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Regulamento Bruxelas

I reformulado
Competência Internacional e Reconhecimento de
Decisões

1
Caso
A sociedade comercial Livros Bons, SA, com sede em Lisboa,
pretende accionar um dos seus fornecedores, a Paper Basket
limited, sociedade constituída em Inglaterra (local onde consta a
sua sede estatutária), embora gerida a partir de escritórios em
Amesterdão, por responsabilidade contratual. De acordo com a
Livros Bons, o papel entregue em Lisboa não tinha a especificação
acordada.

A Livros Bons, SA, intentou uma acção nos tribunais portugueses.


A Paper Basket contesta a competência dos tribunais portugueses,
entendendo serem os tribunais holandeses exclusivamente
competentes.

Quid iuris?

Afonso Patrão — 2019


Regime Jurídico de
Competência Internacional
TALVEZ EXISTA
• Trata-se de um litígio entre duas
sociedades sedeadas em Estados-
• Atendendo à pluralidade Membros da UE, em matéria
contratual.
de fontes, há que • Estará coberto?
indagar se existe um
SIM
regime jurídico de • Regulamento Bruxelas I
competência reformulado / Bruxelas I-bis:
Regulamento UE 1215/2012
internacional de fonte • Sendo um Regulamento, goza de
internacional ou aplicabilidade directa e prima
sobre o direito de fonte interna.
europeia.
Aliás, mesmo o art. 59.º CPC prevê
expressamente o primado de
aplicação do direito europeu
Afonso Patrão — 2019 3
Regulamento Bruxelas I-bis
• O seu nome deve-se à história que conduziu à sua
adopção.
• Passos principais:
• Em 1968, a Comunidade Europeia promoveu a
celebração de uma a Convenção internacional entre
os Estados-Membros sobre competência
internacional e reconhecimento de sentenças em
matéria civil e comercial — a Convenção de Bruxelas
de 1968.
• O TJUE foi dotado da competência para a interpetar,
através do processo de reenvio prejudicial
• Em 1988 celebrou-se uma convenção igual
(Convenção de Lugano), entre Estados-Membros e
alguns Estados terceiros que quiseram participar no
sistema de processo civil internacional em causa.
Afonso Patrão — 2019
Regulamento Bruxelas I-bis
• Depois de ter sido atribuída competência à UE em matéria de
direito internacional privado, foi substituída por um Regulamento
(Regulamento CE Bruxelas I — Regulamento n.º 44/2001)
• Isto porque as convenções internacionais têm um problema de
petrificação, de alargamento e de recepção nas ordens internas.
• Vinculou todos os Estados-Membros excepto a Dinamarca que,
assim, continuou apenas vinculada à Convenção de Bruxelas.
• Mais tarde, a Dinamarca decidiu vincular-se ao Regulamento
Bruxelas I
• Este Regulamento foi depois substituído pelo actual Regulamento
1215/2012 - Regulamento Bruxelas I-bis ou Regulamento Bruxelas I
reformulado.
• MAS — Não se aplica à Dinamarca, que decidiu não vincular-
se! As decisões da Dinamarca continuam sob o domínio do
Bruxelas I (44/2001).
Afonso Patrão — 2019
Nota importante
• Sendo um acto de direito europeu, está sujeito à
interpretação fixada pelo Tribunal de Justiça da
UE.

• O Tribunal de Justiça vai fazendo uma


interpretação autónoma dos conceitos: não são
interpretados de acordo com o direito nacional,
mas são conceitos próprios do sistema de
Bruxelas I.

Afonso Patrão — 2019


O sistema Bruxelas I
Entre Estados-Membros e alguns
Vinculando Estados-Membros
Estados terceiros

• Vigora a Convenção de
• Regulamento Bruxelas I-bis Lugano: a primeira foi
(Regulamento UE 1215/2012): celebrada em 1988, mas foi
substituída pela Convenção
• Estabelece a competência de Lugano de 2007.
e o reconhecimento de
decisões entre 27 Estados- • Tem soluções idênticas às
do Regulamento Bruxelas I
Membros da UE (44/2001)
Excepção: • Celebrada entre os Estados-
A Dinamarca só está vinculada ao
Membros da UE e Suíça,
Regulamento Bruxelas I (Regulamento CE
44/2001) — continua a aplicar-se este quanto
Islândia, Noruega.
ao reconhecimento de decisões da Dinamarca • Se o Brexit vier a
e para estabelecer a competência dos tribunais suceder, está prevista a
dinamarqueses. adesão do RU.
Afonso Patrão — 2019
Sistema Bruxelas I
• Em Portugal, pode assistir-se à aplicação de três actos Nota genérica:
normativos (muito similares, quanto ao conteúdo): O Regulamento
Bruxelas I-bis é mais
• À partida: Regulamento UE 1215/2012 generoso do que os
(Regulamento Bruxelas I-bis). Determina no seu outros actos.
âmbito de aplicação, a competência dos tribunais Sobretudo em
portugueses e o reconhecimento das decisões dos matéria de
outros Estados-Membros da UE. reconhecimento de
decisões judiciais
• Dinamarca: Regulamento CE 44/2001 (Regulamento estrangeiras.
Bruxelas I). Estabelece o regime de reconhecimento
das decisões judiciais emitidas pelos tribunais
Vamos analisar o
dinamarqueses.
Bruxelas I-bis,
traçando as
• Convenção de Lugano II (2007): Estabelece o diferenças para os
regime de reconhecimento das decisões judiciais demais actos
emitidas pelos tribunais suíços, islandeses e normativos
noruegueses.
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Regulamento Bruxelas I-bis
Abrange 2 dos problemas do DIP: os do processo civil internacional
• Competência internacional dos Tribunais;
• Reconhecimento de Sentenças estrangeiras

Art. 1.º/1 Regulamento


• A QUE SE APLICA O Não se aplica a matéria fiscal, administrativa,
REGULAMENTO? Qual o aduaneira, política ou de responsabilidade do
âmbito de aplicação do Estado por actos de autoridade
sistema Bruxelas I?
• 3 requisitos CUMULATIVOS: Art. 1.º/2 Regulamento
Não se aplica a decisões judiciais em matéria de:
• Competência e
• Estado e capacidade das pessoas
Reconhecimento de • Questões em matéria familiar, de casamento ou de
Decisões judiciais dos regime de bens;
Estados-Membros da UE, • Falências e Insolvências
com excepção da • Segurança Social;
Dinamarca • Decisões arbitrais (ao arrepio do que propôs a
(Considerando n.º 41); Comissão);
• Em matéria civil ou • Sucessões;
• Obrigação de alimentos.
comercial;
• Matéria que não esteja Nas matérias excluídas, ou se aplica outro
excluída do Regulamento. Regulamento da UE, ou, caso não se enquadre,
recorremos ao regime do CPC
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Âmbito de Aplicação
Para o problema da competência, exige-se EM REGRA ainda um quarto
requisito

• O requerido / réu deve ter EXCEPÇÕES:


residência num Estado- • Em matéria de competências
Membro da União Europeia: exclusivas (art. 24.º) e de pactos de
jurisdição (art. 25.º), o Regulamento
art. 4.º/1 + Considerando n.º
aplica-se independentemente do
14 domicílio do Réu.
• NOVIDADE: Algumas competências de
• Caso contrário, apesar de litígios relativos a consumidores (art.
estarmos dentro do 18.º/1) e a contratos de trabalho (art.
âmbito material de 21.º/2) aplicam-se independentemente
de o réu ter domicílio num Estado-
aplicação, o Regulamento Membro.
não regula a
competência Isto é, bastam os 3 requisitos do âmbito
internacional material de aplicação.
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Âmbito Temporal de
aplicação
• O Regulamento Bruxelas I-bis aplica-
se às acções intentadas (ou DEFINIÇÕES
documentos extrajudiciais Os artigos 2.º e 3.º têm
concluídos) depois de 15 de Janeiro definições uniformes
autónomas — apenas
de 2015. — art. 66.º/1 para efeitos do
Regulamento e
• As anteriormente instauradas independentemente do
direito nacional — dos
mantêm-se sob o Regulamento conceitos usados:
44/2001 — art. 66.º/2. O que pode tribunal, instrumento
autêntico, transacção
ser relevante quanto ao sistema judicial, etc.
de reconhecimento de decisões,
como veremos.

Afonso Patrão — 2019


Os critérios de competência
Art. 4.º/1:
• O Regulamento tem “Sem prejuízo do disposto no presente
como critério principal o regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-
clássico juízo actor Membro devem ser demandadas,
sequitur forum rei: independentemente da sua nacionalidade, nos
tribunais desse Estado-Membro”
• Este critério só se aplica Considerando n.º 14: Art. 6.º
quando o réu resida “Um requerido não “Se o requerido não tiver
num Estado-Membro. domiciliado num domicílio num Estado-
Estado-Membro deve, Membro, a competência
Caso contrário, não
em geral, ficar sujeito dos tribunais de cada
estamos sob o domínio às regras de Estado-Membro é, sem
de aplicação da regra competência judiciária prejuízo do artigo 18. , n. o o

geral do Regulamento: aplicáveis no território 1, do artigo 21. , n. 2, e


o o

aplica-se o regime do do Estado-Membro do dos artigos 24. e 25. ,


o o

CPC. tribunal a que a questão regida pela lei desse


foi submetida” Estado-Membro”

É uma regra bilateral: ao invés de determinar quando é que os nossos tribunais são
competentes (unilateralismo),escolhe o país competente.
Por isso, o critério só se aplica quando o réu seja domiciliado na UE: só aí é que é
viável a regra bilateral — pois os Estados-Membros comprometeram-se a esta regra.
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Excepção — A dispensa do
requisito do domicílio
• O Regulamento, porém, Art. 24.º Competências Exclusivas
aplica-se
independentemente de o Art. 25.º Pactos de Jurisdição
domicílio do réu ser num
Estado-Membro nos casos Art. 18.º/1 Litígios de Consumo
mencionados no art. 6.º.
Art. 21.º/2 Alguns litígios laborais
• Isto é, há casos em que se
determina a competência Os litígios de consumo e os laborais são
dos tribunais de um uma novidade do Bruxelas I-bis.
No anterior Bruxelas I, estavam submetidos
Estado-Membro
à regra geral — apenas podendo aplicar-se
independentemente de o quando o réu estava domiciliado num
réu residir na UE Estado-Membro da UE

Afonso Patrão — 2019


Quando aplicável o art. 4.º, trata-se de uma
competência concorrente ou exclusiva?
Quando é aplicável o art. 4.º? • Esta norma não significa que
a regra do art. 4.º estabeleça
4 Requisitos uma competência exclusiva.
• Matéria civil e comercial
• Matéria não excluída pelo art. 1.º/2 • Significa apenas que as
• Réu domiciliado num Estado-Membro
• Não se estar perante uma das
derrogações ou desvios à regra
excepções à regra geral (18.º, 21.º/2, do art. 4.º apenas podem
24.º e 25.º) ocorrer nos termos definidos
pelo Regulamento.
Art. 5.º: • Só a análise do Regulamento
permite dizer se outras
“As pessoas domiciliadas num Estado-
Membro só podem ser demandadas nos competências acrescem ou
tribunais de outro Estado-Membro nos substituem a regra actor
termos das regras enunciadas nas sequitur forum rei.
secções 2 a 7 do presente capítulo".
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Competências especiais
Competências Adicionais (art. 7.º)

• Além do Estado-Membro do Alguns exemplos


domicílio do réu, o Autor pode
intentar a acção noutro Matéria contratual: lugar de
N.º 1.º
cumprimento da obrigação
Estado-Membro nas causas aí
previstas. Matéria extracontratual: lugar
N.º 2.º
do facto danoso
• Entende-se que são causas em
Acção cível fundada em crime:
que os interesses que vimos do Estado que conheceu da acção
direito da competência N.º 3.º
penal, se puder ser o mesmo
internacional (proximidade das tribunal na lei desse país.
partes, eficácia da decisão e
facilidade de produção de Recuperação de património
N.º 4.º cultural: lugar de situação do
prova) aconselham outro foro
objecto
que acresce ao determinado
pelo clássico actor sequitur Exploração de sucursal: lugar
N.º 5.º
forum rei. do estabelecimento

Nestes casos, pode haver mais do que um Estado-Membro com competência


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As competências especiais
Competências Derivadas (art. 8.º)

Estende-se a competência de um país que já tinha competência nos termos de


outra norma.
• Pluralidade de réus: é competente o Estado-Membro onde um dos réus tem
domicílio, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito
que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para
evitar de cisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas
separadamente
• Chamamento de um garante à ação ou qualquer incidente de intervenção de
terceiros: é competente o tribunal onde foi intentada a ação principal;
• Pedido reconvencional: é competente o tribunal onde esta a acção principal
estiver pendente;
• Acção contratual: se a ação puder ser apensada a uma ação em matéria de
direitos reais sobre imóveis dirigida contra o mesmo requerido, é competente o
tribunal do Estado-Membro em cujo território está situado o imóvel.

Afonso Patrão — 2019

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