Você está na página 1de 299

Aviso

A presente tradução foi efetuada pelos grupos PG, Poison e WAS,


de modo a proporcionar ao leitor o acesso à obra, incentivando à
posterior aquisição. O objetivo do grupo é selecionar livros sem previsão
de publicação no Brasil, traduzindo-os e disponibilizando-os ao leitor,
sem qualquer forma de obter lucro, seja ele direto ou indireto.
Levamos como objetivo sério, o incentivo para o leitor adquirir as
obras, dando a conhecer os autores que, de outro modo, não poderiam,
a não ser no idioma original, impossibilitando o conhecimento de
muitos autores desconhecidos no Brasil. A fim de preservar os direitos
autorais e contratuais de autores e editoras, os grupos poderão, sem
aviso prévio e quando entender necessário, suspender o acesso aos
livros e retirar o link de disponibilização dos mesmos, daqueles que
forem lançados por editoras brasileiras. Todo aquele que tiver acesso à
presente tradução fica ciente de que o download se destina
exclusivamente ao uso pessoal e privado, abstendo-se de o divulgar nas
redes sociais bem como tornar público o trabalho de tradução do grupo,
sem que exista uma prévia autorização expressa do mesmo.
O leitor e usuário, ao acessar o livro disponibilizado responderá
pelo uso incorreto e ilícito do mesmo, eximindo os grupos de qualquer
parceria, coautoria ou coparticipação em eventual delito cometido por
aquele que, por ato ou omissão, tentar ou concretamente utilizar a
presente obra literária para obtenção de lucro direto ou indireto, nos
termos do art. 184 do código penal e lei 9.610/1998.
Sinopse

Ninguém abre o coração e a alma como a autora best-seller do


New York Times, Mia Sheridan.

No momento em que conheceu Callen Hayes, Jessica Creswell, de


onze anos, sabia que ele era um príncipe quebrado. O seu príncipe. Eles
se tornaram refúgio um do outro, um lugar seguro e mágico longe de
suas vidas problemática. Até o dia em que Callen a beijou- o primeiro
beijo real da sonhadora Jessica - e depois desapareceu de sua vida sem
uma palavra.
Anos depois, todos sabem quem é Callen Hayes. Famoso
compositor. Infame bad-boy. O que ninguém sabe é que a música de
Callen está agora trancada lá no fundo, presa atrás de seus demônios
internos. É só quando ele se retira para a França bebendo através da
escuridão que Callen tropeça em uma pessoa que faz a música voltar.
Jessica. Sua Jessie. E ela ainda tem gosto de inocência fresca e doce...
mesmo quando incendeia seu sangue.
Mas eles não pertencem mais ao mundo um do outro. Há muitos
erros. Muitos segredos. Muitas mentiras. Tudo o que têm é aquele
desejo instintivo, uma necessidade - e algo que parece perigosamente
com amor.
Prólogo
JESSICA - ONZE ANOS DE IDADE

— A noite estava escura e... — Eu dei um passo hesitante para


frente, esmagando a grama seca do verão suavemente sob os meus
pés. Tempestade? Não, nem estava nublado. Eu olhei para a pálida
lua. Ainda não estava escuro, o céu da noite estava apenas começando
a tomar um azul crepuscular mais profundo. Um cachorro latiu em
algum lugar à distância, e então ficou quieto de novo, meus passos
ecoavam ao meu redor como se eu fosse a única pessoa viva naquela
terra estranha e traiçoeira. — Solitária, — eu finalmente decidi,
sussurrando as palavras. Eu endireitei meus ombros, invocando
coragem. — A noite estava... Fraca e solitária, e ainda assim a princesa
continuou sua jornada, acreditando de todo o coração que o príncipe
não estava muito atrás e que ele a resgataria. Tudo o que ela tinha que
fazer era esperar e ter esperança.
Eu continuei andando, minha respiração engatou quando meu
pulso acelerou. Eu nunca tinha andado tão longe de casa antes e nada
me parecia familiar. Onde estou? Quando o céu ficou cinza, luzes
repentinamente piscaram à frente, e eu me movi em direção a elas como
se fossem um farol, um guia. — As estrelas cintilaram no céu, e a
princesa seguiu as mais brilhantes, com certeza elas a levariam para a
segurança e... — meu estômago roncou, mais alto que a suave subida e
descida da canção de grilos no ar da noite —... Para a comida.
Um declive estava entre mim e as luzes brilhantes - o que eu
podia ver agora eram lâmpadas de rua – comecei a subir devagar. Eu
agarrei meu livro em uma mão, usando a outra mão para me equilibrar
nas partes mais íngremes. — A princesa estava cansada de sua jornada
e, ainda assim, reuniu forças e escalou os penhascos, sabendo que
seria capaz de ver onde estava de um lugar mais alto. Talvez ela visse o
príncipe, galopando em direção a ela em seu fiel cavalo.
As luzes estavam muito próximas, e quando cheguei ao topo da
inclinação e emergi através de alguns arbustos, eu fiquei em pé na
frente de um conjunto de trilhos de trem. Soltei uma expiração áspera,
olhando de um lado para o outro, me virando para examinar a terra
abaixo. Olhando para a encosta à minha frente, eu podia apenas ver a
borda do campo de golfe que recuava para um campo amplo. Suspirei
de alívio agora que eu estava me orientando. Minha casa ficava em um
bairro do outro lado do campo de golfe. Como eu poderia ter ficado tão
envolvida em minha própria fantasia que não tinha percebido o quanto
me distanciei?
Eu deveria ir para casa agora que sei para onde ir.
Fiquei por um momento olhando na direção da minha casa,
ouvindo os ecos das lágrimas de minha mãe, a voz irritada do meu pai e
a porta batendo dizendo que meu irmão mais novo tinha ido a casa ao
lado para passar a noite na casa de seu amigo Kyle. Eu não quero estar
lá. Levaria horas antes que eles notassem que eu tinha ido embora. Se é
que eles notariam.
Voltei-me para os trilhos. Havia um vagão solitário parado e
silencioso a uma curta distância, e eu o observei com curiosidade,
deslocando meu peso de um pé para o outro, uma estranha vibração no
meu peito. — A princesa avistou as cavernas à frente, — murmurei, — e
foi atraída por elas por algum motivo que ela não podia explicar. —
Destino.
Andei devagar pelo cascalho, passando pelo primeiro trilho e
seguindo em direção ao vagão. O som dos grilos do campo abaixo ficou
fraco, e a noite pareceu subitamente mais quieta e mais silenciosa,
como se o mundo inteiro estivesse prendendo a respiração. Meu coração
começou a bater mais rápido novamente em antecipação de... Alguma
coisa. Eu toquei o lado do vagão, o metal frio e suave sob as pontas dos
meus dedos enquanto eu arrastava a minha mão ao longo dele,
movendo em direção à larga escuridão da porta aberta. Meu sussurro
foi um sopro de som. — As cavernas eram escuras e, no entanto, a
princesa era corajosa. Ela iria parar aqui por um tempo e esperar que o
príncipe a alcançasse. Ele estava muito perto agora. Ela
podia sentir isso.
Parando na beira da porta aberta, eu inclinei minha cabeça
lentamente para dentro, minha respiração travando e meus olhos se
arregalando. Um menino estava sentado encostado na parede oposta, as
longas pernas estendidas diante dele cruzadas nos tornozelos, com os
olhos fechados. Meu coração acelerou no meu peito. Quem é ele? Uma
das luzes da rua lançou um brilho no interior sombrio, o suficiente para
eu ver que o lábio do menino estava ensanguentado e os olhos
inchados. Eu olhei, notando a maneira como o cabelo escuro do garoto
caiu sobre a testa como se estivesse exausto demais para movê-lo de
volta. Seu rosto estava machucado, seus olhos fechados e eu pensei que
poderia haver marcas de lágrimas em suas bochechas, e ainda assim,
ele era o garoto mais bonito que eu já tinha visto em toda a minha
vida. Ele era um príncipe. Um... Príncipe quebrado. Minha mente
girou. A princesa achou que ela estava esperando pelo príncipe e ainda...
E, no entanto, ela deixou tudo para trás. O príncipe sobreviveu à batalha
e rastejou até a caverna escura nas proximidades para se esconder, onde
ele estava esperando... Para ser resgatado por ela.
O garoto abriu os olhos, que estavam brilhando de lágrimas. Ele
se mexeu um pouco quando me viu, suas mãos fechando em
punhos. Mas então ele piscou as lágrimas, franzindo as sobrancelhas e
relaxando as mãos enquanto se endireitava.
Eu entrei dentro do vagão e fiquei na frente dele, meus joelhos
fracos com a surpresa de encontrá-lo. — Estou aqui para te salvar, —
eu disse em uma onda de palavras.
Senti o rubor subindo pelas minhas bochechas quando percebi
que havia dito as palavras em voz alta. Ele não sabia que eu estava
brincando, e de repente percebi o quão estranha e desajeitada eu devia
parecer. Eu estava muito envolvida no meu próprio mundo de faz de
conta. Embora... Claramente ele tinha que ser salvo. Talvez não por
uma princesa de mentirinha, mas por alguém de qualquer maneira.
As sobrancelhas escuras do menino se levantaram quando seu
olhar percorreu meu corpo e depois de volta para o meu rosto. Ele riu,
um pequeno riso que terminou em um suspiro. — Oh sim? Então eu
estou ferrado, — ele murmurou.
Bem. Eu coloquei minhas mãos em meus quadris, a simpatia que
senti um momento antes se transformou em irritação. Talvez
eu fosse estranha e desajeitada, mas não merecia ser ridicularizada. —
Eu sou mais forte do que pareço, — declarei, arrumando a minha
postura. Eu era a quinta garota mais alta da minha turma.
O menino sorriu e passou a mão pelo cabelo, o afastando da
testa. — Tenho certeza. O que você está fazendo aqui? Você não sabe
que garotinhas não deveriam estar vagando por trilhos de trem sozinhas
à noite?
Eu andei mais a frente, olhando em volta para o grafite espalhado
por todas as paredes. Havia várias coisas escritas na parede mais
próxima de mim e me inclinei para lê-las. — É melhor não ler esses, —
disse o garoto. Eu me virei para ele interrogativamente. —
Provavelmente não é para crianças. —Ele levantou uma
sobrancelha. Provavelmente? Como se ele não tivesse lido. Certo.
Eu limpei minha garganta, decidindo seguir seu conselho de
qualquer maneira. Por agora. Eu percebi que deveriam ser
palavrões. Voltarei outra vez e vou ler quando estiver sozinha. Talvez eu
também memorize. — Você não parece muito mais velho do que eu, —
eu disse. Na verdade, não sabia o que dizer. Se eu tivesse que
adivinhar, diria que ele era um garoto do ensino médio, embora
houvesse algo em sua expressão - ou talvez em seus olhos - que o fazia
parecer mais velho.
— Sim, bem, eu sou um cara e sei como me proteger.
Eu considerei seu rosto machucado, pensando que havia pelo
menos uma pessoa que ele teve algum problema para se proteger. —
Hmm. Quantos anos você tem, afinal?
Ele franziu a testa para mim por um momento, como se não fosse
responder. — Doze.
Eu sorri. — Eu tenho onze e meio. Meu nome é Jessica Creswell.
— Eu me ajoelhei e coloquei minhas mãos nas minhas coxas.
Ele me estudou por um minuto, como se não tivesse certeza do
que pensar de mim. Eu olhei para longe, mordendo meu lábio,
sentindo-me subitamente insegura. Eu sabia que não era a garota mais
bonita. Meu cabelo e olhos eram ambos castanho-claro, eu tinha sardas
espalhadas nas bochechas que tinha tentado esfregar com suco de
limão, o que não funcionou, e eu era lamentavelmente magra. As
garotas da minha escola de francês esnobe nunca deixam de me
lembrar como meus joelhos eram finos ou como meu cabelo idiota na
frente da minha cabeça parecia ter vida própria. Eu alisei com gel de
cabelo da minha mãe, mas desisti, ficando em pé. Sem esperança.
— O que você está fazendo aqui, Jessica Creswell?
Eu sentei na minha bunda, puxando meus joelhos para cima em
uma posição mais confortável, e me inclinei na parede ao lado da que
ele estava sentado. — Eu meio que me perdi. Mas agora sei onde
estou. Eu sei como voltar para casa.
— Então você deveria fazer isso. Vá para casa.
Eu pressionei meus lábios, franzindo a testa ao pensar em casa.
Os cantos de seus olhos se apertaram enquanto ele me observava,
me fazendo sentir nervosa novamente. — Você não gosta de sua casa,
Jessie?
Jessie. Meu coração acelerou ao som desse garoto bonito me
chamando por um apelido. Ninguém nunca me chamara de Jessie
antes. Eu gostei. — Não realmente. Minha mãe e meu pai brigam muito.
— Não tinha certeza do porque eu disse isso, especialmente para um
estranho, mas havia algo obscuro e sonhador sobre o interior do vagão,
algo que parecia irreal, como se meu jogo fingisse estar vindo para a
vida ao meu redor de alguma forma. Como se o que fosse dito aqui não
pudesse ir mais longe.
Ele suspirou novamente, olhando para trás de mim. — Sim, — ele
disse, como se entendesse. Comecei a me perguntar se sua mãe e seu
pai brigavam muito também, mas ele acenou para o livro que eu havia
colocado ao meu lado no chão.
— O que é isso?
— Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. — Ele inclinou a
cabeça.
— Gosta de contos de fadas, Jessie?
Eu balancei a cabeça lentamente. Pensei em meus pais, em como
minha mãe estava sempre nos arrastando para hotéis e restaurantes e
para o escritório do meu pai depois do expediente, onde o
encontraríamos com suas namoradas. Pensei em como meu irmão era
tão jovem quando começamos a encontrar meu pai, e os olhos de
Johnny sempre se acendiam e ele dizia com aquela voz grande e feliz: —
Oi, papai! — a namorada do momento parecia se encolher ou chocada,
e por dentro eu queria morrer de vergonha. E então, minha mãe
soluçava e dava um ataque, e às vezes meu pai voltava para casa com a
gente, mas na maioria das vezes ele fechava a porta ou se afastava, ou
nos deixava de pé ali.
Johnny tinha nove anos agora e tinha o bom senso de ficar tão
envergonhado quanto eu quando encontramos nosso pai com uma de
suas namoradas.
Minha mãe estava sempre chorando e chorando, e meu pai estava
sempre fazendo promessas que ninguém acreditava. Nem mesmo ele,
pensei. E Johnny e eu apenas tentamos desaparecer em segundo plano.
Contos de fada me ajudaram a acreditar que nem todo homem
era como meu pai. Contos de fada me ajudaram a desaparecer em
mundos onde os príncipes eram leais e honestos e onde as princesas
eram fortes e corajosas.
— Sim. Contos de fadas, aventuras. Algum dia eu vou na maior
aventura de todas, vou morar em Paris, ter um namorado francês que
me escreva as mais belas cartas de amor de todos os tempos , e vou
comer chocolate francês o dia todo.
— Parece que você vai ser gorda.
Dei de ombros. — Talvez. Se eu quiser ser.
O menino riu baixinho e borboletas flutuaram na minha
barriga. Ele era ainda mais bonito quando sorria. Embora, realmente
olhando para ele agora, eu vi que suas roupas estavam gastas, seu
moletom um pouco pequeno demais, e a sola de um sapato estava se
soltando. Ele era obviamente pobre, e o conhecimento disso aumentou
a ternura no meu peito.
— Você não me disse seu nome, — eu disse suavemente, me
aproximando. Ele me olhou por um segundo, mas depois encolheu os
ombros.
— Callen.
— Calvin?
— Não, Callen. Sem o V.
Eu repeti, gostando do jeito que soava. — Callen. —Fiz uma
pausa. — Você entrou em uma briga? — Eu perguntei, meus olhos se
movendo do lábio cortado para o olho avermelhado.
— Sim.
— Com quem você brigou?
Ele desviou o olhar por um segundo e depois de volta para
mim. — Apenas um valentão.
Eu balancei a cabeça lentamente. — Oh. Bem, espero que você
possa ficar longe dele a partir de agora.
Ele soltou uma risada que era principalmente respiração. — Não,
Jessie, não posso ficar longe desse valentão, mas tudo bem. Não me
importo com as contusões.
Eu fiz uma careta, não entendendo como alguém poderia ficar
bem em ser atingido no rosto. Abri a boca para dizer alguma coisa,
quando Callen se adiantou e pegou meu livro, olhando para a foto na
capa. Ele virou e começou a ler a sinopse nas costas. — Você lê
francês? — Eu perguntei, surpresa.
Seus olhos voaram para os meus e sua expressão fez algo
engraçado. — Não. Só queria saber qual idioma era.
Eu balancei a cabeça, me aproximando ainda mais, encostando
minhas costas na mesma parede que ele. — Quer que eu leia para
você? Eu posso traduzir. Eu vou a uma escola francesa e só devemos ler
livros em francês.
— Uma escola francesa?
Eu assenti. — Todo assunto é ensinado em francês. Isso ajuda as
crianças a se tornarem fluentes.
— Huh, — disse ele, inclinando a cabeça, me estudando. — Então
você pode eventualmente se mudar para Paris e engordar.
Eu sorri. — Sim.
Ele sorriu de volta, fazendo aquelas borboletas levantarem voo
novamente. — Claro, princesa Jessie. Leia pra mim.

***

Caminhei pelos bairros, atravessando o campo de golfe e o


gramado, e subindo o barranco até os trilhos de trem todos os dias
naquele verão.
Quando Callen estava lá, eu lia para ele, ou íamos em aventuras
juntos. Ele agia como se só estivesse fazendo isso em meu benefício,
mas sorria mais do que de costume quando estávamos viajando para
vulcões no Reino dos Vales Impiedosos ou colhendo ervas mágicas nos
Ever Fields.
— Eu não quero que você fique aqui sozinha, Jessie, — disse ele
uma tarde, quando eu disse a ele que tinha ido lá sozinha no dia
anterior. — Você nunca sabe quem mais pode estar andando nos trilhos
do trem.
— Eu nunca vi ninguém aqui, exceto você.
— Sim, bem... — ele olhou para os trilhos, para uma curva, onde
os trilhos desapareciam atrás de um bosque de árvores, —... As pessoas
que andam pelos trilhos costumam ficar a meio quilômetro, porque os
vagões antigos estão escondidos atrás das árvores, mas nunca se sabe.
Ele era uma cabeça mais alto do que eu quando estávamos de pé,
e eu olhei para ele, notando a contusão sob sua mandíbula. — Mas
como vou saber quando você vai estar aqui?
Ele colocou as mãos nos bolsos e se virou para mim. — Eu não
sou realmente alguém que você deveria estar por perto também.
Meu coração caiu, e de repente estava com medo de que ele fosse
me mandar embora, me dizer que não queria mais me encontrar lá. —
Você está errado, — eu insisti. — Você é a pessoa mais maravilhosa que
já conheci.
— Jessie. — Era mais suspiro do que palavra, embora eu tivesse
certeza que tinha ouvido meu nome em seu suave suspiro. Ele
encontrou meus olhos e sorriu para mim, suavemente, docemente, e de
repente parecia mais jovem do que era. Ele suspirou, olhando para
longe. Talvez para onde ele morava, embora eu não pudesse ter
certeza. Tudo o que ele viu em sua mente fez seu sorriso
escorregar. Quando seus olhos se voltaram para os meus, ele
perguntou: — Você pode me encontrar as terças e quintas às sete
horas?
Isso era depois do jantar, quando meu pai saia para uma reunião
de negócios, inesperada, que todos sabíamos ser realmente uma mulher
o esperando em um quarto de hotel e minha mãe ia abrir uma garrafa
de vinho e chorar agora que éramos velhos demais para sermos
arrastados por toda a cidade atrás dela. — Sim, posso te encontrar. E
aos sábados às três?
Ele ficou quieto por um momento, e então me deu um sorriso
torto que fez meu coração dar uma cambalhota. — E aos sábados às
três.

***

Um dia frio de outono, um ano depois de termos nos conhecido


pela primeira vez, nos sentamos juntos no vagão, enquanto eu lia para
Callen da versão francesa de As Aventuras de Robin Hood. Eu parei
quando ele sentou mais para frente e puxou a borda de um pedaço de
papel da minha mochila. Ele estudou por um momento, seu olhar se
movendo sobre a página antes de seus olhos irem para os meus. — O
que é isso?
Eu abaixei o livro, inclinando a cabeça quando me virei para
encará-lo. — Minha música de piano.
Ele olhou de volta para o papel e o segurou na minha direção,
apontando para a primeira nota. — Estas são notas musicais?
— Sim, — eu disse, franzindo a testa. — Você nunca viu música?
— Não escrito assim. — Havia algo estranho em sua voz, e ele
estava falando rápido. Ele apontou para a primeira nota. — Esta?
— Hum, isso é um E.
— Um E? — Ele perguntou, franzindo a testa. — A letra E?
Eu balancei a cabeça. — Bem, sim, como a carta, mas, hum, uma
nota. Uma diferente, er... Outra linguagem, eu acho. — Eu sorri, mas
ele ainda estava usando um intenso olhar de concentração enquanto
voltava para a música, sua testa suavizando depois de um
momento. Ele apontou para outro E, e depois outro. — Estes são todos
os E.
Eu balancei a cabeça, confusa sobre sua excitação. No ano em
que eu o conheci, só tinha testemunhado duas emoções: sombria ou
meio feliz. Eu tive um momento de ciúmes irracional sobre o seu
entusiasmo repentino. — Sim.
Ele assentiu, com um movimento brusco de cabeça. Eu podia ver
seu pulso pulsando rapidamente sob a pele lisa e bronzeada de sua
garganta. — O que é isso?
Olhei para o que ele estava apontando. — Essa é a clave de
sol. Ela dá o tom e a chave das notas nessa linha.
Sua testa franziu e eu corri para explicar mais. — O tom e a
chave são... A altura e a falta de notas.
Ele balançou a cabeça novamente, os olhos arregalados e
brilhando com algo que não sabia como nomear. Foi mais do que
excitação. Foi... Descrença. Ele estava tão animado por estar lendo em
um idioma diferente? Eu notei o jeito que ele cantarolava quando
estávamos tocando. Ele colocou música em nossos jogos - lento, escuro
e assustador quando estávamos caçando um vilão, leve e feliz quando
estávamos correndo por um prado de campainhas mágicas e
falantes. Às vezes eu olhava para ele e sorria para uma melodia em
particular e ele olhava para mim com surpresa, como se nem soubesse
que a música estava em qualquer lugar, exceto dentro dele. Ele olhou
para cima e nossos olhos se encontraram, causando um tremor de
prazer ao descer pela minha espinha. — Você vai me trazer mais?
— Mais música?
— Sim.
— O-ok. Eu tenho um teclado também. Eu poderia trazer
isso? Tem um estojo de transporte.
— Sim. — ele disse. Ele pegou minha mão e apertou, e outra
pequena emoção passou por mim ao seu toque. De repente, me senti
tímida, mas feliz por ter dado a ele algo que obviamente lhe trouxe
felicidade. Eu queria dar mais a ele. Queria que ele dirigisse aqueles
claros olhos cinzas para mim novamente e os visse brilhando de alegria.
Então, dois dias depois, corri pelo campo e pelos trilhos, a caixa
do teclado apertada na minha mão e a excitação enchia meu
peito. Ensinei a Callen quais eram as notas e seus olhos iluminavam
maravilhados. Eu nunca fui muito boa no piano, mas aprendi o básico,
e dei isso para Callen junto com o teclado que estava no meu armário
sem uso por tanto tempo que quase me esqueci disso.
Ele levou a música como se leva um peixe para a água, e fiquei
surpresa que em apenas alguns meses ele foi muito melhor do que eu
jamais seria, mesmo praticando o que parecia horas e horas, mas na
realidade era apenas trinta minutos.
Ele apareceu um dia depois naquele ano com raiva, o rosto
machucado e sentou-se pesadamente, encostando a cabeça na
parede. — Você vai ler para mim hoje, Jessie?
Eu balancei a cabeça, pegando o livro que estava no meio da
minha mochila. — Claro. — Comecei Os Três Mosqueteiros, parando e
olhando para ele depois de ler alguns parágrafos. Sua expressão se
assentou em tristeza e seus olhos estavam fechados. Eu juntei minha
coragem. — É o seu pai que bate em você? — Eu perguntei suavemente.
Seus olhos se abriram, mas não virou a cabeça para mim. Ele
ficou em silêncio por tanto tempo, eu me perguntei se ele me
responderia, e meu coração começou a bater mais rápido, com medo de
que ele estivesse com raiva de mim e fosse embora. — Sim.
Meu coração apertou e soltei o ar que segurava na garganta.
Ele olhou para mim, seu olhar se movendo sobre o meu rosto. —
Eu posso lidar com o bater. São as palavras que... De qualquer forma...
Eu queria desesperadamente pedir a ele para dizer mais, mas não
sabia como. Eu limpei minha garganta. — Meu pai não é um bom
homem também. — Sussurrei como se houvesse alguém por perto que
eu estava tentando impedir de ouvir a verdade. Talvez eu mesma. Eu
sabia disso há muito tempo, desde que me lembrava de verdade, mas de
alguma forma dizer em voz alta fazia disso uma verdade inevitável. Eu
nunca seria capaz de fingir novamente. Meu pai era fraco e egoísta, e
ele não nos amava o suficiente, se é que já nos amou algum dia.
Callen estendeu a mão e pegou minha mão na sua, e meus olhos
correram para os nossos dedos entrelaçados, os meus pequenos e
pálidos e seus bronzeados e calosos e muito maiores que os meus. Eu
mantive meus olhos em nossas mãos unidas e engoli antes de
continuar. — Mas a pior parte é que minha mãe não consegue deixar de
amá-lo. Não importa o quanto ele a faça chorar, ela continua voltando
para ele. Eu só... Não sei como uma pessoa tem tantas lágrimas.
Quando levantei meus olhos para os dele, ele estava olhando para
mim. Me senti nervosa, mesmo que ele tivesse me contado um segredo
também, e eu mordi meu lábio e desviei o olhar. — É por isso que você
gosta tanto de contos de fadas, Jessie? — Sua voz era suave, misturada
com algo terno, mas a pergunta me fez sentir mais exposta. Ele apertou
minha mão suavemente. Eu queria me afastar e queria me aproximar, e
os sentimentos que corriam pelo meu corpo eram novos e confusos,
emocionantes e assustadores.
— Nós não brincamos mais disso por um tempo agora, — eu
respondi, balançando a cabeça. Em vez de ir em aventuras, eu lia em
voz alta ou fiz lição de casa, e Callen tocou o teclado, com a testa
franzida em concentração, criando melodias parciais que eram tão
bonitas que fizeram meu coração bater mais forte. Música que muitas
vezes se desvanecia em nada, como se a beleza tivesse escorregado por
entre os dedos, ou ele não soubesse onde levá-la.
Seus lábios carnudos se inclinaram para cima. — Às vezes eu
sinto falta de brincar de faz de conta.
Eu sorri. — Você sente?
— Sim. Você me fez sentir como um herói.
— Você é, — eu respirei. — Para mim você é.
Ele balançou sua cabeça. — Não, Jessie. Eu não sou um herói,
Deus, não posso nem...
— O que? O que ele diz que você não pode fazer? — Eu perguntei,
me sentindo feroz e protetora, sabendo que era seu pai quem colocava
aquele olhar assombrado em seus olhos.
Callen riu, mas não havia humor no som. — Ele só diz a verdade.
— Não! Eu gostaria de ir à sua casa e dar ao seu pai um pedaço
do meu...
— Não se atreva. — As palavras eram afiadas e geladas, e eu olhei
para ele, minhas bochechas corando e meus olhos se enchendo de
lágrimas. Callen nunca tinha falado tão duramente comigo antes.
— Eu... Eu não faria nada que...
Ele se inclinou para frente tão de repente, soltei um suspiro, e
então seus lábios estavam nos meus, suaves e quentes, e um calor
cintilante percorreu meu corpo. Fiz uma pausa, incerta, pois nunca
tinha sido beijada antes, nem perto disso. Eu tinha um aparelho nos
dentes e não sabia o que fazer.
Callen segurou minha mão com mais força e usou a outra mão
para segurar a parte de trás da minha cabeça quando me puxou para
mais perto e esfregou os lábios suavemente - lentamente - sobre
os meus. Soltei um pequeno suspiro e ele hesitantemente moveu sua
língua ao longo dos meus lábios entreabertos, me fazendo
instintivamente abri-los.
Ele sacudiu como se estivesse surpreso, e eu abri meus olhos
para descobrir que os dele também estavam abertos. Por alguns
instantes, olhamos um para o outro de perto, com os olhos arregalados,
e eu estava vagamente consciente de que meu coração estava batendo
no meu peito, antes que ele mais uma vez fechasse as pálpebras. Ele
inclinou a cabeça e pressionou a língua dentro da minha boca, apenas
um pouco, e eu fechei os olhos, encontrando a ponta da sua língua com
a ponta da minha, tocando e depois recuando. Uma cascata de
sentimentos despertou dentro de mim: excitação, nervosismo, alegria e
medo. Callen mordiscou suavemente meus lábios, e eu suspirei
maravilhada com a sensação física, amando o gosto de sua boca, o jeito
que ele cheirava - canela e sal, e algum tipo de sabão. Como um
menino. Como o meu príncipe.
Quando ele se afastou, eu me senti atordoada e meio
adormecida, flutuando em algum outro mundo. Eu pisquei, me
trazendo de volta ao momento, e sorri timidamente para ele. Ele me deu
um sorriso torto em troca. — Ninguém me faz sentir como você,
princesa Jessie. Ninguém nunca vai me fazer sentir assim.
Foi a única vez que ele me beijou.
Callen nunca voltou para os trilhos do trem depois daquele
dia. Eu ia todas as terças, quintas e sábados, esperando
desesperadamente que ele estivesse lá novamente. Eu não sabia onde
começar a procurar por ele. Santa Lucinda, a cidade do norte da
Califórnia onde morávamos, era grande demais e eu nem sabia seu
sobrenome.
A única coisa que eu tinha para me lembrar dele era uma série
de notas musicais desenhadas à mão, escritas em um pedaço de papel
rasgado que encontrei no canto do nosso vagão.
Enquanto esperava semana após semana, eu atormentava meu
cérebro por uma razão pela qual ele havia desaparecido. Eu fiz algo
errado? Ele odiou me beijar? Ele se sentiu envergonhado? Seu pai fizera
algo terrível para ele? Eu me senti desesperada por respostas que eu
não tinha como conseguir.
Finalmente, numa tarde de terça-feira no final do verão, depois de
um ano inteiro esperando que ele voltasse, me sentei sozinha na porta
do nosso vagão e fiz uma despedida silenciosa ao
meu herói desaparecido, meu príncipe quebrado, e enxuguei uma
lágrima do meu rosto, e nunca mais voltei.
Parte Um

Uma vida é tudo o que temos e vivemos como acreditamos viver


isso. Mas sacrificar o que você é e viver sem crença é um destino mais
terrível do que morrer.
- Joana d'Arc
Capítulo Um
Dez anos depois
CALLEN

Eu engoli uma dose de tequila e fiz uma careta enquanto


queimava minha garganta. Tequila não era a minha bebida preferida,
mas meu agente havia pedido uma rodada e eu não podia
recusar. Bem, eu poderia. Poderia fazer o que diabos eu quisesse. Mas
por que recusar álcool perfeitamente bom?
Eu trouxe a fatia de limão aos meus lábios e afundei meus dentes
nela, a mordida azeda da fruta acalma a queimadura persistente da
tequila. A sala ficou um pouco borrada antes de voltar ao foco. Eu já
tinha bebido demais, mas me sentia quente e confortavelmente
entorpecido, e me recostei na cadeira, aproveitando a sensação
familiar. Muito familiar recentemente, uma pequena voz disse dentro da
minha cabeça.
A conversa na minha mesa era um mero ruído de fundo, e eu
olhei ao redor do bar, meus olhos se prendendo na garçonete morena
em pé perto de uma mesa, com uma bandeja na mão. Ela colocou um
copo de vinho na frente de um homem mais velho, e seus olhos se
voltaram para mim, se arregalaram quando viu que eu estava olhando
para ela, e depois se afastou rapidamente. Meu coração pulou, um
zumbido de eletricidade disparou pela minha espinha, e eu fiz uma
careta, surpreso com a minha reação. A garota ficou em pé, disse
alguma coisa para o casal na mesa que os fez sorrir, e então se virou e
se afastou, sem olhar para mim novamente. Eu observei enquanto ela
se movia em direção ao bar, em transe por algum motivo que eu não
conseguia identificar. Ela era bonita, mas não exatamente o meu
tipo. Eu gostava de loiras altas e esbeltas... Não é? Por um minuto,
fiquei confuso com o meu próprio pensamento. De repente não
conseguia lembrar o que eu gostava. Eu não conseguia me lembrar de
ter qualquer outra preferência além da disponível.
Eu massageei minhas têmporas, sentindo uma dor de cabeça
chegando, ainda incapaz de tirar meus olhos da garota. Ela
definitivamente não era esbelta. Ela também não era loira. Ela não era
baixa nem alta, média estatura, seu cabelo em um rabo de cavalo
bagunçado, sem maquiagem, até onde eu poderia dizer, vestindo um
uniforme que não faz jus ao seu corpo, e eu... Deus, eu não conseguia
parar de olhar para ela.
— Onde você foi? — Charlène, a mais recente loira alta e esbelta
ronronou, inclinando-se perto da minha orelha e passando a mão ao
longo da parte interna da minha coxa. Seu sotaque francês era forte,
mas não tão forte quanto seu perfume enjoativo.
Eu atirei a ela um sorriso preguiçoso. — Eu estou bem aqui,
baby.
— Mas sua mente não está. — Sua mão se moveu mais para cima
da minha coxa, parando pouco antes de ela chegar a minha virilha, e eu
me contorci em minhas calças. Minha mente pode não estar em
Charlène, mas meu corpo estava prestando atenção.
Virei os olhos da menina, que agora se inclinava sobre o bar,
conversando com o barman e voltando minha atenção para Charlène. O
contraste entre a beleza simples e limpa da garota que estava olhando e
a beleza sofisticada de Charlène me impressionou, e fiquei surpreso por
querer desviar o olhar de Charlène e voltar para a garçonete. Eu resisti
à tentação, meus olhos se moviam para baixo quando Charlène cruzou
as pernas e o racho do seu vestido preto se abriu, revelando coxas lisas
e bronzeadas.
Levantei meus olhos de suas pernas e sorri, me voltando para ela
e me concentrei em nossa conversa. Ela não iria me deixar transar com
ela mais tarde se eu não fizesse pelo menos um mínimo de esforço.
— Você viu isso? — perguntou Charlène, me entregando o
telefone. Reconheci a logo de um site de fofocas que ela havia trazido
que mostrava uma foto de nós dois daquela noite no banquete de
premiação onde eu a conheci. — Olha do que eles chamaram você, —
disse ela, rindo baixinho e apontando para a legenda sob a imagem.
Eu olhei e sorri ironicamente quando o entreguei de volta. — Eu
fui chamado de coisa pior.
— Eu pensei que você gostava.
Você nem me conhece. Como diabos você sabe o que eu
gosto? Olhei ao redor da sala, sentindo-me subitamente
claustrofóbico. Idiota. Muito Idiota. — Claro, — eu murmurei.
Charlène suspirou, alisando o cabelo para trás. — Você é
estranho, Callen Hayes. Qualquer homem gostaria de ser chamado de o
homem mais sexy da música.
O garçom que nos trazia drinques de repente apareceu com outra
rodada, colocando uma dose de algo âmbar na frente de cada um de
nós, e fiquei grato pela interrupção. — Jesus, mais? — Meu agente,
Larry, perguntou, embora ele não hesitou em pegar o copo, o cheirando
e sorrindo com apreciação. Havia uma mancha de pó branco no lado de
sua narina de sua recente viagem ao banheiro, e considerei avisá-lo de
alguma maneira sutil, mas decidi ficar quieto. Ninguém aqui se
importava.
— Não é todo dia que um novo compositor clássico ganha o
Prêmio Poirier, — disse Annette, esposa de Larry, me dando um sorriso
tenso que estava mais perto de um sorriso de escárnio. Ela deu a
Charlène um olhar gelado e depois ergueu o copo.
— Para Callen, que é... très bon1 em tudo que ele faz. — Ela me
deu um sorriso sugestivo e, em seguida, levantou o copo e jogou líquido
pra dentro, sua longa e elegante garganta se moveu enquanto ela
engolia. Eu olhei para Larry, mas ele estava rindo de algo que o cara ao
lado dele estava dizendo.
Eu levantei uma sobrancelha e acenei para Annette, jogando
minha bebida pra dentro também, soltando a gravata borboleta da
minha garganta e tentando respirar pela primeira vez no que pareceram
horas. O jantar foi tedioso, a cerimônia de premiação foi pior ainda e

1 Muito bom, em francês.


sentar aqui com essas pessoas aduladoras e superficiais é
completamente cansativo. O problema era: eu era um deles. Não
melhor. Porra, eu não queria nada além de largar todos eles e voltar
para o meu quarto de hotel sozinho. Mas o pensamento me atraiu e me
encheu de terror. Eu precisava começar as novas composições que fui
contratado para escrever, e até agora não tinha colocado no papel uma
única nota.
Eu empurrei para longe meus medos o máximo que pude, o álcool
ajuda nesse esforço. Da mesma forma que o sexo faria mais tarde. Pelo
menos o tempo suficiente para não ter que conversar. Tempo suficiente
para conseguir colocar algo no papel. Por favor Deus. Mas Deus nunca
me respondeu antes, e eu não imaginei que ele fosse responder
agora. Não, eu teria que fazer o que pudesse para acalmar os meus
demônios. Assim como sempre fiz.
Tempo suficiente para deixar a música fluir.
Três anos atrás, eu tinha vendido uma composição que escrevi
para um pequeno estúdio de cinema francês que a usara para uma das
músicas-tema de seu filme. A peça ganhou tanta popularidade que um
grande estúdio de cinema em Hollywood me contratou para escrever
várias músicas para um filme que eles estavam produzindo, um filme
que se tornou um sucesso de bilheteria. Logo após esse sucesso, lancei
um álbum de composições para aclamação da crítica e, em seguida, um
segundo que recebeu apenas críticas mornas, mas mesmo assim, de
repente eu virei uma espécie de celebridade, com pessoas tirando fotos
de mim em restaurantes e na rua e sendo convidado para entrevistas
em redes de grande audiência. Foi um turbilhão rápido e furioso, e eu
nem sempre reagi bem à constante invasão de privacidade.
Acontece que isso só me fez ser mais procurado, como
“o compositor bad boy”. — Eles me consideravam um tipo de criativo
sombrio que ficava sentado sozinho em seu apartamento, arrancando
seus cabelos e rabiscando notas no papel em um louco frenesi antes de
pular na cama com três supermodelos que simultaneamente
satisfaziam meus apetites sexuais perversos. O que, na verdade, não
estava completamente errado. Embora recentemente a parte de rabiscar
música tivesse fraca enquanto o sexo perverso não.
O sexo e o álcool já me ofereceram o entorpecente vazio que
permitiu que as notas tomassem forma. Eu era capaz de me isolar e
escrever por dias e dias - semanas às vezes - enquanto agora eu tinha
sorte de ter algumas boas horas de criatividade. O que era uma pena,
considerando que eu havia assinado um contrato para escrever uma
trilha sonora e esperava-se que eu entregasse algo engenhoso para o
maior estúdio de Hollywood para um filme programado para sair no ano
seguinte. Eu precisava produzir algo grandioso, algo que não desse
motivos aos críticos para dizer que meu talento era limitado e meu
sucesso inicial não passou de um acaso. Claro, essa pressão era minha,
mas ainda assim era pesada.
— Então, Callen, o que vem a seguir agora que você é uma
sensação internacional? — O cara que estava falando com Larry um
momento antes perguntou.
Eu dei uma olhada nele. Sensação internacional? Pelo amor de
Cristo. Quem fala assim? Sim, eu ganhei um maldito prêmio e fiquei
orgulhoso disso. Mas por que todos ao meu redor sempre pareciam
como se estivessem me entrevistando para algum artigo?
— Grégoire está com Le Célébrité, — disse Larry, acenando para o
homem, que estava com o celular e apontava para a mão de Charlène
ainda na minha coxa. Eu a olhei, e ela estava mostrando para o
repórter um pequeno sorriso, sabendo muito bem que ele estava tirando
nossa foto para o seu tabloide francês.
Eu fiquei de pé, empurrando Charlène, que soltou
um som estridente de aborrecimento. — O que vem a seguir é mijar. —
É chamado de loo aqui na França, — ofereceu Annette.
Eu a ignorei, olhando para o repórter que se infiltrou em nosso
grupo. Não que isso tivesse levado algum esforço. Metade do tempo eu
não tinha ideia de quem eram as pessoas que estavam ao meu redor. —
Você quer ir junto e ver se consegue tirar uma foto do meu pau
enquanto eu estou mijando?
O repórter pareceu considerar isso brevemente antes de balançar
a cabeça. Eu fiz um som de nojo na parte de trás da minha garganta,
vacilei momentaneamente, e caminhei em direção ao corredor escuro na
parte de trás do bar.
Jesus. Eu estou bêbado. Muito bêbado.
Senti meu celular vibrar no meu bolso e me atrapalhei com ele
por um minuto. Eu finalmente o puxei do bolso, apertando os olhos
para a foto de Nick no momento em que entrou a mensagem de voz
automática, fazendo seu rosto sorridente piscar. Ele provavelmente
ligou para me parabenizar pelo prêmio. Fiz uma pausa no corredor,
observando meu telefone até indicar que eu tinha um correio de
voz. Quando pressionei play, a voz familiar de Nick encheu meu ouvido.
Ei, amigo, acabei de ver on-line que você ganhou esse prêmio. Bom
trabalho pra caralho. Estou orgulhoso de você, cara. <pausa> Cuide-se,
ok, Cal? E me ligue quando puder.
Eu devolvi meu telefone para o meu bolso, prometendo ligar para
ele mais tarde, sabendo que ele ficaria desapontado comigo se pudesse
me ver tropeçando bêbado em um corredor escuro para escapar das
pessoas superficiais que me cercavam. Pessoas que estavam mais na
minha vida do que ele, meu melhor amigo e a única pessoa em quem eu
poderia realmente confiar.
Este não é você, Cal, ele diria. Era, era eu. Era isso.
Eu tentei uma porta, mas vi que era um armário de utilidades
cheio de prateleiras de material de limpeza e produtos de papel. Eu
fechei a porta, procurando por outra porta ou uma placa com uma foto
que indicasse onde o maldito banheiro estava, mas não vi nada. Virei a
esquina e vi uma porta no final do corredor e entrei. Eu estava em um
pátio ao ar livre vazio que estava fechado para a temporada ou a
noite. Comecei a voltar, mas decidi parar um instante para ficar longe
da risada falsa e o bate-papo ocioso, só para respirar.
Cuide-se, ok, Cal?
Por que isso parecia uma tarefa tão impossível ultimamente? Eu
caminhei até a parede alta que cercava o pátio da cobertura e coloquei
meus cotovelos sobre ela, dobrando meu pescoço para frente e
passando minhas mãos pelo meu cabelo enquanto eu puxava o ar frio
através do meu nariz. Eu me senti melhor, um pouco menos bêbado,
um pouco menos... Bravo, irritado. Quem sabia o que diabos eu estava
sentindo mais? Fazia tanto tempo desde que eu parei para realmente
considerar isso. Eu só sabia que não era feliz.
Eu ouvi um barulho atrás de mim e me virei para ver a garçonete
morena em pé na porta, a porta se fechando lentamente atrás
dela. Seus olhos estavam arregalados e seus lábios se separaram em
surpresa, como se não esperasse encontrar alguém aqui fora. Quando a
porta bateu em sua bunda, ela soltou um pequeno suspiro quando a
impulsionou para frente.
Por um segundo, apenas nos encaramos. Eu tentei o meu melhor
para não balançar no meu pés.
— Eu... Ah... Desculpe. Acho que entrei no lugar errado. — Eu
levantei meu braço, fazendo um movimento que indicava o pátio ao ar
livre e que não era onde eu pretendia acabar. Esperava que ela falasse
inglês. Meu francês não era muito bom. Na verdade, era horrível.
Ela abriu a boca para falar, mas depois pareceu mudar de
ideia. Ela olhou para mim por mais um momento antes de dizer
baixinho: — Estou aqui para te salvar.
Eu fiz uma careta, me inclinando contra a parede quando algo
correu pela minha mente, algo que tentei entender, mas isso me
iludiu. Ela mordeu o lábio e se remexeu, e percebi que ela devia estar
fazendo uma piada. Ela era obviamente tímida, e eu apenas a fiz sentir
desconfortável. Eu sorri e, em seguida ri baixinho, levantando uma
sobrancelha. — Eu aprecio isso, mas acho que estou além de ser salvo,
querida.
Ela soltou um suspiro e, em vez de parecer aliviada pelo momento
estranho ter passado, ela parecia... Desapontada. — Você não viu a
placa? — Ela acenou com a cabeça em direção à porta.
Sim, eu vi a placa. — Eu não leio francês.
Seus lábios se inclinaram. — É em inglês e francês.
— Eu não devo ter notado. — Suas sobrancelhas se juntaram um
pouco, e eu me movi em direção a ela lentamente, atraído por ela de
alguma forma inexplicável.
Ela não se moveu, não vacilou, nem mesmo pareceu surpresa, e
quando fui até ela, ela inclinou a cabeça para trás para olhar para
mim. A expressão desapontada desapareceu, e agora ela parecia suave e
sem fôlego. Observando.
— Você é americana, — eu disse, percebendo de repente que ela
não tinha nenhum traço de sotaque quando falava. Ela apenas
assentiu.
Meus olhos se moveram sobre o rosto dela, e de perto, ela era
mais do que apenas bonita. Sua pele era lisa e cremosa, e eu podia ver
uma leve camada de sardas no nariz. Eu queria beijar aquelas sardas,
todas e cada uma, para tocá-las com a minha língua e saber se elas
tinham gosto de inocência. Eu quase ri de mim
mesmo. Inocência. Quando a inocência já foi atraente para mim de
qualquer maneira?
Seus grandes olhos cor de avelã se arregalaram, emoldurados por
cílios escuros e profundos. Seu lábio superior estava mais cheio do que
o fundo e virava para baixo de uma forma que formava um beicinho
natural. Cristo, de onde eu estava sentado olhando para ela mais cedo,
eu não tinha sido capaz de ver o quão suave e tentador era sua
boca. De repente precisava sentir aqueles lábios cor-de-rosa na boca, na
minha pele, mais do que precisava de qualquer outra coisa na face da
terra.
Eu me inclinei, esperando que ela me parasse a qualquer
momento, mas ela não o fez. Meus lábios encontraram os dela, e ela
soltou um gemido que disparou direto para o meu pau. Eu endureci
quando passei minha língua entre os lábios dela, provando-a,
explorando. Sua língua encontrou a minha timidamente, timidamente, e
embora ela fosse obviamente sem habilidade, seu beijo atiçou meu
sangue de uma maneira que ninguém mais teve em muito tempo, talvez
nunca. Deus, ela era tão doce, tão fresca e pura.
Meu pau inchou e pressionou contra o meu zíper, me fazendo
gemer e se mover contra ela, para puxá-la para mais perto e enfiar
meus dedos na parte de trás de seu cabelo. Eu senti seu rabo de cavalo
quando o cabelo dela caiu sobre minhas mãos, o leve aroma de seu
xampu encheu meu nariz, algo leve e limpo. Leve e limpo.
Eu queria ela. Eu a queria tanto que estava tremendo com isso. O
que é isso? Eu estava quase tentado a pegá-la e levá-la para uma das
mesas desertas, para apoiá-la e aliviar a dor terrível entre as minhas
pernas. Em algum lugar da minha mente confusa e turva, parecia até
possível que essa garota pudesse acalmar os lugares profundos,
sombrios e dolorosos dentro de mim que eu não tinha ideia de como
acessar.
Só por esta noite - apenas uma maldita noite - eu queria me
perder na doçura tão clara nos olhos dessa garota, a pura inocência que
podia sentir emanando dela.
Não havia lugar para doçura em minha vida. E definitivamente
não há lugar para inocência.
Mas, ah, eu queria muito. E naquele deck estrelado em uma noite
fria de Paris, eu admiti o quanto, mesmo que apenas para mim
mesmo. Esse sentimento veio de repente. Como uma musa que
prometesse ficar mais do que um breve momento ou talvez dois. E eu
não merecia isso, mas não me importava.
Eu quebrei o beijo, arrastando minha boca em suas bochechas,
franzindo meus lábios sobre aqueles beijos de anjo espalhados tão
delicadamente em sua pele. — Venha para casa comigo, — eu
sussurrei, incapaz de disfarçar a carência na minha voz.
— Você está bêbado, — ela sussurrou de volta. — Eu reparei você
beber a noite toda.
— Sim. — Eu não neguei isso. — Isso não afetará meu
desempenho. Isso nunca acontece.
Ela se acalmou em meus braços, e percebi o quão grosseiras
minhas palavras devem ter soado, quão comum eu devo tê-la feito se
sentir. E não era? Quando chegou a hora, não era exatamente isso que
eu queria fazer para ela? Comum? Eu realmente poderia fingir que ela
seria diferente do resto? Diferente das muitas mulheres com quem
estive por uma noite e nunca mais? Eu não tinha nada para oferecer a
uma garota assim, então por que parecia que algo que estava
florescendo um momento antes tinha acabado de secar dentro de
mim? Eu não sabia o que poderia ser, mas parecia algo. Eu senti algo...
— Você é diferente, — disse ela, e a tristeza atou sua voz. Fazia
muito tempo que ninguém desperdiçava tristeza comigo. E o que ela
quis dizer com diferente? Ah, ela sabia quem eu era. Ela me
reconheceu. Talvez ela tivesse alguma fantasia que Callen Hayes era
alguém diferente de quem eles me disseram ser.
Talvez ela pensou que eu não entendia. Por um segundo louco,
olhando em seus olhos cheios de alma, eu queria acreditar que era
verdade. Mas eu sabia que não era. Eu abri minha boca para dizer
alguma coisa, para tentar corrigir o meu erro, talvez, ou talvez apenas
para me desculpar, quando de repente a porta se abriu atrás de nós. Eu
soltei a garota, e nós dois tropeçamos, virando ao mesmo tempo.
Charlène estava na porta, os braços cruzados sobre os seios
pequenos e redondos, uma sobrancelha erguida e uma inclinação
sarcástica nos lábios vermelhos e brilhantes. — Se você acabou,
podemos sair agora? Você me pediu para voltar para casa com
você, oui?
Eu me encolhi internamente quando os ombros da garota
caíram. Jesus Cristo. Eu disse aquelas palavras exatas para ela. Ela
olhou para mim - sua boca bonita inchada, seu cabelo em volta
dos ombros – e eu vi uma profunda decepção em sua expressão. Pela
primeira vez em muito tempo, me vi através dos olhos de outra pessoa e
odiei o que vi. Ela puxou os ombros para trás e se afastou de mim,
passando por Charlène e pela porta. E assim, ela se foi.
Capítulo Dois
JESSICA

— Como foi? — Minha colega de quarto, Francesca, perguntou


quando entrei pela porta.
Eu joguei minha bolsa para baixo e fui direto para a geladeira,
pegando uma garrafa de água e tomando um longo gole. — Tudo bem,
estar oficialmente desempregada é uma coisa boa. — Eu ofereci a
Frankie um sorriso pesaroso, tomando outro gole da água fria. O
apartamento estava sufocante e senti uma gota de suor escorrer pelas
minhas costas.
— Eu vou me trocar e então já volto. — Fui para o meu pequeno
quarto e comecei a tirar minha saia e blusa, pendurando as duas
cuidadosamente no meu armário. Eu não tinha muitas roupas de
trabalho profissionais, e precisava tratar as que eu tinha gentilmente, já
que agora precisava me candidatar a um novo emprego.
Vestindo shorts de algodão e uma blusa solta e reunindo meu
cabelo em um rabo de cavalo alto ajudou a me refrescar antes de voltar
para a sala de estar.
Um barulho me assustou, e eu ri quando vi que Frankie tinha
acabado de abrir uma garrafa de champanhe e estava colocando em
duas taças de champanhe.
— Santé, mon amie2, — ela cantou quando me entregou uma das
taças e levantou a sua. Sorri e tomei um gole do espumante barato. —
Este é o primeiro passo no caminho para uma carreira maravilhosa.
— Merci3. — Eu sentei no sofá, colocando minha taça na mesa de
café e trazendo minhas pernas para baixo de mim. Frankie se sentou do
outro lado do sofá, tomando outro gole de champanhe e enrugando o
rosto.

2 Saúde, meu amigo.


3 Obrigado
— O melhor que eu podia pagar, — disse ela.
— Assim que eu encontrar um emprego, o champanhe será por
minha conta. Vamos torcer para finalmente poder pagar algo decente.
Ela sorriu. — Você irá. Estou orgulhosa de você por dar esse
salto.
— Sim, sim. Mas se eu acabar no cortiço, vou culpar você.
— Justo. Embora eu não ache que existam mais cortiços. É a rua
fria e solitária em que você vai acabar, meu pequeno repolho.
— Ótimo. — Sorri para o termo carinhoso, nossa piada
familiar. Ela ouviu o termo ma choupette em algum lugar e me
perguntou o que significava, e eu traduzi literalmente. Era agora o
apelido favorito de Frankie. Apesar de seu primeiro nome italiano,
Frankie não era fluente em nenhuma das línguas românicas, e quando
nos conhecemos ela falava apenas algumas palavras soltas em
francês. Eu a conheci em um cybercafé quando cheguei a Paris pela
primeira vez, a ouvi fazendo um pedido de café e um croissant e a
ajudei. Nós começamos uma conversa depois disso e nos demos
bem. Nós duas estávamos procurando por uma colega de quarto, e
parecia que era para ser. Felizmente, simplesmente viver e trabalhar na
França melhorou seu francês. Frankie trabalhou na casa de moda de
um novo designer chamado Clémence Maillard. Ela amava seu trabalho,
mas seu salário não era muito melhor que o meu.
Na verdade, eu me lembrei, o salário de todos agora era
oficialmente melhor que o meu. Eu já não tinha um.
— Como Vincenzo ficou sobre você sair?
Suspirei. — Bem. Ele não terá problemas em me substituir.
Peguei meu copo e tomei um gole. Vincenzo provavelmente já havia
preenchido o lugar. O Lounge La Vue foi um dos mais populares e
chiques bares de hotel em Paris, e as gorjetas geralmente eram
ótimas. Mas eu passei bastante tempo como garçonete de coquetel em
meio período.
Um ano atrás, eu me formei na Cornell University com
especialização em francês e na história medieval francesa, mudei para
Paris e comecei a me candidatar a vagas de emprego. Quando a única
oferta que recebi foi de um pequeno jornal que não pagava o suficiente
para eu fazer três refeições por dia, eu peguei o emprego de garçonete
no Lounge La Vue e alimentava meu cérebro com estágios curtos (não-
remunerados) em museus. Meu estágio mais recente acabara de
terminar, e sair do Lounge La Vue me forçaria a sair e encontrar algo
em meu campo que pagasse dinheiro de verdade. Frankie estava certa -
era hora de dar um salto de fé.
Através dos meus estudos, descobri que tinha
um talento particular - e afinidade - para traduzir artigos em
francês. Se conseguisse encontrar um emprego onde pudesse usar essa
habilidade, seria um sonho tornando realidade.
Eu poderia ter pedido ajuda ao meu pai, o que me permitiria
iniciar minha carreira mais rápido, mas estava determinada a não pedir
nada a ele. Ele havia decidido que a escola francesa na minha cidade
natal oferecia a melhor educação, e foi lá que descobri meu amor pelo
estudo da língua e de todas as coisas francesas. Por isso era grata a ele,
embora houvesse pouco mais. Minha mãe faleceu de câncer quando eu
tinha vinte anos, e dado que o diagnóstico tinha chegado quando ela já
estava no estágio quatro, parecia que ela estava lá um dia e se foi no
outro. Quatro anos depois, eu ainda lamentava a perda dela, mas
também estava triste com a vida que ela aceitou para si mesma. Ela
viveu apenas quarenta e oito anos e passou mais da metade da vida
vivendo com um homem que a tratava como se ela não fosse
especial. Eu queria mais para mim. Eu nunca aceitaria uma vida
assim. Meu pai prontamente se casou novamente com uma garota
apenas um ano mais velha que eu. Eu tinha certeza que ele já estava
traindo ela também. Não é como se eu tivesse perguntado. Ou me
interessado. Nós nunca estivemos perto de começar uma conversa, e
agora menos ainda.
Graças a Deus por Frankie. Eu tinha um pequeno círculo de
amigos em Paris - meninas que conheci no Lounge La Vue -
mas Frankie era mais parecida com a irmã que eu nunca tive. Eu criei
uma família que escolhi aqui na França.
Eu inclinei minha cabeça para trás no sofá. Eu não tinha comido
nada desde o café da manhã, e o champanhe já estava me fazendo
sentir sonolenta e lânguida.
— Ele nunca voltou para o salão de novo, não é? — Frankie
perguntou, me olhando. Eu quase fingi que não compreendi quem ele
era, mas ela sabia muito bem que eu estava apenas sendo amarga e
propositadamente desdenhosa.
— Não. Eu tinha voltado para o minúsculo apartamento que
compartilhava com Frankie depois da noite, dois meses atrás, quando
Callen Hayes entrou no Lounge La Vue, me beijou e saiu com outra
mulher. Não que ele não devesse... Ele claramente havia chegado com
ela. Eu a vi sentada perto dele na mesa lotada, mas ele estava olhando
para mim, e eu esperava...
Bem, eu esperava que ele me reconhecesse no mínimo. Mas ele
não reconheceu. Ele não tinha ideia de quem eu era, além de uma
garçonete que ele provavelmente pensava que estava de olho nele a
noite toda. O que eu tinha feito, mais ou menos, mas era mais um caso
de descrença. Depois de todos esses anos, meu Callen voltou à minha
vida. Embora ele nunca tenha sido realmente meu Callen. E bem, ele
nunca seria.
Mas na época eu não tinha sido capaz de evitar aquele fervor de
emoção que tinha acendido com a possibilidade de que ele iria se
lembrar de mim como a menina que ele se sentou em um vagão de
carga em um trecho deserto da trilha do trem, há muito tempo. A
garotinha com quem ele costumava ir em aventuras, brincar de jogos e
satisfazer sua imaginação hiperativa.
Ele me beijou no pátio, e ele não tinha sabor de calor e esperança,
não como eu me lembrava. Ele tinha gosto de álcool e pecado. Ele não
era o garoto que eu conhecia - nem perto - e quebrara meu coração um
pouquinho. Eu cheguei em casa e chorei no ombro de Frankie,
contando toda a história desde o começo. Foi a segunda vez na minha
vida que ele me beijou e foi embora. E nunca retornou.
Ela sabia quem era Callen Hayes, claro. Imaginei que qualquer
mulher entre as idades de quinze e cinquenta anos soubesse. A
primeira vez que o vi no Entertainment Tonight, quase caí. Eu tinha
ficado fascinada pela primeira vez pelo homem lindo na televisão, e
embora ele parecesse familiar de uma maneira que eu não conseguia
identificar, quando eles disseram o nome dele, eu soube imediatamente
quem ele era. Eu coloquei minha mão sobre a minha boca para conter o
alto suspiro de surpresa e afundei no sofá, assistindo em um torpor
enquanto ele sem esforço encantava a anfitriã feminina.
Aquele sorriso. Ele tinha sido um menino bonito e agora... Ele era
devastador.
Eu tirei o pedaço de papel velho e rasgado da minha cópia do Rei
Arthur e Seus Cavaleiros da Távola Redonda e corri o dedo sobre as
notas desbotadas, um encantamento fluía através de mim que o famoso
homem na TV era o garoto que tinha os desenhado uma vez. Eu baixei
todas as suas composições e reconheci um pedaço de uma de tantos
anos antes - a melodia que ele finalmente descobriu como terminar. Eu
ouvia repetidamente no meu iPod, meus fones de ouvido, enquanto
fechava os olhos e viajava de volta no tempo. Jurei que podia sentir sua
mão calosa e infantil na minha. Boba. Estúpida. Ainda assim, é
verdade.
Eu segui sua carreira desde então, vi sua estrela crescer, sua
fama crescer, e eu estava... Orgulhosa. Eu tinha tantas perguntas sobre
por que ele desapareceu sem um adeus, mas não podia negar o orgulho
que enchia meu peito sempre que eu via um artigo brilhante sobre
ele. Não que ele não foi também destaque nos tabloides com suas
façanhas como bad boy. Ele tinha uma reputação, uma que a mídia
parecia achar fascinante e as mulheres achavam atraente. Eu me
perguntava o quanto era realidade e quanto era fabricado, mas vê-lo no
Lounge La Vue havia respondido a essa pergunta. Ele era exatamente
quem eles relataram ser, ou pelo menos muito perto disso. Ele bebeu,
ele festejou, e ... Beijou meninas estúpidas em pátios só porque
podia. Porque eu - elas – éramos fantoches nas mãos dele.
E por que eu deveria estar com o coração partido? Ele não me
devia nada. Eu o conheci por pouco tempo há muito tempo, quando
éramos crianças. Então, ele tinha crescido e virado um homem vaidoso,
mulherengo - um homem louco, talentoso, vaidoso. Bem, bom para
ele. E sorte minha que ele saiu naquela noite com a loira francesa. Sua
capacidade de se afastar de seu encontro e beijar uma estranha dentro
de três minutos me disse mais do que precisava saber sobre Callen
Hayes de agora. O que quer que estivesse no meu rosto fez Frankie me
oferecer um olhar de simpatia. Eu bebi o último gole do champanhe e
ergui o copo, pedindo mais. Frankie pegou a garrafa e encheu minha
taça. — Você já pensou em tentar contatá-lo?
— Deus não. Por que eu deveria?
Ela encolheu os ombros. — Você nem contou quem você era. Você
não acha que ele poderia ter... — Poderia ter o quê? Me dado uma
daquelas noites pelas quais ele parece tão famoso? Ela sorriu. — Teria
sido tão ruim?
Revirei os olhos, dando a ela o meu melhor olhar de desgosto. Ao
contrário de mim, Frankie nunca esteve sem namorado ou pelo menos
uma paixão. Ela ia de um homem para outro, constantemente entrando
e saindo de relacionamentos. Mas o amor não teria nada a ver com o
que Callen Hayes me ofereceu naquela noite, se ele tivesse me oferecido
qualquer coisa. — Ser uma em um mar de muitas? Não, obrigada. Além
disso, eu... Não queria dizer a ele quem eu era. Queria que ele se
lembrasse. Queria acreditar que ele me reconheceria em qualquer
lugar... Que ele guardava as memórias daquela época, embora fosse
breve. Que ele tinha um grande motivo para nunca mais voltar, por
nunca ter dito adeus, e por ter vivido com arrependimento todos esses
anos. Eu gemi. Que babaca infantil, estúpida e romântica que eu sou.
Frankie levantou uma sobrancelha. — Eu vi fotos de você aos
treze anos, Jess, e sem ofensa, mas graças a Deus ele não reconheceu
você.
Eu ri, cuspindo um pouquinho do champanhe que tomava. Eu
limpei meu lábio com o polegar. — Caramba, valeu.
Ela riu junto comigo, piscando. — Estou brincando. Na maioria
das vezes.
Eu mostrei minha língua para ela e ri. Terminei com um
suspiro. — Não, não somos nada um para o outro agora, e talvez nunca
fomos. Ou talvez ele quisesse algo para mim, mas não se sentia da
mesma maneira. De qualquer forma, eu poderia ter dito a ele quem eu
era, mas por quê? Somos pessoas diferentes, estranhos agora, e nunca
nos cruzaremos novamente.
Ela se inclinou para frente e deu um tapinha no meu joelho. —
Tudo bem. Falando de estranhos, o que você acha de sairmos para
dançar hoje à noite e encontrarmos alguns fofos por aí?
Eu estava me sentindo sonolenta e ligeiramente bêbada pelas
duas taças de champanhe, e então gemi e balancei a cabeça. — De jeito
nenhum. Vou fazer o jantar e depois vou me arrastar para a
cama. Preciso começar a enviar currículos ou não vou poder pagar o
aluguel.
— Bem. Você não é divertida. Vou ligar para Amelie. — Ela se
levantou e eu peguei o controle remoto, ligando a televisão e tomando
um último gole de champanhe. Uma dor de cabeça estava se
instalando.
Um programa de entrevistas de algum tipo estava acontecendo, e
quando o rosto de Callen subitamente apareceu na tela, sua expressão
era sexy e irritante, eu fiz um som descontente e me atrapalhei com o
controle remoto, apertando o botão de desligar. — Deus, realmente? —
Eu me levantei e alonguei minhas mãos, determinada a dizer adeus a
Callen Hayes pela segunda vez na minha vida. Pena que eu não tivesse
dito na cara dele.
Capítulo Três
CALLEN

Eu acordei devagar e gemi, minha cabeça doía e meus músculos


estavam travados que não tinha certeza se poderia me mexer. Eu me
estiquei e senti algo quente nas minhas costas. Ah não. Porra. Essa era
a parte que começava a ficar cansativa e desconfortável -
confrontando meus erros da noite anterior. — Bom dia, — uma voz
familiar ronronou. Eu congelei. Oh Deus, ainda pior. Virando, abri um
olho com cautela. — Eu pensei que te disse que isso não ia acontecer de
novo.
Annette colocou o travesseiro atrás da cabeça e se deitou,
franzindo a testa e cruzando os braços sobre os seios nus. — Eu sei que
você não quis dizer isso.
Sentei e depois caí de volta no travesseiro quando uma faca afiada
cortou meu crânio. — Porra, quanto eu bebi ontem à noite?
— Olhando o número de garrafas vazias na sua sala, eu diria
muito.
— Bem, isso explica porque você está aqui. Eu estava bêbado
demais para perceber quem você era.
Ela soltou um grunhido irritado e deu um tapa no meu ombro. O
empurrão causou mais dor na minha cabeça, mas o insulto funcionou
para tirá-la da minha cama. Ela balançou as pernas para o lado e se
levantou, girando devagar e colocando as mãos nos quadris. Meus olhos
correram preguiçosamente pelo seu corpo nu, e por um flash eu
considerei ir para outra rodada - apesar de não ter lembranças
do primeiro round - mas sabia por experiência que Annette gostava de
algo áspero e barulhento e minha cabeça doía muito pra tentar uma
segunda vez. Uma rápida olhada no meu peito mostrou que ela usou
suas unhas e dentes na noite passada. Nojo, e algo que parecia tristeza,
se instalou no meu peito. — Onde Larry pensa que você está?
— Talvez eu tenha dito a ele que estava vindo até você.
— Estranho. Posso encontrar outro agente, mas seria difícil você
encontrar outro marido tão rico quanto ele e disposto a acreditar em
suas mentiras.
Ela afinou os lábios. — Se ele é tão estúpido, por que você o
mantém por perto?
— Ele é apenas estúpido quando se trata de você. — Eu bocejei.
— Você acha que ele não tem seus próprios... Interesses também?
Eu a ignorei. Eu não dava a mínima para os detalhes do
casamento de Larry e Annette e menos sobre o que os interesses de
Larry. Eu sabia muito bem que Larry ficaria menos do que excitado em
saber que eu tinha fodido sua esposa. Mais de uma vez. Não que eu
quisesse que fosse uma coisa constante - Annette era mais persistente
do que a maioria e tinha um jeito de me pegar nos meus momentos
menos resistente.
Ela se virou para mim e passou as mãos sobre os seios grandes e
empinados, brincando com os mamilos enquanto me olhava
através das pálpebras semicerradas. — Mmm, — ela ronronou.
Seu show não foi nem um pouco excitante. Eu podia ver uma
pilha de livros de música na mesa perto da janela, e eles eram a única
coisa que me interessava agora. Por favor, por favor, por favor, faça com
que algo bom esteja nesse papel. — Vá para casa, Annette. Eu terminei
com você e tenho trabalho a fazer.
Ela soltou as mãos de seus seios e bufou indignada, pegando um
travesseiro e jogando para mim. Eu me esquivei, e quando olhei para
cima, ela estava andando pela sala, pegando suas roupas. — Você não
terminou comigo ontem à noite! — Ela começou a puxar suas roupas
violentamente, e fiquei surpreso que não as rasgasse de raiva. — Você é
um idiota e um bêbado miserável.
— Elogios não vão funcionar desta vez, — eu disse facilmente. Ela
olhou para mim enquanto eu sorria, e então se virou rápido e saiu pela
porta do quarto.
Levantei-me e fiquei na porta, observando enquanto ela pegava a
bolsa do sofá e se dirigia para a porta. — Obrigado pelas memórias, —
eu chamei sarcasticamente.
Ela virou-se rigidamente, a raiva irradiando dela, pegou uma
garrafa vazia de uísque em uma mesa perto da entrada e atirou-a em
mim. Eu me abaixei, e a garrafa quase me acertou, navegando sobre
minha cabeça e explodindo na parede atrás da cama enquanto a porta
batia. Eu ri. Drama, muito drama?
Mas meu riso desapareceu rápido quando voltei para o meu
quarto, pegando a pilha de papéis em minha mesa e folheando-os, meu
coração afundando como uma pedra quando vi o que estava sobre
eles. Nada. Eu não tinha escrito nada, nem uma porra de nota. Joguei
os papéis do outro lado da sala e eles choveram sobre mim. — Foda-se!
— Eu gritei enquanto afundava na cadeira, colocando meus cotovelos
sobre a mesa e segurando minha cabeça. — Foda-se, — eu disse mais
suavemente, o desespero enchendo meu peito. — Foda-se, foda-se.
Você é um idiota sem valor. Tenho vergonha de te chamar de meu.
Ele estava certo.
Idiota sem valor. Vergonha de te chamar de meu.
Deus, quem não teria?
Fiquei sentado ali por um tempo, permitindo-me afundar em
minha própria desgraça, em meu próprio desprezo, antes de me
levantar e ir ao banheiro. Eu joguei dois comprimidos de Tylenol na
minha boca, os engolindo quando entrei no chuveiro, me encolhendo
com as pílulas amargas e aspergidas enquanto eu lavava o cheiro de
sexo e álcool do meu corpo. Infelizmente, nada poderia ser feito para
limpar minha alma.

***

O Gift of Music Charity Ball já estava em pleno andamento


quando cheguei, os sons suaves de uma banda de jazz vagando pela
sala do palco na frente. Casais dançavam, os vestidos de noite das
mulheres movendo-se a seus pés, um rio de redemoinhos vermelhos,
azuis e roxos. Lustres brilhavam no alto, e o cheiro de flores exóticas
flutuava no ar.
Fiquei parado na porta por um momento, olhando em volta,
observando um rabo de cavalo de uma morena elegante. Meu coração
parou por um momento, e então a mulher se virou e soltei um pequeno
bufo de ar. Por que os pensamentos daquela garota que eu beijei em
Paris ainda vêm à mente nos momentos mais estranhos? Foi
bizarro. Eu raramente pensava nas mulheres com quem dormi, e eu
só beijei aquela garota. Eu mal conseguia imaginar como ela era. Talvez
fosse isso. Talvez fosse simplesmente porque queria mais e não tinha
conseguido, e o arrependimento de não tê-la experimentado
permaneceu. Suspirei. Era uma explicação tão boa quanto qualquer
outra.
Ou talvez fosse sobre Paris. Alguma mística romântica que
envolvia a Cidade da Luz. Mesmo eu, não estava imune a isso
aparentemente.
Uma menina carregando uma bandeja de taças de champanhe
passou e eu agarrei duas, engolindo uma rapidamente e depois a
outra. Porra, eu não quero estar aqui. Mas era um show beneficente para
a pesquisa de câncer infantil, então eu me forcei a vir - um bom
lembrete de que a vida não era só sobre mim e meus problemas
estúpidos. Coloquei os copos vazios em uma mesa atrás de mim e
examinei a sala novamente. Vi Larry e Annette no meio da multidão, de
pé com dois homens, um deles vestindo um terno berrante e horrível, e
fui até lá.
— Callen, — Larry me cumprimentou, dando um passo para o
lado e abrindo espaço para mim no círculo. — Tão feliz que você esteja
aqui.
— Você sabe o quanto eu amo festas extravagantes, Larry, — eu
disse sarcasticamente, tomando outra taça de champanhe oferecida por
um garçom que passava.
Larry deu um risinho. — É uma vida difícil. Você conhece Anders
Hanson, não é? — ele perguntou, apontando para o homem ao lado
dele. Anders estava usando um terno slim off white4, mangas
arregaçadas até os antebraços, combinando com uma camisa azul
brilhante e, uma gravata borboleta florida multicolorida. — E este é o
assistente dele, Ralph. — Olhei para Ralph, acenando para ele e depois
olhei para Anders. Eu reconheci o nome dele. Ele foi o crítico musical de
uma das revistas de música clássica mais populares. Eu não o conhecia
pessoalmente, mas eu o conhecia pela reputação. Ele era conhecido por
sua honestidade brutal e senso de moda... Ousado.
Anders me deu uma inclinação do queixo que conseguiu ser
arrogante e entediado, e olhou por cima do meu ombro como se
estivesse procurando alguém mais interessante. Pretensioso idiota.
Eu olhei para Annette, que levantou uma sobrancelha e me deu
um sorriso falso. Claramente ela ainda estava descontente com o meu
tratamento naquela manhã. Não que isso a manteria longe de mim. Eu
precisava parar de ficar bêbado e abrir a minha maldita porta pra
qualquer um.
Eu dei a ela um olhar vazio enquanto levantava meu copo, e seu
sorriso se transformou em uma careta momentânea antes que colasse
outro sorriso falso em seu rosto. Foi tudo um jogo. Tudo isso. — Estou
surpreso em ver você aqui sem uma companhia hoje à noite, Callen.
— Oh, você me conhece, Annette; Tenho certeza de que vou
remediar isso antes que a noite termine. — Os olhos dela se
estreitaram, mas depois desviou o olhar, fingindo repentino
desinteresse.
— De qualquer maneira, como eu estava dizendo, —
Andy gargalhou. — A composição de Brenton Conrad foi tão ruim, o
papel em que foi escrito não era digno de ser usado para limpar minha
bunda. — Ele riu com vontade de sua própria piada. — Foi o primeiro
álbum dele, e eu disse a ele pelo bem de toda a humanidade, que
precisava ser o último. Eu intitulei meu comentário — ele ergueu as

4 Terno bem ajustado, quase apertado na cor clara.


mãos como se suas próprias palavras fossem dignas de uma marquise,
— Do Inferno: Atrozes, Nauseantes e Flagrantemente Desesperados.
Brenton Conrad era um novo compositor que eu pessoalmente
achava que tinha alguma promessa. Sua primeira composição tinha
sido medíocre, era verdade, mas mesmo assim, uma onda fria de raiva
deslizou lentamente pela minha espinha - um sentimento de repulsa
pelo fato de que esse homem pensava que diminuir alguém com suas
palavras era mesmo remotamente divertido. Eu me inclinei para frente,
fingindo uma expressão de confusão. — Flagrantemente
desesperado? Me desculpe, isso foi uma crítica de música ou a
descrição de sua roupa? — Eu olhei para ele de cima a baixo, meu olhar
passando pelas calças e se acomodando em seus tornozelos nus. Ele
não estava usando meias.
A descrença enfurecida surgiu em seus olhos antes que ele
conseguisse substituir a expressão com um sorriso excessivamente
grande. — Você não me disse que ele era tão divertido também, Larry.
Larry abriu a boca para falar, mas eu o interrompi. — Oh, eu não
estava sendo engraçado, Anders. Sua roupa é seriamente nauseante.
— Jesus, Callen, — Larry murmurou.
— Então, Callen, — o assistente de Anders interveio rapidamente,
seu tom apreensivo, claramente tentando mudar de assunto e desviar o
que ele imaginava que estava prestes a acontecer entre eu e seu chefe
idiota: — Ouvi dizer que você está escrevendo a partitura
para Discovering Hart.
Meu estômago se apertou, mas movi meus olhos do rosto zangado
de Anders para o nervoso de seu assistente e sorri. — Isso.
Ele levantou os ombros e emitiu um som de excitação. —
Estou apaixonada por Marlon McDermott. — A estrela do filme. —
Como está a música?
Eu tomei uma bebida. — Ótima. Eu já tenho cerca de metade da
letra. — A mentira rolou da minha língua facilmente. Eu queria que
fosse verdade. Talvez mentir sobre isso iria aplicar a pressão extra que
eu precisava para começar algo. Como se eu já não tivesse pressão
suficiente.
— Isso é ótimo, Callen. Por que você não me contou? —
Perguntou Larry.
Eu dei a ele um sorriso apertado, tomando meu champanhe e
procurando por mais. Na última vez em que conversamos, pedi a Larry
que pedisse uma extensão no estúdio e disse a ele com confiança que
estava passando por um bloqueio de escritor. Subestimação do maldito
ano. — Eu não queria azarar. —Eu peguei outro copo de uma bandeja
de passagem.
Anders riu. — Vocês artistas e suas superstições ridículas. —
Ridículo.
Ridículo.
Você não pode fazer nada certo. Você é ridículo.
Minha pele estava quente. A sala estava subitamente
sufocante. Puxei minha gravata borboleta, precisando de ar, precisando
me afastar dessas pessoas. — Não é tão ridículo quanto você pensa que
alguém se importa com sua opinião inútil. — Antes que ele pudesse
reagir, eu me virei e fui embora, em direção ao bar.
Vinte minutos e dois drinques depois, quando eu estava
começando a me sentir bem e entorpecido, Larry se aproximou de mim,
encostando no bar. — A personalidade artista mal-humorada é apenas
atraente até um ponto. Você tem que deixar o álcool. Está
transformando você em um idiota.
— Eu já era um idiota antes de começar a beber, Larry. E eu
odeio os críticos, — eu murmurei. — Especialmente aqueles como ele.
— Todo mundo odeia os críticos, Callen. Mas eles são um mal
necessário. E você pode ter sido um idiota antes, mas você sabia o
suficiente para não insultar as pessoas que vão agora todo o momento
postar críticas contundentes de cada peça que você escrever a partir de
agora até o fim dos tempos. Você pode não gostar desse cara, mas as
pessoas o ouvem. Você vai acabar nos fazendo perder muito dinheiro. O
que está acontecendo?
Eu fechei meus olhos, suspirando. Ele estava certo. O cara era
um idiota, mas eu não fiz nenhum favor a ninguém o insultando. Eu
acabei de fazer um inimigo. Um inimigo em uma gravata borboleta
florida e sem meias, mas um inimigo, no entanto. Coloquei minha
bebida no bar e me virei para Larry. — A verdade é que eu não escrevi
nada do Discovering Hart quanto eu disse.
Larry franziu a testa. — Quanto você escreveu?
— Não muito. Não tanto quanto eu esperava a essa altura. —
Nada.
Larry apertou os lábios e suspirou antes de tomar um longo gole
de sua bebida. — Escute, Callen, por que você não tira férias? Vá a
algum lugar tropical e sente-se em uma praia e mantenha a cabeça
reta. Quando você estiver se sentindo relaxado e desestressado, é
quando o bloqueio do escritor irá desaparecer.
Eu queria acreditar nele. Eu realmente queria. Mas estava com
medo de ter esperança. Ainda assim... — Em algum lugar tropical? —
Eu murmurei.
— Certo. Ou melhor ainda, volte para a França. Nós só ficamos lá
por três dias para a cerimônia do Prêmio Poirier, e você reclamou que
não conseguiu ver nada. Faça uma viagem para a Riviera. É lindo e
muito luxuoso. É onde todos as pessoas da alta sociedade tiram
férias. Poderíamos nos juntar a você por um fim de semana depois de
você tirar algumas semanas para si mesmo. Annette e eu já estivemos
lá antes, mas nunca nos cansamos de lá.
— Eu nunca estive de férias sozinho.
Larry suspirou. — Então leve um amigo com você, desde que não
seja uma mulher e contanto que não seja alguém que distraia você.
Um amigo. A única pessoa que eu considerava um amigo de
verdade era Nick, e eu não tinha falado com ele em dois meses. Mas
talvez ele me perdoasse se eu o convidasse em uma viagem com todas
as despesas pagas para a França.
Quanto tempo passou desde que eu tirei férias? Imaginei que a
maioria das pessoas pensava em minha vida como uma celebração
constante, uma interminável vida de festas, encontros tardios, fazer o
que quer que fosse que eu levasse a minha fantasia. O problema era
que perdera o fascínio. O que uma vez pareceu divertido, agora trazia
nada além de vazio e depressão. Eu odiava fingir. Estava cansado de
tudo isso. E Jesus, eu com certeza não queria que Larry e sua esposa se
juntassem a mim.
França.
Olhos inocentes e beijos de anjo.
Talvez uma rápida parada em Paris também.
Não era uma má ideia. Eu assenti. — Acho que vou seguir seu
conselho, Larry.
— Já era hora.
Capítulo Quatro
JESSICA

O escritório era sem janelas, pequeno e abafado, com estantes


do chão ao teto, abarrotadas de livros que cobriam três paredes. Os
livros de capa dura empoeirados cobriam toda a superfície disponível,
incluindo várias pilhas no chão. Sentei-me na frágil cadeira em frente à
mesa, meus joelhos pressionados e minhas mãos atadas no meu colo,
tentando ocupar o menor espaço possível para não derrubar uma das
muitas pilhas.
A porta se abriu e eu olhei para trás, sorrindo enquanto me
levantava. O senhor mais velho gesticulou para que eu me sentasse de
novo, passando por cima de várias pilhas no chão e dando a volta na
grande escrivaninha entalhada em madeira. — Madame Creswell, —
ele estendeu a mão e nos cumprimentamos, — é muito bom conhecê-
la. Sou o Dr. Moreau. Eu aprecio que você possa vir em tão pouco
tempo.
— Claro, Dr. Moreau. Eu aprecio a oportunidade. Não posso
agradecer o suficiente. — Meu coração bateu no meu peito e eu quis
que ele desacelerasse, para não ficar muito animada. Conseguir este
trabalho foi uma sorte imensa. O anúncio era para um assistente do Dr.
Christophe Moreau, o diretor de línguas românicas do Louvre, para um
projeto que traduzia documentos encontrados recentemente, que se
pensava serem da Idade Média. Pelo que eu ouvi, a lista de candidatos
era enorme.
Dr. Moreau afastou algumas pilhas de papéis e folheou uma
pasta, tirando o que eu achava ser meu currículo. Ele abaixou os
óculos, olhando para ele com as sobrancelhas levantadas. — Sua lista
de locais de trabalho é muito impressionante, embora eu veja que você
só tenha realizado estágios não remunerados até este ponto. Por quê?
— Bem, Dr. Moreau, a verdade é que descobri que os estágios
proporcionavam mais para mim do que os cargos remunerados que
estavam disponíveis quando comecei a faculdade.
— Exceto em um salário.
Eu ri baixinho. — Sim, exceto por isso. — Fiz uma pausa. —
Sempre há maneiras de ganhar dinheiro suficiente para viver. Eu quero
fazer um trabalho que me desafie e use minhas forças para fazer a
diferença.
O Dr. Moreau recostou-se na cadeira, finalmente me dando toda a
atenção. — Objetivos ambiciosos, especialmente para uma estudiosa da
língua. — Ele me olhou. — Diga-me o que você sabe sobre Jeanne
d'Arc5.
Joana D'Arc? — Eu... Bem, eu sei muito, na verdade. Além dos
estudos de francês na faculdade, concentrei-me na história medieval da
França. — Quando ele continuou me observando, fiquei mais ereta e
continuei. — Jeanne d'Arc era mártir e santa, uma líder militar agindo
sob orientação divina que levou o exército francês a derrotar os ingleses
durante a Guerra dos Cem Anos.
— E você acredita?
— Acredito que ela agiu sob orientação divina?
— Oui. Você acredita que Deus falou com ela e lhe deu uma
missão?
Eu mordi meu lábio por um momento. — Eu não sei. Eu acredito
que ela acreditou.
Seus lábios se curvaram. — Ah, uma boa resposta. Os
intelectuais que fingem que tudo pode ser conhecido são o pior tipo de
estudiosos. Essas são as pessoas que pararam de aprender. — Ele
abriu uma gaveta de baixo e tirou algo fechado em um plástico
transparente. — Seis semanas atrás, alguns escritos – eles parecem ser
um diário – foram encontrados em uma caverna no vale do
Loire. Acreditamos que foram escritos por alguém próximo a Jeanne
d'Arc e, embora seja em grande parte o relato pessoal de sua própria

5 Nome em francês da Joana d’Arc.


jornada, eles detalham as batalhas militares, falam dos pensamentos
expressos pela santa e recontam conversas entre os dois. Infelizmente,
nem tudo foi preservado, mas uma grande parte sim. — Ele me
entregou, e vi que havia um pedaço de pergaminho muito antigo
dentro. — Esse é um dos escritos, Madame Creswell.
Eu segurei até a luz, estudando e lendo o francês antigo. Minha
testa franziu enquanto eu lia, e depois de um momento eu a coloquei no
meu colo e olhei para o Dr. Moreau. — Dr. Moreau, me desculpe, mas
isso não pode ser do século XV.
Ele levantou uma sobrancelha. — Não? Pourquoi?
— Bem... — Eu apontei para uma das palavras no documento. —
Esta descrição - barroca - não teria sido usada na França até cem anos
após a morte de Jeanne d'Arc. Foi um estilo artístico que não começou
até as dezesseis centenas de anos. Estas foram escritas bem depois que
qualquer um que conhecesse Jeanne d'Arc pessoalmente já estaria
morto também.
O Dr. Moreau sorriu. — De fato. — Ele alcançou em sua gaveta
novamente e trouxe outro plástico transparente e o entregou para
mim. — Essa é uma cópia de um dos documentos reais.
Pisquei para o Dr. Moreau e examinei o documento que ele me
entregara, lendo o texto lentamente. — O que você pode me dizer sobre
a pessoa que escreveu isso, madame Creswell?
Eu levei outro momento para estudá-lo antes de responder. — O
autor é uma mulher. A linguagem é feminina.
—Oui. Concordo.
— E ela é da classe alta. Teria sido raro, embora não inédito, um
plebeu ler e escrever. Especialmente isso. É adorável. — Tomei um
momento para ler um parágrafo e, enquanto lia, imaginei a pena
flutuando suavemente com o movimento da mão da garota. — Sim,
definitivamente da classe alta. Ela faz uma piada aqui comparando um
dos generais a um cisne e diz que a última vez que viu um pássaro
assim estava em sua mesa de jantar e gostaria de vê-lo esculpido da
mesma forma. — Olhei para o Dr. Moreau, cujo lábios estavam
inclinados para cima junto com uma sobrancelha. Eu soltei um breve
suspiro. — Só os muito ricos comeram uma iguaria como o cisne na
Idade Média. — Fiz uma pausa, lendo mais algumas linhas. — E esse
capacete que ela fala aqui, uma fachada, que é uma tiara de contas, só
teria sido usado por uma jovem rica.
Eu o olhei e ele estava me observando com um sorriso no rosto. —
Acredito, Madame Creswell, que encontrei minha mais nova
assistente. Se você estiver disposta, é claro.
Meu coração pulou, e eu reprimi o sorriso que queria se formar
em meu rosto, dando-lhe o que eu esperava que fosse um sorriso
controlado e profissional. — Eu aceito, Dr. Moreau.

***

Subi as escadas para o meu apartamento o mais rápido que pude


em uma saia lápis, resistindo à vontade de gritar. Eu abri a porta e
Frankie, que estava no sofá comendo uma tigela de cereais, começou a
derramar leite em sua blusa. — Bom Deus, o que há de errado com
você?
Eu fechei a porta, sorrindo para ela. — Eu consegui um emprego.
Ela colocou a tigela de cereal na mesa de café e deu um pulo. —
Meu Deus! O que?
Depois de jogar meu portfólio na mesa perto da porta, lhe dei um
abraço rápido e animado e me sentei na cadeira em frente ao sofá. Ela
se sentou novamente, olhando para mim com expectativa. — Bem,
recentemente, alguns escritos foram encontrados em uma caverna no
Vale do Loire e estão pensando estarem conectados a Joana d'Arc.
— Vaca sagrada! Eles precisam de um tradutor?
— Sim. Eles já leram alguns dos escritos, mas são muito antigos,
provavelmente do século XV, e algumas palavras e frases são difíceis de
entender. É minha especialidade. Eles precisam ter cada palavra
cuidadosamente traduzida para garantir que mantenha a autenticidade
da escrita, mas em uma prosa legível, e salvos em um servidor de
computador seguro. Eles formaram uma equipe para confirmar as datas
e determinar se estão realmente conectadas a Joana D'Arc.
— Meu Deus. Isso parece muito importante.
— Parece incrível. Eles colocaram um grupo inteiro para estudar
esses escritos - especialistas em papel, arqueólogos que ainda estão
cavando nas cavernas para ver se conseguem encontrar algo mais que
possa datar as peças. Vou trabalhar com outro tradutor com uma
especialidade diferente e com um dos principais historiadores de
idiomas da França.
— Puta merda. Isso é demais. Por que você não me ligou no
trabalho?
— Tem sido um redemoinho. Eu não tive um segundo. É um
trabalho temporário, no entanto, e não paga muito, mas o Dr. Moreau
me disse que, se eu impressionar a equipe, pode haver outras
oportunidades.
Frankie soltou um grito e cobriu a boca. — Isso é tão
emocionante. Mas quando você diz temporário, quanto temporário?
— Eles atribuíram um mês. — Sentei-me na cadeira, esticando as
pernas na minha frente. — Este é o emprego dos meus sonhos,
Frankie. Só por ter uma chance de ler esses escritos de perto e
pessoal. Estou tão animada e nervosa que quero gritar.
— Bem, grite no caminho para o seu quarto e coloque algo
chique. Vou te levar pra sair esta noite para comemorar.
Eu sorri para ela. — Nós vamos dividir a conta. Eu posso pagar
agora. Mais ou menos. — Meu sorriso ficou amarelo. — Há apenas uma
outra coisa.
— Uh-oh. O que?
— O trabalho é no Vale do Loire.
Os olhos de Frankie se arregalaram. — O Vale do Loire? Quoi? Tu
plaisantes? 6

6 O quê? Você está brincando?


O que diabos estava pensando, certo? Eu me sentei, inclinando-
me para frente. — Eu sei. Mas foi lá que os escritos foram encontrados,
e eles querem que a equipe vá até eles, veja o local onde foram
descobertos, etc. Os escritos estão sendo mantidos em um museu no
Vale do Loire por enquanto, e eles estão colocando o nosso time neste
belo castelo nas proximidades, que também oferece um espaço de
trabalho.
— Um château? Bem, droga, garota. Você tirou a sorte grande.
— Em termos de projeto, sim. Monetariamente, não. Ainda assim,
Frankie, se eu fizer um bom trabalho, fizer algumas conexões, isso pode
ser um começo de carreira. — Um tremor de excitação passou por mim,
rapidamente seguido por um lampejo de insegurança. Paris, este
apartamento, Frankie, eles eram minha zona de conforto, meu refúgio
seguro, e eu teria que me separar deles, mesmo que por um curto
período de tempo.
— Vamos beber um bom champanhe esta noite, e você vai com
um vestindo decotado nas costas de Clémence Maillard7.
— Oh, eu não posso, Frankie. O vestido sem costas é uma faixa
de tecido de seda sem mangas e uma saia que mal cobre o cabide, mal
parecia um vestido. — Mas algo mágico acontecia quando era colocado
no corpo de uma mulher que o transformava em um dos itens mais
lindos de roupas que eu já vi. Era ridiculamente caro, mas Frankie
tinha a sorte de ganhar roupas fabulosas de seu chefe, e essa era uma
delas.
— Por que não? Você está fantástica, e esta é uma ocasião
especial.
— Esse é o seu vestido favorito.
— E você é minha amiga recém-contratada favorita.
Eu sorri para ela, meu coração transbordando de gratidão por
sua amizade. — Eu tenho muita sorte de ter você. — Ela sorriu.
— Eu sei. Agora pegue seu traseiro e comece a se preparar. Nós
temos algo grandioso para celebrar.

7 Estilista.
Eu ri. — Certo, tudo bem. Mas preciso de uma hora. O Dr.
Moreau me deu uma cópia de um dos escritos para que eu pudesse me
familiarizar com o estilo e a voz do escritor. Eu não posso esperar para
dar uma olhada e conhecê-la um pouco. — Eu dei um sorriso para
Frankie.
— Tudo bem, tudo bem. Vá conhecer seu novo amigo
e depois... — Eu sei. E então vamos ao Clémence sem costas!

No ano de nosso Senhor 1429, no décimo dia de abril.


Eu não sou mais eu mesmo. Agora sou Philippe, vestido como um
menino comum de dezessete anos que ajudará a Donzela de Orléans
enquanto ela se prepara para a batalha e relate o que eu vejo e ouço. Ela
me veste de armadura branca, e monta um corcel branco enquanto força
os anglo-borgonheses a recuarem pelo Vale do Loire. Eu viajo para lá
agora, com uma despedida com grande fanfarra, como se eu mesmo
estivesse indo para a guerra. E talvez seja exatamente isso que eu
deveria considerar, já que a escolha não era minha, e sinto uma batalha
no meu próprio futuro, embora não saiba por que deveria me sentir
assim. Afinal, o meu lugar será apenas no acampamento enquanto sirvo
a garota que eles chamam de santa e fico esperando em segurança por
seu retorno. E, no entanto, apesar das garantias dadas por meu pai e por
Charles VII quanto ao meu bem-estar, tanto a excitação quanto o
desconforto residem em meu coração. A pena na minha mão palpita na
brisa que entra pela janela da minha carruagem quando começo minha
jornada. E da mesma forma, sinto o destino girando em torno de mim, um
vendaval agitado, e não sei se os ventos do destino são benevolentes ou
impiedosos.
Parte Dois

Todas as batalhas são ganhas ou perdidas na mente.


- Joana d’Arc
Capítulo Cinco
CALLEN

O interior da França passou rápido, e eu olhei para ele com uma


expressão melancólica. — Parece que você está marchando para a forca,
— disse Nick do assento da limusine em frente a mim. — Férias não
deveriam ser uma sentença de morte, você sabe. Amêndoas? — Ele
levantou uma bandeja de lanches.
Eu empurrei meus óculos de sol para cima da minha cabeça e
olhei para ele. — Não. — Eu resisti ao desejo de abrir o minibar e ver o
que eles tinham para oferecer em termos de bebidas. Estava evitando
álcool nessa viagem. Ou pelo menos eu estava diminuindo. Antes das
cinco de qualquer maneira. Ou pelo menos meio dia. Eu chequei meu
relógio. Dez e quarenta e cinco. Droga.
Nick deve ter, de alguma forma, lido meus pensamentos, porque
disse: — Você teve o suficiente na noite passada. — Ele abriu um
pacote de amêndoas e jogou para trás um punhado. — Você tem que
produzir alguma coisa, Cal, ou você será demitido por quebra de
contrato. Você me disse para lembrá-lo disso.
— Eu não sabia que você iria começar com cinco minutos de
viagem, — eu respondi com mais hostilidade no meu tom do que
pretendia. Talvez eu o tenha trazido para me dar vários sermões. Talvez
soubesse em alguma parte do meu cérebro, que ainda era razoável, que
precisava de toda a ajuda que pudesse conseguir.
Nick encolheu os ombros, obviamente não afetado pelo meu
humor azedo. — Eu levo a sério meu trabalho como a única pessoa
responsável em sua vida. — Ele piscou e eu desviei o olhar. Eu sabia
que o estava evitando apenas por esse motivo. Eu sabia o que ele diria
para mim e não queria ouvir. Ainda não. Quem sempre quis realmente
ter seus defeitos dissecados, especialmente quando não sabe o que
diabos fazer para mudá-los?
Depois de um minuto, suspirei. Não era só porque eu tinha o peso
do mundo nos meus ombros por causa das composições que devia ao
estúdio, mas estava de ressaca e frustrado. Nós voamos para Paris no
dia anterior e fomos para o bar onde conheci a garçonete que não
conseguia parar de pensar. Inferno, eu realmente não a conheci; Eu
nem sabia o nome dela. Mas eu a beijei. E por algum motivo maluco
que não fazia sentido algum, ela continuou aparecendo em minha
mente. Então voltei para o bar para encontrá-la, e quando a descrevi
para o gerente, ele me informou que a menina não trabalhava mais
lá. Eu pedi o nome dela, mas o gerente disse que não podia
dar informações pessoais - mesmo de ex-funcionários – mas que pegaria
meu nome e passaria adiante. Eu recusei. Estava em Paris apenas por
um dia, eu não tinha ideia de quando voltaria, e era muito possível que
o efeito que a garota causou em mim naquela noite fosse resultado de
muito álcool.
Pelo menos foi o que disse para evitar a decepção. Suspirei de
novo, passando a mão pelo meu cabelo. — A coisa é, Nick, meu último
álbum não foi ótimo, e eu preciso recuperar o meu sucesso neste. — Eu
tenho que fazer.
Nick fez uma pausa, parecendo como se estivesse considerando o
que eu disse. — Seu último álbum não foi ruim, Cal. Eu ouvi onde você
estava indo. Você simplesmente não chegou lá. Parecia quase como se
você estivesse se segurando.
Eu balancei a cabeça. — Eu não estava, pelo menos não de
propósito. — Eu pressionei meus lábios juntos. — Eu não sei. Não sei
qual é o problema.
— Talvez você precise parar de pensar sobre o problema com esse
álbum e se concentrar em seu projeto atual. Você está olhando na
direção errada, Cal.
Eu balancei a cabeça, olhando sem ver a janela fumê. —
Sim. Talvez. — Olhei para Nick, me sentindo ligeiramente melhor por
ter conversado sobre isso com alguém em quem podia confiar. —
Obrigado por ter vindo, Nick.
— Estou feliz por estar aqui. Eu precisava de uma mudança de
cenário. Mas também tenho trabalho, então você ficará sozinho a maior
parte do tempo.
Eu balancei a cabeça, olhando para longe novamente. Espero que
ele tenha razão. Sua fé em mim parecia uma certa pressão e uma
bênção.
Eu conheci Nick quando éramos dois punks de dezessete
anos que tinham sido enviados para o juizado de menores. Eu estava
lutando para ser expulso da escola mais uma vez, e Nick tinha roubado
algo para que ele fosse detido e assim evitar seus pais adotivos, mesmo
que apenas por uma noite ou duas. Ele era um garoto magro e nerd
com óculos, um corte de cabelo estranho, e o pior de tudo, uma
expressão que deixava todo mundo saber que ele estava com
medo. Presa fácil. Quando algumas crianças mais duras se
concentraram nele, eu o defendia. Eu sempre desprezei os valentões.
Descobrimos que, apesar das aparências externas, Nick e eu
éramos mais parecidos do que diferentes - ambos constantemente
escolhendo entre a frigideira e o fogo - e forjamos uma ligação. Quando
nós dois tínhamos dezoito anos e finalmente éramos livres para fazer
escolhas que não incluíam a residência regular num orfanato,
conseguíamos empregos estranhos, achávamos sofás para dormir, e
compartilhamos tanto comida quanto uma quantidade muito pequena
de esperança.
Música era minha paixão, e eu praticava cada segundo que eu
tinha, carregando mochilas de cadernos cheios de composições e CDs
do meu trabalho, que eu dava a qualquer pessoa e a todos que
pudessem dar à pessoa certa. Eu conheci a esposa de um grande cara
na indústria da música em um coquetel e, depois de uma atenção
pessoal em sua grande cama estofada de veludo, ela colocou meu
trabalho na mesa do marido. Então, sim, minha primeira chance foi
resultado da minha vontade de trocar sexo por favores, e eu não estava
necessariamente orgulhoso disso. Mas isso me levou onde eu estava,
então tentei não pensar muito sobre isso. Quando uma tarde casual era
a diferença entre viver o seu sonho ou entregar pizzas para pagar às
despesas, você faz o que tem que fazer.
Depois desse intervalo inicial, eu vendi alguns jingles que eram
usados em comerciais e um ringtone que se tornou extremamente
popular. Fiz algumas partituras de videogame e depois a música para
vários trailers de filmes de dois minutos. Um (legitimamente) golpe de
sorte se transformou em outro, e eu fui capaz de atacar sozinho. Nick,
que sempre foi brilhante com os computadores, também teve alguns
bons momentos de sorte e criou sua própria empresa de design de sites
e era autônomo com sucesso. Daí a sua capacidade de vir de férias
comigo sem muitos problemas. Contanto que ele tivesse seu laptop, ele
poderia facilmente fazer negócios em Los Angeles e no Vale do Loire.
— Então, me fale sobre essa garota que você foi ver na noite
passada. — Ele usou o dedo indicador para empurrar os óculos no
nariz.
— Insanidade temporária, — eu murmurei.
Ele levantou uma sobrancelha. — Ao contrário de toda
a sanidade de seus relacionamentos recentes?
— Eu não tenho relacionamentos, Nick. Eu tenho uma noite e só.
Ele suspirou. — Isso vai ficar cansativo um dia.
Eu fiz um som de escárnio, e Nick levantou os olhos para o céu e
balançou a cabeça como se estivesse se desculpando com os anjos pelos
meus pecados. Eu ri baixinho e olhei de volta pela janela novamente. —
Eu a beijei da última vez que estive aqui, nada mais. E... Eu não sei,
talvez não tenha conseguido o suficiente.
Eu podia sentir Nick me estudando. — Você não teve o
suficiente? Isso é diferente. Já pensou em procurá-la online? — Ele fez
uma pausa. — Eu poderia ver o que eu poderia conseguir se você
quiser.
— Eu nem sei o nome dela. — Passei a mão pelo meu cabelo
enquanto olhava para ele. — E isso não importa. Ela era apenas uma
garota bonita, e não falta garotas bonitas em qualquer lugar
neste mundo fodido. — Então, por que diabos eu não posso esquecer
isso?
— Hmm, — ele disse, não parecendo convencido por alguma
razão que eu não me importava em saber. Mas ele não deu mais
detalhes e, em vez disso, pegou um folheto de viagem que a companhia
de limusine havia fornecido, obviamente disposto a levar a conversa a
um tópico diferente. O encarte continha uma foto de um grande castelo
na capa e eu supus que cobrisse as atrações próximas. — É aqui que
vamos ficar? — Perguntou ele.
— Eu não faço ideia. Minha assistente que reservou. — A única
diretiva que eu tinha dado à minha assistente quando disse a ela para
me reservar um lugar de férias na França era que deveria estar em
algum lugar diferente de onde os chamados “lugares bombados” mas
ainda em algum lugar com estilo. — Tudo o que ela disse é que é
espetacular.
— Liza?
— Não. O nome é Myrtle.
— O que aconteceu com Liza?
— O que você acha que aconteceu com Liza?
Ele fez um som desapontado em sua garganta e balançou a
cabeça. — Você dormiu com ela também? Jesus, Cal. Como você espera
manter alguém empregado nesse ritmo?
— Myrtle tem setenta anos e catorze netos.
— Me deprime que eu ainda esteja preocupado.
Eu ri. — Touché. Eu não sou tão ruim assim.
— Muito perto disso, — ele murmurou.
— Myrtle tem um cabelo azul interessante. Estou meio tentado a
descobrir se as cortinas combinam com o tapete.
Nick gemeu. — Ugh, você é horrível. Estou surpreso que você
ainda não tentou nada comigo.
Eu levantei minhas sobrancelhas. — Não subestime o romance da
França, mon ami. Você não será capaz de resistir a mim por muito
tempo.
— Oh, eu vou ser capaz de resistir a você, não se preocupe com
isso.
Eu ri. — Sério, e você? Quando foi a última vez que você foi a um
encontro?
— Eu estava saindo com uma garota em LA por alguns meses. Ela
disse que eu trabalho demais.
— Ela estava certa.
Nick bateu o joelho. — Eu sei. É só... Que conseguir uma
segurança financeira significa mais para mim do que um
relacionamento agora.
Eu o observei por um segundo enquanto ele olhava de volta para
o folheto. Eu sabia o que ele queria dizer. Ele não queria viver da
maneira que nós vivemos por tanto tempo - sobrevivendo dia a dia, sem
garantias de um teto sobre nossas cabeças, sem rede de segurança,
apenas um com o outro e com um fogo que queimava em nossas
entranhas por mais. Claro, eu tinha dinheiro suficiente agora eu seria
sua rede de segurança, se ele precisasse de uma, mas entendi que ele
queria fazer o seu próprio caminho também. — Eu sei, Nick.
Ele olhou para mim e deu um pequeno sorriso, um aceno de
cabeça. — Eu sei que você sabe.
Entramos em um silêncio confortável, e eu olhei pela janela em
um trem passando em alta velocidade, indo na mesma direção. O perfil
borrado de uma morena chamou minha atenção e meu coração deu um
solavanco estranho, mas tão rapidamente quanto eu a vi, ela se foi. Eu
suspirei, fechando meus olhos. Eu estava obviamente tão cansado que
minha mente estava me enganando.

***

Eu rabisquei um monstro feito de notas musicais, olhei para ele e


depois joguei minha caneta pela sala, amassando o papel - vazio, exceto
pela minha arte ruim - e jogando isso também. — Droga!
Fiquei de pé, correndo os dedos das duas mãos pelo meu cabelo e
mantendo a cabeça para frente por um minuto. Eu agarrei minha
cabeça e balancei, esperando que o movimento pudesse fazer algo se
encaixar no lugar. Especificamente, a criatividade que parecia ter se
soltado e flutuava livremente pelo meu cérebro, perdida e
inatingível. Eu balancei minha cabeça com mais força, usando meu
punho para pressionar minha própria orelha com tanta força que um
suspiro de dor escapou pelos meus lábios. Porra!
A imponente sacada do meu quarto tinha vista para um rio e, por
um minuto, fiquei de pé diante da grade de ferro, olhando para a noite,
observando a luz das estrelas dançando na água. A dor no meu ouvido
desapareceu, junto com os últimos vestígios da esperança que eu
segurava quando me sentei para escrever.
Agora o que eu faço? Nick e eu tínhamos ido ao castelo em
destaque na frente daquele folheto naquela tarde, e eu tirei uma
soneca. Quando acordei, minha dor de cabeça havia diminuído e eu
estava cheio de excitação. Enquanto tomava banho, uma melodia -
apenas o eco de algo que flutuava em alguma brisa interna - tinha
passado pela minha mente. Eu tropecei e tentei desesperadamente
pegá-la, colocá-la no papel, mas ela sumiu. Tão fina como o fragmento
de um sonho esquecido.
Sem utilidade. Você não é nada além de uma perda de tempo.
Sem utilidade.
Sem utilidade.
Sem utilidade.
Eu me afastei do rio e voltei para dentro, colocando meus sapatos
e pegando minha carteira. Bati silenciosamente na porta do quarto de
Nick, que ficava no final do corredor, mas ele não respondeu e parecia
que as luzes estavam apagadas lá dentro.
Havia um casal mais velho no elevador e me deram um sorriso
educado. Quando entrei, a mulher apontou para o painel de botões e
disse algo em francês que eu assumi que era: — Qual andar?
— Uh, le bar.
— Ah, oui, — ela disse, apertando o botão mais baixo.
Assim que saímos, pude ouvir os sons familiares de música, risos
e copos tilintando. Eu segui o barulho e acabei em uma sala luxuosa
com um bar de mogno ornamentado ocupando toda a parede do outro
lado. Um espelho corria pelo comprimento da parede atrás do bar,
refletindo as garrafas multicoloridas nas prateleiras de vidro e os
candelabros brilhantes pendurados no teto. Era impressionante, e pela
primeira vez desde que chegamos, tirei um momento para olhar em
volta. É assim que deve ter sido o senhor da mansão - rei do castelo?
Quantos châteaus como este foram construídos em... Que ano? Eu não
tinha ideia. Eu não sabia nada de história, de eras, de títulos, e a
lembrança da minha falta de educação me deprimia como sempre
acontecia. Eu tinha dinheiro e tinha fama, então por que eu sempre me
senti como um impostor? Como se qualquer sucesso que eu tivesse,
seria tirado assim que as pessoas percebessem que eu não tinha talento
real? Eu sempre senti que estava apenas um passo à frente de um
universo que estava procurando me expor pela fraude que eu era. Isso
me fez sentir enjoado e solitário. O pavor era um bloco de pedra que
estava dentro de mim.
— Bourbon, puro. Faça um duplo.
—Oui, monsieur8.
A bebida foi colocada na minha frente, e rabisquei minha
assinatura na guia, tomando um gole da minha bebida, apreciando a
queimadura suave e me virando para a sala aberta. Havia um grupo de
mulheres de pé ao lado de uma área de estar olhando para mim,
sussurrando e rindo. Quando levantei minha bebida para elas, ouvi
vários gritinhos. — Cinco, quatro, três, — eu murmurei, mal movendo
meus lábios. Tomei um gole da minha bebida. — Dois, e... —Uma das
mulheres começou a se aproximar de mim.
Ela tinha belos quadris arredondados e seios pequenos, e ela
balançou sedutoramente enquanto caminhava, puxando a bainha de
seu vestido vermelho apertado como se quisesse ter certeza de que não

8 Sim senhor.
deslizaria por suas coxas. O que foi divertido considerando que era tão
apertado que eu podia ver cada curva, colisão e dobra de seu corpo sob
o material fino. Ela veio para ficar na minha frente, me dando um
sorriso tímido e girando uma mecha de cabelo louro-morango ao redor
de um dedo. — Minhas amigas e eu temos uma aposta. Elas não
acreditam que você é Callen Hayes, mas eu acho que você é.
— O que você ganha se você estiver certa?
Ela riu. — O que eu ganho delas? Apenas o direito de me
gabar. Mas espero que você melhore a oferta. — Eu ri. — Melhorar a
oferta é minha especialidade. Como você se sente sobre banheiras de
hidromassagem?
Capítulo Seis
JESSICA

O Château de la Bellefeuille era uma obra prima da arquitetura


renascentista, majestoso e elegante, cercado por suntuosos jardins e
situado ao redor do rio Loire. Eu estava no centro do meu quarto, e me
virei lentamente, observando as antigas paredes de pedra, as cortinas
de seda verde clara, as roupas de cama combinando e os móveis
franceses simples mas adoráveis que pareciam ser originais. Eu estava
em um dos menores cômodos do andar de baixo, e mesmo assim era
absolutamente encantador. Eu só podia imaginar o esplendor das suítes
do último andar.
Eu chegara de trem naquele dia, fiz o check in no Château e dei
um longo passeio pelos jardins. Era sábado e os outros membros
da equipe - alguns dos quais não moravam na França, deveriam chegar
na segunda-feira. Fiquei muito feliz por ter a oportunidade de ver partes
da aldeia em que estávamos antes de mergulhar no trabalho. Eu
sempre amei vagar por lugares diferentes, sem a pressa de um guia
turístico. Isso me permitiu sentir meu caminho de volta. Eu tinha
comido sozinha no restaurante do Château e voltei para o meu quarto,
com a intenção de descansar cedo, mas estava muito animada para
dormir. Todo o dia eu tive essa energia nervosa correndo em minhas
veias, uma antecipação que só aumentou quando o trem em que estava
acelerou mais perto do Vale do Loire. Como se a área em si estivesse me
atraindo, como se eu estivesse destinada a estar aqui. Assim como a
garota, como Philippe descreveu seus sentimentos. Eu tinha lido apenas
um de seus escritos e, no entanto, já me sentia de algum jeito
perto dela - ligada em algum sentido vago - e estava ansiosa para saber
onde a história dela levava.
Peguei um panfleto na escrivaninha e o abri, olhando para as
fotos profissionais do castelo e lendo a curta história do
local. Aparentemente, o rei que originalmente o construiu o deixou para
duas de suas amantes após sua morte, ao invés de seus filhos. Isso
causou um grande escândalo e, apesar das muitas tentativas dos filhos
para recuperá-lo, as amantes - que não eram amigas e cada uma
ocupavam alas separadas do castelo - viveram aqui até a morte. Um
som de irritação escapou da minha garganta e joguei o panfleto de volta
na mesa. Homens e sua vasta gama de mulheres! Algum homem já quis
ser fiel, apenas um?
Levantei minha mala no suporte de bagagem e a abri, tirando os
vestidos e vários itens de vestuário que Frankie insistira que eu levasse
comigo. Eu deveria ter me lembrado de pendurá-los imediatamente,
mas estava muito interessada em explorar este enorme castelo para
lembrar das roupas amassadas na minha mala. O material deve ter sido
passado por fadas mágicas, porque, quando as segurei, não havia
nenhuma ruga à vista. Coloquei-as no armário e coloquei os sapatos no
chão abaixo que Frankie também emprestou para mim e eu os observei
cautelosamente. Eu achava que tinha muita sorte de sermos do mesmo
tamanho, embora eu tivesse dúvidas de que seria capaz de andar com
o salto alto e o bico pontiagudo na minha frente. Espero que não haja
uma ocasião para usar tais coisas. Frankie insistiu que eu a
homenageasse e estivesse preparada para qualquer coisa. Pelo menos
se eu precisasse eu teria o que usar.
Eu desfiz as malas do meu pijama e calcinha e levei meus artigos
de higiene pessoal para o minúsculo banheiro, prendendo meu cabelo
em um coque bagunçado. O chuveiro era maravilhoso e enquanto eu
lavava a poeira de viagem do meu corpo, o banheiro se encheu com a
fragrância fumegante do meu banho.
De volta ao meu quarto, eu olhei para o meu pijama, aquele
mesmo zumbido de antecipação me fazendo hesitar. Eu não estava
cansada. O que era surpreendente, considerando que eu tinha acordado
cedo e tinha tido um longo dia de viagem e exploração. Eu fiquei lá,
segurando a toalha firmemente ao meu redor, tentando descobrir o que
fazer. Talvez uma bebida no bar pudesse apaziguar a
inquietação. Sendo que eu passei muitas das minhas horas de trabalho
em um bar em Paris, não era minha distração normal. Mas ei, eu
tenho vinte e quatro anos. Não era isso que outras mulheres de vinte e
quatro anos faziam? Eu pediria pelo menos uma bebida e ficaria um
pouco observando as pessoas.
Examinei a roupa que pendurei no armário e tirei um vestido
prateado com alças finas e brilhantes entremeadas no tecido. Era um
pouco recatado, com um decote em V assimétrico e uma saia curta
evasê, mas quando eu o puxei, ele abraçou meu corpo de uma forma
que fez minha cintura parecer minúscula e mostrou meu decote de uma
forma mais escandalosa que eu pretendia. — Oh, Clémence, seu gênio
do mal, — eu murmurei, virando-me de um lado para o outro no corpo
inteiro pelo espelho e escorregando nos sapatos prateados. Eles não
eram tão desconfortáveis quanto pareciam, então entrei no banheiro,
onde eu coloquei um pouco de maquiagem e escovei meu cabelo,
puxando-o e tirando alguns fios em volta do meu rosto. Eu me estudei
no espelho, sentindo-me satisfeita com o efeito, mesmo que fosse só
para mim.

***

As melodias ritmadas de La Vie en Rose saíam do bar, atraindo-


me para frente, o zumbido nas minhas veias de repente aumentaram e
a onda de adrenalina me fazendo tropeçar no chão de pedra. Apesar da
instabilidade dos meus sapatos emprestados, tive a vontade breve e
intensa de correr, como se estivesse atrasada para alguma coisa e o
tempo fosse essencial. — Se segure, Jessica, — eu sussurrei para mim
mesma. Eu precisava me acalmar e aquietar minha excitação por estar
neste grandioso lugar, ou nunca conseguiria me concentrar no trabalho
que estava aqui para fazer.
Respirei fundo, a música e as letras da famosa balada francesa
me acalmaram quando entrei no salão, parada na porta por um
momento. O local era magnífico, decorado em tons de azul royal, azul
claro e dourado, com um impressionante bar ornamentado na parede
dos fundos. Senti-me repentinamente insegura ao ver grupos de
pessoas rindo e tagarelando, os cristais dos candelabros acima da
cabeça fazendo a luz mudar e brilhar. Mordi meu lábio e me movi mais
para dentro do bar, aquela sensação elétrica se estabelecendo em um
zumbido quente que relaxou meus músculos e me fez querer afundar
em uma das confortáveis cadeiras estofadas em qualquer um dos
pequenos grupos de móveis. Fique, sussurrei para mim.
Eu andei até o bar, e o garçom veio até mim. — Madame?
— Un verre de vin blanc s’il vous plaît9. — O barman me entregou
uma carta de vinhos, e eu escolhi um sauvignon blanc que veio de uma
vinícola no Vale do Loire. Eu me virei e olhei ao redor do bar enquanto o
barman servia meu vinho. Havia um grupo de mulheres reunidas em
torno de um homem com cabelos escuros, e ele ria e dizia algo que
evidentemente todos achavam completamente delicioso, pois estavam
rindo alegremente e sacudindo os cabelos. Senti uma pontada
inexplicável de aborrecimento e me virei de volta assim que o garçom
deslizou o copo de vinho em minha direção no balcão. Eu assinei o
recibo, pegando meu vinho com um sorriso e um murmúrio — Merci, —
quando comecei a me afastar.
— Excusez-moi, Jessica Creswell. Madame Creswell?
Levou um momento para o meu nome se registrar, e me virei em
confusão para ver o barman segurando minha bolsa em minha
direção. Eu deixei no bar. Soltei um pequeno suspiro, pegando a bolsa e
sorrindo em constrangimento. — Que je suis bête10.
Me afastei do bar, em direção às portas do que devia ser uma
sacada, olhando para fora. A sacada dava para os jardins que eu
percorrera mais cedo naquele dia, e considerei le,var meu vinho para
fora, mas desisti quando notei um casal parado no corrimão, com as
cabeças inclinadas juntas intimamente. Eles estavam obviamente
curtindo a privacidade. Sentindo um tipo estranho de calor na parte de

9 Um copo de vinho branco por favor.


10 Eu sou burro.
trás do meu pescoço, eu fiquei tensa, um arrepio percorrendo-me
enquanto eu lentamente me virei.
Eu segurei uma respiração assustada quando o meu olhar colidiu
com o de Callen Hayes.
Minha mão tremeu, e eu levantei a minha outra mão a tempo de
me impedir de deixar cair a taça de vinho que estava segurando. Oh
caro senhor. Parecia que todo o sangue no meu corpo tinha drenado
para os meus pés.
Como pode? Como no mundo tão grande isso estava acontecendo
comigo de novo? Não poderia ser. Não pode. Ele estava se movendo em
minha direção, os olhos arregalados, sua expressão atordoada, como se
tivesse acabado de ver um fantasma, e tudo que eu podia fazer era
olhar para trás. Congelada.
Eu me senti presa em seu olhar, paralisada com esse sentimento
de irrealidade, quando ele se colocou entre duas mulheres e se
aproximou... Mais perto. Alguma parte de mim queria fugir, e outra
parte mais forte, queria se mover em direção a ele. Isso era... Isso era
impossível. Apenas de alguma forma não foi. De alguma forma, senti
essa estranha inevitabilidade, como se uma parte de mim estivesse
esperando que isso acontecesse. Eu não conseguia explicar nem para
mim mesma.
Eu respirei fundo, vendo-o se aproximar. Ele era lindo. Lembrei-
me da primeira vez que o vi sentado no banco traseiro daquele vagão
abandonado, machucado e sozinho. Ele era apenas um menino, mas
bonito, mesmo assim, e eu estava hipnotizada. Assim como estava no
Lounge La Vue. Assim como estava agora. Como ele estava aqui?
— Jessica Creswell? Jessie? — ele perguntou, sua voz um pouco
rouca.
Meu coração estava batendo uma milha por minuto, e eu soltei
um suspiro de respiração, agarrando minha taça de vinho com tanta
força que fiquei surpresa por não ter quebrado. Callen Hayes estava
aqui... De alguma forma, e ele obviamente ouviu o barman dizer meu
nome. Engoli em seco, meus olhos percorreram o bar, procurando o
que? Uma distração? Uma fuga? — Oi, Callen.
Ele balançou a cabeça muito devagar. — Jessie Creswell? Você
é... Meu Deus. Você é… Paris… Você é Jessie e está aqui. Como?
— Sim... Eu... — O que ele perguntou? Como estou aqui? — Uh...
Bem, eu estou aqui para um trabalho. Estou trabalhando aqui. — Eu
balancei minha cabeça. — Não para o Château, mas perto do Château...
E eu vou ficar aqui temporariamente.
Seus olhos se moveram sobre o meu rosto incrédulo. Ele ainda
parecia um pouco quebrado, como se estivesse tendo problemas em
juntar as peças. Em se explicar. — O que, o que você está fazendo aqui?
Ele passou a mão pelo cabelo, piscando como se não conseguisse
se lembrar. — Ah, estou aqui de férias por algumas semanas. Meu
Deus, isso é... Inacreditável. Jessie Creswell. E eu cheguei até você duas
vezes agora. — Ele fez uma pausa, olhando-me mais uma vez. Eu senti
o calor do seu olhar enquanto descia pelo meu corpo, e tomei um gole
de vinho, desejando que meu ritmo cardíaco diminuísse. — Aquela noite
no bar em Paris, você sabia quem eu era. Você tentou me dizer.
O calor do vinho deslizou pela minha garganta e me senti melhor,
minhas mãos mais firmes no vidro. — Sim. — Eu balancei a cabeça. —
Está tudo bem, no entanto. Eu não esperaria que você se lembrasse de
mim. — Eu só esperava…
— Claro que me lembro de você. Só agora... Quando ouvi seu
nome, soube imediatamente. Eu só... — Sua voz era tão profunda e
suave, e seus olhos seguravam algo, alguma emoção que eu não sabia
ler. — Eu não tenho pensado em Santa Lucinda há tanto tempo e...
Você mudou. Você sempre foi bonita, mas você é linda agora. — Um
rubor de felicidade fluiu através de mim em suas palavras, e eu olhei
para baixo por um momento. Quando encontrei seus olhos novamente,
ele ainda estava olhando para mim. — Você está... Tão crescida. — Ele
parecia quase chocado, como se tivesse me mantido em sua mente
quando era uma garotinha e estava tendo problemas em me conectar
com aquela criança. Eu poderia entender. Talvez eu me sentisse do
mesmo jeito se não tivesse tido tempo de processar e aceitar
a versão adulta de Callen Hayes.
Eu ofereci um pequeno sorriso. — Eu acho que nós dois
estamos. Somos adultos quero dizer.
— Sim, eu acho que sim. — Algo se moveu entre nós, uma carga
no ar que fez meu estômago apertar. Como chegar ao pico de uma
montanha-russa e antecipar a queda. Medo. E prazer.
Ele franziu a testa. — Eu lhe devo desculpas por aquela
noite. Sinto muito...
— Não há nada para se desculpar. Mesmo. Tudo bem. Foi só…
Paris. — Dei de ombros e dei-lhe um sorriso.
— Paris, — ele murmurou. — Há algo sobre Paris...
— La Ville des Amoureux, — eu disse antes de considerar as
palavras. Cidade dos Amantes. Só que não éramos amantes e nunca
fomos. Ele teve uma amante diferente naquela noite, na verdade. Uma
de sua vasta gama de mulheres. Meu rosto estava quente e eu esperava
que ele não soubesse por que estava corando.
Nós nos encaramos, e o momento de repente pareceu
pesado... Estranho, como se houvesse algo que deveríamos estar
dizendo e não sabíamos o que era aquilo. Mudei meu peso de um pé
para outro. — Estou tão feliz por todo o sucesso que teve. — Sorri. —
Eu segui sua carreira... Um pouco. — Muito.
— Obrigado. Eu… Você sabe que foi por sua causa que descobri a
música.
— Sério? — Eu balancei a cabeça. — Não. Tenho certeza que você
teria descoberto música com ou sem mim. É obviamente sua
paixão. Seu presente.
Ele chupou o lábio inferior cheio em sua boca, e meus músculos
do estômago apertaram, junto com lugares mais baixos e
profundos. Lugares que eu não necessariamente quis considerar. —
Talvez. Eu não sei. Ainda tenho o teclado que você me deu.
Eu ri de surpresa. — Você tem realmente?
Ele sorriu, e por um momento ele não se parecia com o famoso
compositor Callen Hayes, o playboy da música clássica - ele parecia o
Callen, o príncipe e herói do meu coração de menina. Eu me senti
possessiva com aquele sorriso, como se pertencesse a mim e a mais
ninguém. Estúpida, Jessica. Muito estúpida. Eu desviei o olhar. Eu não
queria ter esses sentimentos por Callen. Eles eram inúteis e levemente
doloridos. Ainda assim, este momento parecia um sonho, e eu não
conseguia me convencer a abraçar o que sabia que era realidade.
— Que tipo de trabalho você está fazendo aqui? Você estava
trabalhando como garçonete há alguns meses atrás.
Eu balancei a cabeça, tomando outro gole de vinho. — Só para
pagar as contas. Eu sou tradutora. É o que estou fazendo no Vale do
Loire. Estou trabalhando com uma equipe para traduzir alguns
documentos.
Ele assentiu, inclinando a cabeça. — Francês. Sim, eu lembro. —
Ele fez uma pausa. — Você sempre foi tão inteligente, Jessie. — Havia
algo em sua expressão, suave e meio triste, e isso me confundiu. Mas
então ele sorriu e as sombras em seus olhos se dissiparam. — Você fez
o que disse que faria: mudou para Paris. Só que você não deve comer
tanto chocolate quanto planejou. Ele olhou para o meu corpo, sua
expressão apreciativa enquanto levantava uma sobrancelha.
Eu ri, uma emoção se moveu através de mim, que ele se lembrou
de pelo menos algumas coisas sobre as quais conversamos; ele não
tinha esquecido completamente de mim ou dos pedaços do meu coração
que compartilhei com ele. — Eu não posso me dar ao luxo de comer
muito chocolate ainda. Esse sonho em particular permanece suspenso
por enquanto.
Ele riu. — Todos nós devemos ter um sonho ou dois.
Eu sorri e abri a boca para dizer alguma coisa quando uma
mulher com um vestido vermelho obscenamente apertado se
aproximou, colocando-se entre nós e me lançando um sorriso frio. —
Você está pronto para o nosso encontro na Jacuzzi? — Ela
murmurou. — Eu não posso esperar para sair deste vestido.
Eu fiquei tensa, a felicidade calorosa que encheu meu coração um
momento antes, se transformou em uma decepção fria. Callen Hayes
não era o garoto que eu conhecera, e eu não deveria ter esquecido disso,
nem por um momento, mesmo aqui neste lindo bar no Vale do Loire,
onde o destino parecia ter nos reunido novamente. Eu sorri, esperando
que não parecesse tão duro quanto parecia. — Eu tenho que ir embora
para dormir de qualquer maneira. Foi legal te ver de novo.
Comecei a me afastar, mas Callen agarrou meu braço, se
desvencilhando da garota de vestido vermelho. — Espere, Jessie. Não vá
ainda. — Ele se virou para a garota, que agora tinha uma expressão
zangada no rosto. — Eu sinto muito. Vou ter que cancelar a banheira
de hidromassagem. Talvez te veja mais tarde.
Ela soltou um suspiro e cruzou os braços sobre o peito. — Você
prometeu, — ela choramingou, — e você me deve.
Ai credo. O que quer que isso significasse, eu não queria
saber. Eu puxei meu braço suavemente para fora do aperto de
Callen. — Realmente, não há necessidade de cancelar seus planos. Eu
tenho que dar uma volta. Eu vou em uma excursão do museu pela
manhã, e começa cedo.
Havia um tique no queixo de Callen, mas ele sorriu e assentiu. —
Podemos jantar enquanto você está aqui? — Vestido vermelho estava
olhando para mim e batendo o pé com impaciência. Uma visão dela na
banheira de hidromassagem sobre Callen passou pela minha mente. Eu
não gostei da imagem que meu cérebro criou, mas era um bom lembrete
do porquê precisava ficar longe dele. Eu já tive meu coração partido por
um devasso mulherengo - meu pai - e me recusei a acrescentar outro à
lista. Callen e eu éramos amigos antes, e talvez pudéssemos ser
novamente. Não precisávamos ser mais nada. Mas qual seria o
ponto? Então, eu poderia acabar com sentimentos feridos e com o
conhecimento definitivo de que, mesmo que eu tivesse significado algo
para ele uma vez, não significava agora? Eu tinha me lembrado duas
vezes de como Callen via as mulheres: temporárias e descartáveis. Para
me tornar ainda mais familiarizada com o que ele se tornou, estava
apenas perguntando se ele foi ferido. — Eu não penso assim, mas
obrigada mesmo assim. Espero que você aproveite suas férias. Boa
noite. — E com isso eu me virei e fui embora, não me atrevendo a olhar
para trás, nem mesmo uma vez, sentindo uma pequena satisfação no
fato de que era eu quem estava indo embora dessa vez.
Capítulo Sete
CALLEN

Jessie Creswell. Minha Jessie Creswell. Puta merda. Eu ainda


estava tentando envolver minha cabeça em torno disso. Jessie Creswell
foi a garota que eu beijei no telhado em Paris? A garota que eu não
conseguia parar de pensar? Era essa a razão da estranha sensação que
eu tive com ela? Uma familiaridade que eu não sabia como
explicar? Era a razão pela qual minha mente continuava voltando para
ela? Eu sempre tive um lugar especial em meu coração para Jessie, e
talvez tenha sido esse pedaço de mim há muito tempo fechado que não
havia notado.
Mas parecia... Mais que isso. Eu só não sabia exatamente por que
ou como. Seu cabelo era mais longo e mais escuro, suas sardas mal
perceptíveis, e ela obviamente não usava aparelho mais, mas agora que
eu sabia quem ela era, eu podia ver os traços remanescentes da criança
que tinha sido. Embora diferente daquele eco de reconhecimento, ela
definitivamente não era mais remotamente infantil.
Seu corpo era magro, mas arredondado em todos os lugares
certos, e eu tive que me forçar a não olhar para seus seios cheios e
gostosos. Jessie Creswell. Deus!
Os dois anos que passei com ela foram a única infância real que
tive, a única vez que me permiti tocar, e me perder em terras de
fantasia, onde tudo era possível. Ela tinha sido a única coisa boa. E, no
entanto, aquele tempo estava cheio de dor também, e memórias que eu
não queria lembrar, memórias que constantemente tentava afastar.
Porra, ela tinha sido tudo que eu conseguia pensar desde que a
encontrei ontem à noite.
Eu ouvi o barulho do elevador e me levantei, meu coração
acelerando enquanto assistia para ver quem saía no saguão onde eu...
Bem, onde estava meio que vadiando em um canto pela última hora.
Um casal mais velho saiu, e meu coração afundou, mas depois
levantou novamente quando vi Jessie atrás deles, olhando para um
panfleto de algum tipo em suas mãos. Ela estava vestida de jeans, um
top branco solto, sandálias, e tinha uma bolsa grande sobre um
ombro. Seus longos cabelos castanhos estavam puxados em um rabo de
cavalo como a noite em que a beijei em Paris, e ela tinha um óculos de
sol na cabeça.
— Bom dia.
Ela olhou para cima, e eu ri do olhar assustado em seu rosto,
surpresa que se transformou em algo que se assemelhava a irritação. —
Callen. Eu não teria dito que você é madrugador.
Limpei a garganta e continuei ao lado dela quando ela começou a
caminhar em direção à recepção. — Sim, sempre. Melhor parte do
dia. Eu nunca sinto falta, do... — Eu procurei na minha mente pelo que
acontecia antes do meio-dia.
— O nascer do sol? — Ela ofereceu, divertindo-se em seu tom. —
Sim.
Ela olhou para mim de lado, claramente cética, e eu não pude
deixar de sorrir. Ela era tão bonita. Aqueles grandes olhos cor de avelã,
lábios cheios que sabia serem doces, e uma luz espalhada de sardas
que eu só podia ver quando estava perto. Muito perto. Eu me inclinei
para ela e ela se inclinou para longe. — O que você está fazendo?
— Ah... Nada.
Ela me deu um olhar desconfiado e então se aproximou da
recepção, falando em francês rápido para o homem que a
cumprimentou. Eu não entendi uma palavra. Ela sorriu e se virou, e eu
acenei para o homem, alcançando-a.
— Onde você está indo esta manhã? — Ela perguntou. — Tour do
museu.
Ela parou e se virou para mim, levantando uma sobrancelha. —
Qual?
Eu acenei minha mão para a porta da frente. — O que está
abaixo... Aí.
Ela cruzou os braços sobre os seios. — Mm-hmm. Nós estamos
indo no mesmo, eu acho. — Eu encolhi os ombros, desfrutando
disso. Apreciando-a. Eu me sentia... Ansioso. Quando foi a última vez
que me senti ansioso? — Que presunçoso. Deve haver centenas de
visitas a museus na área.
Seu lábio se curvou. — Artesanato e exposições relacionadas a
uma antiga abadia da Idade Média?
Eu fingi estar chocado. — Que coincidência. O destino realmente
parece continuar nos jogando juntos, não é? Sou fascinado por becos
das... Eras.
— Abadias.
— Foi o que eu disse.
— Certo. — Ela suspirou, sua expressão ficando séria. Ela se
remexia como se estivesse um pouco desconfortável. — Ouça, hum,
Callen... Tem sido ótimo ver você e saber tudo que você realizou. Mas
nós dois mudamos muito e eu não acho... Bem, eu só acho que não há
razão para passarmos mais tempo juntos. Realmente não seria bom.
Eu fiz uma careta, recuando ligeiramente, uma rejeição
desconhecida me atingiu como um beijo. — Por que não? Nós fomos
amigos uma vez. Nós gostamos da companhia um do outro. Por que não
deveríamos nos divertir de novo?
Seus lábios se afinaram e ela olhou para trás por um momento,
como se reunisse seus pensamentos. Quando seus olhos encontraram
os meus novamente, sua expressão era sombria. — Não parece que
esteja faltando... Amigos pra você. E eu não estou interessada em nada
disso. A amizade que compartilhamos quando crianças é uma
lembrança doce para mim e eu gostaria de continuar assim.
—Mas... Poderíamos criar novas memórias. Melhores lembranças.
— Eu dei a ela meu melhor sorriso sedutor, mas isso só fez seus olhos
se estreitarem com desaprovação. Meu sorriso escorregou e me senti
estranhamente castigado.
Ela colocou a mão no meu braço como se estivesse me
confortando. — Obrigada, não. — Então ela se virou e se afastou de
mim pela segunda vez em vinte e quatro horas.
Obrigada não?
Segui-a pela porta do hotel, andando rápido para alcançá-la. Lá
fora, o ar estava fresco, o céu já era um azul brilhante e sem nuvens. —
Obrigada, não?
Ela se virou abruptamente e eu colidi com ela. Seu corpo era
firme e macio, e eu queria me aproximar mais, mas ela recuou,
respirando fundo. — Ouça, metade das mulheres do mundo adoraria
passar um tempo com você. Você não vai sentir falta da companhia de
uma garota.
Ela se virou novamente e caminhou até o meio-fio, onde pegou o
celular da bolsa, olhou para ele e deixou-o cair dentro da bolsa
novamente.
Eu fui ficar ao lado dela. — Quarenta por cento.
Ela olhou para mim, franzindo a testa. — O que?
— Metade das mulheres do mundo é um pouco
exagerado. Quarenta por cento, quarenta e cinco no máximo. Eu não
considero um número garantido. — Eu dei um grande sorriso meio sem
querer, aquele pela qual as mulheres ficavam loucas.
Mas mais uma vez, aparentemente não é esse. Ela inclinou a
cabeça como se estivesse tentando descobrir alguma coisa. —
Engraçado, — ela murmurou, desdenhando a palavra, embora ela não
parecesse divertida. Ela deu alguns passos para frente, batendo o pé e
olhando para a curva da longa entrada, como se impaciente para a sua
excursão aparecer.
Isso não estava funcionando. Eu não estava a encantando. Em
absoluto. Talvez tenha sido uma maravilha depois dos nossos dois
primeiros encontros. — Então... Ok, você ficou puta pelas mulheres que
nos interromperam as duas vezes em que nos encontramos...
Sua cabeça virou para mim e ela deu uma sacudida rápida. —
Não. — Seu peito subiu e caiu em uma profunda ingestão de ar. —
Não. Eu não fiquei puta. Não tenho motivos para ficar com raiva. Eu só
não quero fazer parte disso. Eu não posso fazer parte disso.
Um ônibus parou no meio-fio e ela foi até lá. Eu parei por um
momento, dizendo a mim mesmo que deveria ir embora. Mas meus pés
tinham uma mente própria e seguiram Jessie, entrando no ônibus. Ela
já estava sentada e seus olhos se arregalaram quando me viu. Ela
baixou os óculos e olhou pela janela. Eu tomei o assento em frente a
ela, colocando meus próprios óculos de sol.
Uma mulher mais velha sentou-se ao lado de Jessie e iniciaram
uma conversa em francês. Olhei pela janela, imaginando o que eu
estava fazendo. Eu nunca persegui uma mulher na minha vida. Muito
menos para um museu. Esta era uma nova baixa em minha vida ou
uma nova alta; Eu não sabia dizer qual.
Enquanto observava a paisagem passar, percebi que não
acordava tão cedo em anos. Eu tinha esquecido como era o céu da
manhã. Mas acordei esta manhã com uma excitação correndo em
minhas veias que eu não sentia no que parecia ser uma eternidade, e
sabia que tinha a ver com Jessie. Eu queria vê-la, passar um tempo
com ela, ouvir as coisas que ela pensava, descobrir os detalhes de sua
vida e tudo o que eu sentia falta desde a última vez que a vi.
Mas ela não queria fazer parte disso. De mim. Eu deveria ter ido
embora e encontrado qualquer número de mulheres que desejassem
minha companhia, mas não pude, porque eu só queria passar um
tempo com ela. Jesus. Talvez tenha sido o desafio. Senhor sabia que eu
não tinha tido um desses por um longo tempo. Ainda assim, eu sabia
que ela não estava jogando algum tipo de jogo para me fazer persegui-
la, então, novamente, o que diabos eu estava fazendo?
O ônibus atravessou o pitoresco centro da cidade, virou e desceu
por uma estrada de terra curta, finalmente parando em frente a um
prédio revestido de pedra. Todos nós nos levantamos e saímos do
veículo, mas eu me segurei, seguindo atrás de Jessie, que ainda estava
conversando animadamente com a mulher francesa mais velha. Peguei
um panfleto na recepção do museu, comprei um ingresso e segui o
grupo por uma área do saguão até o interior escuro e tranquilo da
galeria. O espaço era grande e aberto, com vitrines alinhadas nas
paredes e colocadas no meio da sala, criando largas fileiras que os
clientes podiam perambular entre eles. Grandes pinturas penduradas
nas quatro paredes, com pequenas placas douradas embaixo de cada
uma.
Um guia de excursão cumprimentou nosso grupo e perguntou se
qualquer um falava um idioma diferente de francês. Eu fiquei
quieto. Eu não me importava em ouvir sobre nenhuma peça, então o
que importava em qual língua ele falava? Ele começou sua conversa e
eu me desliguei facilmente, encostando-me em uma das vitrines e
reprimindo um bocejo. Vi o lábio de Jessie se erguer como se ela tivesse
me visto em sua visão periférica, mas ela o bloqueou rapidamente e
entrelaçou as mãos na frente dela, inclinando a cabeça enquanto ouvia
o guia.
Eu me movi junto com o grupo, olhando para alguns itens,
principalmente assistindo Jessie enquanto ela andava na minha frente,
inclinando-se em direção a cada peça e lendo as descrições, seus lábios
se movendo junto com as palavras. Porque eu achava tão sexy não
tinha ideia. Eu levei um momento para olhar as peças que pareciam
chamar sua atenção, imaginando o que eu poderia descobrir sobre ela
das coisas que despertavam seu interesse.
Eu coloquei minhas mãos nos bolsos, em seguida, as removi, me
sentindo fora do lugar, mas ao mesmo tempo, não querendo realmente
estar em nenhum outro lugar.
No começo, não achei que Jessie estava prestando muita atenção
em mim, mas então eu a peguei olhando distraidamente para o reflexo
de uma das vitrines, e isso fez meu coração bater mais rápido no meu
peito. Nós vagamos para o fundo da sala, e eu a vi me olhar de novo e
desviar o olhar, e eu não pude evitar o sorriso que fez meus lábios
tremerem. Talvez ela só estivesse me mantendo na mira porque sabia
que eu a estava observando, mas não me importei. Estava bem. Mas
pela primeira vez em muito tempo, desejei que minha vida não tivesse
sido tão pública. Eu desejei que ela não tivesse tantos motivos para me
dispensar tão rapidamente, que ela desejasse me conhecer como eu
queria conhecê-la. Como quando ela tinha treze anos, quando me viu e
viu o rosto machucado, e o garoto solitário e triste lá dentro.
O guia de turismo terminou seu discurso e estava de pé perto do
fundo da sala, respondendo a perguntas em voz baixa, quando alguém
se aproximou dele. O quase silêncio da sala foi subitamente quebrado
quando meu celular começou a tocar estridente do meu bolso. — Oh,
porra. — Minhas palavras, feitas para serem murmuradas,
ecoaram pela sala alta, uma estranha acústica as fazendo saltar de
parede a parede. Várias mulheres mais velhas olharam para mim com
um desdém chocado, falando baixinho. Eu me atrapalhei no meu jeans,
tentando remover a maldita coisa o mais rápido possível. Eu sorri de
vergonha quando olhei ao redor, pegando os olhos arregalados
de Jessie. O telefone finalmente saiu do meu bolso, e eu soquei o
primeiro botão que consegui, que infelizmente era o botão de
resposta. A saudação rouca e alta de Myrtle ecoou pela galeria, e eu me
virei e caminhei rapidamente para a frente da sala, saindo para o
saguão que, graças a Deus, estava vazio.
— Myrtle, eu te ligo de volta.
— O que? Não tenho uma boa conexão. — O telefone estalou
diretamente no meu ouvido e eu estremeci. Ai. Eu apertei o botão do
alto-falante, abaixando o volume e olhando para a porta fechada para
ter certeza de que não poderia ser ouvido enquanto Myrtle
continuava. — Liguei para lhe dar as transcrições de suas mensagens
de texto.
— Myrtle, eu preciso ir, — sussurrei, caminhando para o outro
lado da área aberta.
— Eu vejo por que você não tem tempo para lê-
los. Havia cinquenta e sete. Algumas eram de mulheres que pareciam
estar no cio, e eu simplesmente as excluía. No meu tempo e idade,
nenhuma mulher que se preze falaria com um homem desse jeito. —
Ela fez um som de nojo em sua garganta, e eu tentei falar mais uma
vez. — Uma delas lhe enviou o endereço dela e sugeriu que você fosse à
casa dela e fizesse coisas para ela que eram tão vulgares, eu embrulhei
uma barra de sabonete e a enviei para ela com uma nota que dizia: 'Por
favor, use isso para lavar sua boca com sabão, respeito,Myrtle. As
outras... — Myrtle, — eu falei mais alto, grato que não havia ninguém
por perto. Ainda assim, o crepitar se desvaneceu, e eu tirei o som do
alto-falante mesmo que a cessação das divagações de Myrtle me fizesse
saber que ela finalmente me ouviu.
— Sim, querido?
A Myrtle finalmente descobriu como abrir o programa de
computador que eu configurei que permitia ao meu assistente acessar
minhas mensagens de texto. Assim Myrtle se familiarizou com o século
XXI. Maldição minha própria tendência a dar meu número livremente
quando estava bêbado. Eu geralmente chegava a me arrepender,
como agora.
Passei a mão pelo meu cabelo, olhando para a porta fechada da
sala onde Jessie estava curtindo o resto da turnê. Meu olhar se moveu
para cima, e com um afundamento no estômago, notei que a parede
alta da porta estava aberta e o teto abobadado do corredor continuava
na galeria. Merda.
— Myrtle, eu não tenho acesso a uma caneta agora. Posso te ligar
mais tarde para ler as mensagens?
— Oh, claro, querido. Eu só queria que você soubesse que tenho
tudo coberto aqui. Nada importante em tudo. Você apenas relaxa e se
diverte, e se decidir que quer as mensagens antes de voltar, me ligue.
— Obrigado, Myrtle.
Eu desliguei meu telefone, então voltei para a sala. Jessie estava
em pé diante de um enorme retrato de um anjo sorrindo para uma
jovem garota, e ela olhou para mim rapidamente e depois voltou sua
atenção para a arte.
Ela passou mais alguns minutos olhando para aquela pintura, e
eu fingi estar interessado na estátua ao meu lado, descansando minha
mão em sua cabeça e sentindo uma orelha em forma de concha sob as
pontas dos meus dedos. A pedra era áspera e se rompera em alguns
pontos. Eu me perguntei vagamente como alguém iria esculpir figuras
de pedra, quando a orelha de repente se soltou e caiu na superfície de
vidro abaixo. Eu congelei.
Jessie, que havia se afastado da pintura e estava caminhando ao
lado dela, olhou na minha direção bem a tempo de me ver agarrar o
pedaço de orelha quebrada, batendo na estátua e fazendo com que ela
balançasse perigosamente. Eu respirei fundo, estabilizando, e Jessie
colocou uma mão sobre a boca, os olhos arregalados. Minha respiração
ofegou entre meus dentes enquanto a estátua parava de tremer, e enfiei
a orelha no meu bolso, olhando por cima do ombro para ter certeza de
que ninguém tinha visto o que eu tinha feito.
O guarda de segurança em pé perto da frente olhou para mim
com desconfiança, movendo-se para trás e para frente em seus
calcanhares, como se estivesse pensando em vir até mim com algum
aviso ou outro.
Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, Jessie foi direto
para mim, agarrando-me pelo braço e me puxando porta afora. — Oh
meu Deus, — ela murmurou. — Você quebrou a estátua da Virgem
Maria. Deixe-me ver.
Eu timidamente enfiei a mão no bolso e tirei a orelha. Ela olhou
para ela antes de olhar para mim, um som sufocante vindo da parte de
trás de sua garganta. Ela puxou meu braço novamente, arrastando-me
para fora da entrada principal do museu e para o sol brilhante. — Você
não segue as instruções? Todos os sinais diziam: — Não toque. — Bom
Deus.
— Eu tenho certeza que pode ser colado.
Ela olhou para mim, sua boca ligeiramente aberta, e então seu
lábio de repente se contorceu e ela começou a rir, agarrando seu
estômago e se inclinando para frente. A coisa toda de repente parecia
tão ridícula, e eu comecei a rir também. Realmente rindo, talvez pela
primeira vez desde que eu era criança. Talvez desde a última vez que
estive com Jessie. — Nós vamos ser presos ou algo assim.
— Eu fiz isso. Você não.
— Não, mas sou a razão pela qual você está aqui. Sinto-me
responsável por você. — Ela procurou em sua bolsa e tirou um
envelope, retirando o conteúdo e depois estendendo a mão. Entendendo
o que ela estava silenciosamente solicitando, eu peguei no meu bolso a
pequena orelha e coloquei na palma da mão dela. Ela colocou no
envelope, lacrou, pegou uma caneta e escreveu algo na frente. Então eu
a observei andar a curta distância até a caixa de correio, soltá-la e
voltar para onde eu esperava. — Temos de ir. Vamos.
Eu segurei uma risada. — Ir? Estamos a quilômetros de distância
do Château.
— Pelo menos é um bom dia para um passeio. — Ela fez uma
pausa antes de desviar o olhar. — Eu acho que vamos passar algum
tempo juntos, afinal.
Capítulo Oito
JESSICA

O sol aqueceu minhas costas, os pássaros cantavam nas densas


árvores ao nosso redor, e eu dei uma olhada em Callen enquanto
seguíamos pela estrada de terra que levava de volta ao nosso hotel,
tentados a rir de novo. Ele parecia ao mesmo tempo entediado e
desconfortável naquele museu, e eu fui incapaz de conter a onda de
ternura que acompanhou minha diversão. Ele me seguiu até lá, apesar
do fato de que obviamente não tinha interesse algum na exposição. Eu
não pude deixar de me sentir lisonjeada e estranhamente encantada
com a visão de Callen Hayes fingindo encontrar prazer nas relíquias da
igreja descritas inteiramente em francês. E sem querer, eu tive um
vislumbre daquele mesmo garoto que uma vez me seguiu através de
campos enormes, entre árvores e ao redor de um pátio de trens, jogando
os jogos que fiz e satisfazendo minhas fantasias de infância. Sim, ele era
um homem agora e eu sabia que seus motivos eram diferentes e
provavelmente não muito honrosos, mas ainda não podia evitar o calor
de afeição pelo garoto que ainda poderia ser parte do homem, afinal de
contas. Eu pensei que ele não se tornaria nada mais que um
mulherengo. Eu o vi em ação. Mas ainda havia doçura nele e um cara
desajeitado cativante que fez meu coração acelerar numa
batida. Estúpida, talvez, mas lá estava.
— Me desculpe por isso. Eu não queria estragar a sua experiência
no museu.
Suspirei. — Está bem. Vi o suficiente da exposição. — Fiz uma
pausa por um momento, olhando para ele e me lembrando do
telefonema que ele recebeu, o que havia sido transmitido para a sala
interna em geral. — Eu gosto de Myrtle, a propósito, — eu disse, meu
lábio tremendo.
Seus olhos se arregalaram e ele soltou uma risada surpresa que
terminou em um gemido. — Merda, você ouviu tudo?
— A maior parte.
Ele passou a mão pelo cabelo, os fios escuros brilhando como um
chocolate e profundo ao sol. — Ela é minha assistente.
— Eu entendi, querido. — Eu dei-lhe um sorriso irônico, e Callen
riu, parecendo apenas um pouco envergonhado. Eu ergui minha bolsa
no meu ombro, e Callen fez um gesto que indicava que ele tiraria isso de
mim, mas balancei a cabeça.
Andamos em silêncio por alguns minutos, e eu me encolhia na
calmaria do dia, olhando para frente, onde eu podia ver os topos dos
prédios da cidade. Fiquei surpresa por não haver desconforto entre
nós. Andar com ele assim quase me pareceu... Normal, comum, como se
estivéssemos facilmente caindo na amizade que tivemos uma vez,
apesar de todas as minhas reservas em passar algum tempo com
ele. Sem ninguém mais por perto, parecia simples e... Bom.
— Lembra daquela vez que fingimos que o velho vagão de trem era
um navio pirata, e nós navegamos os sete mares?
Suas palavras me surpreenderam, mas só um pouco porque
estava pensando no passado também. Algo dentro de mim se deleitou
em saber que seus pensamentos haviam seguido um caminho
semelhante, e um sorriso se espalhou pelo meu rosto com a
lembrança. — Você se chamava Capitão Carver Zarolho.
Callen riu, o som profundo e rico. — Capitão Zarolho. Porra, eu
não posso acreditar que você se lembra disso.
Eu sorri suavemente, olhando para longe. — Eu me lembro de
tudo sobre esses anos. — Eu me lembro de tudo sobre você, Callen. Você
era meu príncipe e meu pirata, meu salvador e meu amigo.
Eu parei de repente, virando para encará-lo. — Por que você
desapareceu? Onde você foi? — Sacudi a cabeça, resistindo à vontade
de me encolher. Eu disse a mim mesma que não perguntaria, e ainda
assim era como se as palavras tivessem saído dos meus lábios por
conta própria. Callen o homem, estava claramente interessado em mim,
mas era o garoto que eu amava, e ele me deixou. Eu precisava saber
o porquê. Ainda... O medo passou por mim também. Uma parte de mim
não queria respostas porque o conhecimento poderia me ferir ainda
mais do que o pensamento. — Não, não me diga. Não importa. —
Comecei a andar novamente, mas Callen pegou meu braço gentilmente
me parando e me virando para ele. Eu olhei para ele, para aqueles olhos
cinzentos que conhecia tão bem. Olhos que traziam à mente
tempestades e sombras e as primeiras horas da madrugada. Os olhos
eram os mesmos, embora quase todo o resto sobre ele parecesse
diferente.
— Não importa, Jessie? — Ele perguntou suavemente,
empurrando um pedaço de cabelo que se soltou do meu rabo de cavalo
atrás da minha orelha.
Eu tremi com o toque íntimo, fechando os olhos brevemente. Um
pequeno suspiro escapou dos meus lábios. — Eu inventei todas essas
fantasias sobre o que aconteceu com você. Que você foi sequestrado por
uma caravana de ciganos... Ou estava sendo mantido preso por um
bando de ladrões... Só que eu já era velha demais para esses jogos, e
finalmente tinha que encarar os fatos que você tinha acabado comigo e
tinha decidido que eu não tinha nem mesmo direito a dizer adeus. —
Que nosso beijo não significou nada para você, quando significou tudo
para mim.
— Não, Jessie, não foi o que aconteceu, — ele disse, sua voz
grossa com alguma emoção. Arrependimento? Ele passou a mão pelo
cabelo novamente e olhou para a distância. — A verdade é que eu disse
a mim mesmo que não voltaria. Depois... Depois daquele dia, percebi
como... — Ele balançou a cabeça, obviamente lutando com suas
próprias palavras, com a explicação que eu queria tão
desesperadamente, mas agora estava com tanto medo de ouvir. —
Percebi como era egoísta de minha parte continuar passando tempo
com você. Você era bonita e inteligente e cheia de tantos sonhos, e eu
era apenas um Zé ninguém, Jessie. Menos que isso.
— Não, — eu disse, meus punhos cerrados ao meu lado, um
súbito e feroz protecionismo correndo por mim. Eu estive lá para te
salvar. — Você não era nenhum Zé ninguém para mim. Para mim você
era tudo.
Ele balançou sua cabeça. Ele parecia aflito, como se minhas
palavras o tivessem machucado. — Fiquei ausente por uma semana e
depois não consegui mais. Eu planejei voltar no próximo sábado, mas
cheguei em casa sexta à tarde e meu pai estava arrumando a nossa
casa. Ele tinha sido despedido de seu trabalho, e sabia o suficiente para
ficar fora do seu caminho e não questionar sua decisão. Eu voltei para o
vagão e deixei uma música para você. Eu esperava... — Ele olhou ao
longe, os cantos de seus olhos apertando minuciosamente. — Eu
esperava que você soubesse que era um adeus... Um agradecimento. —
Ele balançou a cabeça. — A verdade é que, Jessie, além de você, não
havia nada naquela cidade para mim. Eu queimei todas as pontes que
havia para queimar. Meu pai e eu entramos no carro com todas as
nossas coisas e fomos para Los Angeles na manhã seguinte.
— Oh. — Parecia tão estranho ter as peças
daquele antigo mistério juntas. E eu estava com medo que doesse, mas
na maior parte me deixou triste. Imaginei-me voltando àqueles trilhos
de trem dia após dia, mês após mês, continuando a manter a esperança
de que Callen voltasse, e ele estava muito longe, em uma cidade a
quatrocentos quilômetros de distância, começando uma vida totalmente
nova. Mas ele queria voltar. E saber disso fez algo dentro de mim se
sentir mais leve. Se eu soubesse disso naquela época. — Eu encontrei a
música, mas não percebi que era para mim. Pensei que era algo que
você acidentalmente deixou para trás. Você não poderia ter me deixado
um bilhete? Ou escrito para mim depois? Algo? Qualquer coisa.
— Não. Eu... — Uma expressão, parte dor, parte constrangimento,
atravessou seu rosto, e ele abriu a boca para dizer algo, mas
aparentemente mudou de idéia. — Eu pensei que seria melhor se nós
apenas cortássemos os laços, se você não pensasse em mim novamente.
Eu soltei um suspiro. Ele estava errado sobre ser melhor que nós
apenas cortássemos os laços, e eu desejei que ele tivesse feito uma
escolha diferente. Mas ele era um garoto de quatorze anos com um pai
violento e que sabia quais outras dificuldades ele poderia estar
guardando para si mesmo. Eu achei difícil ficar com raiva dele agora. —
Eu me senti culpada por um longo tempo, — eu admiti. Triste, com o
coração partido e culpada.
— Você? Culpada? Por quê? Você não fez nada de errado.
Eu balancei a cabeça, lembrando da descrença que senti quando
o vi na televisão, mas também do alívio. — Eu sabia que você não tinha
uma boa vida em casa, e eu me preocupava que algo ruim tivesse
acontecido com você, que eu deveria ter tentado encontrá-lo naquela
época, quando ainda poderia ter feito algo... Eu deveria ter ido para
algumas escolas para procurar por você ou pedir ajuda aos meus
pais ou...
— Jessie, — disse ele, balançando a cabeça. — Não. Você era
criança. Nós dois éramos. Deus, me desculpe por eu ter te
preocupado. Me perdoa por isso?
— Eu já te perdoei por isso, Callen, — eu disse suavemente. —
E... — eu solto um suspiro — agora que sei o que aconteceu, fico feliz
que tenha dado tudo certo para você, tanto quanto sua música. Tudo
começou para você em LA, certo? Funcionou do jeito que deveria, eu
acho.
Seus olhos se moveram sobre o meu rosto por um momento. —
Eu acho, — ele finalmente murmurou. Ele colocou as mãos nos bolsos e
olhou para a colina em direção à cidade. — Acha que há alguma chance
de encontrarmos um lugar para comer lá em cima?
Eu sorri, ciente de que ele estava mudando de assunto, mas não
me importei. Nós dissemos o que precisava dizer. — Tenho certeza que
existe. Vamos.
Nós caminhamos a curta distância para o centro da cidade em
silêncio, pisando nos paralelepípedos que se alinhavam nas ruas
estreitas. Flores saíam de vasos das janelas, toldos coloridos, vitrines
sombreadas e meninas passeavam de bicicleta, com as cestas dianteiras
cheias de frutas, pão e as compras matinais. O dia aqueceu ainda mais,
e havia algo sonolento e antiquado na cidade que me encheu de uma
sensação de felicidade sonhadora. Eu poderia passear pelas ruas de
paralelepípedos o dia todo, vendo vitrines e explorando pequenas lojas
empoeiradas, mas não imaginei que Callen achasse essas coisas
interessantes. Eu ficaria aqui por um mês, e teria muito tempo sozinha.
— Nós poderíamos comprar algumas coisas e fazer um
piquenique em algum lugar próximo, — Callen ofereceu. Eu levantei
uma sobrancelha.
— Porque, Callen Hayes, isso soa perfeitamente... Doce. O que vai
acontecer com a sua reputação se os paparazzi tirarem uma foto disso?
Ele riu. — Eu vou ser arruinado. A imagem de bad boy será
abalada. — Ele parou em frente a uma vitrine com chapéus e pegou um
boné com a bandeira francesa e vestiu na cabeça. — Eu vou usar um
disfarce.
Eu ri, embora meu estômago tenha feito um balanço lento de
apreciação pelo quão bonito ele parecia. O que tinha de tão sexy em
garotos de boné?
Ele pagou pelo boné, deixando que o lojista mantivesse o generoso
troco, e então nós andamos algumas lojas até um mercado, onde
compramos uma cesta de morangos maduros, uma fatia de queijo Brie,
um presunto fatiado e uma garrafa de espumante, e água. Uma padaria
do outro lado da rua tinha acabado de soltar uma fornada de baguetes
quentes, e nós compramos uma e tiramos talheres e guardanapos do
balcão.
Perguntei à mulher que nos atendeu na padaria, se havia algum
lugar interessante para sentar e almoçar nas proximidades, e ela me
contou sobre algumas ruínas da igreja que davam para o rio Loire, a
400 metros da cidade. Quando contei a Callen o que ela disse, ele sorriu
e disse que estava pronto para qualquer coisa. Por que ele tem que ser
tão encantador?
Quando saímos da cidade, algo chamou a atenção de Callen para
uma loja de presentes na esquina e ele parou, tirando um objeto de
uma caixa alta. Uma pipa? Eu me aproximei e vi que a pipa que ele
escolheu era na forma de um navio pirata vermelho e preto, uma
caveira branca e ossos cruzados na sua vela aérea. Eu ri. — Por quê,
Caolho, olhe para aquilo; é o seu navio. Eu tinha certeza de que já estava
em mil pedaços no fundo do oceano.11
Ele riu também, levando a pipa para dentro e voltando um
momento depois com a compra. Eu balancei a cabeça, virando meu
rosto para o céu. — Eu não sei se há brisa suficiente para uma pipa
hoje.
— Nós vamos ter que experimentar. — Ele piscou, e meu coração
se sacudiu no peito, me fazendo desviar o olhar para uma carranca. Eu
sabia que não era uma boa ideia me derreter por Callen Hayes. Eu
prometi não fazer isso, e ainda assim aqui estava eu, passeando por
uma pitoresca vila francesa a caminho de um piquenique com ele. Eu
gemi internamente. Várias horas. Eu tinha que ir para a cama cedo esta
noite desde que começarei meu novo trabalho de manhã. E então seria
fácil me concentrar no que eu precisava focar... Que não era ele.
Eu não tinha dúvidas de que ele encontraria maneiras de se
ocupar muito facilmente também. Eu tinha a perfeita ideia sobre o
que maneiras seria, e eu odiava que o pensamento me
deprimisse. Ainda assim, era sábio que eu mantivesse isso em mente,
sabia que eu me lembrava de quem era Callen apesar da felicidade
infantil temporária em seus olhos hoje. Apesar do romance do Vale do
Loire e apesar da batida errática do meu coração cada vez que ele virava
seu lindo sorriso para mim e olhava para mim com carinho em seus
olhos.
Eu não era a única. Isso fazia parte de seu fascínio. Ele costumava
me fazer sentir especial anos atrás também. Mas agora? Eu me recusava
a ser uma das muitas que se apaixonavam pelos mesmos encantos.

11 Referência a frases de livros infantis.


— Por que a expressão azeda? — Ele perguntou, quebrando meu
silêncio de mau humor.
— Hã? Estou com fome. Vamos, a mulher da padaria disse que as
ruínas são logo ali.
Capítulo Nove
CALLEN

Eu não gostei do olhar repentinamente sombrio no rosto de


Jessie, então peguei sua mão na minha e a apertei firmemente. —
Lidere o caminho. — Ela pareceu surpresa quando olhou entre nossas
mãos trancadas e meu rosto, mas não tentou se afastar. Eu sorri,
finalmente provocando uma risada dela quando o climão diminuiu.
Nós estávamos indo fazer um piquenique e talvez empinar
pipa. Eu não acho que fiquei tão excitado quando subi ao palco para
aceitar o prêmio francês meses atrás, o maior prêmio que já
recebi. Esquisito. Inexplicável. Mas verdade.
Caminhamos um pouco, e então Jessie desceu uma estrada de
terra que levava à beira de um campo de flores. Ela soltou minha mão,
e eu imediatamente senti falta dos dedos dela enfiados nos meus e do
aperto quente da palma dela contra a minha. — Olha, está ali, — disse
ela, apontando.
Tudo o que eu podia ver era uma estranha pilha de pedras na
beira de um penhasco com vista para o rio. — Quando você disse vista,
eu pensei que haveria mais para olhar.
Ela encolheu os ombros e começou a andar, e eu segui. Como
sempre fiz quando Jessie me levava em uma aventura. Quando
chegamos ao local, parecia haver um velho piso de cerâmica
espreitando através dos escombros, mas fora isso, realmente eram
apenas pilhas de rochas desmoronadas. — Nada sobrou.
Jessie estava olhando em volta com interesse, embora eu não
tivesse ideia do motivo. — Não muito. Mas eu posso dizer que foi lindo
uma vez.
Quaisquer que fossem as provas que a levaram a essa conclusão,
obviamente não era visível a mim. — Bem, definitivamente tinha uma
bela vista. — Olhei para o rio, onde a água azul-esverdeada se movia
pacificamente, as árvores que cresciam ao longo da costa lançando
reflexos verdes e amarelos claros. A luz do sol brilhava na superfície
como se um punhado de cacos de diamante tivessem sido jogados
casualmente na água. Por um momento fiquei perdido, perdido na
beleza. Quando desviei os olhos e olhei para Jessie, ela sorria
suavemente para mim. — O que?
Ela balançou a cabeça, o sorriso permanecendo. — Nada. — Ela
se virou, colocando a bolsa de comida que ela estava carregando perto
de algumas pedras, e eu fiz o mesmo. Aparentemente, sua fome foi
momentaneamente esquecida enquanto ela explorava a área, pegando
pequenos pedaços de pedra e escombros e os examinando por um
momento antes de cuidadosamente colocá-los no chão. Ela se agachou
e correu o dedo ao longo de um pedaço de telha quebrada, inclinando-
se para olhar mais de perto.
— Então, me fale sobre o trabalho que você está aqui para fazer.
Ela olhou na minha direção e se levantou, caminhando em
direção a uma pilha de pedras que poderia ter sido um pedaço de
parede. — Foram encontrados alguns documentos em uma caverna na
área que se acredita terem sido escritos por alguém próximo a Joana
d'Arc.
— Joana D'Arc?
— Humm, — ela confirmou, correndo o dedo ao longo de uma
pedra sentado no topo de uma pilha. — Você sabe alguma coisa sobre
ela?
— Não muito.
Ela olhou para o rio, seu dedo continuando seu movimento. Ela
sempre foi tátil assim, sempre explorando as coisas com as mãos, as
pontas dos dedos. Eu me perguntava agora se ela se expressaria na
cama assim também, e só o pensamento. E era tão excitante que quase
gemi. De repente, lembrei dela como uma adolescente e do jeito que ela
encontrava minha mão enquanto lia e desenhava com a unha com a
ponta do polegar. Ela nem sabia que estava fazendo isso, e eu achava
tão excitante, que eu tinha tudo pra gozar nas minhas calças. Eu
respirei fundo, desejando não ficar duro, para não deixá-la saber o quão
sexy eu achava quando ela pegou uma pedra e a esfregou lentamente
entre o polegar e o dedo indicador. Instintivamente soube que deixá-la
saber como eu estava excitado iria assustá-la e ela não responderia
bem. Pelo menos não neste momento. Talvez nunca.
— Joana d'Arc era uma camponesa francesa que acreditava estar
agindo sob orientação divina quando liderou o exército francês em uma
vitória sobre os ingleses durante a Guerra dos Cem Anos.
— Orientação divina?
— Ela relatou ter ouvido vozes enviadas por Deus.
— Ah. Garota de sorte.
Ela olhou para mim, levantando uma sobrancelha, obviamente
ouvindo o sarcasmo na minha voz. — Você acha?
Ela pareceu realmente considerar a questão por um momento. —
Eu acho que parece um fardo incrivelmente pesado para suportar.
— Por quê?
— Porque se Deus te chama para fazer algo, é melhor você
fazer. E fazer bem. Não importa o que seja. Joana alegou que a missão
de Deus para ela era salvar a França de seus inimigos e garantir que
Carlos, o Sétimo, fosse coroado como rei legítimo.
— Nenhuma pressão.
Jessie riu e meu coração deu um pequeno pulo. — Eu não acho
que Deus faça isso quando está distribuindo missões. Joana,
uma garota de dezessete anos, saiu de sua aldeia com não muito mais
do que as roupas nas costas para seguir suas instruções. E nesta
circunstância, a coisa que Deus a chamou para fazer acabou sendo
queimada viva na fogueira.
Eu fingi estar com medo. — Não, obrigado. Deus pode manter
suas missões divinas. — Ela franziu o nariz. — Exatamente o meu
ponto.
— Os outros acreditaram nela?
— Que ela ouvia vozes celestiais? — Ela sorriu. —
Muitos. Segundo a profecia popular da época, uma virgem estava
destinada a salvar a França. Dizem que quando ela conseguiu uma
audiência com Charles e lhe pediu para lhe dar um exército, ela revelou
coisas para ele que só Deus poderia saber.
— Uma camponesa de dezessete anos sem treinamento militar
entrou na corte e conseguiu uma audiência com o rei, que então lhe
deu um exército inteiro? Simples assim?
— Ele não era o rei naquela época. Na verdade, ele fora deserdado
por seu pai, que era conhecido como o Rei Louco, e precisava de uma
maneira diferente de herdar o trono que ele sentia ser seu por direito. O
que quer que Joana lhe disse para fazer com que ele lhe desse um
exército, era obviamente muito convincente. Na audiência, ela pediu
para não ser pressionada porque não contaria. Ela só disse que ele
recebeu um sinal de que o que ela disse era verdade. É um dos grandes
mistérios da história. De qualquer forma, ela liderou o exército que, até
então, só conhecia a derrota e a humilhação para a vitória imediata e
repetida.
— Hã. Isso é inacreditável. O rei louco? Eu posso ver por que a
história te fascina. É como um conto de fadas da vida real.
— Sim, suponho que sim. — Ela corou e olhou para baixo. — E
estar aqui, onde tudo aconteceu, é apenas... — Ela virou o rosto para o
céu de repente e sorriu antes de olhar de volta para mim. — Você quer
comer ou empinar essa pipa?
Eu fui pego de surpresa por sua mudança de assunto e inclinei a
minha cabeça franzindo minha testa. — Eu pensei que você estava
realmente com fome.
— Eu posso esperar. Sinto uma brisa da qual devemos aproveitar.
Fiz uma pausa, inclinando a cabeça para cima também, e senti o
vento arrepiar meu cabelo e fluir pela minha pele. — Você está
certa. Vamos fazer isso.
Eu desembrulhei a pipa rapidamente e abri o fio. Parecia bastante
simples, mas eu nunca tinha empinado uma pipa antes. — Vamos lá,
precisamos de espaço, — Jessie chamou, correndo em direção
ao campo aberto. Eu a segui deixando a pipa voar para o céu, subindo
com a brisa que agora saía da água. Eu soltei uma meia risada, meio
grito quando a pipa subitamente voou mais alto no céu, arrastando-me
junto com ela e fazendo com que eu tivesse que correr para continuar.
Passei por Jessie enquanto o vento soprava mais forte, e comecei
a correr, meu boné de beisebol chicoteando e voando para longe, a pipa
me conduzindo enquanto corria atrás dela. Eu podia ouvir a risada sem
fôlego de Jessie atrás de mim, e uma alegria repentina e arrebatadora
encheu meu corpo. Eu soltei um grito alto de alegria, o vento no meu
rosto, a grama alta balançando contra minhas canelas, a pipa acima da
minha cabeça me fazendo sentir como se eu estivesse voando junto com
ela.
Eu olhei para frente e vi a borda do campo subindo rapidamente e
tentei virar, mas o vento estava no controle e não estava mudando de
rumo. — Oh, drogaaaa, — eu gritei, não tendo escolha a não ser deixar
a pipa subir mais e sair do rio. Eu desabei no chão, rindo e tentando
recuperar o fôlego.
A sombra de Jessie veio sobre mim, bloqueando o sol, e eu sorri
para ela, minha respiração ainda ofegante. Ela também estava rindo e
balançando a cabeça. — Você perdeu o nosso navio, capitão.
Eu apertei meu olho esquerdo, olhando para ela apenas com o
direita. — Sim, companheira. Mas valeu a pena.
Ela estendeu a mão e eu peguei, levantando. Fiquei de pé
diretamente na frente dela, tão perto que pude sentir a suave expiração
de sua respiração. Nossas risadas diminuíram, e por um momento
ficamos nos encarando antes que ela recuasse, olhando para trás atrás
da água. Eu me virei e fiquei de pé ao lado dela, e nós dois olhamos
para o rio, nosso navio apenas um pontinho no horizonte agora, para
navegar em mares mais quentes.
Depois de alguns minutos, olhamos um para o outro, sorrindo
enquanto fazíamos o caminho de volta para as ruínas onde tínhamos
deixado o nosso piquenique, Jessie me dando a impressão de deixar a
pipa assumir o controle. Eu não me arrependi, no entanto. Tinha sido
emocionante. Eu me senti feliz e vivo e... Com tanta fome que poderia
comer um cavalo. — Lá? — Eu perguntei, e Jessie assentiu enquanto
pegávamos a comida. Caminhei até a borda do que outrora fora o chão
da igreja, sentando em uma parede baixa de pedras empilhadas que
ainda pareciam resistentes. Eu deixei minhas pernas penduradas na
borda, colocando as sacolas ao meu lado.
Eu podia sentir o cheiro do rio, meio como minerais e lama, mas
não era desagradável quando eu respirava. Jessie se sentou ao meu
lado e puxou uma blusa leve de sua bolsa, abrindo a comida e
colocando-a em cima. Uma toalha de mesa improvisada em cima da
pedra lisa entre nós.
Por alguns minutos, comemos em silêncio, e eu apreciei o sol no
meu rosto, os sons suaves do rio lambendo a praia abaixo, e o grito
ocasional de pássaros. Uma melodia distante parecia rodopiar
suavemente no ar, dançando fora da água cintilante, se movendo
rapidamente de folha para folha, mas me acalmou em vez de me deixar
desesperado para pegá-la, e quando fui colocar um morango na minha
boca, eu percebi que meus lábios estavam pressionados juntos e o
fragmento da música zumbiu na minha garganta.
Mordi a fruta vermelha brilhante, o gosto doce estourando na
minha língua, saboreando a comida fresca e deliciosa. Os morangos
estavam perfeitamente maduros, o presunto fresco e salgado, e o queijo
cremoso quando eu o espalhei no pão. Eu tinha comido nos melhores
restaurantes do mundo, mas nunca tinha experimentado uma refeição
melhor do que essa. Jessie gemeu suavemente enquanto mordeu o pão
macio, e meu sangue aqueceu em minhas veias. Eu olhei para ela, e
seus olhos se arregalaram como se ela não tivesse percebido que tinha
feito um som que eu podia ouvir, mas então ela riu suavemente, meio
timidamente. — Isso é tão incrível.
Tudo é incrível. A comida, o dia, esse momento. Você.
Eu sorri, estendendo a mão usando meu dedo mindinho para
limpar um pouco de queijo no canto do lábio. Ela se acalmou, nossos
olhos se encontraram e uma chama de eletricidade se moveu entre nós
antes dela abaixar os olhos e trazer a ponta da língua para o lugar que
eu tinha acabado de tocar. Meu pau endureceu, pressionando contra o
zíper da minha calça jeans, e foi uma dor bem-vinda, um pouco
dolorosa, mas atada com uma pulsação constante de prazer. Eu queria
ela. Jessie. O que mais me surpreendeu foi que eu não só queria sexo,
não apenas almejava o esquecimento inconsciente da minha própria
libertação. Eu queria ela. Eu queria sentir o cheiro da pele dela, para
saber o cheiro particular entre as pernas dela. Eu queria saboreá-la em
todos os lugares e ouvir os sons que ela fazia quando gozava. Eu queria
senti-la tremer e pulsar ao meu redor, e queria ouvir meu nome em
seus lábios quando isso acontecesse. Eu queria, e o sentimento inchou
dentro de mim como uma orquestra inteira enquanto se aproximava da
crescente, apenas começando a ascensão do coração. — Jessie...
— Sim, — ela sussurrou, uma nota de algo em sua voz que quase
soou como medo.
— Eu... Você foi meu primeiro beijo. Você sabia disso? — Ela
piscou, separando os lábios.
— Não. Eu não sabia. Suas sobrancelhas delicadas se uniram e
ela inclinou a cabeça. — Eu fui?
Eu sorri para a surpresa óbvia dela. — Sim. Eu não estava
sempre... — Eu fiz uma careta, sem saber como terminar a frase sem
lembrar a Jessie exatamente quem eu tinha me tornado.
— Callen Hayes, gigolô internacional? — Ela perguntou, um
brilho de provocação em seu tom.
Eu soltei uma risada misturada com uma expiração, olhando
para ela enquanto meu sorriso desaparecia. — Pensei em beijar você
por um ano antes de ter coragem. Todos aqueles dias nós nos
sentávamos naquele vagão enquanto você lia. Eu olhava para seus
lábios se movendo e... — Eu gemi, lançando lhe um pequeno sorriso.
Ela ofereceu um sorriso tímido em retorno. — Eu pensei que uma
das razões pelas quais você não voltou foi porque você não tinha
gostado de me beijar. — Ela olhou para longe, para o horizonte.
— Não, Jessie. Eu gostei. — Eu balancei minha cabeça. — Eu
gostei demais.
O sol se moveu acima, e quando os olhos de Jessie encontraram
os meus novamente, eles pareciam dourados, rodeados de um profundo
azul crepuscular. Olhos como o pôr do sol. Bonito. — Eu gostei de beijar
você demais e queria fazer isso de novo e de novo. Eu quero fazer isso
agora. — Minha voz era um sussurro rouco, atado com o desejo
pulsando em minhas veias. Jessie deve ter ouvido isso porque olhou
para baixo, seus cílios lançando sombras em suas bochechas. Uma leve
cor rosa subiu em seu rosto. Um rubor. Deus, ela era inocente e doce,
possivelmente até inexperiente - uma santa, enquanto eu era um
pecador. E eu queria ela de qualquer maneira. Eu a queria mais do que
queria alguém em muito, muito tempo.
Ela não disse não. Seus olhos se fecharam quando meus lábios
tocaram os dela. Cheguei mais perto, tecendo meus dedos em seus
cabelos, meus polegares roçando a maciez de suas bochechas enquanto
passava minha língua sobre seus lábios e entrava em sua boca. Ela
soltou um suspiro e eu gemi quando sua língua tocou a minha,
dançando, explorando. Nosso beijo se aprofundou, e minha luxúria
cresceu, mas eu queria ter esse momento, desde que ela me deixasse.
Jessie saiu dos meus lábios, virando o rosto para baixo, e minhas
mãos caíram com o movimento dela. Ela usou o polegar para limpar o
lábio e balançou a cabeça, apenas um pequeno movimento, antes de
olhar para mim, parecendo bonita e incerta. — Eu sinto muito, eu...
— Não se desculpe. Eu ouvi o que você disse antes. Eu
simplesmente não pude resistir. — A verdade é que eu não tinha
beijado os lábios de qualquer outra pessoa desde o nosso beijo em
Paris. Eu não tinha considerado o porquê... Nem pensei que tivesse sido
uma escolha consciente. Eu tinha feito... Outras coisas, mas meus
lábios não tocaram em ninguém desde os dela.
Senti seus olhos em mim enquanto olhava para o rio. — Callen,
você se lembra de alguma coisa sobre a minha família?
Eu virei meu olhar para ela, surpreso, tentando lembrar as coisas
que ela havia me dito há muito tempo. — Seus pais tiveram um
casamento ruim.
Seus lábios, ainda inchados e rosados do meu beijo, subiram em
um tipo triste de sorriso. —Para dizer o mínimo. Meu pai era um traidor
crônico. Ele não conseguia parar, ou não queria. Talvez ambos - eu não
sei. Minha mãe costumava arrastar meu irmão e eu com ela para pegá-
lo em flagrante - às vezes, muito literalmente. — Ela se encolheu com
alguma lembrança, e eu senti uma sensação de beliscão no meu peito
com o olhar triste em seu rosto. — No final, eu me ressenti de ambos. —
Ela balançou a cabeça e olhou para a água. — Eu prometi a mim
mesma que nunca seria como ela. Nunca. Eu não ia competir
constantemente pela atenção de alguém que nunca me amaria da
maneira que mereço.
Meus olhos percorreram as linhas bonitas de seu perfil -
o movimento feminino de sua mandíbula, seu nariz levemente
arrebitado, suas delicadas maçãs do rosto, e senti uma espessura na
garganta.
Ela viu seu pai em mim, um mulherengo, um homem que não
tinha a capacidade ou o desejo de ser fiel a uma mulher. Eu queria
negar isso. Eu queria dizer que ela tinha a ideia errada sobre
mim. Inferno, eu até considerei mentir para ela. Mas isso não era justo,
para nenhum de nós. Havia coisas sobre mim que eu nunca quis que
alguém soubesse, segredos que fiz de tudo para proteger, então chegar
tão perto de alguém era impossível. E havia mais uma centena de
motivos para que outra coisa além de amizade, ou talvez um
relacionamento casual, não estivesse nos cartões. Não poderia ser.
Eu soltei uma lufada de ar. — Eu percebo que não sou um cara
de relacionamento, Jessie. Eu sei disso melhor do que ninguém. —
Passei a mão pelo meu cabelo, me sentindo surpreendentemente triste
ao dizer as palavras em voz alta. Mas elas eram verdadeiras, e eu não
podia negá-las, não para mim e não para Jessie. — Eu só... Estamos
apenas no Vale do Loire por um curto período de tempo. Você acha que
podemos nos divertir enquanto estamos aqui? Apenas pelas próximas
duas semanas. Sem promessas, sem arrependimentos. E depois
voltaremos para nossas vidas.
Ela apertou os lábios, sacudindo a cabeça enquanto desviou o
olhar. — Você quer que eu seja um brinquedo temporário?
Eu me inclinei para trás, um remorso causando uma sensação de
queimação na garganta. — Não, Jessie... Não é isso que estou
pedindo. Eu nunca pensaria em você assim. Estou atraído por você. Eu
não posso evitar isso. Mas... Quero que você esteja confortável em ficar
comigo, é tudo o que eu quero. Só quero passar um tempo com você
enquanto estamos aqui.
Ela mordeu o lábio, olhando para mim, sua expressão parecia
refletir a mistura de tristeza e possibilidade que eu sentia dentro de
mim. Finalmente, ela soltou um suspiro triste. — Eu não sei,
Callen. Estou aqui para trabalhar. Preciso me concentrar nisso. E não
acho que me envolver de alguma forma seja bom para qualquer um de
nós. Parece que você tem muita companhia para mantê-lo ocupado sem
mim. Como foi a banheira de hidromassagem ontem à noite, a
propósito? — Assim que as palavras saíram de sua boca, ela fez uma
careta. — Não, não responda isso. Viu? Isso é o que viria de nós
passarmos tempo juntos...
— Eu não usei a banheira ontem à noite. Fui para a cama
sozinho, para que pudesse acordar cedo e segui-la até um museu onde
consegui quebrar uma relíquia de valor inestimável.
Ela pareceu surpresa por um breve segundo e depois riu,
sacudindo a cabeça. Depois de um momento, ela suspirou. — Eu não
sei.
— Só você e eu, Jessie. Como nos velhos tempos.
— Nós não somos mais crianças, no entanto, Callen. As coisas
não são tão... Simples.
— Nós podemos torná-las simples. Porque isso tem que ser
temporário. Nós vivemos em lados diferentes do mundo.
— Como amigos, então? É isso que você está propondo?
Dei de ombros, querendo dizer não, mas sabendo que era honesto
quando disse que pegaria o que pudesse conseguir. Qualquer coisa. Eu
queria mais momentos - mais dias - como este. Quando não me senti
vazio. Eu me senti desesperado por qualquer coisa que Jessie me desse
de bom grado. Se ela insistisse que eu mantivesse minhas mãos e lábios
para mim, eu faria isso. Eu esperava que não, mas respeitaria se ela
quisesse. — Como eu disse, o que quer que seja confortável para
nós. Nós podemos pegar as coisas como elas vêm. Você lidera o
caminho. Se deixar de ser agradável para um ou ambos, terminamos
com duas semanas ou não.
Ela parecia tão dilacerada e prendi a respiração. — E você vai ter
outras... Amigas enquanto estiver aqui? — Eu balancei a cabeça. —
Não. Só você.
Ela me estudou por um longo momento, e me forcei a não me
contorcer, para não dizer nada enquanto considerava sua decisão. —
Ok. Quando e se eu tiver tempo livre do trabalho. E só enquanto
estivermos aqui.
Meu rosto se abriu em um sorriso. — Só enquanto estamos aqui.
Capítulo Dez
JESSICA

A água do chuveiro caiu sobre mim e eu me virei, deixando a


pressão da água massagear meus ombros. Meu corpo ainda estava
dolorido de toda a caminhada e aventura com Callen. Callen. Oh Deus,
eu cometi um grande erro concordando em passar tempo com ele
enquanto ele estava aqui na França? Duas semanas. Apenas duas
semanas, mas por que tive a sensação de que elas iam alterar a minha
vida de alguma forma que eu não conseguia nem imaginar agora?
Ele me disse que estava disposto a aceitar o que eu estivesse
confortável em oferecer. Mas eu era forte o suficiente para passar
algumas semanas com Callen - sob qualquer circunstância - sem
me apaixonar por ele? E se eu não fosse, eu me arrependeria disso? Se
eu decidisse não dar a ele as duas semanas, iria me arrepender
também?
Eu era lamentavelmente inexperiente quando se tratava de
homens. Eu namorei um pouco, mas ninguém a sério e ninguém
a longo prazo. Eu tinha sido uma estudante focada, e saber que eu
estaria me mudando para a França depois da formatura me impedia de
me envolver demais com alguém. Pelo menos foi o que eu disse a mim
mesma. E então estava ocupada tentando colocar minha vida em ordem
quando me mudei para Paris. Mas também tinha que admitir que eu
provavelmente estava mais hesitante do que a maioria quando se
tratava de relacionamentos. Pela minha experiência, o amor resultava
em lágrimas e solidão, desgosto e desespero. Então, sim, eu era
uma virgem de vinte e quatro anos que nunca dividiu meu corpo inteiro
ou meu coração inteiro.
Inicialmente, eu tinha me sentido insultada pela proposta de
Callen, mas talvez o acordo que ele descreveu fosse realmente perfeito
para nós dois. Sem promessas, então não tem decepção. Só porque não
teríamos um relacionamento não significava que eu não pudesse
desfrutar do prazer de beijá-lo. Não é?
E beijá-lo era prazeroso. Na lembrança recente de seus lábios nos
meus, seu gosto, um arrepio percorreu minha espinha.
Os canos rangeram quando desliguei a água, saindo do chuveiro e
pegando uma toalha fofa. Enrolei meu cabelo e depois fiquei na frente
da pia, escovando os dentes. Eu precisava ir para a cama para poder
estar descansada pela manhã. Callen consumiu minha mente, mas meu
foco principal precisava ser meu trabalho. O que não foi difícil porque
estava cheia de emoção para começar, para colocar minhas mãos em
mais desses escritos e mergulhar nas palavras e descrições tão antigas,
para entrar na mente de uma garota em seu caminho para servir um
santo no meio da guerra.
Eu ouvi meu telefone apitar com uma mensagem e saí do
banheiro para ver. Frankie: Como está o Château, repolho?
Eu: O Château é lindo. O mesmo acontece com Callen Hayes,
que também está aqui.
O telefone permaneceu em silêncio por alguns bons minutos. Eu
deixei cair a minha toalha, vestindo calcinha e minha camisola. Meu
telefone tocou e eu ri baixinho, sabendo que era Frankie.
— Olá?
— Hum... O que o está acontecendo?
Eu ri. — Eu sei. É louco. Inacreditável. Mas sim, ele está aqui de
férias. Encontrei com ele ontem à noite no bar.
— Você está brincando comigo? Por que você não me ligou? Isso
é... Eu não sei. Espere, você tem certeza de que ele não está
perseguindo você ou algo assim?
— Não. Deus, estou surpresa por ele não achar que sou eu
quem está o perseguindo. Não, é apenas uma coincidência louca.
— É o destino, Jess.
Eu sorri quando me sentei na beira da
cama. Coincidência. Destino. Eles eram um só e a mesma coisa? — Eu
não sei, mas... Frankie, ele quer que eu passe as próximas duas
semanas com ele.
— O que você quer dizer com as próximas duas semanas com ele?
— Quero dizer, estou trabalhando obviamente, mas quando não
estiver, ele quer... Sair, eu acho. E nós nos beijamos.
Mais uma vez um tempo de silêncio. — E depois das duas
semanas?
— Nos despedimos, suponho. Sem promessas. Eu concordei, mais
ou menos, mas... Talvez você devesse me convencer disso, Frankie.
Houve outra pausa antes que ela dissesse: — Eu não vou,
Jess. Pode machucar passar o tempo com ele e depois seguir caminhos
separados, mas, eu não sei... Eu tenho esse sentimento... — Ela fez
uma pausa novamente, e quando ela continuou, havia um tom animado
em sua voz. — O destino parece ter seus próprios planos com vocês
dois, e quem sou eu para mexer com o destino?
Eu deixei escapar um suspiro que foi meio rir, meio suspiro. — A
amiga que vai ter que estocar muito vinho no nosso apartamento
quando eu voltar para casa?
Frankie riu. — Você pode contar comigo, repolho.
— Eu sei que posso, Frankie. Eu sinto sua falta.
— Também sinto sua falta.
Nós conversamos por mais alguns minutos e depois nos
despedimos, prometendo mantê-la atualizada sobre tudo que se
desenrolava no Vale do Loire.
Mesmo que eu não estivesse totalmente surpresa que Frankie me
encorajou a me arriscar com Callen, de alguma forma eu me senti
melhor com o apoio dela. Eu apenas faria o que me sentisse
confortável. Se concordar em passar um tempo com Callen significava
outro dia como hoje, ficaria feliz em ter um pouco de tristeza quando ele
partisse. Foi um dos melhores dias que tive em muito tempo. A imagem
de seu rosto alegre abaixo de mim enquanto ele estava deitado naquele
campo brilhou na minha mente, e eu senti meus lábios se curvarem em
um sorriso. Ele não estava pedindo nada permanente. Ele não estava
pedindo nada que eu não tivesse dado antes - casual. Sem promessas,
sem arrependimentos. Talvez ele voltasse ao estilo de vida de playboy,
mas isso não seria da minha conta. Eu não era como minha mãe e
nunca seria. Tudo o que deixar você confortável. Isso foi nos meus
termos. Eu estava no comando aqui. Duas semanas. Duas semanas e
seria isso. Callen Hayes e eu nos separaríamos mais uma vez, e eu
sobreviveria como eu fiz da primeira vez, porque desta vez eu teria a paz
de um adeus.

***

Saí do elevador e segui as instruções que recebi para um conjunto


de escadas nos fundos que levavam ao andar inferior do Château. A
excitação tamborilou em minhas veias, e eu subi as escadas
rapidamente, entrando em um corredor mal iluminado e percebendo
imediatamente o único cômodo que tinha luz saindo por baixo da
porta. O baixo zumbido de vozes encontrou meus ouvidos e bati
suavemente antes de entrar.
O Dr. Moreau saiu da grande mesa da sala de conferências onde
estava de pé e sorriu de bom grado. — Ah, Jessica, entre. Bom
dia. Como foi sua viagem?
— Très bien. — Eu sorri e peguei sua mão estendida, apertando
levemente. Havia outros dois homens de pé do outro lado da mesa, um
mais velho e um que parecia estar em seus vinte e tantos anos.
— Jessica Creswell é a tradutora de quem eu estava
falando. Jessica, este é o Dr. Irwin Roskow. Ele está liderando a equipe
de cientistas testando os documentos para poder datá-los e verificar a
autenticidade. Ele estará principalmente no laboratório que eles
montaram perto do local da escavação. — O cavalheiro mais velho
sorriu educadamente e esticou o braço sobre a mesa para apertar
minha mão.
— E este é meu segundo assistente, Ben Roche, o outro tradutor
de quem falei, especialista em ciência militar francesa. Para terminar o
projeto a tempo, precisamos dividir os escritos. Eu dei a Ben as peças
que mencionam o nome de uma batalha, e, Jessica, eu te dei as
entradas que parecem ser mais de uma natureza pessoal. Ben poderá
ajudar com os termos militares que podem não ser familiares, e Ben,
Jessica, poderá ajudar com referências relacionadas à vida francesa
durante a Idade Média. Espero que seja útil para vocês dois trocarem
perguntas ou ideias um com o outro. — Eu balancei a cabeça, sorrindo
para o jovem de óculos com cabelo escuro bagunçado. Ele assentiu
timidamente e apertou minha mão.
— Excelente, — disse o Dr. Moreau. — Agora, quem gostaria de
ver o local onde esses documentos foram encontrados? Podemos fazer
uma viagem rápida e depois voltar para começar. Cela vous convient?12
— Oui — Ben e eu dissemos ao mesmo tempo, e depois rimos.
— Há café e copos ali, — disse o Dr. Moreau, apontando para um
fogão encostado na parede que tinha um grande distribuidor de prata e
várias coisas para fazer café. — Pegue uma xícara se você quiser, e nós
vamos indo.
Café. Oh, graças a Deus. Fui para o balcão e me servi de um copo
de papel alto, acrescentando creme e depois uma tampa. Os homens
seguiram o exemplo e todos saímos da sala, seguindo o Dr. Moreau
pelas escadas e pela porta da frente, onde ele tinha um carro e um
motorista esperando.
Eu sabia que a caverna onde os escritos haviam sido encontrados
estava a cerca de quinze quilômetros de distância, e sentei-me, tomando
o café quente e observando o interior da França passar. Eu me
perguntei se Callen já estava acordado ou se ainda dormia, e decidi que
ele ainda estava na cama. Apreciar o nascer do sol que ele tentou
vender não era verdade. Eu apostaria que se Callen alguma vez visse o
nascer do sol, era porque ele não tinha ido dormir na noite anterior. Nós
nos separamos depois do almoço e da pipa no dia anterior, sem fazer
planos específicos. Eu precisava estudar algumas coisas para hoje e

12 É conveniente para vocês? – Abaixo Oui é Sim em francês.


pedi serviço de quarto para o jantar, mas tinha dado a Callen o número
do meu celular, e ele disse que me ligaria.
Jess, pare. Você está no horário de trabalho. Eu estava
determinada a não ser distraída por ele, especialmente hoje.
Nós saímos da estrada principal e dirigimos por uma pequena
aldeia antes de virar em uma estrada de terra que levava uma
montanha à nossa frente. Nosso carro andou ao longo de um caminho
curto, subindo a colina, antes de parar perto de um bosque onde vários
outros veículos estavam estacionados.
— As cavernas estão a uma curta distância, mas o caminho foi
limpo, — disse Moreau, enquanto todos saímos do veículo. Eu olhei
para baixo, agradecida por estar usando sapatos apropriados, mesmo
que eu não soubesse que estávamos viajando para o local da escavação
no primeiro dia. Eu estava em dúvida do que vestir naquela manhã,
finalmente decidi que não era o tipo de trabalho em que eu precisava
parecer excessivamente profissional, já que eu estaria em uma sala no
porão o dia inteiro, sentada e traduzindo texto. Conforto era primordial,
então escolhi uma calça capri cáqui, uma blusa branca e um blazer
azul-marinho. Eu me dei um tapinha nas costas pela adição dos
sensatos sapatos que eu tinha combinado com a roupa. Caminhar por
uma trilha de terra em saltos seria horrível.
A manhã estava quente e clara, e a sutil fragrância das flores
silvestres adoçava a brisa leve. Segui os homens pelo caminho estreito,
o som distante de vozes e um martelamento fraco e agudo vinha de
algum lugar ao longe. Eu me perguntei vagamente se Joana d'Arc
andara pelo mesmo caminho uma vez. Ela tinha cheirado as flores
silvestres também? Teria ela virado o rosto para o céu para captar
melhor o cheiro deles? Para sentir a brisa em sua pele?
O som da batida ficou mais alto, e nós viramos numa curva no
caminho, entrando em uma área aberta onde podíamos ver a boca de
uma caverna no lado da montanha. O Dr. Moreau fez um sinal para que
o seguíssemos, e novamente me surpreendeu o quanto tinha sorte de
estar aqui. Isso era um sonho que se tornando realidade, explorar as
cavernas de heróis há muito tempo, com o ar rançoso e empoeirado se
aproximando de mim. Surreal.
O som das marteladas parou quando o Dr. Moreau
cumprimentou o grupo em francês, um dos quais usava uma
ferramenta para cortar um pedaço de rocha. O Dr. Moreau indicou que
estávamos ali apenas para ver onde os documentos haviam sido
encontrados e para observar por um momento. Eles acenaram para nós
em saudação e voltaram a trabalhar.
Eu olhei ao redor do espaço, as paredes de pedra, o chão cheio de
terra, entrando mais e notando o som tranquilo de água pingando
debaixo do murmúrio de vozes e batidas leves do que eu podia ver agora
era um cinzel. — Ainda não há indicações de que algo mais do que os
escritos antigos serão descobertos, mas ainda é essencial que toda a
devida diligência seja seguida, então eles estão coletando algumas das
rochas e outros elementos naturais para testar para fins de estudo.
— Dr. Moreau, existem teorias sobre por que os escritos foram
encontrados neste ponto específico? — perguntei.
— Ainda não, embora apenas algumas das peças tenham sido
traduzidas grosseiramente quando começamos a estabelecer o que
eram. Eu gostaria que você revisasse essas peças novamente, já que os
tradutores originais não tinham nenhuma especialidade em
particular. Eles podem ter perdido coisas que não sabemos. Espero que
entendamos pelos próprios escritos como eles chegaram aqui.
Ben assentiu, e todos nós demoramos alguns minutos para
passear pela caverna, para ter uma ideia de onde os documentos frágeis
em que estávamos trabalhando haviam ficado escondidos por centenas
de anos. Por que eles foram deixados aqui? Eles estavam escondidos ou
apenas... Perdidos de alguma forma? Eu não podia esperar para
começar.
Eu corri minha palma sobre a parede áspera da caverna
timidamente. O chão estava claro, onde não havia trabalhadores,
nenhum equipamento, apenas sujeira. As vozes se desvaneceram, as
batidas e as pancadas se tornaram ruído de fundo enquanto eu
respirava o cheiro: poeira e terra e um cheiro mineral distante. Sem as
luzes que foram trazidas, seria escuro e fresco aqui. Essas condições
foram o que preservou muitos dos escritos.
Quando me afastei do resto dos trabalhadores e cientistas, um
sentimento estranho tomou conta de mim, um arrepio de consciência
de que havia algo... Feliz nesse lugar, como se algo importante houvesse
acontecido aqui e que tivesse criado uma sensação de calma
persistente. Eu balancei a cabeça para mim mesma. Boba. Eu estava
deixando minha imaginação fugir comigo. Mas Callen estava certo
quando disse que eu gostava de história por causa do meu amor por
histórias e contos de fadas da vida real, e achei difícil não pensar sobre
o que poderia ter acontecido neste pequeno espaço fechado centenas de
anos atrás.
Nós não ficamos no local por muito mais tempo, pois só
estávamos atrapalhando. Voltamos ao SUV, deixando o Dr. Roskow no
prédio que abrigava o laboratório e retornando ao castelo.
Uma vez que estávamos de volta ao castelo, o Dr. Moreau nos
levou a uma sala ao lado da que estávamos usando, onde ele tirou um
grande retrato da parede. Ele girou para fora em dobradiças estridentes,
revelando uma abóbada de aço na parede. — Legal, — disse Ben,
ajustando os óculos. — É onde os donos deste lugar guardavam suas
jóias?
O Dr. Moreau riu. — Entre outras coisas também, imagino. Este
Château tem uma história rica. Eles nos emprestaram o uso deste cofre
à prova de fogo para que possamos armazenar os documentos aqui
enquanto os traduzimos. Além disso, é arejado aqui embaixo e a
umidade do ar é baixa.
Assim que voltamos à sala de conferências, o Dr. Moreau jogou
uma caixa de luvas na mesa e pegou três laptops de um armário perto
da porta. — Como você sabe, você precisará usá-los se tirar os
documentos dos revestimentos protegidos. Eu tive que fazer isso
algumas vezes para dar uma olhada melhor em uma palavra ou
parágrafo, e você pode ter que fazer também. — Ben sentou à minha
frente e o Dr. Moreau nos entregou um laptop e um documento envolto
em plástico. Muito parecido com o que ele me mostrou em seu escritório
na semana anterior.
— Eu vou querer verificar suas traduções, então me envie seu
arquivo, intitulado com o número indicado no adesivo no topo de cada
caixa de plástico, depois que você terminar. — Nós dois assentimos e
começamos a trabalhar.
Imediatamente fiquei imersa nas palavras de uma jovem que
viajava com o exército francês e, aparentemente, disfarçada de
menino. Os outros soldados a chamavam de Philippe, embora, como eu
havia dito ao Dr. Moreau em seu escritório durante a entrevista, era
óbvio, pela frase dela, que a autora dos escritos era do sexo feminino,
mesmo sem ela revelar esse fato. Ela se acomodou na tenda de
Jehanne, e os primeiros escritos foram descrições do acampamento e
informações sobre a estratégia militar que ela ouviu. Tudo era
interessante, mas eu estava particularmente envolvida com suas
observações pessoais e com o fato de que ela estava obviamente tendo
problemas para viver a vida de um soldado comum quando ela vinha de
uma existência aristocrática.
— Ela se refere a Joana d'Arc como Jehanne, — eu disse.
— Sim, — respondeu o Dr. Moreau. — As assinaturas que
aparecem nos poucos documentos sobreviventes da época dizem
'Jehanne' é ela mesma. É a ortografia medieval de Jeanne, que acredita-
se ser seu primeiro nome. Esses escritos parecem apoiar ainda mais o
que ela passou.
— Interessante, — murmurei, sentindo um zumbido de excitação
com a confirmação de que esses documentos eram muito provavelmente
escritos por alguém que conhecia Joana d'Arc.
Depois de um tempo, o Dr. Moreau pediu licença para comparecer
a uma reunião em uma das salas de conferência do andar superior e,
por horas, o único som na sala era o clique de Ben e meus dedos em
nossos respectivos teclados e uma ou duas perguntas proferidas para o
outro quando ficamos presos em uma palavra ou frase.
— Ben, um 'veuglaires' é referido aqui. Isso é uma arma?
— Uh, não. É como um fowler inglês.
— Sim, ainda não faço ideia.
— Uma espécie de canhão de ferro forjado.
— Ah, obrigada.
— Jessica, você já ouviu falar dessa frase sobre um pano
vermelho...?
— Vamos colocar dessa maneira, Ben. Não havia absorvente na
Idade Média.
— Oh Deus...
A maioria do tempo trabalhávamos em silêncio, mas havia uma
atmosfera agradável e confortável na sala, e parecia que antes de eu
sequer piscar, houve uma batida suave na porta e o almoço estava
sendo entregue. Eu trouxe as malas para a mesa de conferência e
estiquei minhas costas. — Você quer comer aqui?
— Eu gostaria de ter um pouco de luz do sol, na verdade, antes de
começar a ficar com o transtorno afetivo sazonal por estar no escuro por
tanto tempo.
Eu ri. — Eu não acho que isso aconteça rapidamente, mas boa
ideia. O conjunto de escadas de trás leva a um pátio. Se eu não me
engano, acho que passei por ele quando estava procurando os jardins
há alguns dias.
— Vamos descobrir.
Nós achamos o pátio ensolarado facilmente e almoçamos em um
dos bancos de pedra, conversando sobre o que tínhamos lido até então
e as teorias que cada um tinha sobre quem era a garota chamada
“Philippe” embora soubéssemos que a leitura poderia resolver pelo
menos alguns desses mistérios. Foi maravilhoso conversar com alguém
que estava tão intrigado quanto eu por falar da antiga cultura francesa,
e a hora passou.
Voltamos à sala de conferências do porão e continuamos como
antes, quando me deparei com um trecho que li em voz alta para Ben:
No ano de nosso Senhor 1429, no vigésimo sétimo dia de abril
Tudo estava empoeirado, sujo e cheirando mal, os homens ainda
pior do que os animais, e me vejo ansiando por nada mais do que uma
banheira de água fumegante e um sabão de lavanda. Jehanne me pegou
murmurando para mim mesma sobre a falta de higiene no acampamento,
e embora eu quisesse morrer de vergonha por ser pega reclamando, ela
apenas riu e disse-me para segui-la calmamente e ficar entre as
sombras.
Nós fugimos para um rio próximo, onde os cavalos tinham
apaziguado sua sede mais cedo naquele dia, e Jehanne me ensinou como
esfregar minha pele suja com areia do chão do rio e usar as pétalas de
rosa esmagadas na beira da água para lavar meu cabelo. Era simples,
mas celestial.
Jehanne falou de sua educação camponesa e descreveu a casa de
sua infância e o belo jardim do pai. Foi lá, ela disse, que ouviu pela
primeira vez uma voz de Deus aos treze anos de idade. Perguntei-lhe se
ela estava com medo, pois se uma voz saísse das nuvens e falasse
comigo, eu diria que teria morrido de medo. Ela riu e me disse que estava
com tanto medo, que correu para a casa e não saiu por dias.
— Então, como você fez para aliviar o seu medo? — Eu perguntei.
Ela sorriu tão serenamente, sua mão rodopiando pela água
enquanto dizia: — Eu aprendi que minha alma se alegra quando ouço a
sabedoria de Deus, por mais difícil que seja. — Ela fez uma pausa então,
e eu esperei enquanto ela parecia organizar seus pensamentos. — Um
homem sábio e devoto certa vez aconselhou: 'viva ferozmente e sem
arrependimento'. Ele não transmitiu a sabedoria para mim pessoalmente,
e ainda assim me vejo repetindo o sentimento em minha própria
cabeça. E é minha convicção que seguir o caminho diante de mim é viver
de tal maneira.
Enquanto a observava, as palavras ecoaram em minha própria
cabeça: viva ferozmente e sem arrependimento. Eu devo admitir, meu
coração bateu com desejo de sentir uma liberdade tão alegre como ela
descreveu. Pois eu não experimentei nada do tipo. Eu conheci apenas
armadilhas e regras, e segui os caminhos que outros colocaram diante de
mim, nunca questionando meu próprio chamado no mundo.
— O que você quer da vida? — Jehanne perguntou.
A questão me confundiu, pois nunca me perguntaram sobre meus
próprios desejos. De fato, nunca me atrevi a ponderar tal coisa. — Eu não
sei, — eu respondi honestamente. — Deus não me fala de sua missão
para mim. Só meu pai faz isso e com grande autoridade, — acrescentei,
incapaz de disfarçar o descontentamento em minha voz. — Deus não fala
comigo, — eu disse, observando a minha mão fazendo movimentos na
água fria do riacho.
Mas Jehanne apenas sorriu. — Deus fala com todos de alguma
forma, se você souber ouvir. — Prometi pensar nisso mais tarde, pois
confesso que não entendi o significado disso.
Nossa conversa se voltou para assuntos mais leves, e falamos dos
homens do acampamento que são os pagãos mais insuportáveis,
particularmente o capitão Olivier Durand, que é o maior idiota, e acho que
nunca ri tanto, nem meu coração estava tão grato pela leviandade. E
embora eu esteja quase com medo de dizer isso, acho que em Jehanne eu
não tenho apenas um soldado para servir, não apenas Deus escolheu
seguir, mas uma irmã para chamar de amiga.
— Ela definitivamente viveu uma vida mimada anterior a isso, —
disse Ben. — Talvez Charles, o sétimo, quisesse proteger a virtude de
Jehanne por ter outra garota na tenda? Talvez a principal prioridade
deles fosse ter essa garota relatando sobre Jehanne? Essa parte não é
totalmente clara.
Eu assenti. A testa de Ben franziu em pensamento por um
momento. — Por que você acha que a garota posando como Philippe foi
instruída a se vestir como um garoto, embora o exército francês
soubesse que Joana d'Arc era uma garota?
— Provavelmente por sua segurança mais do que qualquer
coisa. Joana d'Arc foi designada como guarda-costas por Charles, mas
essa jovem não era. Uma mulher viajando com um exército na Idade
Média teria enfrentado o perigo tanto dos soldados que a cercavam
quanto do inimigo. Joana d'Arc relatou que os santos disseram-lhe para
se vestir de menino para se proteger da possibilidade de estupro
enquanto cumpria a missão de Deus.
— Sim, me lembro de ler isso. Havia vários homens designados
para Joana d'Arc em vários papéis. Teria feito mais sentido que o macho
- Ben levanta as mãos e faz aspas no ar - designado para ser o mais
próximo dela era um adolescente modesto, provavelmente fraco. Pelo
menos no que diz respeito à aparência de propriedade.
— Sim, exatamente. O que está claro é que essa garota foi
instruída a cumprir esse dever, mas parece ter dúvidas e dúvidas como
qualquer um faria. — Sorri. — Ela e Joan tinham uma missão, embora
essa garota não estivesse exatamente na mesma liga.
— E espero que as coisas sejam melhores para ela do que para
Joan. — Ben fez uma careta.
— Eu também espero. — Fiz uma pausa enquanto considerava o
documento do que estávamos traduzindo. — Sem esses escritos, a
história nunca saberia sobre essa garota. É fascinante, Ben.
— É realmente.
Nós trabalhamos por mais um pouco, e quando me inclinei para
trás na minha cadeira para esticar minhas costas, Ben olhou para
cima. — São quase seis e estou morrendo de fome. O Dr. Moreau já saiu
e me deu o código do cofre. O que você acha de recolhermos tudo pra ir
embora?
Eu estava com fome também, e felizmente estava em um ponto de
parada oportuno. — Ok, parece bom. — Entreguei a Ben
a escrita coberta de plástico em que estava trabalhando, e depois de
reunir seu próprio trabalho, ele me disse que voltaria logo. Enquanto ele
estava trancando os escritos, eu arrumei a sala de conferências,
levando nossas xícaras para a estação de café e colocando as cadeiras
para dentro.
Ben e eu subimos as escadas juntos, entrando no corredor dos
fundos e entrando no saguão. Paramos, conversando e rindo sobre
algumas das coisas que precisávamos esclarecer do outro, para saber,
que eu havia confundido um tipo de arma com um pente. Ben pegou
minha mão, me imitando escovando meu cabelo e depois tremendo
como a arma. Eu ri e ele soltou, seus olhos parecendo demorar em
alguém atrás de mim. Quando me virei, vi Callen andando em nossa
direção, um olhar confuso no rosto.
— Oi, — eu disse, meu coração pulando.
— Ah, oi. — Ele passou a mão pelo cabelo, olhando para Ben.
— Oh, desculpe, hum, Ben, este é Callen Hayes, um velho amigo
meu. Callen, este é Ben Roche, meu colega de trabalho.
Os dois assentiram um para o outro e houve uma pausa
desajeitada. Ben o cumprimentou. — Bem, prazer em conhecê-
lo. Jessica, até amanhã.
— Ok, até amanhã. — Ben se virou e foi em direção ao elevador e
Callen colocou as mãos nos bolsos, parecendo meio inseguro.
— Eu achei mesmo que você estava saindo do trabalho agora e
poderia querer jantar, — disse ele, e meu coração acelerou com a
vulnerabilidade incomum em sua postura e expressão. Então,
novamente, como eu realmente sabia se era incomum? Foi estranho. De
certa forma, senti que o conhecia com base nas entrevistas recentes que
assisti e em artigos de revistas que havia lido. Mas percebi que não era
verdade ou se era, então o mundo inteiro também o conhecia.
— O jantar parece perfeito.
Ele sorriu. — Ótimo. Você se importa se meu amigo Nick se juntar
a nós? Eu o arrastei comigo nessas férias e ele se enfiou em seu quarto
trabalhando. Preciso ter certeza de que ele coma de vez em quando. Fiz
reservas na sala de jantar.
Eu corri uma mão conscientemente sobre o meu cabelo. Eu
queria me refrescar, mas também estava com fome, e me sentar com
um copo de vinho parecia celestial. Eu decidi colocar o meu melhor
sorriso e espero apenas parecer um pouco murcho. — Parece
bom. Adoraria conhecer seu amigo. — Nós caminhamos em direção à
sala de jantar. — Então, o que você fez hoje?
— Não muito, na verdade. Fui para a cidade e dei uma volta, olhei
algumas lojas. — Olhei para ele e ele franzia o cenho. — Não é tão
divertido sem mim, hein?
Ele riu. — Não. Nem perto.
Nós fomos ao restaurante do Château, já cheio de convidados, os
deliciosos aromas da rica culinária francesa flutuando no ar e os sons
suaves da música clássica, cobertos pela tagarelice e pelo riso das
pessoas jantando. Um homem sentado perto da janela acenou. — Nick,
— Callen disse, pegando meu braço e me levando em direção a ele.
Nick ficou de pé quando chegamos, sorrindo e estendendo a mão
para mim. — Jessica, prazer em conhecê-la. Eu sou Nick, o único amigo
de Callen. — Ele tinha cabelos castanhos claros e brilhantes olhos
verdes que pareciam brilhar por trás dos óculos. Ele era quase tão alto
quanto Callen, mas muito menos forte, beirando o magro. Ele era fofo e
seu sorriso era caloroso e sincero.
Eu sorri, olhando para Callen, que tinha uma sobrancelha
levantada. — É verdade. Não posso negar, — ele disse, me apontando
para um assento e tomando o próximo ao meu.
— É muito bom conhecer você, Nick.
— Callen me disse que você está aqui a negócios e vocês dois se
conheceram brevemente como crianças e ainda mais brevemente
como... — Ele ergueu as sobrancelhas.
Eu estreitei meus olhos, não fornecendo a descrição que ele
estava claramente pedindo. Duas pessoas que se beijaram em um
bar? Estranhos que se apalparam em um pátio no telhado? Não, eu
queria ouvir a versão dele. Claramente Callen havia lhe dito alguma
coisa. —... Garçonete e cliente, — ele finalmente terminou.
Eu ri e Nick também. Eu gostei dele. — Bom. Exato o suficiente.
— Sorrindo, olhei para Callen, pensando no que Frankie havia dito. —
Sim, o destino parece querer nos jogar juntos de novo e de novo.
— O que deve está destinado a estar junto sempre vai encontrar
um caminho, — Nick ofereceu.
— Profundo. Não é uma música country? — Callen perguntou
sarcasticamente, pegando o cardápio.
Nick riu. — Provavelmente. — Ele olhou o cardápio de Callen e
pegou o seu próprio enquanto tomava um gole da água na minha frente.
— Oh, ah, o especial parece bom, — disse Nick. — Se você está
com vontade de carne podemos combinar com um vinho.
— Parece perfeito, — disse Callen, definindo seu prato. Um
momento depois, o garçom veio até o nossa mesa e pegou nosso pedido.
— Então, Jessica, que tipo de trabalho você está fazendo aqui?
Expliquei um pouco sobre os escritos que haviam sido
descobertos e a conexão com Joana d'Arc, e depois contei a ele sobre o
meu papel como parte da equipe que os estudava.
— Uau, ser fluente o suficiente em francês para traduzir
documentos tão importantes é realmente impressionante, para não
mencionar que você deve ser mestre nisso para fazer o trabalho que
você faz.
Eu sorri, reconhecendo o elogio. — Eu não sei se sou mestre, mas
sempre fui boa com idiomas. Eu frequentei uma escola francesa desde
pequena então estou estudando há muito tempo.
— Jessie costumava traduzir seus livros franceses para mim
quando éramos crianças. — Callen sorriu. Lembrei-me disso, da
maneira como ele ouvira tão extasiado, do jeito que ele parecia
hipnotizado pelas histórias. Eu adorava ver sua satisfação e se deleitava
com a proximidade que havíamos compartilhado juntos naquele vagão,
nosso próprio mundo secreto. A memória fez com que a ternura
cintilasse no meu peito.
O garçom apareceu com o nosso vinho, me puxando de volta para
o presente, e então ele pegou o nosso pedido de jantar, eu fui de peixe
branco, Nick um prato de frango, e Callen a carne especial. — Com
licença, — disse Nick, olhando para o telefone quando uma mensagem
de texto veio, fazendo um som suave. Ele começou a digitar algo em
resposta, e eu tomei um gole do meu vinho, suspirando enquanto
colocava na mesa. Isso era bom, e eu não precisava pensar muito. O
que eu teria feito se Callen não estivesse aqui? Estaria comendo
sozinha, provavelmente no meu quarto, e isso teria sido bom, mas isto
aqui era melhor. As pessoas tinham férias o tempo todo e depois
voltavam para suas vidas normais. Não que eu fosse ter um caso com
Callen, em si, ou melhor, poderíamos nos beijar, mas não iria mais
longe do que isso... Provavelmente... Eu quero dizer, definitivamente...
— Você está bem? — Callen perguntou suavemente, batendo meu
ombro com o dele. Percebi que estava olhando para longe, um
nervosismo excitado percorrendo meu corpo, minha mente fugindo com
ela mesma. Cruzei minhas pernas, uma surpresa surpreendente de
prazer me deixando muito consciente do que eu estava pensando em
Callen fazer comigo.
Bebi um longo gole de vinho, tomando um momento para voltar
ao presente e sorri. — Sim. Apenas pensando sobre hoje. Foi intenso.
— Intenso de um jeito bom?
— Sim. Há tanta coisa para fazer, e todos nós estamos tentando
fazer o trabalho antes que o projeto saia daqui.
Ele assentiu. — O cara com você lá embaixo, ele é um tradutor,
também? — Ele tomou um gole de vinho e pareceu apenas ligeiramente
interessado, mas sua mandíbula enrijeceu uma vez, e eu me perguntei
se ele poderia estar um pouco... Ciumento? Certamente eu estava
imaginando coisas. Claro que estava. Por que no mundo Callen Hayes ia
ficar com ciúmes de qualquer outro homem na Terra?
— Ben? Sim. Ele é o outro assistente trabalhando sob o tradutor
chefe, Dr. Moreau. Sua especialidade é o armamento medieval francês.
— Parece inteligente. — Sua voz estava cortada, e Nick olhou para
cima de seu telefone, o colocando de volta na mesa.
— Ele é... Sim. Ele é muito esperto. Tenho sorte de estar
trabalhando com ele. Toda a equipe é impressionante.
— Incluindo você, — Callen disse, sorrindo para mim.
Eu ri baixinho. — Bem, espero poder contribuir.
— Não tenho dúvidas.
Nossa comida chegou e falamos sobre a empresa de Nick e como
ele e Callen se conheceram. Eu estava apenas vagamente surpresa que
Callen tivesse sido um adolescente problemático. Mesmo quando o
conheci, pude ver a escuridão interior. O desespero interessante como
Nick e Callen minimizaram esse aspecto ao contar sua
história. Preencher algumas lacunas da vida de Callen me deixou
encantada, e eu ouvi tudo com atenção, aprendendo sobre a reunião
inicial e sobre os poucos anos de perrengue antes que qualquer um
deles tivesse alcançado algum sucesso. Callen era tenaz, um lutador,
impulsionado. E tenho certeza que isso contribuiu para o seu incrível
sucesso.
Callen conversou e até riu, mas algo parecia estar pesando, uma
espécie de mau humor subjacente que eu tinha visto nele anos atrás
também. Essa sensação que eu sempre senti quando sabia que algo
estava errado, mas ele não estava compartilhando comigo. Agora eu
queria perguntar o que trazia aquele olhar perturbado às vezes, ou o
que demonstrava aquela expressão vulnerável em seus olhos, a que eu
tinha certeza que ele achava que ninguém notava. E talvez ninguém
tenha notado. Bem, ninguém além de mim. E também pensei em Nick.
À luz da sala de jantar, notei também que Callen tinha manchas
escuras sob os olhos, como se não tivesse dormido bem.
Assim que a refeição terminou e a mesa se esvaziou, Nick olhou
para o telefone novamente. — Sinto muito. Eu tenho que ir. Um cliente
nos Estados Unidos está tendo um colapso no site.
— Isso não parece bom, — disse Callen.
— Não. Quer que o garçom ponha a conta do jantar no meu
quarto? — Callen acenou com a mão. — Sim. Entendi.
Nós nos despedimos e Nick saiu, tão focado em seu telefone que
ele quase tombou com um garçom carregando uma bandeja de
comida. Eu estremeci com o quase acidente e então sorri para Callen. —
Eu deveria ir também. Estou exausta e tenho que levantar cedo.
Callen afastou um pouco de cabelo do meu rosto, aquele olhar
perturbado no rosto dele. — Você tem?
Eu sufoquei um bocejo. — Sim. Eu tenho. Nós poderíamos jantar
amanhã à noite?
— Isso parece tão longe.
— Eu sei. Eu sinto muito. Este trabalho é apenas...
— Intenso, — ele forneceu, dando um pequeno sorriso. Eu soltei
uma risada curta. — Sim.
Uma carranca cintilou em seu rosto, e então ele sorriu
novamente. — Eu realmente estou orgulhoso de você, Jessie... De tudo
o que você se tornou. Você é exatamente quem eu pensei que você seria.
Eu sorri. — Obrigada. E você, estou muito orgulhosa de você
também. Seu sucesso é muito merecido.
Ele balançou a cabeça, uma careta patinando sobre suas feições,
como se o que eu dissesse o tivesse envergonhado de alguma
forma. Isso me confundiu. Certamente ele não podia duvidar de seu
próprio talento? — Obrigado, Jessie. — Ele passou a mão pelo cabelo,
olhando para a distância atrás de mim por um momento e depois
sorrindo quando olhou para trás. Mas não encontrou seus olhos. O
garçom apareceu com a conta e Callen assinou, olhando para mim. —
Eu vou te levar até o elevador.
— OK. Você não vai subir? Você parece cansado também.
— Sim, eu nunca durmo bem em novos lugares. Vou aproveitar o
piano no salão de baile. Eu deveria estar aqui escrevendo uma
composição que está atrasada.
— Oh, eu não sabia. Bem, então, não vou me sentir mal por você.
Nós dois nos levantamos, caminhando para frente da sala de
jantar. Ele pegou minha mão e fomos até o elevador e paramos na
frente dele. O saguão estava quase deserto, mas eu podia ouvir as vozes
dos clientes no corredor, indo até onde estávamos. — Você vai
me mandar um texto...
Callen me puxou para uma pequena alcova, cortando minhas
palavras enquanto eu ria, mas depois isso também morreu quando sua
boca bateu na minha, sua língua pressionando entre os meus lábios
enquanto eu soltava um gemido ofegante. Ele respondeu com um
gemido quase dolorido e se apertou contra mim. Meus braços vieram ao
redor dele, enroscando em seu cabelo quando a excitação disparou em
minhas veias, rápida e quente. Imediato. Eu nunca senti esse tipo de
excitação sexual repentina e queria mais. Oh Deus, eu queria envolver
minhas pernas em torno de seus quadris, para pressioná-lo e sentir sua
pele na minha. Eu o queria.
Quase tão rápido quanto começou o beijo, ele terminou,
recuando, seu peito subindo e descendo rapidamente, seus lábios
entreabertos e molhados pelo nosso beijo, e sua expressão...
Angustiada, ou talvez desesperada. — Boa noite, Jessie.
— Boa noite, — eu murmurei, o observando se afastar e me
sentindo confusa, desordenada. De pé contra a parede onde seu corpo
tinha pressionado contra o meu apenas alguns momentos antes, não
tinha certeza do que fazer. Pensei sobre o jeito que ele parecia quando
nós estávamos nas ruínas da igreja no dia anterior e ele estava
cantarolando suavemente para si mesmo: pacífico, feliz. E imaginei a
maneira como ele olhara momentos antes: aborrecido,
perturbado. Como meu príncipe quebrado. De repente não estava com
muito sono. Eu tinha a sensação de que Callen precisava de
mim. Talvez sua necessidade não fosse simplesmente física, mas ele não
sabia como pedir mais do que isso.
Então não pediu nada.
Capítulo Onze
CALLEN

Eu fui um idiota. O que diabos estava errado


comigo? Idiota. Idiota. Idiota.
Eu me inclinei para frente e descansei minha testa no topo do
piano, onde eu estava sentado no salão de baile vazio. Abrindo os olhos
e inclinando a cabeça, levantei um dedo e toquei a melodia de Heart
and Soul13, rindo como um som abafado que se transformou em um
gemido.
Eu queria tanto uma bebida. Mas uma bebida se transformaria
em duas e duas se transformariam em seis e eu acabaria na cama com
uma mulher qualquer cujo nome eu nunca me lembraria daqui a dois
dias, mesmo que minha vida dependesse disso. E, porra, o verdadeiro
problema era que nada disso parecia tão ruim agora. Eu estava tão
cansado. Sem os efeitos entorpecentes do álcool e o alívio do sexo, eu
mal dormi nas últimas noites. O esquecimento me chamou, e eu queria
responder a esse chamado, estava desesperado para fechar as palavras
que soavam no meu crânio.
Inútil. Meio estúpido. Decepcionante.
Meu dedo bateu em uma escala natural menor, a mais triste e
deprimente de todas as escalas. Isso se encaixa no meu humor. Inferno,
cabe a minha maldita vida no momento. Exceto por Jessie. Mas ela era
apenas temporária e muito ocupada para me satisfazer só porque
queria passar cada segundo acordado com ela. Mas aprendi há muito
tempo que tanto quanto eu odiava o papo inventado com amigos noite
após noite, eu odiava mais o silêncio da minha própria
companhia. Muito tempo na minha cabeça. Muito tempo sozinho.
Porque eu estava sozinho.

13 https://www.youtube.com/watch?v=Y8CSjDC18b0
Eu passei o dia em um estado de antecipação impaciente. As
horas pareciam passar devagar enquanto eu esperava Jessie terminar o
trabalho. Eu até mesmo lamentavelmente me posicionei em uma área de
estar com vista para o saguão, então eu a veria assim que ela subisse.
Eu tinha ouvido as vozes de Jessie e de seu colega de trabalho
quando eles se aproximaram, animados e cheios de emoção. Por um
momento eu permaneci onde estava quando pararam e discutiram as
coisas, eu não seria capaz de alcançá-los com uma escada de três
metros. Jessie falou em francês uma ou duas vezes, e o colega de
trabalho havia entendido facilmente a língua, suas palavras de um lado
para o outro, não apenas em um tópico que eu não entenderia
completamente, mas em uma língua que nunca entenderia.
O colega de trabalho em questão parecia um jovem professor, um
tipo de Clark Kent, e obviamente um gênio, provavelmente perfeito para
Jessie. Pelo ciúme que eu senti quando o vi tocar a mão dela, você teria
pensado que eu os peguei um com o outro, nus. Foi imediato e
esmagador, e me assustou pra caralho.
Então escutei quando Jessie e Nick conversaram sobre suas
carreiras. Ambos estavam tão cheios de entusiasmo e paixão pelo que
estavam construindo, e embora eu me sentisse orgulhoso de ambos,
também senti uma pontada de vergonha. Porque, embora ambos
estivessem com fome de sucesso, sabia no íntimo que nenhum deles
sacrificaria sua integridade como eu. Sua grande oportunidade viria do
talento bruto e de uma forte ética de trabalho, eles mereceriam cada
grama de sucesso que surgisse em seu caminho. Não como eu. E
sentado ali, eu me sentia como um estranho de muitas maneiras,
alguém que nem sequer era digno da companhia deles.
E, apesar da insegurança, o jantar fora curto demais e eu queria
mais tempo com Jessie e...
— Como eles chamam essa peça?
Meu dedo parou imediatamente quando me virei para ver Jessie
de pé atrás de mim. Eu nem sequer a ouvi entrar no salão.
Ela se aproximou de mim. — Porque com certeza é deprimente.
Eu soltei uma risada, virando totalmente no banco. — Pensei que
você tivesse ido dormir. — Minhas palavras saíram rapidamente, e até
eu ouvi o fraco toque de desespero no meu tom.
Ela usou o dedo para indicar que eu deveria chegar para o lado,
então eu fiz. Ela se sentou ao meu lado e bateu meu joelho levemente
com o dela. — Eu decidi que não estava tão cansada quanto pensava. E
o trabalho que vou fazer pode esperar. Na verdade, provavelmente é
melhor se eu descansar um pouco o meu cérebro. A tradução exige
muito foco. Eu estava esperando que você ainda estivesse disponível.
— Então, o que você está dizendo é que algo estúpido parece
atraente. Eu posso conseguir isso para você. É o que eu faço melhor. —
Eu estava tentando fazer uma piada, mas estava muito perto da
verdade para o meu próprio conforto e as palavras sumiram, minha
boca se transformou em uma careta antes mesmo que eu percebesse.
A cabeça de Jessie estava virada para mim e ela estava me
observando de perto, então eu forcei um sorriso. Ela não devolveu. Ela
parecia ver algo sobre mim que eu não pretendia mostrar a ela. Não era
sempre assim? Então. Agora. — Eu acho que você se deprecia demais,
Callen Hayes, — ela disse muito suavemente, muito sério.
Suspirei, passando a mão pelo meu cabelo. — Ah, você sempre
pensou muito de mim, Jessie.
— Eu acho que não. — Ela parou por um momento. — No
entanto, se por negligência, você está se referindo a alguns reality
shows ruins? Bem, eu poderia dizer que sim.
Eu olhei para ela. — Você quer assistir TV comigo?
— Claro.
Essa seria a primeira vez. Eu acho que nunca assisti TV com uma
mulher. Não que eu não tenha assistido a mim mesmo, mas em algum
lugar privado com Jessie? Isso me dava uma brecha. — Meu quarto ou
o seu?
— Eu adoraria ver como os grandes apostadores vivem.
Eu ri. — O que? Eles têm você em um canto do porão junto com o
seu espaço de trabalho empoeirado?
Ela sorriu e meu coração virou. Deus, ela era a coisa mais linda
que eu já vi. Mesmo depois de passar o dia no referido espaço de
trabalho empoeirado, ela parecia linda, se não apenas um
pouco desgrenhada, seu cabelo se soltando e seu delineador manchado
sob os olhos. O efeito só a deixou mais linda, no entanto, fez com que
ela parecesse que estava rolando na cama. Meu sangue aqueceu com o
pensamento e me forcei a respirar fundo. Jessie estava sugerindo que
assistíssemos à TV e nada mais. — Não, eles não me deixam dormir no
porão, mas bem perto. Meu quarto é bom - só um pouco pequeno.
— Ah. Então, permita-me acompanhá-la ao meu castelo na
colina. — Fiquei de pé, oferecendo a minha mão, e ela a agarrou, em pé
também e me fazendo uma reverência.
— Meu príncipe voltou para mim finalmente.
Seu olhar de diversão e o brilho nos seus olhos me fizeram sorrir,
mas algo sobre suas palavras também me fizeram ficar alerta. Eu não
era o príncipe de ninguém. Mas Jessie não estava pedindo por isso, não
realmente, então empurrei meus medos de lado, peguei seu braço e a
escoltei para o elevador e depois pelo corredor até as portas duplas que
levavam à minha suíte.
As portas se abriram para uma luxuosa sala de estar com lareira,
e Jessie assobiou baixinho, me fazendo rir. — Agora, isso é viver, —
disse ela.
— Quer um tour pela suíte?
— Claro.
Abri a porta do quarto, vendo que o serviço de limpeza havia
arrumado a cama e deixado duas balas de chocolate no
travesseiro. Jessie entrou, passando o dedo pelo guarda-roupa de
mogno e depois tocando no tecido dourado estampado no canto da
cama de dossel, algo pesado e sedoso que só agora eu estava realmente
percebendo. Ela tirou os sapatos e balançou os dedos no tapete grosso,
olhando por cima do ombro para mim e sorrindo. Meu coração fez
aquela coisa estranha novamente que parecia acontecer toda vez que
seus olhos se iluminavam de alegria. E ela não tinha ideia. Ela não
tinha ideia de como era bonita e como aqueles sorrisos levantaram meu
coração.
Eu segui atrás dela quando ela entrou no banheiro, e eu ouvi a
sua ingestão de ar antes de eu virar da porta. — Oh meu Deus, como
você consegue sair do seu quarto com uma banheira como essa?
Eu olhei para a enorme banheira de hidromassagem, cercada por
azulejos de mármore. Parecia atraente agora que Jessie estava em pé ao
lado dela e eu estava imaginando ela nua com bolhas mal cobrindo seus
mamilos rosados. Ou eles seriam marrons? Ela era uma morena com
olhos cor de avelã, mas aquela pele cremosa e as sardas me deixavam
confuso. De repente, era uma pergunta que parecia tão importante
quanto qualquer um dos grandes mistérios do mundo. — Banheiras
não são divertidas sozinhas.
Jessie zombou. — Um banho de espuma, um bom livro e um copo
de vinho? Parece a sexta-feira perfeita.
— Oh, Jessie. — Eu suspirei. — Eu tenho muito a lhe ensinar.
Ela riu, tão verdadeiramente que iluminou seu rosto e me causou
um sorriso de resposta por conta própria. — Eu aposto. Venha, me
mostre onde é a TV.
A TV estava no quarto, escondida em um baú de aparência
vintage na base da cama, e eu usei o controle remoto para elevá-lo ao
nível de visualização.
Não havia outro lugar para sentar além da cama, e me perguntei
se Jessie decidiria que isso não era uma boa ideia. Surpreendendo-me,
ela se virou e perguntou: — Qual lado é seu?
— Uh, o direito, eu acho.
Ela assentiu e deu a volta na cama, afofando os travesseiros à
esquerda, tirando o blazer e jogando na cadeira perto da janela. Eu
definitivamente gostei de vê-la sentada contra os travesseiros na minha
cama. Tirei meus sapatos e sentei do outro lado, ligando a
TV. Entreguei o controle remoto a Jessie, não me importando com o que
nós assistiríamos, e ela passou os canais, finalmente parando em um
show que parecia uma versão francesa de The Housewivesof Beverly
Hills. — Tem legendas em inglês, — disse ela. — Está tudo bem?
— Sim, o que você quiser assistir está bom para mim.
— Isso não é chato para você, é? — Ela perguntou, mordendo o
lábio.
— De modo nenhum.
Ela sorriu e nos acomodamos, Jessie se aproximou de mim,
nossas pernas quase se tocando. Tentei entrar em sintonia com o que
os personagens estavam fazendo na tela, mas estava tão consciente
dela. Estava tendo dificuldade em me concentrar em outra coisa senão
o calor de seu corpo ao lado do meu, seu riso suave e o jeito que
ela cheirava, um perfume delicado que era uma espécie de limão, o
mesmo perfume que me cativou no telhado de Paris.
Eu não sabia se eu havia me movido inconscientemente para
perto dela ou se ela se aproximara de mim, talvez as duas coisas,
mas nossos braços foram repentinamente pressionados, e me pareceu
que todo o calor do meu corpo tinha viajado para o pedaço de pele que
agora estava tocando Jessie. Isso me lembrava a maneira como
tínhamos nos encontrado juntos naquele vagão de trem, ombro a
ombro, quadril a quadril, enquanto a doce voz de Jessie me levava com
ela para terras estrangeiras, a bordo de embarcações marítimas e para
ilhas desertas. Sim, isso me lembrou de antes, mas o agora também era
novo e diferente. A eletricidade que circulava entre nós não era produto
da infância, mas do homem e da mulher que nos tornamos.
Eu me virei para ela, e ela se moveu até que estava de frente para
mim também, e por um momento nós apenas nos encaramos. Ela
parecia um pouco nervosa quando piscou e puxou o lábio inferior entre
os dentes. Pureza. Isso é o que estava em sua expressão. Então, ao
contrário dos olhares de luxúria calculada, eu a conhecia. — Isso me
lembra de quando éramos crianças, — ela disse suavemente, e me
surpreendeu que ela estivesse pensando a mesma coisa que eu um
momento antes.
— Eu não estou me sentindo criança, Jessie, — eu disse, minha
voz rouca com o desejo que sentia por ela, meu cérebro estava nublado
enquanto meu sangue tinha descido para as partes baixas e parecia se
reunir e bombear pesadamente entre as minhas pernas. Seus olhos se
arregalaram um pouco e depois se moveram para a minha boca e
lentamente de volta para os meus olhos.
— Oh, — ela sussurrou. Eu não tinha certeza de quem se moveu
primeiro, mas nossos lábios se tocaram de repente, seus dedos se
entrelaçaram no meu cabelo, e eu gemi quando ela tomou iniciativa,
embora devagar, hesitante, sua língua se movendo ao longo da costura
dos meus lábios. Eu abri e nossas línguas se encontraram, a doçura
suave dela fazendo meu sangue pulsar com força nas minhas veias. Eu
inclinei minha cabeça e nosso beijo foi mais profundo, Jessie
suspirando em minha boca quando ela envolveu sua perna sobre a
minha coxa. Oh Deus. O movimento aproximou nossas pélvis, minha
ereção pressionada firmemente contra ela. Por um momento,
simplesmente continuei a beijá-la, tentando não me mover, tentando
encontrar o controle que parecia ter me abandonado.
Jessie gostava de beijar. Ela gostava de explorar devagar, parecia
mais sincera do que sedutora, aparentemente pelo prazer de beijar
sozinha, sem pensar em onde isso poderia estar indo. Algo sobre isso
era excitante. Eu estava completamente perdido nela. Perdido neste
beijo, em seu toque. Eu me senti como um adolescente excitado
experimentando sexo pela primeira vez, quando o oposto era
verdadeiro. Eu era um homem que tinha feito tudo o que havia para
fazer, dez vezes. Então, por que isso parece diferente?
Como se Jessie estivesse esperando por mim para se mover e se
recusasse a esperar mais, ela soltou um gemido frustrado e esfregou
seus quadris contra os meus. Ela inclinou seu corpo para que minha
dureza se encaixasse entre suas pernas, movendo a perna para baixo e
para cima lentamente, então deslizei contra essa parte sensível dela. A
fricção era uma tortura feliz que direcionava meus quadris a se
moverem e a empurrar embora eu me contivesse, tremendo com o
esforço. Jessie se afastou da minha boca, soltando um suspiro ofegante,
e inclinou a cabeça para trás em um gemido, se esfregando contra mim
e fazendo com que minha própria excitação subisse a cerca de cem
níveis. — Callen, — ela gemeu, e eu quase gozei em minhas calças.
Eu respirei contra seu pescoço, sentindo seu cheiro no meu
corpo, segurando uma gargalhada de surpresa pela minha própria
resposta. Talvez fosse assim que o sexo sóbrio era. Passou-se muito
tempo? Embora nós realmente não estivéssemos nem perto de fazer
sexo. Nós nem sequer removemos uma única peça de roupa.
Porra, eu a quero. Eu queria tirar a roupa dela e me arrastar por
baixo dessas cobertas. Eu queria resolver o mistério dos tons de cor nas
partes mais íntimas de seu corpo. Eu queria transar com ela em todas
as posições que eu conhecia e depois inventar mais algumas. Eu queria
ver meu pau enquanto ele mergulhava entre suas pernas, saindo
escorregadio e molhado com a prova de sua excitação. A visão rodou
através do meu cérebro enevoado de luxúria, e eu não pude conter o
gemido que parecia pulsar da minha virilha até a minha garganta e sair
de entre os meus lábios, um som torturado de necessidade
desesperada.
As mãos de Jessie deslizaram mais para o meu couro cabeludo e
seus olhos encontraram os meus. Sua expressão era uma mistura de
drogada e chocada, e ela parecia incerta sobre o que fazer a seguir. Uma
lança de ternura veio através de mim. Eu pensei que ela fosse
inexperiente, e estava ainda mais certo agora. Eu beijei o lado da boca
dela. — Você é virgem, Jessie? — Eu perguntei em um sussurro tenso.
Ela se acalmou em meus braços, piscando, o deslizamento de sua
pelve contra a minha parando lentamente. — Eu... É isso...? Você tem
como saber? — Ela parecia envergonhada, e apesar de alguma parte
ilógica e primitiva de mim se alegrar, eu me sentia frustrado. Mesmo
que Jessie quisesse, ela merecia mais do que ter sua virgindade tomada
por um homem que sairia de sua vida em menos de duas semanas. Ela
merecia o príncipe que sempre sonhara.
Suspirei, usando cada grama de força de vontade para controlar
meu corpo. Eu a beijei suavemente e alisei de volta uma mecha de
cabelo. — Não é uma coisa ruim. Eu só não quero perder o controle. —
Mentira. Eu quero desesperadamente perder o controle em seu corpo. —
E você faz isso comigo muito fácil.
Seus olhos expressivos se moveram sobre o meu rosto, e tudo o
que ela viu lá a fez sorrir. Eu me inclinei para frente e beijei as sardas
que mal podia ver na iluminação fraca do quarto, e ela riu, agarrando
minhas bochechas e trazendo seus lábios aos meus, rolando em cima
de mim. Eu sorri contra sua boca e permiti que o beijo fosse mais
profundo por um momento antes de me afastar. O peso suave dela
sobre mim, junto com seu gosto na minha língua, faria com que
qualquer semelhança de autodisciplina girasse quando eu a pegasse de
volta. Eu gemi, a rolando de costas e olhando para o rosto dela. — Por
que você não esteve com ninguém?
Seu olhar se afastou do meu momentaneamente. — Eu...
Quero dizer, eu namorei. Eu nunca deixei as coisas irem tão
longe. Acho que meus estudos eram minha prioridade, a faculdade e
depois a mudança para Paris e... — Ela encolheu os ombros, o menor
movimento de um ombro. — Eu não encontrei ninguém que... Me
tentou a ir tão longe.
Eu olhei para ela por um momento, um estranho tremular dentro
de mim. Alguma parte idiota de mim queria ser aquele homem, desejava
que eu pudesse ser, mas eu não era, e seria errado fingir que eu
era. Ela era Jessie, Princesa Jessie, pura, doce e boa. Mesmo se o
homem que eu me tornei não tivesse um osso valente em seu corpo, o
garoto que ela conheceu uma vez tinha, e eu precisava dessa pequena
partícula de mim para assumir a liderança. Eu balancei a cabeça,
rolando para longe e me levantando rapidamente. — Você quer um
pouco de água?
Seus olhos se moveram para a minha calça claramente parecendo
uma tenda, em seguida, rapidamente de volta para o meu rosto. — Uh,
não, eu estou bem, — disse ela. Entrei no banheiro e demorei alguns
minutos na pia, tomando um copo de água e desejando que meu corpo
esfriasse. Ouvi Jessie andando pela sala, talvez se preparando para
sair. Pensamentos da longa e solitária noite à minha frente, de saber
que ia acordar e passar o dia esperando por ela novamente, me
agrediram. Eu estava tão cansado, mas incapaz de dormir... Eu me
olhei no espelho, meu cabelo despenteado, meus lábios avermelhados
de beijos. Eu não ia fazer sexo com Jessie, mas não queria que ela
fosse.
Voltando para o quarto, fiquei aliviado ao ver Jessie empoleirada
contra os travesseiros. Ela tinha soltado os cabelos e estava passando
os dedos nele tentando consertar o que nossa sessão de amasso tinha
feito. Ela olhou para mim e abafou um bocejo quando me sentei na
cama, me virando para ela. — Você vai ficar comigo essa noite? — Eu
balancei minha cabeça. — Só vamos dormir. Sei que parece mentira,
mas eu juro, não será nada mais que apenas dormir. Eu... — eu
respirei fundo. — As vezes tenho dificuldade em dormir. — Sempre na
verdade. — Quando estou sozinho. — Eu parecia patético. Porque na
verdade eu sou. — Eu entendo se você não pode...
Jessie estava me observando de perto enquanto eu divagava, e de
repente ela colocou os dedos nos meus lábios, parando minhas
palavras. Graças a Deus. — Você tem uma camiseta que eu possa
dormir? E eu preciso colocar meu celular pra despertar.
Um grande alívio inundou meu corpo. — Sim. — Eu sorri. —
Claro.
Ela assentiu, e eu peguei uma camiseta da minha mala, jogando
para ela, e enquanto ela sorria e fechei a porta do banheiro. Eu
desliguei a TV e olhei as minhas roupas, me perguntando com o que eu
deveria dormir. Pensando que eu normalmente dormia sem nada. Eu
finalmente decidi por uma cueca boxer e uma camiseta. Espero que
Jessie esteja bem com isso também.
Quando ela saiu do banheiro, ela parou na porta, puxando
a camiseta para baixo e parecendo incerta. Ela abriu a boca para dizer
alguma coisa, mas depois fechou, hesitando novamente antes de
apontar para o celular na mesa de cabeceira. — Eu vou colocar para
despertar agora, assim eu não esqueço.
— OK.
Ela assentiu enquanto nossos olhos permaneciam fixos, algo
fluindo entre nós, mas falado em uma língua que eu não conhecia. Era
como ouvir uma música francesa saindo de uma loja enquanto eu
passava. A melodia era elusiva, as palavras estrangeiras, e mesmo
quando me senti atraído, a música desapareceu antes que eu tivesse
tempo de me virar. Ela passou por mim e eu parei, me sentindo
confuso, perturbado, mas ainda incrivelmente aliviado por ela estar
aqui comigo. Eu entrei no banheiro, onde escovei os dentes e troquei de
roupa.
Ela já estava debaixo das cobertas quando eu saí, a TV e todas as
luzes estavam apagadas, exceto uma. Eu fiquei sob os lençóis e virei
meu corpo para o dela. Ela sorriu sonolenta. — Conte-me sobre a
música que você está trabalhando agora.
Um caroço se instalou no meu estômago. — Estou tendo um
pouco de dificuldade com isso na verdade. Não um pouco, muito.
— Oh, — ela sussurrou. Ela me olhou, seu olhar simpático. — Eu
acho que os compositores têm períodos de bloqueio como qualquer
outro escritor. O que você costuma fazer para superar isso?
Porra. Beber. Qualquer coisa para calar suas palavras. Eu
balancei a cabeça, sentindo nojo de mim mesmo. — Nada que tenha
ajudado recentemente.
Ela estendeu a mão e afastou uma mecha de cabelo dos meus
olhos. Parecia íntimo, estranho. Algo sobre estar na cama com Jessie
desse jeito quase me fez sentir tímido. Risível. Eu tinha feito coisas
muito mais íntimas com mulheres que nem conhecia e nunca me senti
tímido, nem uma vez. Ainda mentindo aqui na escuridão com ela,
sussurrando um para o outro, sentia um calor e... Certo, diferente, mas
bom. Porque é a Jessie. Porque ela é segura. — Como isso funciona
exatamente? O processo para escrever uma partitura?
— Geralmente eu leio o roteiro ou assisto a uma versão não
editada do filme, dependendo de onde o cineasta está no
processo. Então eu escrevo a música para encaixar a sensação do filme.
— Ah. E qual é a sensação desse filme? Que tipo de história é?
Eu parei por apenas um momento. — Uma história de redenção...
Amor. — Não que eu soubesse alguma coisa sobre essas coisas. No
entanto, eu fingi antes. Falso. Você é uma farsa.
— Hmm, — Jessie cantarolou, seus olhos procurando meu rosto
por alguns momentos. — Posso te dizer do jeito que senti a primeira vez
que ouvi a música tema que você escreveu para Un Amour Pour Tous Les
Temps14?
Eu balancei a cabeça, amando como o título francês fluía tão
facilmente de sua boca. Foi a peça que me fez ganhar notoriedade,
minha primeira grande chance. Naquela época, sua voz tinha sido um
sussurro, mas agora era um grito. Era como se, quanto mais minha
fama crescesse, mais sucesso eu atingisse, mais alto suas palavras se
tornavam, abafando a música. Por quê? Por que ele não pode me deixar
em paz? Mas agora a voz sonolenta de Jessie era um murmúrio calmo e
apenas suas palavras enchiam minha mente.
— Quando eu era pequena, eu tinha um balanço no quintal. É
onde eu ia antes de te conhecer, antes de ter idade suficiente para
brincar fora do meu próprio quintal. O balanço tinha sido pendurado
pelos proprietários anteriores num enorme pessegueiro à direita na
lateral da nossa propriedade. Quando me levantava, quase podia tocar
os galhos e pude ver as roseiras sobre a cerca no jardim da Sra.
Webber.
— Quando ouvi pela primeira vez a música que você escreveu,
isso me fez sentir do mesmo jeito quando balançava sob aquele
pessegueiro. Era como se eu tivesse ido tão alto que sentia as folhas
roçarem no meu rosto, e meu coração disparou tão rápido que meu
corpo não teve tempo de recuperar o atraso. A brisa passou por mim e

14 Um amor para todos os tempos.


jurei que podia sentir o cheiro de pêssegos e rosas de verão. Era como
se toda coisa boa e linda no mundo se juntasse de uma só vez, e você
encontrou uma maneira de expressá-la em uma única música.
Havia uma sensação de aperto no peito que estava dificultando a
respiração, e me senti cheio e vazio de uma só vez. Completo por saber
que Jessie acreditava em mim, pelo menos na minha capacidade de
escrever música. E vazio porque estava com medo, com muito medo. Eu
temia que, se tivesse feito o que ela descreveu - uma vez – foi por
acidente, ou algum tipo de sorte estranha que nunca seria capaz
de recriar.
Ela sorriu, segurando minha bochecha e passando o polegar
sobre ela. Ela parecia tão adorável com sono. — Talvez você pudesse
tentar pensar em algo bonito que você já experimentou, algo que
envolvesse todos os seus sentidos, e colocar na música. Eu sei que você
pode. — Em seus olhos eu vi a crença. Em mim. Seus olhos se agitaram
e fecharam, seus cílios longos e escuros desceram e seus lábios se
abriram quando ela adormeceu.
Jessie.
Eu sei que você pode.
Eu acho que você é a pessoa mais maravilhosa que eu já conheci.
Sim, Jessie acreditava em mim, pelo menos no meu potencial. Ela
sempre acreditou. Porque ela não sabe tudo sobre você, uma voz
zombou. Talvez... Mas ela acredita em mim agora, e esta noite ela está
aqui, dormindo na minha cama. Quente, doce e
boa. A música distante que pensei ter ouvido na beira das ruínas da
igreja, com vista para o rio Loire e Jessie no dia anterior, parecia se
aproximar. Eu agarrei um papel, dois, algo vindo em minha
mente. Apenas uma ideia vaga... Nem mesmo uma melodia completa,
mas... Alguma coisa. Imaginei aquela garotinha voando alto no ar e
depois caindo rapidamente quando a brisa passou por ela e ela riu de
alegria.
Eu sei que você pode.
Esperei um pouco, vendo Jessie dormir, observando a lenta
subida e descida de seu peito, e então saí da cama com cuidado para
não acordá-la. Eu apaguei a luz, mergulhando o quarto na escuridão
total e, na ponta dos pés, entrei na sala de estar, fechando a porta do
quarto atrás de mim.
Eu acho que você é a pessoa mais maravilhosa que eu já conheci.
A música se aproximou ainda mais, subindo dentro de mim, a
melodia tomando forma, a sensação de que estava se formando sobre
mim. Jessie estava certa sobre o que ela havia dito antes, o que mais
era música, exceto emoção? E as emoções dentro de mim agora
pareciam puras e felizes.
Peguei uma folha de papel, minhas mãos tremendo de dúvida,
esperando que a melodia se desfizesse a qualquer momento, e a música
parasse. Mas isso não aconteceu. Eu olhei para a porta do quarto,
querendo algo escrito, qualquer coisa, por favor qualquer coisa -
mas também querendo me arrastar de volta para a cama com Jessie,
sentir seu calor contra mim, respirar seu cheiro e conhecê-la.
Minha mão capturou a música que inchava dentro da minha
mente, talvez até o meu coração, embora eu nunca tivesse sido capaz de
distinguir os dois. Escrevi, amassando páginas, mas mantendo outras,
e antes que eu percebesse, a luz do sol nascente estava se esgueirando
por uma abertura na cortina, lançando a sala em tons pálidos
dourados, ficando mais brilhante do que a lâmpada na mesa.
Minha mão estava tensa e minhas costas doloridas enquanto
pisquei e olhei ao redor. Meu Deus, eu escrevi a noite toda. Meu coração
batendo rapidamente, folheava as páginas à minha frente e vi que eu
tinha todo o começo de uma composição. Folheei as páginas,
cantarolando as notas enquanto dançavam entre minhas ideias. E eu
achei que era... Decente. Engoli. Estava chegando lá. Talvez. Meu
coração batia mais rápido com medo e com alegria e com o desejo de
continuar escrevendo, escrevendo e escrevendo. Eu quase ri alto, ou
talvez realmente tenha rido, porque um momento depois a porta se
abriu e Jessie estava parada lá, parecendo desorientada, desgrenhada e
completamente linda. — O que você está fazendo? — Ela perguntou,
com sua voz rouca de sono.
— Escrevendo.
Seus olhos se moveram para a mesa e depois de volta para mim, e
ela sorriu. — Vocês artistas, — disse ela provocativamente, com carinho
enlaçando sua voz sonolenta. — Eu tenho que ir.
— Sim, tudo bem. — Eu andei até onde ela estava e peguei seu
rosto no meu, beijando seus lábios suavemente. — Obrigado por ficar.
Ela assentiu e sorriu seu doce sorriso. — Durma um pouco, ok?
— Eu vou.
Jessie puxou a calça cáqui e o blazer sobre a camiseta que havia
pegado emprestado e depois foi rapidamente para a porta da minha
suíte. — Me mande uma mensagem mais tarde, — ela falou quando
fechou a porta atrás dela.
Fui para o quarto, me deitando na cama com um sorriso. Rolando
para o lado, senti o cheiro do travesseiro que Jessie havia
dormido. Cheirava como ela, e eu peguei para mim, o apertando contra
o peito quando adormeci.
Eu sonhei, mas não os sonhos que me assombravam - não os
sonhos dele. Não os sonhos de suas palavras e seus punhos. Eu
sonhava com uma pena dançante, apenas uma penugem branca, se
movendo na brisa na minha frente, me fazendo rir em voz alta. Eu
estendi meu braço, pegando a pena enquanto girava no ar, guiando
meus passos enquanto permitia que ela liderasse o caminho. Eu
estava hipnotizado - quase em transe - enquanto mergulhava e dava
cambalhotas, subia e girava, sempre fora do alcance. Provocando,
provocando. Eu me apressei para alcançar meu próprio movimento,
aumentando a pressão do ar, fazendo com que ela voasse para frente,
para fora da calçada, por uma trilha, por uma encosta, e ao longo de
um conjunto de trilhos de trem, onde desaparecia.
Dentro de um vagão abandonado.
Capítulo Doze
JESSICA

No ano de nosso Senhor 1429, no décimo segundo dia de junho.


A lua está cheia esta noite, tão brilhante que se pode ver o sangue
ainda manchando o campo onde a batalha foi travada esta manhã. Eu
me encontrei de pé na beira daquele campo olhando para ele, um milhão
de perguntas correndo pela minha mente cansada, quando o Capitão
“Canalha” Durand me encontrou em seu caminho de volta para o
acampamento e perguntou sobre minha demora. Fiz uma breve referência
às questões que a guerra naturalmente suscita na mente, impossível
comentar que apenas uma garota se dedica a filosofar, enquanto os
homens são feridos e morrem a apenas uma pedra de distância.
Eu ofeguei em um suspiro de choque e disse: — Uma menina? Eu
dificilmente sou uma garota, senhor.
Ele olhou para mim daquele jeito presunçoso com uma sobrancelha
arqueada. — Se Deus está projetando garotos que se parecem com você,
então nossa espécie está em apuros, — disse o canalha insolente. Então
ele continuou dizendo: — Agora, faça-se útil e vá ajudar Jehanne em vez
de ficar contemplando inutilmente o universo. — E com isso ele partiu.
Idiota arrogante! Com seus grandes músculos e semblante
superior. A maneira como ele atravessa o acampamento como se ele
próprio possuísse o mundo e fizesse todas as regras. Bem, ele não me
governa! Eu estivera esperando em nossa tenda o dia todo e ajudara
Jehanne a tirar o uniforme, limpar e arrumar o local, e só demorara um
pouco para sair para tomar ar.
Voltei para a tenda e, embora estivesse exausta da batalha,
Jehanne perguntou o que estava errado e compartilhei meu
breve encontro com o capitão. Ela riu, o que serviu para alisar minhas
pelos eriçados, e por um momento pude ver a alegria nela.
— É quase impossível para um homem que viu tanto morrer para
entender o papel de Deus em qualquer um deles, — disse ela.
— E você? — Eu perguntei suavemente, pois minhas dúvidas são
as mesmas, para minha própria vergonha. Por que Deus permitiria tal
sofrimento?
— Sim, eu também, — ela sussurrou, sua voz desaparecendo com o
sono. — Mas devo deixar minhas dúvidas de lado e atender a chamada
mesmo assim. Isso é o que é fé. Sabendo que, embora eu não tenha todas
as respostas, Deus o faz e ele permanece apenas para o bem.
Meu coração dói para acreditar, e no entanto, como se faz com o
fedor da morte ao redor, com a explosão de canhões ecoando em seus
ouvidos muito tempo depois que a luta terminou? Eu pensei que ela
tivesse adormecido, quando um sorriso curvou seus lábios e ela disse em
um sussurro, — E você, minha amiga, gosta daquele imbecil muito mais
do que você está disposta a admitir ainda.
Um sorriso curvou meus próprios lábios. Senti uma história de
amor enterrada nos escritos à minha frente e me perguntei se
descobriríamos o que aconteceu com o capitão Durand e a garota
vestida de menino, viajando com um exército e uma santa.
Estiquei meus braços e pernas e peguei minha xícara de café,
tomando um gole e degustando o gosto amargo e frio. Ben saíra uma
hora antes e eu estava sozinha na sala de reuniões, com instruções
para fechar os papéis quando terminasse.
Meu cérebro estava começando a ficar confuso, então comecei a
juntar minhas coisas para encerrar o dia. O toque do meu telefone
quebrou o silêncio na sala, e eu comecei a procurá-lo. — Olá?
— Hey Olá. — Meu coração deu uma pequena e estranha virada
ao som da voz suave e firme de Callen. — Olá você.
— Como foi o seu dia?
Eu sufoquei um bocejo. — Bom. Longo. Eu estou com fome.
— Ótimo. Estou planejando te alimentar. Pensei que poderíamos
dirigir até a cidade hoje à noite e tentar um restaurante diferente. Nick
tem um problema com o site, então será apenas você e eu.
— Eu não sabia que a manutenção do site dava tanto
trabalho. Mas o jantar parece bom. Nós podemos trazer algo para Nick.
— Sinceramente, eu estava feliz por estar saindo. Tão deliciosa como a
comida aqui é, eu gostaria de tentar algo novo.
— Encontre-me lá em cima em dez minutos?
Eu sorri. — Sim. Vejo você então.
Quando juntei os documentos em que trabalhei naquele dia e
andei até o escritório ao lado, não pude deixar de lembrar do meu
tempo com Callen na noite passada. Eu tinha comido o jantar com
Callen e Nick e novamente dormi no quarto de Callen. Nós nos
beijamos, e meu corpo queria mais, mas sabia que Callen estava certo
quando ele se afastou, não permitindo que as coisas fossem muito além
disso. Ele não estava? Sim. Sim, claro.
Callen exercia tal controle quando se tratava de quão longe
estávamos fisicamente. Parte de mim estava desapontada que ele tão
facilmente teve relações sexuais com dezenas de outras mulheres e nem
sequer tentou comigo. Então, novamente, eu não queria que ele
tentasse, não é? Não, porque seria muito fácil jogar toda a cautela ao
vento e dizer sim a qualquer coisa que ele pedisse a mim. E então, onde
eu estaria? Bem, acho que estaria no mesmo lugar que eu estaria de
qualquer maneira: sozinha e levemente desolada. Só eu também seria
desvirginada, o que possivelmente não era uma coisa tão ruim. Talvez
eu tenha feito demais, esperado demais, colocado muita importância em
algo que outras garotas não faziam. Então, novamente, não
compartilharia algo com Callen que eu nunca compartilhei com mais
ninguém apenas porque a nossa separação doeria ainda mais?
Eu fiz um som frustrado na garganta, irritada comigo mesma
pelos meus próprios pensamentos desconcertantes. Eu nunca fui
assim! Eu sempre tive certeza, firme. Eu imaginei meus objetivos e fui
em direção a eles diligentemente. Só que... O amor não era assim, era?
Amor?
Não, não amor. Afeição. Atração sexual. Cuidado. — Oh, bom
Deus. — Bati o cofre, girando a fechadura antes de clicar
cuidadosamente a imagem pendurada no lugar.

***

No ano de nosso Senhor 1429, no décimo sétimo dia de junho


Eu estou escrevendo pelo brilho da luz de velas no final de outro
dia de batalha. Mais combates começarão amanhã, e a cada minuto que
passa meu medo cresce pelas vidas que serão perdidas, pelo sangue que
certamente será derramado, e principalmente pela agonia de pavor que
está dentro do meu coração, enquanto eu vejo o exército partir para
batalha. Uma batalha pela qual meu único papel é a espera, uma certa
tortura em si. Sozinha em nossa tenda à noite, Jehanne fala de seus
medos para mim como eu faço com ela. E, estranho, embora eu fosse
digno de ser o oposto, acho reconfortante que ela tenha tanto medo
quanto eu. Embora suas entranhas estremeçam de medo -
ela me contou – ela não hesita em levar os homens diretamente para a
briga, onde eles reivindicam a vitória de novo e de novo. Tão forte é sua
fé, tão devota é sua crença, que apesar de seu terror, ela continua a viver
ferozmente. É essa a verdadeira definição de bravura: ter medo, mas agir
de qualquer maneira? Seguindo os ditames de sua fé e seu coração
diretamente na batalha pela qual você foi chamado? Parece-me ser
assim. Pois como há bravura se não houver medo?

Eu li a passagem para Ben e ele fez uma pausa, olhando para


mim pensativamente. — É realmente profundo, Jessie, porque o que
sabemos de Joana d'Arc conta sua bravura extrema no campo de
batalha, sua fé inabalável, mas ninguém nunca falou ou soube sobre
seus pensamentos e medos particulares... Até agora.
— Exatamente. Ela era uma líder militar que comandou um
exército de homens, mas também era uma adolescente. Ela acreditava
em sua vocação tão ferozmente que fez o que poucos teriam feito, mas
como poderia uma menina camponesa que só conhecia uma vida
segura, provinciana não ter medo de marchar diretamente em direção a
espadas inimigas? Não ter medo de estar errada e levar os homens
diretamente para suas mortes? Mortes que poderiam ser por uma causa
falsa?
Eu subi a escada mais tarde, a imagem do interior escuro de uma
tenda no meio de um acampamento do exército onde duas jovens
garotas sussurravam juntas corria pela minha mente. Duas meninas
que tinham mais ou menos a mesma idade e, no entanto,
desempenhavam papéis muito diferentes no curso da história - uma
camponesa, uma nobre, uma canonizada e uma esquecida. E, no
entanto, ambas eram corajosas por direito próprio. Fiquei imaginando o
que teria acontecido com a assistente de campo de Joana d'Arc e se os
escritos nos permitiriam identificá-la e fornecer uma pista sobre seu
destino.
Destino.
Passei um dedo pela parede áspera de gesso enquanto caminhava
devagar pelo corredor, sentindo os solavancos e as marcas sob o bloco
do meu dedo indicador. Foi o destino que puxou as cordas, que nos
levou ao nosso encontro? E o que aconteceu quando não seguimos o
caminho para o qual fomos feitos? E se fôssemos cegos demais
para ver isso? E se nós corrermos para dentro de nossa casa como
Joana d'Arc fez naquele primeiro dia quando as vozes vieram até ela,
mas nunca saísse de novo? E se ficássemos presos, seguros, mas
evitássemos nosso chamado? Isso nos afetava, ou acabava alterando o
mundo inteiro?
E se todos os chamados fossem tão claros quanto uma voz
tocando das nuvens com um som específico da nossa missão?
— Você parece estar pensando profundamente.
Levantei minha cabeça e ri quando vi Callen encostado na porta
do meu quarto, com as mãos nos bolsos, tão bonito que fez meu
coração pular.
— É errado isso?
Ele riu. — Nem mesmo perto. Você de todas as pessoas deve
saber disso, dado que você literalmente me conheceu no lado errado dos
trilhos.
Sorri por cima do ombro, entrando no meu quarto. — Engraçado,
eu me lembro de te encontrar em um rio brilhante na boca de uma
caverna rochosa no meio da Floresta Encantada de Linden.
Callen riu, fechando a porta atrás dele. — Você está certa. Minha
memória é tão pouco confiável às vezes.
— É mesmo...
Ele me apoiou contra a parede, minha respiração engatou quando
ele colocou as duas mãos na parede ao lado da minha cabeça e sorriu
para mim. — Você estava dizendo?
Eu limpei minha garganta, distraída pela pressão sólida de seu
corpo, o cheiro dele bem de perto, e a beleza de seu rosto me olhando
como se eu fosse a única pessoa em seu mundo. — Isso, hum... Soletrar
os maus...
Seus lábios desceram sobre os meus e eu pude sentir seu sorriso
quando começou a me beijar. Ele arrastou seus lábios pela minha
garganta enquanto pressionava sua pélvis na minha, atirando faíscas
entre minhas coxas. — O soletrar o ímpio...
—... Lord Blackshadow lançou em você. — Eu gemi com a
sensação de seus lábios beliscando a pele macia do meu pescoço,
trazendo meus braços para cima e envolvendo-os em torno de seus
ombros para que eu pudesse puxá-lo ainda mais perto. Seus músculos
se agruparam sob minhas mãos, a sensação dura de seu corpo
masculino era deliciosa.
Senti os lábios dele em outro sorriso contra a minha pele. — O
ímpio Senhor Blackshadow lançou um feitiço sobre mim, e agora eu sou
tão mau quanto ele. — Ele trouxe a cabeça para cima, olhando bem nos
meus olhos. — E não há cura para mim, Jessie.
Por alguma razão, suas palavras enviaram um arrepio de dor
através de mim, embora eu não soubesse por quê. Nós nos encaramos
por um momento, algo espesso no espaço entre nós. Um aviso? Uma
afirmação? Ou talvez uma pergunta. Fosse o que fosse, eu não tinha
certeza de como interpretá-lo, muito menos de uma resposta.
Ele quebrou o feitiço quando desviou o olhar e olhou ao redor por
alguns instantes, aparentemente vendo o tamanho minúsculo do
meu quarto com as paredes de pedra pela primeira vez desde que
entramos. — Eles realmente deixaram você em uma masmorra, não é?
— Você vai me resgatar, Callen?
Sua expressão ficou sóbria, e por um momento nos encaramos
mais uma vez, mas Callen sorriu e se afastou. — Venha comigo este fim
de semana.
Eu fiquei em pé, alisando meu cabelo. — Ir embora? Nós vamos
sair?
— Não, eu quero dizer daqui. Vamos ver um pouco mais do Vale
do Loire.
— Você quer passear?
Ele encolheu os ombros. — Sim. Será a nossa maior aventura. —
Ele sorriu, com um brilho nos olhos.
Eu pensei sobre isso. Não havia realmente nenhuma razão que eu
precisava ficar aqui neste fim de semana. Ninguém mais estava
trabalhando; na verdade, Ben havia me dito que ia fazer um passeio
turístico e estaria longe do castelo. Ele até pedira para sair um pouco
mais cedo na sexta-feira, e o Dr. Moreau disse que usaria a sala de
conferências do porão para reuniões durante a tarde, e isso funcionou
bem. E eu não preciso ter medo de passar a noite com Callen. Tínhamos
dormido na mesma cama há quase uma semana e, evidentemente, ele
não teve dificuldade em resistir a mim. Eu era... Resistível nesse
sentido, parecia.
Isso me deprimiu um pouco, mas estava feliz que ele
aparentemente encontrou uma maneira de escrever novamente. Toda
noite eu estava com ele, ele saía da cama e escrevia até tarde da noite
enquanto eu dormia. Eu acordava e o encontrava debruçado sobre a
mesa do lado de fora do quarto, parecendo sonolento, mas satisfeito, e
enchia meu coração de alegria. Eu sabia que não podia receber o
crédito, mas esperava pelo menos ter um efeito calmante sobre ele -
um que lhe permitisse acessar seu gênio interior.
Nos gostávamos da companhia um do outro e eu queria ver mais
do Vale do Loire. E tínhamos concordado em aproveitar ao máximo o
pouco tempo que tínhamos juntos, então por que não? — Certo. Ok. Eu
posso sair um pouco mais cedo na sexta-feira.
Callen sorriu. — Impressionante. Vamos fazer disso um final de
semana perfeito.
1. Seria o único fim de semana que teríamos juntos sozinhos, e
isso provocou um arrepio de excitação pelo meu corpo e me encheu de
um desânimo frio.
Apenas um.

***

No ano de nosso Senhor 1429, no trigésimo dia de junho.


Meu coração está batendo tão rápido que temo que possa explodir
diretamente do meu peito.
Hoje à noite, o capitão Durand e vários de seus homens foram para
uma pequena aldeia, onde deviam conseguir comida para o exército dos
agricultores locais. Mas eles retornaram com rações lastimáveis. Os
fazendeiros não eram cooperativos apesar do prêmio do rei. Eu estava
tomando banho no riacho próximo e me juntei aos cavalos quando eles
entraram no acampamento, e expressei minha decepção por os
fazendeiros escolherem não alimentar o exército de seu próprio país.
— Por que eles deveriam? — perguntou o capitão da maneira
irritada que ele faz lembrar um porco-espinho logo antes de disparar seus
espinhos.
— Por que eles deveriam? Porque lutamos por eles, — resmunguei.
— Nós? — Ele perguntou ironicamente, e antes que eu pudesse
oferecer uma réplica, ele continuou. — E quanto ao fato de que eles já
pagam impostos para financiar o exército do rei? Quanto mais eles devem
dar? Sua própria família deve passar fome para que possamos
comer? Deveriam nos dar as camisas de suas costas também, por acaso?
— Eles devem dar o que eles foram ordenados a dar, — eu
insisti. Pois não deveriam?
— Falou como uma menina mimada que espera que os homens
trabalhadores façam o que ela quer, — disse o idiota pomposo, e senti
meus próprios espinhos subindo.
— Uma garota? Senhor, eu expliquei a você que eu sou um menino,
— eu quase gritei. E então ele riu.
Os outros homens tinham ido em frente, deixando-nos em nossa
batalha, e eu estava com tanta raiva que tirei meu sapato e atirei nele. O
guardião negro riu ainda mais, de modo que pensei - esperava - que ele
pudesse cair direto de seu cavalo.
— Tudo bem, jovem senhor, se você for mesmo menino, vá mijar
naquela árvore enquanto estiver em pé. Deixe-me ver até onde você pode
atirar, — ele disse.
Eu estava enojada e disse-lhe isso. — Você é indecente, senhor, e
nem um pouco cavalheiro.
Ele balançou a cabeça, desmontando seu cavalo e pegando meu
sapato, que ele inspecionou com uma sobrancelha arrogante erguida. Eu
tive que admitir que parecia muito delicado em sua mão grande, e eu fiz
uma careta e desviei o olhar. Ele trouxe o sapato para mim e, antes que
eu soubesse o que estava acontecendo, ele se apossou de mim e me
puxou da minha montaria. Eu fiquei na frente dele, pronta para
despedaçá-lo com minha língua indignada quando ele... Oh eu mal
consigo escrever... Ele... Me beijou!
E a pior parte de tudo... Eu gostei. Oh, ajude-me, Senhor, gostei
muito, muito mesmo.

Quando terminei o trabalho na sexta-feira, voltei para o meu


quarto e arrumei uma mala, ainda distraída com aquele beijo ofegante
entre a garota e o capitão Durand. Eu teria ficado para ler outra parte,
mas infelizmente, o Dr. Moreau tinha entrado na sala com alguns
colegas para as reuniões que ele mencionou, e então eu relutantemente
abandonei a garota e Olivier Durand com os lábios fechados e meu
coração batendo no meu peito para ser deixado em um penhasco. Mas
eles não estavam indo a lugar nenhum, então voltei minha atenção para
Callen, animada - e ainda um pouco apreensiva - sobre o que este fim
de semana traria.
Quando saí pela porta da frente do castelo, parei quando vi Callen
encostado a um esportivo conversível vermelho estacionado no meio-fio.
Seu sorriso saiu lento e fácil quando tirou os óculos de sol, se
afastando do carro e andando na minha direção. Ele estava vestindo
jeans e uma camiseta cinza escura que abraçava seu peito e mostrava
seus ombros largos. Seu passo era suave e masculino. Oh caro
senhor. Engoli. Ele era tão lindo que às vezes me assustava um
pouco. Ele pegou minha bolsa com um sorriso e eu ri nervosamente. —
Onde no mundo você conseguiu isso? — Eu balancei a cabeça em
direção ao carro vermelho elegante.
— Aluguel. Nós vamos em grande estilo. — Ele abriu a porta
do lado do passageiro para mim, e eu afundei no couro macio e cliquei
no meu cinto de segurança. Depois de colocar a mala no porta-malas,
ele se sentou no banco do motorista, se afastou do castelo, desceu o
longo caminho sinuoso e passou na estrada principal.
— Então, para onde estamos indo?
— Tão impaciente. Apenas sente-se e deixe-me assumir a
liderança desta vez, princesa.
Capítulo Treze
CALLEN

Olhei de relance para Jessie e sorri, pegando sua mão na minha


no console central. Seu cabelo estava puxado para trás em um rabo de
cavalo, mas alguns fios se soltaram ao vento e sopravam em suas
bochechas. Óculos de sol que pareciam grandes demais para o rosto
dela, estavam empoleirados em seu nariz fofo. Ela usava um jeans
apertado que mostrava as pernas finas, uma camisa listrada de azul e
branco e uma jaqueta leve marrom. Ela parecia linda e despreocupada,
e eu não pude evitar a felicidade que me dominava, sabendo que eu a
tinha toda para mim por dois dias inteiros. Eu ia aproveitar cada
segundo disso, era o último momento real que nós teríamos juntos. Eu
deixaria o Château uma semana a partir de hoje, mas me recusei a
pensar sobre isso agora. Tínhamos o fim de semana estendido na nossa
frente. Era nossa última aventura juntos e eu pretendia aproveitar ao
máximo.
Eu havia escrito toda a primeira parte da partitura musical e,
embora meu coração batesse rapidamente com uma esperança mal
controlada, também soltei um suspiro interno de alívio pelo bloqueio do
escritor. Não só tinha levantado, mas eu pensei que a peça se mostrasse
promissora. Eu não me permitia ficar muito empolgado porque ainda
tinha um controle incerto sobre toda a partitura. Mas se eu pudesse
continuar com a mesma inspiração e determinar como juntar tudo...
Isso poderia... Poderia não ser apenas bom, mas ótimo.
Eu tinha Jessie para agradecer pelo que consegui até agora. Ela
era minha musa, e eu não poderia ter feito isso sem ela. Algo sobre ela
afogou o meu auto desprezo. Considerando que prêmios, elogios, até
mesmo um milhão de fãs gritando não conseguiam me convencer de
que eu tinha talento, o sorriso sincero de Jessie me fez sentir como se
eu pudesse fazer qualquer coisa. Enquanto ela acreditasse, eu também
poderia.
O que você fará quando ela se for?
Pare. Não pense sobre isso.
A bela paisagem passava por colinas suaves, pequenas fazendas,
campos de flores silvestres e cidades pitorescas. Jessie e eu
conversamos sobre coisas mundanas enquanto o rádio tocava baladas
francesas. Eu senti uma sensação de paz, de retidão com o mundo, e
me perguntei sobre a última vez que me senti assim. Eu já tinha me
sentido assim?
O GPS nos levou para fora da estrada principal, descendo uma
estrada sinuosa até um vinhedo, as filas e fileiras de uvas se estendiam
até muito longe. Um reluzente castelo de pedra branca se erguia à
nossa frente, com as torres tocando as nuvens. — Oh meu Deus, —
Jessie respirou, se inclinando para frente e olhando para a estrutura
antiga. — Isso é lindo. Uma vinícola?
Eu assenti. — Uma excursão de vinho e um jantar. — Nick me
ajudou a encontrar o local perfeito para levar Jessie, algo que poderia
apelar para o seu amor pela história e amor de todas as coisas
francesas. Eu tinha feito reservas para uma excursão de vinho e, em
seguida, reservado em outro Château chique a uma hora de
distância. Nick riu, dizendo que nunca tinha visto esse
meu lado romântico, e eu disse a ele que era um negócio único. Eu
certamente não disse a ele que senti uma emoção de excitação com a
perspectiva de agradar a Jessie, e ainda mais na garantia de que sabia
do que ela gostaria e poderia dar isso a ela.
Nick me deu um tapinha no ombro. — Isso acontece com o
melhor de nós, mais cedo ou mais tarde, — ele disse, um olhar de
piedade no rosto.
— O que é isso exatamente?
Ele piscou. — Eu vou deixar você para definir por si mesmo, mon
ami15. — Eu só podia revirar os olhos. O homem mal havia saído de seu
quarto durante toda a viagem e, de repente, ele era francês.
Uma funcionária da adega nos cumprimentou quando saímos do
carro, e nós a seguimos para dentro do castelo, parando para observar
o foyer impressionante com sua mesa de aparência antiga no meio do
espaço e uma grande escadaria. As salas à esquerda e à direita tinham
sido transformados no que parecia ser um restaurante e uma loja de
presentes. — Seu passeio autoguiado começa no pátio, monsieur e
madame. O jantar será servido no jardim e sua degustação será em
seguida.
Peguei a mão de Jessie e seguimos a mulher mais velha do lado
de fora que continha inúmeras bicicletas. Uh. Meu coração caiu. Olhei
em volta, mas a mulher já estava destrancando uma bicicleta, que ela
se inclinou para nós. Jessie pegou o guidão e deu um suspiro de
entusiasmo. — É um passeio de bicicleta? Isso é incrível!
A mulher empurrou uma bicicleta para mim e eu a peguei com
um sorriso apertado, a agradecendo. Não poderia ser tão difícil,
certo? Até mesmo crianças de seis anos descobriram isso. Ela apontou
para longe, para onde os jardins começavam, as fileiras de videiras à
distância. — Há ciclovias por todo o caminho e você é livre para usar
qualquer um dos caminhos. Seu jantar será montado em Lumière de la
Rose. Vocês não vão perder a placa.
—Merci16 — eu murmurei, trazendo uma perna sobre a bicicleta
como Jessie tinha feito e andando com ela até que eu cheguei à beira do
pátio de pedra onde as bicicletas estavam guardadas. O cascalho sob
meus pés rangia suavemente enquanto eu rolava/caminhava sobre ele,
e me senti ainda menos certo em tentar me equilibrar no que parecia
ser uma superfície instável.
Quando a mulher se virou em direção ao prédio, Jessie estava
olhando para mim com curiosidade, a bicicleta equilibrada entre as

15 Meu amigo.
16 Obrigado.
pernas e um pé em um pedal, obviamente pronto para pular e ir
embora.
Eu tentei um sorriso descontraído, mas me senti mais como uma
careta. Jessie se virou mais e inclinou a cabeça. — Você não sabe andar
de bicicleta?
Eu me aproximei dela. — Não exatamente.
Suas sobrancelhas franziram. — Você nunca aprendeu a andar de
bicicleta?
Meu peito apertou, e eu me senti sem graça, ou talvez
envergonhado. Não sabia o que diabos estava sentindo porque a
verdade era que eu não tinha sido criado no tipo de casa onde um pai
levava seu filho para fora na calçada e batia palmas para ele quando ele
finalmente cambaleava à frente em duas rodas pela primeira vez. Meu
pai nunca pensou que eu merecia mais do que um beijo na cabeça e
sua decepção eterna. — Não.
Ela deve ter percebido a emoção subjacente em meu tom porque
seus olhos suavizaram, e ela tirou a perna da bicicleta e sorriu. —
Vamos apenas andar então. É um lindo dia.
Eu olhei para ela e sabia que ela estava sendo legal, tentando se
ajustar a minha falta de experiência. Mas eu também vi a emoção
genuína em seus olhos quando ela percebeu que íamos fazer um tour
de bicicleta. Eu não podia tirar isso dela. — Não. Eu posso fazer isso.
Ela me estudou por um momento. — Claro que você pode. Mas
você quer?
— Sim. Digo, quão difícil pode ser?
— Não é difícil. Apenas precisa ter um pouco de prática. Aqui, me
observe. — Ela me mostrou onde estavam os freios no guidão, depois
voltou para a bicicleta e se afastou com o pé em um pedal. Quando ela
ganhou um pouco de movimento, ela colocou o outro pé no pedal e
decolou. Eu tentei fazer o que ela tinha feito, e depois de
várias tentativas miseráveis - que me fizeram querer jogar a bicicleta no
chão, como um monte de alumínio dobrado e quebrado, eu finalmente
consegui me equilibrar e ganhei um pouco de velocidade, pedalando
trêmulo para onde Jessie estava esperando.
Ela sorriu. — Você entendeu. Vamos. Nós vamos devagar.
Segui atrás dela enquanto ela pedalava, e depois de alguns
minutos me senti mais no controle, pegando o jeito de me equilibrar e
dirigir ao mesmo tempo. Eu não pude evitar o sorriso que se espalhou
pelo meu rosto quando parei ao lado dela, e ela olhou para mim e
riu. Assim como a pipa, isso parecia uma outra forma de voar: a brisa
no meu rosto, o rico aroma da terra e o doce aroma de flores no ar, e
meu próprio orgulho por ter realizado alguma coisa. Pensei no modo
como Jessie descreveu seu balanço de infância - como todas as coisas
boas e belas do mundo se juntando de uma só vez.
Nós andamos devagar pelos jardins florescentes, parando aqui e
ali para olhar uma coisa ou outra, conversando facilmente, a risada de
Jessie flutuando de volta para mim enquanto ela pedalava à frente. E
senti a mesma exaltação irracional que só consegui no fundo de uma
garrafa ou através do prazer físico momentâneo. Mas isso não traria a
eventual vergonha e ódio. Isso traria lembranças que eu gostaria de
rever de novo e de novo.
Porque memórias seriam tudo que eu teria.
A percepção fez meu estômago apertar, mas empurrei o
pensamento para longe novamente, me lembrando que este fim de
semana era nosso, não por arrependimentos, mas como algo feliz em se
segurar.
— Hey, — chamei à frente. — Você está com fome?
Jessie olhou para trás e parou ao lado do caminho, onde me
juntei a ela. — Morrendo de fome.
— Devemos procurar por uma placa no jardim.
Ela riu. — Lumière de la Rose. Significa Luz da Rosa. Estava lá
atrás. — Ela começou a voltar e eu a segui, fizemos nosso caminho de
volta no desvio para o jardim onde seria o jantar.
Senti o cheiro das rosas muito antes de chegarmos ao jardim, um
cheiro sensual que encheu o ar com uma doçura leve e apimentada. —
Mmm, você sente isso? — Jessie perguntou, inclinando a cabeça para
cima e inalando profundamente. — Nada cheira melhor do que as
verdadeiras rosas de jardim.
— Olhe para lá. — Eu apontei. — Eu acho que é onde nós vamos
comer. — Havia uma mesa redonda para dois à sombra de um salgueiro
na beira do jardim. A mesa estava adornada com uma toalha de mesa
branca, dois talheres e um vaso de rosas, provavelmente colhidas no
jardim.
Jessie seguiu meu olhar e ficou apreciando por alguns instantes
antes dela olhar para mim de novo, sua expressão cheia de prazer,
minha garganta secou. — Você fez isso por mim?
— Bem, a vinícola fez isso. Eu só pedi...
— Obrigada, — disse ela, com os olhos brilhando de alegria. — É
lindo.
Eu sorri, e nós apoiamos nossas bicicletas contra o lado oposto
da árvore e nos sentamos à mesa. Havia um balde de gelo com
champanhe entre a mesa e a árvore, peguei a garrafa, estourando a
rolha e segurando sobre a grama enquanto ela borbulhava. Jessie riu e
estendeu a taça, o líquido borbulhante subindo até o topo antes de
cair. Depois derramei na minha, levantei meu copo. — Para quê?
— Nunca ser velho demais para aprender coisas novas, — disse
Jessie, piscando e tilintando seu copo no meu. Eu sorri, inclinando
minha cabeça em concordância. Depois de tomar um gole, Jessie se
recostou na cadeira e suspirou, olhando em volta. — Isto é perfeito. Um
momento perfeito no tempo. — ela murmurou. Havia algo em sua
expressão que eu não sabia ler, mas concordei com as palavras
dela. Era perfeito. Aqui não havia nada além de nós, nada além da terra
sob nossos pés, o céu sobre nossas cabeças, a profunda serenidade da
natureza ao redor. Era como se tivéssemos voltado no tempo para onde
não havia problemas, nem erros, nem passado. Somente o agora.
O jardim de rosas onde nos sentamos ficava no fundo do
castelo. Um momento depois, um garçom em um avental branco
apareceu na porta carregando uma bandeja e depois se aproximou de
nós. Quando ele chegou, nos cumprimentou em francês e colocou dois
pratos cobertos na mesa, removendo as tampas enquanto uma porção
de algo rico e saboroso me saudava. — Bon apetit, — disse ele,
curvando-se. Então, se virou e saiu.
— Uau. Isso parece incrível, — Jessie disse enquanto pegava seu
garfo. Era uma espécie de prato de frango com um molho cremoso e eu
quase gemi quando dei uma mordida.
— Porra, isso é delicioso, — eu disse, e Jessie riu. Assim que dei
outra mordida, senti uma gota de chuva e abaixei meu garfo, segurando
minha mão enquanto outras gotas de chuva tocavam minha pele. Um
olhar para cima mostrou nuvens de tempestade previamente
escondidas pelo alto castelo se movendo rapidamente.
— Monsieur, madame, — ouvi, e o garçom reapareceu, andando
rapidamente em direção à nossa mesa. — A chuva está
chegando. Sugiro que vocês entrem no restaurante e terminem o jantar
lá.
Eu olhei para o meu prato com pesar, não querendo que nada
interrompesse a deliciosa refeição, mas decidindo que ele provavelmente
estava certo. — Tudo bem, — eu disse, e ele assentiu, levando nossos
pratos e os outros pratos da mesa rapidamente e correndo de volta para
o castelo. Meu coração afundou com o conhecimento de que nosso dia
havia sido interrompido pelo mau tempo.
— Você quer ficar lá dentro até que isso passe e então ainda
podemos tentar ver as vinhas e fazer a degustação depois? — Jessie
perguntou.
Eu olhei para cima, avaliando as nuvens, tentando determinar em
que direção elas estavam indo. Talvez fosse apenas um breve banho de
chuva, tão rápido quanto parecia ter começado. Por um minuto, houve
apenas algumas gotas aqui e ali, e olhei para Jessie, prestes a
concordar com a sugestão dela. De repente, caiu o mundo.
Nós dois pulamos, Jessie soltou um grito enquanto procurávamos
por nossas bicicletas, as puxando para longe da árvore e correndo para
o caminho. A chuva aumentou, tamborilando ruidosamente no chão à
nossa volta enquanto Jessie gritava, mas depois riu, abaixando a
cabeça quando ela pulou em cima da sua bicicleta. — Venha! — Ela
chamou, sua voz praticamente perdida no som da chuva que caía. Puta
merda, era uma chuva torrencial.
Subi na minha própria bicicleta, me sentindo vacilante e
inseguro, como se pudesse encostar em uma parede de roseiras,
praticamente, com lençóis de água obscurecendo minha visão. Eu vi a
linda estrutura de Jessie andando na minha frente e segui seu
contorno. Saímos do jardim e entramos no caminho principal, e eu
pedalei rapidamente para alcançá-la. Vacilei precariamente, me
pegando e soltando um suspiro de alívio antes da minha roda da frente
escorregar pelo caminho. Soltei um grito quando minha bicicleta caiu,
eu debaixo dela, esparramado na lama. Oh Cristo.
Por um momento eu fiquei lá deitado, a chuva batendo em mim
enquanto gaguejava e levava uma mão enlameada para proteger meu
rosto. Essa foi a coisa mais ridícula que já aconteceu comigo, e eu
estava em uma merda de situação.
— Callen! — Jessie estava de repente em cima de mim,
estendendo a mão para me ajudar, e notei distantemente que esta era a
segunda vez em menos de uma semana que eu caí de costas na frente
dela. Jesus. Eu comecei a me levantar, mas estava parcialmente
debaixo da minha bicicleta e quando me virei para empurrá-la para o
lado, Jessie perdeu o equilíbrio e escorregou, caindo de cara na lama ao
meu lado.
Empurrei a bicicleta para longe. — Oh merda, Jessie! Você está
bem? — Eu rolei em direção a ela, e por um segundo pensei que ela
estava chorando e meu coração começou a martelar junto com a chuva,
mas quando eu a virei para mim, ela estava rindo tanto, que fiquei em
silêncio.
Olhei pra ela e a chuva fazia a lama escorrer em seu rosto,
expondo listras de sua pele pálida por baixo. E eu não pude
evitar. Risos explodiram do meu peito quando me inclinei para frente,
tentando conter meu repentino ataque de riso ao mesmo tempo a
ajudando a ficar de pé.
Ela pegou minha mão, ainda rindo, e quando tentou se levantar,
seu pé saiu de debaixo dela novamente e nós dois tombamos, eu em
cima dela, e sua gargalhada explodiu novamente entre as rajadas de
riso. — Oh merda, Jess. Cristo. — Eu sufoquei mais algumas
gargalhadas antes de me levantar, minha mão momentaneamente presa
na lama grossa ao lado dela. — Venha, fique de joelhos. — Estendi a
mão para ela novamente e ela pegou, ficando de joelhos ao meu lado
antes de nós dois ficarmos em pé devagar e com cuidado. Eu agarrei
sua mão na minha enquanto dava alguns passos hesitantes através da
lama para a ciclovia. Jessie se aproximou de mim e ficamos ali por um
momento nos orientando. Nós dois nos abaixamos e puxamos nossas
bicicletas, as encarando para frente no caminho.
— Nós devíamos correr para o carro neste momento? — Ela
perguntou.
O carro. Oh foda-se. Adivinha quem não puxou o teto do
conversível? Devia estar uma banheira agora. Como se ela tivesse
seguido minha linha de pensamento, sua boca se abriu em
um O chocado, que era mais cômico do que qualquer coisa com aquelas
marcas de lama ainda rolando pelo seu rosto - e ela gritou: — Oh meu
Deus! O carro! — Começamos a correr o mais rápido possível, enquanto
segurávamos o guidão e empurrávamos nossas bicicletas.
A chuva tamborilava no chão quando fizemos uma volta vacilante
pelos jardins e em direção à frente do castelo onde eu estacionara o
carro. Nós mal paramos no bicicletário, encostando nossas bicicletas
contra eles e continuando. Quando viramos a esquina e corremos
rapidamente para o carro, Jessie soltou um som derrotado no fundo da
garganta. A água se acumulava no chão e ficava em poças nos assentos
de couro. Deus! Que droga. Ainda assim, não pude evitar a risada
desamparada. Como diabos isso estava acontecendo? Abri a porta
do lado do motorista e pulei para longe a tempo de evitar o fluxo de
água que saía.
— Devemos ver se há um quarto que podemos alugar lá? — Jessie
perguntou, apontando para o castelo. A chuva estava diminuindo, e eu
teria ficado agradecido, só que mais chuva não poderia ter feito nada
pior, então o que importava neste momento se isso parasse?
— É apenas um restaurante, uma loja de presentes e algumas
salas de degustação, — eu disse, lembrando do que Nick havia falado
sobre a descrição on-line deste lugar e o que apresentava. Eu me
inclinei e liguei o carro, levantando o teto. Pelo menos o carro ainda
funcionava.
— O Château que reservei está a apenas uma hora de
distância. Nós vamos dirigir até lá, e então você pode dar um longo
mergulho na enorme banheira de hidromassagem que tenho certeza de
que tem no quarto que eu reservei.
Jessie gemeu de prazer. — Será que eles vão nos deixar entrar em
seu hotel com essa aparência?
— Eu vou dar gorjeta a alguém, pode deixar. — Eu virei ao redor
do carro e sinalizei a ela para voltar atrás e então abrir a porta
também. A água escorria e eu limpei a poça de seu assento o melhor
que pude e então inclinei meu braço coberto de lama para dentro. —
Sua carruagem, milady.
Uma explosão de riso irrompeu de Jessie, e ela fez uma reverência
e entrou no carro, o banco fazendo um ruído estranho quando se
sentou.
Entrei e ajustei a temperatura para que o carro ficasse
quente. Olhei para Jessie, com os cabelos molhados e cheios de lama,
colado a sua cabeça, e os dentes cegamente brancos contra o rosto
coberto de lama. Ela parecia assustadoramente horrível. Então, por que
diabos eu queria beijá-la tanto?
Eu balancei a cabeça, rindo enquanto saía do estacionamento e
me dirigi para a estrada principal, agradecido por ter pago a comida, a
excursão e a degustação. No entanto, não pude deixar de me sentir
desapontado por não termos conseguido terminar a deliciosa
refeição. Eu estava com fome. Minhas roupas ainda estavam
encharcadas e nunca me senti mais sujo em toda a minha vida. Eu
tinha certeza de que teria lama no cabelo pelos próximos dois anos.
Nós dirigimos apenas cerca de oito quilômetros quando chegamos
a uma barricada, alguns veículos posicionados na frente dele com suas
luzes acesas, azul rodando lentamente na penumbra do final da tarde,
tornando mais escuro pelas nuvens de tempestade acima. Eu parei e
abri a janela, inclinando a cabeça para fora. O policial ao lado de seu
carro pareceu brevemente surpreso quando vi, e lembrei que
provavelmente parecia mais ou menos do mesmo jeito que Jessie:
assustador. O oficial aproximou-se do carro e olhou para dentro,
arregalando os olhos quando viu Jessie.
Ele disse alguma coisa em francês e Jessie riu, colocando a mão
no meu braço e dizendo alguma coisa em francês rápido para a qual o
policial riu de volta. Ele apontou para a barricada e disse algo mais, e
Jessie respondeu, assentindo. Eles falaram novamente por mais um
minuto, e então o policial se afastou com um rápido aceno para trás e
gesticulou para indicar onde eu deveria me virar. — Há um
deslizamento de terra à frente por causa da chuva, — explicou
Jessie. — Ele disse que devem liberar a estrada até amanhã à tarde.
— Amanhã à tarde? — Eu me inclinei para frente e bati minha
cabeça duas vezes no volante. — Esta viagem meio que foi uma merda,
hein?
Jessie sorriu docemente, com ternura, algo brilhando em
seus olhos cheios de lama. — Oh, eu não diria isso ainda. O policial
disse que há uma cidade a cerca de meia hora, atrás da estrada, com
uma pousada que deve ter um quarto disponível.
Eu suspirei. — Uma pousada? Parece... Estranho.
Jessie sorriu. — Eu acho que vamos ver, certo?
Sim, acho que vamos ver. Apesar do tom esperançoso de Jessie, a
derrota se instalou no meu peito, a sensação de que a tempestade era
um sinal de que eu poderia fazer todos os planos que eu queria -
tentar o máximo que pudesse para fazer Jessie feliz e conhecê-la em
seu mundo - e algo ainda viria para me lembrar que não era o
suficiente. Isso não era o suficiente.
E nunca seria.
Capítulo Quatorze
JESSICA

Nós seguimos as placas para a pequena cidade que mais parecia


uma aldeia e dirigimos lentamente pelas ruas do que parecia ser o
centro da cidade, se é que poderia ser chamado assim. Tinha realmente
seis edifícios antigos, centrados em torno de uma praça da cidade.
— Onde você acha que a pousada fica? — Callen murmurou, se
inclinando para frente e espiando pelo para - brisa embaçado. A
combinação do interior úmido e do calor tornava quase impossível
manter as janelas limpas. Parecia que estávamos no banho de vapor
mais sujo do planeta. Minha pele começou a coçar da lama quase
imediatamente, mas estava fazendo o meu melhor para não
arranhar. Eu não queria que Callen se sentisse pior com a direção que
seu dia perfeitamente planejado havia tomado. — Eu duvido que haja
uma placa luminosa para procurar. E eu... Não leio francês.
Uma parte de mim queria rir de novo com essa situação, com a
bagunça absoluta que nós dois parecíamos, mas a expressão de Callen
era uma mistura de despedaçado e irritado, seu tom derrotado, achei
melhor não começar outro ataque de riso agora. — Não, provavelmente
não haverá uma placa piscando. Parece uma aldeia pequena o
suficiente. Se dermos uma volta, provavelmente vamos localizá-
la. Estamos procurando a palavra ' auberge ' ou ' hôtel ', ' résidence '
talvez... — murmurei, olhando para fora do vidro manchado de chuva.
Nós éramos literalmente o único carro pelas ruas de
paralelepípedos, e embora as luzes brilhassem em algumas das janelas,
parecia que toda a população da cidade tinha ido para dentro de casa
por causa da chuva. — Lá, — eu disse, observando um prédio de pedra
com uma placa pintada à mão que dizia: NUIT DES RÊVES. Noite dos
sonhos.
Callen estacionou o carro do outro lado da rua, onde dois outros
minúsculos carros europeus estavam estacionados, e nós dois saímos,
com a lama seca estalando e caindo das minhas roupas enquanto eu
me levantava. Ugh.
Olhei no outro lado da rua, no edifício de três andares com
floreiras gerânios vermelhos alegres. Elas me fizeram sorrir. Era
perfeitamente francês. O toldo acima da porta era preto e branco, e a
porta em si estava pintada do mesmo vermelho das flores. Eu fiquei
imediatamente encantada. Callen se juntou a mim onde eu estava,
nossas malas na mão, e nós atravessamos a rua, subindo as escadas e
entrando na pousada.
Estava escuro dentro e cheirava a madeira antiga empoeirada e a
algum tipo de polidor de móveis cítricos. A entrada era pequena, mas
elegante, com um tapete felpudo vermelho, roxo e dourado. O papel de
parede estampado nas paredes mostrava claramente as costuras, mas
estava em boas condições. O balcão tinha um grande espelho de bordas
douradas acima, refletindo um conjunto de degraus que deveria levar
aos quartos. Tocamos a campainha e esperamos.
Depois de um momento, ouvi uma porta abrir e fechar em algum
lugar perto da parte de trás e, alguns segundos depois, uma mulher
mais velha usando um avental branco entrou apressada no
vestíbulo. — Bonjour, bonjour17, — ela chamou, suas palavras morrendo
quando nos viu. Eu parei, não querendo que nenhuma lama seca caísse
de mim enquanto ela olhava. Não queria imaginar a visão que ela estava
tendo de nós - o espelho atrás do balcão me mostrou que eu parecia tão
ruim quanto parecia, se não pior. Que embaraçoso.
— Bonjour. — Eu dei à mulher um sorriso que parecia mais uma
careta. — Por favor, desculpe nossa aparência. Nós fomos pegos em
uma chuva... Havia lama e... Nós gostaríamos de alugar um quarto, —
eu disse em francês, imaginando que a mulher seria mais complacente
com a nossa sujeira se eu falasse em sua língua nativa.

17 Olá, Olá.
Ela riu, colocando a mão em sua barriga redonda. — Eu diria que
sim. Meu Deus! Você... Coitadinho. — Ela olhou para Callen, que estava
olhando em volta para os retratos na parede. — Seu marido não fala
francês, oui?
Eu esperava que ela não conseguisse ver o rubor sob toda a
sujeira que cobria meu rosto. — Não. E ele não é meu marido. Nós, ah,
bem... — Eu olhei para Callen, meus olhos demorando nele por um
momento enquanto ele olhava ao redor, sem saber que estávamos
falando dele. Ele estava sujo e enlameado, o cabelo duro e grudado em
todas as direções, e ainda assim ele era o homem mais bonito do
mundo. — Nós estamos...
Ela resmungou quando um sorriso apareceu em seu rosto. — Ah,
mas sim você é. — Ela suspirou como se com carinho e apertou as
mãos na frente dela. — Oui, oui, eu vejo perfeitamente. — Ela se moveu
ao redor do balcão e começou a folhear o livro. Depois de um momento,
ela franziu a testa. — Eu só tenho um quarto disponível. É o nosso
menor, mas espero que fique bem.
Apenas um quarto disponível?
O lugar parecia totalmente deserto. — Oh, isso é... Bom. Contanto
que haja um chuveiro?
— Ah, oui. Mas é claro.
Eu me virei para Callen. — Ela tem um quarto disponível, mas é o
menor.
Um olhar de confusão surgiu em seu rosto e ele olhou em volta
rapidamente, como se estivesse pensando sobre a sensação deserta do
lugar, assim como eu tinha momentos antes. — Se é isso que ela tem.
— Ele tirou a carteira. — Quanto?
— Você não tem que pagar por tudo.
Ele me deu um olhar de desaprovação. — Este fim de semana é
comigo, Jessie.
Suspirei e citei o preço para Callen, e ele entregou o dinheiro para
a mulher. Ela guardou em uma gaveta, da qual também retirou uma
chave. — Aqui, quarto 301 no último andar. Eu sou a Madame
Leclaire. Chame se precisarem de mim.
— Merci, Madame Leclaire. — Nós nos viramos e subimos o
estreito conjunto de escadas, passando pelo primeiro andar e subindo
para o segundo e depois o terceiro. Havia apenas um cômodo no andar
de cima, e parecia ser um sótão. Callen usou a chave e abriu a porta
lentamente, enquanto nós dois espiamos para dentro. O quarto era
minúsculo, mas parecia limpo e bastante agradável. Callen fechou a
porta atrás de nós enquanto eu olhava ao redor. Meus olhos ficaram
presos na cama, e embora parecesse confortável e convidativa, as
roupas de cama brancas e limpas, Callen e eu praticamente teríamos
que dormir um em cima do outro se nós dois dormíssemos lá.
Engoli. — Uh...
— Eu posso, ah, pegar o... — Ele olhou em volta, mas o quarto
era tão pequeno que mal havia sequer um lugar no chão onde ele
pudesse se deitar confortavelmente.
— Não. Isso não é necessário. Nós podemos fazer isso
funcionar. Enfim, estou mais preocupada com um banho.
Havia uma porta fechada do outro lado do quarto, e eu coloquei
minha cabeça. O banheiro também era apertado, mas de novo, parecia
limpo, com o piso reluzente, toalhas grossas penduradas nas barras das
toalhas. Não havia uma banheira, mas não podíamos tomar banho de
banheira no estado em que estávamos.
Eu me virei e sorri. Callen estava de pé no meio do quarto,
parecendo mal-humorado e desajeitado, e eu tive um breve lampejo dele
quando menino. Ele usava esse mesmo olhar - regularmente - e fazia
minhas terminações nervosas formigarem. Nós nos encaramos, o
silêncio entre nós crescendo mais pesado, o espaço ao nosso redor
parecendo ainda menor. Callen piscou, começando a passar a mão pelo
cabelo naquele gesto familiar. Ele se encolheu quando a palma da mão
atingiu os fios duros. — Que tal eu tomar um banho realmente rápido
primeiro e depois tento encontrar comida enquanto você se limpa?
Eu balancei a cabeça, um movimento brusco de nervosismo. Por
que me senti tão desequilibrada de repente? — Isso parece bom. —
Agora que pensei melhor, eu estava com fome. Eu tinha dado apenas
uma ou duas mordidas do que teria sido um jantar antes da chuva
chegar.
— Ótimo, ah, eu só vou... — Callen se aproximou de mim,
indicando que precisava entrar no banheiro, e percebi que estava
bloqueando a porta como uma idiota. Eu saí do caminho, o calor do seu
corpo passando por mim antes que ele fechasse a porta. Ouvi o
chuveiro ligar e aproveitei para olhar os móveis do quarto. Tão suja
quanto eu estava, não me atrevi a sentar em nada. Além da cama, havia
apenas uma mesa de madeira, uma mesa de cabeceira e uma cadeira
estofada perto da janela. Eu me inclinei sobre a cadeira, empurrando a
cortina para o lado enquanto olhava para a rua chuvosa. Do meu ponto
de vista, pude ver que algumas lojas estavam abertas, mas a cidade
ainda parecia quieta e quase deserta. Eu estava no alto o suficiente
para ver que além dos edifícios, quilômetros de terras agrícolas
francesas estendiam-se ao redor da cidade. Eu podia ver fileiras de
pomar, maçãs talvez? Vacas pastavam, suas formas pontilhando as
colinas à distância. Que vida linda e pacífica.
Eu me virei rapidamente quando ouvi o chuveiro desligado, meu
batimento cardíaco acelerou quando Callen saiu, uma toalha enrolada
em seus quadris estreitos e água ainda brilhando em sua pele. Oh. Eu o
beijei, dormi na mesma cama com ele, senti a intimidade de sua
excitação através de nossas roupas, mas ainda não o tinha visto nu -
ou quase - e sua beleza masculina me fez sentir as pernas bambas.
Ele sorriu, pegando a mala e colocando-a na escrivaninha. — É
todo seu. O chuveiro é pequeno, mas a pressão da água é ótima. Acho
que me sinto humano novamente.
Eu ri baixinho. — Bom. Eu só vou... — apontei para o banheiro,
pegando minha própria mala de viagem — vejo você quando voltar,
então.
— Sim, talvez eles tenham comida lá embaixo. Madame Leclaire
estava de avental, não estava?
— Eu acho que sim. Mas também há um restaurante do outro
lado da rua. Apontei para a janela. — Eu posso ver daqui e parece
aberto.
— Certo, ótimo. Aproveite seu banho.
Eu balancei a cabeça e fechei a porta do banheiro atrás de mim,
respirando fundo. O que foi esse constrangimento repentino entre nós,
essa hesitação? Essa estranha sensação de intimidade que me fez sentir
sem fôlego e nervosa? Foi só o quarto pequeno criando esse sentimento?
Tirei minha roupa úmida e enlameada e a deixei em uma pilha no
chão ao lado da de Callen. Talvez pudéssemos lavá-las no chuveiro mais
tarde e pendurar para secar. Ou talvez Madame Leclaire tivesse uma
máquina de lavar roupas e nos deixasse usar.
O jato quente do chuveiro era incrível, e eu gemi de prazer
quando ensaboei meu cabelo e observei a água barrenta escorrer. O
xampu e o gel de banho da pousada eram perfumados como rosas, e eu
sorri. Quando me lembrei deste fim de semana, seria para sempre
perfumado com a fragrância das rosas. E isso sempre trará à mente
um Callen coberto de lama.
Depois de ensaboar meu corpo e meu cabelo várias vezes,
finalmente me senti completamente limpa e saí do banho, envolvendo
meu corpo em uma das toalhas macias e grossas. Havia um secador
de cabelos embaixo da pia e eu o usei.
Mexi em minha mala, olhando para o jeans e o vestido de jantar
que eu tinha embalado. Meus olhos finalmente pousaram na longa
camisola branca de algodão. Eu mordi meu lábio. Pode ser um pouco
cedo para o pijama, mas o pensamento de colocar outro par de jeans me
fez estremecer, e claramente eu não poderia colocar um vestido formal
para comer um jantar dentro nosso quarto de hotel. Callen já tinha me
visto em nada além de sua longa camiseta. Ele realmente se importaria
se eu usasse minha camisola? Não era como se fosse sexy, então ele
saberia que eu não estava tentando enviar uma mensagem de me
possua agora. Na verdade, se alguma coisa, ela era o oposto de
sexy. Frankie tirava sarro das minhas camisolas, mas eu gostava da
sensação do algodão macio da cabeça aos pés. Callen entenderia minha
necessidade de estar confortável. Eu puxei a camisola sobre a minha
cabeça, suspirando enquanto o material acariciava minha pele como
um abraço.
Abri a porta do banheiro com cautela, sem saber se Callen estava
de volta, mas o quarto estava vazio. Sentando na cadeira estofada, notei
um porta-revista ao lado da janela que continha algumas revistas
francesas e alguns livros de bolso. Peguei um - da capa que parecia
um mistério – e comecei a ler os primeiros parágrafos. Eu tentei me
concentrar na história, mas minha mente se desviou e meus olhos
foram para a janela coberta pela chuva.
Meus pensamentos vagaram para a garota cujo nome eu ainda
não conhecia e o capitão Durand “rabo de cavalo”. Sorri, pensando no
beijo deles, imaginando se o amor encontraria um jeito, mesmo no meio
de um acampamento militar em uma guerra, como uma menina
escondeu a sua identidade e um homem enfrentou batalhas. Minha
esperança fervorosa era de que, se algo pudesse prosperar nessas
condições, era amor. Eu queria acreditar que o amor era a mais rara de
todas as flores: deleitava-se com a luz do sol, mas não exigia que ela
crescesse e florescesse.
Meus pensamentos se voltaram para Callen e a lembrança dele
andando desajeitadamente em uma bicicleta que parecia pequena
demais para ele e grande demais enquanto ele cambaleava e se
inclinava na minha direção no caminho do jardim. E então a expressão
em seu rosto quando ele finalmente pegou o jeito: alegria cautelosa, a
mesma expressão que ele parecia adotar quando qualquer coisa lhe
trazia felicidade. Como se quisesse abraçar a alegria do momento, mas
estava com muito medo de fazer plenamente. Eu me perguntei se ele
percebia que sempre mantinha uma parte de si mesmo guardada. E me
perguntei o que seria necessário para finalmente vê-lo se entregar
completamente à felicidade em qualquer momento. Ou se mesmo
poderia. Imaginei que, se ele encontrasse um caminho, a música
resultante seria impressionante.
Eu olhei para a pequena cama, meu corpo corando com o
pensamento de ficar lá com Callen, nossos corpos pressionados um
contra o outro, seu calor me cercando durante a noite. Se a moça cujos
escritos eu estava traduzindo estava me ensinando alguma coisa, é que
nossas histórias eram tão fugazes, raramente deixadas no papel para os
outros lerem e aprenderem, e mais frequentemente apenas nos corações
daqueles que éramos corajosos o suficiente para amar. Tivemos uma
chance, uma vida e depois desapareceu. Viva ferozmente e sem
arrependimento. Eu não tinha garantias de Callen sobre nada, exceto a
natureza temporária de... nós. Mas o que aconteceria se eu não
colocasse limites sobre o que ocorresse entre nós neste fim de
semana? O que aconteceria se eu simplesmente deixasse meu corpo e
coração guiar o caminho, sem pensar demais, sem deixar o medo me
guiar? Não porque eu não tivesse medo das consequências, mas porque
a vida era curta e os momentos eram pequenas janelas de oportunidade
que nunca poderiam voltar.
Tive a estranha sensação de que o destino nos levou a este quarto
da pousada num dia de chuva na França. Eu sabia que não fazia
sentido, que poderia até ser minha imaginação fértil criando fantasias,
mas o sentimento persistiu.
A verdade era que Callen sempre foi meu príncipe, e percebi agora
que ninguém desde então havia me feito sentir assim. Talvez não fosse
como eu disse a ele depois de tudo. Não que eu não tenha encontrado
alguém que tenha tentado me envolver nisso. Talvez eu simplesmente
não tivesse permitido que ninguém entrasse em meu coração - ou corpo
- porque meu príncipe já residia lá.
E esta noite, pelo menos, ele era meu.
Capítulo Quinze
CALLEN

A porta se abriu em um rangido silencioso e eu parei quando


avistei Jessie enrolada na cadeira perto da janela, a luz do sol baixando
suave e silenciada através da cortina transparente. Ela levantou a
cabeça e nossos olhos se encontraram. Eu fechei a porta atrás de mim,
a visão dela revirou meu estômago de alguma forma eu não tinha
certeza de como definir.
Eu coloquei os sacos de papel pardo na mesa perto da porta. —
Sanduíches, — eu disse, com minha voz tensa, como se houvesse algo
preso na minha garganta. — Madame Leclaire disse que poderíamos
pedir comida no nosso quarto da próxima vez, se quisermos.
Ela sorriu. — Parece perfeito. — Ela continuou a me estudar, uma
expressão em seu rosto que eu não estava familiarizado, eu queria
perguntar a ela o que estava pensando. Mas por alguma razão, também
não tinha certeza se queria saber.
Meus olhos verificaram seu corpo, e percebi que o que eu achava
que era um cobertor, era na verdade uma camisola. Uma camisola
muito longa. Não havia um cm de pele mostrando em qualquer
lugar. Eu nunca tinha visto nada como isso. — Isso parece... —
eu levantei uma sobrancelha —... Quente.
Ela riu, mordendo o lábio e olhando para si mesma. Quando ela
olhou de volta para mim, seu sorriso era docemente recatado, e isso fez
meu coração acelerar no meu peito. Deus, ela é linda. Ela puxou os pés
de debaixo dela, equilibrando os calcanhares na beirada da cadeira, e
por um momento a única coisa que apareceu foram os dez dedos dos
pés pintados com esmalte cor-de-rosa. Eu nunca, em toda a minha
vida, notei dedos de uma mulher, e de repente a visão de Jessie
espreitando debaixo de sua camisola parecia incrivelmente
íntima. Engoli em seco quando ela colocou os pés no chão e se levantou
devagar. Enquanto ela estava diante da janela daquele jeito, a pálida luz
dourada atrás dela, eu podia ver o contorno de seu corpo nu sob o
tecido branco, a sombra de suas auréolas e o V entre suas
pernas. Minha respiração engatou. Eu a tinha provocado um momento
antes, mas de repente percebi o quanto a lingerie era
superestimada. Eu nunca tinha visto nada tão erótico quanto Jessie de
pé em uma camisola branca de algodão com o último vislumbre de luz
do dia atrás dela, revelando sem saber todos os seus segredos.
Eu me senti tão humilde quanto esse quarto pequeno e
simples. Não havia nada chique aqui. Eu não consegui dar a Jessie
nada maior ou melhor. Sem a cobertura da minha fortuna, das coisas
que eu poderia fornecer com o dinheiro que ganhei, a elegância, os
luxos, eu era apenas... Eu, de pé diante dela sem qualquer pretensão,
ou pelo menos nada que eu pudesse conseguir naquele
momento. Naquele momento eu era apenas o mesmo garoto que ela
havia encontrado no vagão daquele dia há tanto tempo. Desde então eu
me escondi atrás de tantas coisas, me perdi no estilo de vida que
escolhi, senti como se fosse tudo fumaça e reflexo por tanto
tempo. Olhando para Jessie na minha frente agora, a bela mulher me
encarando com tanta honestidade em seus olhos, me senti
sobrecarregado com a possibilidade, com a esperança de que
ela me visse e gostasse do que via. Talvez... Deus, talvez... ela até
encontrasse uma maneira de aceitar as coisas que eu estava tão
aterrorizado em deixar alguém saber. — Jessie, — eu respirei, uma
palavra um pedido, uma pergunta, uma oração.
Nós dois nos movemos um para o outro ao mesmo tempo, nos
encontrando ao pé da cama, nossos corpos colidindo suavemente. Eu
peguei seu rosto em minhas mãos e percebi que estava
tremendo. Estava com medo? Eu não tinha certeza do que sentia além
de uma necessidade que tudo sucumbe por ela. — Jessie, — eu repeti,
seu nome me ancorando de alguma forma, como se eu tivesse caído em
algum lugar profundo e desconhecido e ela era a única coisa que me
mantinha firme. Me salvando.
Por vários minutos, estudamos silenciosamente um ao outro na
luz amarela pálida do quarto. Eu fiz promessas para mim mesmo,
estabeleci limites, e de repente senti como se nenhuma deles
importasse. Pareciam distantes, sem importância, feitos em um lugar
onde todas as regras eram diferentes e onde não estava livre para seguir
meu coração. Nós teríamos que retornar a tudo isso mais tarde. Mas
aqui... Aqui...
Minha respiração engatou quando meu olhar se moveu sobre as
sobrancelhas arqueadas de Jessie, para aqueles sensíveis olhos cor de
avelã, através da leve camada de sardas que fez meu coração disparar
descontroladamente em meu peito, até aquele lábio superior lindamente
carnudo. Meus próprios lábios se separaram, uma pergunta flutuando
no ar que não sabia como expressar.
Os olhos de Jessie encontraram os meus, e ela parecia saber o
que eu estava pensando, porque respondeu a pergunta que estava com
muito medo de perguntar. — Sim, eu também quero você.
Soltei uma respiração pesada, levando minha boca para a dela,
primeiro passando a língua pelo adorável lábio superior. Minha. Eu
mergulhei minha língua em sua boca, saboreando a doçura dela
enquanto ela gemia e pressionava sua suavidade contra mim. Eu parti
de seus lábios para arrastar os meus pela pele sedosa de sua
garganta. — Você tem certeza, Jessie? — Eu murmurei. Eu queria
isso. Eu queria tanto que pensei que morreria se ela mudasse de ideia,
mas eu tive que dar a ela a oportunidade de fazer exatamente isso. Eu
tinha que saber que ela não iria se arrepender, que ela não me odiaria
por ‘pegar’ algo tão precioso. Dela.
E, no entanto, a batida forte do meu coração era tanto medo
quanto desejo. O medo também era um afrodisíaco, o conhecimento de
que isso importava de alguma forma, que o sexo nunca importara
antes. Meu sangue zumbiu com a excitação, meus sentidos estavam
total e completamente conscientes de cada pincelada gentil de seus
dedos, cada inalação suave de respiração, o cheiro deste quarto - lustra
de móveis perfumados de laranja e madeira - e Jessie, banhada pela
sutil fragrância de rosas. — Você cheira diferente, — eu murmurei. —
Como o jardim da vinícola. Você trouxe as rosas de volta conosco?
Eu senti seus lábios se moverem em um sorriso. — Eu acho que
sim.
Seus dedos passaram pelo meu cabelo, o arranhão delicioso de
suas unhas no meu cabelo, e eu gemi, endurecendo ainda mais e
pressionando minha virilha dolorida contra ela. Jessie encontrou meu
gemido com seu, soltou as mãos do meu cabelo, recuando. Ela agarrou
o material de sua camisola em seus quadris e puxou lentamente, seu
olhar permanecendo travado no meu até que ela puxou o tecido sobre a
cabeça. Seus cabelos caíram em cascata sobre os ombros e sobre os
seios enquanto ela jogava a camisola de lado.
Meu sangue vibrou mais quente quando eu permiti que meu olhar
se movesse para baixo em seu corpo nu. Ela era uma obra-prima. Eu
usei meu dedo para escovar um lado de seu cabelo para trás, expondo
um seio perfeito, auréolas rosa pálido e seus mamilos já
endurecidos. Eu me inclinei e peguei um na minha boca, correndo
minha língua em volta lentamente enquanto Jessie soltava um gemido,
trazendo as mãos de volta para a minha cabeça e pressionando o peito
com mais firmeza na minha boca. Eu chupei suavemente, e Jessie
soltou outro gemido doce. — Oh, Callen, sim.
Inclinando-me para trás, afastei o cabelo do outro seio, lambi e
chupei também aquele, até sentir os quadris dela levantarem levemente,
buscando alívio. O zumbido pesado de eletricidade bombeava
furiosamente entre as minhas pernas ao mesmo ritmo que meu
coração.
As mãos de Jessie puxaram minha camiseta e eu me inclinei para
trás, puxando sobre a cabeça rapidamente e pegando sua mão, a
levando para o lado da cama. Alcançando ao redor dela, eu puxei o
edredom pesado para trás, expondo lençóis brancos. Ela sentou,
olhando para mim com tanta confiança que meu coração quase
explodiu no meu peito.
Seus cabelos se espalharam ao redor dela enquanto ela se
deitava, e por um momento meus olhos absorveram a beleza sensual
dela: a forma de suas curvas contra o fundo branco do lençol, o tom
pêssego de sua pele, seus seios com belos mamilos rosados, até o tufo
de cabelos castanhos entre as pernas.
Sua respiração estremeceu, e eu tirei meus sapatos, removendo
minhas calças e boxers e os chutando para o lado antes de deslizar
para a cama. A sensação da nossa pele nua pressionada era quase
demais, e me perguntei se eu seria capaz de agüentar o suficiente para
lhe dar prazer. Eu me senti como um garoto ansioso, tão cheio de
luxúria que meu corpo vibrou com isso.
O que você está fazendo comigo, Jessie?
A música pulsava dentro de mim, não uma melodia, mas uma
harmonia, um ritmo primal, lento e profundo que tocava no tempo até o
sangue bombear em minhas veias. Eu me agarrei a ele, embora
vagamente, de alguma forma sabendo que eu só tinha que lembrar este
momento, a expressão sonhadora e feliz no rosto de Jessie, o cheiro
deste dia - rosas e chuva - para o refrão retornar.
Lutando para controlar meu desejo pulsante, eu corri minhas
mãos pelo corpo dela, aprendendo intimamente, a textura aveludada de
sua pele, o jeito que sua barriga apertava quando eu a tocava
levemente, a suavidade firme de sua coxa, a marca de nascença em seu
quadril. As coisas que a faziam ela e mais ninguém.
Uma possessividade floresceu dentro de mim, e eu trouxe meus lábios
aos dela, beijando-a lentamente - a marcando talvez, enquanto eu
levava a minha mão entre as pernas dela. Eu gemi quando meu dedo
deslizou para a umidade já escorregadia de sua abertura apertada. —
Jessie, — eu gemi. Ela pressionou seus quadris para cima,
silenciosamente pedindo mais, então eu respirei profundamente,
trazendo o líquido sedoso para cima e sobre o pequeno broto inchado no
ápice de suas coxas, o circulando lentamente. Ela soltou um gemido
estrangulado, se pressionando contra a minha mão enquanto eu
tentava esfriar meu próprio desejo furioso.
Seus gemidos se tornaram altos suspiros quando eu trouxe a
minha boca de volta para seus seios e lambi seus mamilos ao mesmo
tempo com o movimento do meu dedo.
Eu queria que ela perdesse a cabeça com a excitação, para ficar
meio louca de desejo, para sentir o céu e a terra colidindo quando ela
gozasse em minha mão. Eu não tive que esperar muito. Vários
segundos depois, ela arqueou as costas, gritando meu nome quando
chegou ao clímax.
Um soluço curto veio de sua garganta quando ela desceu, seu
corpo relaxando enquanto suas pernas circulavam meus quadris, me
trazendo para mais perto dela.
— Agora, — ela respirou, uma nota desesperada em sua voz,
movendo sua pelve para se alinhar com a minha. Eu ri brevemente, um
som estrangulado de humor que se transformou em um assovio quando
ela conseguiu trazer a ponta do meu pênis para a umidade de sua
abertura.
— Espere, Jessie. Um preservativo.
Eu alcancei cegamente as minhas calças, as localizando e
procurando minha carteira com uma mão, segurando Jessie com a
outra. Eu finalmente consegui tirar minha carteira do bolso do meu
jeans e tirei o preservativo. Inclinando-me para trás, eu o abri e deslizei
sobre o meu comprimento, o roçar dos meus dedos me fazendo
respirar. Eu estava tão duro que senti que ia explodir com o mais leve
toque.
Jessie me observou com os olhos preguiçosos, estendendo a mão
para mim em um pedido silencioso para voltar para seus braços. Eu fiz,
trazendo meus lábios aos dela, apoiando um cotovelo na cama ao lado
dela para segurar meu peso e usando minha outra mão para trazer
minha ereção ao calor suave e doce entre suas pernas. Eu me segurei lá
por um momento, de repente com medo, preocupado não só que eu iria
machucá-la, mas que isso de alguma forma ia me machucar
também. — Jessie, — comecei, com a intenção de perguntar novamente
se ela tinha certeza, se ela estava certa de que ela queria dar isso para
mim.
— Callen, sim, — disse ela antes que eu pudesse formular a
pergunta. E então ela se levantou, me trazendo mais fundo nela. Eu
gemi em êxtase com o aperto dela em torno da cabeça latejante da
minha excitação. Ela ficou tensa. Eu nunca tinha estado com uma
virgem antes, mas imaginei que a melhor maneira de fazer isso era
rapidamente. Eu pressionei dentro dela, sentindo o rasgo da delicada
membrana. Ela gritou, suas coxas apertando mais firmemente em torno
dos meus quadris.
— Sinto muito, Jessie. Sinto muito, — eu disse, beijando seu
rosto enquanto meus quadris exigiam que eu me movesse. Era tão bom
estar dentro dela; Eu me senti meio louco, a necessidade de empurrar e
bater tão esmagadora que eu mal conseguia me conter. Mas eu não
queria machucá-la mais do que já tinha, e assim esperei.
— Está tudo bem, — ela sussurrou. — Eu estou bem agora.
Ela trouxe seus lábios aos meus e me beijou tão doce,
ternamente, suas unhas escorrendo pelas minhas costas e sobre a
minha bunda, fazendo todo o meu corpo estremecer. — Você pode se
mover, — disse ela, obviamente sentindo o esforço que eu estava
exercendo em permanecer imóvel. — Deixe-me sentir você. Todo você.
Com a permissão dela, o último fio de controle quebrou, e eu
comecei a empurrar dentro dela, minha respiração saindo em pequenas
explosões de som. Ela era tão deliciosamente apertada, tão molhada,
seu corpo me apertando confortavelmente em um fecho de seda. Ela se
agarrou a mim, confiando, e naquele momento eu me senti como um
príncipe. Seu príncipe. Meu coração bateu com a música que começou a
subir dentro de mim mais uma vez. Pulsando. Abafado. Ambas escuras
e bonitas, falando dessa coisa entre nós: a perna dela deslizando pelo
meu quadril para me permitir mais fundo, meus músculos tensos de
prazer, nossos corpos molhados de suor quando deslizamos juntos, o
cheiro criado por nossos feromônios misturados me elevando... Eu
deixei cair meu rosto em seu pescoço, soltando um grito curto que
terminou em um gemido estremecido quando gozei, o prazer apertava
do meu abdômen até os dedos dos pés. — Ohhh, Jessie, Jessie. — Eu
diminuí, um arrepio final se movendo através de mim antes que eu
parasse, as estrelas diminuindo diante dos meus olhos quando eu virei
minha cabeça e respirei o cheiro de sua pele.
A luz do lado de fora da janela tinha acabado e a chuva
recomeçou, um tamborilar macio no telhado logo acima de nós, que
parecia ser a música perfeita para a lentidão do meu coração, o
relaxamento dos músculos, o brilho dos sonhos. De fazer amor. Eu me
virei, puxando Jessie para que ela estivesse de frente para mim e, por
um momento, apenas nos entreolhamos. Seu sorriso era suave e seus
olhos não se arrependeram. — Jessie, — eu sussurrei, arrastando um
dedo pelo lado de sua bochecha, sua pele tão macia, tão linda. Ela se
transformou no toque, fechando os olhos em um suspiro. — Tudo bem?
Seus olhos se abriram e ela assentiu. — Foi a coisa mais
maravilhosa que já experimentei. Você é a pessoa mais maravilhosa que
já conheci.
Mas ela estava errada. Ela era a pessoa mais maravilhosa
que eu já conheci. Inteligente, bonita, gentil, feroz, alegre e gentil.
Inclinei-me e a beijei, depois lembrei que poderia haver
sangue. No mínimo, eu deveria cuidar dela logo após sua primeira
vez. Sua primeira vez. Isso pertenceu a mim. Não importa o que
aconteceu, isso nunca poderia mudar. O pensamento me encheu de
uma felicidade possessiva que não me permiti olhar muito de perto, pelo
menos não agora.
Afastando-me e saindo da cama, eu disse: — Deixe-me pegar algo
para limpar você.
Caminhei rapidamente até o banheiro, onde tirei a camisinha e
molhei uma toalha com água morna. De volta ao quarto, sentei na
beirada da cama e lavei delicadamente o rastro de sangue entre as
pernas de Jessie e, em seguida, levei a toalha de volta ao banheiro, a
enxaguando.
Eu puxei o lençol e o edredom sobre nós enquanto eu deslizava de
volta para a cama ao lado dela, a aproximando. Por alguns minutos,
simplesmente observamos a chuva na vidraça, os dedos de Jessie
subindo e descendo preguiçosamente pelo meu braço, nossas pernas
torcidas juntas, meu corpo pesado de satisfação. — Parece que estamos
em um mundo diferente, — eu disse.
Eu a senti sorrir contra o meu ombro. — Eu estava pensando a
mesma coisa.
Depois de um momento, ela inclinou a cabeça para trás para
poder olhar para mim. A ponta do dedo indicador subiu pelo meu braço
e circulou lentamente ao redor do meu mamilo. — Você sabia que você
cantarola quando está relaxado ou feliz?
Eu ri, percebendo que eu estava fazendo exatamente isso. — Eu
faço? — Eu fiz uma pausa, considerando. — Sim, talvez eu faça. — Ela
assentiu com a cabeça, seu sorriso aumentando.
— Ninguém nunca notou isso.
— Talvez você não esteja relaxado e feliz com freqüência. —Ela
beijou meu ombro, me mordendo suavemente.
— Ouch.
Ela riu, se aconchegando nos cobertores. Ela estava certa, no
entanto. Fazia muito tempo desde que eu me sentia feliz e relaxado.
Senti seus membros ficarem mais pesados e seus cílios
tremularem contra a minha pele. — Você acha que nós vamos ser
capazes de levar qualquer parte disso de volta com a gente, Callen? —
Ela sussurrou, uma nota de esperança em sua voz suave e sonolenta.
Eu hesitei. Eu sabia o que ela queria dizer porque eu pensei em
mim mesmo. Aqui não havia bagagem, preocupações, barreiras ou
arrependimentos. Aqui havia apenas nós e nada mais, apenas
sentimento e honestidade. Mas esse não seria o caso quando
voltássemos para o castelo onde ela trabalhava. Lá, naquele mundo,
eu teria que puxar o manto de mentiras que eu usava e mais uma vez
ser a bagunça que eu tinha me tornado. Só que... isso não era
totalmente verdade, era? Ela me mudou, me salvou, pelo menos até
onde a música foi. Eu estava ouvindo de novo, não apenas pedaços e
pedaços, mas longas cordas de melodia que me abalaram, me
emocionaram e me obrigaram a colocá-las no papel. Mas o que
aconteceria quando eu fosse embora? A música iria morrer de novo? Eu
voltaria para a vida que estava levando – uma vida de vícios sem
sentido - a fim de acalmar minha mente o tempo suficiente para ouvir
as notas?
Exalei e puxei Jessie para mais perto. Eu não queria isso. Eu
queria ela. Eu estava desesperado para segurar a única coisa boa que já
tive. Mas não era possível. Se ela soubesse o pouco que realmente tinha
a oferecer, ela não iria me querer, não deveria me querer, e eu não
poderia fazer isso com ela. Prendê-la de uma maneira que ela ia se
ressentir, fazer com que ela olhe para mim com vergonha e
ressentimento. Eu não poderia suportar isso. Isso me mataria.
— Eu não sei, — eu respondi honestamente. Eu podia ouvir o
arrependimento na minha voz e meu peito se apertou de dor. Mas ela
me presenteou com tanto, e eu lhe devia a verdade.
Capítulo Dezesseis
JESSICA

Eu pisquei, desorientada, enquanto meus olhos se acostumaram


com a pouca luz do quarto. A memória entrou, trazendo consigo uma
onda quente de euforia quando me lembrei do jeito que Callen parecia
quando fizemos amor, sua boca entreaberta e sua pele corada pela
excitação, os músculos de seus braços tensos enquanto ele se mantinha
acima de mim. Eu apertei minhas pernas juntas levemente, sentindo o
tom de dor onde ele esteve, sorrindo apesar do leve desconforto. Onde
ele estava? Eu estava na cama sozinha.
Empurrando-me para cima para que eu pudesse ver o edredom,
vi Callen sentado na cadeira perto da janela em apenas sua cueca, sua
pele bronzeada suave na luz fraca, um bloco de notas em seus joelhos
quando ele se curvou sobre ele. Seu lábio inferior estava puxado sob os
dentes superiores e sua mão se movia rapidamente enquanto ele usava
uma caneta para rabiscar algo - notas musicais, eu assumi - na página.
— Hey, — eu disse suavemente. Sua cabeça se levantou e ele
soltou o lábio. Eu sorri com o olhar de intensidade em seu rosto, o
foco. — Desculpa. Eu não queria interromper.
Ele balançou a cabeça, se levantando e colocando o bloco de
anotações e a caneta na escrivaninha ao lado do saco vazio de comida
que havíamos consumido horas antes, sentados de pernas cruzadas no
chão envoltos em cobertores. Meus lábios se inclinaram para a
lembrança do íntimo piquenique no chão e como nenhum alimento
jamais provara mais delicioso. Callen se moveu para a cama, clicando
na lâmpada que estava acesa, e voltou para perto de mim, trazendo as
cobertas sobre nós e me puxando para perto. — Eu não queria acordar
você.
Eu me aconcheguei nele. Ele era tão sólido, tão duro em todos os
lugares, e ainda de alguma forma o travesseiro perfeito. — Mmm. —Eu
suspirei. — Você não fez. É só dormir em um lugar novo. Por um
minuto não sabia onde estava. O que você estava escrevendo?
— A harmonia da peça em que tenho trabalhado. Veio para mim
esta noite.
Eu levantei minha cabeça. — Mesmo? É assim que
funciona? Você ouve música na sua cabeça primeiro e então escreve no
papel?
— Sim. Às vezes.
Ficamos em silêncio por um minuto antes de eu dizer: — Fico feliz
que o bloqueio do escritor tenha acabado. Por que você acha que estava
tão preso?
Ele parou por um tempo, eu olhei para ele, me perguntando se ele
ia responder. — Tenho certeza que você se lembra de quando éramos
crianças que eu não tive a melhor vida em casa, Jessie. —Meu coração
se apertou dolorosamente, e eu assenti. — Meu pai gostava de dar
socos, mas gostava de insultar ainda mais. As piores coisas que ele
poderia pensar, as coisas que sabia que machucariam mais... —
Silêncio de novo, como se ele estivesse lutando para encontrar as
palavras certas, talvez até mesmo contornando algumas, embora eu não
tivesse certeza do porquê eu tinha esse sentimento. — Eu ouço suas
palavras às vezes, ainda. Elas passam pela minha cabeça, eu não sei, é
como se elas me paralisassem, me fizessem sentir a mesma falta de
valor que sentia quando criança.
Eu me inclinei. — Oh, Callen. Mas você encontrou muito sucesso
em sua vida. Você provou que ele está errado em todos os níveis.
Ele exalou um grande fôlego. — Talvez. Mas eu ouço os ecos de
suas palavras, e é como se elas repetissem e eu não pudesse fazê-las
parar.
— Exceto com álcool e... Festas, — eu disse. Mulheres. Um
pensamento que eu empurrei de lado. Ele estava se abrindo para mim,
mostrando seu coração, e eu queria desesperadamente conhecer essa
parte dele.
— Sim. Por um tempo, pude me entorpecer o suficiente para que
suas palavras fossem silenciadas, apenas ruído de fundo. Mas tem sido
cada vez mais difícil fazer isso. Ele beijou meu ombro. — Até você.
Mordi meu lábio, uma onda de esperança me encheu, a sensação
de que ele precisava de mim. O problema era que eu não queria ser
necessária apenas como uma espécie de musa para sua música. Eu
queria ser amada. — Você tem algum tipo de relacionamento com ele
agora?
— Não.
— E sua mãe? Você nunca mencionou ela...
— Não. — Havia muita dor nessa palavra. — Ela morreu quando
eu tinha oito anos. Uma overdose de remédios. Eles disseram que foi
um acidente, mas... Eu não sei. Ela estava deprimida desde que eu
consigo me lembrar.
— Sinto muito, — eu sussurrei, desejando que ele tivesse me
contado sobre isso quando éramos crianças. Isso explicaria mais a
tristeza em seus olhos. Eu perdi minha própria mãe devido a doença, e
isso já era difícil o suficiente para lidar quando adulto. Como seria para
uma criança de oito anos sensível perder sua mãe para algo que pode
ou não ter sido um acidente? Especialmente quando o pai parecia um
bastardo malvado que provavelmente tinha sido pouco confortável, se é
que um dia tenha sido.
Ele ficou em silêncio por um tempo e ficou meio tenso, então movi
minha mão para baixo de seu abdômen, procurando distrair. Seus
músculos se contraíram e ele respirou fundo. — Eu já disse a você que
ouço música na minha cabeça às vezes também? A que está tocando
agora é mais ou menos assim: bowchickawowwow.
Ele riu, o som profundo e sexy ao lado do meu ouvido, e eu
inclinei minha cabeça, sorrindo para ele. — Isso é bom, — disse ele.
— Estou feliz que você goste.
— Venha cá, Mozart, e me dê essa mão errante antes que você e
essa batida sexy me dê ideias.
— Que tipo de ideias?
— Ideias que seu corpo precisa para descansar.
— Hmm, — eu gemi. — Talvez só por esta noite.
— Só por hoje à noite. — Ele me puxou para perto e seu calor me
envolveu, o cheiro dele - pele masculina quente e algum produto
com cheiro de pinho que ele usou recentemente - trazendo segurança e
conforto. Suspirei e, depois de apenas alguns minutos, voltei a dormir.

***

Eu acordei com a sensação de algo duro nas minhas costas e


uma mão amassando meu peito suavemente. Eu gemi, pressionando
minha bunda contra Callen enquanto ele aspirava um assobio agudo. —
Eu quero você, — ele sussurrou. — Você ainda está dolorida?
Eu estava apenas um pouco, mas não me importei. Eu estava
excitada e queria sentir a plenitude de quando ele entrou em mim, a
doce invasão quando nos tornamos um. — Não.
Eu me virei e olhei para ele, a suave luz do meio-dia trazendo os
reflexos achocolatados de seu cabelo e os traços de azul em seus olhos
cinzentos. Seu rosto estava áspero com a barba por fazer, e seus lábios
pareciam inchados de sono e todos os beijos que havíamos dado na
noite anterior. Ele era lindo, meu príncipe finalmente retornou e eu
sabia que o amava. Talvez eu nunca tivesse deixado de amar.
— Eu tinha planejado levantar cedo e levá-la a um museu perto
do castelo. O Château que nós nunca conseguimos chegar, — ele
murmurou, mordendo suavemente a minha orelha.
Eu sorri, correndo minha mão pelo seu peito. — Você é meu
museu, — eu sussurrei, o empurrando gentilmente, então ele rolou de
costas. Eu joguei uma perna por cima dele e beijei seu pescoço
enquanto ele gemia. — Tanto para ver e experimentar, — murmurei
contra sua pele, minha mão roçando as cristas de seu estômago,
descendo para traçar um dedo ao longo do oco em seu quadril. — A arte
oferecida aqui é um estudo na... — eu fui mais baixo, envolvendo minha
mão em torno de sua dureza quando ele assobiou em
uma respiração torturada — prática.
Eu deslizei minha mão lentamente para cima e para baixo, me
gloriando na pulsação quente sob meus dedos, e ele arqueou as costas,
uma explosão de palavras distorcidas raspando de sua boca. Eu segurei
um sorriso. — Hmm. Você oferece estudos em línguas antiquadas
também?
Ele riu, embora estivesse infundido com um gemido. Ele colocou a
mão sobre a minha, acalmando momentaneamente para que ele
pudesse me rolar para as minhas costas, assumindo o controle, se
inclinando e sacudindo meu mamilo com a língua.
— Apenas um, e é tão antigo quanto o próprio tempo. Quer que
eu ensine isso para você?
Meu sorriso se transformou em um suspiro de prazer. — Ai sim.
Nós fizemos amor lentamente, de uma forma vagarosa que não
tinha estado lá na noite anterior, quando nós dois estávamos
gananciosos com a novidade de descobrir os corpos um do outro.
Ele beijou a curva do meu pescoço, passando pelo meu ombro e
passou as mão entre minha coxas antes de me virar, me fazendo rir,
uma risada que se transformou em um gemido quando ele correu as
unhas sobre minha bunda e passou a barba em meus ombros. Parecia
que ele queria explorar todos os lugares que ele poderia ter esquecido
na noite anterior, para ver cada parte minha na luz da manhã. Nós
temos tempo, eu queria dizer. Nós temos todo tempo do mundo. Mas eu
sabia que era uma mentira e eu não queria pensar sobre isso, então eu
afastei esses pensamentos. A sensação de suas mãos no meu corpo, se
tornou o meu foco, e eu me perdi no cheiro masculino de sua pele após
uma noite de sono, e como ele falava com cada parte feminina minha.
Nós nos deitamos juntos em satisfação completa enquanto eu me
aconchegava nele. Uma pena de ganso do edredom subiu em espiral
com o meu movimento e depois flutuou preguiçosamente para baixo em
um fino fio de luz solar. Callen estendeu a mão e tentou agarrar a parte
de baixo, rindo quando ela dançou para longe. Ele se virou para mim,
sua mão escorrendo pelas minhas costas enquanto ele pressionava um
beijo rápido ao lado da minha boca. — Você sabe como eu encontrei
aquele vagão? O dia em que nos conhecemos?
— Não. Como?
Ele olhou para cima, um sorriso brincando em sua boca. Eu
estendi a mão e deixei meu polegar deslizar sobre o recuo perfeito no
centro do seu lábio inferior, incapaz de resistir a tocar em qualquer
lugar e em todos os lugares que atraia meu interesse. Senti fome de
experimentá-lo de todas as maneiras que poderia... enquanto
poderia. Ele beijou meu polegar uma vez, depois se afastou. — Eu segui
uma pena. — Ele fez uma pausa, pegando uma mecha do meu cabelo
entre os dedos e os esfregando juntos, sentindo sua textura. Neste
ponto, ele deve saber a sensação de cada parte de mim, e ainda assim
ele suspirou enquanto observava seus próprios dedos se moverem,
aparentemente cativados pelos fios, talvez tão famintos quanto eu. O
pensamento me aqueceu e deixou contente. — Eu tive um encontro com
meu pai e saí de casa. Esta pena... chamou minha atenção e eu a segui.
— Seu olhar encontrou o meu. — Eu segui para o vagão, onde você me
encontrou apenas algumas horas depois. — Eu nem lembrava disso até
recentemente. Ele se inclinou e me beijou, e eu estava perdida nele
mais uma vez.
O dia passou em mudanças de luz e na constante ascensão e
queda do prazer, suas unhas roçando minha pele, sua boca
aparentemente em toda parte. Ele ligou para o andar de baixo e pediu
croissants e café e, mais tarde, mais sanduíches e uma sobremesa de
fruta e tarte tatin, que novamente comemos no chão em estilo
piquenique.
Callen se inclinou para frente e me beijou, lambendo o pedaço de
maçã caramelizada ao lado da minha boca enquanto eu ria. Ele
gemeu. — É melhor tomarmos um banho. Eu não tenho mais
preservativos comigo.
Eu levantei uma sobrancelha. — Estou decepcionada com sua
falta de preparação.
Ele sorriu e foi doce. — Não, eu não estava preparado para isso,
Jessie. Para você. Mas de alguma forma... — Ele me beijou novamente.
— De alguma forma o que? — Eu sussurrei.
— De alguma forma eu tive sorte, muito mais sorte do que eu
mereço. — Ele parecia pensativo quando se sentou, começando a
recolher as embalagens do nosso almoço.
Eu não queria que esse dia acabasse, não a intimidade da
pequena cama, as palavras sussurradas, comendo refeições de
piquenique nus, embrulhadas em cobertores, e então sorri, o
cutucando. — Bem, eu acho que a sua sorte acabou. — Eu me levantei,
deixando o cobertor cair aos meus pés. — Eu vou tomar um banho e
pensar em todas as coisas que poderíamos fazer sem camisinha. — Eu
coloquei meu dedo no meu queixo em consideração fingida. —
Provavelmente não existem, embora eu seja bem inexperiente...
Callen foi tão rápido, ele me assustou e me fez gritar. — Estou
com sorte de novo.
Nós desperdiçamos muita água quente antes de sairmos,
tomamos banho e rimos e ele me ensinou sobre as delícias dos banhos
de chuveiro e bocas, lavagem do corpo e pele nua.
— Deixe-me levá-la para jantar hoje à noite. Não podemos passar
o dia inteiro neste quarto.
— Não podemos?
— Talvez já tenhamos feito. Deixe-me alimentá-la
adequadamente, pelo menos uma refeição em que usamos utensílios. —
Sorri, pensando que os utensílios eram superestimados. A chuva tinha
parado no início do dia, e olhando pela janela, a rua estava seca, o sol
abaixando. Pensei no vestido sem costas de Clémence Maillard que eu
tinha trazido e de repente fiquei animada com a perspectiva de me
arrumar e sair para jantar com Callen. — OK.
Eu prendi meu cabelo e deixei algumas mechas soltas em volta do
meu rosto e pescoço, apliquei alguma maquiagem, e então coloquei o
vestido, o alisando pelos meus quadris, notando mais uma vez o fato de
que as criações de Clémence milagrosamente resistiram a
amassados. Eu coloquei as sandálias pretas com tiras que eu trouxe
para ir com ele e saí do banheiro.
Callen estava de pé na janela, olhando para fora. Ele estava
cantarolando, e era doce e melódico, lindo. Por um momento,
simplesmente o observei, ouvindo sua música. Mas ele deve ter me
sentido em pé atrás dele, porque ele se virou e sorriu, bonito em calças
escuras e uma camisa de botão cinza pálido. — Uau, você está ótimo.
Callen olhou do meu rosto lentamente para os meus pés
enquanto caminhava para onde eu estava, algo quase reverente em
seus olhos. — Você... Eu nem sei o que dizer sobre você. Você está
deslumbrante. Você é a mulher mais linda que eu já vi.
Eu sorri, mordendo meu lábio. Eu sabia que não era verdade. Eu
tinha visto as mulheres com quem ele normalmente passava tempo. Ele
obviamente estava com mulheres muito mais bonitas do que eu, mas o
jeito que ele estava me olhando naquele momento me fez sentir como se
ele realmente acreditasse em suas próprias palavras.
Quando descemos as escadas, Madame Leclaire estava na
recepção. Eu perguntei sobre um restaurante por perto, e ela nos deu
instruções para uma a poucas quadras. Ela sorriu para nós quando nos
despedimos, piscando quando sorrimos de volta.
O aconchegante restaurante familiar era charmoso e intimista, o
vinho branco que eu pedi, era rico e amanteigado, a comida deliciosa e
a música suave e romântica. Nós nos sentamos perto da janela e
conversamos facilmente sobre nossas vidas, sobre eu morar em Paris,
sobre o que ele gostava e não gostava em Los Angeles. Meu coração
transbordou com o amor que eu sentia por ele, a facilidade com a qual
nós conversamos sobre tudo e nada, e a sensação mágica deste fim de
semana, nesta aldeia onde o destino nos entregou de alguma forma. E
embora eu tivesse me dado a ele sabendo que não duraria, me permiti
fingir que poderia, só por agora. Só por esta noite.
Capítulo Dezessete
CALLEN

As letras borraram e mudaram de posição, se movendo no papel


como se estivessem correndo de mim. — O que é isso? — Ele exigiu, seu
dedo indicador batendo no livro aberto na minha frente, sua voz rouca
com fúria.
Eu queria agradá-lo. Eu queria tanto deixá-lo orgulhoso de mim,
mas não tinha a resposta, nem podia começar a adivinhar. Meus lábios
começaram a tremer e senti lágrimas queimando nas minhas pálpebras.
Por favor, Deus, por favor me ajude.
Meu pai virou o livro mais ou menos, soltando um grunhido de
raiva quando ele se levantou, me fazendo assustar e sentar
abruptamente. — Que porra está errada com você, seu retardado de
merda? Jesus Cristo. É uma porra de merda
— Sinto muito, — eu gritei, meus ombros cedendo com humilhação
e derrota.
— Tente de novo, — ele latiu.
Eu olhei para o papel, a tinta preta manchando diante dos meus
olhos, as lágrimas finalmente derramando e escorrendo nas minhas
bochechas.
— Você está chorando, sua putinha? Você está chorando?
Eu balancei a cabeça, negando, apesar das evidências óbvias. Eu
tentei parar, tentei puxar a devastação e a vergonha de volta para dentro
de mim. Mas eu queria a minha mãe, e pensar nela me fez chorar mais,
me fez querer tanto seu colo, que parecia um buraco no meu estômago
que nunca, nunca seria preenchido. Ela estava morta e nunca mais
voltaria. Nunca mais me protegeria. Agora éramos apenas nós - ele e eu,
e a lembrança interminável de que eu era uma decepção. As lágrimas
vieram mais rápido, um pequeno soluço subindo da minha garganta.
O tapa foi súbito e inesperado e me fez recuar, a cadeira em que eu
estava caindo com um barulho. Eu me contorci para trás enquanto ele se
aproximava de mim, estendendo a mão e me agarrando pela camisa e me
apoiando de novo.
Com a surpresa do tapa, as lágrimas secaram nas minhas
bochechas, um entorpecimento tomou o lugar da dor lá dentro. Meu pai
me empurrou algumas vezes, bateu com o punho na mesa, até fez um
buraco na parede uma vez, mas ele nunca me bateu no rosto antes.
— Você quer que eu te dê motivo para chorar, seu idiota?
Minha bochecha ardia e meu quadril doía onde eu caí no chão, mas
as dores físicas não eram nada perto da dor dentro do meu coração. Eu
cuspi para ele e observei seu rosto se contorcer de raiva, e ele trouxe a
mão de volta para me atacar novamente. Ele não percebeu que não foi o
que me fez chorar. As palavras me fizeram chorar, e eu acabei de
descobrir como fazê-las parar. Agora eu sabia como fazê-lo parar.

— Callen, você está sonhando. Shh, acorde. É só um sonho. —


Sua voz veio de longe, e eu comecei a acordar, um grito de angústia em
meus lábios, a sensação úmida de lágrimas nas minhas bochechas. Eu
estava respirando com dificuldade, e não sabia onde estava. Pisquei,
movendo a cabeça, a visão de uma cozinha pequena e desbotada
desaparecendo quando o minúsculo quarto do sótão entrou em foco. A
realidade se instalou. Eu estava sonhando. Eu não estava de
volta lá. Eu estava aqui. Com Jessie.
— Jessie, — eu disse asperamente. Seus braços vieram em volta
de mim, o calor de seu corpo era um conforto tão doce que eu queria me
afogar nela e nunca mais subir para respirar. Jessie, Jessie.
— Estou aqui. Está bem. Com o que você estava sonhando? —Ela
enxugou as lágrimas das minhas bochechas com tanta ternura, com os
olhos cheios de preocupação no escuro quarto, iluminado pela lua.
— Ele, eu acho. Não sei, — eu menti. Eu não queria falar sobre
isso. Eu precisava empurrar a memória dele para longe, longe e não
pensar sobre como era ser aquele garotinho. Minha respiração se
estabilizou. Estava aqui com Jessie no círculo quente de seus
braços. Eu queria me perder dentro dela, me enterrar em seu corpo e
mergulhar na paz, na cura, que ela oferecia.
— Jessie. — Suspirei, levando minha mão ao seu rosto e virando,
então eu estava inclinado sobre ela. Por um momento eu apenas olhei
para ela, seu lindo rosto suave com o sono e um olhar em seus olhos
que pensei ser amor. Isso me assustou - me aterrorizou - mas também
me encheu de esperança. Tomei a sensação dentro de mim,
armazenando-a no fundo do meu coração. Mesmo se eu não pudesse
mantê-la, eu poderia tirá-la e olhar para ela, lembrar como era. E
assim, sempre seria minha.
Eu me inclinei, a beijando e bebendo o gosto familiar de sua boca,
gemendo com o jeito que fez meu coração acelerar e meu corpo
apertar. Ela trouxe os braços em volta de mim, e quando minha boca se
moveu para o peito, ela enfiou os dedos no meu cabelo e envolveu as
pernas em volta dos meus quadris.
Eu me guiei dentro dela, levantando a cabeça de seu mamilo
momentaneamente enquanto sibilava a felicidade do aperto do corpo
dela. Alfinetadas de luz explodiram em minha mente, limpando
pensamentos de outra coisa que não ela, quando comecei a me mover e
empurrar.
Eu trouxe minha boca para a dela novamente e nos beijamos,
nossas línguas dançando enquanto nos movíamos juntos, lentamente a
princípio, suavemente, e então mais rápido, quase frenético. Nossa pele
escorregava e o quarto se encheu com o som úmido de sexo, com os
gemidos de Jessie e minha respiração ofegante. Isso era a vida. Era
lindo, primitivo e eufórico, e eu me gloriava nisso, em seu toque, em seu
cheiro, no modo como nossos corpos se encaixavam como se tivéssemos
sido feitos um para o outro.
A dor, as dúvidas, os ecos das palavras que outrora cortavam
como facas, as crostas que ainda sangravam com tanta facilidade, toda
aquela mágoa se desvanecia e só havia ela. Seu batimento cardíaco, seu
cheiro, o doce aperto de seus músculos internos enquanto eles me
massageavam com uma fricção quente e deliciosa.
— Jessie, oh Deus, as coisas que você me faz querer, — eu
ofeguei.
— Pegue elas. Eles são suas, — ela disse sem fôlego bem antes de
ela gritar, seus músculos internos se contraindo em volta de mim e
trazendo meu próprio orgasmo, quase chocando em sua
intensidade. Eu achei que tivesse chamado o nome dela, mas eu não
podia ter certeza quando minha cabeça recuou e eu me pressionei nela,
ordenhando cada gota de intensidade do meu clímax, circulando meus
quadris e depois caindo para frente em um gemido estrangulado de
prazer.
Pegue elas. São suas.
Porra, isso tinha sido... Incrível. Surpreendente. Eu nunca senti
nada parecido. Eu... Eu parei. Eu não usei camisinha.
Ah, porra. Era a primeira vez que eu fazia sexo sem uma, mesmo
durante meus interlúdios bêbados muito freqüentes, todas as escolhas
ruins que eu fiz, nunca tinha transado sem camisinha - pelo menos...
Pelo menos que eu poderia lembrar. Fechei meus olhos em desgosto,
grato que eu recebi um atestado de saúde antes de partir para a França
e me sentir mal por ter que pensar nisso em referência à minha doce e
linda Jessie. Eu soltei uma respiração áspera contra o pescoço de
Jessie, tentando expandir meus pulmões, tentando acalmar meu
coração acelerado. Eu podia sentir o dela batendo forte também, e
coloquei minha mão sobre ela, seu sangue pulsando embaixo da minha
mão, nossos corpos ainda conectados intimamente. — Eu não usei
camisinha, — eu disse, e seus dedos, que estavam correndo pelo meu
braço, pararam. — Eu estou limpo, Jessie, juro. — Eu não conseguia
esconder a vergonha na minha voz. — O momento... Está tudo bem?
— Sim, eu acho que sim, — ela sussurrou.
Jesus, eu esperava que sim. Não? Por um instante, senti uma
explosão de euforia poderosa, mas a forcei, a extinguindo antes que ela
pudesse crescer e se espalhar. Não, eu decidi no dia anterior que,
prender Jessie em qualquer sentido, seria errado, a coisa mais egoísta
que eu poderia fazer com ela. Mas prendê-la dessa maneira seria o pior
de tudo, porque ela nunca poderia se livrar na sua vida, mesmo que
quisesse. Ela não ficaria apenas presa, mas ficaria presa para sempre
porque seria a mãe do meu filho. Nosso filho.
Eu saí dela, me arrependendo de encher meu peito com a
possibilidade que tinha acabado de engravidá-la, que mesmo agora a
vida poderia estar florescendo dentro dela. Eu rolei para longe, mas não
pude deixar de pegá-la e puxá-la de volta para mim. Eu não estava
pronto para soltá-la. Ainda não.

***

O ar da manhã de domingo estava quente e fresco, e tudo


cheirava a limpeza como depois de dias de chuva. Nós acordamos cedo
e tomamos banho, nos vestindo e arrumamos o quarto um tanto
bagunçado. Havia uma espécie de constrangimento silencioso entre
nós, e eu não tinha certeza se era apenas o fato de que nosso fim de
semana estava terminando ou se Jessie se arrependia do que havíamos
feito.
— É como dizer adeus a um lugar mágico que nunca mais
veremos, — ela murmurou enquanto se voltava para o quarto uma
última vez. Deixei escapar um suspiro, feliz por saber o que sua
reticência matinal significava. Ela ia sentir falta desse quarto tanto
quanto eu.
Eu sorri. Foi mágico e não voltaríamos. A tristeza desse
pensamento me consumiu enquanto eu pegava nossas malas e fechava
a porta do quarto onde eu fizera amor com Jessie Creswell. Minha
Jessie. Nós tivemos apenas um punhado de dias agora, e eles não
estariam aqui. Eles voltariam ao mundo real, onde as coisas não eram
as mesmas.
Madame Leclaire nos examinou, sorrindo calorosamente quando
nos despedimos. Quando estávamos abrindo a porta, Jessie olhou para
trás e fez uma pergunta em francês. Madame Leclaire riu, o peito
sacudindo com o movimento enquanto respondia. Jessie sorriu e disse
outra coisa, e depois saímos.
— O que você perguntou a ela?
— Eu perguntei se realmente havia outros hóspedes em sua
pousada. Não havia.
Hã.
Jessie olhou para mim e sorriu timidamente. Por um momento,
parecia que ela estava decidindo se deveria ou não me esclarecer, mas
então ela disse: — Madame Leclaire disse que às vezes o começo do
amor é apenas uma simples questão de proximidade.
Amor.
Era possível? Jessie poderia realmente me amar? Por um
segundo, apenas um acelerado batimento cardíaco, me deixei
questionar a possibilidade antes de forçar minha mente a seguir em
frente. Eu não podia esperar por isso. Eu não podia. Ainda assim, sorri,
pensando no pequeno quarto, na pequena cama. O que a proximidade
tinha feito num fim de semana incrível. Boa iluminação também não
doía. Imaginei o modo como o crepúsculo minguante brilhara na janela,
mostrando as curvas esguias de Jessie por baixo da camisola branca, o
modo como a pele dela brilhava como cetim à luz amarela do
amanhecer. As visões dela assim permaneceriam comigo até o dia da
minha morte.
O carro tinha secado nos poucos dias que passamos na pousada,
mas tinha um cheiro levemente mofado que fez Jessie torcer o nariz
para cima. Eu ri e abaixei o teto. Espero que o ar fresco ajude a secá-lo
mais completamente. De qualquer maneira, fiquei contente por ter dito
sim quando o homem da locadora perguntou se eu queria o seguro.
Jessie suspirou. — Estou animada para voltar ao trabalho, mas
não quero que este fim de semana acabe. — Eu peguei a mão dela,
apertando.
— Eu realmente planejei mais uma parada no caminho de volta.
— Onde? — Ela perguntou animadamente.
— É uma surpresa. — Segui a voz do GPS até a placa do desvio
para Domrémy-la-Pucelle, a cidade onde, aprendi, graças à ajuda de
Nick, mais uma vez, que Joana d'Arc crescera. Jessie obviamente sabia
também, porque quando ela viu a placa, ela respirou fundo, apertando
minha mão.
— Oh meu Deus, como você sabia?
— Eu fiz a minha pesquisa. — Eu sorri, o prazer irradiando
através de mim para ver a alegria em seu rosto. — Mas, se houver
bicicletas envolvidas, eu saio.
Ela riu. — Combinado.
Fizemos uma série de voltas pela cidade, estacionando e andando
de mãos dadas até a pequena casa de fazenda coberta de telhado onde
Joana d'Arc nascera e crescera. A sala principal era a maior, com
lareira, piso frio e tetos com vigas de madeira. Eu olhei ao redor com
interesse mínimo, principalmente apenas querendo assistir Jessie
enquanto ela vagava, arrastando o dedo sobre as coisas daquela forma
que ela faz e se inclinando para estudar os detalhes. De vez em quando
ela olhava para cima e sorria com tanta alegria, e isso fazia meu
coração estremecer de felicidade. Por enquanto eu apreciaria cada olhar
de admiração que cruzava seu lindo rosto.
Quando saímos, Jessie parecia estar refletindo sobre algo, mas eu
a deixei com seus próprios pensamentos, imaginando que eles estavam
focados no trabalho que ela estava fazendo, a história em torno de sua
área de estudo.
Fizemos uma parada final, uma igreja de aparência antiga a uma
curta distância do local de nascimento de Joana d'Arc. - A Igreja de
Saint Rémy - disse Jessie, com uma nota de reverência em sua voz. —
Aqui é onde Joan vinha orar. Ela foi batizada aqui.
Entramos, o interior silencioso, o cheiro de velas e algum tipo de
óleo pungente no ar. Jessie olhou para os altos tetos arqueados e eu
observei os bancos escuros esculpidos à mão e os vitrais coloridos. Eu
não era um homem religioso em qualquer extensão da imaginação, mas
havia algo no ar aqui, algo... Pesado que eu podia sentir pressionando
no meu peito quando fechei meus olhos. Aqui eu quase podia acreditar
que um lugar poderia conter séculos de orações, confissões, alegria e
tristeza, que pedaços daqueles chamados a Deus ainda pairavam no ar
e tinham assumido vida própria.
— Parece... Diferente aqui, não é? — Jessie perguntou,
expressando o que eu estava pensando.
Eu quase disse que sim, mas não queria falar sobre um Deus que
não podia acreditar, um Deus que, se ele existisse, me abandonou
quando mais precisava dele. — Eu acho que é esse cheiro, seja o que
for, indo para nossas cabeças.
Jessie olhou para mim, seus olhos demorando no meu rosto por
um momento antes de sorrir. — Óleo de crisma, — ela murmurou,
desviando o olhar. — É o bálsamo que você cheira.
Eu coloquei minhas mãos nos bolsos e a segui enquanto ela
caminhava para frente, onde havia um suporte com pequenas velas. Ela
acendeu um fósforo e se inclinou para a frente, acendendo uma das
velas. Ela olhou por cima do ombro para mim. — Você quer fazer uma
oração por alguém?
Eu balancei a cabeça. — Não.
Ela assentiu e caminhou em direção a uma das vidraças de vidro
colorido nas proximidades. — Difícil de acreditar, não é?
— O que? — Minha voz soou tensa, e eu limpei minha garganta.
Jessie inclinou a cabeça, ainda olhando para o vidro colorido com
uma mulher de armadura, que eu assumi ser Joana d'Arc, montada em
um cavalo e mantendo seu padrão de batalha. As pessoas olhavam para
ela em oração, uma mãe segurando seu bebê em direção ao santo
guerreiro. — Que uma menina que veio aqui rezar uma vez seria um dia
retratada no vitral. Que uma jovem camponesa analfabeta inspirou uma
nação.
— Analfabeta? — Eu perguntei, minha voz quebrando novamente,
meu batimento cardíaco soando alto em meus ouvidos.
— Mmm, — Jessie cantarolou. — Os filhos dos agricultores não
eram geralmente ensinados a ler naquela época.
— Oh.
Ao único enunciado, ela virou a cabeça, sua expressão
preocupada, como se tivesse ouvido algo naquela palavra que a fez
parar. — É por isso que os vitrais se tornaram tão populares na Idade
Média. Então as pessoas sentadas nos bancos, muitas das quais
eram analfabetas, podiam entender histórias bíblicas.
— Hã. Interessante.
Jessie assentiu. — Sim, e é por isso que os escritos que estou
traduzindo são tão fascinantes. Joana d'Arc tinha algumas cartas
transcritas em diferentes pontos, mas ela não teria sido capaz de
manter um diário, não teria como registrar seus pensamentos pessoais
naquela época; nem provavelmente teria outra pessoa anotando para
ela. E assim, vê-la através dos olhos dessa garota é... Apenas uma
janela incrível para o passado e uma visão incrível da mente de uma
jovem que não poderia ter deixado para trás sua própria história. Temos
muita sorte de ela ter alguém para ajudá-la a fazer o que não podia
fazer sozinha.
Seus olhos se iluminaram enquanto ela falava, a paixão por seu
trabalho era óbvia, e eu adorava vê-la daquele jeito. Mas também
formou um caroço na minha garganta porque confirmou o que eu já
sabia: não havia lugar para mim em sua vida. Ela era uma mulher que
merecia tudo que a boa vida tinha a oferecer, incluindo um homem que
ela pudesse admirar e sentir orgulho.
Aquele homem não era eu, e maldito se eu não sentisse um
pequeno pedaço do meu coração quebrar toda vez que eu me lembrava
desse fato.
— Eu nunca fui muito para a igreja.
— Não?
— Não. Prefiro confessar meus pecados ao fundo de uma garrafa
de Bourbon.
Ela riu baixinho. — Eu também não sou frequentadora da
igreja. Minha família não era religiosa.
Eu a estudei enquanto ela olhava para a janela novamente. Eu
tinha notado a reverência em seus olhos quando ela olhou para as
estátuas, os bancos, as gravuras nas fotos de madeira penduradas nas
paredes. Ela pode não ser religiosa, mas ela parecia ser espiritual. —
Você acredita em Deus, Jessie?
Ela inclinou a cabeça, sem responder por um
momento. Finalmente, ela disse: — Há uma história que ouvi sobre um
homem religioso que foi pego em uma inundação. Ele subiu no telhado
de sua casa e confiou que Deus o salvaria. Um vizinho apareceu em um
barco e disse: 'A água está subindo. Entre no meu barco’.
— Mas o homem religioso respondeu: 'Não, obrigado. Eu orei a
Deus e sei que ele me salvará. — Pouco tempo depois, uma equipe de
resgate apareceu em um barco. ‘A água está subindo. Entre no nosso
barco’. — Mas, novamente, o religioso disse: 'Não, obrigado. Eu orei a
Deus e sei que ele me salvará’.
Pouco tempo depois, um helicóptero da polícia sobrevoou e jogou
uma escada. — ‘A água está subindo’, — disseram eles. 'Pegue a escada
e vamos levá-lo para a segurança.'
— Mas o homem religioso respondeu: 'Não, obrigado. Eu orei a
Deus e sei que ele me salvará.
— Todo esse tempo a água continuava a subir, até que logo
alcançou o telhado e o religioso se afogou. Quando ele chegou ao céu,
ele exigiu ver Deus imediatamente. Quando ele estava diante dele, ele
disse: 'Senhor, por que estou aqui no céu? Eu orei por você para me
salvar. Eu confiei que você me salvaria daquela inundação.
—'Sim, meu filho, você fez', respondeu Deus. ‘E enviei-te dois
barcos e um helicóptero de salvamento. Mas você os mandou embora’.
Eu olhei para ela, uma estranha sensação girando dentro de mim,
a sensação de que pequenas formigas estavam rastejando na minha
pele. Eu dei a Jessie um sorriso irônico.
— De qualquer forma, — disse Jessie, sorrindo de volta, dando
uma risada tímida. — Essa é uma das minhas crenças espirituais
resumidas em uma história. Talvez exista algo como Deus ou destino,
mas no final das contas, acredito que, se existe um Deus, ele ajuda
aqueles que se ajudam.
Eu não comentei. Deus nunca me ajudou. Deus levou minha mãe
embora e me deixou com um monstro. Deus sempre me deixou para me
afogar. — Devemos ir? — Eu perguntei. — Tenho certeza de que você
tem coisas a fazer para se preparar para o seu dia de amanhã.
— Sim. Eu tenho. — Ela caminhou os poucos passos até onde eu
estava e pegou minha mão. — Obrigada, Callen. Obrigada por este fim
de semana e tudo o que você fez por mim. — Ela olhou para baixo, seus
cílios tremulando contra suas bochechas, e meu coração se moveu
lentamente. — Eu nunca esquecerei isso.
— Eu também não vou, Jessie. — E nenhuma palavra mais
verdadeira jamais foi dita.
Capítulo Dezoito
JESSICA

Meu coração afundou um pouco quando o Château de


laBellefeuille apareceu. Tão magnífico e de tirar o fôlego quanto a sua
estrutura se mostrava no fim deste glorioso final de semana, e ainda
mais dolorosamente, o tempo cada vez menor que teríamos juntos na
França. Cinco dias e Callen iria embora. Havia alguma chance de que
ele quisesse tornar nosso relacionamento mais permanente? E se sim,
como isso funcionaria exatamente? Eu não queria que minha mente
tentasse encontrar soluções, mas de alguma forma ela continuava
vagando por lá. Ele poderia trabalhar na França, assim como em
qualquer lugar, não poderia? Ele teria que mudar sua vida inteira para
fazer isso, mas...
— Aqui estamos, — disse Callen, chegando ao meio-fio. Eu não
tinha certeza se eu imaginava a decepção em sua voz ou se eu estava
apenas transferindo minhas próprias emoções para ele e ouvindo coisas
em seu tom que não estavam realmente lá.
O manobrista abriu a minha porta, e eu saí, encontrando Callen
na calçada depois que ele pegou nossas malas no porta-malas e deu
uma gorjeta ao manobrista. Entramos no castelo e caminhamos em
direção ao elevador. Eu não sabia o que fazer. Era onde devíamos nos
separar, ou devo perguntar se ele gostaria de ir jantar? Eu precisava
dormir cedo, então estaria bem descansada para o trabalho amanhã,
mas Callen e eu tínhamos tão pouco tempo, e queria aproveitar cada
momento que tínhamos. E eu me acostumei com o corpo dele ao lado do
meu quando adormecia, o cheiro de sua pele quando me segurava firme
contra ele.
Jessica, você está ferrada. — Jessie, — Callen disse, parando
quando entramos no vestíbulo principal. — Eu sei que você tem coisas
para fazer e que você tem que trabalhar amanhã, mas... Fique comigo
esta noite. Eu vou deixar você dormir. Eu prometo. Eu...
— Sim. —Eu balancei a cabeça, exalando uma respiração
aliviada. — Sim.
O alívio que lavou a expressão de Callen fez meu coração pular e
eu dei um beijo nele.
Seu corpo parecia mais solto ao meu lado enquanto
caminhávamos a curta distância até o elevador e depois seguíamos para
o último andar. O carpete do corredor era macio debaixo dos meus pés,
e eu mal podia esperar para usar a banheira dele e mergulhar meus
músculos depois de estar no carro metade do dia. Talvez Callen se
juntasse a mim. Um sorriso secreto inclinou meus lábios, e Callen
olhou para mim, levantando as sobrancelhas quando chegamos à porta
de sua suíte e ele colocou nossas malas no chão para pegar a chave. —
O que exatamente você está pensando agora?
Eu me inclinei contra a parede, o observando enquanto ele
colocava a chave na fechadura. — Estava apenas pensando sobre essa
grande banheira sua.
Seus olhos brilharam, e ele sorriu quando abriu a porta, pegando
as malas e acenando para a suíte, indicando que eu deveria entrar na
frente dele. — Eu gosto de onde esse pensamento está indo. Vamos
falar mais sobre isso. — ele disse enquanto fechava a porta atrás de
si. Eu apenas sorri, indo em direção ao quarto, onde parei de repente,
inalando uma respiração chocada.
Havia uma mulher seminua deitada em sua cama.
Meu sangue gelou em minhas veias quando ela se sentou e
ergueu uma sobrancelha loira e magra, sua boca vermelha cheia em um
sorriso divertido, o sutiã preto e a calcinha que ela usava não deixando
nada para a imaginação.
— Que diabos você está fazendo no meu quarto, Annette? —
Callen rosnou atrás de mim.
Meus membros pareciam congelados e, no entanto, meu coração
batia uma milha por minuto. Quem diabos era Annette? E por que ela
estava praticamente nua e deitada em sua cama como se tivesse todo o
direito de estar lá?
Uma dúzia de imagens passou pela minha cabeça, porque isso
parecia muito familiar. Quantas vezes minha mãe invadiu quartos de
hotéis onde mulheres seminuas sentaram em choque, puxando lençóis
em volta de si? Quantas vezes meu irmão e eu nos arrastamos atrás
dela, bochechas flamejantes e olhos ardendo?
— O que você está fazendo na França? Como diabos você entrou
no meu quarto? — Callen exigiu. Annette recostou-se no travesseiro de
Callen e passou a mão pelo seu peito perfeitamente redondo, passando
pelo mamilo, pela renda do sutiã. Eu desviei o olhar. Meu rosto estava
quente e eu sabia que devia estar corado de choque e humilhação.
— Eu distraí o homem na recepção e peguei uma chave. Eu não
sabia que os hotéis ainda usavam chaves. É encantador. Oh, pare de
me olhar desse jeito. Você geralmente fica muito mais feliz em me ver,
Callen querido. Seu entusiasmo é geralmente - ela olhou para a virilha -
maior. É por causa dela? Ela pode se juntar a nós. Nós tentamos todo o
resto, mas não isso. Eu...
— Cale a boca, Annette. — grunhiu Callen novamente, pegando
um cobertor da ponta da cama e jogando-o para ela. — E se cubra. —
Callen olhou para mim, suas bochechas coradas, seus olhos cheios de
vergonha. — Jessie... Me desculpe...
Eu apenas olhei para ele, de olhos arregalados. Eu não sabia o
que dizer. Eu não entendi completamente o que estava acontecendo, a
não ser que essa mulher era aparentemente uma parte regular de sua
vida em Los Angeles. Minha cabeça estava nadando e percebi que ela
parecia vagamente familiar. Ela estava com ele no salão naquela noite
em Paris? Eu realmente só tinha olhos para Callen, mas agora que eu
estava dando uma boa olhada nela, pensei que ela estivesse lá. Mas ele
não estava com a loira francesa? Aquela que disse a ele para terminar
com a ajuda?
A bolha feliz que eu tinha acabado de entrar não tinha apenas
explodido.
Annette suspirou, balançando as pernas para o lado da cama e de
pé. Ela riu. — O olhar em seu rosto, Callen. Como se você nunca tivesse
me visto nua antes.
Eu empalideci, sentindo como se eu pudesse vomitar, e alcancei a
parede para firmar minhas pernas trêmulas, assim como os passos
soaram atrás de mim. Eu peguei o rosto de Annette drenando de cor
também, sua boca abrindo e fechando antes de eu me virar para
encontrar um homem baixo e careca parado na porta atrás de nós, seus
olhos se movendo entre nós três.
— Oh Cristo, — ouvi Callen dizer.
— O que é isso? — Perguntou o homem.
— Larry...
— Você está fodendo minha esposa ? — O homem olhou para
Callen, sua expressão tensa de raiva e o que parecia surpresa
horrorizada.
Annette soltou uma pequena tosse, pegando o cobertor na cama e
envolvendo-o em volta do corpo. — Larry, querido, é apenas um mal-
entendido, — ela começou, mas ele a cortou com um olhar venenoso.
— De todas as coisas repugnantes e imorais que você fez, —Larry
disse, direcionando suas palavras para Callen. — Eu pensei que até
você tivesse alguns padrões.
Callen fechou os olhos por um breve segundo, sua expressão de
dor. Ele olhou para Larry e depois olhou para Annette, e eu reconheci o
olhar em seu rosto. Eu tinha visto muitas vezes no meu pai. Callen
estava decidindo se mentiria ou não. Ele passou a mão pelo cabelo e
soltou um suspiro. — Sim, eu dormi com Annette no passado. Eu sinto
muito. Não tenho desculpa. Não mais. — Então, no final, ele decidiu a
verdade. Meu pai nunca havia seguido esse caminho e, no entanto,
percebi que talvez não importasse. Parada aqui agora, ainda me sentia
mal e humilhada. Eu era a outra mulher nos olhos de Annette? Parecia
que de alguma forma doente, distorcida. Eu queria sair do quarto ou,
melhor ainda, desaparecer.
Larry sacudiu a cabeça, o olhar ainda cheio de desgosto. — Eu
deixei uma mensagem de voz para que você soubesse que estávamos
vindo para passar alguns dias com você, imaginei que você poderia ter
alguma companhia. —Ele olhou para mim. — Mas nunca faltou uma
companhia para você. Uma distração do caralho após a outra.
— Não. Não ela. — Ele olhou para mim, sua mandíbula tensa,
seus olhos vazios. — Jessie, volte para o seu quarto. — Eu fiquei
boquiaberta, piscando para ele. Que diabos? Ele
estava me dispensando? Depois do lindo fim de semana que nós
passamos juntos, depois que fizemos amor? Por que ele não estava
acabando com isso? Eu olhei de volta para Annette envolta em um
cobertor, seus seios mal cobertos, as linhas de seu corpo perfeito
facilmente visto com o material embrulhado com tanta força ao seu
redor.
Oh Deus, esta é a vida dele. Ela é a vida dele.
De todas as coisas repugnantes e imorais que você fez... Essa é a
vida dele. Repugnante. Imoral. Jessie, volte para o seu quarto.
Se eu tivesse momentaneamente esquecido que era
temporária, esse era um lembrete claro e brutal. Eu me virei sem dizer
uma palavra, pegando minha mala ainda no chão perto da porta, e
praticamente corri para fora do quarto. Eu não permiti que as lágrimas
caíssem até que eu estivesse de volta ao meu quarto. Deixei minha mala
no chão, pressionei minhas costas contra a porta fechada e solucei.

***

A batida na minha porta me assustou e me sentei na cama. —


Jessie? — Eu o ouvi chamado suavemente. Callen,
Eu tinha jurado não ir até ele depois do que aconteceu antes -
depois que ele me dispensou. Eu não iria persegui-lo. Eu não imploraria
por um pedido de desculpas. Por alguma razão, eu nem tinha
considerado que ele poderia vir atrás de mim. Isso me confundiu,
me desequilibrou. Eu passei meus dedos sob meus olhos, embora
minhas lágrimas já estivessem secado e fui na ponta dos pés até a
porta. Coloquei minhas mãos nela e descansei meu ouvido contra a
madeira, sem saber o que fazer. Não tenho certeza se eu queria vê-lo
agora.
— Por favor, Jessie. — Sua voz parecia estar diretamente do outro
lado da porta, como se ele também estivesse encostado nela. — Por
favor abra a porta. Precisamos conversar. — Eu recuei, mordendo meu
lábio. — Por favor, — ele repetiu.
Suspirei, a fechadura fazendo um som agudo enquanto eu a
virava e abria a porta. Ele pegou o batente da porta, seu grande corpo
enchendo o espaço, seu rosto cansado e arrependido. — Eu sinto
muito. Sinto muito.
Eu balancei a cabeça, pressionando meus lábios juntos, voltando
para que ele pudesse entrar. Por um segundo nós apenas nos
encaramos, o espaço entre nós cheio de tensão. — Aquelas pessoas
estavam com você naquela noite em Paris, no lounge onde eu
trabalhava.
Ele assentiu. — Ele é meu agente, e ela é sua esposa.
— Oh. — A palavra foi um sussurro, atada com a intensa
decepção que senti.
— Eu não pedi a ela para ir ao meu quarto. Eu nem sabia que
eles estavam vindo para a França.
— Ele disse que deixou uma mensagem para você, — eu disse,
fechando a porta e me recostando contra ela.
— Eu estava com você, Jessie. Eu praticamente esqueci
que tinha um telefone... — Suas palavras sumiram.
Fechei meus olhos por um momento. Sentimos como se
estivéssemos em nosso próprio mundo, um lugar destinado apenas a
nós. Eu estava com medo de voltar para o mundo real e fui atingida
com a razão não mais do que dez minutos depois de colocar os pés no
Château. Se eu não estivesse lá, ele aceitaria a oferta dela? — Você
está... Tendo um caso com ela?
Ele fez uma careta. — Não, isso não é... É... — Ele massageou a
nuca, parecendo totalmente infeliz. Depois de um momento, ele
balançou a cabeça. — Eu fiz tantas coisas que eu tenho vergonha,
Jessie. Eu odeio essas coisas... — Ele balançou a cabeça novamente,
como se estivesse completamente perdido por palavras.
O momento se estendeu entre nós. — Eu não tenho desculpa, —
ele disse antes. Pelo menos ele percebeu isso. Ainda assim, o episódio
inteiro parecia tão... Baixo. Imoral, assim como seu agente havia
dito. Eu não queria ver Callen desse jeito. Eu sabia que ele dormiu com
muitas mulheres. Eu sabia que ele bebia. Ele até me disse por que e eu
tentei entender. Mas isso... Isso me fez sentir vergonha dele -
desgostosa - e doeu. Ele sempre foi meu príncipe, primeiro em minha
imaginação, depois em minha memória e agora em meu coração. Eu o
amava. Mas isso?
— Eles têm filhos? — Eu perguntei, olhando para longe. Minha
voz soou plana.
Ele fez uma pausa, me estudando, sua expressão tão triste que
fez meu coração disparar. Eu não queria me sentir mal por ele. Ele era
o vilão aqui. — Não.
Isso deixava as coisas melhor? Isso importava? Ou eu estava
apenas fazendo isso por mim? Sobre minhas próprias memórias
dolorosas?
— Deus, não olhe para mim desse jeito, Jessie, — ele
murmurou. — Eu nunca menti sobre a vida que levei. Eu nunca te
prometi nada que não pudesse entregar. Você concordou com isso. Sem
promessas. Sem arrependimentos.
— Eu sei, — eu disse suavemente. — É só que... — eu dei de
ombros, um gesto autoconsciente. Eu me senti muito passiva e crua. —
Você sempre foi meu príncipe, Callen, — eu admiti, expressando o
pensamento que eu tinha acabado de ter, o deixando entrar no meu
coração. — Dói ver você como qualquer outra coisa. Depois desse fim de
semana, eu esperava...
— Pare. Eu não posso ser seu príncipe, Jessie. Você tem que ver
isso. — Callen xingou baixinho, se virando.
Meu coração se contraiu de dor. Eu vi isso depois do que acabei
de experimentar lá em cima? Talvez. Mas eu estava tendo um momento
difícil em separar o homem que eu tinha passado o fim de semana com
este homem. Eu não poderia fundir o homem que me levou a uma igreja
vazia no meio do nada, simplesmente porque ele sabia que isso me
fascinaria com esse homem que parecia sem moral ou consciência, um
homem que poderia ferir as pessoas com tanta facilidade e egoísmo... —
Eu acho que… eu… esperava que você decidisse que não quer viver
desse jeito, cercado por pessoas superficiais, se tornando você mesmo,
fazendo escolhas que te deixam envergonhado, do jeito que eu vejo você
fazer agora. Eu sei que você sentiu o que eu fiz este fim de semana,
Callen. Eu estava lá. Eu vi você. Aquele homem no andar de cima há
alguns minutos atrás, não era você. Ou pelo menos... Não precisa
ser. Não mais. Estendi a mão para ele, mas ele não chegou para trás.
— Você está errada, — disse ele, sua voz um sussurro
abafado. Eu deixei minha mão cair, com uma dor irradiando através de
mim. — Deus, Jessie, se eu pudesse mudar por alguém, seria por
você. Eu não quero ser esse homem. Mas é quem eu me tornei. É quem
tenho que ser.
Ele se afastou, o olhar em seu rosto se encheu de tanta agonia
que eu só pude olhar consternada. Se ele se sentisse tão chateado
quanto eu, se ele não quisesse ser essa pessoa, por que ele estava
fazendo isso? — O que…? Por quê? Por que você tem que ser alguém
que você detesta?
Callen suspirou quando se virou de mim, indo em direção à
janela, onde abriu a cortina e olhou para o jardim. Sua postura era
rígida, seus ombros tensos e ele ficou quieto por tanto tempo que quase
fui até ele. Mas algo me segurou. Senti uma antecipação pesada, como
se ele estivesse pesando se deveria compartilhar algo comigo, como se
estivesse tentando reunir alguma força interior. E então eu esperei, mal
respirando.
— Eu não sei ler, — ele disse, com as palavras tão silenciosas que
quase perguntei se as ouvi corretamente. Meu coração começou a bater
rapidamente e minha mente se encheu de confusão. Ele se virou para
mim, uma vulnerabilidade tão nua em seus olhos que eu engoli em
seco. — Não consigo ler livros, menus ou placas. Não consigo ler textos
ou e-mails. Eu... Não podia deixar um bilhete nos trilhos do trem
quando éramos adolescentes porque não posso escrever uma porra de
uma carta, nem mesmo uma.
Espere o que?
Eu me senti congelada com o choque, minha mente girando para
tentar reunir quaisquer pistas que pudessem me dizer. Eu não
conseguia pensar em nenhuma. — Eu... Eu não sabia.
— Eu sou bom em esconder isso. Eu fiz esconder minha outra
carreira, Jessie.
Dei um passo à frente, atraída por ele, pela dor no rosto e pelo
jeito que ele parecia tão solitário parado em frente à janela. A luz criou
uma auréola ao redor dele, seu cabelo escuro caindo sobre a testa. —
Como, porém, Callen? Eu não entendo.
Ele olhou para o lado por um momento, colocando as mãos nos
bolsos e encolhendo os ombros, o movimento quase imperceptível. —
Eu lutei muito na escola quando era criança. As lições... Eu não
conseguia entendê-las. Finalmente fui diagnosticado com uma
dificuldade de aprendizado, mas... — tirou a mão do bolso e afastou o
cabelo da testa, — ainda assim, foi tão difícil. A escola pagou para que
este tutor viesse para a casa, mas meu pai assistia, e isso me deixava
tão nervoso, que não tentei. — Ele suspirou, o som cheio de tal cansaço
fez meu coração doer.
— Logo eu percebi que, se meu pai se frustrasse o suficiente, ele
terminaria a aula e então atacaria fisicamente a mim. Eu preferia o
abuso físico à humilhação de não ser capaz de entender as letras.
— Oh, Callen, — eu respirei, lágrimas saltando para os meus
olhos. — Isso é o que você quis dizer, todos aqueles anos atrás, quando
você disse que não se importava em ser atingido.
Seu aceno de cabeça estava trêmulo. — Sim. Ser atingido era
melhor que os nomes que ele me
chamava. Idiota. Retardado. Frustrante. Ser atingido era melhor do que
se sentir constantemente como um fracasso inútil.
— E... As palavras que você ouve repetem em sua cabeça, é ele
xingando você porque você não pode ler? Todos os elogios que você
recebe, ainda é só ele que você ouve. — Fiz uma pausa por um
momento e olhei para sua expressão abandonada. — Ele rouba sua
mágica.
— Sim. — A palavra saiu no sussurro de uma respiração. — É por
isso que não posso ficar sozinho. Por que eu faria qualquer coisa para
não ter que ficar sozinho. Porque quando estou sozinho, ele é tudo que
ouço na minha cabeça.
Fui até ele, incapaz de me segurar, mesmo que muitas coisas
ainda pesassem tanto no meu coração. Deixá-lo ali sozinho depois que
ele me disse que o segredo que ele tinha guardado por tanto tempo era
insuportável. Eu passei meus braços em volta de sua cintura,
colocando minha cabeça em seu peito e apertando-o para mim. Suas
mãos subiram, passando pelo meu cabelo, e ele colocou o queixo no
topo da minha cabeça. — Jessie, — ele suspirou.
Depois de um minuto ele levantou a cabeça e eu inclinei a minha
para trás para olhar para ele. — Sinto muito por hoje. Sinto muito que
você tenha sido confrontada com o pior de mim. Estou tão
envergonhado. Mas você vê, eu não sou seu príncipe e nunca posso
ser. Eu não poderia escrever uma carta de amor se a minha vida
dependesse disso. Eu não posso nem escrever meu próprio nome. Eu
apenas... Te envergonho.
— Você nunca me envergonharia, Callen, e você pode
aprender. Você é um homem agora, não um garotinho assustado com
medo de decepcionar seu pai. Você poderia contratar um professor
particular se quisesse. Você lê notas musicais e símbolos. Se você pode
lê-las, também poderá aprender a entender as letras.
Ele tirou meus braços de sua cintura e se afastou, sacudindo a
cabeça. — Não. Não é o mesmo.
— Como?
— Eu não sei com certeza. Talvez seja uma coisa do cérebro
direito/cérebro esquerdo. Talvez eu seja uma anomalia. Eu não faço
ideia. Não é como se eu pudesse pesquisar esse tipo de coisa. — Ele
desviou o olhar por um momento. — Naquele dia no vagão, quando você
me mostrou a música em seu livro, foi como... — Seu rosto estremeceu
como se ele se esforçasse para explicar, até para si mesmo. — Era como
se as notas tivessem peso real, com seus fundos redondos e pesados e a
pequena equipe leve no topo. Sua forma... Os ancorou no papel, e eles
não se contorciam, giravam e voavam como letras e números faziam. —
Ele balançou a cabeça. — Não posso explicar isso, Jessie, mas eu li
essas anotações. Elas ficaram no meu cérebro, e quando eu olhei para
elas no dia seguinte, elas pareciam o mesmo que no dia anterior e eu
lembrei de seus nomes.
A emoção entupiu minha garganta, então mal consegui falar. Oh,
Callen — Isso é... Quero dizer, eu gostaria de ter sabido. Eu gostaria de
ter entendido o quanto esse livro de música era importante para
você. Teria levado a você cada um que eu pudesse colocar minhas
mãos.
Ele sorriu e foi suave, doce, um pouco triste. — Eu sei que você
teria. O teclado, no entanto, ajudou ainda mais, especialmente quando
eu pude colocar um som na nota. De alguma forma, ouvir o que o
símbolo parecia cimentou no meu cérebro. Eu me tornei obcecado com
a música, com o modo como as notas se encaixavam, como elas se
complementavam, como uma seqüência delas mudava o sentimento
delas. Eu...
Eu balancei a cabeça em admiração. Deus, ele achava que
qualquer um poderia ter aprendido a ler música, a tocar num teclado
antigo, a compor música que fosse diretamente para a alma das
pessoas? — Você é um gênio, Callen. Você é um gênio musical.
Ele riu, mas não teve muita diversão, mais dor do que
leviandade. — Eu dificilmente sou um gênio. Eu sou um...
— Não. — Eu me movi para frente, colocando dois dedos contra
seus lábios, parando suas palavras. — Não se atreva a dizer isso. Não
repita o que ele disse para você. — Eu deixei minha mão cair,
balançando a cabeça. — Não é a voz dele que você ouve na sua cabeça,
é? É a sua. É a sua voz, repetindo as palavras que ele disse uma vez
para você, reforçando-as. Se você ainda acredita que elas são a verdade,
então elas ainda têm muito poder.
Ele abriu a boca e depois fechou, seus olhos se movendo sobre o
meu rosto. Ele soltou um suspiro trêmulo. — Eu não sei. Eu nem sei
mais.
— Elas são mentiras, Callen, e sempre foram. Mentiras contadas
por um homem cruel a um garotinho assustado e impressionável. Você
tem que acreditar nisso antes que eles vão embora.
Ele passou a mão pelo cabelo, suspirando antes de deixar cair os
braços para os lados. — Ainda vou aprender a ler, Jessie.
Ele estava errado, mas deixei passar por um momento. Ele teria
que encontrar coragem para tentar. Eu não poderia fazer isso por
ele. Eu dei um passo para frente novamente, colocando as palmas das
mãos em seu peito, inclinando a cabeça para olhar em seu rosto. —
Então me escreva cartas de amor com sua música. Escreva-me canções
que fazem meu coração doer e minha alma se sentir cheia. Se você... Se
você tem sentimentos por mim, os expresse através de suas
músicas. Eu não me importo. Mas não viva uma vida que você não quer
levar. Não se torne algo que você não quer ser. Não jogue fora o que
temos porque você não se sente digno de mim.
— Eu não sou digno de você. Como você se sentirá quando
precisar ler constantemente as coisas para mim? Quão chato será para
você estar com um homem que não pode discutir história, ou qualquer
outra política que não a que eu vejo no noticiário da noite, ou, diabos,
até o meme que todo mundo ri, menos eu, porque não tenho nenhuma
pista o que diz?
Suspirei. — Callen, há livros em fita ou documentários, se você
está realmente interessado em história. Eu acho que você
provavelmente sabe disso, e você teria escutado ou assistido antes, se
você realmente quisesse. Se você não é obrigado a aprender sobre a
história, não faça isso por mim. Eu não me importo com isso. Eu quero
ouvir o que você pensa sobre as cores do pôr-do-sol em nossa janela e
quais são suas ideias sobre o destino. Eu quero ouvir sobre as coisas
em seu coração e a maneira como você vê o mundo ao seu redor.
— Ah, Jessie, — ele respirou, seus olhos suaves enquanto ele
olhava para mim. Ele me puxou para ele, e por alguns minutos nós
ficamos assim, meu ouvido em seu peito enquanto eu ouvia a batida
constante de seu coração, seus lábios no topo da minha cabeça.
Quando finalmente nos separamos, ele suspirou. — Eu só... Eu
não sei. Você merece tudo e eu quero ser o homem que pode dar a você,
mas eu... Eu não sou.
Meu coração bateu no meu peito. Ele estava errado. Eu o amava e
não me importava que ele não pudesse ler, não me importava que ele
tivesse mentido sobre isso. Eu entendia meu príncipe quebrado tão bem
agora. Tudo havia se encaixado. Mas nada do que eu senti importava. O
que eu sabia, o que eu acreditava, não fazia diferença se ele não
acreditasse em si mesmo.
— Por favor, não fique tão triste, Jessie. Ainda temos um pouco
de tempo. Não vamos desperdiçá-lo. — Um pouco de tempo.
Nós estávamos de volta a isso. Era tudo o que ele estava disposto
a nos dar e eu queria mais. Eu queria ele, mas de repente eu estava tão
confusa. Eu esperava que pudéssemos trabalhar em algo, mas agora eu
não conseguia ver a imagem claramente. Estava enevoado e cheio de
estradas que de repente terminaram, desaparecendo do nada. Oh Deus,
como eu diria adeus quando não queria, quando o queria em minha
vida era ele, e ele ainda não acreditava que eu pertencia a ele?
Um pouco de tempo.
Um punhado de dias. Não foi o suficiente. Foi tudo que eu tive.
Capítulo Dezenove
CALLEN

A queimação da bebida era uma distração bem-vinda dos meus


pensamentos, ainda que momentânea. Se eu bebesse o suficiente, isso
os entorpeceria completamente, mas isso significaria que eu
provavelmente desmaiaria e perderia uma noite inteira com Jessie
quando tínhamos poucos dias: quatro para ser exato.
Eu ainda estava completamente enojado, pela visão de perto
que Jessie tinha na vida que eu vivia. Annette. Porra Cristo. Eu senti
como se tivesse sujado a pureza de Jessie apenas por ela ter
testemunhado aquela cena horrível. Não só isso, mas enfiei uma faca no
mesmo lugar que ela me confidenciou ser o lugar mais terno dentro
dela. Eu sabia o que era isso, e me odiava por fazer isso com Jessie.
Suspirei, passando minhas mãos pelo meu cabelo, repassando o
que dissemos um ao outro em seu quarto na noite anterior. Jessie sabia
que eu não sabia ler e não me rejeitou imediatamente. Saber disso
cantou em minha alma e ainda... A familiar vergonha ainda tiniu ao
fundo, abafando o alívio. Eu menti por tanto tempo, não achei que
tivesse a coragem de viver a verdade abertamente, não podia nem
imaginar como seria não ter que me cobrir em um milhão de pequenas
maneiras que eu nunca poderia antecipar até eles realmente
aconteceram.
Eu me tornara um mestre da mentira, havia aperfeiçoado minha
capacidade de mentir no local, distrair, desviar. E era exaustivo. Eu
tinha me acostumado com as mentiras neste momento, mas agora que
Jessie sabia, como seria me deitar na frente dela e saber que ela
entendia o que eu estava fazendo? Que tipo de vergonha isso
inspiraria? Mentir constantemente na frente de alguém que você
respeitava e que sabia que você estava mentindo? E se ela visse a
habilidade com a qual eu faço, ela entenderia, ou acabaria com
qualquer confiança que pudesse ter em mim? Como você pode confiar
em alguém que te lembrava da pessoa que mais te machucou?
Tomei outro gole de álcool, frustrado e confuso com meus
próprios pensamentos sem objetivo.
Eu estava tentado a ficar no meu quarto pelo resto do dia,
esperando por Jessie, mas eu me senti confinado. A música não estava
tocando na minha cabeça. Eu não ia escrever nada, e eu queria uma
bebida. Eu liguei para o Nick e ele estava trabalhando, mas disse que
me encontraria no bar às cinco. Eu desci às quatro e estava tomando a
mesma bebida nos últimos quarenta e cinco minutos. Alguém riu alto
do outro lado do bar, e eu olhei para o casal mais velho e depois para
perto, esperando que Larry não estivesse em nenhum lugar próximo.
Realmente não havia muito a dizer a ele no dia anterior e não
havia nada a dizer agora. Qual era o propósito de pedir desculpas
quando ela não apagava uma traição? E quanto a ele, aparentemente
ele decidiu que não havia razão para perder seu tempo gritando comigo
ou com Annette. Quem quereria os fatos de quando e com que
frequência de qualquer maneira? Porra.
Eu sabia que Annette tinha saído no primeiro voo da França, e
Larry estava saindo no dia seguinte. Eu não tinha ideia do estado do
casamento deles depois do que aconteceu no meu quarto. De todos os
momentos revoltantes da minha vida, aquele era um dos piores. Eu
soltei um suspiro, a memória estalava outro flash de repugnância
reverberando através de mim.
Eu nem sabia se ainda tinha um agente neste momento, ou se eu
queria a representação de Larry. Ou qualquer outra pessoa para esse
assunto.
Larry era muito bom no que fazia e tinha os melhores contatos no
negócio, mas eu o vira esfaquear pessoas nas costas para saber que não
podia confiar totalmente nele também. Assim como ele não podia confiar
em mim, obviamente. Infelizmente, eu fui sugado por todo esse estilo de
vida porque era mais fácil para alguém como eu, ficar perto de pessoas
que facilmente olhavam para o outro lado, que não faziam perguntas
profundas, que sorriam e acenavam com desculpas frágeis e
comportamento mais fraco. E então eu me tornei um deles.
Ao sair do meu quarto de hotel, Larry havia me contado sobre
uma entrevista com um programa de TV francês, que eu seria
incrivelmente idiota de tentar sair. O último olhar de nojo me disse que
o idiota estava dizendo o mínimo. Ele tinha programado para eu
trabalhar enquanto eu estava de férias e era uma droga, mas não estava
em posição de dizer não. Não depois do que Larry tinha presenciado.
— Bem, olha quem voltou. — Nick deslizou para a banqueta ao
meu lado e levantou uma sobrancelha enquanto olhava para a minha
bebida. — Eu pensei que era um happy hour. E se for, por que você
parece tão infeliz?
Eu mostrei meus dentes no que eu esperava que fosse um sorriso
decente. — O que foi? — Ele estremeceu. — Não é nada bom.
Isso provocou uma risada real. Mas então eu gemi, tomando outro
gole da minha bebida. O garçom veio e Nick pediu uma cerveja antes de
voltar a olhar para mim novamente.
— O que há de errado, Cal? Eu esperava que você voltasse do seu
fim de semana romântico com uma primavera em seu olhar e um
sorriso no seu rosto. Toda aquela pesquisa em tours de vinho e museus,
jardins franceses e cafés da manhã... Tudo isso planejando e não deu
certo?
Eu olhei para a minha bebida, permitindo-me reviver o fim de
semana, só por um momento. Jessie e eu nunca saímos da cama tempo
suficiente para fazer metade do que eu planejara. E isso foi... incrível. —
Foi tudo muito bem. Tudo ficou... De repente complicado.
A bebida de Nick foi colocada na frente dele, e ele tomou um longo
gole. — Ah. Entendo.
Eu inclinei minha cabeça, olhando para ele de lado. Ele é
legal. Foi por isso que eu comecei a afastá-lo quando comecei a trazer
pessoas para a minha vida como Larry e Annette. Virei a cabeça,
olhando para o bar, reunindo minha coragem. — Nick, por que você
nunca me manda uma mensagem? — Isso e uma centena de outras
pequenas coisas que eu fingi não notar.
Havia apenas silêncio, mas em vez de olhar para cima, dobrei o
guardanapo na minha frente uma vez e, em seguida, novamente,
transformando-o em um pequeno quadrado.
— Você quer que eu diga? — Nick perguntou suavemente.
Eu soltei um suspiro. — Não. — Eu sabia há muito tempo que ele
sabia que eu não sabia ler. Era uma verdade implícita entre nós. Eu
não tinha certeza de como ele tinha ligado os pontos, mas ele estava
comigo antes que eu tivesse dinheiro suficiente para contratar pessoas
para ler meus contratos, antes que eu tivesse dinheiro para programas
de computador e telefones que eu poderia baixar aplicativos para me
ajudar. Ele notou, e porque era óbvio que eu estava com vergonha, ele
nunca disse uma palavra. Ele só me ajudou quando e onde pôde.
— Não é nada para se envergonhar, Callen.
Não respondi e, depois de um momento, ele perguntou: — É por
isso? Que as coisas de repente ficaram complicadas? Você poderia dizer
a ela, você sabe.
— Eu disse.
Eu olhei para ele, e ele estava com uma expressão de surpresa
genuína. — Como ela reagiu?
Eu balancei a cabeça. — Ela diz que não se importa. Agora
provavelmente não, mas isso é porque ela não considerou todas as
formas que isso iria afetá-la, mesmo provavelmente todas as formas que
isso me afeta. — Ela não tinha como saber qual era a luta, sabendo que
seria mais fácil dizer às pessoas a verdade, mas também entender que
isso poderia estar pedindo para ser aproveitado. Não fazia ideia de como
ser analfabeto não só me fazia sentir idiota, mas me fazia sentir
vulnerável. Havia coisas que os outros poderiam acreditar
que facilitavam - como voz para texto - mas também estavam cheias de
armadilhas. Eu deveria saber; o corretor me fez de bobo muitas
vezes. Então eu abandonei a tecnologia. Prefiro parecer rude por não
responder imediatamente do que como o idiota que eu era.
— OK. Então você vai... O que? Apenas ficar sozinho para
sempre? Beber demais, dormir com qualquer mulher que cruze seu
caminho, ficar bêbado e repetir até que seu fígado cesse ou seu pênis
caia? Parece um plano bem idiota.
Eu não pude evitar a risada que veio pela minha garganta. —
Quando você coloca dessa maneira...
— Exatamente. — Nick suspirou. — Triste, solitário e sem
escrúpulos. Não é o jeito de viver ou morrer.
— Então o que eu faço? Ela mora do outro lado do mundo.
Ele encolheu os ombros. — Esses são detalhes que vocês dois
terão que descobrir. Tudo o que sei, Cal, é que eu não vi seus olhos
brilharem com nada além dessa vida tóxica por muito tempo. E eu
estava com medo de nunca mais ver isso. — Eu ouvi a tristeza em sua
voz, e isso me fez estremecer. Ele tinha visto o caminho da destruição
que eu tinha estado por um tempo e agora tentou me impedir. Eu não
tinha escutado. Eu fiz tudo para afastá-lo, calá-lo.
Tomei um gole da minha bebida. — Você não tinha tempo de vir
nesta viagem comigo, não é? — Ele estava trabalhando quase o tempo
todo que estivemos aqui.
— Eu sempre tenho tempo para você, Cal.
Eu sorri para ele. Sim, ele sempre teve. Mesmo quando ele
realmente não tinha, ele fez o tempo. O único que realmente fez. — Me
desculpe, tenho sido um péssimo amigo ultimamente, cara.
Nick tomou um gole de cerveja. — Pague a próxima rodada e eu
vou te perdoar.
Eu ri, mas acabou em uma careta. Eu lhe devia muito mais que
isso. Muito mais. — Obrigado.
Compartilhamos uma bebida e conversamos, o humor ficou mais
leve e, depois de quinze minutos, senti alguém deslizar ao meu lado e
olhar para a direita. A garota sorriu e, por um segundo, não consegui
localizá-la, mas depois me lembrei dela na primeira noite em que
cheguei, na mesma noite em que Jessie aparecera naquele mesmo
bar. A garota sorriu timidamente. — Olá de novo.
— Como você está?
— Estamos bem. — Sua amiga se inclinou em torno dela e acenou
para nós, e vendo o assento vago ao lado de Nick, andou atrás de nós e
correu para ele. Ela estendeu a mão e começou a se apresentar para
Nick.
— Eu esperava ver você de novo esta semana, — disse a
garota. Porra, eu não conseguia lembrar o nome dela. O barman veio, e
ela pediu um Martini enquanto eu procurava no meu cérebro por seu
nome. Teria alguma vez perguntado?
— Sim, — eu disse depois que o barman se virou para fazê-la
beber. — Eu tenho trabalhado muito e passado tempo com amigos. —
Amigos. Isso parecia errado. Mas se Jessie não era uma amiga, o que
ela era?
— Trabalhando? Eu pensei que você estivesse aqui apenas de
férias. Você está compondo algo novo?
— Sim. Estou trabalhando em uma trilha sonora para um filme.
— Quem teria imaginado que eu apareceria aqui, sofrendo de um caso
terrível de bloqueio, e uma semana depois eu estaria no meio de uma
peça que eu suspeitava... Ser uma das melhores coisas que já tinha
escrito? Jessie. Foi por causa de Jessie.
— Isso é tão excitante! — A garota disse, colocando a mão no meu
braço, o sinal que eu sabia que significava que eu poderia levá-la de
volta para o meu quarto, se eu quisesse. Eu não fiz.
Eu puxei meu braço debaixo de sua mão, assim que o barman
colocou sua bebida na frente dela, e ela levantou o copo para mim. —
Para a sua mais recente obra-prima. — Ela tomou um gole de seu
Martini.
— Eu aprecio isso. — Bem, isso foi estranho. Eu sabia que ela
tinha uma agenda e não estava interessada. E eu nunca tive que me
preocupar com conversa fiada antes. Eu abri minha boca para me
desculpar, mas ela começou a falar antes que eu pudesse.
— Meus amigos e eu temos feito muitos passeios, — continuou
ela. — Há muito o que fazer no Vale do Loire. É lindo. — Ela tomou
outro gole de seu coquetel e inclinou a cabeça, sorrindo de forma
insinuante. — Eu ainda não tive a chance de desfrutar da banheira de
hidromassagem.
Eu soltei um suspiro em um sorriso desconfortável. — Ouça, ah...
— Eu olhei para cima e vi Jessie em pé na porta do bar, olhando para
mim com um olhar em seu rosto que estava simultaneamente surpreso
e magoado. Eu não esperava que ela saísse do trabalho por mais meia
hora, mas estava tão feliz em vê-la que fiquei de pé em um instante. Ela
começou a andar na minha direção, com o corpo rígido, como se
estivesse insegura. — Eu tenho que ir, — eu murmurei para a menina
ao meu lado.
— Espera? Já? Eu estava esperando que pudéssemos...
— Desculpe. — Eu me virei para o garçom. — Anote tudo isso na
conta do meu quarto, — eu disse, indicando Nick e as duas garotas. O
garçom assentiu e eu dei uma gorjeta. — Nick, te vejo no jantar?
— Não. Não dá hoje à noite. Café da manhã?
Eu balancei a cabeça para ele e saí de entre as banquetas,
observando o beicinho no rosto da garota com quem eu estava falando,
e caminhei em direção a Jessie. Ela me deu um sorriso desajeitado e
acenou para Nick. — Ei, — eu disse, — como foi o trabalho?
Jessie olhou para trás no bar. — Você não tem que parar de
conversar com suas amigas.
— Eu estava esperando por você. Só você, Jessie.
Ela me deu um breve sorriso. — OK. Bem, então vamos?
Eu peguei a mão dela enquanto nós virávamos. Ela lançou um
rápido olhar para trás de nós, sua expressão perturbada por um
momento antes de ela me dar outro sorriso não muito convincente.
CAPÍTULO VINTE
JESSICA

No ano de nosso Senhor 1429, no vigésimo primeiro dia de julho.


Voltamos da coroação do rei Carlos VII, vitoriosa em grande parte
devido à bravura de Jehanne enquanto ela conduzia nossas tropas à
vitória. A celebração foi um espetáculo para ser visto, e embora eu me
vestisse como eu mesma com todas as finuras que eu conheço, eu me
senti de alguma forma... Que não era eu mesma. Eu mudei, e não tenho
certeza de como voltar atrás, nem se eu quiser.
Meu pai fez minhas apresentações a vários senhores da corte e me
disse que está simplesmente esperando a oferta mais vantajosa para dar
minha mão. Meu coração afundou ao saber que é para isso que voltarei
quando meus deveres tiverem terminado - um casamento sem amor e
uma vida de fingimento.
Vi Olivier se esgueirando por trás dos pilares e tomando muito
vinho enquanto me via dançar com um cavalheiro aristocrático após o
outro. Dancei e ri, mas não consegui parar de pensar naquele beijo que o
capitão e eu compartilhamos antes que ele me liberasse e voltasse para o
acampamento, deixando-me com raiva por ele ter tomado tais liberdades
e de alguma forma insatisfeita pelo fim do nosso beijo. E assim, quando
ele me puxou para trás de uma coluna e se pressionou contra mim,
plantando seus lábios nos meus novamente, eu não o impedi. De fato,
devo admitir que o encorajei e retribuí seu beijo com muito fervor. Ficarei
completamente arruinada se descobrir que me conduzi dessa maneira, e
com um membro das forças armadas nem menos, e ainda assim não
pareço me importar. O que eu estou fazendo? Olivier e eu não temos
esperança de um futuro e, no entanto, eu imploro suas mãos em mim de
uma forma que tanto me aterroriza quanto me emociona.
Estou quase agradecida por estar de volta ao acampamento agora,
onde as regras são diferentes, onde eu ainda estou participando e ainda
assim sou de alguma forma mais livre. O foco voltou-se, mais uma vez,
para a estratégia da guerra e se é melhor pressionar nossa vantagem e
tomar Paris. Olivier diz concordar com a afirmação de Jehanne de que
deveríamos, embora Charles vacilasse, não duvidava da opinião de sua
corte. Às vezes eu fico tão cansada de toda essa guerra, acho que posso
gritar. Por que Deus deveria se importar com a nossa vitória? Não há
soldados ingleses em suas tendas orando agora ao mesmo Deus? Por
que ele deveria responder algumas orações e não outras? Jehanne diz
que faço as perguntas erradas, mas não sei quais são as certas. Talvez
se eu pudesse deixar de questionar como ela faz, minha mente
encontraria paz. Talvez Deus esteja tentando nos conduzir a todos para a
paz, mas se ninguém, a não ser Jehanne, tiver fé em seu chamado,
estamos fadados ao fracasso. Pois uma garota não pode salvar uma
nação inteira sozinha, não importa quão devota ela seja. De fato, uma
garota não pode salvar qualquer um - não um país, nem um homem -
por não acreditarem tão fortemente quanto ela.
Ele estava sonhando de novo. Desta vez, eu sabia o que ele estava
sonhando enquanto choramingava baixinho, o som que uma criança
faria, apertando os lençóis em suas mãos.
Eu também estava sonhando com a tradução em que trabalhei
mais cedo naquele dia. Sonhando com coroações e beijos secretos,
tropas de guerra e campos militares, e uma jovem tentando navegar por
tudo isso. Mas seus gritos me acordaram, e agora meu sonho
desapareceu como a névoa do fim da manhã.
— Callen, — eu sussurrei, sacudindo-o suavemente. — Callen,
acorde. Você está sonhando. — Ele se agitou ligeiramente, sua cabeça
girando como se ele tivesse dado um beijo repentino na bochecha, seus
olhos se abriram. Ele piscou para mim na baixa luz do meu quarto, a
realidade amanhecendo, as sombras em seus olhos desaparecendo
quando ele soltou um longo suspiro e me puxou para perto.
Passei a mão por sua bochecha, sentindo a aspereza de sua
mandíbula. Devia estar perto do amanhecer. Eu teria que rolar para
olhar o relógio de cabeceira e não queria me afastar dele, nem por um
segundo. — O mesmo sonho? — Eu perguntei.
— Sim. O mesmo sonho.
— Ele não pode mais machucar você, — eu sussurrei. Só
ele estava se machucando, não estava? Como eu poderia ajudá-lo a
parar de permitir que as palavras de seu pai envenenassem sua
mente? — Suas palavras são mentiras. — Eu me aproximei, o puxando
com força, sentindo a batida rápida de seu coração contra o meu
ombro. Depois de alguns minutos, diminuiu a velocidade e seu corpo
relaxou.
— Venha morar comigo, Jessie, — ele sussurrou contra o meu
cabelo. Meus olhos se abriram e eu inclinei a cabeça para trás.
— Viver com você? Em Los Angeles?
— Sim.
Um vislumbre de felicidade passou por mim, mas também um
choque de desconforto. Mudar para Los Angeles, onde a vida que eu
tinha sido confrontada em seu quarto no andar de cima estava em toda
parte ao redor dele?
— Por que você está tão quieta? — Havia vulnerabilidade em sua
voz, e percebi o quão difícil seria perguntar a ele. Ele estava sugerindo
que ele mudaria? Mudar seu estilo de vida completamente por mim? É o
que eu queria, certo? Só por que me senti tão insegura? Porque suas
palavras de ontem ainda estavam tão frescas em minha mente. — Deus,
Jessie, se eu pudesse mudar por alguém, seria por você. Eu não quero
ser esse homem. Mas é quem eu me tornei. É quem eu tenho que ser. —
Se ele pudesse mudar...
— É só que... Meu trabalho é aqui.
— É temporário, não é?
— Sim. Mas eu esperava que isso levasse a algo permanente.
— Eu entendo o quanto você ama o seu trabalho. Mas você não
poderia trabalhar em Los Angeles também? Não há empregos de
tradutor lá?
Havia coisas que eu poderia fazer lá, supus. Eu poderia ensinar,
talvez, ou traduzir livros, talvez... Eu suspirei. Não era exatamente o
meu sonho. Mas Callen era meu sonho... Ele sempre foi.
— Eu te daria chocolate francês, — ele sussurrou, inclinando-se e
esfregando os lábios sobre a minha testa. Eu podia sentir o sorriso que
ele usava, e eu podia sentir quando desapareceu. Sua respiração se
espalhou pela minha pele. — A música toca quando estou com você.
— E se parar de novo? Mesmo quando eu estiver lá? —
Perguntei. Por favor, não me queira apenas por esse motivo. Me ame,
Callen. Me ame e eu posso te seguir em qualquer lugar.
— Eu... O que você quer dizer?
— Quero dizer, você vai voltar para outras mulheres se eu não
puder fazer a música continuar tocando para você? — Ele ficou quieto
por vários momentos. — Eu não olhei para outra mulher desde que
estivemos juntos, Jessie. Eu nem sequer pensei em outra mulher. Nem
uma vez.
Isso não foi exatamente uma negação. — Eu sei, — eu disse
suavemente. Algo dentro parecia que estava apertando, uma dor
familiar, o mesmo desconforto que sentia toda vez que uma daquelas
portas do quarto do hotel se abria e o som dos soluços da minha mãe
enchia meus ouvidos. Ah sim, eu também tinha meus fantasmas. E
talvez a hesitação de Callen fosse por causa de sua frágil confiança
em si mesmo, mas como eu poderia pendurar todas as minhas
esperanças nele - voltar a atravessar o mundo - quando ele não era
capaz de me tranqüilizar quanto a sua fidelidade. Se ele não pudesse
confiar em si mesmo, eu não seria idiota em confiar nele também? —
Você poderia se mudar para a França, — eu disse, a esperança clara em
minha voz. — Você pode compor de qualquer lugar.
Ele ficou quieto outro momento. — Não é isso. É... Eu conheço LA.
Conheço as ruas e as lojas, como chegar a lugares, onde ir até as
coisas. Eu tenho pessoas que lêem contratos para mim e restaurantes
onde sei o que pedir. Eu trabalho com maestros que conhecem meu
estilo, o que eles consideram minhas peculiaridades e estão confortáveis
interpretando as coisas que eu não escrevo nas minhas
partituras. Seria... Começar tudo de novo de muitas maneiras. Eu seria
dependente e trabalharia com dois idiomas que não pode ler, em vez de
apenas um.
Ele se sente seguro lá. Seguro da descoberta de ser analfabeto. A
segurança também pode ser um tipo de prisão. Uma parede para se
esconder atrás. — Você fez muito bem quando saímos para o fim de
semana, no entanto. Você nunca esteve em nenhum desses lugares.
— Eu fiz bem porque Nick me ajudou.
— Nick... Ele sabe? — Perguntei.
— Sim.
Eu estava surpresa. Eu tive a impressão de que ele não tinha
compartilhado com ninguém além de mim. Mas é claro que teria que
haver algumas pessoas que soubessem... Seus amigos de confiança,
talvez até sua secretária, as pessoas que ele contratou que sabiam ser
discretas... Ainda assim, ter que depender de tantas pessoas em vez de
você mesmo, que fardo pesado a carregar.
— Você pode aprender a ler, Callen. Você não está sem esperança
porque seu pai disse que você era. Pare de repetir suas palavras. Prove
que ele estava errado. — Lute. Vá para a batalha mesmo que esteja com
medo.
— E se eu não puder? Isso vai provar que ele estava certo? — Ele
rolou para longe de mim, virando de costas e olhando para o teto.
Eu o vi na luz fraca, a beleza de seu perfil, a maneira tensa que
ele segurava sua mandíbula. Então era isso. Essa era a massagem. Ele
estava apavorado de tentar, apavorado que todas aquelas palavras que
gritavam em sua cabeça fossem corroboradas por sua incapacidade de
aprender, mesmo agora. Oh, Callen
— Ele estava errado, — eu sussurrei. — Eu gostaria de poder
provar isso para você.
Ele suspirou, se virando para mim novamente, seus dedos
correndo pelo meu cabelo até eu suspirar também. — Em que nos
metemos, princesa Jessie?
— Nós nos encontramos em uma terra traiçoeira, — eu sussurrei,
provocando. Ele riu, inclinando a testa contra a minha. — Repleto de
pântanos para nos engolir, com areia movediça que pode sugar um
homem em menos de três minutos.
— O que faremos?
— Tenha fé, Príncipe Callen.
Ele soltou outra rajada de ar, me puxando para perto
novamente. — Essa é a parte que eu nunca fui muito bom. Ter fé.

***

No ano de nosso Senhor 1429, no vigésimo sétimo dia de outubro.


Estou tremendo enquanto escrevo isso, e ainda assim o mais
profundo sentimento de paz me enche.
Olivier e eu saímos por um tempo, e quando estávamos voltando
para o acampamento, o assunto de Jehanne surgiu. — Você não gosta
que ela esteja aqui, — eu acusei. Ele negou, dizendo que está feliz por
toda e qualquer inspiração para seus homens. — Mas você não acredita
que ela é divinamente liderada? — Eu perguntei.
Ele me encarou e disse: — Não, eu não sei. Mas eles realmente
importam? — Eu não tinha resposta para isso, embora meu coração
estivesse pesado e perturbado.
Caminhamos em silêncio por um breve momento, cada um
profundamente em nossos próprios pensamentos, quando o capitão de
repente me puxou de volta e colocou o dedo nos lábios, como se tivesse
ouvido alguma coisa ou alguém. Fizemos uma pausa, e quando nós dois
espiamos através de uma pausa nas árvores, vimos Jehanne, com a
cabeça inclinada para trás e os olhos fechados. Fui acometida de uma
repentina sensação de... Quietude, de algo que acho difícil explicar. Eu
também sabia que Olivier também sentia, pois ele observava de modo
semelhante, com uma expressão aturdida de espanto no rosto. Era como
se a área onde ela estava, estava cheia de uma luz que não continha
brilho, nem iluminava, apenas... Havia serenidade, uma profunda e
amorosa calma. Parecia uma bênção, e isso me fez querer dar um passo
à frente, tomar banho, fazer parte disso. E ainda sem entender, segurei
com força a mão do capitão enquanto ele segurava com força a minha. Os
lábios de Jehanne estavam se movendo como se ela estivesse falando
com alguém, e ela sorriu, virando-se e voltando para o acampamento.
Minha mente parecia nebulosa com admiração, mas,
estranhamente, não senti que precisava de respostas. Eu sabia que
havíamos testemunhado algo milagroso, mas não havia outra prova além
da fé em meu coração. E isso foi o suficiente.

No dia seguinte, o tempo parecia se mover no ritmo de uma


tartaruga. Antes disso, eu achara tão fácil me perder no meu trabalho,
fascinada pela história que se desenrolava diante dos meus olhos, pelas
perguntas que colocava, pela maravilha que invocava. Mas embora
Callen e eu tivéssemos falado sobre um de nós se mudar para ficar mais
perto do outro, nenhum de nós parecia ter coragem o suficiente para
dar esse salto. E assim ficamos com meros dias juntos.
Eu estava com tanto medo que uma vez que Callen fosse embora
e nós nos separássemos, qualquer sentimento que ele tivesse
desenvolvido por mim iria desaparecer. Isso fez meu coração doer
porque eu sabia que meus sentimentos seriam muito menos fugazes. E
ainda, se fosse esse o caso, se os sentimentos de Callen por mim
tivessem sido só por esses dias, eu imaginei que iria responder se ele
tivesse realmente se preocupado comigo.
Eu estive pensando mais e mais sobre minha mãe ultimamente,
aquela velha ferida surgindo enquanto eu lutava com minhas
inseguranças sobre Callen. Quando ela nos disse que tinha câncer,
imaginei que aquele tumor dentro dela fosse o produto de toda
a angústia reprimida que ela carregava durante anos por causa dos
assuntos de meu pai. Era como a representação física de todos os seus
pecados, mas só ela os carregou e os tomou como se fossem seus.
Eu nunca viveria assim. De novo não. Eu queria um homem que
lutasse por mim, que matasse dragões por mim e cujo amor eu pudesse
contar para ser tão firme e imutável quanto as estrelas.
Eu estava desesperada por Callen ser aquele homem, mas me
perguntei se ele estava muito quebrado, muito inclinado
à autodestruição. Se ele não estivesse disposto a lutar por si mesmo,
suas próprias batalhas, talvez ele não fosse capaz de lutar por mim
também.

No ano de nosso Senhor 1430, no quarto dia de março.


Era esperado que a batalha de hoje fosse uma vitória fácil mas, na
realidade, foi um horror. Eu era necessária fora do acampamento, onde
os feridos e os mortos estavam sendo carregados, -
um desfile aparentemente sem fim de sangue e miséria. As explosões e
gritos nas proximidades soaram nos meus ouvidos, de modo que pensei
que poderia enlouquecer de terror. Uma vitória foi garantida, mas no
momento em que a batalha terminou, meu coração estava tão abatido
pelo medo de que Olivier e Jehanne não retornassem que eu mal
suportaria.
Esperei na beira da estrada por eles e, quando vi Olivier em seu
cavalo, não consegui disfarçar meu alívio e, soluçando, corri para ele. Ele
amaldiçoou selvagemente enquanto me pegava em seu cavalo, virando
imediatamente para um caminho lateral que desviava da estrada
principal. Eu estava chorando e ele estava amaldiçoando e nós dois
estávamos nos beijando, e eu acredito que talvez nossas mentes
estivessem perdidas por um tempo, tão desesperadas nós dois
estávamos para confirmar a segurança do outro.
— Você chegou muito perto do campo de batalha, — ele disse com
raiva através de beijos. — Isso é loucura! Eu não posso me preocupar
com você desse jeito. Isso me matará, entendeu?
Eu tremi em seus braços, chorando mais, querendo fundir nossos
corpos em um para que eu soubesse bem e verdadeiramente que ele
estava vivo e ileso. — Leve-me para algum lugar, Olivier, em algum lugar
onde fique apenas nós e mais nada. Nenhuma guerra, nenhum campo de
batalha, nenhum sangue nem gritos dos moribundos.
Ele parecia tão aflito quando perguntou: — Você tem certeza?
— Sim, — eu praticamente chorei. Eu precisava disso, precisava
dele.
Ele amaldiçoou novamente e disse: — Você não poderá voltar. Você
será arruinada.
Eu ri e pareci enlouquecida. — Eu já estou arruinada. Essa guerra
me arruinou. O terror me arruinou. As perguntas que não têm respostas
me arruinaram. Faça-me todo de novo, Olivier. Isso é o que eu quero.
Ele me segurou perto enquanto galopávamos para longe, por horas
pareceu, meu coração se acalmou quando me deitei contra ele. Ele nos
levou para longe, e eu sabia que era para me dar tempo para mudar de
ideia, mas isso só tornava mais claro o acerto da minha decisão. Eu o
amava. Meu coração pertencia a ele. E aqui não havia regras exceto
aquelas governadas por Deus. Aqui, cavalgando por esse campo de flores
silvestres em um cavalo que carregara meu amor para a batalha, não
havia restrições da sociedade, apenas o selvagem bater de nossos
corações e o conhecimento de que, se algo fosse feito no amor, não
poderia ser julgado errado. Aqui não havia garantias, e ainda assim
havia respostas do mesmo jeito.
Chegamos a um córrego, onde Olivier amarrou seu cavalo e deixou
que ele bebesse e se alimentasse da grama que crescia na margem. De lá
nós caminhamos para uma caverna que ficava no topo de uma colina,
quase escondida na rocha, e ele me disse: — Se nos separarmos, se você
estiver perdida, venha aqui quando for lua nova, assim como esta
noite. A partir deste momento, este lugar é nosso.
— Sim, — eu concordei. — Este lugar é nosso.
— O que você quer, Adélaide? — Ele perguntou, como se estivesse
me dando uma chance final de negá-lo.
Eu o beijei e sussurrei contra seus lábios: — Eu quero viver
ferozmente e sem arrependimentos. Eu quero você, capitão Olivier
Durand.
E com essas palavras, Olivier primeiro me puxou com força e, em
seguida, colocou um cobertor fino que estava sobre a sela e a jaqueta
dele por cima. E por um tempo, na boca daquela caverna - nossa caverna
- onde ainda podíamos ver as estrelas, a guerra parou, a batalha
começou a chorar e só havia nós. Havia apenas a mesma quietude
pacífica. Havia apenas amor.
Adelaide! Seu nome era Adelaide. Sem fôlego de excitação, enviei
um e-mail para o Dr. Moreau imediatamente e depois mandei uma
mensagem para Ben, que estava em uma missão. Sentei-me no silêncio
por alguns minutos, repetindo o nome dela na minha cabeça, me
sentindo ainda mais perto dela. Adelaide.
No meio da manhã, fui ao pátio onde Ben e eu costumávamos
almoçar juntos, precisando de uma mudança de cenário e de um pouco
de ar fresco depois de passar horas dentro de uma sala sem janelas. Eu
pensei sobre o artigo que eu traduzi anteriormente. Havia apenas amor,
Adelaide escrevera, e causara uma pontada de saudade em meu
coração. Eu segui em frente na minha tradução, mas continuei voltando
para essa linha. Eu queria o mesmo. Com Callen. Queria nosso vagão
de carga ou nosso pequeno quarto na estalagem, nossa própria versão
da caverna onde Olivier e Adelaide conseguiram deixar o mundo para
trás. Mas eu queria mais do que horas roubadas ou fins de
semana. Muito mais. Tenha fé, eu disse a ele, mas na verdade, eu
estava tendo problemas para me segurar.
Ainda não era hora do almoço, mas decidi esticar as pernas e
limpar a cabeça. Eu tentei ligar para Frankie naquela manhã, mas ela
já estava no trabalho e provavelmente estaria ocupada o dia todo
enquanto trabalhava para obter amostras prontas para um próximo
desfile.
Eu passeei pelo perímetro do espaço, arrastando minha mão ao
longo da parede. O jasmim de escalada cresceu ao lado do Château e eu
respirei sua doce fragrância, fechando os olhos por um momento e
ouvindo os pássaros. Ouvi passos e me virei para ver Ben subindo as
escadas, obviamente tendo acabado de voltar. — Ei, você está bem?
Eu assenti. — Estou bem. Eu só estou... Tendo um pouco de
dificuldade em me concentrar hoje. — Eu dei a ele um sorriso
irônico. — Ela está descrevendo a paisagem na peça que estou
traduzindo agora. Está indo devagar.
Ben sorriu. — Hey, é um dia importante, no entanto. Nós
sabemos o nome dela. Você acha que podemos descobrir mais sobre
quem ela era?
— Espero que sim. O Dr. Moreau também parecia empolgado
quando me mandou um e-mail de volta. Aquela pequena palavra
enterrada em uma entrada e agora sabemos como chamá-la.
— Sim. Adelaide — ele murmurou antes de sorrir novamente. —
Sim, parece se adequar a ela.
Nós dois ficamos em silêncio por um momento, e então Ben
inclinou a cabeça, olhando para mim mais de perto. — Então, apesar da
excitação anterior de descobrir o nome de Adelaide, o que você está
traduzindo agora é mundano e você precisava de uma pausa. Tem
certeza de que é tudo? Você parece um pouco... Pálida.
Enquanto olhava em seus olhos preocupados, senti minha
expressão desmoronar. Sentei-me pesadamente no banco atrás de
mim. — Você está certo, eu estou.
— É aquele cara que está ficando aqui? Callen Hayes, certo? O
compositor?
— Sim. Eu sinto muito. Estamos aqui para fazer um trabalho e
eu não estou...
— Todos nós temos vida, Jessie. Não podemos colocá-los em
espera porque seria mais conveniente. Tenho certeza de que Adelaide e
Olivier diriam a mesma coisa. — Ele se sentou ao meu lado.
Eu sorri. — Sim, eles iriam, não é? Ele iria ser mais conveniente
para pressionar pausa por um tempo sempre que quisesse. — Além
disso, ele me daria tempo para descobrir uma solução. Se a vida fosse
assim.
Ele inclinou a cabeça. — Eu sou um bom ouvinte.
— Eu não quero te aborrecer.
— Jessie, qualquer coisa que me tire dessa sala por alguns
minutos é mais que bem-vinda, confie em mim. Me aborreça, por favor.
Eu ri. A verdade é que, ficar sentada naquele sala traduzindo a
história de Adelaide, estas últimas semanas trouxeram um sentimento
de camaradagem com Ben. Trabalhamos bem juntos e havia uma
facilidade entre nós. Então eu respirei e dei a ele a versão curta da
minha história com Callen e o estado geral de nossa situação
atual. Naturalmente, deixei de fora o fato de que Callen era
analfabeto; esse não era o meu segredo para compartilhar.
— Eu tenho que admitir que fiquei... Surpreso ao descobrir que
você está namorando alguém, ah...
— Como ele?
Ele fez uma careta. — Eu não quero dizer que soe mal. É só que
ele tem uma reputação como um... baladeiro e você parece mais do tipo
caseira.
Ele não estava errado. — Eu sei. Na superfície, parece tudo errado
um para o outro.
— Eu acho que na superfície Adelaide e o Capitão Olivier Durand
pareciam todos errados um pelo outro também. — Eu olhei para ele. —
Mas não sabemos como essa história termina ainda.
— Verdade. Mau exemplo.
Eu ri. Ben não tinha necessariamente oferecido nenhum
conselho, mas ouvir sua história me fez sentir melhor, e apenas purgar
um pouco disso foi um alívio. Ben era um cara genuinamente decente, e
eu apreciei a amizade que desenvolvemos enquanto trabalhamos juntos
tão intimamente.
— Por que você não tem uma mulher que está causando dor de
cabeça para que eu possa devolver o favor? — Ele riu.
— Porque eu passo muito tempo em quartos poeirentos e sem
janelas.
Eu sorri abertamente. — Falando nisso…
— Sim. — Ele suspirou. — Devemos voltar.
Ele me ajudou a levantar do banco, e eu dei-lhe um abraço
rápido, grata por sua amizade e por ter tido tempo para
ouvir. Enquanto caminhávamos de volta para os degraus, vi o
movimento em uma das varandas e olhei para cima, xingando e vi um
homem com cabelos escuros de dentro para trás.

***

No ano de nosso Senhor 1430, no vigésimo terceiro dia de maio.


Oh, querido Senhor no céu. Fiquei de joelhos por horas implorando
para que entregasse Jehanne e Olivier em segurança, e isso não parece
ser sua vontade. Veio a notícia de que Jehanne foi expulsa do cavalo
durante a batalha e os burgúndios a levaram. Os homens trouxeram as
notícias de volta depois de horas e horas de tortura esperando e
rezando. Procurei Olivier na fila de soldados que retornavam, e ele não
estava em nenhum lugar, e quando eu exigi que os homens me levassem
para onde a luta ocorreu para procurá-lo, eles disseram que não era
seguro e insistiram para que eu voltasse para o acampamento.
Eu acredito que eles sabem do meu disfarce e eu não me sinto
segura entre eles sem que Olivier fique me vigiando. Eu encontrei um
cavalo e fui para a cidade apesar de suas advertências, meu coração
disparou ao ritmo dos cascos galopando no cavalo, e entrei no meio dos
mortos e moribundos que ainda restavam no campo de batalha.
A dor que arrancou meu coração e a bile que queimou minha
garganta não foi apenas por todo o sangue derramado na rua, mas pelo
terror que eu carregava. Eu não vi Olivier e não sei onde ele está, ou se
seu corpo foi levado. Seu amado corpo. Oh, meu Deus, por favor, ajude-
o. Ajude Jehanne. Meu coração é uma concha escura e vazia para saber
que eles estão em tal perigo. E, por favor, querido Senhor, acenda sua luz
sobre mim para que eu possa conhecer meu papel nessa tragédia e agir
apenas para o seu bem.

— E assim começa, — eu murmurei para Ben, a tristeza que senti


dentro infundindo meu tom. Ele olhou para cima de seu trabalho. — O
que é?
— Jehanne foi capturada.
Ele se sentou em sua cadeira. — Ah. Sim, o começo do fim, de
fato.
E Olivier... Onde ele estava? Meu coração batia furiosamente pela
dor de Adelaide.
Ben e eu terminamos um pouco mais tarde, e eu subi as escadas,
cansada, entristecida pelo que traduzi, mas energizada para ver Callen
também. Ele havia me contado sobre a entrevista que Larry tinha
organizado para ele em uma das salas de reuniões do andar de cima, e
eu sabia que ele estava se preparando para isso. Levaria apenas uma
hora no máximo, ele disse, e depois íamos jantar, algo íntimo, algo
especial. Outro lembrete de que nosso tempo juntos estava diminuindo,
a areia fluindo cada vez mais rápido pela ampulheta.
Eu tinha planejado ir ao meu próprio quarto e tomar um banho
rápido e trocar minhas roupas de trabalho por algo um pouco mais
especial.
Quando passei pela porta aberta para o grande bar/lounge, fiquei
surpresa quando ouvi o meu nome. E então notei Larry sentado em
uma cadeira estofada que fazia parte de um mobiliário íntimo agrupado
perto da janela. Eu hesitei, meus passos diminuíram, sem saber se eu
deveria simplesmente acenar com a cabeça e continuar andando ou se
eu deveria entrar na sala e dizer oi. Oi? Bem Olá. Nosso primeiro
encontro foi meio horrível, com sua mulher em pé de calcinha e tudo, mas
ótimo ver você de novo.
Larry sorriu e ficou de pé, gesticulando para eu entrar. Eu me
virei, caminhando lentamente em direção a ele. — Jessie, certo? — Ele
perguntou quando me aproximei da área de estar.
— Sim. — Eu balancei a cabeça, tentando não parecer
envergonhada, mas tendo a sensação de que estava falhando. — Sinto
muito, Sr.
— Larry. — Ele gesticulou para o assento de seda azul, e eu me
sentei quando ele se sentou. — Nós nos conhecemos em circunstâncias
muito embaraçosas, — disse ele, lançando-me um olhar de pesar. Eu
soltei um suspiro, incapaz de evitar, me sentindo mal por ele. Eu estava
chateada, mas ele... Bem, toda aquela cena tinha que tê-lo
devastado. Eu poderia me relacionar de certo modo, tendo
sido testemunha de perto de cenas assim muitas vezes para contar.
— Sim. Eu sinto muito.
— Você não tem nada para se desculpar. Callen e eu já nos
resolvemos. A questão é entre minha esposa e eu. — Uma garçonete
veio e Larry me olhou interrogativamente.
— Oh, não, — eu disse. — Nada pra mim.
— Uma bebida? — Ele perguntou. — Para substituir uma má
primeira impressão por uma melhor? — Eu sorri.
— Bem, tudo bem. Apenas uma. Um copo de chardonnay, por
favor.
Larry pediu outra bebida, e a garçonete se virou para preencher
nosso pedido. — Você vai para a entrevista de Callen?
Eu assenti. — Sim.
— Bom. — Ele me estudou por um momento. — Ele mencionou
conhecer você quando era criança. Um golpe engraçado do destino você
o encontrar novamente todos esses anos depois.
O destino novamente. — Sim. Engraçado. — A garçonete trouxe
nossas bebidas, e eu tomei um gole, o álcool frio se espalhou pelas
minhas veias relaxando meus membros. Eu sentei no sofá.
— Longo dia?
— Sim, realmente. Uma longa semana. Sorri e contei-lhe um
pouco sobre o trabalho que estava fazendo no Vale do Loire. Ele tinha
lido sobre o achado, raro para alguém que não estava no campo, então
foi agradável responder suas perguntas. O constrangimento
desapareceu e, enquanto eu bebia o vinho, relaxava ainda mais.
— Eu posso ver porque você se tornou a mais nova musa de
Callen. — Última musa. Eu definitivamente não gostava da palavra mais
nova, e não tinha certeza se gostava da palavra musa também. Isso
implicava que eu era a responsável por sua criatividade, e as palavras
de Larry eram mais uma afirmação de que meu lugar na vida de Callen
seria temporário. — Eu sei o seu segredo, você sabe.
Minha cabeça se levantou. Oh. Larry tomou um gole casual de
sua bebida. Bem, claro que Larry deve saber. Ele tinha que ser uma das
pessoas que ajudou Callen a gerenciar contratos, ler e-mails, cartas
comerciais... — Eu, sim, é muito difícil para ele. Ele está tão
envergonhado disso.
Larry sacudiu a cabeça. — Ele não deveria estar.
— Concordo. Uma dificuldade de aprendizagem não é nada para
se envergonhar. Só porque ele não pôde aprender a ler quando criança
não significa que não possa aprender agora. Há tantos avanços em... —
Minhas palavras sumiram com o olhar chocado que passou pelo rosto
de Larry. Algo dentro de mim caiu aos meus pés. — Você não estava
falando…? Não é isso...?
— Callen é analfabeto?
Calor inundou meu rosto, e eu balancei onde eu estava sentada,
colocando meu copo quase vazio de vinho na mesa para que eu não o
largasse. — Eu pensei que é disso que você estava falando, — eu
sussurrei. Oh Deus. Ah não. O que eu fiz?
Larry olhou pela janela por um momento, como se repassasse
algo em sua cabeça. Quando ele olhou de volta para mim, seus olhos se
iluminaram com a realização. — Sim, faz sentido, — ele murmurou,
quase para si mesmo. — A propósito, eu estava me referindo ao
bloqueio de seu escritor.
Oh Deus.
— Por favor, — eu implorei, balançando a cabeça, — por favor,
não diga nada, Larry. Ele... Ele confiava em mim com essa
informação e...
— Relaxe, Jessie. Não direi uma palavra.
Eu consegui dar um sorriso e assenti. — Obrigada. Ele iria... —
eu puxei o fôlego, tão chateada. Mortificado. Bravo. Faça sua escolha.
Larry sorriu e, por algum motivo, o desconforto deslizou pela
minha espinha. Eu estudei seu rosto por um momento, mas me
preocupei com o fato de estar exagerando. — Eu deveria ir, — eu disse,
em pé. — Eu tenho que me preparar para o jantar.
— E a entrevista, — disse ele, sorrindo e em pé também. A
entrevista, certo.
Eu assenti. — Obrigada pela bebida, Larry e pela conversa. E
obrigada pela sua compreensão sobre...
— Claro. Eu sei o quão importante é a confiança, Jessie.
Eu parei, suas palavras, o tom em sua voz, me deixaram
desconfortável, mas ele se afastou de mim, então eu me virei também,
fazendo meu caminho para fora do bar. Quando cheguei à porta, olhei
de volta para Larry, mas ele já tinha ido embora.
Capítulo Vinte e Um
JESSICA

Eu podia ouvir o zumbido da sala de reunião por todo o corredor


e me movi em direção a ela, meus saltos estalavam no chão de
pedra. Eu respirei fundo. Eu tomei banho, vesti um vestido azul-
marinho e coloquei saltos prateados. Eu parecia bem, mas por dentro
eu ainda sentia um pânico por sem querer ter aberto o segredo de
Callen para Larry. De todas as coisas irresponsáveis a fazer eu tinha
que deslizar justamente nisso? Por que eu não o escutei primeiro em
vez de deixar escapar desse jeito?
Em vez de entrar em pânico, tentei considerar o que li antes de
sair do trabalho mais cedo. Essa situação com Callen e minha língua
solta era algo que daria certo. A pobre Adelaide estava passando por
algo totalmente sem esperança.
Eu puxei a pesada porta da sala de reuniões e entrei. Havia
quatro ou cinco filas de cadeiras no meio, a maioria delas já ocupadas,
e na frente da sala duas cadeiras para Callen e o entrevistador. Olhei
para as câmeras colocadas ao lado, onde o operador de câmera parecia
estar testando o equipamento.
— Jessie. — Eu ouvi a voz de Callen e virei, meu coração se
expandindo para ver seu grande sorriso enquanto ele se movia em
minha direção. Ele diminuiu a velocidade, sua cabeça se movendo para
cima e para baixo quando ele pegou meu vestido. — Uau.
Ele estava bem barbeado e seu cabelo estava penteado para trás,
os ângulos de sua mandíbula e maçãs do rosto e o tom dourado de sua
pele em plena exibição. Ele estava tão lindo que minha respiração
falhou, e por um segundo tive vontade de chorar. O sentimento me
assustou, e eu coloquei minha mão no meu peito como se quisesse
abafar o sentimento. — O mesmo para você.
Ele sorriu. — Isso não deve demorar muito. Fiz reservas na
cidade. — Ele segurou minhas mãos, com um olhar de ternura. —
Estou ansioso para ficar com você sozinho.
— Eu também.
— Ei, pessoal, — Nick cumprimentou, caminhando até nós. —
Você está pronto? — Ele perguntou a Callen, apontando para a câmera.
Callen encolheu os ombros. — Oh sim. Eu já dei mil
entrevistas. Mesmas perguntas todas as vezes. — Ele fingiu segurar um
microfone na boca. — De onde é que você tira a sua inspiração? — Ele
inclinou a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Conte-nos sobre o seu
processo de escrita.
Nick riu. — Você prefere que eles perguntem se você é uma
árvore, que tipo de árvore você seria?
— Eu pegaria qualquer coisa para misturar um pouco. Cereja
japonesa a propósito.
Um homem aproximou-se de Callen, deu-lhe um tapinha no
braço e se virou. — Pronto?
— Sim. — Ele se virou para Nick e para mim. — Vejo você depois.
Segui Nick até duas cadeiras perto da frente e nos
sentamos. Ajustes finais foram feitos com as câmeras, e eu assisti
enquanto os microfones eram presos na camisa de Callen e na jaqueta
do entrevistador. O entrevistador era um homem mais velho, com
cabelos grisalhos e uma pequena barriga redonda que esticava os
botões de sua camisa. Tendo vivido em Paris no último ano, o reconheci
como o apresentador de um programa do tipo tabloide que eu assisti
uma ou duas vezes, mas acabei desligando por causa da forma
agressiva como conduzia o programa. Ele gostava de ‘fazer’ perguntas
que deixavam o entrevistado confusos com as respostas. Um tijolo se
instalou no meu estômago e minhas mãos ficaram geladas.
Por favor, pergunte a ele sobre ser uma árvore. Por favor por
favor. — Você está bem? — Nick perguntou, olhando para mim
preocupado.
Eu assenti. Eu estava sendo paranóica. Mais tarde, quando
Callen e eu formos jantar, eu confessarei meu deslize, então ele saiba
que Larry sabia. Era a coisa certa a se fazer. Eu rezei para que mesmo
que ele estivesse bravo e chateado, ele entenderia que foi um
acidente. Eu nunca faria de propósito.
— Bonsoir, mesdames et messieurs, — disse o entrevistador,
voltando-se para a câmera. — Je m'appelle Cyril Sauvage, e voici Le
Grand Soir. — Ele deu um sorriso torto para a câmera e esperou
algumas batidas antes de acenar para Callen e fazer uma breve
introdução em inglês. Eu sabia desde o momento em que o observei
entrevistar um convidado de língua inglesa que as legendas
apareceriam na parte inferior da tela para os telespectadores franceses.
— Callen, posso chamá-lo de Callen?
— Claro. — Callen parecia tão bonito sentado lá sob as luzes do
palco atrás dele, sua postura casual, um sorriso descontraído no rosto.
— Bom. E por favor, me chame de Cyril. — Ele levou o tornozelo
direito ao joelho esquerdo, se inclinando para frente. — Suas partituras
musicais foram chamadas de emocionalmente poderosas, triunfantes e
assombrosas. Enquanto eu me preparava para esta entrevista, me
deparei com a minha crítica favorita do seu trabalho. Eu acho que
encapsula a sensação da sua música perfeitamente. Ele se abaixou ao
lado dele e pegou um pedaço de papel. — Você se importaria de lê-lo
para os nossos telespectadores? — Ele perguntou, entregando para
Callen.
Meu pulso acelerou, meu coração acelerou em uma batida. Callen
pegou o pedaço de papel, seu sorriso vacilou um pouco antes de
devolvê-lo, sorrindo ainda mais. — Por favor, Cyril, você faça as
honras. Acho embaraçoso ler um elogio feito a mim.
Cyril riu, empurrando o papel de volta para Callen. —
Absurdo. São apenas duas linhas curtas. — Oh. Meu. Deus.
Com um arrepio doentio, percebi o que estava acontecendo
aqui. Eu olhei para o lugar onde Larry estava de pé, encostado na
parede, com os braços cruzados. Ele não fez isso. Certamente não. Ele
olhou para mim e sorriu, piscando. Não, não, não. Seu miserável
bastardo. Minha garganta queimava como se eu realmente tivesse
gritado as palavras.
Tremendo, olhei de volta para Callen, forçando minha respiração
a se acalmar. Ele poderia lidar com isso. Ele já esteve em situações
complicadas antes. Ele sabia como mudar de assunto para que
ninguém suspeitasse.
Nick parecia ter congelado ao meu lado. Ele estava obviamente
tenso enquanto esperava que Callen saísse dessa situação
desconfortável. Só Nick não sabia que Cyril estava provavelmente
preparando uma armadilha, porque sua pergunta não tão
inocentemente colocara Callen na posição em que ele se encontrava. Ele
fora orquestrado. Com propósito.
— Desculpe, Cyril, eu deixei meus óculos de leitura em casa. —
Ele se virou para a câmera e sorriu, infantil e doce, enquanto encolheu
os ombros. As mulheres em todos os lugares - oitenta por cento
da audiência - estavam desmaiadas e esqueceram completamente qual
era a pergunta.
Callen olhou para Cyril, e a expressão no rosto de Cyril ficou
subitamente lupino, seus olhos se estreitaram e seus dentes mostraram
a aparência de um sorriso que de alguma forma parecia mais um
rosnado. — Óculos de leitura? Por que, Callen Hayes, não é verdade que
você não precisa de óculos, porque você não consegue ler nada?
Por um breve momento, Callen pareceu confuso, mas então seu
rosto ficou branco, seus lábios se elevaram um pouco, mas caíram,
como se ele tivesse tentado sorrir - rir da pergunta de Cyril - mas não
conseguiu. Seus olhos dispararam ao redor, como se estivessem
procurando por uma fuga.
Um gemido muito suave e estranho reverberou em meus ouvidos
e percebi que tinha vindo de mim. Nick estendeu a mão e pegou minha
mão, apertando na sua. Eu engoli o nó que subia pela minha
garganta. — Isso é culpa minha, — eu engasguei tão suavemente que só
Nick pôde ouvir.
Antes que Nick pudesse responder, Callen disse: — Eu não tenho
certeza de onde você conseguiu sua informação, Cyril, mas... — Cyril
riu, um som estrondoso que me assustou. — É fácil o suficiente para eu
provar. Apenas leia, — ele apontou para o pedaço de papel ainda
apertado na mão de Callen e depois riu novamente, inclinando-se para
frente. — E se você não pode, por que não admitir aqui, entre amigos? A
França e a América, é claro, querem saber como um homem
completamente ignorante e analfabeto como você compõe uma música
tão renomada. Ora, é inspirador!
Callen parecia como se tivesse entrado em algum transe estranho,
olhando para a câmera, os olhos arregalados, o corpo rígido. Eu queria
chorar por ele. Por ter seu segredo mais protegido transmitido assim na
frente de... Quem sabia quantos assistiram ao show?
Nick soltou minha mão, virando-se para mim. — Como isso é
culpa sua? — Eu soltei um pequeno gemido. — Eu disse a Larry.
Nick amaldiçoou suavemente e olhou para Larry. Callen de
repente olhou para longe da câmera, bem em cima de Nick, e então
seguiu o olhar de Nick para Larry, que sorria enquanto estava
encostado na parede. Os olhos de Callen se arregalaram como se a
percepção estivesse surgindo. Mas então um olhar de confusão
atravessou seu rosto quando ele olhou para baixo, talvez considerando
como Larry havia descoberto. Oh Deus. Seus olhos se moveram
lentamente para Nick, que agora estava olhando para mim, e então se
estabeleceu no meu rosto. Ele deve ter sido capaz de dizer pela minha
expressão que eu era a parte culpada porque um olhar de tão flagrante
traição ultrapassou sua expressão que eu vacilei.
— Como você pôde? — Nick gritou.
Eu não queria. Eu não sabia se as palavras saíam. Eu me senti
tonta com o horror dessa situação, tonta de arrependimento.
Callen levantou-se e arrancou o microfone, as mãos tremendo
visivelmente. Ele deixou cair no chão.
— Callen, não seja tão rápido em partir. — Cyril levantou-se
também, pondo a mão no ombro de Callen. — Você não deveria ter
vergonha de ser analfabeto. Todos nós queremos saber como você
conseguiu...
Callen empurrou Cyril, e o apresentador do programa de
entrevistas caiu para trás, aterrissando com uma lufada de ar na
cadeira que acabara de ocupar. Callen passou por ele, sem me poupar
nem olhar para Nick. Ele ainda parecia ferido, seus olhos arregalados
de humilhação, sua pele pálida, exceto pelos dois pontos altos de cor
vermelha brilhante em suas maçãs do rosto. Ele saiu da sala como se
mal pudesse controlar seus próprios membros.
A sala explodiu em alvoroço, pessoas que estavam olhando em
choque com o que estava acontecendo na frente deles de repente se
voltando para seus vizinhos e expressando sua surpresa. Outros
estavam rabiscando em seus blocos de anotações, repórteres que agora
espalhavam a história antes mesmo de o programa de Cyril ir ao ar. Oh
Deus. Oh Deus.
Nick se levantou, indo atrás de Callen, e eu também fiquei de pé,
agarrando a camisa de Nick. Ele se virou, olhando para mim. — Foi um
erro, Nick, por favor...
— Diga a ele. É ele que tem uma faca cravada em suas costas.
Afundei em minha cadeira como se meus ossos tivessem subitamente
se transformado em líquido.
Mas quando vi Larry sorrindo e conversando com Cyril em tom
sussurrado perto da frente, a raiva que me atingiu foi rápida e severa,
reanimando meu corpo e me dando forças para ficar em pé novamente,
para me mover em direção a eles com uma perseguição sincera.
— Você é uma cobra repugnante.
Larry se virou, a expressão sem surpresa, um lado da boca
erguendo-se em um sorriso zombeteiro. — É apenas um jogo justo,
Jessie. Um favor pago com outro. Você realmente achou que eu não
usaria?
— Um jogo? É isso? — Eu não conseguia entender essas pessoas.
Larry deu de ombros. — Um jogo? Certo. Você acha que Callen
pensou que foder minha esposa era algo mais do que isso?
Eu vacilei. Realmente não sabia. E ainda assim eu acreditei
nele. Eu acreditava que o homem que se envolveu nesses jogos não era
o verdadeiro Callen Hayes.
Eu balancei a cabeça. — O que você fez... Você potencialmente
arruinou sua carreira no processo.
Ele riu. — Minha carreira? Você acha que ele é meu único
cliente? Minha carreira não tem nada a ver com isso. Não fui eu quem
divulgou Callen como uma fraude analfabeta. Foi Cyril Sauvage. Onde
ele consegue suas informações, ninguém sabe. Talvez ele tenha
conseguido de você. Mas não se preocupe, ele não vai expor sua fonte.
Seu sorriso cresceu. — Quanto à carreira de Callen, quem sabe? Eu ia
cortá-lo de qualquer maneira. Ele estava se tornando um bêbado inútil
que não conseguia escrever um jingle para salvar sua bunda.
Deus, ele era vil. Eu estava tremendo novamente. — Você é
detestável. Tenho pena de você, — eu disse, e me virei e fui embora o
mais rápido que meus pés podiam me carregar. Eu tinha que ir até
Callen. Eu tinha que tentar explicar e implorar seu perdão.
Eu mal me lembrei da viagem ao andar de cima, minha mente
acelerada pensando na melhor coisa a dizer, as palavras certas para
usar. Quando dobrei a esquina até o corredor onde ficava seu quarto,
respirei fundo, batendo alto na porta dele. Eu esperei, meu coração
acelerado, mas não houve resposta, nenhum som vindo de dentro. Eu
bati mais uma vez, recuei e espiei por baixo da porta. A porta estava
quase completamente nivelada com o carpete, mas eu pensei em ver
uma luz de dentro se ele estivesse lá. Ele não voltou pra cá? Onde mais
ele teria ido? O quarto de Nick, talvez? Só eu não sabia qual deles era.
Tirei meu celular da bolsa e liguei para o número de Callen, mas
ele foi direto para o correio de voz. Suspirando, bati em sua porta uma
última vez, ouvindo atentamente qualquer som. Quando fui recebida
apenas com o silêncio, me virei e voltei para o meu quarto.
Por um momento, sentei na cadeira perto da minha janela,
olhando para a parede, revivendo o que havia acontecido na minha
cabeça. Liguei para o telefone de Callen várias vezes só para ser
mandado direto para o correio de voz de novo e de novo. Talvez
ele estivesse no quarto de Nick. Ou talvez Nick o tivesse levado para
algum lugar. Isso seria o melhor, provavelmente. Um amigo para dar
apoio, para fazer Callen rir, ajudá-lo a ver o lado bom disso.
O lado bom.
O que foi isso? Não mais se escondendo. Eu quase ri. Eu mesmo
sugeri e, sem pensar, fiz isso acontecer contra a vontade dele. Ele deve
me odiar.
Seria difícil o suficiente separar como era, mas agora... Para
separar dessa maneira. Eu não agüentava. Eu coloquei minha cabeça
em minhas mãos, mas as lágrimas não vieram. Eu me sentia vazia,
atormentada com auto aversão.
Finalmente, incapaz de me sentar por mais um segundo, saí do
meu quarto, caminhando pelo castelo. A sala de reunião estava vazia
agora, as cadeiras guardadas e, embora houvesse pessoas no bar,
Callen não estava lá. Saí pela porta da frente do Château e tomei o
caminho ao redor do prédio, caminhando lentamente pelo pátio, onde
Ben e eu costumávamos almoçar.
Eu podia ouvir as pessoas na piscina, conversando, os copos
tilintando, algumas gargalhadas femininas. Essas pessoas tinham algo
para rir. Callen não estaria lá.
Eu passei pelo jardim, me perdendo algumas vezes, mas não me
importando. Lembrei-me do jardim de rosas e reprimi um
soluço. Quando voltei ao caminho principal, peguei meu ritmo,
seguindo os paralelepípedos até a porta dos fundos.
Havia sinais que apontavam para o saguão principal, então eu os
segui, quando finalmente pisei na área familiar do saguão, movendo-me
rapidamente em direção aos elevadores. Lá em cima, no último andar,
onde eu desci e novamente fiz o meu caminho em direção ao quarto de
Callen.
Desta vez, vi um raio de luz sob sua porta e soltei um suspiro
aliviado. Eu bati, e meu coração martelou novamente enquanto
esperava. A caminhada me acalmou, mas aqui, meus nervos estavam
zumbindo e minhas mãos estavam úmidas. Eu os corri pelos meus
quadris, percebendo que eu ainda estava usando o vestido de festa que
eu coloquei para entrevista. Uma vida inteira atrás, ou assim parecia.
A porta se abriu e Callen estava lá, com o cabelo molhado, como
se tivesse acabado de sair do chuveiro. Sua expressão estava vazia,
desprovida de qualquer calor, e seus olhos pareciam ligeiramente
vidrados, como se ele estivesse bebendo. — Callen, — eu respirei. — Eu
estou ligando para você. Eu...
— Este não é um bom momento, Jessie.
— Nós temos que conversar, Callen. Eu tenho que explicar o que
aconteceu antes e...
— Jessie, — disse ele, o tom de sua voz me assustando, então eu
pulei. — Eu tenho companhia. — Companhia? Por um momento eu não
processei suas palavras, e então uma loira saiu do quarto para a sala
atrás dele, esticando o pescoço para me ver. Ela estava usando um
biquíni branco e uma toalha amarrada nos quadris, como se tivessem
acabado de sair da piscina. A piscina. A risada.
Oh. Oh Deus.
Meu estômago caiu aos meus pés e eu trouxe meus braços ao
redor da minha cintura, me abraçando.
— Callen? — A garota chamou. Eu a reconheci agora. Ela era a
mesma mulher que ele estava sentado ao lado do bar na outra noite, a
mesma mulher que eu o vi na primeira noite em que cheguei
aqui. Aquela que choramingou sobre ele não se juntar a ela na banheira
de hidromassagem. Parecia que ela tinha conseguido algum tempo na
água com ele depois de tudo.
— Não faça isso, — eu sussurrei, minha voz cheia de toda a
angústia que eu sentia, meu coração doendo.
— Desculpe. — Ele começou a fechar a porta, e o desespero
correu através de mim. Eu levantei minha mão, empurrando a porta.
— Por favor! Por favor, não faça isso! — Eu repeti em um grito
desesperado, batendo minha mão na porta mais uma vez.
Por um momento ele pareceu surpreso, mas depois sorriu
friamente. — Está imitando sua mãe? — Eu tropecei para trás como se
ele tivesse me batido. Parecia que ele tinha. Eu balancei minha cabeça,
uma negação, mas de que?
Eu sentia dor por todo lado.
Minha pele.
Meus ossos.
Minha alma.
Callen fechou a porta na minha cara e meu coração se
despedaçou.
Capítulo Vinte e Dois
CALLEN

A porta se fechou e o mundo caiu debaixo de mim. Fechei meus


olhos, tomando um momento para me orientar antes de me virar para
a garota - eu ainda não sabia o nome dela - que sorriu e começou a se
aproximar de mim. Mas o que quer que estivesse no meu rosto a fez
parar, seu sorriso sumiu.
— Você precisa ir.
Um flash de irritação iluminou seus olhos. — Ir? Eu acabei de
chegar aqui. Eu pensei que você tivesse se livrado dela por um motivo.
— Sim, bem... — Eu estreitei meus olhos em concentração,
tentando lembrar o nome da garota para que eu pudesse usá-
lo. Laura? Lulu?
Ela deve ter percebido o que eu estava fazendo porque ela disse:
— Layla.
— Certo, Layla. Eu mudei de ideia. Quero ficar sozinho.
Eu quero ficar bêbado e desmaiar.
Eu quero estar entorpecido.
Layla colocou as mãos nos quadris e olhou. — Pense bem antes
de você me expulsar, Callen Hayes.
Eu massageava minha cabeça. Uma dor de cabeça maligna estava
batendo no meu crânio. — Eu não estou te jogando fora, Layla. Eu
estou pedindo para você ir embora. Saia daqui.
Por mais que não quisesse ficar sozinho antes, agora eu ansiava
muito. Fiquei tentado a pegá-la e jogá-la para fora da porta. A restrição
a que estava me agarrando era a última paciência que eu tinha deixado
no meu corpo.
— Tudo bem, — ela rosnou. — Mas é isso! Se eu te ver no hotel
amanhã, vou ignorar você.
Jura? — É a melhor coisa a fazer, confie em mim.
— Eu vejo isso agora.
Ela marchou para onde ela deixou cair sua bolsa no chão ao lado
da poltrona e a pegou, balançando-a em seu ombro. Sem uma palavra,
ela caminhou em direção à porta, batendo em mim quando ela
passou. Eu dei um passo para trás, depois a vi abrir a porta e bater
atrás dela. Graças a Deus.
Eu andei os poucos passos para a poltrona e afundei sobre ela,
inclinando minha cabeça para trás e segurando o cabelo na frente do
meu couro cabeludo. Eu olhei para o teto, sem ver nada
realmente. Agora que eu estava sozinho, no silêncio do meu quarto, o
zumbido de álcool começando a desaparecer, a angústia rastejou de
volta como um gatuno deslizando por uma janela aberta do porão.
Cerrei os olhos enquanto as lembranças da entrevista me
agrediam, a humilhação e a vergonha que eu sentia ao ser exposto
diante de uma sala cheia de estranhos, na frente do mundo,
eventualmente. E não havia nada que eu pudesse fazer. — Seja homem!
— Nick tinha dito quando ele me seguiu da sala. Mas para
que? Difamação? O que ele disse era verdade. E o que isso importava
agora? Eu tinha visto os repórteres na fila da frente, rabiscando
furiosamente seus cadernos de anotações, anotando cada detalhe da
minha estupidez, minha agora muito pública e vergonhosa. Eu avistei
os celulares mantidos discretamente enquanto os convidados
registravam o momento. Eu poderia tentar processar Cyril Sauvage para
não transmitir a entrevista, mas o que isso conseguiria? Mais
imprensa. Mais atenção. Mais humilhação.
Por que você fez isso, Jessie? Ela teria contado a Larry meu
segredo para me obrigar a lidar com isso? Teria ela o visto como um
aliado para me fazer aprender a ler? E isso importava? Seja qual for a
razão, eu disse a ela que não queria que isso fosse dito a ninguém. O
olhar no rosto dela... Ela estava quase tão horrorizada quanto eu.
Quase. Ela não queria me humilhar publicamente, e ainda assim foi
esse o resultado. Essa noite, por causa dela, em frente a uma sala cheia
de estranhos, eu era o mesmo garotinho sentado na mesa da cozinha,
sendo orientado a ler, apenas ler, quando eu não conseguia... Eu não
podia.
Ela disse a Larry que eu era analfabeto. Larry de todas as
pessoas. Ela estava neste mesmo quarto e viu o ódio em seus olhos em
direção a mim. E por quê? Ela sentiu algum tipo de conexão distorcida
com Larry, o cônjuge traído? Ele representou a mãe dela nesse cenário e
eu, o pai dela? Sim, eu fui o vilão naquele dia - até eu admito isso -
mas Larry não era um príncipe.
Mas nem eu, e realmente, não era assim que continuava voltando
comigo e com Jessie?
Eu a assisti da minha varanda na semana passada quando ela se
sentou ao sol com aquele cara com quem ela trabalhava. Eles riram e
conversaram enquanto almoçavam, às vezes folheando um livro e lendo
em voz alta um para o outro enquanto meu estômago se contorcia de
ciúmes e o desalento de saber que eu nunca teria isso com ela, não
importa o quanto eu tentasse. E então hoje, parecia que ela estava
chorando (por causa de mim?) e ele a tomou em seus braços por um
momento. Isso me deixou mal, e eu me virei. E ainda assim... ainda, eu
segurei o pedaço de esperança de que talvez pudéssemos resolver
algo. Mas o que? Na realidade, o que? Ela queria mais de mim do que
eu poderia dar, e ela estava certa em querer mais.
Talvez o que ela fez não tivesse sido inteiramente intencional, mas
a ferida era profunda e excruciante e iria sangrar por um longo, longo
tempo. Tinha me dito exatamente como seria sentir Jessie com uma
fraude como eu, para colocá-la no que seria agora um holofote público
em torno do meu analfabetismo. E então eu fiz questão de ser cruel, e
não havia como voltar atrás do jeito que eu a dispensei hoje à noite.
Jessie e eu terminamos.
Eu não poderia ficar aqui outro dia. Sentei e puxei meu celular do
bolso, batendo no ícone do telefone ao lado da foto de Nick.
— Ei, Cal. — Nick parecia sombrio, cansado.
— Você seria contra ir embora hoje à noite?
Houve um momento de silêncio. — Se é isso que você precisa,
amigo.
— Sim, eu… Provavelmente não é uma boa ideia estar em um
lugar onde a imprensa sabe como me encontrar. Eu não ficaria
surpreso se houvesse uma horda deles no saguão amanhã de manhã.
— Você provavelmente está certo.
Claro, eles também saberiam como me encontrar em Los
Angeles. Eu queria cavar um buraco e cavar fundo na escuridão como
um esquilo assustado. — Poderíamos vagabundear por Paris por alguns
dias.
— Estou com você, cara, em qualquer lugar que eu possa ter
acesso à Internet.
A emoção que eu reprimi durante as últimas duas horas inundou
meu peito, entupindo minha garganta. — Eu não quero tirar vantagem
de você, Nick. Eu...
— Você não está, Cal. Eu vou te dizer se eu precisar voltar,
ok? Vou ligar para conseguir um carro. Vejo você lá embaixo em meia
hora?
— Sim, tudo bem. — Eu soltei uma respiração instável. — Vejo
você então.
Depois de alguns minutos eu me soltei do sofá e fui arrumar
minha mala, jogando coisas sem preocupação alguma, até os calções de
banho úmidos que eu tinha tirado e deixado no chão do banheiro
quando eu me troquei um pouco antes. Não importava. Nada
importava. Eu me sentia como uma concha vazia que de alguma forma
ainda tinha a capacidade de sentir dor.
Olhei para a cama por um longo momento, a lembrança da forma
adormecida de Jessie fazendo com que uma lâmina afiada de dor
cortasse a ferida aberta no meu interior. Eu vacilei, querendo me
enrolar, mas forçando meu corpo a se virar e ir para a porta.
Minha composição semi acabada estava sobre a mesa, e coloquei
na frente da minha mala, imaginando se eu iria querer escrever de
novo, se restasse alguma coisa. Perguntando se eu tinha uma carreira
depois de hoje. Eu queria uma carreira? Eu tinha dinheiro suficiente
para sobreviver por um bom tempo.
Fiz o meu caminho até o saguão, onde Nick estava esperando, e
depois de um rápido check-out, entramos no carro que Nick havia
providenciado. Quando o motorista se afastou do meio-fio. Eu não olhei
para trás, nem uma vez.
— Onde, cavalheiros? — Perguntou o motorista.
— Paris, — Nick respondeu, dando-me um sorriso pálido. — Leve-
nos para La VilleLumière.
Eu olhei pela janela. Sim, nós estávamos indo para a Cidade Luz,
e tudo que eu sentia por dentro era escuridão.
Capítulo Vinte e Três
JESSICA

No ano de nosso Senhor 1431, no décimo quarto dia de maio.


Eu estou entorpecida enquanto caminho nestes dias. Meu coração
está partido, minha alma despedaçada. Não sei se meu amado Olivier
está vivo ou morto, e por dentro, minha alma grita com tristeza, com a
agonia de não saber.
Meu pai providenciou uma viúva gentil na cidade de Compiègne
para me receber e aqui resido enquanto aguardo o julgamento de
Jehanne. Eu sei que meu pai queria que eu ficasse como uma última
demonstração de lealdade ao tribunal e os favores que serão concedidos
à nossa família, incluindo o casamento arranjado com algum estranho
que eu não amo; no entanto, é aqui que eu pertenço. Meu pai não conhece
Olivier e eu não ouso contar a ele, nem pedir sua ajuda para obter
informações sobre Olivier, por medo da represália de meu pai. Eu anseio
com cada fibra do meu ser ir em busca de Olivier, e rezo para que ele
esteja ferido, mas não morto, incapaz de vir a mim, pois não posso ir até
ele. Tenho conforto em saber que, por enquanto, estou onde devo estar,
que é com Jehanne que preciso ficar. Sei em meu coração que Olivier o
desejaria e aconselharia que cumprisse meu dever, como prometido, de
servir Jehanne. Mas não é apenas a obrigação que me mantém perto
dela, nem a orientação do meu pai, mas a amizade, o amor e o desejo de
aliviar o terror dela.
Me encontro com ela sempre que os guardas permitem, e ela está
tão assustada que eu devo ser forte por ela. Sob ameaça de morte, ela
assinou uma confissão e negou que alguma vez tivesse recebido
orientação divina. Devo confessar que o alívio que senti foi imenso, mas
quando a vi e testemunhei a maneira pela qual a negação rasgou seu
coração, sua alma, perguntei se deveria sentir algum consolo.
— A mentira da alma não causa mais desespero do que a própria
morte? — Ela me perguntou, e eu não pude discordar. Ela diz que vai se
retratar de sua confissão, que ela deixou o medo guiá-la ao invés de
Deus.
— Mas seguir a Deus te matará, — declarei.
Seu rosto estava pálido e suas mãos tremiam quando ela
respondeu: — Então é para isso que eu fui feita. —Antes que eu pudesse
responder, ela pegou minhas mãos nas dela e disse: — Faça-me uma
promessa. Viva sua vida com alegria e riso. Não tome um segundo como
garantido. Viva ferozmente e sem arrependimento. Por mim.
— Talvez Deus também me queira morta, — eu chorei, cheia de dor.
Mas Jehanne sorriu daquele jeito suave dela e disse: — Não. Deus
tem outros planos para você. Encontre sua batalha e lute contra ela. Seja
corajosa e ele não te abandonará. Ouça-o, embora sua voz seja apenas
um sussurro ao vento, um canto de pássaro, o profundo sentimento de
retidão em seu coração. Não pare de ouvir, minha querida Adelaide, e
você nunca estará sozinha.
Eu não sei do raciocínio de Deus, embora eu tente aceitar sua
vontade como ela me ensinou que devo. Mas oh Senhor no céu, se ela se
retrair como ela diz que vai, eles vão queimá-la na fogueira. Uma garota
de apenas dezenove anos. Minha amiga. E não posso suportar ver isso
acontecer, embora ela diga que é a única coisa agora que a libertará das
correntes.

O tênue cheiro do saguão do meu prédio, combinado com o cheiro


doce e fermentado de pão assado que vinha do apartamento da Sra.
Bertrand, me dava boas-vindas em casa. Subi as escadas devagar,
levantando a mala atrás de mim e, antes mesmo de chegar ao andar de
cima, a porta do nosso apartamento se abriu e Frankie estava lá,
guinchando e segurando os braços.
Eu sorri, mas uma vez que eu deixei cair a minha mala e entrei
em seus braços, as lágrimas começaram a fluir, e eu estava rindo e
chorando, uma mistura de felicidade e tristeza jorrando do meu corpo
tão rapidamente que mal consegui controlar.
Eu me segurei nessas últimas semanas no Château, trabalhando
tanto e tão intensamente que só pude cair na cama no final do dia. Eu
fiquei seriamente desapontada ao saber que, para mim, a história de
Adelaide terminaria enquanto ela esperava, com medo, que sua amiga
enfrentasse a execução, execução que a história me disse
definitivamente tinha sido realizada. Nós havíamos traduzido todos os
documentos que haviam sido encontrados, e não havia mais nada para
indicar o destino de Adelaide . Eu não teria o fechamento de saber que
Adelaide viveria uma vida feliz, nunca saberia se ela se encontrou com o
capitão Durand e se a história de amor deles continuava ou não, ou se
ela foi forçada a se casar com outro. Era outra perda para eu lidar. Mas
a vida, eu supus, nem sempre oferecia um fechamento. Eu tinha me
confortado em reler as palavras de Adelaide, em experimentar mais uma
vez as lições que ela tinha para ensinar, enquanto examinávamos todos
os escritos uma segunda vez, verificando e corrigindo onde
necessário. Eu me deixei perder no mundo de Adelaide, em suas
palavras, fechando o desespero que eu sentia em como minha própria
história de amor tinha terminado, a dor intensa que sentia sempre que
me lembrava das últimas palavras cruéis de Callen. Mas agora, na
segurança dos braços amorosos da minha melhor amiga, eu finalmente
me permiti sentir.
— Oh, Jess, — ela cantou, apertando-me mais forte e balançando
nós duas para frente e para trás. — Minha pobre e doce repolha.
Eu funguei e enxuguei minhas lágrimas, me recompondo o
suficiente para ser levada ao nosso apartamento. Eu afundei no sofá e
Frankie voltou para o corredor e pegou a mala que eu tinha esquecido
completamente e a trouxe para dentro. — Água? — Ela perguntou.
Eu balancei a cabeça, limpando o meu rosto coberto de
lágrimas. — Não. Eu bebi uma garrafa na cabine do trem na estação.
Frankie assentiu, me entregando um lenço para que eu pudesse
limpar meu nariz. — Como foi, encerrar o projeto?
Eu assenti. — Bom. Bem. Eu realmente não precisava me
despedir de ninguém desde que vou vê-los todos no jantar de banquete
no sábado.
— Apenas dois dias para encontrar o vestido perfeito para você.
Eu ofereci um pequeno sorriso nos meus lábios. — Eles são
pesquisadores e cientistas, Frankie. Eles não vão notar se eu usar um
saco de batatas.
Frankie levantou uma sobrancelha. — Você duvida do gênio de
Clémence mais uma vez.
Eu ri. — Nunca. Eu só acho que seu gênio pode ser desperdiçado
com eles. — Além disso, eu não sabia se eu queria usar um vestido de
Clémence Maillard novamente. Eles me lembraram muito de Callen.
Callen
Depois daquela noite, aquela noite terrível, minha angústia e
miséria foram enterradas sob uma camada de raiva por sua crueldade,
desgostosa pelo que ele havia feito. Eu me odiava pelo que fiz a ele, e me
senti profundamente envergonhada com o meu erro. Mas meu erro não
foi intencional, e no segundo em que havíamos nos machucado e
incompreendido, Callen tinha se voltado diretamente para velhos
hábitos: beber e mulheres. Ele tinha boas razões para ser incapaz de
me responder quando eu perguntei se ele era confiável ou não. Ele
provou para mim o que eu mais temia - eu não podia confiar nele.
E ainda assim... Apesar dos meus melhores esforços em ensinar
meu coração, insistia em amá-lo de qualquer maneira. Coração
estúpido, estúpido e irracional.
Frankie estava me olhando preocupada, como se tivesse seguido
meus pensamentos. — Ele está em Paris, você sabe, — ela disse
suavemente.
Meu coração se torceu. — Quem? — Eu sussurrei, embora eu
soubesse pelo tom dela que ela estava falando sobre Callen.
— Callen, — ela confirmou.
Meus ombros caíram. — Oh. — Eu propositadamente não tinha
ligado a televisão, olhado a Internet no meu celular, ou pegado uma
publicação de qualquer tipo. Frankie tinha me dito que a entrevista de
Callen e Cyril Sauvage tinha sido repetida continuamente desde que
aconteceu e escrita em publicações ao redor do mundo. Eu não queria
ver nada disso. Apenas que só de pensar me machucava e me
envergonhava, e eu só podia imaginar o que estavam fazendo com
Callen. Apesar da minha raiva e dor, eu ainda consegui sentir
compaixão pelo que ele devia estar sofrendo.
Frankie apertou os lábios. — Eu pensei que você deveria
saber. Ele esteve em todos os jornais, nos sites de fofocas... — Ela fez
uma pausa. — Parece que ele está se divertindo.
Meus olhos se arregalaram enquanto olhava para ela. Ele estava...
Festejando? Oh. Uma explosão de raiva renovada me revigorou e me
sentei. — Bem, fico feliz em saber que ele está aceitando o que
aconteceu muito bem.
Frankie franziu a testa e encolheu os ombros. — Ele parece
bêbado na maioria das fotos.
— Mulheres penduradas nele, eu suponho, — eu murmurei.
Ela mordeu o lábio e assentiu. — Sim.
Uma lança de tristeza perfurou meu coração, mas eu juntei meu
interior - meu interior Adelaide - e não me desintegrei. Se Adelaide
pudesse permanecer forte depois de tudo o que ela experimentou, eu
também poderia. Eu faria.

***

— Uau, — disse Frankie quando ela veio atrás de mim, onde eu


estava diante do espelho. — Se aqueles pesquisadores rabugentos não
notarem você nisso, realmente não há esperança para eles.
Eu ri, passando minhas mãos pelo vestido de renda cor de
champanhe, feito à mão e entrelaçado com miçangas douradas. O
padrão de renda apresentava centenas de rosas, todas entrelaçadas, do
chão ao corpete, e havia um cinto dourado delicado na minha
cintura. Era mais do que louco - uma verdadeira obra de arte - e ele
abraçava meu corpo como se tivesse sido feito só para mim.
Quando Frankie o trouxe para casa, eu notei as rosas - elas eram
sutis e você tinha que olhar de perto para discernir o padrão floral -
e eu estava tentada a não aceitá-lo. Mas quanto mais olhava para ele,
algo dentro de mim se aquecia. As rosas... Aquele fim de semana... Era
uma boa lembrança, e apesar de como Callen e eu terminamos, queria
manter essa parte de nós por perto. Rosas haviam perfumado aquele
fim de semana, e agora eu usaria rosas quando me despedisse
oficialmente do Vale do Loire.
Eu seria corajosa apesar da minha mágoa. Embora nunca fosse
saber as peças finais de sua história, Adelaide havia me ensinado
isso. A própria Jehanne havia me ensinado muita coisa.
Frankie olhou para mim pensativamente no espelho, seus olhos
viajando dos meus saltos de tiras douradas, para a minha maquiagem e
para o meu penteado retorcido. — Algo está faltando.
Eu fiz uma careta, olhando de volta para o espelho. A única joia
que eu tinha era brincos em forma de lágrima de ouro. O decote do
vestido era muito alto para usar qualquer coisa no meu pescoço. — O
que?
— Fique aí. — Ela se virou e saiu rapidamente do quarto, e eu
ouvi a porta do nosso apartamento abrir e fechar. Eu esperei, confusa,
até que ela voltou um minuto depois, respirando pesadamente
aparentemente subindo as escadas, com uma rosa branca na mão. —
Peguei do jardim de Bertrand — ela ofereceu uma explicação antes de
trazer a rosa para trás do meu cabelo e prendê-lo.
Eu me virei, olhando para a flor branca presa no meu cabelo. —
Perfeito, — disse ela.
A campainha tocou. — Deve ser Ben, — eu murmurei, olhando
para o relógio e indo em direção à porta. Ben estava do outro lado,
bonito em um smoking preto.
— Uau, — disse ele, seus olhos varrendo sobre mim. — Você está
incrível.
Frankie riu de trás de mim, cutucando meu ombro. — Eu te
disse. — Ela se adiantou. — Eu sou Frankie.
Ben sorriu. — Prazer em conhecê-la.
— Você vai acordar quando eu voltar? — Eu perguntei quando
entrei no corredor. — Deus, espero que não. Divirta-se. — disse ela,
sorrindo e piscando.
Eu soltei uma respiração. — OK. Boa noite, Frankie. — Frankie
acenou, fechando a porta.
Na rua, uma limusine esperava por nós. — Ben. Você não
precisava fazer isso.
— Eu queria. Nós ficamos em um porão empoeirado por um
mês. Nós merecemos uma noite em alto estilo, você não acha?
Eu sorri. — Bom ponto e obrigada.
Sem poupar gastos, o jantar de banquete foi realizado em um dos
hotéis mais luxuosos de Paris. Não só a equipe com quem eu trabalhei
no Vale do Loire estaria presente, mas muitos altos funcionários
administrativos do Louvre, bem como doadores que ajudaram a
financiar o projeto, também estariam lá. Talvez eu até faça uma
conexão que possa levar a uma posição permanente.
O passeio foi relativamente curto, e quando nossa limusine parou
em frente ao hotel, eu tive que admitir como era decadente quando um
porteiro abriu a porta e pegou minha mão para me ajudar.
Ben e eu seguimos a fila de pessoas vestidas com trajes elegantes
entrando no prédio e entramos no enorme vestíbulo, resplandecente em
ouro e mármore, com candelabros brilhantes pendurados nos tetos
altos e enormes vasos de flores perfumadas por toda parte. Rosas,
claro. Naturalmente o lugar estaria decorado com rosas. Eu suspirei,
um som suave que eu esperava que Ben não pudesse ouvir, e forcei um
sorriso aos meus lábios.
Ben subiu as escadas até o salão de baile, que estava ainda mais
lindamente decorado, com toalhas de mesa brancas nas mesas
compridas, velas colocadas em espelhos para refletir a luz e vasos altos,
e de fundo, claro que transbordavam de rosas e hera. Em todos os
lugares que eu olhei, luzes suaves brilhavam e brilhavam, saltando das
paredes com painéis. Todo o espaço parecia mágico. — É lindo, — eu
respirei.
Ben assentiu. — É. — Ele apontou para o bar. — Você quer uma
bebida?
— Apenas água por agora. Não comi nada desde o café da manhã
e ficarei bêbada se tomar um copo de vinho antes do jantar — eu disse
rindo.
Uma vez que tomamos nossas bebidas, saímos pela porta lateral
que levava a uma ampla varanda. Algumas pessoas estavam andando
por aí, mas eu não vi ninguém que conhecia.
Enquanto nos movíamos para a beira da varanda, Ben apontou
para a distância. — Veja.
Eu virei minha cabeça e avistei a Torre Eiffel, acesa. Suspirei de
prazer. — Essa visão sempre me deixa encantada.
Ele sorriu, se inclinando na borda da varanda e olhando para
mim. — Não há cidade no mundo mais bonita que Paris.
Eu balancei a cabeça concordando enquanto olhava para a visão
daquela famosa torre, brilhando contra o céu noturno. — Você já
pensou em se mudar para cá? — Enquanto estávamos trabalhando,
soube que Ben morava em Marselha, uma cidade no sul da França. Ele
havia sido recomendado ao Dr. Moreau por causa de sua especialidade,
mas ele tinha um trabalho permanente esperando por ele em casa.
Seu olhar permaneceu em mim por um momento. — As
vezes. Mas gosto de morar perto da minha família, meus irmãos e irmã
e todos os filhos deles. Eu sentiria falta de vê-los crescer.
— Você é próximo a eles?
— Sim, muito.
Eu assenti. Que maravilhoso ter esse tipo de apoio amoroso. —
Você é sortudo.
Ele me considerou por um segundo. — Eu sei. E você? Sua
família ainda está na Califórnia?
— Meu pai e sua nova esposa e meu irmão estão sim. Mas nós
não somos... Próximos. — Eu falo com meu irmão ocasionalmente, mas
principalmente sobre coisas superficiais. Nós dois procurávamos estar
em qualquer lugar, menos em nossa casa, na maior parte de nossa
infância e depois na adolescência. Nossa ausência em casa não levou
exatamente a um relacionamento próximo.
Às vezes o começo do amor é apenas uma questão simples de
proximidade.
As palavras que Madame Leclaire dissera quando Callen e eu
saímos de sua hospedaria naquele fim de semana chuvoso causaram
uma dor aguda no meu intestino. Tomei um gole de água para não fazer
caretas.
— Você parece tão triste, Jessica, — disse Ben, colocando a mão
sobre a minha no parapeito e dando um passo mais perto. Eu olhei
para cima, vendo o nervosismo em seus olhos, a concentração em seu
rosto. Ele ia me beijar.
Eu pisquei, quando ele se inclinou e pressionou seus lábios nos
meus. O beijo foi doce, principalmente casto, quando ele simplesmente
segurou sua boca sobre a minha, escovando nossos lábios e depois
recuando.
Eu trouxe meus dedos aos meus lábios. — Ben...
Ele balançou a cabeça, fazendo uma careta. — Você não sente
nada por mim, não é?
Eu virei minha mão e apertei a dele. — Eu sinto muito por
você. Eu te respeito. E admiro sua gentileza e seu humor. Eu acho que
você é um dos homens mais legais que já conheci. É muito agradável.
— Agradável. Ugh, o beijo da morte. — Mas ele sorriu gentilmente,
se não um pouco triste. Eu balancei a cabeça.
— Não. Eu não quis dizer...
— Tudo bem, Jessica. Eu sei que você acabou de terminar com
alguém. Eu ainda esperava... —Ele suspirou, soltando minha mão. —
Bem, espero que possamos ser amigos. Eu valorizo isso.
— Eu também, Ben. Muito.
Ele assentiu, me dando outro sorriso. — Eu acho que vou pegar
outra bebida e lamber minhas feridas no bar. Você vai ficar bem aqui
fora?
— Sim. Eu ficarei bem.
Com um último aperto da minha mão, ele se virou e foi em
direção às portas pelas quais nós entramos. Havia outro casal de pé
perto da porta, mas além deles, eu estava sozinha. Eu queria gemer em
voz alta. Eu não tinha ideia de que Ben tinha algum interesse
romântico em mim. Ele nunca havia insinuado que ele sentia mais do
que um respeito amigável de colega de trabalho. Talvez ele estivesse
apenas esperando que o nosso projeto terminasse, de modo que, se eu
estivesse interessada também, não haveria nenhuma preocupação de
impropriedade.
Eu simplesmente não me sentia atraída por Ben como mais que
um amigo. Callen me arruinou para outros homens? Ou melhor, ele
continuará a me arruinar?
Um som suave e tilintar chamou minha atenção, e eu me virei,
respirando com força e congelando. Callen se inclinou na entrada perto
do final do pátio. Ele tinha um copo de líquido âmbar na mão, e quando
ele girou casualmente, o tilintar do gelo soou novamente.
Eu recuei contra o corrimão, minhas mãos agarrando a borda
atrás de mim e o observei. Ele se empurrou para fora da porta e
caminhou lentamente para onde eu estava, meu coração galopando no
meu peito quando ele se aproximou.
Ele estava usando um smoking, mas algo sobre ele parecia longe
de formal. Sua mandíbula estava escura de barba por fazer, seu cabelo
estava desgrenhado e um pouco longo demais, e sua gravata borboleta
estava torta e um pouco solta, como se ele tivesse puxado
recentemente.
— Nos encontramos novamente em um telhado em Paris, — disse
ele, sua voz ligeiramente arrastada. Ele está bêbado. Ele se aproximou
de mim, me encurralando.
— O que você está fazendo? — Eu sussurrei, meu pulso
acelerado. Eu podia sentir sua colônia misturada com o cheiro singular
de sua pele, e embora ele parecesse pior, ainda tinha o mesmo
cheiro. Isso fez meu coração doer de desejo. Não, não, não.
Ele inclinou a cabeça em direção à porta onde Ben havia saído
alguns minutos antes. — Eu vejo que você não perdeu
tempo. Procurando encontrar um papai para júnior?
Eu franzi a testa em confusão. — O que?
Ele inclinou, mas se conteve. — Eu vim aqui esta noite para ver
se você tinha alguma notícia para mim, Jessie. — Ele passou a mão
sobre meu estômago e, em seguida, olhou para a minha água na borda
da varanda ao lado da minha mão.
Eu soltei uma risada curta e incrédula e empurrei para ele. Ele
deu um passo para trás, sorrindo como se estivesse se divertindo. —
Você está brincando comigo? Primeiro de tudo, eu não estou grávida, e
se você quisesse saber disso, você não teria que vir na festa de
trabalho... Bêbado. Você poderia ter ligado. Em segundo lugar,
como você ousa me questionar sobre com quem passo meu
tempo. Você é manchete em todos os tabloides. Você me dispensou do
seu quarto para que você pudesse passar a noite com outra mulher. —
Um pequeno soluço me sufocou, e minha última palavra foi
interrompida abruptamente, mas engoli minhas lágrimas, me
recusando a parecer fraca na frente dele. Eu tomei uma respiração
instável, levantando meu queixo. Eu estava com o coração partido, mas
também estava com raiva. — Eu não quero ser qualquer parte de seus
jogos, Callen. Apenas saia.
Por um breve momento, eu jurei que vi a sombra da dor
atravessar sua expressão, mas então ele a substituiu por um sorriso
bêbado. Ele tomou um gole rápido de sua bebida. — Você costumava
gostar de jogos, Jessie. Aventuras.
— Sim. Eu também costumava gostar de você. — A derrota estava
na minha voz. Eu pareci cansada. Eu me sentia cansada. Exausta, na
verdade. Balancei a cabeça. — Sinto muito, Callen. Pelo que fiz. Foi um
erro e me arrependo profundamente. Eu faria qualquer coisa para
mudar isso, mas não posso. Eu nunca machuquei você de propósito, e
acho que no fundo você sabe disso. — Fiz uma pausa. Ele estava me
observando de perto, embora sua expressão estivesse nitidamente
vazia. — Mas o que você fez para mim foi proposital. E, pior ainda, o
que você está fazendo para si mesmo é proposital. — Eu olhei
incisivamente para sua bebida.
Ele riu e soou frio. Eu resisti me encolhendo e endireitei meus
ombros. Ele levou o copo aos lábios novamente, e vi, embora sua
expressão fosse um meio sorriso vazio, sua mão tremia. Apesar da
minha determinação, a ternura brotou dentro de mim. — Eu vi você. Eu
sei quem você é. Te vi quando menino e te vi como um homem num
lindo fim de semana. Você não se escondeu de mim então. Você não se
escondeu de si mesmo.
O sorriso divertido no rosto dele escorregou. — Porra, Jessie, isso
não era nem real. Aquele fim de semana foi tanto uma fantasia quanto
os contos de fada que costumávamos criar juntos.
— É isso que você está dizendo a si mesmo? — Eu balancei minha
cabeça. — Não. Era real, Callen, e você sabe disso tão bem quanto
eu. Não importa, porém, porque você está com muito medo de admitir
isso. Você está muito ocupado fazendo uma bagunça em sua vida e
jogando fora os presentes que Deus lhe deu.
Ele riu então, um som áspero que continha mais dor do que
qualquer outra coisa. — Deus? Deus? Estou entediado de toda sua fala
de Deus. Leve seus escritos e suas histórias e suas perguntas para
alguém que se importe. Joana d'Arc era uma louca que ouvia vozes, isso
é tudo. Não há Deus. E se houver, ele nunca perdeu um segundo de
tempo comigo. Eu deveria rezar para ele agora, Jessie? Devo me
ajoelhar e implorar por orientação?
Dei de ombros. — Há um ditado sobre a melhor oração ser a
gratidão. Você poderia agradecer-lhe pelos tesouros que lhe foram
dados. Você pode agradecê-lo pelo talento, pelos meios não apenas de
mudar sua vida para melhor, mas também pela capacidade de ajudar
os outros de tantas maneiras inumeráveis, principalmente com a
maneira como sua música faz as pessoas se sentirem. Pela maneira
como se transforma, eleva e inspira. Mas o que você faz em vez
disso? Você desperdiça. Você desperdiça isso. — Eu balancei minha
cabeça. — Você é uma desgraça.
Seus lábios se inclinaram em um sorriso zombeteiro, e ele
levantou o copo. — Isso é o que ele sempre disse também.
— Então você pegou exatamente de onde ele parou. — Eu
suspirei. — Em algum momento você vai ter que tomar
responsabilidade por sua própria vida, Callen, em vez de culpar todos
os outros. Em algum momento você vai ter que parar de ser um
covarde. Eu sinceramente espero que você faça isso. — Eu me afastei
da borda da varanda, virando minhas costas para ele e indo
embora. Ele não chamou meu nome e eu não olhei para trás.
Eu o deixei lá para lutar sua batalha... ou não.
Porque eu entendi agora.
Algumas batalhas só poderiam ser travadas sozinhas.
Capítulo Vinte e Quatro
JESSICA

A manhã de segunda-feira amanheceu quente e abafada; o verão


estava no ar. A miríade de aromas das ruas de Paris me saudou quando
segui da estação de trem até o Louvre: calçada quente,
exaustão, croissants recém assados e café.
O Dr. Moreau pediu para se encontrar comigo esta manhã e
borboletas nervosas invadiram minha barriga. Ben e eu tínhamos
trabalhado com ele mais de perto durante nossas últimas semanas no
Vale do Loire, e ele elogiou meu trabalho quando nós nos envolvemos
no castelo, então tive meus dedos cruzados que esta reunião seria sobre
um trabalho, ou talvez até outro projeto temporário. Caso contrário, eu
estaria enviando currículos novamente amanhã. Eu mal tinha energia
emocional para procurar emprego, mas uma menina tinha que comer, e
eu faria o que tinha que fazer porque não tinha muita escolha.
O rosto de Callen brilhou em minha mente, o jeito que ele estava
na varanda do hotel algumas noites atrás em seu smoking amassado,
mas eu o afastei. Eu não podia me debruçar sobre ele agora. Eu não
faria. E de qualquer maneira, ainda me sentia esmagada, mas estava
feliz por ter dito a minha parte para ele. Meu coração estava quebrado,
mas eu quis dizer o que eu disse: ele tinha que assumir a
responsabilidade por sua própria vida. Não havia nada que eu pudesse
fazer menos do que implorar. E isso não funcionaria também. Eu sabia
por experiência que as pessoas não mudavam porque eram obrigadas a
fazê-lo. As pessoas mudaram apenas quando faziam a escolha de
mudar por conta própria.
Peguei o elevador até o escritório do Dr. Moreau e bati de leve na
porta dele. — Entre, — ele chamou, e eu abri a pesada porta de madeira
lentamente.
Seu escritório estava tão desarrumado quanto na primeira vez
que estive lá, e algo sobre a desordem me fez sorrir.
— Ah, Jessica, machérie, venha. — Ele se levantou e contornou a
mesa, me beijando gentilmente em cada bochecha antes de voltar para
sua cadeira. Eu alisei minha saia e sentei na frente dele.
— Você gostou do jantar? Desculpe, só tivemos a chance de
conversar brevemente.
— Foi lindo. Eu conheci vários dos doadores e a maioria dos
funcionários do Louvre.
— Bom, bom. É sobre isso que eu quero conversar com você. —
Ele sorriu e eu me sentei para frente. — Uma oferta. — Soltei o ar que
estava segurando e o Dr. Moreau riu.
— Boas notícias?
— Sim muito.
— Bom. Seu trabalho, Jessica, é maravilhoso. A maneira como
você interpretou a voz de Adelaide não era apenas tecnicamente precisa,
mas continha um nível de intuição que nem todo tradutor tinha. As
palavras são assim, — ele esfregou os dedos como se estivesse
pensando neles como algo tangível - poderoso. — E a linguagem, se não
for traduzida corretamente, nunca transmite perfeitamente o significado
do escritor. Não fala do coração deles como eles queriam fazer. Não nos
dá a essência deles. Você, Jessica, ajudou a despir o coração de
Adelaide e, por sua vez, uma pequena parte de Jehanne também. Por
um momento, você as trouxe de volta à vida.
Seu elogio fez meu coração vibrar de alegria e soltei uma risada de
genuína felicidade. — Obrigada, Dr. Moreau.
— De nada, querida. Agora, sobre a oferta. Existe uma posição no
nosso antigo departamento de documentos que acredito que seria
perfeita para você. Eu a recomendei para isso, mas você terá que se
encontrar com a chefe do departamento como uma formalidade. Se você
estiver interessada, claro.
— Interessada? — Eu gaguejei. — Sim.
O Dr. Moreau riu. — Eu esperava que sim. Aqui está o cartão
dela. Ela está te esperando amanhã de manhã às nove.
— Obrigada, Dr. Moreau. Eu realmente não posso te agradecer o
suficiente. Por tudo.
— O sentimento é mútuo. — Comecei a ficar de pé, quando o Dr.
Moreau sorriu de uma maneira que eu achava que era apenas um
pouco travesso. — Oh, apenas mais uma coisa pequena. —Sentei-me e
olhei interrogativamente para ele enquanto ele pegava uma pasta da
gaveta de sua escrivaninha. — Dois dos escritos que você estava
destinado a trabalhar ficaram para trás. — Ele balançou a cabeça. —
Um erro infeliz, embora eles tenham sido escritos em um tipo diferente
de pergaminho e usassem uma tinta de cor diferente, então eles eram
considerados pertencentes a um projeto diferente. Estas são cópias. Eu
só olhei por cima deles brevemente. Eu sei como você ficou desapontada
por não ter a conclusão da história, e eu adoraria que você fizesse as
honras e as traduzisse como você tão habilmente traduziu os
outros. Mas, por favor, as envie para mim no minuto em que elas
estiverem concluídas.
Meu Deus. Eu soltei uma respiração assustada quando encontrei
os olhos do Dr. Moreau. Meu coração bateu com alegria surpresa. —
Oui — eu respirei quando peguei a pasta de papel pardo e a abri para
espiar dentro. Eu imediatamente reconheci.
O roteiro formal de Adélaíde, e meu coração pulou como se visse
um velho amigo vindo na minha direção na rua. Oh. — Obrigada, Dr.
Moreau. — Eu prestei atenção para não rasgar. — Muito
obrigada. Vou mandar o primeiro para o e-mail amanhã, — eu disse,
minha voz sem fôlego com a onda de emoções enchendo meu peito.
O Dr. Moreau levantou-se. — Très bien. E lembre-se de anexar
uma fatura pelo o trabalho. — Ele deu a volta na mesa e pegou minha
mão na sua, beijando-me em cada bochecha mais uma vez. —
Bonnejourné, Jessica.
***

Eu guardei meu grito animado até que fiz isso a meio caminho do
Louvre para a estação de trem, parando em uma esquina e liberando o
som alegre. Um trabalho permanente. No Louvre. Eu me inclinei contra
o prédio atrás de mim, o calor da pedra penetrando na minha blusa e
esquentando minha pele. Virei meu rosto para o sol e senti os raios
quentes no meu rosto. — Obrigada, — eu sussurrei. Agarrei a pasta lisa
ao meu peito, a abraçando como se fosse a própria Adélaíde e ela
estivesse vivendo esse momento comigo. Eu estava morrendo de
vontade de ler o que havia dentro, mas queria ficar sozinha em uma
sala silenciosa para poder absorver cada palavra. Então eu poderia
voltar para os campos no Vale do Loire. Para o meu Coração.
Eu me senti mais em paz do que quando deixei o castelo. Levaria
tempo para me afastar da dor de perder Callen, mas eventualmente eu
o faria. Eu arrisquei o amor e perdi. Apesar de ter terminado, eu não me
arrependo do tempo que passamos juntos. Isso também tinha sido um
presente, e eu tentaria garantir que a perda me mudasse para
melhor. Eu não tinha ideia do que isso significava no momento, mas era
um objetivo, e os objetivos eram vitais. Sonhos eram vitais.
A viagem de meia hora para casa pareceu demorar mais do que o
habitual. Frankie estava no trabalho, e eu normalmente não gostava de
passar o resto da tarde sozinha, mas tinha Adélaíde para me fazer
companhia e sabia que sua voz familiar me traria conforto.
Quando dobrei a esquina da minha rua e olhei para cima, a visão
de um homem andando diretamente em minha direção me fez parar. Eu
engoli em seco.
Meu coração clamou com medo quando Nick se aproximou de
mim lentamente. — Ele está bem? — Eu perguntei, correndo para ele,
meu primeiro pensamento que Callen estava ferido e Nick tinha vindo
para dar a má notícia.
— O que? Ah sim, ele está bem.
Eu coloquei minha mão sobre o meu coração e Nick fez uma
careta. — Desculpa. Eu não achei que você pensaria que estava aqui
para trazer más notícias.
— O estilo de vida dele não inspira exatamente a confiança no
estado de saúde dele.
— Não, não inspira, não é?
Eu olhei para ele em silêncio por um momento. Ele estava
vestindo jeans e uma camiseta de manga curta com algum logotipo da
empresa de design do site que ele era o dono, embora a camiseta estava
desbotada e eu não conseguia distinguir o nome exato da empresa. Ele
parecia bem, não como Callen quando eu o vi. — Estou surpresa em ver
você.
— Sim, eu sei. Me desculpe por ter saído daquele jeito depois da
entrevista.
— Eu não culpo você por isso, Nick. Eu mereci isso.
Nick sacudiu a cabeça. — Não, Jessica. Você disse que foi um
acidente e eu acredito em você. O que quer que tenha acontecido, acho
que você não queria machucar Callen, especialmente publicamente.
— Não. Eu não sabia. — Meu apartamento ficava no final do
quarteirão e gesticulei para ele. — Você quer se sentar e conversar? —
Perguntei.
— Eu realmente só tenho pouco tempo. Callen e eu estamos
voando de volta para a Califórnia esta tarde.
— Oh, sei, — eu disse suavemente.
— Mas, hum, eu vi uma cafeteria a uma quadra, se você não se
importar de se juntar a mim para uma xícara? Vi um bolo de aparência
deliciosa na janela.
Eu sorri. — Certo.
Nós caminhamos até o café que eu conhecia bem, entrando e nos
sentando em uma pequena mesa. Os aromas do rico café e sobremesas
doces atingiram meu nariz e fizeram meu estômago se revirar. A visita
de Nick obviamente abalou meu sistema. — Posso pegar algo para você?
— Nick perguntou.
Eu balancei a cabeça e esperei enquanto ele pedia uma xícara de
café e um pedaço de bolo de chocolate decadente. — Callen sabe que
você está aqui? — Eu perguntei depois que ele terminou metade da
sobremesa em duas mordidas.
Ele se sentou de volta. — Não. Eu só... Eu nem sei exatamente
por que vim. — Ele soltou uma risada pequena e envergonhada e
passou a mão pelo rosto. — Eu me preocupo com Callen há muito
tempo, e acho que cheguei à conclusão de que ele precisa começar a se
preocupar consigo mesmo se quiser seguir em frente. O que aconteceu
naquela entrevista - por pior que tenha sido - talvez seja a coisa que
finalmente fará isso acontecer. Eles dizem que você tem que chegar ao
fundo do poço antes de começar a sair dele. — Ele pegou sua xícara e
tomou um gole de café.
Eu soltei uma lufada de ar. — Eu cheguei à mesma conclusão,
Nick, e espero que você esteja certo sobre Callen descobrir como seguir
em frente. — Mas não é mais da minha conta, tanto quanto isso dói.
Ele inclinou a cabeça, me observando por um momento, depois
pousou a xícara e cruzou os braços. — Ele costumava ir a esse ringue
de boxe em Los Angeles, onde eles deixavam os amadores se
esforçarem. Eu fui uma vez para assistir. Não era minha coisa. Isso me
lembrou do meu passado e, ao contrário de Callen, eu nunca gostei de
ser atingido.
Oh. Ambas as partes dessa declaração me encheram de tristeza,
mas Nick não parecia estar lá para falar de si mesmo, e eu não o
conhecia bem o suficiente para perguntar mais. — Callen gostava.
Ele pareceu pensativo por um momento. — Eu não sei se gostar é
a palavra certa, mas sim, ele procurou. Ele quer se machucar,
Jessica. A bebida, as mulheres, realiza duas coisas ao mesmo tempo – o
adormece por um tempo, e isso o machuca porque se odeia por isso.
— Também me doeu.
— Eu sei.
Eu o olhei, vi a dor gravada em seus olhos. Sim, ele sabia. Só não
da mesma maneira. Mas ele se importava com Callen como um irmão
faria, e assim assistir Callen arruinar sua própria vida deve lhe trazer
dor também. — Ele é muito sortudo por ter você, — eu murmurei. —
Espero que ele perceba isso.
Ele me deu um sorriso pálido e depois me estudou por um
momento. — Callen me contou o que ele fez com você quando você foi
ao seu quarto naquela noite. — Naquela
noite. A noite malfadada quando tentei dizer a verdade. A verdade que
ele não queria ouvir.
Eu me encolhi, olhando para longe, não querendo pensar naquela
noite. — Sim.
Ele tomou outro gole de café e brincou com o copo de papelão por
um momento, parecendo estar considerando alguma coisa. — Não era
realmente para lhe dizer isso, mas... Nada aconteceu entre Callen e
aquela garota. Ela saiu logo depois de você, Jessica. Callen e eu saímos
trinta minutos depois. Ele te machucou de propósito, mas ele não fez
sexo com ela. Apenas pensei que você deveria saber a verdade sobre
isso.
Eu pisquei para ele, franzindo minha testa. — Então por que...?
— Te magoar e se machucar. Ele passou as últimas semanas em
Paris tentando entrar no estilo de vida que levava antes, mas não está
funcionando para ele. Ele volta para o hotel sozinho todas as noites e
senta na varanda, parecendo patético e completamente infeliz. — Ele
sorriu brilhantemente. — Está me dando esperança.
Eu não pude evitar o riso confuso que borbulhava do meu peito
enquanto eu simultaneamente balançava minha cabeça.
— Ele está com ciúme de você, e ele nunca ficou com ciúmes
antes. Acho que isso está deixando ele um pouco louco. Ele está uma
bagunça, mas talvez... Talvez de um jeito bom pela primeira vez. Só o
tempo irá dizer.
Suspirei, o observando pegar o último pedaço de seu bolo. —
Nick, espero que ele dê a volta para melhor, mas não posso investir na
esperança. E mesmo que ele melhore, não há futuro para nós. Estou
aqui, ele está em Los Angeles e nossas vidas estão a milhares de
quilômetros de distância também.
Ele assentiu. — Eu sei. Espero que eu não tenha vindo aqui te
aborrecer muito. Eu quis dizer isso como um ato de boa vontade entre
duas pessoas que se importam com ele. Podemos ser as únicas pessoas
na terra que realmente fazem.
Deus, esse era um pensamento triste. E ainda mais triste era que
enquanto eu ainda amava Callen, eu não poderia mais ser parte de sua
vida sem enfiar uma estaca no meu coração todos os dias.
— Eu não suponho que você teria algum interesse em manter
contato?
Eu balancei a cabeça lentamente. — Isso não seria bom para
mim, Nick. Espero que você entenda o porquê.
— Sim. — Ele soprou a palavra, um som de resignação. — Eu
entendo.
— Mas sou muito grata a você por ter vindo até mim hoje. Eu
estive... Lutando, e agora acho que posso colocar um pouco disso para
descansar.
— Bom. — Ele sorriu, inclinando a cabeça. — Eu acho que o
destino sabia o que estava fazendo quando ele colocou você e Callen
juntos.
Eu sorri, genuína, enquanto pegava minhas coisas e ficava de
pé. Eu concordei. Não importava o resultado, acreditava que nosso
tempo juntos era para um propósito, mesmo que eu não soubesse desse
propósito por muito tempo. — Eu também acho.
— Cuide-se, Jessica.
— Você também, Nick.
Eu me virei e saí do café, indo em direção ao meu apartamento
enquanto refletia sobre as palavras de Nick. Callen não tinha dormido
com a garota que estivera em seu quarto de hotel naquela noite. Ora, eu
não tinha certeza, e talvez não importasse se ele tinha ou não, porque
de qualquer forma, ele queria que eu acreditasse nisso. Que ele era
capaz de fazer isso. Mas fez questão para mim, e o alívio que senti foi
como um bálsamo para meu coração. Não mudou nada agora, mas o
conhecimento me trouxe uma medida de paz.
Virei a esquina para minha rua, deixando meu passado para trás,
grata por poder entrar no passado de Adélaíde. Dentro do meu
apartamento, me sentei no sofá e levantei minhas pernas, tirando a
primeira cópia da escrita de Adélaíde.

No ano de nosso Senhor 1431, no primeiro dia de junho.


Acabou. Seu espírito sobe com os anjos. Eu não queria vê-la
sofrendo. Meu coração sangrou de agonia, e tremi com horror ao ver seu
corpo amarrado no tronco e uma cruz de madeira apertada contra o peito.
Não sei muito, mas sei que o que aconteceu com Jehanne hoje, é uma
injustiça da qual o mundo vai se entristecer. E assim eu me forcei a
testemunhar, ser tão corajosa quanto ela me ensinou a ser, a ver como
ela encontraria seu fim terrestre com compostura e coragem. E eu juro
sempre me lembrar da verdade que ela viveu: que há mais do que vemos
com nossos olhos, que Deus nos mostra nosso caminho e o destino
sussurra seus sonhos para nós, nos guiando com amor e graça. Não
importa quem duvide, apenas escutamos com o coração e sejamos
destemidos o suficiente para olhar com a visão da fé. No final, minha
única esperança é que isso lhe trouxesse algum conforto por saber que,
enquanto as chamas ficavam mais altas, ela era vigiada com olhos
celestiais de amor.
Viva ferozmente e sem arrependimentos, prometo lembrar a mim
mesma quando estou com medo ou insegura, repetindo as palavras que
Jehanne me disse pela primeira vez naquele riacho que parece há muito
tempo. As mesmas palavras que ela sussurrou a Carlos, o sétimo, a frase
que o sábio e bondoso padre deu a Charles consolo na deserção de seu
pai disse-lhe enquanto passava deste mundo para o seguinte, palavras
que Charles nunca repetiu para outra alma vivente. Mas elas eram mais
que palavras. Elas eram exatamente o que garantiu a Jehanne um
exército, conquistaram um trono de rei abandonado e presentearam a
França com uma heroína.
E eu mesmo viverei por eles todos os dias da minha vida.
Agora eu me sento aqui na beira do mar, olhando para a obra-
prima de Deus enquanto o sol nasce e joga a água em tons de ouro. Não
entrei na carruagem que meu pai mandou para mim; nem voltarei para
casa para a vida que uma vez levei, para o estranho a quem fui
prometida por aqueles que não conhecem meu coração.
O vento está soprando contra mim, engessando meu vestido no
meu corpo e me forçando a virar o rosto para o norte, e juro que sinto
Jehanne ao meu lado apontando o caminho. Diante de mim em direção a
uma caverna no Vale do Loire, onde meu amado Olivier prometeu que nos
encontraríamos novamente, se alguma vez estivéssemos perdidos. Ele
está vivo? Ele está ferido? Ele encontrará o caminho de volta para
mim? Ele me ama como eu o amo? Com corpo e alma? Eu não tenho
respostas e ainda assim tenho fé. Eu carrego dentro de mim a paz de
saber que minha vida será levada ferozmente e sem arrependimento. Por
favor, querido Senhor, querida e amada Jehanne, guie-me onde quer que
você vá e eu seguirei humildemente.
Parte Três
Eu não estou com medo. Eu nasci para fazer isso.
- Joana d'Arc
Capítulo Vinte e Cinco
CALLEN

O sol da Califórnia brilhou através de uma abertura nas


persianas, batendo em mim como um holofote, me fazendo gemer e
trazer meu travesseiro sobre meus olhos. Nós chegamos perto do
amanhecer e eu dormi por apenas quatro ou cinco
horas. Aparentemente, eu não tinha me certificado de que a cortina
estava completamente fechada antes de eu cair na cama na noite
passada.
Eu tentei voltar a dormir, mas a maldita luz estava muito
brilhante agora que eu tinha acordado. Eu joguei o travesseiro de lado e
rolei, abrindo um olho para olhar o relógio: 12:17. Eu olhei para o teto
familiar do meu quarto, a depressão se instalou ao meu redor como o
visitante indesejado que se tornaria. Uma bebida ajudaria? Era apenas
meio-dia aqui, mas era noite em Paris.
Paris.
Jessie.
Meu estômago se apertou ao lembrar que um oceano agora nos
separava. Isso foi bom, mas ainda assim, doeu. Tudo doía, e eu não
tinha ideia do que fazer com isso além do que sempre fiz. Exceto que
isso não funcionou em Paris e também não parecia atraente. Nada
parecia.
Minha mente voltou para aquela sacada em Paris, como Jessie
estava no vestido de rosas douradas. Rosas cintilante e elegante. Um
farol de luz. Tão incrivelmente bonita que arranhou meu coração. Eu
tinha visto um pôster da festa de gala e fui descobrir se ela estava
grávida, sabendo que stava esperando por isso, orando até, porque eu
ainda queria ela –queria muito - e a agonia de sentir falta dela me fez
egoísta o suficiente para me agarrar a qualquer motivo que ela pudesse
me querer de volta. Egoísta o suficiente para aparecer sem ser
convidado onde eu sabia que ela estaria, mas não antes de alguns tiros
de coragem líquida.
E então eu tinha visto ele beijá-la, tocá-la. Eu estava com ciúmes,
magoado e com raiva, e então eu fui cruel - de novo.
Você é uma desgraça.
Deus, eu sabia que era. Eu sabia.
Meu celular tocou em algum lugar do outro lado do quarto, e eu
fiquei lá, deixando ir para o correio de voz. Mas quando começou a tocar
novamente, apenas alguns segundos depois, me sentei, balançando as
pernas para fora da cama. — Jesus.
Eu segui o som e localizei meu celular no bolso do jeans que eu
tinha deixado de lado ontem à noite antes de cair na cama. — Olá? —
Minha voz soou áspera e cheia do sono que eu não tinha conseguido o
suficiente.
— Callen, querido?
— Oi, Myrtle.
Ela suspirou suavemente. — Sinto muito ser a portadora de más
notícias, querido, mas seu pai... Ele faleceu. — Voltei para a cama e
sentei, deixando escapar uma lufada de ar. — Meu pai?
— Sim. Um homem que trabalhava no hospital ligou para
você. Ele encontrou o número do seu negócio nos registros do seu
pai. Ele deixou sua informação para que você pudesse ligar de
volta. Mas achei que você preferiria ouvir as notícias de mim do que um
estranho.
— OK. Obrigado, Myrtle.
Houve uma pausa. — Estou aqui por você, querido. Você precisa
que eu ajude com qualquer arranjo...
— Não, obrigado. Estou bem. Meu pai e eu éramos... Afastados.
— Ah, entendo. Sinto muito por ouvir isso. Isso não é fácil
também.
— Não, — eu murmurei. Eu me senti como se estivesse em
transe. Myrtle me deu o número do homem que ligou e então ela falou
por mais um minuto. Eu não peguei todas as palavras dela, mas seu
tom calmo me acalmou.
Depois que desliguei, fiquei olhando para a parede por muito
tempo.

***

A velha casa foi abandonada. Eu não fiquei surpreso. Tinha sido


um buraco de merda quando moramos aqui onze anos atrás, e outros
dez inquilinos haviam selado seu destino. Até mesmo o dono
aparentemente se afastou. A placa no que se passava por um gramado
mostrava o logotipo de um grande banco da Califórnia. Eles devem ser
os donos agora.
Eu não tinha certeza porque tinha dirigido para lá. Mas meu pai
havia se mudado para minha cidade natal, Santa Lucinda, em
algum momento - eu nem sabia exatamente quando - e seu pequeno e
triste funeral havia sido mantido na rua. Eu paguei por uma lápide
para ele e apareci. Eu não achava que ele esperaria mais de mim do que
isso, se é que ele me queria lá. Ele aparentemente tinha alguns velhos
amigos, amigos do exército que apareceram, parecendo algo que o gato
tinha arrastado e depois ficou em um grupo, fumando cigarros e
contando histórias de negociação, sobre o tópico que eu não poderia
dizer.
Meu pai não tinha voltado para esta casa quando se mudou de
volta para a cidade, se estivesse disponível para aluguel na época. Mas
foi aí que eu fui atraído. Se minha dor residisse em qualquer lugar
físico, era isso.
A porta da frente estava trancada, mas eu consegui empurrar
uma janela lateral o suficiente para que eu pudesse me espremer.
O que eu estou fazendo?
Meus passos ecoaram pelos cômodos vazios enquanto eu evitava
excrementos de animais e lixo que haviam sido deixados para trás.
Havia um grande buraco na tábua no corredor, provavelmente
onde os animais entravam.
Meu antigo quarto... O armário onde eu escondia o teclado -
aquele teclado amado - só para tirá-lo quando meu pai não estava em
casa, me perdendo na música que eu podia ler milagrosamente. Essa foi
uma boa lembrança. O banheiro... O quarto do meu pai... E depois a
cozinha. Eu fiquei no espaço aberto olhando em volta. Todos os
armários inferiores tinham sido removidos, juntamente com as
luminárias, até mesmo os rodapés. Os armários superiores pendiam
precariamente, a maioria das portas inclinadas e penduradas por uma
única dobradiça enferrujada. O linóleo no chão estava rachado e
descascando, e canos enferrujados onde a pia já estivera estavam
expostos.
Idiota inútil! Leia! Leia esta linha. Apenas esta porra!
Meu estômago se agitou com o eco das palavras do meu pai
enquanto meus olhos se moviam lentamente para o lugar onde a mesa
estava, a localização da minha miséria, minha vergonha e
humilhação. Eu me imaginei lá agora, um livro aberto na minha frente,
orando a Deus para me ajudar a ler.
Por favor. Eu farei qualquer coisa. Apenas me ajude. Ajude-me, por
favor.
E de repente uma onda de raiva me dominou tão violentamente
que soltei um forte grito de raiva, arrancando uma das portas já soltas
do armário de sua dobradiça restante e a arremessando contra a
parede. A porta se estilhaçou e o gesso voou do lugar em que a porta
bateu, a madeira caindo no chão. Meu peito arfava enquanto eu sugava
o ar. Não foi o suficiente. — Eu precisava de você! — Eu gritei. — Eu
precisava de ajuda! — Eu lutei com uma seção inteira do armário,
finalmente a arrancando da parede e arremessando isso também. —
Você nunca me ajudou! Você nunca me ajudou! Por quê? Por quê?
Você é estúpido. Você é tão idiota.
Outra porta foi arrancada, outro pedaço do armário. Madeira
lascada, gesso explodiu, meus músculos queimaram e sangue espirrou
no chão de alguma lesão que eu não conseguia sentir. — Por que você
não pode me amar? — Eu gritei. Soava desesperado, animalesco.
Por que você tem que ser meu filho? Por que eu tenho que te pegar?
Não havia mais armários sobrando, então fui pegar os canos,
sacudindo e torcendo até que eles também se soltaram em uma
explosão de água negra que borbulhou e depois desapareceu de volta no
chão. Eu usei os canos como um porrete, batendo na parede mais
próxima de mim até que eu arrebentei a parede de gesso, rosnando e
ofegando com o esforço. — Por que você não me amava? Eu só queria
que você me amasse.
Continuei balançando o tubo, mas meus braços tremiam de dor e
a umidade que escorria nos meus braços nus não era sangue, mas
lágrimas. Deixei sair outro grito, mas acabou em um soluço, e eu deixei
cair o cano, pendurando a cabeça enquanto as lágrimas corriam pelo
meu rosto. Caí de joelhos e depois para o meu lado, no chão frio e
sujo. — Eu queria que você me amasse. Eu precisei de você, — eu
ofeguei. — Eu não tinha mais ninguém. Eu precisava de você e você
nunca me ajudou.
Eu não sabia se estava falando com Deus ou meu pai, ou talvez
ambos. Tudo o que eu sabia era a dor agonizante que vinha de dentro
da minha alma e exigia ser libertada. Ele estava batendo em meus
ossos, rasgando meus músculos, arranhando o interior da minha pele.
Eu soluçava quando me rendi, deixando sair de dentro de mim,
tremendo com a dor e a vergonha que eu tinha segurado perto do meu
coração por tanto tempo. Eu chorei pelo sentimento de inutilidade que
eu tinha segurado firme, o possuindo porque eu acreditava que era meu
por direito. Chorei pelo desejo desesperado de ser amado pela única
pessoa que se recusou a oferecê-lo. — Eu precisava de você, — eu
engasguei novamente, meu peito arfando. — Eu precisava de você para
me ajudar.
Estou aqui para te salvar.
Meus olhos se abriram, e eu peguei o borrão, sentando e
procurando pela criança que tinha acabado de falar perto do meu
ouvido. Eu recuei rapidamente, pressionando minhas costas contra a
parede enquanto tentava recuperar o fôlego. Eu usei as duas mãos para
limpar as lágrimas nas minhas bochechas. Não havia criança. A voz
veio da minha memória. Mas tinha sido doce e claro, e eu juro que ela
falou no meu ouvido.
Jessie.
Foi a voz de Jessie. A voz daquela princesa de onze anos
de sardas.
Estou aqui para te salvar.
Eu puxei outro suspiro longo e instável, meu coração
desacelerando, um fio de calma começando a se mover através de mim
enquanto meus ombros relaxavam. Eu trouxe meus joelhos para o meu
peito, sentando contra a parede da mesma maneira que eu uma vez
sentei naquele vagão. Eu descansei meus antebraços em meus joelhos,
observando o estado das minhas mãos arranhadas e ensanguentadas, e
fechei meus olhos, inclinando minha cabeça contra a parede.
Estou aqui para te salvar, ela disse, não uma vez, mas duas vezes.
Estou aqui para te salvar.
Isso ecoou na minha cabeça como o toque de sinos. Foi ela...
Era assim que Deus trabalhava? Ele enviava pessoas para nos salvar
quando precisávamos ser salvo? Sinais? Pequenos guias? Se eu tivesse
sido cego demais para ver que eu pedi a ele por ajuda e ele respondeu
de novo e de novo? Meu coração bateu com esperança, uma onda de
maravilha correndo através de mim. Eu pedi a ele para me ajudar,
implorei para me salvar, e ele mandou Jessie, não só para fornecer
amizade e riso quando eu mais precisava, mas para me presentear com
a alegria da música. Ela entregou diretamente em meus braços, como
um mensageiro portando milagres, e eu não a reconheci pelo que ela
era. Meu presente. Meu destino. Meu amor.
Jessie.
Imaginei seu rosto ansioso olhando para o vagão naquele dia,
imaginei ela segurando minha mão e me guiando pelos campos e por
trilhos de trem, transformando o mundo miserável que eu conhecia em
uma terra mágica cheia de felicidade e esperança. Imaginei-a lendo para
mim, envolvendo minha imaginação e me ensinando a sonhar. Eu a vi
revendo notas musicais, seu dedo tocando em cada uma enquanto ela
me ensinava a língua que eu deveria conhecer, a linguagem que fluía
através do meu sangue - minha medula, minha própria alma - como se
fosse a língua materna. Aprendi em algum lugar distante que eu não
conseguia mais lembrar, mas ainda de alguma forma carregada por
dentro.
Era como se todas as coisas boas e bonitas do mundo se
juntassem de uma só vez e você tivesse encontrado uma maneira de
expressá-lo em uma única música.
Eu não era inútil. Eu não era. Jessie tentou me ensinar isso. E,
no entanto, eu não tinha conseguido confiar em ninguém para me
amar, até mesmo alguém como Jessie, quando meu próprio pai não
pôde.
Fiquei sentado por muito tempo na cabana, desolado, minhas
lágrimas secando, o sangue endurecendo. Eu olhei para a parede em
ruínas quando meu batimento cardíaco se tornou
um barulho constante, tum-tum, tum-tum.
Oh Deus, eu fui um tolo. Eu não tinha visto. Eu não tinha
percebido.
Eu segurei minha cabeça em minhas mãos, tantas visões fluindo
através da minha mente, não apenas Jessie. Não a segunda vez em que
ela apareceu para me salvar num telhado em Paris, não na terceira, em
um castelo francês no Vale do Loire. Mas Nick, como ele chegou em
minha vida quando eu mais precisava de um amigo, como eu o protegi e
como ele tinha infalivelmente coberto minhas costas. Até
Myrtle. Mesmo a Myrtle. Eu ofeguei, agarrando meu cabelo.
Talvez eu tenha sido amado o tempo todo... Por alguma coisa...
Ou alguém. Por uma mão amorosa que procurou me guiar se eu tivesse
escutado. A sensação de que algo imenso estava acontecendo dançou
através da minha pele, através das minhas veias, e se estabeleceu
dentro de mim. Parecia quente e brilhante, como uma luz. Parecia
amor.
Você é uma desgraça, dissera Jessie. Soltei a cabeça, rindo alto,
não com desdém, mas com a verdade de suas palavras e a percepção de
que ela estava certa. Claro que ela estava. Mas a maior percepção foi
que eu não queria mais ser uma desgraça, e precisava encontrar forças
para não ser.
Eu passei minha vida rejeitando milagres. Eu passei a minha vida
esnobando o destino. Eu passei minha vida mandando barcos
embora. Um após o outro.
O destino não tinha desistido de mim, no entanto. O destino
enviara Jessie de novo e de novo, e Deus, eu queria ser digno do
presente.
Um som arranhado chamou minha atenção e eu me levantei. A
última coisa que eu precisava era de um encontro com algum guaxinim
raivoso que estivesse de cócoras na casa abandonada. Mas quando
espiei a esquina e entrei no pequeno corredor, vi um cão marrom e
branco de tamanho médio, sua expressão se movendo entre um sorriso
e o medo. Eu recuei e o cachorro veio para frente, contornando a porta
da cozinha onde eu estava agora, gemendo baixinho.
— Whoa, — eu disse, segurando minha mão. O cachorro sentou,
deixando cair os olhos. Eu parei. Parecia ter notavelmente boas
maneiras para ser um cachorro de rua. Eu podia ver o contorno de suas
costelas sob o pelo emaranhado, então estava claramente com fome e
sem teto.
Eu mudei de pé. — Eu deveria levá-lo para um canil, —
murmurei. O cachorro, parecendo saber a palavra - canil - caiu sobre o
estômago e cobriu os olhos com as patas. Eu ri de surpreso com a
inteligência clara deste animal sarnento. — Já esteve lá antes, hein? —
Eu suspirei. — Bem, eu não posso te levar. Eu moro em um
apartamento em Los Angeles. Sem quintal. Não são permitidos animais.
O cachorro continuou a olhar para mim como se estivesse
esperando por algo. Você pode se mover. Deixei escapar um suspiro
irregular, me recostando contra a parede atrás de mim. — Para onde eu
vou me mudar? França? — As orelhas do cachorro se animaram e
levantou a cabeça, soltando um gemido. Claro. Eu não tinha certeza
exatamente de onde o pensamento tinha vindo além disso talvez...
Talvez estivesse girando na minha cabeça por semanas agora. Talvez eu
tenha ficado com muito medo de refletir sobre isso e todos os outros
riscos que eu teria que considerar se desse esse salto.
Eu pressionei meus lábios juntos, ainda olhando para o
cachorro. — Se nos mudássemos para a França, eu te chamaria de
Pierre. É um nome realmente estúpido e você teria que aguentar isso. —
O cachorro deu um pulo, latindo baixinho. Eu ri. — Faz sentido.
Suspirei novamente. Eu teria que pensar em me mudar,
realmente pensar sobre isso, mas parecia que, por enquanto, eu tinha
um cachorro. — Vamos, Pierre. Vamos pegar um hambúrguer para
você. — O cachorro gemeu alegremente e depois começou a ofegar, se
juntando a mim onde eu estava e olhando para mim solenemente. — Eu
sei. Eu não esperava você também. Acho que esse é o ponto.
Pierre seguiu atrás de mim e eu destranquei o trinco da porta da
frente. Antes de abrir, olhei de novo para a cozinha, imaginando aquele
garotinho sentado à mesa, assustado, triste, cheio de vergonha por
quem ele era e o que não podia fazer.
— Você estava errado sobre mim, — eu sussurrei, e então abri a
porta, Pierre correndo à minha frente enquanto nos afastávamos.

***

— O que você acha, Monsieur Hayes? Muito agradável?


Eu me virei, vendo uma nova e moderna cozinha. Era todo aço
inoxidável brilhante e bordas afiadas. — É bom, eu acho, mas... Você
tem alguma coisa com um pouco mais... Histórica?
O corretor de imóveis ergueu a sobrancelha. —
Histórica? Monsieur, Giverny é rico em história. Mas no setor
imobiliário, que muitas vezes se traduz em... Precisa de trabalho.
Eu ri. — Tudo bem. Tem razão.
O agente, Monsieur Voclain, pegou o celular e passou por
algumas telas, parando em uma. Ele olhou para mim. — Eu tenho um
que você gostaria de ver. Se você gosta de... Casas históricas. Ele sorriu.
— Sim. — Ou melhor, alguém especial gosta por mim.
— OK. Se você quiser seguir atrás de mim, vou mostrar o
caminho.
Segui o carro de Monsieur Voclain por vários quilômetros e parei
ao lado dele em frente a um chalé de pedra, coberto de hera, venezianas
brancas caindo das dobradiças. Eu parei na porta do carro aberta por
um momento, olhando para ele, uma sensação de... Acerto se
estabelecendo. Pierre latiu, passando por mim e pulando para fora da
porta aberta. — Ei. Você deveria ficar no carro — eu disse. O cão
maldito me ignorou, trotando em direção à casa, onde ela se deitou em
um raio de sol no caminho de pedra e colocou a cabeça em suas patas.
Olhei em volta, observando o quintal cercado por um muro de
pedra que ainda parecia forte. Árvores maciças sombreavam a
propriedade, e flores e trepadeiras cresciam soltas e
selvagens. Precisava de algum cuidado doméstico, mas a beleza natural
e ilimitada disso se apoderou de algo dentro de mim.
Havia uma qualidade familiar sobre a luz aqui. A maneira como
brilhava tão suavemente atrás da casa e depois se espalhava
suavemente para longe das árvores e do céu. Isso me trouxe à mente a
maneira como a luz olhara por trás de Jessie naquele dia, enquanto ela
ficava em frente à janela da estalagem.
E quando eu inclinei minha cabeça para trás e inalei a brisa, eu
jurei que podia sentir o cheiro doce e picante de rosas flutuando de
algum lugar além.
Monsieur Voclain se aproximou. — É um imóvel superior, sem
dúvida. Tem um lindo jardim privado atrás e as lareiras no interior
continuam funcionando. Tem todas as vigas originais e pisos de
madeira. — Começamos a caminhar em direção à porta da frente. —
Você sabe que a casa de Monet está próxima? Quando ele se mudou
para cá em 1883, a beleza de Giverny se tornou uma fonte de grande
inspiração para ele. Ele pintou várias de suas pinturas mais famosas
aqui. É… um lugar especial para artistas.
— Hmm, — eu cantarolei. Eu tinha ouvido falar que a casa e os
jardins de Monet estavam próximos. Ela adoraria isso. Monsieur Voclain
riu enquanto olhava para Pierre, que já se sentira em casa.
— Seu cachorro vai gostar daqui também. Há lugares bonitos
para caminhar, um rio com uma ponte antiga exatamente assim. Ele
apontou para a esquerda. — E acima das árvores, você pode ver a torre
de uma igreja do século XI.
Uma melodia pingou dentro de mim: suave, doce, solitária,
falando de coisas que eu sempre desejei, mas nunca tive coragem de
tentar fazer as minhas.
Amor.
Casa.
— Monsieur Voclain, eu vou ficar com essa.
Ele riu, virando da porta da frente que ele estava apenas
abrindo. — Você nem viu o interior.
Eu sorri abertamente. — Tudo bem, vamos percorrer, apenas
para tornar oficial.
Capítulo Vinte e Seis
JESSICA

— Jess? — Eu virei do fogão onde estava aquecendo uma sopa


enquanto Frankie entrava em nosso apartamento.
— Hey, — eu cumprimentei, dando-lhe um sorriso.
— Ei. Como foi seu dia?
—Foi bom.
Ela entrou na cozinha, olhando por cima do meu ombro para o
caldeirão de sopa de legumes e franzindo o nariz. Ela jogou algumas
cartas no balcão, segurando uma revista que estava no topo. — Olha. —
Ela sorriu. — É o artigo publicado sobre como minha amiga brilhante
ajudou a descobrir um dos grandes mistérios da história.
Eu respirei fundo, colocando a colher de pau que estava usando
no balcão. Peguei a revista de Frankie e folheei a página onde o artigo
sobre as palavras que Joan of Arc dissera a Carlos, o sétimo, para que
ele lhe desse um exército, foi localizada. Eu já tinha lido a peça, mas vê-
la impressa me emocionou. Eu ainda estava tão orgulhosa do trabalho
que realizamos e muito feliz com a informação contida na escrita.
Frankie olhou por cima do meu ombro enquanto eu folheava o
artigo. — Vamos emoldurar isso, você sabe. — Eu ri, colocando a revista
no balcão e vendo um envelope grande e acolchoado em cima da pilha
de correspondências que Frankie colocara. — O que é isso? — Eu
balancei a cabeça para a pilha.
Frankie pegou uma maçã da tigela de frutas, trazendo à boca. —
Eu não sei. É para você, — ela disse ao redor de uma mordida da fruta.
Eu peguei o envelope. Tinha uma etiqueta com o meu nome e
endereço, mas nenhuma informação de remetente, exceto o carimbo
que indicava que havia sido postado na França. Eu fiz uma careta,
abrindo o selo e olhando para dentro. Eu removi um estojo de CD de
música com uma capa em branco. — O que...? — Abrindo a tampa, vi
um CD com ‘Música de Jessie’ escrito em negrito, letras pretas. — Oh
meu Deus, — eu sussurrei, me inclinando contra o balcão de apoio,
minhas mãos começando a tremer.
— O que é isso? — Frankie perguntou, pegando da minha mão e
olhando para ele por um momento. — É de Callen? — Ela perguntou,
piscando para mim.
— É... Tem que ser. — Eu balancei a cabeça. Eu não tinha ouvido
uma palavra sobre ele por mais de dois meses, não desde que Nick
tinha parado inesperadamente no dia em que eles estavam indo para os
Estados Unidos. Eu pedi a Frankie para verificar se ele realmente tinha
ido embora, que não havia notícias sobre ele nos tabloides, e ela me
disse que ela procurou na internet e não havia um sussurro dele em
qualquer lugar. Era como se ele tivesse acabado de desaparecer.
E agora... Ele me mandou uma música. — A música de Jessie. —
O que isso significa?
— Eu acho que você precisa ir ao seu quarto e ouvir isso, —
Frankie disse suavemente.
Eu olhei para ela. Meu coração estava subitamente batendo tão
rápido que mal consegui recuperar o fôlego. — O-ok.
Ela assentiu, parecendo preocupada. — Eu estarei aqui quando
você terminar de ouvir. E pare de agarrar isso com tanta força. Você vai
quebrar.
Eu soltei uma risada estrangulada, liberando meu aperto no
CD. Eu andei com as pernas duras para o meu quarto e fechei a porta
atrás de mim, indo para a minha mesa, onde eu liguei meus fones de
ouvido e coloquei o CD no meu computador.
Quando as primeiras notas tocaram, cerrei os olhos, a melodia
que ele cantarolava constantemente enquanto estávamos no Vale do
Loire enchendo meus ouvidos, enchendo meu coração. Um violino
singular, lindo, mas as notas... sangrando de alguma forma. Fora
apenas o som suave de sua voz, cantarolando a melodia e depois as
harmonias, mas agora todos se juntavam, uma orquestra inteira, e era
inacreditavelmente bela. Eu coloquei minha mão sobre o meu coração
como se para impedir que ele explodisse do meu peito com a história
que essa música contava. De saudade, de desespero, de solidão, de
amor e alegria. Ele havia dado o meu nome para a música, mas esta era
a história de Callen, sendo contada através de notas que saíram
diretamente de sua alma. Seu coração estava aqui, exposto em um
disco fino e prateado. Ele havia me dado isso.
Quando - A música de Jessie - terminou, outra começou a
tocar. E depois outra. Cada um contava uma história, algumas que eu
achava que entendia e outras bonitas, mas misteriosas para
mim. Talvez falando de coisas que ele nunca me contou. Talvez de
coisas que ele nem sequer disse a si mesmo - até agora.
Se mágoa e redenção se misturassem para formar uma trilha
sonora, seria isso. E eu entendi sua dor ainda mais dolorosamente. Oh,
Callen. Eu ouvia cada música, lágrimas escorriam pelo meu rosto,
sentada no meu quarto enquanto o sol se
punha, esperando ansiosamente pela maneira em que ele escolhera
terminar o CD. E quando chegou, meu coração apertou com tanta força
que soltei um suspiro. A música se elevou suavemente, o som de um
violino singular novamente, as notas subindo, meu coração seguindo.
Callen... Callen.
Ele escreveu um final cheio de felicidade. Com esperança. Com
amor.

***

No ano de nosso Senhor 1431, no sétimo dia de outubro.


Há um frio no ar hoje, enquanto me sento na boca da nossa
caverna, o Vale do Loire lindo em todos os tons de esplendor do
outono. Olivier vagueia pelo campo abaixo, exercitando sua perna, e
posso ver de onde estou sentada que seu mancar é menos
perceptível. Não consigo deixar de sorrir quando me lembro do dia vários
meses atrás, quando nos encontramos novamente sob a luz de uma lua
nova, a maneira como ele balançava em seu cavalo, mancando em minha
direção enquanto eu corria, colidindo em um monte de lágrimas e beijos.
Amor e riso. Suas palavras: — Você está aqui, meu amor, você está aqui,
— e a maneira como ele balançou quando ele disse, vai ficar comigo para
sempre.
Olivier promete que teremos uma boa vida, uma vida cheia de paz,
em uma parte distante da França, cultivando maçãs por acaso, ou talvez
uvas. Sem guerra, sem medo, sem regras ou restrições, nossos corações
governados apenas por Deus. E eu sei, com toda a fé em meu coração,
que assim será, pois meu destino me trouxe até aqui, e não é apenas a
promessa de Olivier que me traz consolo, mas o conhecimento de que
também é uma promessa escrita no vento.
Tenho certeza de que não voltaremos aqui, que hoje é um adeus a
este lugar maravilhoso onde Olivier e meu coração se tornaram um. Ele é
minha família agora. Ele e a criança que cresce no meu ventre. Uma
pequena partícula de esperança, de amor. Prova de que, embora a vida
leve, ela também retribui.
Deixarei minha história aqui, e os pedaços de Jehanne que ela
ofereceu com amor. As partes dela que não pertenciam apenas à França,
mas para mim, sua amiga e confidente. Talvez um dia o destino decida
que é hora de compartilhar essa história. Não posso deixar de sentir um
parentesco pela pessoa desconhecida que primeiro lerá esses escritos,
uma conexão que, se vier a ser, o próprio destino certamente irá
orquestrar. Desta forma, embora talvez através de décadas de tempo,
estamos unidos. E assim minha mensagem para você, leitor de minhas
palavras, conhecedor do meu coração, é esta: eu questionei uma vez se
os ventos do destino são benevolentes ou impiedosos. Eu sei agora -
acredite – com cada fibra do meu ser, que elas são boas apenas. Pois foi
Jehanne quem me ensinou isso até o momento de seu último
suspiro. Espero, querido amigo desconhecido, que você também
acredite. Com amor, Adélaíde Durand
Capítulo Vinte e Sete
JESSICA

Era outono em Paris. A temperatura caíra e, com a maioria dos


turistas em baixa, os parisienses retomavam sua amada cidade.
Pisando do túnel do trem e começando a caminhada até o meu
apartamento, eu puxei minha jaqueta ao redor de mim, tentando
controlar os botões enquanto enchia os arquivos que eu estava lendo no
trem em minha pasta, e falhando com os botões. — Oh, pelo amor de
Deus, — eu murmurei, como um redemoinho de folhas dançando
cruzou a calçada na minha frente.
A primeira gota de chuva respingou no meu nariz, e eu pisquei
para o céu, soltando um pequeno suspiro quando outra gota caiu direto
no meu olho. Eu limpei, pegando meu ritmo. Não tinha chuva na
previsão, então eu não trouxe um guarda-chuva.
A chuva aumentou, caindo gradualmente enquanto eu abaixei a
cabeça e caminhei rápido, sem me atrever a correr nos saltos que eu
usava. Eu usei minha pasta para me proteger da chuva, segurando
acima da minha cabeça. Eu devo ter esquecido de fechar na minha
pressa para encher os arquivos, porque de repente a pasta caiu na
minha frente, me fazendo soltar um grito quando fiquei de pé,
agachando e tentando evitar que os papéis voassem para longe.
Alguém se inclinou ao meu lado, colocando o pé em cima de um
pedaço solto de papel. A sombra de um guarda-chuva caiu sobre mim e
a chuva, misericordiosamente, foi bloqueada. Eu ri, balançando a
cabeça. — Merci beaucoup... — Olhei para cima, deixando cair os papéis
que eu tinha acabado de reunir, meu coração pulando no meu peito.
Callen.
A respiração saiu de meus pulmões e eu quase caí para trás. —
Whoa, — ele disse suavemente, envolvendo as mãos em meus
antebraços e me guiando para os meus pés. — Estou aqui para salvá-la,
— disse ele, com a voz levemente rouca. Ele tentou segurar a inclinação
de seus lábios, mas o sorriso vacilou e escorregou quando nossos
olhares se encontraram, seus olhos cheios de emoção.
Oh.
Eu apenas o encarei. O choque de ver seu rosto, de tê-lo diante de
mim tão inesperadamente, roubou minha voz e toda a minha
inteligência também.
Ele olhou para os papéis que eu deixei cair, se movendo para
juntá-los, mas estendi minha mão, o parando. — Está bem. Eles são
apenas... Uh... — Cópias de algo, nada importante. — Quero dizer,
podem ser substituídos.
Ele se inclinou de qualquer maneira, juntando a pilha
encharcada, imóvel agora, pesado pela água e preso à calçada. — Ainda
provavelmente não deveria ser lixo, — ele disse enquanto se levantava.
— Não, — eu disse, meus olhos se movendo em seu rosto como se
ele não fosse real. — Quero dizer, sim. — Eu balancei a cabeça,
tentando desesperadamente limpá-la. Eu estava confusa. — Sim, jogar
lixo é ruim.
Seu sorriso se alargou e ficou tão lindo. Ele era tão lindo que
quase comecei a chorar. Alguém passou por suas costas e ele se
aproximou, me guiando para mais perto da parede de um prédio, fora
do caminho das pessoas andando na calçada. Ele ainda segurava o
guarda-chuva sobre nossas cabeças, criando um espaço íntimo perfeito
para dois. Isso me fez imaginar aquele pequeno quarto que tínhamos
compartilhado no Vale do Loire e uma onda de emoção passou por
mim. Esperei, tanto hesitante quanto forte. — O que você está fazendo
aqui?
Usou a mão que não segurava o guarda-chuva para passar pelo
cabelo úmido, o alisando de volta e depois passou a mão pela coxa para
secar a umidade com que tinha saído. — Eu estava a caminho do seu
apartamento. Para te ver.
— Você estava?
Ele balançou a cabeça, olhando para mim por um momento,
tanto desejo em seus olhos que meu coração pulou de novo. Ele deu um
tapinha no bolso de sua jaqueta como se tivesse acabado de se lembrar
de algo, e então estendeu a mão para dentro, puxando um pedaço de
papel dobrado. Quando ele segurou em minha direção, pude ver que
sua mão estava tremendo. Ele limpou a garganta. — Isso é para
você. Eu escrevi para você.
— Música?
Ele balançou sua cabeça. — Não, ah, não. Uma carta. Apenas
uma carta curta.
Eu respirei fundo. Uma letra. — Você, você escreveu? Oh meu
Deus. Oh, Callen.
Ele assentiu com a cabeça, a expressão em seu rosto cheia de
uma vulnerabilidade tão crua que as lágrimas queimavam nos meus
olhos. — Por favor, não ria disso, Jessie.
Soltei um pequeno soluço, pegando o papel. — Eu nunca riria de
você.
Ele balançou a cabeça, fazendo uma careta. — Eu sei. Eu sinto
Muito. É só... É só um começo. Eu não sou muito bom ainda. Mas
Madame Pelletier diz que eu serei.
—Madame Pelletier?
— Minha professora.
— Oh, Callen, — eu respirei, engolindo o nó na garganta que
ameaçava me sufocar. Ele acenou em direção ao bilhete, colocando a
mão no bolso enquanto me observava.
Desdobrei o pedaço de papel branco liso, minhas próprias mãos
tremendo como as dele um momento antes. Dentro, em letras
de aparência infantil, a tinta sangrando em vários pontos onde parecia
que ele havia parado e começado de novo em grande concentração,
dizia:
Querida Jessie
Me desculpe e te amo.
Callen
A mais linda carta de amor já escrita na história da vida na terra.
As lágrimas se soltaram, um gemido soluçando subindo em
minha garganta quando o amor em meu coração explodiu, se
misturando com o meu orgulho nele, a dolorosa solidão dos últimos
quatro meses, a preocupação, as dúvidas, a dor e o medo.
— Jessie, — ele resmungou. — Você não deveria chorar. — Ele se
moveu para frente, escovando as lágrimas do meu rosto.
Eu balancei a cabeça. — Estou tão orgulhosa de
você. E você escreveu isso para mim. E as músicas, — eu ofeguei, — as
lindas músicas.
Callen se aproximou ainda mais e estava beijando as lágrimas das
minhas bochechas agora. — Jessie, — ele murmurou. — Tenho muito a
explicar para você. Naquele dia no meu quarto de hotel, eu...
— Eu sei sobre isso, — eu sussurrei. — Nick veio me ver.
Ele assentiu. — Eu sei. Ele me disse. — Ele alisou de volta um
punhado de cabelo que estava preso na minha bochecha úmida. — Mas
eu ainda gostaria de me explicar para você em minhas próprias
palavras. Eu quero desfazer a dor que causei a você. Eu quero ganhar
seu perdão.
— Eu te perdoo, Callen. E eu quero que você me perdoe
também. Eu nunca quis dizer...
Ele colocou os dedos sobre meus lábios, parando minhas
palavras. — Não há nada para perdoar. Você pode me dizer como isso
aconteceu, mas sei que você não queria me machucar. Você só me
trouxe presentes. — Ele fez uma pausa. — E, de certo modo, também te
trouxe Jessie. Engraçado como parece. Você me salvou uma vez, e
depois novamente, mas eu precisava me salvar. — Ele passou a mão
por minha bochecha e eu me inclinei em seu toque. — Você estava certa
sobre isso. Você estava certa sobre tantas coisas.
Eu sorri. — Oh, Callen, eu... — Uma rajada de vento soprou
direto em mim, me fazendo recuar enquanto meu casaco se abriu, meu
vestido colando em meu corpo. Virei a cabeça contra a rajada e, quando
mudou de direção, abri a boca para continuar a frase que
começara. Quando olhei de volta para Callen, ele estava olhando para
baixo, os olhos arregalados, a boca ligeiramente entreaberta.
Seus olhos voaram para os meus, sua testa vincada. — Jessie? —
Ele estendeu a mão, correndo a palma da mão sobre a minha barriga
inchada, apenas começando a crescer com seu bebê em crescimento.
— Eu tentei ligar para você, — eu disse, ficando nervosa. — Mas o
seu número mudou.
Ele piscou, ainda encarando, como se estivesse em choque. — Eu
mudei meu número quando me mudei para a França, — ele murmurou.
França? — Oh. Bem, eu não sabia como chegar até você e não
tinha mais ninguém para ligar. Eu tentei procurar Nick, mas eu não
tinha o sobrenome dele, e Los Angeles é uma cidade grande... Tem
muitas empresas de design de sites. E então pensei que depois de
receber sua música que você entraria em contato comigo... Eu estava
esperando... Eu ouvi suas músicas tantas vezes. — Eu deixei escapar
uma risada estrangulada. Isso foi um eufemismo. Eu tinha toda a trilha
sonora memorizada, cada nota, cada acorde. — Eu toquei todas elas
para o bebê também, — eu sussurrei. — Eu queria que ele ou ela te
conhecesse desde o começo... E... Sentisse seu coração lá. Eu... — Oh
Deus, diga alguma coisa. Qualquer coisa.
Algo pareceu quebrar dentro dele quando ele soltou um suspiro,
seus ombros relaxando e um sorriso lento alcançando seu rosto. —
Fizemos um bebê naquele fim de semana, naquele pequeno quarto do
sótão, naquela pequena cama. — Seu sorriso aumentou ainda mais, e
ele riu, um som cheio de alegria.
— Sim. Eu... Você está... feliz?
— Jessie. — Ele riu de novo, largando o guarda-chuva na rua e
me alcançando, me puxando em seus braços. — Eu estou feliz. É um
milagre. — Ele trouxe seus lábios aos meus, rindo enquanto nos
beijávamos, e ele me girou na chuva que caía. A exaltação me dominou,
um alívio tão intenso que senti como se meus joelhos pudessem se
dobrar. Mas Callen me segurou com força, não me permitindo cair. Me
salvando.
Depois que nos beijamos por mais alguns minutos, ele se
afastou. — Você me disse que não estava grávida naquela noite no seu
jantar de trabalho.
— Eu não sabia. Fazia apenas duas semanas desde aquele final
de semana. Talvez eu... Talvez eu até esperasse que não estivesse. Eu
não sabia como me sentir. As coisas estavam tão...
— Eu sei. Eu sinto muito. Eu sinto muito. — Callen me beijou
novamente, me segurando perto.
Depois de um minuto, inclinei a cabeça, as palavras de antes
penetrando. — Espere, você se mudou para a França? Quando?
Ele sorriu. — Sim. Há poucos meses atrás. Eu comprei uma casa
em Giverny. É muito antiga, tem toneladas de história e um belo jardim
privado atrás com tantas roseiras que você pode sentir o cheiro delas no
ar quando você sai. — Sua expressão ficou séria. — Tem muitos quartos
extras. Há um pequeno ao lado da suíte principal que daria um quarto
de bebê perfeito. Tem um parapeito na janela e muita luz…
Deixei escapar um som que era meio riso, meio soluço, não tenho
certeza se queria rir de alegria ou chorar com emoção. Talvez ambos. Eu
segurei sua bochecha na minha mão, passando o polegar sobre sua
bochecha. — Você esteve lá todos esses meses sozinho?
Ele balançou sua cabeça. — Não. Quero dizer sim. Quer dizer, eu
tenho um cachorro agora. Pierre. Ela é boa companhia. Eu levantei uma
sobrancelha. Pierre?
— Ela?
Ele riu. — Sim. Eu não olhei de perto o suficiente antes de
chamá-la assim. Naquela época, ela já estava respondendo a isso. Vou
lhe contar tudo sobre como a encontrei mais tarde. — Ele se inclinou,
apoiando a testa na minha. — Temos muito o que conversar, Jessie. Eu
tenho tanto para lhe contar.
— Eu tenho muito a dizer a você também, — eu sussurrei,
sorrindo. — Mas me diga de novo.
— O que?
— O que você escreveu em sua carta.
— Me desculpando?
— Não, não essa parte. A outra parte.
Seu sorriso estava cheio de ternura. — Eu te amo, Jessie. Só
você. Eu te amei por um longo, longo tempo, para sempre, eu acho. Eu
quero fazer uma vida com você e nosso bebê. Eu quero te escrever
cartas de amor com minha música. Quero lhe dar chocolate francês. —
Seu sorriso aumentou e deixei escapar uma risada ensurdecedora antes
de voltarmos a sério, minha respiração suspensa ante o olhar de
adoração em seu belo rosto. — Eu quero ouvir a paixão em sua voz
quando você fala sobre seu trabalho. Eu quero fazer caminhadas, e
sentar na frente da lareira, fazer amor e criar crianças e envelhecer
juntos. Eu quero ser seu príncipe.
Eu estava chorando de novo, lágrimas silenciosas que corriam
pelo meu rosto, mas sorri através delas, tanta felicidade em meu
coração.
— Eu também te amo, — eu disse, o puxando para mim
novamente, tocando meus lábios nos dele quando as últimas gotas de
chuva caíram e toda a Paris pareceu parar, só por um momento, só por
nós.
Epílogo
CALLEN

O garotinho cambaleou instável através das flores silvestres, a


fraca vibração de som emanando de sua garganta e flutuando para mim
na suave brisa da primavera. Ele estava cantarolando. Meu coração
bateu, apertando com amor e apenas um pouco de medo, antes de
retomar seu ritmo calmo e constante. A música vivia dentro
dele também - eu passei isso a ele de presente. Talvez eu também
tivesse passado minhas lutas, e talvez fosse o que a música fazia:
encher nossos cérebros tão completamente que havia pouco espaço
para outras coisas. Então, novamente, aprendi a ler. Eu nunca
entenderia palavras e frases escritas, frases e estrutura de linguagem
como Jessie fazia, mas eu podia ler menus agora. Eu podia ler placas e
instruções, informações sobre produtos, mensagens de texto e e-mails.
O mundo se abriu para mim, mas acima de tudo, senti uma sensação
renovada de minhas próprias capacidades, o orgulho que me
acompanhava em colocar minha mente em algo e realizá-lo, o auto
respeito que acompanhava uma nova disposição para tentar , mesmo
quando eu estava com medo.
E em qualquer caso, eu ficaria orgulhoso do meu filho por quem
quer que ele fosse. As palavras que soavam em sua cabeça quando ele
pensava em mim seriam palavras de amor e admiração, orgulho e
alegria. Ele sempre saberia que quando eu olhava para ele, via um
milagre.
— É um dia lindo, não é? — Jessie perguntou, chegando ao meu
lado e envolvendo os braços em volta da minha cintura, com a cabeça
apoiada no meu ombro. Eu coloquei meu braço em volta dela e a puxei
para mais perto, beijando o topo de sua cabeça enquanto observávamos
nosso filho rir e mudar de direção, seguindo depois de uma brincadeira
com Pierre.
— É perfeito, — eu disse. Viemos para o campo ao lado da
caverna onde as cartas de Adélaïde tinham sido encontradas e
almoçamos um piquenique, aproveitando o lindo Vale do Loire enquanto
a primavera brilhava e se aquecia nas doces lembranças do lugar por
onde nos apaixonamos. O lugar onde nossa família havia começado.
Talvez isso não fosse totalmente exato. Talvez nossa família tenha
realmente começado sua história há muitos anos, em um vagão
abandonado em uma noite de verão na Califórnia. Talvez o destino
tivesse esperado todo esse tempo para que pudéssemos ver o caminho
que ela tão amorosamente nos traçou. Ela parecia ser paciente assim.
— Eu os sinto aqui, — Jessie murmurou, se virando para a
caverna atrás de nós. — Eu ainda posso ouvir a voz de Adélaíde na
minha cabeça às vezes. Imagino as coisas que ela poderia dizer, o
conselho que daria.
Olhei em seus olhos cheios de sonhos, meu olhar se movendo
sobre seu lindo rosto, aqueles grandes olhos cor de avelã, aqueles lábios
doces e cheios que eu nunca me cansaria de beijar. Obrigado, eu
sussurrei dentro de mim. Obrigado por ela. Por eles. O sol havia tirado
as sardas de Jessie, e eu me inclinei e beijei uma, incapaz de
resistir. Ela riu e eu sorri. — O que ela diz?
Perto de onde estávamos, Austin perdeu o equilíbrio e caiu em
sua bunda bem acolchoada de fralda. Pierre estava ao seu lado em um
instante, lambendo o rosto enquanto nosso filho de dezoito meses se
levantava, continuando a exploração em que estavam.
— Ela me diz para ouvir meu coração, para notar todos os
presentes que eu recebo, mesmo os aparentemente pequenos, e ter
paciência quando você deixa sua tigela de cereal na pia sem enxaguar.
Eu ri. — Ela é uma alma sábia.
Seu sorriso ficou pensativo. — Ela é. Principalmente, ela me
lembra de ser grata por tudo isso. — Eu a puxei para mais perto,
sentindo exatamente isso.
No ano anterior, para criar um quadro mais completo dos escritos
que haviam sido traduzidos, o Dr. Moreau e Jessie procuraram
informações sobre o capitão Olivier Durand, que servira no exército
francês durante a Guerra dos Cem Anos. Eles revistaram arquivos
antigos da França e finalmente encontraram registros que mostravam
que o capitão Durand havia se casado com Adélaíde Beauvais, a filha de
um aristocrata francês, no mesmo ano em que Joana d'Arc foi
queimada na fogueira por heresia. O capitão Durand se aposentou do
exército e juntos eles criaram cinco filhos. Eles viveram seus dias em
uma aldeia na França, onde Olivier e Adélaíde cultivavam a terra,
cuidando de seus pomares até a morte. Olivier morreu primeiro e
Adélaíde seguiu três semanas depois.
Não havia nenhuma informação que pudesse ser encontrada
sobre onde eles tinham sido enterrados, se as lápides ainda existiam, e
então viemos aqui para prestar homenagem. Pareceu certo. Aqui eles
tinham vivido. Ali eles expressaram seu amor pela primeira vez, e aqui
foi onde eles foram trazidos de volta juntos.
E foi o mesmo para nós.
Jessie tinha dado a notícia no Louvre na semana anterior e ia se
aventurar sozinha como tradutora freelancer. Ela tinha sido líder em
vários grandes projetos desde que ela trabalhou lá, mas ela teria mais
variedade de trabalho se fosse uma freelancer. E ela seria capaz de
trabalhar de acordo com seu próprio horário e viajar se quisesse. Ela já
havia sido contatada por um museu na Riviera Francesa que se
deparou com escritos enterrados de uma antiga prisão francesa e uma
família na costa da Normandia, que encontrou uma caixa de cartas que
eles acreditavam incriminar um parente distante que havia sido uma
duquesa, de assassinar o marido, o duque.
E então nós iríamos em aventuras juntos mais uma vez, Jessie e
eu, pelo menos enquanto Austin era muito novo. Ela aprenderia a
cozinhar, disse ela, e continuaríamos a consertar nossa cabana
francesa, pela qual se apaixonara loucamente. E ela cuidaria das rosas
em nosso jardim. Rosas, para nos lembrar do fim de semana que
mudou tudo, o fim de semana que o destino nos trouxe para uma
pousada com uma sala que oferecia proximidade... Muito próxima. O
quarto onde eu entreguei meu coração e tinha sido felizmente arruinado
para qualquer outra pessoa para sempre. O quarto onde nós, sem
saber, criamos nosso amado garotinho.
E, claro, eu continuaria escrevendo cartas de amor de Jessie com
minha música.
A trilha sonora que eu havia escrito, com a música-título de
Jessie, havia se tornado um sucesso além de qualquer um dos meus
sonhos mais loucos. Eu até ganhei vários prêmios da Academia, o que
trouxe minha carreira para um novo reino. A segurança que o dinheiro
trouxe foi boa, mas a fama não me preencheu mais. Eu apreciava
minha vida tranquila em Giverny, me aventurando em Paris apenas de
vez em quando para uma reunião de negócios ocasional com meu novo
agente ou para jantar e beber vinho com minha esposa. Jessie saia para
visitar Frankie e almoçar com amigos e velhos colegas de trabalho.
Depois daquela entrevista desastrosa com Cyril Sauvage, falei do
meu analfabetismo e como aprendi a ler uma vez, no Oscar. Ao receber
meu primeiro prêmio, li meu discurso para a plateia, o que escrevi
meticulosamente em minha própria mão, dedicando as palavras à
minha esposa. A mídia repassou isso ao vivo, incluindo
os rostos riscados de lágrimas de quase todos no teatro. Jessie sempre
as lembrava. Eu apenas ri, ainda um pouco envergonhado pela atenção
por algo que escondi toda a minha vida como uma vergonha
secreta. Mas como Jessie costumava dizer, não havia bravura real sem
medo.
— Devemos ir para casa? — Eu perguntei. A tarde estava caindo
no início da noite e o sol estava baixando. — Se sairmos agora, podemos
estar em casa ao pôr do sol.
Ela assentiu, soltando os braços da minha cintura.
Eu assobiei para Pierre enquanto caminhava para o meu filho, o
pegando em meus braços e o jogando no ar, e ele gritou rindo. Eu o
peguei facilmente, rindo junto com ele. Então eu o coloquei em meus
ombros e voltei para Jessie.
Reunimos nossas coisas e começamos a caminhada pelo gramado
até nosso carro, nossos dedos entrelaçados, Pierre correndo à nossa
frente. O polegar de Jessie correu pelas costas da minha mão, seu
toque suave como o toque de uma pena. Austin cantarolou feliz, algo
que eu podia sentir com o queixo apoiado na minha cabeça. E na minha
mente, vi as sombras de dois amantes há muito tempo que uma vez
andaram exatamente onde nós pisamos agora. Quem, como nós, andou
em direção ao seu destino com amor e convicção.
A música cresceu ao meu redor, dentro de mim, enchendo meu
coração de esperança, as anotações de meu próprio guia pessoal pelo
caminho que o destino me propusera. As palavras do meu pai não
tinham mais o poder de me ferir. Elas foram substituídas por palavras
de verdade e coragem. Mas eu também sabia agora que a vida era mais
do que palavras. Era risos e amor, fé e alegria. E principalmente, era a
paz profunda de viver a vida ferozmente e sem arrependimento.

FIM.

Você também pode gostar