Você está na página 1de 5

O MONGE-SACERDOTE

Ir. Abraham Esquivel Armenta, OSB


Abadia de Tepeyac, México

Um estudo de Dean Hoge revela que muitos padres recém-ordenados (cerca de 5


anos) não querem trabalhar em proximidade com as pessoas e, muito menos, envolverem-se
em suas vidas. Esses jovens sacerdotes baseiam seu serviço pastoral na mera administração
dos sacramentos e na pregação. E isto, segundo Hoge, por causa do excesso de trabalho que
eles enfrentam ao saírem do seminário e chegarem à Paróquia.

Diante disto, o Papa Francisco, em uma reunião realizada no Vaticano em 7 de outubro


de 2017, lançou a seguinte pergunta: Que tipo de sacerdote eu quero ser? Em nosso contexto,
essa pergunta adquire um aspecto muito particular, uma vez que a identidade dos sacerdotes
que emergem de nossos mosteiros estará ligada à identidade que se tenha do monge.

Sacerdote-Monge, ou Monge-Sacerdote? A resposta será dada de acordo com a


prioridade que se tenha da vocação. Pessoalmente, creio que a resposta teria que ser Monge-
Sacerdote, já que, em uma ordem lógica de ideias, o que deve atrair os jovens para a vida
monástica deve ser o desejo da realização vocacional por meio da espiritualidade monástica.

Agora, se levarmos em conta que, antes de chegarmos à ordenação sacerdotal,


professamos nossos votos monásticos, poderíamos nos perguntar sobre qual espiritualidade
enriquece a outra: a sacerdotal enriquece a monástica ou a monástica, a sacerdotal?

Para São João Paulo II, o ser humano só pode se entender em relação a Cristo, fim
último da vocação1, daí a importância de nos questionarmos sobre nossa identidade. Se
levarmos em conta que a espiritualidade monástica é um meio que nos permite responder à
pergunta “quem sou eu?”, poderíamos afirmar que o monge que acede às sagradas ordens
teria de fazê-lo com maior maturidade, pois, como o Papa Bento XVI diz, a identificação com
Cristo nos leva a deixar de lado o desejo de auto-realização2.
Isto adquire relevância se considerarmos a “crise” pela qual o clero de nosso tempo está
passando, e que é constantemente apontado pelo pouco testemunho que dão de serem

1
Cfr. João Paulo II. Homilia na praça da Vitória, Varsóvia, Polônia, 2 de junho de 1979.
2
Cfr. Bento XVI. Homilia na Santa Missa Crismal, Basílica Vaticana, Quinta-feira Santa, 5 de abril de 2012.
verdadeiramente homens de Deus, isto é, pela falta de identidade sacerdotal e inclusive pela
espiritualidade deficiente que refletem.

Seria irresponsável demais da minha parte afirmar que tal déficit de espiritualidade e
de identidade sacerdotal se deva à falta de vocação daqueles que são ordenados. Não
podemos fechar os olhos e negar que o trabalho pastoral na Igreja tenha aumentado nos
últimos anos. Embora seja verdade que o número de católicos tenha minguado, também é
verdade que o número de seminaristas, para não falar do número de ordenações, diminuiu ao
longo do tempo, o que complica o cumprimento das tarefas próprias das comunidades
paroquiais.

Dessa maneira, as novas gerações de sacerdotes se veem emaranhadas entre o seu


desejo ardente de servir a Igreja e a necessidade de uma vida espiritual mais profunda. Essa
dupla exigência favorece uma divisão interior que acaba por sucumbir ao ativismo próprio de
uma sociedade relativizada que encontra sua realização e identidade no mero "fazer", e não
no "ser" de uma vida interior.

Contra o dito acima, o monge que acede a uma ordenação sacerdotal conta com a
base sólida fornecida pela conversatio morum suorum, que promove na pessoa a necessidade
de alimentar a vida interior através da prática de ações que protegem a separação do mundo,
a vida de oração, a vida comunitária, a austeridade e a penitência.

O Monge-Sacerdote, então, torna-se uma pessoa capaz de dar uma resposta clara e
consciente ao chamado que Deus lhe faz, fazendo da experiência de cada dia uma
oportunidade para ser verdadeiros homens de Deus e colaboradores eficazes de sua obra
salvadora.

Agora, para S.S. Bento XVI é claro que tomar Cristo como modelo fundamental de toda
vocação não é uma tarefa fácil, porque, à primeira vista, a figura de Cristo aparece grande
demais para ser tomada como medida referencial3. No entanto, em outro momento, o mesmo
Pontífice fala da importância e necessidade da prática da Lectio Divina4, pois é através da
leitura da Sagrada Escritura que temos acesso ao Cristo casto, pobre e obediente.

Tal aproximação de Cristo deve levar o sacerdote a um discernimento sério que lhe
permita identificar se está vivendo seu ministério de maneira plena ou se está caindo em

3
Cfr. Bento XVI. Homilia na Santa Missa Crismal, Basílica Vaticana, Quinta-feira Santa, 5 de abril de 2012
4
Cfr. Bento XVI, Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, num. 83. Citada na celebração das Vésperas
da Festa da Apresentação do Senhor, 2 de fevereiro de 2011.
erros, resultados de auto-engano, que o levam a uma espécie de idolatria da qual ele é o
centro.

Para o monge, a prática da Lectio Divina é fundamental, pois é através da Palavra de


Deus que ele avalia sua experiência de fé, de esperança e de amor, de modo que sua prática
sacerdotal teria que ser realizada de acordo com os critérios de Cristo, Sumo e Eterno
Sacerdote, ou seja, como verdadeiro Pastor e Esposo da Igreja, sempre buscando o bem dos
outros antes de seus próprios benefícios.

Vemos, então, a importância de que o Monge-Sacerdote tenha sua identidade


monástica bem definida, porque ela lhe confere uma clareza que vai além do simples
conhecimento de sua pessoa, chegando a dar-lhe uma sólida razão sobre o significado de sua
existência que supera em muito o conhecimento intelectual.

Vemos isto definido no voto de stabilitas professado pelo monge, que o insere numa
íntima relação com Deus e com seus irmãos, relação que tem como pano de fundo o sentido
de fidelidade e de veracidade visando uma autêntica comunhão de fé e amor (casto, sincero e
inquebrantável).

Daí se decorre que o monge-sacerdote deve se perguntar todos os dias, com


humildade e pureza de coração, a pergunta sobre o sentido de sua vocação sacerdotal, de tal
forma que, se descobrisse em sua atuação algum indício de afastamento de sua vida
monástica – Cristo – pudesse elaborar os meios pelos quais se inserisse em um processo de
purificação e re-fundação.

Tudo isso deveria nos levar a refletir sobre o papel formativo de nossas comunidades
monásticas, perguntando-nos sobre o que estamos dando mais valor nas aulas: uma séria
formação espiritual-monástica (que abrange não apenas o âmbito intelectual, mas também o
aspecto humano) ou uma simples formação intelectual que fique do âmbito do racional.

O acima exposto é importante porque, como estamos refletindo, dependerá dos


fundamentos que viermos a fornecer nos primeiros anos de formação do monge a forma
como ele assumirá sua identidade – pessoal e religiosa – no mundo; isto é, do acima exposto
dependerá se suas palavras e ações correspondem ou não à missão específica à qual se sentiu
chamado por Deus (Mt 25, 14-30).

Nesse sentido, não devemos esquecer que o monge é aquele que é chamado a
manter-se em um constante discernimento sobre a vontade de Deus e, portanto, em uma
constante revisão de sua vida, de modo que a vontade de Deus e sua própria vontade sempre
andem de mãos dadas. Daí se pode afirmar que a vida do monge é uma luta constante por
configurar sua vida à vida de Cristo, um requisito indispensável, como vimos algumas linhas
acima, para exercer um autêntico sacerdócio.

Portanto, é de suma importância fortalecer os candidatos à vida monástica em sua


identidade monacal e que, para chegarem à ordenação, é essencial que esses candidatos dêem
sinais claros de uma verdadeira conversão de vida, conforme o exigido pela Regra dos Monges.
Isto para que o Monge-Sacerdote não caia no erro de um exercício pastoral arrebatado por um
ativismo frenético que o leve a uma crise de identidade, ou que lhe sirva como máscara para
ocultar uma espiritualidade vazia e sem compromisso; pior ainda, que esse ativismo venha a
servir ao monge como pretexto para justificar seus limites e inconsistências pessoais.

Assim, na minha opinião, aos jovens que batem às portas de nossas comunidades não
devemos apresentar-lhes a ordenação sacerdotal como o “objetivo a ser alcançado”. O
objetivo do monge é, no início e durante toda a sua vida, a permanência em seu ser monge.
Por isto, para nós, a formação permanente não termina com votos solenes ou a ordenação
sacerdotal. A formação permanente do monge dura toda a sua vida e é dirigida pelo próprio
Senhor Jesus Cristo, de tal forma que as experiências, gratas e ingratas, de todos os dias sejam
uma oportunidade para se exercer um ministério vivo, apaixonado e preocupado com as
necessidades do Povo de Deus.

Concluo esta reflexão com algumas linhas que o Papa Bento XVI escreveu por ocasião
do 150º aniversário do nascimento do Santo Cura d’Ars:

Atualmente, como nos tempos difíceis do cura d’Ars, é necessário que os sacerdotes,
com suas vidas e obras, se destaquem por um vigoroso testemunho evangélico. Paulo
VI observou oportunamente: "O homem contemporâneo ouve de melhor grado
aqueles que dão testemunho do que aqueles que ensinam, ou, se ouve aqueles que
ensinam, é porque dão testemunho". Para não ficarmos existencialmente vazios,
comprometendo assim a eficácia de nosso ministério, devemos nos perguntar
constantemente: “Estamos realmente impregnados da palavra de Deus? É ela
realmente o alimento do qual vivemos, mais do que o pão e as coisas deste mundo
podem ser? Nós realmente a conhecemos? Nós a amamos? Ficamos com essa palavra
interiormente, a ponto de realmente deixar uma marca em nossa vida e formar nosso
pensamento?” Assim como Jesus chamou os Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3,14),
e somente depois os enviou a pregar, também em nossos dias os sacerdotes são
chamados a assimilarem o "novo estilo de vida" que o Senhor Jesus inaugurou e que os
apóstolos fizeram seu5.

5
Cfr. Bento XVI. Carta para a convocação de um ano sacerdotal por ocasião do 150º aniversário do dies natalis
do Santo Cura d’Ars, 16 de junho de 2009.

Você também pode gostar