
sino Médio Inovador – ProEMI, cujo objetivo é, dentre ou-
tros, promover a formação integral dos estudantes. O projeto
se mostra como uma oportunidade de aproximar psicologia e

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 352


educação, e demonstrar a importância desse profissional no
contexto escolar.
PALAVRAS-CHAVE: educação; vivência escolar; rela-
ções; Psicologia Escolar.

INTRODUÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, é um
dos documentos que estruturam o sistema educacional no
Brasil, incentivam o desenvolvimento de ações que aju-
dem os alunos a dominarem os conhecimentos necessários
para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos,
conscientes de seu papel em nossa sociedade e aptos a en-
frentarem o mundo atual de forma participativa, reflexiva e
autônoma. Para isso, sugere a incorporação de temas trans-
versais1 no trabalho educativo da escola. A relação educativa
é definida de forma ampla abarcando não só a estruturação
escolar com suas especificidades, mas também, as de dentro
da escola se estabelecem: entre os trabalhadores, entre pro-
fessor e aluno, entre aluno e aluno (BRASIL, 1997).
Para Martinelli e Schiavoni (2009), as relações interpes-
soais na escola, isso é ligações estabelecidas entre os ele-

1 Temas Transversais: “O compromisso com a construção da cida-


dania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a
compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em
relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. Nessa perspectiva é que
foram incorporadas como Temas Transversais as questões da Ética, da
Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde e da Orientação
Sexual.”( BRASIL, 1997, p.15).

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 353
escola através de projetos pedagógicos
mentos da comunidade escolar, levam em conta que cada
parte tem suas próprias percepções, uma acerca da outra
e de si mesmas; além disso, essas relações são influencia-
das por variáveis como: raça, grupos sociais, personalidade,
forma de falar e escrever, dentre outros. Leite (2012) es-
tende a ideia dessas influências à questão afetiva, podendo
ela pender para o lado positivo ou negativo, tanto entre os
alunos e a comunidade escolar como em relação aos pro-
gramas a serem estudados. Isto se dá porque as relações
produzem impactos subjetivos no sujeito.
Considerando o aspecto de desenvolvimento dos indi-
víduos, nos quais se distingue as maturidades intelectual,
social, emocional e física, todas relacionadas e interde-
pendentes, é evidente que elas ocorrem com a intrínseca
contribuição do ambiente e, obviamente, a escola funciona
como auxiliadora desse processo pois é nela que o indivíduo
permanece inserido boa parte da vida (PILETTI, 1996). To-
mando a adolescência como um recorte no processo de de-
senvolvimento humano, Papalia e Olds (2000) a apresentam
como um período simultâneo de oportunidades e de riscos.
É uma fase cujo delineamento é marcado por definições na
vida amorosa/sexual, profissional e na adoção de valores nos
quais acreditar e seguir. A individualidade do adolescente,
que está sendo moldada, expressa-se nas suas relações e,
geralmente, eles fazem distinção entre as amizades e os rela-
cionamentos familiares, seja com pais ou irmãos. Além dis-
so, o grupo de amigos com o qual o jovem procura juntar-se,
vai funcionar como um referencial. Determinando aspectos
de seu comportamento assim como vestimentas, vocabulá-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 354


rio, outros. A moral individual que se estabelece vai ser refe-
renciada à moral do grupo. Embora os interesses dele sejam
mutáveis, a estabilidade tende a chegar com a proximidade
da vida adulta (BOCK: FURTADO; TEIXEIRA, 2006).
Analisando o contexto educacional, de acordo com Gu-
tierra (2003), a escola aponta dificuldades no ensino de
adolescentes. Para a autora, a puberdade é pensada como
uma fase de constituição subjetiva; é um tempo de crise, do
ponto de vista da operação psíquica, e de questionamento
da vida adulta. Podem ocorrer acentuadas mudanças nas
relações, às vezes com desinteresse pelo conteúdo formal,
postura desafiadora, situações de indisciplina ou violência,
dentre outras questões, que geram as dificuldades. Para a
autora, é necessário voltar o olhar para esses aspectos e
tentar compreendê-los.
Sendo assim, a escola se apresenta como possibilidade
de um olhar diferenciado; um espaço de trocas, de expe-
riências importantes e de referência cujas contribuições
para a travessia da adolescência ocorra de forma natural e
tranquila. Desta forma, esse projeto se propôs a materiali-
zar esses espaços de reflexão e interação voltados para essa
realidade. O seu desenvolvimento foi justificado por aten-
der uma exigência curricular através da inserção de Temas
Transversais e pela necessidade de acolher uma demanda
social dos estudantes, oferecendo-lhes amparo e favore-
cendo seus processos de maturação e desenvolvimento de
competências, especialmente no autoconhecimento e nas
relações interpessoais.

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 355
escola através de projetos pedagógicos
A roda de conversa foi escolhida como ferramenta por
possibilitar diálogo e escuta, e consequentemente com-
preensão de processos diversos: crenças, valores, percep-
ções, preconceitos, dentre outros. É uma técnica que
permite conhecer a apresentação em comum de um deter-
minado grupo, assim como as diferentes perspectivas sobre
dada questão (GATTI, 2005).
Portanto, nessa perspectiva, o objetivo do projeto foi
proporcionar aos alunos, de acordo com a série, espaço
de reflexão/conscientização acerca dos temas: amizades e
suas influências, autoconhecimento, ansiedade e perdas.
De forma mais específica buscou estimular reflexões so-
bre a vivência pessoal relacionada aos tópicos abordados,
possibilitar uma maior interação e entrosamento entre os
alunos enfatizando o respeito às singularidades; reconhe-
cer a importância de uma convivência saudável nos meios
sociais e fortalecer os vínculos afetivos no contexto escolar.

DESENVOLVIMENTO
A instituição em questão atende um total de 832 estu-
dantes distribuídos em dois turnos -matutino e vespertino.
Dentre os matriculados 84% estão no Ensino Médio e 16%
no Ensino fundamental. Para o desenvolvimento desse
projeto foram determinados tópicos a serem discutidos de
acordo com as séries, ficando da seguinte maneira:
• 1º Ano do Ensino Médio e Ensino Fundamental:
amizades e suas influências;

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 356


• 2º Ano do Ensino Médio: autoconhecimento;
• 3º Ano do Ensino Médio: ansiedade e perdas.
O desenvolvimento da ação incluiu basicamente dois
momentos. No primeiro as ações de preparação composta
de planejamento, levantamento de parceiros profissionais
voluntários -para viabilizar a execução-, inscrição dos alu-
nos no blog da escola -com o objetivo de promover a in-
teração deles com a ferramenta-; pesquisa -por parte dos
alunos- sobre o tema respectivo a sua série sob orientação
de um professor coordenador; socialização do tema em sala
de aula a partir das pesquisas realizadas e textos sugeridos/
disponibilizados aos professores; articulação dos alunos
para caracterização da sala -de acordo com o tema no dia
da roda de conversa; preparação de músicas e peça teatral
por alunos voluntários para apresentação no dia do evento.
No ato da inscrição o estudante deveria informar a
participação ou não dos pais/responsáveis. Um professor
(coordenador) de cada turma foi designado para acompa-
nhar as atividades incentivando e ajudando os alunos na
preparação das salas, na discussão prévia do assunto e na
dinâmica da roda de conversa.
Já no segundo momento ocorreu o ápice do projeto que
se deu da seguinte maneira: recepção e acomodação dos
alunos, finalização das caracterizações das salas e acomo-
dação dos pais; rodas de conversa e palestra simultâneas
-esse momento contou com a participação de 18 profissio-
nais de psicologia trabalhando com os discentes e um coa-
ching falando para os pais sobre o tema família. Os alunos

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 357
escola através de projetos pedagógicos
foram acomodados nas salas de aula e biblioteca enquanto
os pais ficaram na quadra esportiva, da escola. Cada turma
recebeu um psicólogo que explorou o respectivo tema, de
forma livre, incluindo dinâmicas e atividades vivenciais.
Após a roda de conversa houve um intervalo para lanche
e logo em seguida discentes e pais/responsáveis assistiram
juntos a finalização do evento com apresentações artísticas
(músicas, teatro, coreografia) preparadas por grupos de alunos
da escola. A avaliação do projeto se deu pela observação (en-
volvimento nas tarefas, participação oral) e produção escrita,
tendo os professores a liberdade de usarem outros critérios,
desde que atendessem a proposta de trabalho. O resultado
surpreendeu pela adesão/envolvimento, qualidade das produ-
ções e participação dos discentes (64%) e seus pais (300).
Passadas as atividades, alunos, pais, psicólogos e pro-
fessores foram convidados a avaliar o projeto apontando
impressões e aprendizado. Constatou-se uma satisfação
unânime pela discussão dos temas, clima de interação pro-
porcionado e manifestação do desejo de outras ações dessa
natureza. Cabe expor aqui algumas falas que ilustram o
que foi o projeto para cada segmento:
“Nossa! Fico sem palavras para expressar tudo que
aconteceu neste dia; foi tudo maravilhoso, a palestra do
profissional foi ótima, falou muitas coisas boas [...] Tenho
certeza que todos amaram. Espero que possa ter muitos
outros assim.” (sic) -mãe de aluno.
“Fiquei encantada com todo o Projeto. Estive um pou-
quinho em cada sala de aula. Os alunos estavam participa-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 358


tivos e concentrados nas atividades. Os temas foram muito
interessantes. Tive contato com alguns pais que agrade-
ceram e elogiaram o projeto. Muito Bom! Nota 10!” (sic)
professora bibliotecária.

Foi perceptivo como o assunto “autoconhe-


cimento” chamou a atenção dos participan-
tes, haja vista os comentários bem pessoais
demonstrando que houve apropriação do
tema [...]. O nível de participação foi exce-
lente, temperado com o fantástico senso de
humor, próprio dessa idade. Para mim foi
uma experiência incrivelmente positiva.
Que venham outras rodas de conversa! (sic)
(PSICÓLOGA VOLUNTÁRIA)

As falas dos alunos nos mostram que o impacto do tra-


balho se deu em vários aspectos:
Individualmente: “[...] a partir desse dia comecei a pen-
sar mais sobre a minha vida e meus projetos. Acho que
deveria ocorrer mais vezes.” (sic) (Aluna)
Na percepção de mundo (relações fora do contexto es-
pecífico da escola): “Eu gostei muito; essa interação en-
tre escola e família foi ótima, muito agradável. Espero que
mais dias como esse se repitam.” (sic) (Aluno).

Um dos projetos mais incríveis e fasci-


nantes de toda minha vida escolar. O Pro-
jeto trouxe temas de profunda reflexão e
importância para as salas de aula [...] te-
nho certeza que o projeto ajudou as pes-

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 359
escola através de projetos pedagógicos
soas de diferentes formas e espero que a
escola possa repeti-lo mais algumas vezes
e que estudantes de outras escolas tam-
bém possam ter essa grande oportunida-
de.” (sic) (Aluna)

Na relação de uns com os outros: “Eu tive uma expe-


riência incrível! Trouxe medo, nervosismo, mas valeu mui-
to a pena, pois pudemos partilhar alegrias entre nós; gostei
porque foi um sábado dinâmico. [...] podíamos ter mais
coisas assim para partilharmos em equipe, todos juntos.
Adorei!” (sic) (Aluno)
“[...] foi um momento muito legal onde a turma trabalhou
em equipe e dividiu experiências ao longo do projeto. Espero
outros projetos como esse em nossa escola.” (sic) (Aluna)
“[...] uma parte que eu achei muito boa nesse projeto foi
quando todos da sala se uniram para fazer esse dia valer a
pena; outra parte foi o momento em que nossos pais foram
convidados para poder participar junto com todos nós [...].”
(sic) (Aluna)
Na relação familiar:

[...] viemos eu e minha mãe. Tinha mui-


tos pais, fiquei feliz; ainda tem pais res-
ponsáveis que cuidam dos filhos [...] me
fez sair daqui com anseio de mudança.
Foi tão importante pra mim minha mãe
ter vindo, que fez mudar nossa relação em
casa; ouvir dela que gostou, me deixou
aliviada e mais feliz[...]. (sic) (ALUNA)

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 360


Pela repercussão gerada, a escola pretende incluir o projeto
no Programa Ensino Médio Inovador - ProEMI, cujo objetivo
é, dentre outros, promover a formação integral dos estudantes.
Independentemente dessa inclusão, é desejo da instituição
aplicar, novamente, o projeto tendo a visão que é possível e
benéfico implementar, ainda que devagar, uma prática escolar
mais humanizada. Assim, a escola já está se organizando uma
segunda edição do evento, apoiada por projetos como este.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo Spagolla (2009), de modo geral, o desenvol-
vimento da área cognitiva nas escolas é priorizado de forma
que fica uma lacuna na formação do indivíduo. Para ela
há uma relação de influência mútua entre aprendizagem e
afetividade que pode incidir, em diferentes medidas, entre
elas o incremento de uma pessoa.
A autora ressalta em seu artigo a importância da escola
buscar estratégias para inserir atividades voltadas para uma
formação mais equilibrada do indivíduo o que constitui
pensá-la em todas as dimensões, inclusive afetiva e emo-
cionalmente. Isso inclui autoconhecimento, autoestima,
autonomia, equilíbrio emocional, participação da família,
dentre outros (SPAGOLLA, 2009).
Considerando essa perspectiva corroborada nas falas ex-
postas acima, fica evidente o quanto vale o investimento na
aprendizagem sob o aspecto afetivo, relacional, de cooperação
e social. É um aprendizado processual e por isso, torna-se ainda

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 361
escola através de projetos pedagógicos
mais importante, dentro das possibilidades, de dar continuida-
de à construção da cultura afetiva/emocional dentro da escola.
Contudo, essa construção não se dá por si só sendo neces-
sária uma atenção especial na atuação interdisciplinar e no
cultivo de parcerias que possibilitem o atendimento a essas
demandas. O resultado deste trabalho nos dá provas de que a
escola está no caminho certo e que não deve deixar de pensar e
se mobilizar na luta por se equipar de modo mais adequado, es-
pecialmente com a presença efetiva do Psicólogo Escolar, para
que possa realizar um trabalho mais abrangente e contínuo.
Até que isso aconteça plenamente, Educação e Psicolo-
gia vão demarcando território, através de feitos como este, a
fim de assistir à instituição escolar nas suas demandas e ao
mesmo tempo contribuir com o processo de construção sócio
-política dessas áreas. O projeto se mostra então, como uma
oportunidade de aproximar educação e psicologia, e demons-
trar a importância desse profissional no contexto escolar.

REFERÊNCIAS

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T.


Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13.
ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: apresen-


tação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educa-
ção Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 362


pdf> Acesso em: 20 dez. 2018.

GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências


sociais e humanas. Brasília: Liber Livros, 2005.

GUTIERRA, B. C. C. Adolescência, Psicanálise e


Educação: o mestre “possível” de adolescentes. São Pau-
lo: Avercamp, 2003.

LEITE, S. A. S. Afetividade nas práticas pedagógicas. Te-


mas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 20, n. 2, p. 335-
368, dez. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?pid=S1413-389X2012000200006&script=s-
ci_arttext&tlng=en> Acesso em: 20 dez. 2018.

MARTINELLI, S. C.; SCHIAVONI, A. Percepção do aluno


sobre sua interação com o professor e status sociométrico. Estu-
dos de Psicologia, Campinas, v. 26, n. 3, p.327-336, set. 2009.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-166X2009000300006&lng=en&nrm=i-
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PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento Hu-


mano. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

PILETTI, N.. Psicologia Educacional. 14. ed. São Pau-


lo: Editora Ática, 1996.

SPAGOLLA, R. P. Afetividade: por uma educação humani-


zada e humanizadora. Programa de Desenvolvimento Educa-
cional – PDE. Secretaria Estadual da Educação do Paraná. [s.
l.], 2009 Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.
br/portals/pde/arquivos/2343-8.pdf> Acesso em: 28 jan. 2019.

Introdução e demarcação da Psicologia na


| 363
escola através de projetos pedagógicos
Preconceito contra
universitários não-
heterossexuais:
análises de processos
de hierarquização e
inferiorização social
Celso Francisco Tondin
Doutor em Psicologia (PUCRS). Professor do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de São João del-Rei. É membro do Grupo de Pesquisa
Conhecimento, Subjetividade e Práticas Sociais desta
Universidade. celsotondin@ufsj.edu.br

Isabela Saraiva de Queiroz


Doutora em Psicologia Social (UFMG). Professora do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
São João del-Rei. Coordenadora do Núcleo de Estudos
em Gênero, Raça e Direitos Humanos (NEGAH/UFSJ).
isabelasq@ufsj.edu.br

Welligton Magno da Silva


Mestrando em Psicologia (UFSJ). Membro do Núcleo de
Estudos em Gênero, Raça e Direitos Humanos (NEGAH/
UFSJ). welligthon@hotmail.com.br
RESUMO
Este estudo é parte de uma pesquisa de mestrado em
andamento (2018-2020) desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ), que busca compreender como o
preconceito, enquanto mecanismo de manutenção das re-
lações de poder e hierarquização social, atua no contexto da
Universidade, frente à realidade de estudantes não-hete-
rossexuais, tomando gênero enquanto categoria de análise.
Acredita-se que as vivências de preconceito e discrimina-
ção próprias de quem se expressa a partir de sexualidades
não-heterossexuais interferem no processo educativo, nas
relações estabelecidas na Universidade, no desempenho e
motivação acadêmica, e, por consequência, no processo de
subjetivação dos alunos. A metodologia utilizada no estudo
em tela foi um levantamento bibliográfico em bancos de
dados disponíveis na internet - Scielo, Google Acadêmico,
Catálogo de Teses e Dissertações CAPES -, com o objetivo
de identificar referências que discutissem a homofobia ins-
titucional, bem como as violências direcionadas a esta po-
pulação no contexto da Universidade. Espera-se com este
estudo contribua para a transformação da realidade social
e acadêmica de alunos LGBTs, dando sustentabilidade a
ações que visem à garantia de direitos e permanência des-
ses estudantes no Ensino Superior.
PALAVRAS-CHAVE: preconceito; diversidade sexual;
direitos humanos; Ensino Superior.

Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 365
processos de hierarquização e inferiorização social
INTRODUÇÃO
No Brasil, estudos acadêmicos sobre a diversidade se-
xual e violências vivenciadas pelo público LGBTs no âm-
bito das escolas de educação básica vêm sendo desenvolvi-
dos, relacionando a sexualidade e suas várias possibilidades
de expressão às práticas pedagógicas, e problematizando
estes espaços enquanto reprodutores da heteronormativi-
dade hegemônica. Alguns sugerem, por exemplo, modos
de se trabalhar as questões relativas à diversidade sexual
nas escolas tendo como proposta o aprofundamento das
discussões de gênero, diversidades, práticas pedagógicas,
desafios éticos e currículos de formação frente à realidade
da promoção de direitos humanos no contexto da educação
(BICALHO et al., 2014; BORTOLINI et al., 2014).
Outros estudos, no contexto da educação superior, de-
monstram diversos aspectos comuns à realidade de estudan-
tes universitários não-heterossexuais em diferentes regiões do
país em relação à violação de seus direitos. Alguns estudiosos
que trabalham com a temática investigaram, a partir da visão
de estudantes, a realidade do preconceito e homofobia dentro
de campi (PRADO; MARTINS; ROCHA, 2009; MENDES,
2012; UZIEL et al., 2012; NARDI et al., 2013; AGRELLI,
2017). Estes estudos apresentam as instituições de ensino
superior brasileiras como atravessadas pela realidade da ho-
mofobia e do preconceito, materializada em violências (física,
verbal e psicológica) e em produções discursivas que revelam
intolerância, provenientes de professores, funcionários em ge-
ral e dos próprios alunos. Não menos importante, é a omissão
das instituições diante dessas situações.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 366


A intolerância à diversidade sexual pode ser observada
em diversos espaços dentro das unidades educacionais. As
ofensas, humilhações e o preconceito de forma geral são
observados nos alojamentos estudantis, banheiros, diretó-
rios acadêmicos, repúblicas, trotes e festas universitárias,
considerando-se estas últimas como extensões da institui-
ção. Os alunos relatam ainda perseguições em sala de aula
e fora dela, vivências de travestis e transexuais em relação
à realidade do preconceito e discriminação, omissão por
parte das instituições frente aos relatos de homofobia na
Universidade, desconhecimento de serviços de acolhimen-
to institucional e de aparato psicológico oferecido a essa
população (MENDES, 2012; UZIEL et al., 2012; NARDI
et al., 2013; AGRELLI, 2017).
Considerando a Psicologia1 como um campo do conhe-
cimento que tem contribuído com os estudos sobre se-
xualidade e gênero, a pesquisa em andamento questiona:
quais as implicações da homofobia institucional nos pro-
cessos de hierarquização e inferiorização social de homens
gays universitários? Para tanto, o estudo em tela buscou
realizar levantamento bibliográfico com o objetivo de iden-
tificar referências que discutam a homofobia institucional,

1 O Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução nº


01/1999, normatiza a atuação do(a) psicólogo(a) em relação à questão
da orientação sexual, contemplando assim as pessoas não-heterosse-
xuais, e se posiciona favoravelmente à diversidade sexual e contra os
procedimentos ditos de reversão e/ou reorientação sexual. Nesse mes-
mo sentido, no dia 29 de janeiro de 2018, por meio da Resolução nº
001/2018, o mesmo Conselho estabeleceu normas de atuação para
os(as) psicólogos(as) em relação às pessoas transexuais e travestis.

Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 367
processos de hierarquização e inferiorização social
bem como as violências direcionadas a estes homens no
contexto da Universidade, apontando lacunas do conheci-
mento no campo psicológico e possíveis contribuições da
Psicologia no avanço da produção do conhecimento.

DESENVOLVIMENTO
As compreensões em torno da sexualidade humana têm
sofrido transformações ao longo do processo histórico. Se no
século XVII, as questões que atravessavam o sexo não eram
encobertas, a partir do século XIX, na Era Vitoriana, passou
a vigorar um regime rígido em relação aos princípios morais
e, consequentemente, nas questões que permeavam a se-
xualidade. O contexto social e cultural que prevalecia nesse
regime fez com que surgissem mudanças significativas no
que diz respeito às percepções que se tinha sobre o corpo e
suas várias formas de sentir prazer, cujos resquícios podem
ser percebidos ainda hoje (FOUCAULT, 1999).
Ao considerar a sexualidade humana como produto de cons-
truções sociais e históricas, Foucault (1999) exclui a ideia de
uma sexualidade dada ou finalizada, portanto, sendo passível
de transformação. As produções discursivas e práticas em torno
da sexualidade humana, segundo o autor, produzem subjetivi-
dades e seu funcionamento se dá por meio de dispositivos da
sexualidade que assumem formas estratégicas de classificação,
separação, interdição, tendo como principal função responder
às urgências de determinado momento histórico da sociedade,
controlando o que é permitido ser dito ou não.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 368


De acordo com Cassal, Garcia e Bicalho (2011) é “através
de uma difusão de regimes de verdade e olhares sobre o sujei-
to, que a sexualidade torna-se um dispositivo de controle – de
corpos, de modos de existência e de populações” (p. 466),
cujas práticas discursivas e não ditos produzem subjetivida-
des. Não se trata, portanto, de um dispositivo de repressão
sexual, mas de uma “estratégia potente e perversa [...] de ge-
renciamento e controle da produção dos corpos, subjetivida-
des e populações” (p. 466). Potente, porque cada vez mais as
sociedades se sofisticam em relação aos dispositivos discipli-
nadores, ampliando seu poder sobre os modos de existência;
perversa, por produzir formas de experimentação da sexuali-
dade ilegítimas, pretendendo não a sua eliminação, mas sua
manutenção como mecanismos regulatórios das relações de
poder (CASSAL; GARCIA; BICALHO, 2011) e das hierar-
quias sociais e sexuais (PRADO; MACHADO, 2008).
É notório que a população LGBTs tem ganhado maior
visibilidade nas últimas décadas. Grande parte dessa visibi-
lidade é resultado das reivindicações de movimentos sociais,
que vêm a público questionar as relações como estão dadas,
além de publicizar o sofrimento de sujeitos não-heterosse-
xuais. Considera-se esse processo como possibilidade de en-
frentamento aos tipos de violência derivadas do preconceito,
bem como da necessidade que se tem de pensar em estraté-
gias que caminhem em direção à garantia de direitos dessas
pessoas (PRADO; MACHADO; ROCHA, 2009).
Além dos dados levantados pelo governo federal entre
2011 e 2013 relativos às violências homofóbicas pratica-
das no país (BRASIL, 2016), o blog Quem a homotrans-

Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 369
processos de hierarquização e inferiorização social
fobia matou hoje, de responsabilidade do Grupo Gay da
Bahia (GGB), é o único banco de dados sobre homofobia
e transfobia no Brasil. Segundo os relatórios publicados
anualmente por este grupo, o Brasil é o campeão mundial
de crimes contra minorias sexuais, o que ilustra que a vi-
sibilidade conquistada pela população LGBTs não vem
acompanhada da diminuição de violências direcionadas
a não-heterossexuais. Ou seja, embora tenham ganhado
bastante visibilidade nos últimos anos na agenda social e
política do país, ainda assim convivem com o preconceito
homofóbico, “com violações dos direitos sexuais de toda
ordem e com a violência institucional que perpassa todas
as instituições sociais, econômicas e políticas, sem falar
nas educacionais, religiosas e militares” (PRADO; MA-
CHADO, 2008, p. 15).
Pelo fato de constituir-se como possibilidade de movi-
mento emancipatório no processo de construção/produção
do conhecimento e, desse modo, prezar pela formação de
profissionais com consciência crítica em relação às ques-
tões sociais, o espaço acadêmico assume certo protagonis-
mo, juntamente com os movimentos sociais, na discussão
sobre as formas de relacionamento do ser humano com o
mundo, consigo mesmo e com a diversidade de modos de
existir. Portanto, falar sobre experiências não-heterosse-
xuais neste espaço é considerá-lo enquanto lugar potencial
de transformação de realidades individuais e/ou coletivas,
promovendo gradualmente o direito à cidadania, livre de
práticas sociais e educacionais preconceituosas e discrimi-
natórias em relação às pessoas não-heterossexuais.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 370


Na educação superior os estudos demonstram que os ca-
sos de sexismo, homofobia e violência de gênero influenciam
as formas de existência dos sujeitos nos ambientes educacio-
nais. Considerando o preconceito enquanto mecanismo regu-
latório de hierarquias sociais (PRADO; MACHADO, 2008),
o gênero e as questões referentes a ele organizam as relações,
por meio das diversas formas de violência (SMIGAY, 2002).
Nessa perspectiva, acredita-se haver relação direta entre as
violências de gênero praticadas no contexto acadêmico e os
modos como acontecem os relacionamentos interpessoais, a
adaptação, o nível da autoestima, o grau de motivação e o de-
sempenho acadêmico de estudantes homossexuais, a ponto
de poderem vivenciar sofrimento psíquico, serem acometidos
de patologias e até evadirem do curso superior.
Smigay (2002) afirma que são recorrentes os debates
acerca da violência de gênero e orientação sexual em algu-
mas áreas do conhecimento que produzem teorias em di-
ferentes linhas de pesquisas. No entanto, ainda assim, no
Brasil, encontram-se queixas em relação à relativa ausência
de investigações científicas sobre a temática. Em contrapar-
tida, segundo a autora, nos países de língua anglo-saxônica
há uma produção em grande escala, “contemplando os mais
diferentes enfoques sobre o que é esta violência, seu grau
de virulência, sua extensão, seus objetos preferenciais assim
como modelos que visam coibi-la” (p. 32).
Alguns estudos norte-americanos, por exemplo, são per-
tinentes às vivências de pessoas pertencentes à população
LGBT no contexto da Universidade. Como ilustração, cita-se
Sanlo (1998), que elaborou um manual intitulado Working

Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 371
processos de hierarquização e inferiorização social
with lesbian, gay, bisexual, and transgender college students: a
handbook for faculty and administrators, destinado a profissio-
nais que desejam criar espaços acolhedores e seguros para
esta população nos campi. No mesmo sentido, já se encon-
tram produções atualizadas que recomendam a elaboração
de serviços múltiplos e especializados para o atendimento das
demandas de estudantes não-heterossexuais (HARLEY et al.,
2002; BROWN et al., 2004; IVORY, 2005).
Pretende-se, portanto, no projeto em andamento cuja
discussão teórica foi inicialmente apresentada neste en-
saio, compreender como o preconceito atua enquanto me-
canismo de manutenção das relações de poder e de hie-
rarquização social no contexto da Universidade, frente à
realidade de homens gays universitários.

CONCLUSÃO
A Universidade assume certo protagonismo na vida dos
sujeitos que dela participam, uma vez que é parte do seu
processo de subjetivação, além de pretender uma formação
crítica e cidadã dos futuros profissionais a fim de torná-los
aptos a lidar com as múltiplas demandas sociais.
Considerando seu importante papel neste momento da
vida dos indivíduos, as unidades educacionais de ensino su-
perior, do mesmo modo que podem propiciar espaços acolhe-
dores das diferenças, também podem participar diretamente
da produção de mais desigualdade e sofrimento psíquico de-
correntes do modo como os alunos vivenciam sua sexualida-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 372


de. Ou seja, a Universidade é uma instituição ambivalente,
pois ora atua como produtora de desigualdades e violação de
direitos, ora exerce a função de denúncia e enfrentamento a
todo tipo de preconceito, violência e homofobia.
É evidente que estamos vivenciando um período de
retrocesso político e duros ataques aos direitos humanos.
Um exemplo disso é dado por Junqueira (2018), que apon-
ta que muitos países já buscam amparo para interromper
as discussões políticas sobre gênero nas escolas e univer-
sidades. A justificativa para isso é a suposta ausência de
fundamentação científica nas produções em torno dos
estudos de gênero. Resultam dessa ideia estratégias que
objetivam inibir ou impedir a inclusão do tema nas “diretri-
zes educacionais, nos currículos escolares, nas discussões
em sala de aula, nos materiais didáticos, nos acervos das
bibliotecas” (p. 196) e em casos mais extremos “rotinas de
intimidações, violências por meio de assédios e ameaças à
integridade física de pesquisadores” (p. 196).
Em momentos como este, não se posicionar é posicio-
nar-se favoravelmente aos padrões até então hegemônicos,
que colocam a heterossexualidade/heteronormatividade
enquanto dominantes e produzem mais desigualdades. E
nesse contexto, torna-se ainda mais relevante que as ins-
tituições de ensino superior assumam compromisso com
o direito à educação e à educação em direitos humanos
como parte fundamental da garantia, legitimação de direi-
tos e formação cidadã dos acadêmicos.
Este estudo busca, nesse bojo, contribuir para a produção
de deslocamentos nos padrões heteronormativos -que silen-

Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 373
processos de hierarquização e inferiorização social
ciam diariamente as experiências não-heterossexuais, colo-
cando-as em lugares subalternos e de vulnerabilidade- e tam-
bém propor uma reflexão direcionada para a elaboração de
“psicologias e práticas psicológicas de resistência às normas
instituídas” (CASSAL; GARCIA; BICALHO, 2011, p. 472).

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Preconceito contra universitários não-heterossexuais: análises de


| 377
processos de hierarquização e inferiorização social
Protagonismo juvenil
no espaço escolar

Elenice Procópio Araújo


Graduada em Psicologia (UNILESTE) e em Pedagogia
(UFOP), mestranda em Psicologia (UFSJ).
elenicep.araujo@hotmail.com

Marielle Costa Silva


Graduada em Psicologia (UNILESTE). Mestranda
do Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFSJ),
pela linha de pesquisa Instituições, Saúde e Sociedade.
Bolsista de mestrado.
silva.marielle94@gmail.com

Stela Maris Bretas Souza


Professora dos cursos de Psicologia e Pedagogia
(UNILESTE), vice-presidente e conselheira do Conselho
Regional de Psicologia/Minas Gerais, coordenadora
das Comissões de Psicologia Escolar e Educacional
e de Formação Profissional do Conselho Regional de
Psicologia/Minas Gerais, coordenadora estadual da
ABRAPEE.
smbretas@uol.com.br
RESUMO
Este artigo apresenta a primeira parte de uma pesquisa
realizada em uma escola pública de Ipatinga durante o ano de
2017. Nesta parte, foi aplicado questionário para 13 membros
da equipe escolar com o objetivo de compreender a percepção
dos profissionais quanto ao adolescente na sua relação com a
escola e conhecer as formas atuais de participação juvenil.
Os dados foram analisados através da técnica da Análise de
Conteúdo. Os resultados demonstraram que, embora a equi-
pe escolar relacione protagonismo jovem à participação social,
em muitas situações os alunos não participam da elaboração
das ações que realizam. Sugere-se novos trabalhos na área da
Psicologia e Educação envolvendo esta temática.
PALAVRAS-CHAVE: protagonismo juvenil; adolescên-
cia; Psicologia e Educação.

INTRODUÇÃO
O presente artigo faz parte de uma pesquisa realizada
junto ao Curso de Psicologia do Centro Universitário do
Leste de Minas Gerais (UNILESTE), no período de fe-
vereiro a novembro de 2017. Aqui serão apresentados os
resultados referentes à primeira parte desta pesquisa, pro-
duzidos por meio da aplicação de questionários à equipe
escolar de uma escola pública do Vale do Aço-MG com
o objetivo de compreender a percepção dos profissionais
quanto ao adolescente na sua relação com a escola e co-
nhecer as formas atuais de participação juvenil.

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 379


As discussões acerca da juventude brasileira têm sido
alvo de diversas publicações e estudos no campo da Psico-
logia nos últimos anos. Entretanto, percebe-se um maior
enfoque direcionado às situações de vulnerabilidade e
violação de direitos, havendo uma menor quantidade de
pesquisas implicadas em uma perspectiva relacional entre
juventude e espaço escolar, enquanto espaço físico e sim-
bólico de construção de subjetividades e desenvolvimento
de potencialidades.
A literatura aponta uma invisibilidade da juventude na
escola, assim como o protagonismo reduzido desse públi-
co, na medida em que não é escutado em suas demandas
e não participam da construção das práticas escolares a ele
destinadas. Dessa maneira, tal estudo é revestido de um
caráter social e histórico, na interface da Psicologia com
a Educação. Por isso, questiona-se: é possível, a partir de
ações de protagonismo no espaço escolar, o reconhecimen-
to dos adolescentes enquanto sujeitos ativos no processo
educativo? Postula-se que as ações de protagonismo na es-
cola possibilitam aos adolescentes se perceberem autores
legítimos de suas histórias.
Desse modo, para desenvolver a pesquisa em uma pers-
pectiva ativa considerou os adolescentes e a equipe escolar
como coautores desta, houve inicialmente a aplicação de
um questionário semiestruturado à equipe escolar, do qual
este artigo trata e discorre especificamente. Posteriormen-
te, este mesmo estudo trabalhou com uma pesquisa-ação
que desenvolveu dois grupos focais, cinco oficinas emanci-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 380


patórias e um seminário central, sendo estes desenvolvidos
com os adolescentes, além da apresentação dos resultados
à equipe escolar. Estes procedimentos citados anterior-
mente serão apresentados e discutidos no presente texto.
Diante dessa proposta, é necessário traçar um breve
percurso conceitual. Souza (2009), realizando uma sínte-
se das pesquisas sobre protagonismo juvenil entre os anos
de 1985 a 2005, aponta que o termo protagonismo juvenil
começou a circular através do trabalho das organizações do
terceiro setor com a juventude pobre na década de 1990,
passando mais tarde a representar a capacidade intrínseca
de ser ator principal de sua própria história.
Documentos internacionais assinalam a participação do
adolescente como atividade individual, indicando a neces-
sidade do fazer, criando assim uma ilusão do domínio e do
poder. Há também o incentivo ao voluntariado, o que marca
uma transformação do mundo por meio do assistencialismo,
muitas vezes, relacionado ao protagonismo. Esta concepção
torna-se equivocada e alienante, visto que se trata de uma
lógica empresarial, na qual o empreendedor social se con-
funde com a noção de cidadania (SOUZA, 2009).
Nessas concepções, o jovem contribui para sua própria
dominação, fazendo “coisas” isoladamente em uma ideia
de solidariedade quando na realidade o recolhe em uma
sociedade sem garantias. Sobre isso, é possível indicar as
ONG’s que são, muitas vezes, reprodutoras do discurso do
protagonismo, retirando do Estado cada vez mais sua res-
ponsabilidade sobre os direitos básicos (SOUZA, 2009).

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 381


Partindo desta ideia, Ribas Jr. (2004) acredita que o pro-
tagonismo juvenil pode ser uma alternativa a esta situação,
de maneira a promover uma participação mais conscien-
te dos jovens nas atividades e projetos de caráter públi-
co. Aqui, o tema é um compromisso com a democracia, e
a participação toma a dimensão do interesse coletivo, na
qual manifestam opiniões pessoais, intervêm e avaliam os
resultados das ações, em um diálogo permanente.
Vê-se que esta educação voltada ao desenvolvimento do
protagonismo juvenil tem afinidade com a Pedagogia liber-
tadora de Paulo Freire (1996), a qual propõe desenvolver
pessoas para serem sujeitos de sua própria história, trans-
formando a realidade na qual estão inseridas.
Como alternativa à situação atual, Ribas Jr. (2004) traz um
diferencial a proposta de algumas ações na escola que podem
promover o protagonismo juvenil, tais como: discussões de
temas críticos para a cidadania; projetos para promover uma
atmosfera pacífica e solidária; atividades de intercâmbio para
conhecimento de outras realidades; grêmios estudantis; pro-
jetos, ações e práticas para tornar a escola mais segura e res-
peitável; formas criativas para arte e cultura, desestimulando
o vandalismo; formação de grupos de jovens com diversas ati-
vidades; atuação de informação e reflexão sobre os problemas
sociais; formação de educadores para estas ações; envolvi-
mento dos alunos na gestão educacional; outras.
Tais experiências demonstram que é preciso realizar novas
pesquisas na escola, pois essa apresenta papel fundamental
na construção das subjetividades e proporciona espaço para
a convivência com a alteridade, sendo que ações devem ser

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 382


realizadas para contribuir com a valorização da diversidade,
assim como garantir a visibilidade e escuta dos adolescentes.

DESENVOLVIMENTO
Os participantes foram a equipe escolar -11 professores,
um vice-diretor e uma pedagoga- de uma escola pública de
Ipatinga-MG. Todos eles aderiram voluntariamente, ou seja,
foram envolvidos todos os interessados pelo estudo. A es-
cola onde a pesquisa foi desenvolvida abrange um público
diverso, constituindo em torno de 2.095 alunos, distribuídos
nas etapas do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), Ensino
Médio (1º ao 3º ano) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O instrumento adotado foi um questionário semiestrutura-
do, o qual foi aplicado coletivamente em um mesmo dia, mas
respondido individualmente. A pesquisa composta por um
roteiro com cinco questões, sendo estas: identificação com
inicial do nome, sexo, idade; percepção do adolescente con-
temporâneo e sua relação com a escola; o que você conhece
em relação ao protagonismo juvenil; ações de protagonismo
desenvolvidas pela escola; e sugestões de outras ações para
ampliar o protagonismo jovem. Para que tais profissionais par-
ticipassem, foi necessário que concordassem e assinassem o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O tratamento dos dados obtidos foi realizado por meio
de uma análise qualitativa, baseada na técnica da Análise de
Conteúdo, proposta por Bardin (1995). Assim, as respostas
aos questionários foram categorizadas conforme abaixo:

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 383


TABELA 1 - PERCEPÇÃO SOBRE O ADOLESCENTE
E SUA RELAÇÃO COM A ESCOLA
Respostas Frequência Absoluta
Desinteressado 5
Outros 1
4
Grande influência de uso das
2
tecnologias
Diversidade de comportamentos
2
e realidades dos alunos

Fonte: Dados da pesquisa.

Através desse retorno, foi possível perceber que a res-


posta mais frequente (cinco) da equipe escolar concebe os
adolescentes enquanto desinteressados. No entanto, o uso
deste adjetivo demonstra que os profissionais apresentam
uma concepção estigmatizante acerca da adolescência.
Tais percepções caminham ao encontro do proposto por
Silva e Lopes (2009), evidenciando as visões socialmente
enraizadas ao compreender a puberdade como uma fase
naturalizada e composta por problemas inerentes a esta.
Na categoria “outros”, quatro profissionais indicaram res-
postas diferentes dos demais, como: a ausência de um projeto
futuro por parte dos adolescentes; percepções de que ao longo
do tempo há poucas transformações no contexto escolar; con-
cepção dos adolescentes em apresentar uma relação proble-
mática com a escola, sugerindo-se maior ênfase nas obrigações
dos alunos e a consideração acerca do papel da educação, que
engloba aspectos para além da escola, de maneira a considerar
o processo de desenvolvimento juvenil para a vida mais ampla.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 384


Dois participantes apontaram ainda a tecnologia como
parte da vida juvenil no contexto escolar e outros dois refe-
riram que os adolescentes apresentam comportamentos e
realidades distintas em relação à escola, citando três con-
cepções: escola como ascensão, exigência da família e au-
sência de sentido. Assim, vê-se a necessidade de se pensar
um aspecto discutido por Tomazetti et al. (2011), quando
afirmam que, no cotidiano, os adolescentes são chamados
ao protagonismo da cultura digital, mas na escola pede-
se imobilidade e silêncio. Ou seja, a instituição de ensino
percebe a influência da tecnologia no desenvolvimento dos
jovens, entretanto, a equipe pedagógica não se movimenta/
orienta para se apropriar deste ponto na prática docente.
Em relação à categoria “conhecimento sobre o protago-
nismo juvenil” as respostas foram descritas na tabela a seguir:

TABELA 2 - CONHECIMENTO SOBRE PROTAGO-


NISMO JUVENIL
Respostas Frequência Absoluta
Participação social 7
Outros 2 4
Pouco/Nada 2

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota-se o predomínio de visões relacionadas ao prota-


gonismo juvenil e à participação social (sete), sendo que
nesta categoria foram englobadas: participação no proces-
so educacional; liderança; democracia e escola. As visões
da equipe escolar estão de fato ancoradas nos conceitos de

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 385


protagonismo juvenil explanados por Souza (2009), vincu-
ladas à concepção do jovem ser ator principal da própria
história e também relacionado ao conceito de participação
consciente dele nas atividades de caráter público e coleti-
vo, também discutido por Ribas Jr. (2004).
Na categoria “outros” (quatro), foram apontadas as se-
guintes visões sobre o termo: ação ativa na sociedade; maior
interesse pelos estudos; jovem como ator principal da pró-
pria vida e participação desvinculada das transformações
sociais. Percebe-se também que os participantes da equipe
escolar (dois) pouco ou nada sabem sobre o tema.
Sobre a categoria “ações de protagonismo desenvolvidas
pela escola” foram coletadas as respostas descritas na ta-
bela a seguir:

TABELA 3 - AÇÕES DE PROTAGONISMO JUVE-


NIL DESENVOLVIDAS PELA ESCOLA1
Frequência
Ações
Absoluta
Participação na gestão escolar 8
Líder de turma 7
Atividades culturais 5
Metodologias diversificadas 3
Temas transversais 3
Esportes 2

Fonte: Dados da pesquisa.

1 Alguns profissionais apresentaram mais de uma ação em suas


respostas.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 386


Através deste conjunto, pode ser visto o destaque da
equipe (oito) para a participação na gestão escolar, a qual
engloba o grêmio e colegiado como principais ações de pro-
tagonismo desenvolvidas na instituição, seguida pela lide-
rança de turma (sete). Em seguida, nota-se o apontamento
de atividades culturais (cinco), metodologias diversificadas
(três), temas transversais (três) e esportes (dois).
Ribas Jr. (2004) evoca a necessidade de problematizar
estes dados, uma vez que é possível haver participação
social desvinculada de desenvolvimento social, ou seja, o
fato de a escola indicar que apresenta ações direcionadas
ao protagonismo não implica diretamente em participação
efetiva dos adolescentes nos processos escolares e educa-
cionais. Pois, em muitas situações, os estudantes não são
escutados sobre as possibilidades de ação, ademais é pos-
sível que os adolescentes executem ações solicitadas pela
escola, sem participar de sua elaboração.
Na última divisão denominada “sugestões para desen-
volvimento do protagonismo na escola” observou-se as res-
postas descritas na tabela a seguir:

TABELA 4 – SUGESTÕES PARA DESENVOLVIMEN-


TO DO PROTAGONISMO JUVENIL
Ações Frequência Absoluta
Promovidas pela escola 7
Direcionadas aos alunos 5
Direcionadas aos professores 1

Fonte: Dados da pesquisa.

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 387


As sugestões mencionadas em maior quantidade (sete)
referem-se a ações a serem promovidas pela escola: inter-
câmbio escolar, grêmio, monitoria e liderança de turma;
ações vinculadas à assistência social, projetos de valori-
zação pessoal e individual dos discentes, efetivação das
ações existentes e propostas de leitura, teatro, esporte,
assembleia e jornal. Já a categoria de propostas de ações
direcionadas aos alunos (cinco), foram apontadas: foco nos
deveres juvenis, escuta, motivação e orientação aos alu-
nos, maior envolvimento com as famílias dos mesmos, de
maneira a desenvolver autonomia e participação política,
conforme apontado por Silva e Lopes (2009) ao conceber
as juventudes contextualizadas e com caráter psicossocial.
Diante das sugestões da equipe escolar, percebe-se que
embora os profissionais apresentem consciência da re-
levância atribuída às instâncias públicas, como a escola,
na garantia de direitos, cidadania e proteção integral aos
adolescentes, não são desenvolvidas estratégias de imple-
mentação das ações pensadas. Apenas uma proposta foi
direcionada aos professores, no sentido de indicar maior
capacitação docente e maior investimento de recursos fi-
nanceiros para melhoria da escola. Ribas Jr. (2004) e Araú-
jo e Souza (2016) também sugerem ações semelhantes
àquelas apontadas pelos participantes deste estudo, enfati-
zando o revestimento de tais propostas de um caráter cole-
tivo, político e emancipatório, em detrimento de aspectos
individuais e pontuais.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 388


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados observados por meio dos ques-
tionários, percebe-se a efetivação de ações que afugentam
o protagonismo no cotidiano da escola. Com a equipe es-
colar viu-se certo conhecimento a respeito do jovem como
protagonismo da sua história, porém, poucas ações volta-
das à sua estimulação dentro do espaço escolar. A proposta
de trabalho da pesquisa teve como uma limitação o curto
prazo para sua realização, por ser um projeto de conclusão
de curso, a escuta dos educadores, de forma mais partici-
pativa, ficou impossibilitadas.
Sugere-se para posteriores trabalhos, a instrumentaliza-
ção dos professores visando trabalhem essas questões em
seus currículos e metodologias, de maneira a escutar os
adolescentes na elaboração das atividades escolares. Espe-
ra-se que este trabalho contribua para o desenvolvimento
de novos estudos e práticas na área da Psicologia e Edu-
cação, metodologias mais abertas e interativas podem ser
adotas no espaço da escola pública, no sentido de conside-
rar os adolescentes sujeitos sociais ativos na construção de
suas demandas e de suas histórias, a fim de fomentar novas
intervenções direcionadas ao protagonismo juvenil.

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Protagonismo juvenil no espaço escolar | 389


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_______________________________________________
(Footnotes)
1 A categoria “outros” se refere a quatro respostas diferentes evoca-
das por quatro participantes.
2 A categoria “outros” se refere a quatro respostas diferentes evoca-
das por quatro participantes.

Protagonismo juvenil no espaço escolar | 391


Psicologia e
educação: atuação
de psicólogos
na mesorregião
do campo das
vertentes
Celso Francisco Tondin
Doutor em Psicologia. Professor adjunto do
Departamento de Psicologia da UFSJ, na graduação e no
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. É membro
do Grupo de Pesquisa: Conhecimento, subjetividade e
práticas sociais desta Universidade.
celsotondin@ufsj.edu.br

Deruchette Danire
Henriques Magalhães
Graduanda em Psicologia (UFSJ). Bolsista de Iniciação
Científica na área de Psicologia Escolar e Educacional.
deruchettedhm3@gmail.com

Deborah Rosária Barbosa


Professora adjunta do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em
Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP).
deborahbarbosa@ufmg.br

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 393
na mesorregião do campo das vertentes
Luiza de Castro Moniz
Graduanda em Psicologia (UFMG). Bolsista de Iniciação
Científica, desenvolvendo pesquisas na área de Psicologia
Escolar e Educacional.
luizacmoniz@gmail.com

Renato Batista da Silva


Graduando em Psicologia (UFMG), cursando formação
complementar em Pedagogia – Organização da Educação
– e formação transversal em Inclusão e Acessibilidade.
Participa da Comissão de Psicologia Escolar e Educacional
do Conselho Regional de Psicologia/Minas Gerais.
acaixadorenato@gmail.com

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 394


RESUMO
Este trabalho apresenta e analisa dados relativos à primeira
etapa de uma pesquisa cujo objetivo é conhecer as práticas de
psicólogos na interface com a Educação junto ao serviço pú-
blico na mesorregião mineira do Campo das Vertentes. Esta
etapa corresponde ao georreferenciamento dos profissionais.
De um total de 34 cidades que compõem esta região, foram
obtidas informações de 23, onde atuam 50 psicólogos, dos
quais 30 estão lotados na saúde, 11 na assistência social, cin-
co na educação e quatro em nenhuma secretaria específica.
Infere-se que nas cidades mapeadas as queixas escolares são
predominantemente atendidas no Sistema Único de Assis-
tência Social (SUAS) e no Sistema Único de Saúde (SUS) e,
assim, questiona-se como se dá o acolhimento dessa deman-
da. Estariam estas queixas sendo atendidas pelo psicólogo
com base no modelo clínico, como foram tratadas hegemo-
nicamente no decorrer da história? Afirma-se a importância
de se constituir uma prática coerente com o contexto no qual
este profissional está inserido, esteja ele atuando no SUS ou
no SUAS, o que implica no atendimento das demandas espe-
cíficas atinentes aos equipamentos que compõem estes sis-
temas. No entanto, argumenta-se que os psicólogos devem
articular sua prática às demandas de cunho educativo que lá
recebem, atuando de modo contextualizado a fim de não indi-
vidualizá-las e nem patologizá-las. Conclui-se que há espaço
para o crescimento de intervenções no campo da Psicologia
Educacional e Escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar; psicólogo es-
colar; psicologia e educação.

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 395
na mesorregião do campo das vertentes
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta e analisa dados relativos
à primeira etapa de uma pesquisa que objetiva conhe-
cer as práticas de psicólogos na interface com a Educa-
ção junto ao serviço público na mesorregião mineira do
Campo das Vertentes. Trata-se de um recorte de uma in-
vestigação que também abrange a Região Metropolitana
de Belo Horizonte e visa conhecer a história as práticas
e analisar os desafios enfrentados pelos profissionais da
psicologia educacional e escolar no âmbito das políticas
públicas, em Minas Gerais. Outras duas regiões deste es-
tado também estão se agregando ao estudo.
Entende-se que a história das práticas em Psicologia
Educacional e Escolar em Minas Gerais esteve em conso-
nância com outros movimentos notados em outros estados
do país. Destacam-se as práticas realizadas a partir de 1930,
com a criação da Escola de Aperfeiçoamento de Professo-
res, localizada em Belo Horizonte, instituída a partir das
contribuições de Claparède (1873-1940), Theodore Simon
(1873-1961), Leon Walther (1889-1963) e principalmente
Helena Antipoff (1892-1974) (BARBOSA, 2011).
O trabalho tinha como enfoque a realização de estudos
com as crianças atendidas e buscava-se entender o con-
texto cultural e psicossocial as quais estavam inseridas,
caracterizando-se como um movimento de resistência à
patologização e uma nova tendência de práticas no âmbi-
to da educação que influenciaram não só o estado minei-
ro, mas todo o país (CAMPOS, 2003; BARBOSA, 2011).

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 396


Ao longo dos anos e com a regulamentação da Psico-
logia como profissão em 1962, nota-se uma modificação
acerca da visão e a função da Psicologia e da Educação
no país com a criação de novas frentes de atuação ligando
a Psicologia às áreas da saúde e da educação (CAMPOS;
JUCÁ, 2006; MARINHO-ARAÚJO, 2010). De acordo
com Carvalho e Marinho-Araújo (2010), esses anos são
caracterizados também pelo surgimento de críticas do pa-
pel do psicólogo dentro do contexto da educação, princi-
palmente no final da década de 1970.
Em 1970, a Lei nº 5.692/71 (Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação) promoveu uma ampliação do sistema
educacional à medida que a escolaridade foi se tornando
“obrigatória e gratuita” (BARBOSA; MARINHO-ARAÚ-
JO, 2010, p. 395), provocando diversas alterações no
contexto escolar. O aluno, por sua vez, era considerado
como aquele que precisava melhorar seu “problema” no-
meado de fracasso para se tornar um estudante “curado”
e livre para alcançar o “sucesso” (PATTO, 1999). Resul-
tou-se assim, em uma Psicologia detentora do poder de
diagnosticar e, também, curar as queixas escolares com o
foco no discente (KUPFER, 2004).
A literatura científica produzida a partir de 1990 é
composta por muitas publicações acerca da história da
Psicologia Escolar desde o século XX e aponta a neces-
sidade de alteração de práticas como as citadas anterior-
mente. Os estudos de Guzzo (2005) e Souza (2004), por
exemplo, indicam a produção de obras que privilegiam
a adoção de uma tendência mais crítica amparada nas

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 397
na mesorregião do campo das vertentes
questões sociais e que abandona a concepção positivista
e medicalizante; e também inferem a necessidade do psi-
cólogo escolar ser considerado como membro efetivo do
contexto educacional e, por fim, a obrigação das atuali-
zações deste profissional de acordo com a organização da
sociedade (CARVALHO; MARINHO-ARAÚJO, 2010).
No que se refere à atuação da Psicologia Escolar no
cenário brasileiro contemporâneo, há divergências entre
os estados do país. Enquanto há estados que oferecem a
atuação de psicólogos escolares em equipes multidisci-
plinares para a rede pública, em outros, nas palavras de
Cruces (2006, p. 28), ainda é possível encontrar “práticas
avaliadoras e classificatórias” e vários psicólogos ainda são
“cobrados para desempenhar este papel em grande parte
das instituições educacionais”.
A presença desse profissional na rede pública de edu-
cação brasileira ainda é escassa. Ao se considerar o núme-
ro de profissionais lotados nas secretarias de educação e
as condições de inserção e atuação efetivas nesse campo.
É possível notar os aspectos dificultadores e empecilhos
para a atuação deles. Enfim, mesmo alguns municípios
brasileiros apresentando em seu quadro de funcionários
psicólogos que atuam diretamente nas secretarias de edu-
cação, sabe-se que sua permanência é desafiadora (BAR-
BOSA; MARINHO-ARAÚJO, 2010).

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 398


DESENVOLVIMENTO
O georreferenciamento dos psicólogos foi realizado jun-
to às prefeituras das 34 cidades da mesorregião mineira do
Campo das Vertentes1, a partir de um instrumento com-
posto pelos seguintes itens: 1) quantos(as) psicólogos(as)
estão trabalhando atualmente na prefeitura, 2) quais os no-
mes do(as) psicólogos(as), 3) qual(quais) cargo(s) ocupam
e 4) a qual secretaria pertencem (lotação).
Os contatos iniciaram-se por meio de ligação telefônica
às secretarias de educação, quando eram apresentados o
objetivo, os procedimentos e os cuidados éticos da pesqui-
sa. Esse primeiro procedimento não foi bem-sucedido ba-
sicamente por dois motivos: pelo fato de não se conseguir
falar com os funcionários que tinham as informações ou
pela alegação de não poder fornecer os dados por “questão
de sigilo”. Nessa etapa, apenas duas cidades disponibiliza-
ram as informações solicitadas.
Num segundo momento foi utilizado o correio eletrôni-
co, por meio do qual foram enviados ao endereço eletrôni-
co geral de cada prefeitura a Carta de Apresentação da
Pesquisa, a Carta de Anuência da Instituição e o Termo de

1 Composta pelos seguintes municípios: Carrancas, Ijaci, Ingaí,


Itumirim, Itutinga, Lavras, Luminárias, Nepomuceno, Ribeirão Ver-
melho, Conceição da Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Dores
do Campo, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, Nazareno, Pie-
dade do Rio Grande, Prados, Rezende Cibertiogosta, Ritápolis, Santa
Cruz de Minas, Santana do Garambéu, São João del-Rei, São Tiago,
Tiradentes, Alfredo Vasconcelos, Antônio Carlos, Barbacena, Barroso,
Capela Nova, Carnaíba, Carandaí, Desterro do Melo, Ibertioga, Res-
saquinha, Santa Bárbara do Turgúrio e Senhora dos Remédios.

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 399
na mesorregião do campo das vertentes
Consentimento Livre e Esclarecido. Nessa etapa, quatro
cidades responderam ao instrumento.
Num terceiro momento, foi feita uma publicação numa
rede social solicitando a colaboração dos membros de um
grupo que reúne docentes, discentes e profissionais da Psi-
cologia. Os tais são residentes na região pesquisada. Tam-
bém foi solicitada a informação da existência de psicólo-
go diretamente com pessoas conhecidas. A partir dessas
indicações foram contatados os responsáveis em diversos
órgãos públicos. Nessa etapa, foram obtidas informações
de mais 11 municípios (sete pela rede social e quatro dire-
tamente com pessoas conhecidas).
Num quarto momento, foi realizada uma rodada de liga-
ções telefônicas aos gabinetes dos prefeitos, os quais tam-
bém ficou prejudicada pelo fato de em geral os atendentes
afirmarem não poder darem a informação ou que quem po-
dia fazê-lo não se encontrava no local. Por fim, foi realiza-
da ligações telefônicas para diversos órgãos públicos ainda
não contatados (secretarias de gestão, recursos humanos,
desenvolvimento pessoal, assistência social e saúde).
Ao final de todo esse processo, foi possível conversar
com funcionários públicos de 29 das 34 cidades da região
(85,3%). Portanto, com cinco delas (14,7%) não foi possí-
vel contato algum mesmo depois de todos os meios utili-
zados. Das cidades contatadas, seis nunca deram retorno
efetivo, sendo assim, foram obtidos dados de 23 cidades,
o que representa 67,6% do total da região. Ressalva-se que
um dos municípios não respondeu ao item dois (nomes

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 400


dos profissionais), baseado em “protocolos que negavam o
acesso a informações pessoais dos psicólogos.” (sic)
O georreferenciamento englobou 50 psicólogos, lotados
nas secretarias de educação, saúde ou assistência social.
Destes, 30 (60%) estão na secretaria de saúde; 11 (22%) na
secretaria de assistência social; cinco na secretaria de edu-
cação (10%), sendo duas psicólogas em uma cidade, outras
duas em cidades diferentes e em uma outra foi informado
que o cargo existe, porém não está ocupado por ainda não
ter ocorrido concurso público; e quatro (8%) que atendem
“demandas gerais da população” e “não pertencem a ne-
nhuma secretaria”.
Para analisar o baixo número de psicólogos escolares,
recorre-se às contribuições da Psicologia Escolar de ver-
tente crítica. Almeida e Marinho-Araújo (2005, p. 86) de-
fendem a exigência da “práxis contextualizada e referenda-
da no mundo do trabalho por pressupostos que permitam
uma compreensão dialética da relação entre indivíduos,
enquanto sujeitos de sua história, e o contexto sociocul-
tural.” No entanto, apesar de serem vastos os estudos in-
dicadores dos modelos de atuação à contribuição para o
desenvolvimento de ações profissionais e a consolidação da
Psicologia Escolar, ainda não é possível afirmar que exista
uma prática contextualizada junto às queixas escolares a
qual possa ser vista como consolidada e difundida.
Ao considerar o fato de que 60% dos psicólogos mapeados
atuam no contexto de saúde e apenas 8% serem psicólogos
escolares, coloca-se em análise a produção das queixas esco-

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 401
na mesorregião do campo das vertentes
lares: quem as atende nas cidades pesquisadas? Como esta
demanda é atendida? De acordo com Souza (1993), o psicólo-
go, quando atua na saúde, não é capaz de compreender clara-
mente as razões que levaram o aluno a ser encaminhado para
o atendimento psicológico. Além disso, a autora afirma que
em algumas ocasiões, “durante o processo de psicodiagnós-
tico, as mães trazem informações da escola dizendo que seu
filho havia deslanchado no aprendizado sem terem qualquer
dado ainda por parte do psicólogo qualquer dado mais con-
creto a respeito das causas da problemática dessas crianças,
apontadas pela escola” (p. 270). Pode-se afirmar, assim, que
tais fatores somados a vários outros, como a atribuição, pelos
psicólogos, de possíveis causas emocionais aos problemas es-
colares, têm revelado o seu desconhecimento a respeito da
escola de onde vêm essas crianças e o que se passa em seu
interior (SOUZA, 1993; CABRAL; SAWAIA, 2001).
Nesse contexto de atendimento das queixas escolares
pela saúde encontra-se no cerne dos desafios enfrentados
pelos psicólogos e, principalmente, de onde deriva sua difi-
culdade de pensar e oferecer alternativas de trabalho con-
dizentes com as necessidades e características da popula-
ção. O ato de elaborar formas de atuação mais ampliadas,
para além daquelas tradicionalmente aprendidas durante
sua formação acadêmica, aponta, muitas vezes, o privilégio
do modelo clínico individual, patologizante, culpabilizante
e adaptacionista (CABRAL; SAWAIA, 2001).
Os estudos mostram que é desse modelo de formação que
decorre uma tendência de trabalho dos psicólogos baseados
no padrão hegemônico de atuação clínica, os quais têm sido

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 402


realizados em equipamentos do SUS, como unidades bási-
cas de saúde, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e do
SUAS. Esses não são passíveis de tal prática, gerando assim
uma intervenção inadequada e descontextualizada. Resultan-
do no uso maciço de técnicas psicoterápicas, as quais são to-
madas como o único instrumento de trabalho do psicólogo e
“como portadoras de um valor intrínseco, independentemente
de onde e com quem são utilizados” (DIMENSTEIN, 1998,
p. 74). Por isso, quando as queixas escolares são recebidas em
equipamentos da saúde e da assistência social elas não são
analisadas como produção do campo escolar e educacional
e, assim, não são atendidas com estratégias que envolvam os
atores e instituições deste campo, mas sim como produção
individual (aluno) a ser tratada por meio de psicoterapia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atualidade, há uma proposta de trabalho que argu-
menta pela integração de todos os agentes sociais. Almeida
e Marinho-Araújo (2005) indicam tal atuação como pensa-
da a partir da compreensão dialética da relação entre todos
que atuam direta ou indiretamente, seja enquanto sujeitos
ou a partir da interação sociocultural -assim como propôs
Helena Antipoff no século XX- para que se dê foco nas po-
tencialidades dos atores contribuírem com a construção de
uma educação saudável, justa e que atenda às demandas
de todos os envolvidos nesse processo (CAMPOS, 2003;
BARBOSA, 2011).

Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 403
na mesorregião do campo das vertentes
O pequeno número de profissionais psicólogos que aten-
dem queixas escolares no próprio campo da educação é uma
realidade na região pesquisada. Isso não parece ser muito di-
ferente no restante do estado de Minas Gerais e no país como
um todo, cuja forma de atuação está centrada no aluno. O tra-
balho interdisciplinar e em rede torna-se uma alternativa para
o desenvolvimento de ações junto aos educadores (profissio-
nais e familiares) e profissionais de outras áreas que propicia a
criação de espaços de diálogos para que os problemas, queixas
e questões escolares sejam atendidas, vivenciadas, problema-
tizadas e, sobretudo, compartilhadas, visando uma interlocu-
ção e uma solução para o aluno e o contexto de produção das
queixas (MEDEIROS; AQUINO, 2011).
Assim, ao se inferir que as cidades mapeadas atendem
as queixas escolares em contextos diversos, as políticas
públicas de educação, assistência social e saúde e suas
legislações, serviços e programas, deveriam ser constituí-
das como contextos de referência de atuação para os psi-
cólogos independentemente de onde estejam trabalhando,
como afirmam Tondin e Schott (2013). No entanto, “não
é possível discutir a atuação dos profissionais em rede sem
pensar os atravessamentos e transversalidades destas polí-
ticas no cotidiano, sob pena de individualizarmos as refle-
xões, culpabilizando ou responsabilizando exclusivamente
os profissionais” (TONDIN; SCHOTT, 2013, p. 15).
Por último, faz-se a indicação de que a presença do psi-
cólogo seja instituída nas secretarias de educação. Por isso,
almeja-se a aprovação do Projeto de Lei nº 3688/2000 em tra-
mitação no Congresso Nacional. Esse dispõe sobre a inserção

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 404


do assistente social e do psicólogo nas escolas públicas. O
trabalho destes profissionais possibilitaria uma atenção espe-
cífica às queixas escolares e movimentaria as redes de prote-
ção social em um trabalho interprofissional e intersetorial.

REFERÊNCIAS

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Psicologia e educação: atuação de psicólogos


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Psicologia e educação: atuação de psicólogos


| 407
na mesorregião do campo das vertentes
Relato de intervenção
em Psicologia Escolar
Institucional

Marielle Costa Silva


Graduada em Psicologia (UNILESTE). Mestranda em
Psicologia (UFSJ). silva.marielle94@gmail.com

Regina Lúcia de Souza


Graduada em Psicologia e Mestre em Psicologia (UFES).
Docente do Centro Universitário do Leste de Minas
Gerais (UNILESTE).
reginalucia.souza@gmail.com
RESUMO
Esta intervenção desenvolveu-se a partir do Estágio em
Psicologia Escolar Institucional, no 10º período de Psico-
logia do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais
(UNILESTE). Objetivou-se intervir em uma escola públi-
ca de Ipatinga-MG, visando compreender e analisar ques-
tões de ensino-aprendizagem, de acordo com o contexto
desta instituição. Na primeira etapa, foram realizadas cin-
co visitas à escola para construção do mapeamento insti-
tucional, de maneira a escutar as demandas e desenvolver
observações em uma turma do 5º ano, no que diz respeito à
relação professor-aluno e entre pares. No segundo momen-
to, foram realizados cinco encontros individuais funda-
mentados nos Procedimentos de Avaliação e Intervenção
das Queixas Escolares - PAIQUE, por meio de observações
e entrevistas livres com duas participantes: a professora da
turma acompanhada e a coordenadora, a fim de propiciar
espaços reflexivos acerca de suas práticas profissionais. Ao
longo do trabalho, foram desenvolvidas devolutivas sobre
o processo interventivo. Perceberam-se experiências cris-
talizadas, baseadas em discursos moralizantes e punitivos,
muitas vezes, desconsideravam os aspectos contextuais,
socioeconômicos e históricos da vida dos alunos. Os resul-
tados alcançados foram positivos, no sentido de promover
momentos de ressignificação das relações escolares, assim
como transformações acerca da forma como a instituição
aborda o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) e suas relações com possíveis pro-
cessos de medicalização dos alunos. Conclui-se que ainda

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 409


há desafios para a valorização do profissional de Psicolo-
gia neste espaço e sugerem-se outras intervenções nesse
sentido, a fim de problematizar as relações e promover a
oxigenação dos discursos, práticas e significados.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar Institucional;
queixa escolar; medicalização.

INTRODUÇÃO
O presente relato foi desenvolvido como conclusão do
Estágio Específico em Psicologia Escolar Institucional, no
10º período de Psicologia do Centro Universitário do Les-
te de Minas Gerais (UNILESTE), no período de agosto a
dezembro de 2017.
Segundo Marinho-Araujo (2014), a interface entre a Psi-
cologia e Educação foi marcada por um histórico de concep-
ções deterministas e adaptacionistas, de forma a atender aos
interesses hegemônicos das estruturas capitalistas de poder.
Com a ampliação do sistema educacional brasileiro, a partir
de 1960, a demanda por serviços de atendimento psicológi-
co aos alunos também aumentou, sendo que nesse cenário
a figura da(o) psicóloga(o) escolar ou educacional começou
a ser constituir, porém ainda de maneira incipiente, em uma
perspectiva individualizante a qual, muitas vezes, desconsi-
derava questões sociais e contextuais significativas.
Sass (2003) também aponta a influência significativa da
Psicologia no campo educacional, na medida em que hou-
ve uma tardia emergência do indivíduo enquanto categoria

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 410


social ao longo da história dessa ciência. Dessa maneira, o
autor tece críticas ao psicologismo, definido como a redu-
ção dos fenômenos sociais e políticos à esfera individual da
subjetividade, havendo-se o risco de atribuir exclusivamen-
te ao indivíduo os seus fracassos ou sucessos, de forma a
responsabilizá-lo de maneira isolada e descontextualizada.
Além disso, historicamente o trabalho da Psicologia
Escolar se pautou em promover o atendimento às queixas
escolares, de forma a buscar o ajustamento às normas e
condutas consideradas condizentes com o padrão social es-
tabelecido, constituindo-se em práticas até mesmo puniti-
vas e excludentes. A partir de 1980, houve transformações
importantes no cenário nacional, o que também impulsio-
nou mudanças nas produções e práticas da Psicologia, ao
enfocar os fatores histórico-culturais na produção da sub-
jetividade (MARINHO-ARAUJO, 2014).
Essas problematizações articuladas no campo da educa-
ção escolar, conduzem ao que Patto (1990) já anunciava,
concebendo a escola enquanto mecanismo seletivo que
legitima a lógica da meritocracia individual. Esse discur-
so ainda se apresenta fortalecido na instituição escolar,
ao afirmar que todos os alunos apresentam uma suposta
igualdade no acesso às condições, pressuposto que omite
as desigualdades sociais atravessadas e produzidas no do-
mínio escolar. Se a escola acredita que oferece oportunida-
des iguais para todos(as), também individualiza o fracasso
escolar, pois ao invés de conceber que o sistema escolar é
desigual, pressupõe que o próprio aluno é o único respon-
sável por seu desempenho.

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 411


Nesse sentido, Marinho-Araujo e Almeida (2014) pro-
põem que as ações do psicólogo no espaço da escola pro-
movam a oxigenação dos discursos a partir de uma ótica
coletiva e institucional. Desse modo, a investigação acerca
dos conflitos e influências institucionais, das concepções
docentes sobre a educação e seu próprio trabalho, bem
como dos processos da gestão escolar, podem produzir po-
tências de transformação no campo.
Assim, a intervenção adotada neste trabalho se embasou
nos Procedimentos de Avaliação e Intervenção das Quei-
xas Escolares - PAIQUE, proposto por Neves e Almeida
(2003), como forma de promover mudanças nas práticas
dos psicólogos escolares e de compreensão dos fenômenos
escolares. O início das ações interventivas se dá a nível
institucional com os professores e profissionais da gestão
institucional, sendo que pode ser necessário estender ao
nível da família para promover o desenvolvimento dos alu-
nos. As ações diretas com os estudantes serão promovidas
caso as anteriores não possibilitem elucidação das queixas.
Nota-se não haver um modelo pronto a ser seguido, mas a
construção de diferentes formas de atuar conforme cada
situação (NEVES, 2011). Neste trabalho, a intervenção
foi construída em conjunto apenas com uma professora e
coordenadora pedagógica, devido ao tempo disponível para
o desenvolvimento do estágio.
Dessa forma, a perspectiva deste relato caminha ao en-
contro de uma Psicologia Escolar crítica, que considera a
escola um campo complexo e multifacetado, marcado por
tensões, desigualdades e desafios, mas também possibili-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 412


dades de encontros e transformação de concepções e prá-
ticas. Assim, o objetivo do trabalho foi intervir institucio-
nalmente em uma escola pública de Ipatinga-MG, visando
compreender e analisar questões de ensino-aprendizagem,
de acordo com o contexto desta instituição, em conjunto
com os atores escolares. Os objetivos específicos foram:
desenvolver o mapeamento institucional nesta escola; ela-
borar proposta de intervenção de acordo com as percepções
observadas; realizar período de observação de turma do 5º
ano; atuar junto à professora e coordenadora desta turma
acompanhada; realizar devolutiva em relação à intervenção
e produzir relatório científico sobre a intervenção.

DESENVOLVIMENTO
O período de duração do estágio foi de agosto a de-
zembro de 2017. Nesse sentido, foram realizadas visi-
tas iniciais a uma escola pública de Ipatinga/MG para
estabelecer contato e apresentar a proposta de estágio.
Inicialmente, realizou-se a etapa de mapeamento institu-
cional, por meio de cinco visitas, a fim de compreender
as relações institucionais, bem como a organização dos
espaços físicos escolares. Após esta etapa, iniciou-se a in-
tervenção via Procedimentos de Avaliação e Intervenção
das Queixas Escolares – PAIQUE. Essa se deu em cinco
intervenções na escola com a professora de uma turma do
5º ano e a respectiva coordenadora pedagógica, através de
observações em sala de aula e demais espaços de aprendi-
zagem e entrevistas livres.

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 413


Sabe-se da relevância da realização do mapeamento insti-
tucional, conforme apontado por Marinho-Araujo e Almeida
(2014), uma vez que se busca embasamento para a com-
preensão da realidade, de maneira que o psicólogo possa
investigar e analisar a instituição escolar, evidenciando as
contradições presentes no processo educativo de ensino
-aprendizagem, a fim de propiciar espaços reflexivos os quais
contribuam para redirecionar as práticas profissionais.
Por meio desta etapa do mapeamento institucional, pô-
de-se concluir que algumas práticas observadas apresentam
discursos moralizantes, religiosos e punitivos, desconsideran-
do a realidade e o contexto socioeconômico em que muitas
crianças vivem. Além disso, foi observado um discurso que
expressa uma relação direta e linear, de forma a se desconsi-
derar a multiplicidade de relações entre os fenômenos sociais
e escolares, no sentido de compreender as singularidades do
contexto, bem como delinear e planejar intervenções que
perpassem pelos múltiplos fatores que se inter-relacionam e
incluam a interdisciplinaridade entre Psicologia e Educação.
A primeira intervenção desenvolveu-se a partir da aula de
ciências. Durante essa notou-se que o tema do desenvolvi-
mento do corpo humano despertou muito interesse nos alu-
nos, no entanto a professora evitou as perguntas deles sobre
o tema da sexualidade, atribuindo essa responsabilidade de
forma exclusiva à família. Em relação à abordagem da se-
xualidade no campo da escola, Figueiró (2004) indica que o
tema está presente no cotidiano escolar a partir de conteúdos
formais, bem como de experiências informais cotidianas que
surgem nesse espaço. Ressalta também a importância da par-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 414


ticipação ativa do educando no processo de ensino-aprendi-
zagem, como sujeito que constrói conhecimentos e vivências
e deve ser legitimado em suas falas e posições autônomas. A
autora também revela as políticas públicas escolares preconi-
zadas pelo trabalho da diversidade humana no campo escolar,
o que inclui temas transversais, como a sexualidade.
Logo após o término da aula, houve uma reunião individual
com a professora, para iniciar o momento de devolutiva sobre
o mapeamento e a aula observada, para escutar suas percep-
ções e problematizar as questões observadas. A docente apon-
tou que, na sua trajetória na escola pública, ela concebe que
as crianças em sua maioria não têm um apoio significativo da
família, sendo que muitas estão em situação de vulnerabili-
dade social. Desta forma um grande número de crianças e
adolescentes não se apropriam dos conteúdos transmitidos,
apesar de permanecerem um longo tempo nas escolas. Ela
relatou dedicar-se para que, mesmo com poucos recursos, os
estudantes possam aprender os conteúdos com qualidade.
Na segunda intervenção, a turma estava envolvida na
organização da apresentação das turmas do 5º ano para as
famílias, no evento intitulado “Chocolate com letrinhas”.
Nesse foi perceber que as famílias chegaram após o in-
tervalo e foram se assentando nas cadeiras organizadas na
quadra da escola. Notou-se ainda a ausência dos familiares
de dois alunos da turma do 5º ano acompanhada. Ao tér-
mino das apresentações musicais e de dança, os alunos fo-
ram ao encontro de suas famílias para o lanche preparado,
porém os dois alunos mencionados ficaram sozinhos pela
escola e não participaram em conjunto com os demais.

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 415


Na terceira intervenção, foi realizado novo encontro com a
docente, em que se pôde escutá-la e pontuar as questões anali-
sadas no evento. Percebeu-se que a intervenção com os alunos
mencionados se tem dado pela via medicamentosa, pautada
em um suposto diagnóstico de Transtorno do Déficit de Aten-
ção e Hiperatividade (TDAH). Foi apontado à professora que,
no campo da Psicologia e Educação, há vários estudos que in-
vestigam o uso de medicamentos por crianças, sendo que em
vários casos pode ocorrer um processo de medicalização da vida
cotidiana e o remédio não ser de fato necessário, além dos efei-
tos colaterais envolvidos. Segundo Meira (2012), a adoção de
uma perspectiva patologizante acarreta na atribuição de causas
biológicas aos problemas de aprendizagem, o que exime o pa-
pel desempenhado pela escola. Esse discurso enfoca uma visão
individualista, uma vez que ressalta um problema ou doença
presente no indivíduo em detrimento do contexto socioeconô-
mico e práticas do meio escolar e familiar, bem como as demais
relações sociais. Foi discutido sobre outras possibilidades de
intervenção nesse contexto, que não incluísse apenas o medi-
camento ou, em casos em que o mesmo fosse preciso, quais
outras áreas poderiam estar articuladas.
Na quarta intervenção, foi oportunizado um momento
de devolutiva e escuta à coordenadora, nesse pontuou-se
a respeito do possível processo de medicalização, que é
objeto de estudo e de práticas no campo da Psicologia e
Educação. Também foi apontado sobre os efeitos colate-
rais do medicamento utilizado por alguns alunos da escola
diante do diagnóstico de TDAH, esclarecendo sobre a rele-
vância de uma nova intervenção que não se desenvolvesse

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 416


apenas pela via do medicamento. A partir dessas interven-
ções, a coordenadora demonstrou passar a considerar que
os professores são mediadores eficazes junto aos alunos
nas questões do processo ensino-aprendizagem, em vez
de enfocar as questões biológicas individualizadas as quei-
xas escolares. Nesse mesmo sentido, Meira (2012) ainda
critica o fato da criança, ser diagnosticada, e excluída da
apropriação escolar, sendo aprisionada em um rótulo que
limita sua capacidade plena de desenvolvimento, pautado
fundamentalmente no diagnóstico de um problema neu-
rológico e não nas responsabilidades da escola, sendo esse
um terreno fértil para a medicalização.
A quinta e última intervenção objetivou finalizar o está-
gio, por meio da devolutiva que englobou as questões prin-
cipais que se destacaram ao longo do processo, como os
aspectos ligados à medicalização, relações professor-aluno,
consideração dos pontos sociais ao invés da atribuição de
causas individuais e biológicas etc. A coordenadora e profes-
sora agradeceram pelas considerações realizadas e pontua-
ram a abertura da escola para a continuidade do trabalho.
Percebeu-se que a intervenção em campo possibilitou um
espaço de fortalecimento de suas potencialidades e de pro-
blematização das vivências, visando à sua ressignificação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho possibilitou um espaço para desenvolver
os conhecimentos teóricos adquiridos ao longo da forma-

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 417


ção em Psicologia Escolar Institucional em uma escola pú-
blica. Quanto aos participantes, conclui-se que houve o
início de um processo de intervenção com a docente e a
coordenadora, no sentido de otimizar as práticas profissio-
nais e refletir sobre os processos institucionais escolares.
Assim, problematizou-se a respeito da medicalização em
direção a uma maior compreensão do papel da escola na
vida cotidiana, nos aspectos sociais, relacionais e subjeti-
vos entre os pares (alunos) e com a equipe escolar.
Apesar dos objetivos alcançados, apontam-se também as
limitações desta intervenção, como o número reduzido de
encontros, não possibilitando um maior engajamento na rea-
lidade contextual específica da escola. Sugere-se o desenvol-
vimento de outros trabalhos no campo teórico-metodológico,
de forma que considere os aspectos sociais, políticos e histó-
ricos envolvidos, com a possibilidade de avançar nas demais
etapas do PAIQUE, com maior período de tempo em campo.

REFERÊNCIAS

FIGUEIRÓ, M. N. D. Educação sexual: como ensinar


no espaço da escola. Revista Linhas, Florianópolis, v. 7, n.
1, p. 1-21, 2006. Disponível em: <http://www.periodicos.
udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1323/1132>.
Acesso em: 28 jan. 2019.

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ampliação crítica e política da atuação em Psicologia Es-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 418


colar. In: GUZZO, R. S. L. (Org.). Psicologia Escolar:
desafios e bastidores na educação pública . Campinas: Alí-
nea, 2014. p. 153-175.

MARINHO-ARAÚJO, C. M.; ALMEIDA, S. F. C. Psico-


logia Escolar: construção e consolidação da identidade
profissional. Campinas: Alínea, 2014.

MEIRA, M. E. M. Para uma crítica da medicalização na


educação. Psicologia Escolar e Educacional, Marin-
gá, v. 16, n. 1, p. 135-142, jan./jun. 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1413-85572012000100014>. Acesso em: 28 jan. 2019.

NEVES, M. M. B. J.; ALMEIDA, S. F. C. A atuação da


Psicologia Escolar no atendimento aos alunos encaminha-
dos com queixas escolares. In: ALMEIDA, S.F. C. (Org.).
Psicologia Escolar: ética e competências na formação e
atuação profissional. Campinas: Alínea, 2003. p. 83-103.

NEVES, M. M .B .J. Queixas escolares: conceituação, discus-


são e modelos de atuação. In: GUZZO, R. S. L.; MARINHO
-ARAUJO, C. M. (Org.). Psicologia Escolar: identificando
e superando barreiras. Campinas: Alínea, 2011. p. 175-214.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histó-


rias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

SASS, O. Problemas da educação: o caso da psicopedago-


gia. Educação e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, p.
1363-1373, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/es/v24n85/a13v2485.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2019.

Relato de intervenção em Psicologia Escolar Institucional | 419


Relato de intervenção
escolar: prevenção da
violência no contexto
educacional
Paolla Magioni Santini
Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia (UFSCar).
Professora da PUC-Minas-Poços de Caldas. Membro do
GT-ANPEPP “Tecnologia Social e Inovação: Intervenções
psicológicas e práticas forenses contra a violência”. Atua
na área de promoção de saúde mental e prevenção da
violência familiar e escolar. 
paollams@gmail.com

Maria Rita da Silveira Crescêncio


Graduada em Psicologia (PUC-Minas Poços de Caldas).
Atua na área clínica.
mariarcrescencio@gmail.com

Isabela Alves Generoso


Graduada em Psicologia (PUC-Minas Poços de Caldas).
isabela_ag20@gmail.com

Lucas Affonso Furlan Ennes


Graduado em Psicologia (PUC-Minas Poços de Caldas).
lucas.nnnn@hotmail;
RESUMO
O projeto teve como objetivo desempenhar ações que in-
centivassem a prevenção da violência no contexto escolar. A
intervenção ocorreu como atividade integrante do estágio obri-
gatório, realizado pelos alunos do referido curso. Participaram
do projeto alunos e professores de uma escola municipal lo-
calizada no município de Poços de Caldas, entre maio e abril
de 2018. Participaram 25 alunos do 4º ano do Ensino Fun-
damental, 10 professores e a diretora. Foram realizados cinco
encontros com os alunos e a professora da sala, e dois encon-
tros em grupo com os professores do Ensino Fundamental.
As intervenções em geral foram avaliadas como positi-
vas. Em sala de aula, os alunos participaram das atividades
contribuindo para as discussões sobre violência. Com os
professores, os encontros foram considerados proveitosos,
sendo um momento no qual foi possível refletir e identifi-
car questões que poderiam passar despercebidas em seu
cotidiano escolar. Desse modo, conclui-se que as ações
executadas na escola contribuíram para a compreensão,
dos alunos, sobre o tema violência escolar e para a reflexão
da atuação dos profissionais na unidade institucional.
PALAVRAS-CHAVE: violência; prevenção; escola; alu-
nos; professores.

INTRODUÇÃO
A escola é um ambiente social que contempla diversas
relações. Nele, as crianças e os adultos passam por inúme-

Relato de intervenção escolar: prevenção da


| 421
violência no contexto educacional
ras formas de construção, permeadas pela educação for-
mal, a qual ocorre de forma estruturada e em local deter-
minado. É na escola que as relações vão se solidificando,
desde a relação professor e aluno, até todos os funcioná-
rios e os estudantes. A instituição escolar é um lugar onde
acontece a promoção de princípios e aprendizagens, esses
são passados direta ou indiretamente, e produzem efeitos
nas relações interpessoais. Em meio aos diversos ensina-
mentos provenientes deste ambiente estruturado, como
alfabetização, construção de conteúdo, preparação para
exames, entre outros, a troca interativa entre os indivíduos
se molda de acordo com a dinâmica inserida.
Neste contexto, é comum ocorrer situações de violên-
cia, podendo atingir todos os atores escolares. O que se-
gundo Stelko-Pereira e Williams (2013) envolve:

[...] todos os que nela convivem, ou seja,


abrange relações entre alunos, alunos
funcionários, alunos e pais de alunos,
pais de alunos e funcionário. [...] A vio-
lência na escola pode, também, envolver
pessoas externas à instituição e sem en-
volvimento com os que dela participam,
como quando alguém invade a escola
para roubar materiais [...] (p. 22).

Considerando a violência como um fenômeno abrangente,


é necessário analisar as relações envolvidas e compreender as
suas práticas no ambiente escolar. Nesse sentido, a violência
se apresenta de cinco formas: física, psicológica, sexual, patri-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 422


monial ou material e a negligência diante dessas situações. A
violência física envolve ações que atingem a integridade cor-
poral da pessoa; a psicológica causa danos à saúde mental do
sujeito; a sexual são atos contra a sexualidade do ser; a negli-
gência consiste na omissão aos cuidados básicos do indivíduo;
e a contra o patrimônio são as atitudes de vandalismo nas es-
truturas físicas da escola (STELKO-PEREIRA; WILLIAMS,
2013). Vale ressaltar que tais tipos de violência não são exclu-
dentes, pois uma determinada ação pode incluir tantos efeitos
psicológicos quanto físicos, sexuais e patrimoniais.
Devido à importância social da escola, fica evidente a ne-
cessidade de analisar a violência e intervir para promover
boas relações em tal contexto. A intervenção deve ser pen-
sada de forma a colaborar com um clima escolar que atente
para o bem-estar de todos os indivíduos que ali circulam.
O trabalho da(o) psicóloga(o) diante deste cenário vai ao
encontro da promoção de práticas e atividades que possam
trabalhar de forma integral a prevenção e/ou a diminuição
da violência, quando detectada. Tal processo pode ocorrer
de variadas maneiras, envolvendo todos os participantes do
contexto educacional e promovendo a reflexão por meio de
discussões que compreendam a problemática diagnosticada.
É necessário desenvolver estratégias que contemplem todos
os tipos de violências nas diversas situações, compreendidas
e vivenciadas pelos integrantes da instituição escolar. Ao se
pensar em estratégias universais a alunos, é necessário in-
tegrá-los no planejamento, ou seja, abrir um espaço de dis-
cussão, reflexão, debate e troca de opiniões, tanto para os
acontecimentos quanto para os estabelecimentos das regras.

Relato de intervenção escolar: prevenção da


| 423
violência no contexto educacional
Para reportarem situações de violência, é
necessário que os estudantes saibam iden-
tificar exatamente o que são situações de
violência, reconhecendo seus direitos e
deveres; e também tenham a segurança do
sigilo e do contato confidencial com as ví-
timas. (ALBUQUERQUE; STELKO-PE-
REIRA; WILLIAMS, 2013, p. 138).

A intervenção proposta pelos estagiários do Curso de


Psicologia da PUC Minas, campus Poços de Caldas, teve
como objetivo desenvolver uma intervenção para a preven-
ção da violência na escola e desenvolver formas e meios de
diminuir sua frequência. Os encontros foram conduzidos
no sentido de fomentar a discussão e a reflexão acerca do
assunto, por meio de diversas atividades lúdicas, de modo
que ao final da ação o clima escolar pudesse ser melhorado
a partir das relações de convivência entre todos.

DESENVOLVIMENTO
A intervenção ocorreu como atividade integrante do es-
tágio obrigatório, realizado pelos alunos do referido curso.
Participaram do projeto alunos e professores de uma esco-
la municipal localizada no município de Poços de Caldas,
entre maio e abril de 2018. Participaram 25 alunos do 4º
ano do Ensino Fundamental, 10 professores e a diretora.
Foram realizados cinco encontros com os alunos e a profes-
sora da sala, e dois encontros em grupo com os professores
do Ensino Fundamental.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 424


Os encontros ministrados pelos estagiários, acontece-
ram e foram supervisionados semanalmente. No primei-
ro propôs-se uma dinâmica em que palavras referentes ao
conceito de violência como: bater, xingar, jogar objetos,
ofender, entre outras foram distribuídas em formas de
cartões e também foram mostradas imagens, para que as
crianças dissessem o que é ou não violência e o porquê.
Posteriormente foi feita uma discussão sobre as palavras,
conversando a partir de exemplos para que os infantes en-
tenderem o que é e como se propaga a violência na escola.
No segundo encontro foi levado um jogo criado pelos
estagiários composto por tabuleiro, pares de cartas refe-
rentes a ações que os participantes deveriam fazer e uma
lista com consequências de cada ação. No tabuleiro eram
expostas cenas que retratavam a diversidade, por exemplo:
um menino que faz uso de cadeira de rodas que precisa de
ajuda para atravessar a rua, uma menina com dislexia que
precisa de ajuda para escrever um texto, entre outras. As
cartas com as ações foram distribuídas em pares, conten-
do duas opções, uma com resposta negativa e outra posi-
tiva. Por exemplo: para a situação do menino cadeirante, a
criança deveria ignorar a situação ou ajudá-lo a atravessar
a rua. Ao sorteara carta, o infante então veria qual ação
tomar. A lista de consequência referia-se à ação executada,
se fosse uma ação negativa a consequência também seria
negativa, o mesmo valia para o ato positiva. As crianças
foram divididas em cinco grupos de cinco pessoas. Estas
deviam jogar o dado e analisar em qual cena estava posicio-
nado de acordo com as casas andadas. Os times deveriam

Relato de intervenção escolar: prevenção da


| 425
violência no contexto educacional
escolher uma carta que iria conduzir qual ação deveria ser
feita. Após a escolha, o grupo leu para a sala toda, e, em se-
guida, foi apresentada a consequência referente à ação. Ao
final, ganhou a equipe que se aproximou ou atingiu a linha
de chegada. O jogo se encerrou com outra partida, ocorrida
de modo aleatório, no qual cada criança falava livremente
qual atitude tomaria em determinada situação.
No terceiro encontro foi proposta a atividade de confec-
ção de um cartaz com uma frase ou palavras que remetiam
à educação para a paz. Seguindo a orientação de criar de-
senhos e palavras que expressavam maneiras de se ter boa
convivência na escola, nas brincadeiras e em casa. Os alu-
nos trabalharam em equipes e criaram juntos os cartazes,
com o propósito de tornar as reflexões mais concretas.
No quarto encontro as crianças realizaram uma apre-
sentação utilizando os cartazes confeccionados na semana
anterior. Cada grupo apresentou seu respectivo anúncio,
contando o que significava cada palavra e/ou desenho.
No quinto e último encontro foi realizada uma atividade
de teatro, sendo a sala dividida em três equipes. Cada estagiá-
rio ficou responsável por um grupo para auxiliar na produção
da peça. O teatro foi baseado em situações que haviam sido
expostas até o momento, considerando a temática e atitudes
positivas diante da violência. Os grupos foram escolhidos de
forma aleatória, de modo a ficarem heterogêneos. Depois de
cada aluno identificar sua equipe, foi para um canto da sala.
Eles utilizaram cerca de 30 minutos para montarem sua en-
cenação. Durante o processo de produção, os estagiários su-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 426


geriam várias ideias aos seus grupos. Após o período de ensaio
todos sentaram-se para assistir as representações. Cada grupo
apresentou uma situação diferente em que ocorria compor-
tamentos de exclusão e bullying, sendo posteriormente feita
uma discussão a respeito de cada apresentação.
Já no primeiro encontro com professores, os estagiários
propuseram uma roda de conversa, para abordar o tema
“violência na escola”. Em um primeiro momento os esta-
giários apresentaram o projeto, explicando os objetivos e as
atividades já realizadas. Em seguida iniciaram uma breve
apresentação sobre os diversos tipos de violência, sendo
eles: violência psicológica, física, sexual e patrimonial. Pos-
teriormente foi feita uma exposição dos principais tópicos
resultantes da “Pesquisa de clima escolar” feita pela Se-
cretária de Educação da cidade de Poços de Caldas, e por
último abriu-se espaço para debate sobre os principais pro-
blemas identificados pelos docentes no contexto escolar.
No segundo encontro foi programada uma atividade vi-
sando discutir estratégias positivas utilizadas em sala de aula
pelos educadores para promoção de boa convivência, bem
como refletir sobre algumas afirmações de senso comum,
naturalizadas acerca da violência escolar. Neste encontro a
diretora da escola esteve presente também. Alguns profes-
sores relataram que era necessário sempre estar pensando
em novas estratégias, e normalmente uma somente não era
eficaz para a sala toda. Houve troca de experiências -alguns
docentes relataram as estratégias individuais que tomavam
frente à violência. O destaque foi para o professor de ma-
temática, que disse fazer uma roda de conversa com seus

Relato de intervenção escolar: prevenção da


| 427
violência no contexto educacional
alunos sempre que necessário embasado no tema “função
do aluno”, discutindo com eles quais papéis estes deveriam
exercer, visto que, para ele, os jovens “não sabem o que é ser
aluno.” (sic) Este mesmo educador afirmou que essa estra-
tégia tem funcionado e aproximado os alunos, até mesmo
aqueles que não estão comprometidos com as tarefas.
Em resumo, os resultados das intervenções em sala de
aula se mostraram positivas, pois os alunos se engajaram nas
atividades, participando e contribuindo para as discussões
sobre violência. Diante das discussões e trabalhos realiza-
dos, foi possível observar que as crianças participantes com-
preendem a necessidade de respeitar o colega e que estavam
bem informadas sobre os tipos de violência e as consequên-
cias que estas podem causar na vida do infante que a sofre.
Nos encontros com os professores a mesma temática foi
permeada por questionamentos, surgindo interesse em com-
preender as razões pelas quais as crianças e adolescentes
praticam estes comportamentos com bastante frequência.
A partir de alguns relatos pôde ser identificado a percep-
ção dos professores de alguns comportamentos como “falta
de educação gratuita” por parte dos alunos, sendo que esta
ocorre “sem motivo e por prazer”. A queixa mais destacada
dos professores referiu-se à ausência dos pais em relação aos
exercícios na escola, considerando-os distantes do ambiente
escolar, e dessa forma comprometendo o desempenho do
estudante. Os professores concordaram que o ambiente
familiar é determinante no comportamento dos discentes,
sendo que uma das dificuldades observadas consiste no diá-
logo com os pais. Os docentes também relataram que a

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 428


pesquisa de clima escolar os auxiliaram nas reflexões para
a atuação profissional. Avaliaram os encontros realizados
como proveitosos, incluindo um momento no qual foi pos-
sível refletir e identificar questões que possam passar des-
percebidas em seu cotidiano escolar. Todos os professores
concordaram que haveria necessidade da continuidade de
novas intervenções semelhantes no semestre seguinte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho alcançou o objetivo proposto de de-
senvolver uma intervenção para a prevenção da violência na
escola. Foi possível notar que as atividades promoveram dis-
cussões entre alunos e professores, contribuindo para a com-
preensão do fenômeno da violência escolar e para reflexão so-
bre como aprimorar a convivência de todos, a fim de promover
uma cultura de paz nesse contexto. Futuras intervenções com
tal propósito poderiam incluir atividades de interação entre
professores e alunos, além de incluir encontros com a família
para orientação de práticas parentais positivas. A promoção
do diálogo entre os familiares e os integrantes do ambiente
escolar será de grande apoio na abordagem do assunto.
As crianças e os adolescentes têm o direito de serem
protegidos contra a violência, e nesse sentido a escola deve
ser um espaço que promova ações preventivas, seja no âm-
bito das convivências e até mesmo nos seus conteúdos pro-
gramáticos, incluindo a responsabilização de todos nesse
processo: alunos, professores, gestores e familiares.

Relato de intervenção escolar: prevenção da


| 429
violência no contexto educacional
REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, P. P.; STELKO-PEREIRA, A. C.;


WILLIAMS, L. C. A. Intervenções na escola como um
todo. In: STELKO-PEREIRA, A. C.; WILLIAMS, L. C. A.
(Org.). Violência nota zero: como aprimorar as relações
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STELKO-PEREIRA, A. C.; WILLIAMS, L. C. A. Como


eu defino violência na escola? In: STELKO-PEREIRA, A.
C.; WILLIAMS, L. C. A. (Org.). Violência nota zero:
como aprimorar as relações na escola. São Carlos, SP:
EdUFSCar, 2013. p. 18-26.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 430


Resiliência e clima
familiar: avaliação
cognitiva de
adolescentes em uma
escola

Rosimar Conceição Rodrigues


Graduada em Psicologia (UEMG)
roserodriguesrcr@gmail.com

Letícia Maia Amaral


Graduada em Psicologia (UEMG)
leticiamaia796@gmail.com

Ronaldo Santhiago Bonfim de Souza


Doutorando em Psicologia: Cognição e Comportamento
(UFMG), mestre em Psicologia do Desenvolvimento
Humano (UFMG), formação clínica em Psicoterapia
Cognitivo-comportamental (Instituto WP).  
santhiagosouza@yahoo.com.br.
RESUMO
O relato refere-se ao estágio realizado no 5º período do
Curso de Psicologia da Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG), campus de Divinópolis. Baseou-se no
projeto “Avaliações cognitivas dos fatores de risco e pro-
teção em adolescente, na região do centro-oeste mineiro”,
objetivando avaliar uma amostra de alunos entre 12 e 17
anos de uma escola estadual (93 estudantes participaram
voluntariamente por meio de Termo de Consentimento
Livre Esclarecido – TCLE - assinado pelos pais/respon-
sáveis); e realizar intervenções após os dados coletados, os
quais seriam analisados posteriormente. Foram utilizados
como instrumento a Escala Resiliência e o Inventário do
Clima Familiar. A coleta de dados ocorreu de maio a ju-
nho de 2016. Ao final, alguns alunos disseram ter mais di-
ficuldades para responder a Escala Resiliência, diante da
compreensão de algumas perguntas semelhantes que de-
notavam sentido diferente. No geral, alegaram que as ativi-
dades foram “legais” para repensar, tentar melhorar alguns
aspectos, conhecer melhor a si mesmos e suas famílias. O
estágio na abordagem cognitiva aprimorou nossa perspecti-
va quanto à avaliação psicológica, culminando a percepção
de que não se trata meramente de aplicações de testes,
sendo apenas um dos instrumentos para a realização de
um conjunto de possibilidades de ferramentas iniciais para
uma construção terapêutica, constituída desde o primeiro
contato com o paciente. Foi relevante perceber as repre-
sentações de cada adolescente cogitando variadas interpre-
tações e valores atribuídos a diferentes eventos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 432


PALAVRAS-CHAVE: resiliência; relação familiar;
adolescente.

INTRODUÇÃO
A adolescência é uma fase considerada intermediária, en-
tre a infância e a fase adulta, marcada por diversas transforma-
ções corporais, hormonais e comportamentais. Nessa idade,

[...] aparecem a rejeição familiar, a busca


por novidades e riscos, as paixões, a impul-
sividade e os novos interesses [...]. É uma
fase de lapidação, refinamento e amadu-
recimento. Muitas conexões que foram
feitas até a infância são abandonadas. [...]
O corpo que cresce desordenadamente
distorce a auto-imagem e [...] precisam se
identificar com algum grupo. (HERCU-
LANO-HOUZEL, 2005, p. 94-101).

Essa é uma fase de vulnerabilidade e precisa ser acom-


panhada, já que pode ocorrer do adolescente não adequar-
se à lógica, à função do momento porque ainda não tem
o raciocínio abstrato, resultando no distanciamento do am-
biente familiar, buscando novas alternativas como centro de
recompensa. Faz-se relevante a realização de pesquisas am-
pliadoras do conhecimento do funcionamento mental desse
grupo para que, se necessário, sejam formulados programas
de prevenção e promoção de saúde apropriados (CORDO-
VIL et al., 2011), sendo essa uma razão social e intelectual

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 433
de adolescentes em uma escola
para justificar esse projeto. Assim, espera-se contribuir para
o conhecimento dos fatores de riscos e proteção em adoles-
centes. Relacionando os eventos de vida e recursos internos
de apoio externo que eles possuem, aplicando a Escala Resi-
liência e o Inventário do Clima Familiar (ICF).
De acordo com Fantova (2008) e Ojeda (2004), citados
por Brandão, Mahfoud e Gianordoli-Nascimento (2011),
a resiliência é estudada por autores de diferentes lugares
e que utilizaram de distintas abordagens teóricas para tal.
Atualmente, esse conceito pode ser analisado por meio de
três correntes: a norte-americana ou anglo-saxônica (abor-
dagem behaviorista ou ecológico transacional, utiliza-se de
dados observáveis e quantificáveis, os quais permitem que
a relação indivíduo-ambiente determine a resiliência); a
europeia (normalmente de abordagem psicanalítica, con-
sidera a perspectiva do sujeito como fator preponderan-
te) e a latino-americana (abordagem social/comunitária,
compreende que a resposta do indivíduo diante dos seus
conflitos refere-se ao contexto social em que se encontra).
Dessa forma, “brasileiros e pesquisadores falantes de lín-
guas latinas têm uma concepção que entende a resiliência
ora como resistência ao estresse, ora como associada a pro-
cessos de recuperação e superação de abalos emocionais
causados pelo estresse”. (BRANDÃO; MAHFOUD; GIA-
NORDOLI-NASCIMENTO, 2011, p. 264).
Os estudos realizados por Werner e Smith (1989), ci-
tados por Brandão, Mahfoud e Gianordoli-Nascimento
(2011), foram relevantes para apreensão de que, diante de
adversidades da vida, crianças podem desenvolver habilida-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 434


des de adaptação e enfrentamento. Assim, “foi investigando
os riscos aos quais a infância estava submetida que o citado
fenômeno [resiliência] foi observado. Isso porque se tornou
[...] importante entender como crianças ameaçadas em seu
desenvolvimento poderiam alcançar sucesso ou demonstrar
competência.” (MASTEN; COATSWORTH, 1998 apud
BRANDÃO; MAHFOUD; GIANORDOLI-NASCIMEN-
TO, 2011, p. 267). A partir disso, a Escala Resiliência (Re-
silience Scale) foi elaborada, originalmente por Wagnild e
Young (1993) e adaptada e validada para a população brasi-
leira por Pesce e col. (2005), como também nos informam
Brandão, Mahfoud e Gianordoli-Nascimento (2011.
O Inventário do Clima Familiar (ICF) foi formulado por
Björnberg e Nicholson em 2007, atua na área da pesquisa
e intervenção como um aporte amplo utilizado na avalia-
ção e apreensão das relações familiares. Foi elaborado ini-
cialmente em 1970, através da Family Environmente Scale
(FES), que possibilita a compreensão de diferentes carac-
terísticas familiares, como a qualidade do relacionamento
emocional, segundo Moss (1974) e Schneewind (1999),
citados por Teodoro, Allgayer e Land (2009).
De acordo com Björnberg e Nicholson (2007), citados
por Teodoro, Allgayer e Land (2009), o ICF foi elaborado
através de escalas com distintas estruturas fatoriais, se-
gundo a finalidade e o embasamento teórico da pesquisa,
resultando assim, em novas formulações e mensurações,
propiciando -como colocados por Teodoro, Allgayer e Land
(2009)-, essa última por meio da percepção do clima a
partir de quatro fatores como coesão (vínculo emocional),

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 435
de adolescentes em uma escola
apoio (suporte material e emocional), hierarquia (diferen-
ciação de poder) e conflito (relação agressiva, crítica e con-
flituosa) na família em adolescentes e adultos.
Evidencia-se um procedimento de grande relevância,
pois abrolha uma nova possibilidade de avaliação familiar,
intervindo nesses aspectos. Contém poucos itens, tornan-
do-se um instrumento rápido e de simples preenchimento,
fornece uma visão geral do sistema familiar ao clima posi-
tivo e negativo em adolescentes.
Portanto, tal estágio refere-se a uma pesquisa respaldada
pelo projeto intitulado “Avaliações cognitivas dos fatores de risco
e proteção em adolescente, na região do centro-oeste mineiro”,
cujo objetivo foi identificar os fatores de risco e de proteção no
desenvolvimento biopsicossocial de adolescentes em contexto
institucional, escolar ou em instituição de acolhimento. Nesse
sentido, foi avaliada uma amostra de adolescentes, visando a
aprendizagem das alunas sobre avaliação psicológica. Após os
dados coletados, foram realizadas intervenções através do con-
teúdo levantado pelos alunos. Esse estágio restringiu-se apenas
a coleta de dados, visto que os mesmos foram analisados, pos-
teriormente, no decorrer do projeto. Dessa forma, os resultados
obtidos na pesquisa não serão apresentados nesse artigo.

DESENVOLVIMENTO
A coleta de dados ocorreu no período de 5 de maio a 17
de junho de 2016, compondo uma amostra de 93 alunos com
idade entre 12 e 17 anos de uma Escola Estadual, matricu-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 436


lados do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental II e do 1º ao
2º ano do Ensino Médio. Ao recrutar tais estudantes, as esta-
giárias esclareceram sobre o objetivo da pesquisa, avaliando
os mesmos através da Escala Resiliência e do Inventário do
Clima Familiar (ICF), mediante um Termo de Consentimen-
to Livre e Esclarecido (TCLE) entregues, anteriormente a
cada aplicação, para que fossem levados para casa e assinados
pelos pais/responsáveis para autorização da participação dos
adolescentes, enfatizando o anonimato dos mesmos. Além do
TCLE assinado pelos responsáveis dos adolescentes, a escola
também consentiu com a realização da pesquisa por meio da
assinatura de um termo de concordância. Os procedimentos
utilizados nesta pesquisa obedeceram aos Critérios da Éti-
ca na Pesquisa com Seres Humanos conforme resolução n.
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/Brasília-DF. Tal
pesquisa foi avaliada e aprovada pelo comitê de ética da Uni-
versidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Unidade Di-
vinópolis sob o número do parecer: 1.298.278.
Após ter acesso aos termos já assinados, realizou-se a
aplicação, inicialmente, em dupla, e posteriormente em
grupos maiores condizentes com o domínio das aplicado-
ras. O espaço físico foi facilitador para que os adolescentes
não se comunicassem e houvesse sigilo sobre as questões
assinaladas. A Escala Resiliência possui 25 itens, em que
o avaliando tem que responder se discorda totalmente (1),
muito (2), pouco (3), não concorda nem discorda (4), con-
corda pouco (5), muito (6) ou totalmente (7) e que avalia
os níveis de adaptação psicossocial positiva em relação aos
eventos de vida relevantes (LOPES; MARTINS, 2011).

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 437
de adolescentes em uma escola
Enquanto o ICF, é composto por 22 itens, em que o parti-
cipante responde a algumas frases descritivas de situações
e sentimentos que podem ou não ocorrer no dia a dia de
qualquer família. As respostas variam em: não concordo de
jeito nenhum (1), concordo um pouco (2), concordo mais
ou menos (3), concordo muito (4) e concordo completa-
mente (5) (TEODORO; ALLGAYER; LAND, 2009).
Ao final, através dos feedbacks, colheram-se informa-
ções a fim de melhorar as futuras aplicações. Alguns alu-
nos disseram ter mais dificuldades para responder a Escala
Resiliência, diante da compreensão de algumas perguntas
semelhantes que denotavam sentido diferente. No geral,
alegaram que as atividades foram “legais” (sic) para repen-
sar, tentar melhorar alguns aspectos, conhecer melhor a si
mesmos e suas famílias, alguns se emocionaram ao rela-
tarem sobre a desunião presente nelas. A partir disso, as
aplicadoras apontaram para os pontos positivos que esse
momento propiciou a eles e alguns disseram que a partir
desse, haveria uma oportunidade para pensar no que eles
poderiam modificar para melhorar a situação que estavam
vivenciando. Além disso, puderam esclarecer dúvidas so-
bre a faculdade e a(o) profissional psicóloga(o). Observou-
se que o retorno dos estudantes no turno vespertino foi
menos frequente em relação ao turno matutino, hipoteti-
camente, pelo fator timidez ou inibição dos mesmos.
Após o encerramento da coleta de dados efetivou-se o
feedback das atividades para a direção da escola, através
do qual foram realizados encaminhamentos à rede e apoio
psicossocial aos adolescentes, quando solicitado pelos pró-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 438


prios alunos ou quando percebida a necessidade, identifi-
cando o sofrimento, seja por motivos intra ou interpessoais,
dos mesmos por meio de uma escuta qualificada.
Com os estudantes, realizou-se uma dinâmica de encer-
ramento a fim de desmistificar o papel do psicólogo e dar a
contrapartida a aplicação dos instrumentos e assuntos le-
vantados por eles. Nesse sentido, o objetivo da dinâmica foi
explanar sobre o modelo cognitivo (pensamento-emoção-
comportamento) e a tríade cognitiva (o que penso sobre
self-mundo-futuro), abordagem a qual embasou teorica-
mente esse estágio. Além disso, buscamos trabalhar alguns
temas que foram abordados pelos alunos – relacionados às
escalas, como o bullying, desunião familiar (Inventário de
Clima Familiar) e resiliência (estratégia de enfrentamento)
–por meio dos feedbacks ao final de cada aplicação.

Tabela 1 - Planejamento da dinâmica de encerramento com


os adolescentes.
Primeiro Momento
Técnica Descrição Objetivos Tempo
(1) Apresentação Cada participante Coletar 10 a 15 minutos
da imagem de irá escrever no possíveis - vespertino
uma pessoa papel o que sentimentos 15 a 20 minutos
esperando o sentiria se estivesse ou - matutino
elevador na mesma pensamentos
(2) Entregar situação. Em a partir de
pedaços de seguida, colocar uma situação
papéis e dentro do balão e
balões para os encher. Jogá-los
participantes para cima para que
se misturem.

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 439
de adolescentes em uma escola
Segundo Momento
Técnica Descrição Objetivos Tempo
(1) Dar o Cada um irá se Mostrar 30 a 40 minutos
conteúdo apresentar e ler o diferentes - vespertino
para que os que está no papel percepções 50 a 60 minutos
participantes sobre um - matutino
escolham mesmo TOTAL:
um balão e evento aprox. 1 horário
estourem. (tríade vespertino
(2) Concluir cognitiva) e 2 horários
explicando sobre matutinos
a tríade cognitiva
Fonte: Autores, 2019.

Para isso, preparamos a imagem de uma mulher espe-


rando o elevador e outra com o modelo cognitivo, um saco
de balões coloridos e tiras de papel cortado. Foi disponibi-
lizada uma sala, os discentes ficaram sentados em círculo
e onde cada um recebeu um balão e uma tira de papel.
Explicamos que daríamos as instruções e que, antes disso
gostaríamos de saber o que achavam que era um psicólogo.
Houve respostas como “uma pessoa que ajuda a seguir o
caminho certo” (sic), “alguém pra resolver os problemas da
gente”, (sic) “coisa de doido” (sic), entre outras.
Após, mostramos a imagem do elevador e pedimos que
escrevessem no papel um pensamento ou sentimento que
teriam caso estivessem nessa situação. E, posteriormen-
te, dobrassem, colocassem dentro do balão, enchessem e
aguardassem novas instruções.
Feito isso, pedimos que jogassem os balões para cima, no in-
tuito de se misturarem. Deveriam escolher um e estourar para
que pudessem pegar o papel que estava dentro. Pedimos que

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 440


lessem e dissessem se era parecido com o que haviam escrito, a
maioria disse que não. Houve respostas variadas, como “apesar
de não ter medo de altura, tenho medo do elevador cair” (sic),
“penso que o elevador vai chegar” (sic), “tenho medo de ficar
presa” (sic), “vou para minha casa” (sic), entre outras.
Nesse sentido, também com o intuito de sensibilizar so-
bre a relação com os colegas e familiares, trazendo reflexão
sobre o bullying, entre outros temas, mostramos a imagem
do modelo cognitivo e explicamos que em cada situação vi-
venciada, cada pessoa terá um tipo de pensamento que vai
levar a uma emoção e um determinado comportamento. Os
balões representavam o conjunto de variados pensamentos
que diversas pessoas podem ter sobre uma mesma situação.
Essa ideia gira em torno da tríade cognitiva que abrange as
percepções de cada um sobre “self”, mundo e futuro.
Enfatizamos a importância que um psicólogo pode ter
na vida de muitas pessoas em fases que elas se deparam
com suas dificuldades e sentem-se perdidas. Dessa for-
ma, quando os pensamentos negativos ou distorções ficam
mais evidentes, o psicólogo tenta mostrar outros caminhos
possíveis para que se alcancem maior resiliência e momen-
tos mais valorativos e prazerosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do intuito de identificar os fatores de risco e de
proteção no desenvolvimento biopsicossocial de adolescentes
-através da Escala Resiliência e Inventário do Clima Fami-

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 441
de adolescentes em uma escola
liar-, apesar dos dados coletados não terem sido analisados
dentro do período de estágio, acredita-se que tal objetivo foi
alcançado a partir dos encaminhamentos realizados para a
rede e apoio psicossocial aos adolescentes, quando percebida
a necessidade, como já mencionado anteriormente. Da mes-
ma forma que foi possível efetivar a contrapartida do proces-
so, tanto para a direção da escola, quanto para os alunos.
O estágio na abordagem cognitiva propiciou aprimorar-
mos nossa perspectiva quanto a avaliação psicológica, cul-
minando a percepção de que não se trata meramente de
aplicações de testes. Esses são apenas um dos instrumentos
para a realização de um conjunto de possibilidades de fer-
ramentas iniciais para uma construção terapêutica, constru-
ção essa que parte desde o primeiro contato com o paciente
e que foi possível através desde estágio, tendo em vista que
ocupamos um lugar de profissionais de confiança, as quais
alguns alunos depositaram e compartilharam segredos. Foi
de grande relevância perceber através dos feedbacks que as
representações de cada adolescente cogitam em variadas in-
terpretações e valores atribuídos a diferentes eventos.
Cabe ressaltar que através da nossa orientação de estágio,
tal processo nos fez repensar nosso lugar diante de variadas
situações vivenciadas. Desde o primeiro momento em que
iniciamos nossos trabalhos, nos deparamos com dificulda-
des e também com momentos prazerosos, fomentando a
ideia de que somos seres relacionais e nosso olhar terapêuti-
co e empático se inicia a partir desse ponto. Tais momentos
foram cruciais para aguçarmos a perspectiva de sermos um
importante “instrumento” na vida de nossos pacientes.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 442


REFERÊNCIAS

BRANDÃO, J. M.; MAHFOUD, M.; GIANORDOLI-


NASCIMENTO, I. F. A construção do conceito de re-
siliência em psicologia: discutindo as origens. Paidéia,
Ribeirão Preto, v. 21, n. 49, p. 263-271, ago. 2011. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v21n49/14.
pdf>. Acesso em: 30 jan. 2019.

CORDOVIL, C. et al. Resiliência em crianças e adoles-


centes institucionalizados. Acta Médica Portuguesa,-
Lisboa, v. 24, n. S2, p. 413-418, 2011. Disponível em:
<https://core.ac.uk/download/pdf/71737621.pdf>. Acesso
em: 30 jan. 2019.

HERCULANO-HOUZEL, S. O cérebro em transfor-


mação. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2005.

LOPES, V. R.; MARTINS, M. C. F. Validação Fatorial da


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10)
para Brasileiros. Revista Psicologia: Organizações e
Trabalho, Florianópolis, v. 11, n. 2, p. 36-50, dez. 2011.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v11n2/
v11n2a04.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2019.

TEODORO, M. L. M.; ALLGAYER, M.; LAND, B. De-


senvolvimento e validade fatorial do Inventário do Clima
Familiar (ICF) para adolescentes. Psicologia: Teoria e
Prática, São Paulo, v. 11, n. 3, p. 27-39, 2009. Disponível
em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v11n3/v11n3a04.
pdf>. Acesso em: 31 jan. 2019.

Resiliência e clima familiar: avaliação cognitiva


| 443
de adolescentes em uma escola
Ressignificando
valores e fortalecendo
a convivência no
contexto escolar

Bárbara Mendonça César


Graduada em Psicologia (Faculdade
Pitágoras/Divinópolis). 
bahmendonca@hotmail.com

Gilberto do Rosário Moreira


Graduado em Psicologia (Faculdade Pitágoras/
Divinópolis), pós-graduando em Saúde Mental com
Ênfase em dependência química e pós-graduando em
Psicopedagogia.
 gilbertomoreirapsicologia@gmail.com
RESUMO
É notório que trabalhar o autoconhecimento, os im-
passes nas relações interpessoais e o convívio com as di-
ferenças na escola proporciona construir a capacidade de
autonomia e discernimento dos alunos. Sendo assim, o
principal objetivo deste artigo foi o de conhecer e reconhe-
cer as principais habilidades, as preferências, as emoções e
os pensamentos mais relevantes dos estudantes. Para a rea-
lização do mesmo foram utilizadas técnicas as quais favo-
recessem trabalhar o autoconhecimento, a convivência em
grupos e a relação com as diferenças. Portanto, apresenta-
se aqui o resultado de uma proposta de intervenção a qual
considerou a contribuição de alguns fatores, como as difi-
culdades nas relações interpessoais e a falta de interação
e respeito no convívio com as diferenças, para prejudicar
o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e
da inclusão. Ao final do projeto os alunos puderam assentir
suas qualidades e buscar aprimorá-las, bem como reconhe-
cer suas limitações e intentar transformá-las em algo pro-
dutivo, além de admitir as singularidades dos outros.
PALAVRAS-CHAVE: relações interpessoais; projeto de
intervenção; contexto escolar; Psicologia.

INTRODUÇÃO
O presente projeto de intervenção pedagógica Ressigni-
ficando valores e fortalecendo a convivência no contexto es-
colar foi realizado em três escolas das redes municipais das

Ressignificando valores e fortalecendo a


| 445
convivência no contexto escolar
cidades mineiras de Oliveira e Pitangui-MG. É embasado
nos quatro pilares da educação, que são: aprender a conhe-
cer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a
ser (DELORS et al., 1998), com enfoque no autoconheci-
mento. Assim, pretendeu-se descobrir como o “saber sobre
si mesmo” pode auxiliar os alunos em um melhor desenvol-
vimento acadêmico e pessoal.
Desse modo, é importante trabalhar os empecilhos pre-
judiciais para as relações interpessoais, os quais envolvem a
comunidade escolar, que nem sempre sabe qual a melhor
maneira de agir em cada situação ou mesmo como evitar
possíveis desconfortos no ambiente da sala de aula e que
podem contribuir para estabelecer condições vulneráveis
aos alunos. Com base nisso e após uma análise situacional,
foram feitas algumas intervenções visando trabalhar o que
os alunos consideravam como impasses no contexto escolar.
Sendo assim, teve-se como objetivos conhecer e reco-
nhecer as principais habilidades de cada aluno e dos de-
mais envolvidos no processo educacional, as preferências,
as emoções, os pensamentos mais relevantes e os impasses
nas relações interpessoais, a fim de auxiliá-los na constru-
ção do autoconhecimento e no reconhecimento do próxi-
mo, além da prática da boa convivência com as diferenças.

DESENVOLVIMENTO
Este trabalho foi desenvolvido por meio de dinâmicas,
técnicas, textos e músicas, e executado por nós, enquanto

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 446


estagiários do Curso de Psicologia, com o apoio e partici-
pação de professores, direcionado a alunos de três escolas
das cidades supracitadas, onde buscou-se estimular o diá-
logo e a reflexão para a construção de novas perspectivas
e a superação das dificuldades individuais e coletivas e de
convívio com as diferenças no ambiente escolar.
As atividades, realizadas em sala de aula, envolveram alu-
nos do 6º e do 7º ano, e nessa trajetória foi possível perceber
algumas dificuldades desses para lidarem com as suas pró-
prias habilidades, sentimentos, pensamentos e atitudes. Cabe
enfatizar que tais dificuldades podem prejudicar o desenvolvi-
mento acadêmico e pessoal do estudante, já que se apresen-
tam instáveis perante as certas situações cotidianas. Portanto,
quando se melhora o autoconhecimento é possível saber qual
a melhor maneira de agir em cada situação e como evitar pro-
váveis desconfortos no âmbito da sala de aula.
O trabalho foi realizado durante os anos de 2017 e 2018,
com alunos do Ensino Fundamental I e II, em sala de aula,
em encontros semanais. Para a realização desta intervenção,
seguiu-se um cronograma que previa quatro encontros.
No primeiro, o projeto foi apresentado e dado espaço
para que os alunos falassem das demandas individuais e
grupais com relação às dificuldades que favorecem a ins-
tauração de conflitos na esfera educacional.
No segundo encontro, foi trabalhada a dinâmica da ár-
vore, que engloba conceitos diversos acerca das relações
interpessoais, e feito uso da ludoterapia, mais exatamente
da técnica da “Família terapêutica”, que é composta por

Ressignificando valores e fortalecendo a


| 447
convivência no contexto escolar
bonecos de sexos opostos que demonstram a composição
familiar. Barbosa et al. (2012) argumenta que este recurso
permite a brincadeira da criança, mas para os profissionais
psicólogos este se enquadra como recurso terapêutico.
Com esta intervenção, constatou-se que os discentes re-
tratam na escola o que vivenciam em seus lares e o quão é
importante o bom funcionamento do núcleo familiar. Nes-
te dia, o objetivo foi trabalhar a desconstrução de precon-
ceitos no convívio com as diferenças no contexto escolar.
No terceiro encontro, realizou-se uma dinâmica com a
utilização de tangrans objetivando trabalhar o autoconheci-
mento e a conscientização e prevenção sobre a violência e
do uso de drogas no ambiente escolar.
No quarto e último encontro, a proposta foi de inter-
ceder nos fatores desmotivadores e geradores de baixa au-
toestima que podem levar ao desinteresse em sala de aula
e até mesmo à evasão escolar.
No decorrer deste período de trabalho, foi possível
constatar aspectos da realidade das instituições escolares
e das famílias dos alunos. Muito daquilo que era expresso
por eles, inclusive dificuldades nas relações com o outro,
refletiam as suas vivências no âmbito familiar e/ou na esco-
la. Por conta disso, por meio desse processo, pretendeu-se
mobilizá-los e sensibilizá-los para que se reconhecessem
enquanto protagonistas e corresponsáveis pelas relações
que se estabelecem no contexto escolar.
Enfim, o trabalho desenvolvido deu-se no sentido de
promover a discussão, a reflexão acerca dos valores indi-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 448


viduais e coletivos, da cooperação mútua entre alunos, es-
cola e família focando, assim, nas inter-relações. Portanto,
buscou-se possibilitar a construção de sujeitos comprome-
tidos com a sua realidade e com o meio onde estão inseri-
dos, o contexto escolar e para além deste.

Considerações finais
O trabalho demonstrou preocupação tanto em relação
ao convívio dos alunos com as diferenças bem como com a
qualidade das relações interpessoais no ambiente escolar,
a partir de uma perspectiva sistêmica. Diante disso, cabe
enfatizar que foi preciso buscar o desenvolvimento de es-
tratégias de fortalecimento da convivência e da modifica-
ção de padrões de comportamentos que podem favorecer
o surgimento de impasses e culminar em segregação ou
evasão dos alunos.
Conhecer e reconhecer as principais habilidades de
cada aluno, as suas preferências, emoções e pensamentos
mais relevantes, tornou possível auxiliá-los na construção
do autoconhecimento e no reconhecimento do próximo.
Por conseguinte, reconhecer-se também em seu contexto
familiar. Portanto, avaliamos que o projeto propiciou aos
estudantes envolvidos reconhecer suas qualidades e limi-
tações, e aprimorá-las, buscando assim, transformá-las em
algo bom e produtivo.
Além disso, cabe ressaltar que objetivamos intervir de
modo que os alunos pudessem reconhecer-se dentro e fora

Ressignificando valores e fortalecendo a


| 449
convivência no contexto escolar
do contexto escolar, e com isso, favorecer o ambiente da
sala de aula e o convívio familiar tornando-se cada vez mais
harmoniosos e agradáveis. O resultado foi que o desenvol-
vimento acadêmico geral das turmas envolvidas possam ser
melhorados constantemente.
Vale acrescentar, para além deste trabalho, que os pais/
responsáveis, para um melhor desenvolvimento escolar e
pessoal de seus filhos, devem estar sempre comprometi-
dos com a educação destes. Ademais, a escola precisa estar
empenhada com a busca por um ensino que se aproxime
da realidade dos alunos e faça sentido em suas vidas.

REFERÊNCIA

BARBOSA, P. G. et al. A clínica com crianças sobre o olhar


da psicoterapia sistêmica. Arquivo Brasileiro de Odon-
tologia, Belo Horizonte, v. 8, n.2 p. 39-48, 2012. Dispo-
nível em: <file:///C:/Users/SPA-091701/Downloads/5741-
22302-1-SM%20(1).pdf>. Acesso em: 06 jun. 2019.

DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: re-


latório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília:
MEC, UNESCO, 1998.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 450


Superdotação e altas
habilidades: os desafios
da inclusão
Alcilene Lopes de Amorim Andrade
Graduada em Pedagogia e Psicologia, pós-graduada em
Didática Metodologia de Ensino e em Psicologia Clínica,
mestre em Educação. alcileneaguia@hotmail.com

Amanda Larisse Ramalho de Oliveira


Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
amandalarisse.1996@hotmail.com

Dayana Nunes dos Santos


Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
dayanandsantos@gmail.com

Hellen Darainy Coutinho de Amorim


Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
hellen_c.a@hotmail.com

Heloisa Gomes Vieira dos Santos


Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
heloisacapmg@gmail.com

Jayne Verdin
Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
jayne.verdim@hotmail.com

Thamara Pereira Braga


Graduanda de Psicologia (FUPAC-Teófilo Otoni).
thamarapbraga@hotmail.com

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 452


RESUMO
Abordam-se as dificuldades dos superdotados no proces-
so de aprendizagem em virtude do foco na área cognitiva em
detrimento da singularidade no contexto escolar. Ao pensar
neles e na aprendizagem deve-se considerar desde altas ha-
bilidades e competências, como também aspectos afetivo-re-
lacionais, pois sabe-se que inteligência superior em determi-
nadas áreas não os torna imunes às experiências adversas da
infância. O objetivo foi discutir os desafios do processo de
inclusão dos alunos superdotados/altas habilidades, para tan-
to, além da pesquisa bibliográfica promoveu-se levantamento
documental na Superintendência Regional de Ensino de Teó-
filo Otoni-MG. Os resultados apontam que a superdotação
é dificilmente ligada à dificuldade de aprendizagem, embora
superdotados também apresentem desempenho abaixo do es-
perado, evasão, repetências e dificuldades na integração ao
grupo. Nesse sentido, registra-se que, embora no município
haja escolas que oferecem o Atendimento Educacional Es-
pecializado, não existem projetos voltados especificamente
para estes alunos. É necessário um olhar humanizado sobre
o aprender e ensinar em que o conhecimento seja construído
na interação sujeito e meio. A ideia de Vygotsky (1991) impli-
ca pensar a aprendizagem com base nas vivências do aluno.
Pode-se afirmar a necessidade de desmistificação e extensão
na compreensão da realidade dos superdotados, buscando
uma educação mais inclusiva com programas de atendimento
e envolvimento familiar que ofereçam oportunidades de de-
senvolvimento pessoal e aprendizagem, para que estes indiví-
duos tenham suas necessidades educacionais atendidas e sua
singularidade seja respeitada e compreendida.

Superdotação e altas habilidades: os desafios da inclusão | 453


PALAVRAS-CHAVE: inclusão escolar; superdotados/
altas habilidades; atendimento educacional especializado.

INTRODUÇÃO
As crianças que possuam altas habilidades/superdota-
ção (AH/SD) ainda são marcadas por mitos e rótulos no
contexto escolar, consideradas como gênios, bem-sucedi-
das no processo de adaptação. E embora estejam inseridas
no público-alvo da educação especial, há uma carência de
discussões sobre essa inserção e os atendimentos educa-
cionais especializados dos quais elas necessitam, o que
favorece a sua invisibilidade nas salas de aula, a incom-
preensão de potencialidades e necessidades, interferindo
diretamente no desenvolvimento delas.
Os alunos que possuem AH/SD podem apresentar difi-
culdades escolares, como desempenho abaixo do esperado,
evasão, repetências e dificuldades na integração ao grupo.
O que os diferencia é que, muitas vezes, suas habilidades
acima da média não são reconhecidas mediante a apresen-
tação de alguma dificuldade escolar.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), os superdo-
tados ainda estão à margem do sistema educacional, tidos
como alunos trabalhosos e indisciplinados, que carecem
de necessidades específicas e que abandonam o sistema
educacional, o que justifica ter um atendimento educacio-
nal especializado.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 454


A Constituição Federal (BRASIL, 1988) garante o direito
à educação com igualdade de condições para o acesso e per-
manência na escola e a garantia do atendimento educacional
especializado (AEE). Para tal, a inclusão dos alunos AH/SD
precisa levar em consideração suas necessidades específicas
e subjetivas, assim, tanto as escolas como os professores pre-
cisam estar preparados para receber e trabalhar com estes
discentes, a fim de proporcionar uma educação de qualidade.
Diante disso, o objetivo do presente trabalho é discu-
tir os desafios do processo de inclusão dos estudantes su-
perdotados/altas habilidades, e os fatores que contribuem
para a invisibilidade deles. Enfatiza-se que a proposta in-
clusiva dos superdotados no contexto escolar ainda precisa
alcançar um patamar prioritário nas políticas educacionais.

DESENVOLVIMENTO
Para realização deste estudo, de abordagem qualitativa
e descritiva quanto aos fins, além da revisão bibliográfica,
desenvolveu-se pesquisa documental. Para tanto, foi feito o
levantamento referente ao tema no Scielo e em bancos de
teses de bibliotecas virtuais de instituições de ensino supe-
rior, buscando trabalhos que abordassem a temática inclu-
são escolar, superdotação e atendimento educacional espe-
cializado. O levantamento documental foi realizado na 37ª
Superintendência Regional de Ensino (SRE), sendo coleta-
dos dados registrados pela Diretoria de Educação Inclusiva
no Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE).

Superdotação e altas habilidades: os desafios da inclusão | 455


A partir do levantamento dos documentos da 37ª SRE,
foi possível verificar a presença de educadores com forma-
ção para atuarem nas escolas públicas e sala de recursos
no município, mas em nenhuma escola há educadores com
formação para atendimento de crianças superdotadas nem
projetos voltados especificamente para elas. Confirma-se
assim a falta de investimentos que visem tanto à melhoria
dos atendimentos dos superdotados como a capacidade de
identificá-los no contexto escolar.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) define os alunos
com AH/SD como aqueles que possuem um potencial ele-
vado em uma área ou em áreas combinadas, sejam elas de
liderança, intelectual, acadêmica, psicomotricidade e artes,
além de apresentar criatividade, envolvimento na aprendi-
zagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.
Para Renzulli (2004), na superdotação há a confluência de
três fatores: habilidade acima da média, envolvimento com
a tarefa e a criatividade. Tais aspectos têm como ideia cen-
tral reconhecer que os indivíduos possuem características
em determinadas áreas da realização humana, podendo ser
apresentada de forma isolada ou combinada. Embora os su-
perdotados possuam habilidades e talentos, sabe-se que não
estão imunes a adversidades na infância e na aprendizagem.
As pesquisas apontam que ainda causa estranhamento
relacionar superdotação com dificuldades de aprendiza-
gem e discutir sobre estas dificuldades no ensino regular. A
falta do diálogo e reflexão sobre o tema alimentam os mitos

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 456


e desfavorecem o reconhecimento das crianças com altas
habilidades/superdotação no contexto escolar. E mesmo
com a existência de políticas inclusivas para este público,
elas são pouco divulgadas, enfraquecendo sua efetivação
na prática. Assim fica explícito que mesmo entre os profis-
sionais da educação há receio de falar sobre o tema e eles
não se sentem preparados para atuar e desenvolver estra-
tégias que acolham e atendam as demandas destes alunos.
Dentre as complexidades vivenciadas pelos estudantes
com AH/SD, estão os obstáculos para socialização e inte-
gração ao grupo de colegas, pelo fato de estarem passando
pelo estágio de desenvolvimento associado à incompreen-
são de suas habilidades; diagnósticos errados e equivoca-
dos. Como exemplo, Transtorno de Déficit de Atenção
(TDA) pelos sintomas de desatenção e impulsividade dian-
te dos conteúdos em sala de aula que são desproporcio-
nais e desmotivadores e a dislexia pelo rápido raciocínio
dificulta a escrita o que favorece que estes alunos sejam
culpabilizados, classificados como problemáticos, que não
participam das atividades e se aborrecem com facilidade.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) foi cria-
do pelo Decreto nº 6.571/2008, no intuito de atender os alunos
com necessidades educativas especiais, e de acordo com a Polí-
tica Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva o público-alvo do AEE é definido da seguinte forma:

- Alunos com deficiência - aqueles que


têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, intelectual, mental ou

Superdotação e altas habilidades: os desafios da inclusão | 457


sensorial, os quais, em interação com di-
versas barreiras, podem ter obstruído sua
participação plena e efetiva na escola e na
sociedade;
- Alunos com transtornos globais do de-
senvolvimento - aqueles que apresentam
um quadro de alterações no desenvolvi-
mento neuropsicomotor, comprometi-
mento nas relações sociais, na comunica-
ção ou estereotipias motoras. Incluem-se
nessa definição alunos com autismo sín-
dromes do espectro do autismo psicose
infantil;
- Alunos com altas habilidades ou super-
dotação - aqueles que apresentam um
potencial elevado e grande envolvimento
com as áreas do conhecimento humano,
isoladas ou combinadas: intelectual, aca-
dêmica, liderança, psicomotora, artes e
criatividade. (BRASIL, 2008, p. 7).

No processo de inclusão, é necessário atentar para a


existência de uma pluralidade cultural e da complexidade
das redes de interação humana dentro do contexto escolar,
buscando o benefício de todos os alunos, estimulando-os
por meio de mudanças nos processos de ensino-aprendi-
zagem. A inclusão dos alunos que possuam AH/SD tam-
bém precisa alinhar suas ações didático-pedagógicas com
uma preparação para a independência e autonomia, de-
senvolvendo cada vez mais habilidades técnicas e sociais.
Inserindo atividades de planejamento, oferecer estratégias
que estimulem o posicionamento crítico e avaliativo, bem
como implementar diferentes formas de pensamento (SÁ,

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 458


2017). Afinal, segundo Vygotsky (1991), o homem trans-
forma e é transformado nas relações que acontecem em
uma determinada cultura e os infantes superdotadas estão
sujeitas às transformações em seu meio, o que interfere no
seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.
Dentre as políticas de inclusão para alunos que possuem
AH/SD estão os Núcleos de Atividades de Altas Habilida-
des/Superdotação (NAAHs), que ainda não se expandiram
para todo o país, sala de recursos, aceleração/avanço de
estudos que consistem na conclusão da Educação Básica
em menor tempo desde que regulamentada pelos sistemas
de ensino, capacitação de professores, adaptação dos cur-
rículos, metodologias de ensino e processos de avaliação, e
os Centros de Desenvolvimento do Potencial e do Talento.
Assim é necessário discutir e refletir sobre os empecilhos
da inclusão dos discentes que possuam AH/SD, dentre eles
a falta de apoio do governo, o desconhecimento das leis que
regulamentam o direito à inclusão, a inexperiência das es-
colas em perceber e reconhecê-los como superdotaçao/altas
habilidades em sala de aula, a falta de discussão do tema
bem como de suporte para construir alternativas e estraté-
gias que favoreçam o desenvolvimento pleno desses alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apresentado nos resultados, concluiu-se
que as rotulações da superdotação interferem no proces-
so de identificação do aluno dentro do contexto escolar e

Superdotação e altas habilidades: os desafios da inclusão | 459


na efetivação das políticas inclusivas. Torna-se necessário
a desmistificação da superdotação, a divulgação das po-
líticas existentes e a busca constante por uma educação,
realmente, inclusiva com programas de atendimento e en-
volvimento familiar que ofereçam oportunidades de desen-
volvimento e aprendizagem.
Entendeu-se a necessidade do olhar mais humanizado
para as crianças que possuem altas habilidades/superdota-
ção em seu contexto escolar, uma vez que a educação inclu-
siva é um ato de acolher todo o indivíduo com todas as suas
especificidades na rede regular de ensino. Existem políti-
cas públicas e formas educacionais para que essa inclusão
seja realizada de forma significativa contribuindo para que
as necessidades educacionais desses infantes sejam aten-
didas e sua singularidade seja respeitada e compreendida.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Es-


pecial. Diretrizes Nacionais para Educação Especial na
Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.
pdf> Acesso em: 21 maio 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Es-


pecial. Política Nacional de Educação Especial na Pers-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 460


pectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP,
2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/
politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 14 maio 2019.

RENZULLI, J. S. O que é essa coisa chamada superdotação


e como a desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco
anos. Educação, Porto Alegre, v. 52, n. 1, p. 75-131, jan./abr.
2004. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Ex-
tensao/papah/o-que-e-esta-coisa-chamada-superdotacao.pdf>.
Acesso em: 23 maio 2019.

SÁ, P. R. B. X. A inclusão de alunos com altas habilidades/su-


perdotação na Educação Básica: um desafio à prática pedagó-
gica. Id on Line: Revista Multidisciplinar e de Psicolo-
gia, Jaboatão dos Guararapes, v. 11, n. 38, p. 480-492, 2017.
Disponível em: <https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/
view/914/1393> Acesso em: 14 maio 2019.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 1991.

Superdotação e altas habilidades: os desafios da inclusão | 461


Transtorno do
déficit de atenção
com hiperatividade
e medicalização:
percepções escolares e
familiares
Cynara Soares Drumond
Anício Pereira
Graduada em Direito e em Psicologia (UNILESTE). Pós-
graduada em Terapia Cognitivo Comportamental (NEPSI/
Vale do Aço). 
cynara_drumond@yahoo.com.br   

Elenice Procópio Araújo


Graduada em Psicologia (UNILESTE) e Pedagogia
(UFOP). Mestranda em Psicologia (UFSJ). 
elenicep.araujo@hotmail.com

Maria do Rosário de Fátima Rodrigues 


Graduada em Psicologia (PUC/MG). Mestre em Psicologia
(PUC/Campinas). Doutora em Psicologia (UFES). 
rosariopsi@uol.com.br

Marielle Costa Silva


Graduada em Psicologia (UNILESTE). Mestranda em
Psicologia (UFSJ), pela linha de pesquisa Instituições,
Saúde e Sociedade. 
silva.marielle94@gmail.com  

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 463
medicalização: percepções escolares e familiares
RESUMO
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade
(TDAH) é reconhecido pelo Manual Diagnóstico e Estatís-
tico de Transtornos Mentais (DSM) como um dos mais fre-
quentes diagnósticos neurobiológicos na idade pré-escolar
e escolar. Há na sociedade uma problematização do TDAH
como uma forma de medicalização de crianças e adolescen-
tes, ou seja, uma transformação de fenômenos sociais e co-
tidianos em aspectos biológicos, que são classificados como
doenças, muitas vezes envolvendo o saber médico e uso indis-
criminado de medicamentos. Este trabalho objetivou analisar
as consequências do diagnóstico do TDAH para o desenvol-
vimento social e escolar de duas crianças do 3º ano, através
das percepções que a família e a escola atribuem a esse pro-
cesso. As participantes foram duas mães e duas professoras,
dessas crianças diagnosticadas com TDAH, de uma escola
pública do Vale do Aço-MG. Foi realizada uma pesquisa des-
critiva, sendo aplicado individualmente um questionário com
dez perguntas abertas buscando compreender tais questões.
Os dados foram analisados de maneira qualitativa, orientados
pela Análise de Conteúdo, e os resultados indicaram que o
discurso medicamentoso ainda prevalece, sendo legitimado
enquanto necessário pelas participantes, além de destacarem
o papel marcante da escola no diagnóstico e encaminhamen-
to aos profissionais da saúde, valorizando a figura do médico
como garantia de saber sobre a vida humana. Percebeu-se a
necessidade de um diagnóstico criterioso e multidimensional,
de forma a evitar que se desenvolva um processo de medicali-
zação. Portanto, é preciso compreender e resgatar a dimensão

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 464


simbólica e social das relações, a fim de não banalizar os so-
frimentos humanos.
PALAVRAS-CHAVE: TDAH; medicalização; Psicolo-
gia e Educação.

INTRODUÇÃO
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade
(TDAH) é um transtorno neurobiológico reconhecido pelo
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
ou DSM-V. Autores como Cypel (2001) e Coll, Marchesi e
Palácios (1995) concordam que o TDAH é um distúrbio do
comportamento com manifestações relacionadas a um dé-
ficit de atenção, à hiperatividade e à impulsividade, sendo
um dos mais frequentes distúrbios diagnosticados na idade
pré-escolar e escolar.
Cypel (2001) aponta as evidências de crianças desaten-
tas e hiperativas ao longo da história humana, mas elas não
eram diagnosticadas com comportamento alterado, sendo
complexo definir o momento em que essas manifestações
foram identificadas como particulares ou patológicas. O
autor indica que no ano de 1925 houve duas publicações
que já apontavam a presença dessas características clíni-
cas, atualmente consideradas sintomas do TDAH. Entre-
tanto, somente em 1962, na Inglaterra, tais manifestações
passaram a ser classificadas sob o termo “disfunção cere-
bral mínima” (DCM). Definida de acordo com Coll, Mar-
chesi e Palácios (1995) como um distúrbio neurológico,

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 465
medicalização: percepções escolares e familiares
vinculado a uma lesão cerebral. Nota-se que houve certa
imprecisão na definição do transtorno, que foi por vezes
alterada, devido a dificuldades para objetivar a existência
dessa suposta lesão. Na década de 1990, foram identifica-
dos aspectos cognitivos, como o déficit de atenção, impul-
sividade e hiperatividade.
De acordo com Graeff e Vaz (2008), é necessária uma
avaliação cuidadosa em casos de suspeita de TDAH, uma
vez que crianças, adolescentes e adultos podem receber esse
rótulo de forma equivocada. Atentam para a importância em
se ter uma visão ampla da pessoa no processo diagnóstico, o
que inclui a avaliação de seus sintomas, sua história de vida,
utilização de recursos instrumentais, bem como investiga-
ção das condições psicológicas, familiares e sociais.
Adentra-se, a partir do exposto, a respeito da medica-
lização na área escolar. De acordo com Meira (2012), por
meio da medicalização há uma transformação de proble-
mas cotidianos do campo social em aspectos biológicos,
que passam a envolver o saber médico. Dessa forma, aten-
ta-se para o crescimento vertiginoso do número de diag-
nósticos e consequentes tratamentos, na medida em que
diversos fenômenos são submetidos à ordem da classifica-
ção de doenças, que se constitui em uma situação lucrativa
para a indústria farmacêutica.
Guarido (2008) também defende uma posição seme-
lhante ao afirmar que por meio da medicalização há a trans-
ferência do espaço próprio do humano para a esfera médica.
No mundo atual, os remédios adquiriram uma conotação de

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 466


bens de consumo, visando à produção de bem-estar e felici-
dade. Desse modo, a crítica à medicalização não implica em
negar os aspectos biológicos, bem como o uso de medica-
mentos nos casos em que são de fato necessários, mas a ado-
ção de uma postura contrária à medicação indiscriminada e
ausência de uma reflexão crítica acerca da situação.
Diniz (2008) apresenta a diferença entre medicar e
medicalizar, salientando que medicar pode ser necessário
conforme cada caso, o que se diferencia do processo de
medicalização. A adoção de uma perspectiva patologizante
acarreta na atribuição de causas biológicas aos problemas
escolares de aprendizagem, o que pode eximir o papel de-
sempenhado pela escola. Esse discurso enfoca uma visão
individualista, uma vez que ressalta um problema ou doen-
ça presente no indivíduo em detrimento do contexto so-
cioeconômico e das relações sociais (MEIRA, 2012).
Nessa visão, Guarido (2008) afirma que muitos diagnós-
ticos tendem a simplificar as determinações dos sofrimentos
infantis, o que culmina em uma grande quantidade de crian-
ças sendo medicadas precocemente, fato que leva a uma
tentativa de conter suas manifestações, além de desvalorizar
a singularidade de cada sujeito. Também explicita os efei-
tos da biologização do humano, cujo aprendizado é reduzido
à dimensão privada, de forma a desconsiderar a dimensão
simbólica e social do aprender nas relações com os outros.
Outra consequência desse discurso é a impotência dos su-
jeitos para lidar com a situação, uma vez que é atribuída à fi-
gura do especialista o poder de decidir a maneira mais eficaz
de atuar, de acordo com o diagnóstico proferido.

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 467
medicalização: percepções escolares e familiares
Segundo Diniz (2008), prevalece o tratamento medi-
camentoso para o TDAH, sendo que ocorreu em 1956 o
lançamento da “Ritalina”, nome comercial para o metil-
fenidato, medicamento que possui uma ação paradoxal à
medida em que, em doses exatas, tem o efeito de acalmar o
usuário, mesmo sendo um estimulante do sistema nervoso
central, a pessoa torna-se mais concentrada, sendo prescri-
to para crianças consideradas hiperativas.
Dessa forma, este artigo demonstra uma posição contrá-
ria a um discurso que banaliza a existência humana e pro-
põe um olhar biopsicossocial, em que se valoriza o papel
da educação como uma possibilidade de problematizar tais
questões e contribuir para romper os paradigmas que des-
consideram as múltiplas dimensões da vida humana. Este
estudo objetivou analisar as consequências do diagnóstico
do TDAH para o desenvolvimento social e escolar de duas
crianças do 3º ano, através das percepções que a família e a
escola atribuem a esse processo, considerando o fenômeno
da medicalização presente na sociedade contemporânea.

DESENVOLVIMENTO
Foi realizada uma pesquisa descritiva que, segundo Gil
(2010), objetiva relatar características de uma população ou
fenômeno. Os participantes foram duas mães e duas profes-
soras, conforme as seguintes descrições: a mãe I tem 33 anos,
ensino médio completo e um filho, identificado como A1, 8
anos, aluno do 3º ano do Ensino Fundamental, diagnosticado

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 468


com TDAH. Estuda em uma escola pública do Vale do Aço
-MG, onde esta pesquisa foi realizada. A mãe II tem 32 anos,
Ensino Fundamental completo e um filho também diagnosti-
cado com TDAH. Identificado como A2, 8 anos, aluno do 3º
ano do Ensino Fundamental na referida escola.
As crianças estudam em turmas diferentes. A1 é aluna
da professora I. Esta docente tem 36 anos, em sua turma há
33 alunos, sendo dois deles diagnosticados com TDAH. Já a
criança A2 é aluna da professora II, que tem 46 anos, trabalha
com 24 alunos em sua classe, sendo que dentre estes, duas
crianças foram também diagnosticadas com TDAH. Ambas
as professoras são pós-graduadas na área da Educação.
Foi utilizado como instrumento um questionário com
10 perguntas abertas sobre o desenvolvimento escolar de
crianças com TDAH, com as seguintes questões: identifi-
cação da idade; escolaridade; como foi realizado o diagnós-
tico de TDAH da criança; se há o uso de medicamentos, há
quanto tempo e a previsão de uso; se há outro acompanha-
mento além do medicamentoso; como percebe a criança
antes e depois do início do tratamento; se há algum tra-
tamento diferenciado no processo ensino-aprendizagem;
como é o apoio familiar no que tange ao desenvolvimento
escolar; se há diferenças entre “medicar” e “medicalizar; e
um espaço para outras considerações.
O questionário foi aplicado individualmente às duas
docentes e às duas mães na escola, mediante agendamen-
to prévio. As informações a respeito do preenchimento do
questionário foram dadas, bem como as dúvidas das parti-

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 469
medicalização: percepções escolares e familiares
cipantes foram esclarecidas pelas autoras deste trabalho.
O tempo de aplicação do questionário foi livre, em apenas
um dia. Por fim, os dados produzidos foram analisados de
maneira qualitativa, orientados pela Análise de Conteúdo
proposta por Bardin (2009), que consiste na organização do
material em unidades de registro e categorias de análise. Os
resultados foram divididos e analisados conforme abaixo:

Mãe I sobre a criança A1:


Em relação ao diagnóstico de TDAH, a participante
apontou que seu filho foi encaminhado por uma escola an-
terior, sendo que os profissionais da mesma e um médico
estiveram envolvidos nesse processo diagnóstico.
Ao ser diagnosticada com TDAH, a criança foi medicada
com Ritalina e Risperidona, de forma que usa tais medicamen-
tos até o momento atual. Também contou que o filho não faz
nenhum tratamento além do medicamentoso. Nesse caso, o
remédio é legitimado como essencial, sendo que como desta-
ca Diniz (2008), o discurso médico prevalece e apresenta uma
posição de superioridade em relação aos outros profissionais.
Foi relatado que, antes do início do tratamento, o filho
“estava muito nervoso, inquieto, se irritava com facilidade”
(sic) e que após o uso dos medicamentos ele “ficou mais
calmo.” (sic) Indicou que uma professora estuda com a
criança A1 na biblioteca, pois ele fica muito inquieto e não
consegue permanecer em sala de aula para estudar.
Sobre a percepção da família frente ao diagnóstico, a
mãe revelou que os familiares a ajudam e apoiam a conti-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 470


nuidade do tratamento. Em relação às diferenças entre os
processos de “medicar” e “medicalizar”, expôs que “medi-
car é dar o remédio na hora certa” e não fez considerações
a respeito do termo “medicalizar”.

Professora I sobre a criança A1:


Revelou que a criança A1 chegou à escola com o diagnós-
tico de TDAH, sendo medicada com Ritalina e Risperidona.
Ainda respondeu que o infante não está em acompanhamento
além do medicamentoso, pois “a mãe é resistente em levá-lo
à terapia com a psicóloga.” (sic) Também indicou que, antes
do tratamento, A1 estava “extremamente agressivo, agitado e
desatento” (sic) e após o início do tratamento foi observado
que ele “ficou menos agressivo e mais atento.” (sic)
Foi também relatado que há um acompanhamento di-
ferencial devido ao diagnóstico de TDAH, fora da sala de
aula. Abre-se um espaço para questionar e refletir se retirar
a criança da sala possibilitará resultados eficazes, pois como
indica Guarido (2008), o processo de aprendizagem se de-
senvolve na relação com os outros e não de forma individual.
A participante não apontou diferenças entre os pro-
cessos de medicalizar e medicar, porém revelou que ela
considera que é necessário o uso dos medicamentos: “O
aluno sem a medicação apresenta comportamento antis-
social acentuado, não respeita as regras da escola, nem as
autoridades da mesma. Recusa-se a permanecer na sala,
o que faz com que a escola seja obrigada a providenciar
algum funcionário para acompanhá-lo em atividades extra-

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 471
medicalização: percepções escolares e familiares
classe”. Neste relato, como revela Meira (2012), também
se observa a apropriação dos saberes médicos, ao destacar
o papel do medicamento nas relações escolares.

Mãe II sobre a criança A2:


Em relação ao diagnóstico de TDAH, apontou que houve
um encaminhamento da escola: “o diagnóstico partiu da es-
cola e da família, porque eu passei por um processo de sepa-
ração e também achei necessário procurar um especialista
para ajudar meu filho, pois isto o afetaria muito.” (sic) Ela
considera que o processo de separação afetou o desenvolvi-
mento do filho na escola. O relato desta participante remete
às reflexões propostas por Guarido (2008), que demonstra
a intensa valorização da figura do especialista como aquele
que trará resultados imediatos para as questões cotidianas.
O diagnóstico foi realizado por psicólogos e um psiquia-
tra infantil, com quem a criança continua o acompanha-
mento, além do medicamentoso. Também relatou que,
após a qualificação de TDAH, seu filho foi medicado com
Ritalina, sendo que iniciara o uso havia seis meses e conti-
nuaria a usá-lo por tempo indeterminado.
A participante indicou que, antes do tratamento, o seu
filho “era uma criança agitada, se movimentava o tempo
todo e não conseguia manter o seu foco em uma atividade
ou em outra coisa que fosse fazer” (sic) e que, após o tra-
tamento, ela percebe mudanças: “vejo ele um pouco mais
tranquilo, com mais disposição em fazer suas atividades
escolares e com mais atenção (sic)”.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 472


Também apontou as diferenças consideradas por ela en-
tre “medicar” e “medicalizar”: “na minha opinião medicar é
você tomar o medicamento que o médico te orientou, medi-
calizar é você tomar o medicamento por conta própria.”(sic)

Professora II sobre a criança A2:


Apontou que foi a escola que realizou o encaminha-
mento da criança A2 aos profissionais de saúde e a partir
do diagnóstico de TDAH foi medicado com Ritalina, ten-
do-o usado desde então e com uma previsão de uso por
tempo indeterminado.
Esta professora ainda comentou que A2 é acompanhado
por psicólogo e psiquiatra, além de fazer o tratamento me-
dicamentoso. Não apontou diferenças entre os processos
de medicalizar e medicar.
Também indicou que, antes do tratamento, A2 “era inquie-
to, não conseguia realizar as atividades” (sic) e “com o medi-
camento consegue concentrar” (sic), além de que contar que
não há um tratamento diferenciado na escola. Nesse sentido,
sinalizou que a criança conta com o apoio da família, aspecto
que Meira (2012) apontou como diretamente envolvido no
processo diagnóstico e no desenvolvimento da criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, foi possível compreender a relevân-
cia de reflexões sobre o diagnóstico de TDAH e sua relação
com a apropriação do campo da medicina sobre a vida coti-

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 473
medicalização: percepções escolares e familiares
diana das pessoas, gerando um processo de medicalização
que pode banalizar a existência, ao transformar questões
humanas em categorias nosológicas ou transtornos.
Nota-se que o objetivo deste trabalho foi alcançado,
uma vez que possibilitou análises sobre as diferentes impli-
cações do diagnóstico de TDAH para as vidas das crianças,
além de discussões sobre os processos medicalizantes na
sociedade. O tema demonstra forte impacto social, uma
vez que a medicalização na infância, por meio de rótulos
como o TDAH, é cada vez mais visível, o que pode influen-
ciar diretamente na qualidade de vida e no desenvolvimen-
to de aspectos sociais e psicológicos da criança, em uma
tentativa de conter as suas expressões subjetivas.
Dessa maneira, uma análise mais profunda do tema faz-
se necessária para agregar uma maior visibilidade e contri-
buir para ações que visem à promoção da saúde. Diversos
estudos afirmam que as causas do TDAH são biológicas,
emocionais e sociais, assim há a sugestão de pesquisas fu-
turas que possam verificar a relação entre tais variáveis.
Percebe-se que a medicalização é um processo que tem
apresentado crescimento e, ao longo dos anos, modificado-
se juntamente com as transformações sociais, econômicas,
culturais e tecnológicas ao redor do mundo. Há também
divergentes visões acerca do tema, seja da família ou de
profissionais da educação e da saúde.
Conclui-se que todas as participantes valorizaram o dis-
curso médico para o diagnóstico e acompanhamento em re-
lação ao TDAH e não mencionaram as implicações da rela-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 474


ção delas próprias com as crianças. Ambas as participantes
também indicaram o papel marcante da escola no encami-
nhamento para o diagnóstico e também salientaram mudan-
ças significativas das crianças após o início da intervenção
profissional. Destaca-se que ambas as crianças utilizam me-
dicamentos, como a Ritalina e Risperidona, porém somen-
te a A2 recebe acompanhamento de profissionais da saúde,
inclusive de psicólogo, além do tratamento medicamentoso.
Algumas limitações foram observadas neste estudo, como
o reduzido número de participantes. Sendo assim, se suge-
re a realização de outras pesquisas que escutem as vozes das
crianças e adolescentes sobre os diferentes e próprios modos
de viver e de construir suas subjetividades. Novos estudos se
apresentam como necessários para restabelecer a valoriza-
ção da singularidade e expressões de cada sujeito, da mesma
forma que devem considerar a dimensão simbólica e social
envolvida em qualquer diagnóstico. Dado o exposto, incenti-
vam-se debates nas áreas da Psicologia e da Educação a fim
de potencializar uma visão mais humanizada acerca do tema.

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2019.

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e


| 477
medicalização: percepções escolares e familiares
Uma experiência
de aprendizado
compartilhada com
pedagogos da rede
municipal de Ribeirão
das Neves/MG

Eliana Costa Prates


Psicóloga clínica e escolar do Núcleo de Apoio
Psicopedagógico Infantojuvenil Ludmilla Patrícia Martins
(NAPPI/ Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão
das Neves/MG), com formação em abordagem sistêmica
e mediação de conflitos (Instituto Bert Hellinger e
Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil/IMAB).
elianaprates111@gmail.com
RESUMO
O artigo traz uma experiência de trabalho com peda-
gogos da rede de ensino municipal de Ribeirão das Ne-
ves-MG. Constituído pela política pública do território, o
Núcleo de Apoio Psicopedagógico Infantojuvenil (NAPPI/
Secretaria Municipal de Educação), desenvolve diferentes
ações de suporte as escolas, além do atendimento de crian-
ças e adolescentes com queixas escolares. Nesta atuação,
construímos um espaço de discussão sobre a identidade
deste profissional e os principais desafios enfrentados na
atualidade. Realizamos cinco encontros mensais, no se-
gundo semestre de 2017. A metodologia estruturou-se com
as rodas de conversa, vivências e dinâmicas de grupo, de
forma interdisciplinar. A condução dos encontros foi emba-
sada por concepções da Psicologia Escolar e Educacional e
contribuições da Psicanálise, que subsidiou a aposta na as-
sertividade da construção coletiva de respostas. Neste me-
canismo, o grupo se mobilizou num movimento positivo de
apropriação acerca do próprio discurso e fazer. Tornou pos-
sível trocas e aprendizados sobre os desafios, ferramentas
e os caminhos possíveis, o fomento ao autoconhecimento
e empoderamento no âmbito individual e coletivo, além do
cultivo de relações mais recíprocas na rede de educadores.
PALAVRAS-CHAVE: escuta, empoderamento, Psica-
nálise, Psicologia Escolar e Educacional.

Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 479
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
INTRODUÇÃO
O Núcleo de Apoio Psicopedagógico Infantojuvenil
(NAPPI) é um serviço subordinado à Secretaria Munici-
pal de Educação de Ribeirão das Neves/MG. Desenvolve
ações de suporte e apoio as escolas, além do acolhimento e
o atendimento de crianças e adolescentes com queixas re-
lacionadas ao processo de escolarização. Atualmente, exis-
tem duas unidades (Centro e Justinópolis) que recebem
encaminhamentos de casos e demandas de ações coletivas
das escolas municipais e estaduais da região. A equipe é
composta pela Fonoaudiologia, Pedagogia, Psicologia, Ser-
viço Social e Terapia Ocupacional. Possui como objetivo
favorecer e potencializar o processo de escolarização, con-
tribuir para a prevenção e a promoção da saúde do escolar.
Neste contexto, a psicologia escolar no NAPPI desen-
volveu diferentes projetos com as escolas de forma inter-
disciplinar, sobretudo, com o Serviço Social. As ações eram
construídas a partir da demanda apresentada pela escola,
pautadas no estudo e nas discussões em equipe sobre o
trabalho realizado e os diferentes fatores que perpassam a
escolarização. Além disso, buscava-se outras maneiras de
contribuir e de intervir além do atendimento, pela com-
plexidade que estrutura a queixa escolar, a qualidade das
intervenções, o alcance dos resultados e a sua perspectiva
diante das necessidades e amplitude do município.
O formato de trabalho com demandas coletivas estava sen-
do construído gradativamente, marcado por percalços e desa-
fios. Em contrapartida, deparávamos com o seu potencial em

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 480


contribuir para o desenvolvimento e conquista dos marcos da
Educação. No NAPPI, o educacional oferece suporte às es-
colas, pretende potencializar e favorecer o processo de esco-
larização, com todos os atores envolvidos. Busca-se identificar
e contribuir para a superação de possíveis entraves e dificul-
tadores relacionados a este processo, assim como, fortalecer
elementos facilitadores e potencializadores existentes.
Assim, desenvolvemos ações com os educadores, alunos
e familiares. A fim de contribuir para espaços de formação
dos profissionais (abordando temas como a estimulação e
o desenvolvimento infantil, os processos de escolarização,
etc), trabalhar temas transversais com os estudantes nas es-
colas (bullying, sexualidades, etc.) e com as famílias (relação
familiar, afeto e limites, professor e escola, outros). Na maior
parte das vezes, utilizamos o formato das rodas de conversas,
sendo em algumas situações específicas, trabalhados através
de palestras e discussões de caso (com os educadores).
Neste percurso de construção da atuação educacional,
a equipe foi convidada pela Superintendência de Ensino
(onde o NAPPI se localiza junto com as escolas na estru-
tura da Secretaria de Educação), para trabalhar a temática
“Família e escola” juntamente com os pedagogos da rede
municipal de ensino. Esse assunto já vinha sendo bastante
discutido nas ações educacionais do NAPPI com os pais/
responsáveis nas escolas. A demanda inicial era uma capa-
citação para os pedagogos da rede (80 pessoas, aproxima-
damente) que se desdobrasse, posteriormente, em outras
ações dos educadores nas escolas.

Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 481
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
Desde o início, pretendia-se escutar o grupo e ter mais
elementos sobre a real demanda dos educadores, ao invés
de apenas responder a pendência inicial com uma palestra,
por exemplo (o que, frequentemente, é solicitado à equipe.
Ou seja, o idealizado “pacote” de respostas, com instruções e
orientações sobre o assunto). A partir desta escuta, conseguir
desenvolver o assunto de forma mais assertiva e pertinente
ao dia a dia e a realidade das escolas. Sobretudo, incentivar
e fomentar possíveis ferramentas e recursos do grupo, pro-
vocar uma ampliação do olhar individual e a construção de
soluções coletivas para os desafios enfrentados.

DESENVOLVIMENTO
No primeiro encontro, apresentamos a proposta sobre
o tema “Família e escola” e sobre a roda de conversa, con-
forme propõe Afonso e Abade (2008). Iniciamos, com a
apresentação de todos e escuta sobre preocupações e ex-
pectativas relacionadas. As rodas, somado à escuta ativa,
dinâmicas e vivências que favorecessem a reflexão, conju-
gada com a promoção do diálogo e a construção coletiva de
soluções, permearam todos os momentos.
A psicanálise aponta para a impossibilidade de apresen-
tar respostas “prontas” e ressalta a condição de escutar an-
tes de quaisquer construções que poderia surgir, aparente-
mente, como mais adequada. Assim, a escuta ativa (sobre a
demanda, desafios e preocupações, a visão dos educadores,
limites e possibilidades), perpassa toda a condução emba-
sando uma ação compatível com a realidade das escolas.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 482


Ao escutar os profissionais, surge outra questão: qual
a identidade do pedagogo, contextualizada por tantas de-
mandas do universo escolar na atualidade? Verbalizada
intensamente, não havia como dar continuidade ao tema
inicial. Não se tratava de responder à pergunta, apenas,
ciente de um possível endereçamento ao lugar ocupado
pela psicologia escolar, naquele instante. Era preciso inver-
ter essa lógica. Permitir, favorecer, potencializar a produ-
ção, a construção coletiva e a elaboração do próprio grupo.
Apresentava-se a relevância do questionamento e, por
outro lado, sobressaltava o movimento desenhado a partir
da mobilização gerada no grupo. Deparamos com a impor-
tância de permanecer com o olhar voltado para os sujeitos e
as produções permitidas nos arranjos da linguagem. Exigiu
manejo e deslocamento do lugar de respostas, por tratar-se
de um lugar tracejado de suposição, fadado ao fracasso,
neste sentido aparente. Esbarramos com a expectativa de
soluções prontas que só poderiam ser apresentadas por um
terceiro de forma equivocada, do lugar em que responde-
mos na atuação escolar e educacional.
Com este cuidado, foi possível contribuir para reflexão,
busca e construção dos próprios pedagogos. A partir da
apresentação de um “não saber” arquitetado na aposta do
sujeito de desejos e de conhecimento. Conforme nos es-
clarece Lacan (1992), com o deslocamento do Discurso de
Mestria, abre-se outra possibilidade para o engajamento e
a produção, com a emersão da própria narrativa.
Assim, com outros atores parceiros da Secretaria de Edu-
cação, propomos a transformação em um Grupo de Trabalho.

Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 483
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
A intenção era oferecer espaço para um (re)posicionamento
e a elaboração de respostas coletivas. A equipe atuou na con-
dução das discussões e como facilitadores do processo cata-
lisado pelo movimento da equipe; de produção sobre o seu
fazer e de apontamentos importantes sobre a sua identidade,
contextualizada e inscrita por particularidades do município.
Foram cinco encontros com o grupo, realizados nos dois
turnos para contemplar todos os profissionais. Após o pri-
meiro, desenvolvemos nos três seguintes a discussão so-
bre a identidade e os principais desafios enfrentados. No
último, realizamos um fechamento com um documento
produzido pela equipe sobre tais questões. Incrementamos
cada dia, com vivências e dinâmicas de aquecimento e sen-
sibilização (sobre identidade, aspectos individuais e coleti-
vos, visão ideal e real da escola, entre outros).
Cada encontro tinha a duração de três horas, aproxi-
madamente. No começo, tinha uma divisão em pequenos
grupos para o estudo de textos de autores referenciados
na Pedagogia (indicados a partir de pesquisa bibliográfica
dos pedagogos parceiros na condução desta ação, da Su-
perintendência de Ensino). Posteriormente, apresentavam
a sua leitura e discussão, com articulações voltadas para a
prática nas escolas. A intenção era provocar o debate do
grupo maior no segundo momento, subsidiar e contribuir
para a delimitação de parâmetros desta identidade, função,
objetivos e recursos disponíveis.
Foi notória a transformação do discurso queixoso, vitimiza-
do, passivo e resistente, para o oposto. Apresentou-se um gru-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 484


po ativo, com riquíssima experiência e vivência de trabalho,
capaz de construir as soluções para as próprias dificuldades,
de estabelecer norteadores sobre a sua prática, de forma coe-
rente com a formação, seus princípios éticos e metodológicos
Alguns pontos se referiam às múltiplas tarefas exercidas;
“Aquele que faz tudo” (sic), o “Severino” (sic) da escola. A
sobrecarga de atividades e o tempo para suas tarefas es-
pecíficas eram apontados como impedimentos. Principal-
mente, no que tange aos processos de ensino e aprendiza-
gens, a “missão pedagógica” (sic) que, interpelavam sobre
o seu papel na instituição. Outro ponto, foi a necessidade
de definir limites e possibilidades, como por exemplo, em
relação aos pedidos recorrentes para assumir a sala de aula
na ausência de um professor.
Em diferentes momentos, o grupo indicava que não
era possível uma resposta única diante da complexidade
da realidade. Mas, com as discussões e maior clareza de
tais atravessamentos, foi possível pensar cada situação, es-
tabelecer prioridades, critérios. Outras problemáticas que
perpassam a comunidade escolar e o seu entorno, também
foram levantadas (como a situação de pobreza, vulnerabi-
lidades, violências, ameaças, recursos, a participação e o
envolvimento ou não dos moradores com a escola, a postu-
ra, receios e orientações transmitidas aos professores etc.).
A construção de respostas, eram realizadas no começo
dos encontros, compartilhadas e debatidas no grupo maior,
em seguida. À medida que discutiam, destacavam ressalvas
e ponderações sobre a sua prática, percebia-se que além da

Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 485
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
mudança inicial de postura, sinalizavam para a possibilidade
de aproximação entre as pessoas por compartilhar desafios,
inseguranças, receios e objetivos semelhantes, proporciona-
vam mudanças nos olhares e nas percepções de si mesmos.
Neste sentido, o movimento do Grupo de Trabalho
mostrou-se ir além da construção de respostas. O ato de
pensar, expressar, compartilhar desafios e soluções de
forma autônoma, criativa e responsável, permitiu o for-
talecimento, o (re)conhecimento e o empoderamento do
mesmo. Proporcionou espaço para maior proximidade nas
relações, marcada pelo compartilhamento e o sentimento
de pertencimento. Ao partilhar, era possível incrementar o
aprendizado e favorecer relações de cooperação e de reci-
procidade. Conforme nos esclarece Kleba e Wendhausen
(2009), sobre o processo de empoderamento,“[...] desen-
cadeia respeito recíproco e apoio mútuo entre os membros
do grupo, promovendo o sentimento de pertencimento,
práticas solidárias e de reciprocidade” (p. 733).
Durante o trabalho, foi possível também identificar e
destacar ações positivas já desenvolvidas, favorecendo o in-
centivo do processo de mobilização e a própria organização
grupal. Implicou no fomento e incremento de estratégias
e ferramentas dos pedagogos, a partir da troca de dificul-
dades e descobertas entre as escolas, com realidades par-
ticulares, mas inseridas no mesmo território. A experiência
abriu para a possibilidade de contribuir com “microingre-
dientes” para o cultivo de relações favoráveis à formação de
capital social na rede de educadores e, indiretamente, na
comunidade escolar.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 486


Os pontos discutidos, seus desdobramentos e fechamen-
tos eram registrados pela equipe educacional que, posterior-
mente, redigiu o referido documento para ratificar as propo-
sições e ressalvas do grupo. A sua leitura coletiva permitiu
reflexões sobre os pontos acordados e socialização do con-
teúdo. Na avaliação posterior, os participantes registraram o
desejo de manter os encontros e a importância de um espa-
ço para reflexão e compartilhamento de experiências.
Destaca-se a importância de se escutar os atores envol-
vidos e de não subjugar o conhecimento advindo da prática.
Aliás, os benefícios podem se multiplicar quando este saber
encontra lugar, visibilidade e reconhecimento. Ressalta-se
ainda para a oportunidade de contribuir com o empodera-
mento na construção coletiva que se configurou como um dos
principais objetivos do trabalho da psicologia escolar e educa-
cional. Um lugar que transita pela facilitação e mobilização de
processos, que pode contribuir e construir junto, exatamente,
na soma e no diálogo com a comunidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação da maior parte do grupo foi positiva, como a
experiência tivesse permitido a cada um assumir o próprio
lugar, ter voz sobre si, sua atuação e identidade profissio-
nal. Alguns não entenderam a proposta da apresentação de
um “não saber” com aposta no seu próprio conhecimento e
a atenção ao movimento de mobilização. A prática aponta
para a relevância de uma condução que favoreça a apresen-

Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 487
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
tação de sujeitos ativos e protagonistas do seu enredo na
vida escolar (detentores de desejos, de habilidades, expe-
riências, conhecimento, criatividade e perícia sobre o seu
próprio fazer).
O deslocamento do discurso de respostas exige lidar tam-
bém com a frustração e outros questionamentos que desco-
nhecem o arranjo colocado em cena neste endereçamento de
saber. Tais elementos constituem-se como parte importante
do processo. Corrobora para a necessidade da propriedade
sobre o lugar que a Psicologia Escolar e Educacional ocupa
nesta rede, os seus objetivos e princípios. Obviamente, a apre-
sentação deste “não saber” não implica em dispensar o co-
nhecimento, a linguagem técnica, clara e concisa no decorrer
da ação e no manejo, inclusive, de possíveis dificultadores no
processo. Pelo contrário, frequentemente, é essencial, tradu-
zir a metodologia de trabalho para os atores envolvidos.
Ao apostar no conhecimento do sujeito, com a proposta
implícita também no caminho por construção coletiva de
soluções e respostas para os desafios enfrentados, foi pos-
sível contribuir com o processo de construção e de iden-
tidade do grupo. Principalmente, em interface com outras
disciplinas da educação estruturadas por lógicas de saberes
e verdades, é preciso reforçar que se não escutarmos os
educadores antes de trabalhar quaisquer propostas, corre-
mos o risco de reproduzir o que não desejamos que façam
com os alunos. Ou seja, ministrar um determinado con-
teúdo porque foi “avaliado” como importante, sem escutar
e sem considerar o sujeito que está sentado à sua frente.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 488


Nesta perspectiva, a experiência aponta a relevância de
não perder de vista o cálculo de sua intervenção e o objetivo
das ações diante do endereçamento que deparamos no cam-
po da Educação. Incide sobre a possibilidade de potencializar
processos, pautar o encontro do grupo e, consequentemente,
o seu fortalecimento. Sinaliza ainda sobre caminhos que po-
dem cultivar, indiretamente, terras favoráveis para a formação
e/ou o incremento de capital social na rede de educadores.
A partir do deslocamento do lugar do especialista, tornou-
se possível uma mudança no discurso e na postura do grupo
diante dos problemas enfrentados, permitiu a apresentação e
a apropriação do sujeito sobre si e o seu fazer. Mobilizados por
uma questão comum, os profissionais apresentaram relevante
produção, com indagações, reflexões e o compartilhamento de
desafios, experiências, pressupostos teóricos e metodológicos
utilizados no dia a dia, proporcionando o (re)conhecimento, o
aprendizado mútuo e o empoderamento do grupo. Além disso,
ao pensar e construir respostas coletivas para os desafios en-
frentados, deparamos com a possibilidade de transformar laços,
favorecer maior proximidade e reciprocidade nas relações.

REFERÊNCIAS

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Rodas. Belo Horizonte: Rede de Cidadania Mateus Afon-
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Uma experiência de aprendizado compartilhada com


| 489
pedagogos da rede municipal de Ribeirão das Neves/MG
KLEBA M. E.; WENDHAUSEN, A. Empoderamento:
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LACAN, J. O Seminário, livro 17: O avesso da Psicaná-


lise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 490


Uma interlocução
possível entre a
Psicologia Escolar e a
mediação de conflitos

Eliana Costa Prates


Psicóloga clínica e escolar do Núcleo de Apoio
Psicopedagógico Infantojuvenil Ludmilla Patrícia Martins
(NAPPI/ Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão
das Neves/MG), com formação em abordagem sistêmica
e mediação de conflitos (Instituto Bert Hellinger e
Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil/ IMAB).
elianaprates111@gmail.com
RESUMO
O presente artigo propõe uma interlocução possível
entre a Psicologia Escolar e Educacional e a metodologia
da Mediação de Conflitos, a partir do relato de uma expe-
riência desenvolvida em uma escola pública de educação
infantil de Ribeirão das Neves-MG. Neste contexto, o ob-
jetivo da atuação educacional é oferecer suporte à escola,
de acordo com as demandas e prioridades apresentadas.
Em última instância, favorecer e fortalecer o processo de
escolarização. Na prática, o ensinar e o aprender aconte-
cem de forma indissociável das relações e do ambiente que
constituem a vida escolar. Estudos relacionados indicam
que tal dinâmica poderia atuar como fator de proteção e
potencializar os principais objetivos da escola e, no cami-
nho inverso, fragilizar tentativas diversas de melhorias do
ensino e da educação. O encontro entre a atuação da Psi-
cologia e a Mediação se apresenta na escuta, na oferta da
palavra e do diálogo como recursos diante dos conflitos,
na busca por soluções coletivas, responsáveis e criativas
para as problemáticas enfrentadas. Enfim, aponta para a
possibilidade de contribuir para relações mais saudáveis,
dialógicas e solidárias no ambiente escolar, com desdobra-
mentos e benefícios para todo o processo educativo.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar; mediação de
conflitos; queixa escolar; aprendizagem; fatores de risco e
de proteção.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 492


INTRODUÇÃO
A Psicologia Escolar no Núcleo de Apoio Psicopedagógico
Infantojuvenil (NAPPI) é desenvolvida de forma interdisci-
plinar com as áreas da Fonoaudiologia, Pedagogia, Serviço
Social e Terapia Ocupacional. Primeiramente, buscamos
nos aproximar e conhecer a realidade enfrentada por cada
escola que constitui a rede municipal, por meio de visitas
e entrevistas. Construímos um diagnóstico para identifi-
car os potenciais e as principais dificuldades enfrentadas.
Tratava-se de um estudo sobre as demandas, prioridades,
possíveis fatores de risco e de proteção atrelados à escola-
rização que subsidia a nossa atuação.
Pretendíamos ainda, provocar um aumento das deman-
das coletivas, através da oferta e esclarecimento sobre a
importância e possibilidades do atendimento institucio-
nal. As escolas já acionavam regularmente o serviço por
meio do encaminhamento de casos com queixas escolares.
A mobilização para a atuação educacional era um desa-
fio e exigia a desconstrução de ideais equivocados acerca
do atendimento individual, frequentemente referenciado
como única resposta diante do que parece escapar ao ensi-
no e à Educação.
Após escuta e análise sobre os referidos fatores, a ação
da Psicologia Escolar era elaborada com cada escola. Con-
forme a temática envolvida (aprendizagem, relação escola
e família, afeto e limites, estimulação e desenvolvimento
infantil etc.), envolvia uma construção interdisciplinar
com as demais áreas do NAPPI.

Uma interlocução possível entre a Psicologia


| 493
Escolar e a mediação de conflitos
Os estudos sobre fatores de risco e de proteção são dis-
cutidos na segurança pública, assistência social, dentre ou-
tras políticas. Com equiparada relevância, também na lei-
tura e identificação de elementos que podem interagir na
vida escolar. Conforme Sapienza e Pedromônico (2005),
pesquisas apontam a influência de fatores no desenvolvi-
mento da linguagem e da cognição, entre outras. As auto-
ras citam Eisenstein e Souza (1993, p. 18), que entendem
fatores de risco como “elementos com grande probabili-
dade de desencadear ou associar-se ao desencadeamento
de um determinado evento indesejado”; e, os fatores de
proteção como “recursos pessoais ou sociais que atenuam
ou neutralizam o impacto do risco”.
Assim, os fatores de risco poderiam influenciar negati-
vamente, limitar, prejudicar e/ou fragilizar. Atuam com o
sujeito, nas relações ou no ambiente escolar. Poderíamos
citar o bullying, a ausência ou pouca participação da famí-
lia na vida escolar, a dinâmica e a organização da escola, as
relações e a comunicação, a falta de acolhimento aos alu-
nos, o método de ensino, ou, a insatisfação, a desmotivação
e o adoecimento dos profissionais etc.
Apenas um fator não poderia explicar o desempenho do
estudante. Como risco, indica a probabilidade de influen-
ciar e atuar de forma negativa de acordo com a vulnerabili-
dade ou resiliência do sujeito. Esta vulnerabilidade pode se
apresentar relacionada às experiências, às histórias de vida,
singularidades, recursos internos (valores, crenças, autoima-
gem, capital social/familiar, objetivo e subjetivo) e externos.

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 494


A leitura de tais fatores, o olhar também sobre fatores
de proteção (como as relações de reciprocidade e confian-
ça, a identidade e o sentimento de pertença) foi essencial
para qualificar a atuação da equipe. A prática exigia uma
construção condizente com a realidade das escolas, permi-
tia a composição de ações plurais e interdisciplinares.
Nesse contexto, deparamos com uma demanda da edu-
cação infantil (berçário, 1º e 2º períodos, onde trabalhavam
25 funcionários). As relações eram pautadas pela ausência
de diálogo e intensos conflitos, desencadeando sofrimento,
desmotivação e adoecimento dos profissionais, atrelados a
uma série de entraves e prejuízos no cotidiano com os alunos.
A Mediação de Conflitos vem sendo utilizada em dife-
rentes áreas, com implicações e desdobramentos importan-
tes pela resolução pacífica e positiva de conflitos. Segundo
Neto e Sampaio (2007), esta metodologia não impõe li-
mites quanto a sua aplicação em determinado campo ou
temas que se tornam emaranhados de conflitos. Explicam
que o método em si não impõe restrição, sendo, portanto,
uma conjugação possível com a prática escolar.
Com exceção das ressalvas que envolvem diferentes posi-
ções de poder ou hierarquias, quem irá ditar as possibilidades
e os limites de diálogo no processo de mediação serão as pes-
soas envolvidas. Elas ditarão também as contingências para a
criação de soluções criativas, coletivas e solidárias para os pro-
blemas enfrentados. Da mesma forma, no universo escolar,
os atores envolvidos encontram a possibilidade de promover
e pactuar em grãos a chance de uma cultura de paz pautada
pelo diálogo, pelo respeito e a aprendizagem recíproca.

Uma interlocução possível entre a Psicologia


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Escolar e a mediação de conflitos
A atuação educacional do NAPPI possui como foco o
processo de escolarização, a prevenção e a promoção da
saúde do escolar. O objetivo é incentivar e/ou potenciali-
zar recursos podendo otimizar a aprendizagem, favorecer
a construção de ferramentas e soluções para enfrentar e/
ou minimizar dificuldades. A proposta da Mediação de
Conflitos, delineada a partir da atuação da Psicologia Es-
colar nesta experiência, ratificava trazer a palavra e o diá-
logo como recursos, pautando-se na autonomia e respeito
mútuo entre as pessoas. Favorecer a construção de um
ambiente e convivência escolar mais saudáveis, somado a
busca de soluções coletivas, criativas e autônomas para as
questões enfrentadas, é nosso intento.

DESENVOLVIMENTO
Após uma primeira fase que envolveu a visita, a entrevista,
a escuta e o estudo da demanda, preparamos o esboço da ação
educacional. A proposta conjugada com princípios e técnicas
da metodologia da Mediação de Conflitos, seria apresenta-
da e discutida com o grupo. Foram realizados oito momentos
com a escola, com duração de duas horas, aproximadamente.
Toda a equipe foi convidada para participar, inclusive, os ges-
tores que estiveram presentes em dois dias, sobressaindo a
frequência regular dos professores e da pedagoga.
Chamava a atenção a mobilização da escola para que os
encontros ocorressem, inclusive, o movimento das cantinei-
ras, monitoras e professores de apoio. Para permitir a partici-

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 496


pação do professor na mediação, precisavam realizar ativida-
des coletivas com os alunos. Apesar de se descreverem como
uma equipe “fragmentada” (sic) formada por “pessoas isola-
das” (sic), pareciam já mobilizados pela angústia, desgaste e
forte desejo de mudança. Enfim, uma sinergia apresentada
pela escola que indicava importante abertura ao processo e
aumentava a chance de bons resultados.
Foi esclarecido a atuação da Psicologia Escolar do
NAPPI e os princípios norteadores da proposta da Media-
ção -método de resolução pacífica de conflitos. O objeti-
vo inicial era escutar as expectativas, apresentar e pactuar
combinados do processo. Desde o começo, foi notório a
angústia e desgaste dos profissionais pelas dificuldades en-
frentadas. Verbalizaram sofrimento, percepções, reconhe-
cimento sobre desdobramentos negativos para além dos
conflitos; como pouca criatividade, baixo envolvimento
e participação nos eventos da escola, empobrecimento e
outras limitações nas ações cotidianas, construções indi-
vidualizadas e fragmentadas dos professores, cisão com os
cuidadores do berçário, suporte pedagógico insatisfatório,
faltas e ausências por atestados frequentes, sentimentos
de sobrecarga, queixas de depressão, isolamento e outros
prejuízos relatados para além da vida profissional.
Ressalta-se que a mediação traz importante viés didático
e emancipador. Ao abordar o tema, não se tratava apenas
de solucionar os conflitos. Implicava, sobretudo, em ampliar
o olhar e promover uma mudança na postura diante deste
cenário. Ressaltou-se os princípios norteadores da meto-
dologia, como o respeito, a cooperação e a voluntariedade

Uma interlocução possível entre a Psicologia


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Escolar e a mediação de conflitos
necessária ao processo, bem como, sobre as mudanças de
paradigmas implícitas (como perceber o outro como parcei-
ro na busca por soluções para os problemas enfrentados ao
invés de adversário; rompimento com a lógica comum: ga-
nhar x perder; o papel do mediador como facilitador e não
um terceiro que julga e define soluções, dentre outros).
Após apresentação e pactuação com o grupo, elabora-
mos a agenda e a pauta com as questões levantadas, como:
a comunicação (formal e informal) na escola, o relaciona-
mento, as funções, o processo e a visão pedagógica (flu-
xo/organização/ planejamento). Por último, a insatisfação
e ausência de “cuidados” (sic), agravados pelos conflitos
entre a equipe. Ao longo dos encontros, cada assunto era
discutido com o grupo, abordando os sentimentos envol-
vidos e saídas possíveis para cada dificuldade elencada,
apresentando também as Técnicas de Comunicação Não
Violenta (ROSENBERG, 2006), conforme demandado
pelas educadoras. Uma das primeiras falas durante os en-
contros, foi: “Nessa escola, aprendi a não contar com o
outro e a deixar os sonhos de lado” (sic). Movimento que
aos poucos foi desconstruído pelos participantes. Com a
promoção do diálogo, houve uma reorganização do grupo
e, consequentemente, do trabalho. Seu discurso posterior,
sinalizava para a possibilidade de retomar projetos e “so-
nhos” relacionados à prática na Educação Infantil.
Diferentes pontos de vista sobre limites e possibilida-
des do tempo (individual e coletivo), do espaço físico da
escola, sobre a rotina dos alunos, o “cansaço” (sic) dos pro-

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fissionais, projetos pedagógicos inacabados, “cobranças”(-
sic) das famílias, “sentimento de sobrecarga e isolamento”
(sic), as funções, o processo de escolarização, entre outros,
foram discutidos. Algumas sugestões foram: a criação de
um quadro oficial de comunicação, organização de lanches
coletivos e comemorações, construção coletiva do calen-
dário pedagógico do ano seguinte, otimização dos espaços,
dos materiais e do ambiente coletivo. Principalmente, so-
bre o uso do diálogo e de ferramentas que pudessem for-
talecer a comunicação e socializar informações: encontros,
reuniões, murais, informes, cadernos de avisos etc. Enfa-
tizaram a importância de cada um exercer a sua função,
ser ativo e flexível diante do coletivo. Destacaram ainda as
diferenças no olhar e no autocuidado da própria equipe.
O grupo se escutava, provocava reflexões, discutia saí-
das e soluções de forma compartilhada. Foi possível abor-
dar as percepções, teorias/crenças subjacentes, necessida-
des/interesses individuais e coletivos. Paralelo às pautas,
construímos um cronograma de ações pactuadas pelo gru-
po, dentre elas, a continuidade dos encontros para conver-
sar sobre o trabalho. Discutimos sobre as implicações do
diálogo pautado pelo respeito, das verdades plurais e subje-
tivas, e, uma visão positiva do conflito como oportunidade
de mudança e crescimento.

Os contextos de resolução alternativos à


confrontação, ao paradigma ganhar-per-
der, à disputa ou ao litígio direcionam-se
à co-participação responsável, admitem a
consideração e o reconhecimento da sin-

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Escolar e a mediação de conflitos
gularidade de cada participante no confli-
to, consideram a possibilidade de ganhar
conjuntamente, de construir o comum e
assentar as bases de soluções efetivas que
legitimem a participação de todos. (SCH-
NITMAN, 1999, s./p.).

Outros aspectos da mediação que se destacaram, num


cenário permeado por sentimentos de descrença, de des-
valorização e de desmotivação apresentado pelos fun-
cionários, foi inscrito pelas condições de autonomia e a
corresponsabilização investidos pelo grupo no processo e
resultados alcançados. As discussões engajadas por tais
condições favoreceram o comprometimento das pessoas,
legitimou a apropriação efetiva da palavra e do diálogo no
cotidiano, para além dos encontros de mediação.
Foi verbalizado pelas educadoras a expectativa de que
“viria uma psicóloga para atender a equipe.” (sic) De certa
forma, esta associação do grupo com o ato de cuidar fa-
voreceu uma abertura, o estabelecimento do vínculo e da
confiança, essenciais para a condução do processo. O gru-
po relatou sentir-se valorizado e sensibilizado por este mo-
mento/espaço de escuta, o que somado ao sofrimento e an-
gústia diante do desgaste e conflitos já vivenciados, agiram
como catalisadores importantes para mudanças. “Nunca
veio alguém aqui só pra cuidar. Para escutar a gente falar,
saber como estamos e o que achamos” (sic); “Geralmente,
as pessoas vêm aqui para cobrar, dizer o que tem que fazer,
o que está certo e o que está errado” (sic).

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A mediação volta o olhar para as pessoas e as relações, o
foco no futuro, isento de julgamentos (VEZZULA, 1995), o
que também é pautado na Psicologia Escolar e Educacional.
Foi notório o esforço do grupo para melhorar a sua comuni-
cação. Aos poucos, a mudança na postura e na visão sobre os
conflitos permitiu reflexões importantes sobre o cotidiano e
os seus desafios. Movidos pelo desejo de transformar o que
era compartilhado nas relações e pela busca do bem comum,
conseguiram dialogar, reorganizar o trabalho e as relações.
Aos poucos, a presença da mediadora foi se tornando desne-
cessária. Foi relatado pelo grupo sobre desdobramentos positi-
vos a partir da apropriação de tais recursos com toda comunida-
de escolar (funcionários, pais, alunos, inclusive, na própria vida
pessoal). Além disso, houve uma aproximação entre a escola e
o NAPPI, contribuindo para um (re)conhecimento recíproco
do trabalho, no diálogo e no encaminhamento dos alunos para
atendimento, inclusive, na abertura e desenvolvimento de ou-
tras ações coletivas. O papel do mediador diante dos conflitos
foi gradativamente se ofuscando enquanto o grupo se empode-
rava, de acordo com a característica de sua função biodegradá-
vel, conforme nos esclarece Vezzula (1995, p. 15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adesão do grupo e a abertura da escola diante da pro-
posta de trabalho educacional proporcionaram bons resul-
tados nesta experiência. Inscreve a possibilidade positiva
de interlocução entre a Psicologia e a Mediação no univer-

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Escolar e a mediação de conflitos
so escolar, engajadas no objetivo maior de contribuir para
o cultivo de relações dialógicas e pacíficas que favoreçam
a escolarização e o desenvolvimento saudável dos alunos
junto com a comunidade escolar.
O foco das ações inscrito pelo viés da aprendizagem e
da saúde do escolar está estreitamente ligado às relações
e ao ambiente. A demanda apresentada pelos educadores
seria anterior a qualquer outra tentativa que almejasse a
melhoria ou outra reflexão sobre o ensino. A experiência
ressalta, novamente, para a importância de escutar os ato-
res da escola antes de propor quaisquer projetos, mesmo
que se apresentassem como “magníficos”, teoricamente, à
educação infantil.
Destaca-se que a partir da própria escola, do estudo so-
bre fatores que possam ser incrementados, fortalecidos ou
enfrentados, é possível compor propostas de intervenção
condizentes com a realidade, às fragilidades, aos potenciais
e recursos disponíveis. Além disso, cumpre à Psicologia
destacar o cuidado com o humano, com a subjetividade e,
ainda, com a palavra, de forma indissociável dos quesitos
tão almejados: ensinar e aprender, o que vai ao encontro da
proposta da mediação de conflitos.

Estava todo mundo preso. Depois dessa


mediação, parece que todo mundo co-
meçou a caminhar. Surgiu um tanto de
solução de cada um. Aprendi a falar com
as palavras claras.” (Relato de uma pro-
fessora do grupo)

Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais | 502


REFERÊNCIAS

EISENSTEIN, E.; SOUZA, R. P. Situações de risco à


saúde de crianças e adolescentes. Petrópolis, RJ: Vo-
zes, 1993.

ROSENBERG. M. B. Comunicação não-violenta: téc-


nicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissio-
nais. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006

SAMPAIO, L. R. C.; NETO, A. B. O que é Mediação de


Conflitos. São Paulo: Brasiliense, 2007.

SAPIENZA, G.; PEDROMÔNICO, M. R. M. Risco, pro-


teção e resiliência no desenvolvimento da criança e do ado-
lescente. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 2,
p. 209-216, maio/ago. 2005. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/pe/v10n2/v10n2a07.pdf>. Acesso em: 06 jun.
2019.

SCHNITMAN, D. F. (Org.). Novos paradigmas em


mediação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

VEZZULA, J. C. Teoria e prática da Mediação. Curiti-


ba: Instituto de Mediação, 1995.

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