Uma revista contra a corrente nº6 - outubro de 2019

O PLANO DO CENTRÃO E
DA ISENTOLÂNDIA PARA
DERRUBAR BOLSONARO
Bia Kicis fala Ernesto Araújo fala Por que Lula quer
sobre a CPMI sobre a Amazônia fugir da liberdade?
carta ao LEITOR

Nosso plano de conseguindo nos resolver. Claro, investidores

são sempre bem-vindos: nossa meta é ser o
dominação global maior e mais respeito site de direita do país.
O que também nos deixou com outro dilema
a resolver (este, não-pecuniário): o que nos
Os últimos meses foram os melhores, mas
torna “maior” é acesso, e acesso é clique rá-
também os mais difíceis do trabalho no Sen-
pido, muitas vezes sem muita reflexão. Mas o
so Incomum. Nossos objetivos são claros: a
que nos torna “mais respeitado” é justamente
completa dominação global. Mas nossos ob-
uma análise mais lenta, aprofundada, que
jetivos precisam ser fracionados em unidades
não será lida por nem 3% daquele público
menores para podermos alcançá-los em uma
do clique rápido.
escala humanamente tangível.
Percebemos que, além de equipe, nos-
Por ora, aumentamos nossa equipe mini-
so problema é edição. Há muita gente que
mamente. Carlos de Freitas e Luciano Olivei-
escreve ou posta um conteúdo maravilhoso
ra estão cuidando maravilhosamente bem do
para termos o equivalente a uma Folha de S.
dia a dia do site, comentando os assuntos mais
Paulo de direita, mas não é formatado para
urgentes (ou ridículos) da nação e do mun-
um site (vide as threads, os textões, os texti-
do, enquanto o produtor do Guten Morgen,
nhos, os posts soltos). É a frente que vamos
nosso grande Filipe Trielli, se encarrega de
atacar: formar um verdadeiro dream team não
produzir os melhores vídeos de paródia que
apenas da direita, mas de todos preocupados
você encontrará no YouTube na TV Chinchi-
com o resgate da alta cultura e dos valores
la. Com isso, podemos cuidar de temas ainda
clássicos para termos um site respeitado. E
mais elevados no seu podcast preferido, além
grande. E que incomode.
de termos análises mais densas nos grandes
artigos. E você conseguiu contar a quanti- Agradecemos mais uma vez a todos os
dade de novos colunistas que apareceram no nossos patronos pela interminável paciência.
site só nos últimos dois meses? Foi só sua ajuda que nos permitiu chegar até
aqui – e será a sua ajuda que nos permitirá
Mas isto ainda é “minimamente”. Já co-
vôos mais altos. Continuamos em busca de
mentamos várias vezes sobre o dilema maior
patrocinadores, mas já podemos garantir
de se criar uma mídia independente: preci-
que o que chegará às mãos do público nos
samos de dinheiro para ter uma equipe, e
próximos meses é mais do que um site pro-
precisamos de uma equipe para investidores
fissionalizado. É uma verdadeira formação
colocarem dinheiro em um bom negócio. O
intelectual da direita brasileira.
impasse ovo-ou-galinha nos mantém sempre
reféns das circunstâncias.
Bem, após muitos meses (talvez uns dois Flavio Morgenstern
anos) de reuniões (até em noites de domin- Editor-chefe
go), impasses, redefinições, rotinas alteradas,
sacrifícios humanos, é possível que estejamos
índice

O plano do centrão e
da isentolândia para
derrubar Bolsonaro
/04

Bia Kicis fala

sobre a CPMI /17

O Ernesto Araújo fala

sobre a Amazônia /19

Por que Lula quer

fugir da liberdade? /25
 ARTIGO EXCLUSIVO
O plano do centrão e
da isentolândia para
derrubar Bolsonaro
Por Flavio Morgenstern
U
m código secreto para se enten-
der as tramóias políticas de qual-
quer país é buscar traduzir o que
políticos realmente querem dizer por baixo
de palavras calculadas e edulcoradas em
seus discursos. Basta-se lembrar dos diálo-
gos da época do auge da Lava Jato.
Em um diálogo entre Romero Jucá e
o ex-dirigente da Transpetro Sérgio Ma-
chado, por exemplo, testemunhamos uma
prosa que pareceria de hospício. O futuro
ministro do Planejamento de Temer diz:
“Se é político, como é a política? Tem que re-
solver essa porra.” Machado responde que é
preciso “uma coisa política e rápida”. Jucá
concorda: “Eu acho que a gente precisa arti-
cular uma ação política”. Ora, por que tanta
repetição de um conceito genérico, sendo
duas pessoas que só falam de política na
vida? O diálogo não tem nada de anódi-
no: é apenas a forma como duas pessoas
que sabem que devem estar grampeadas
conversam sobre assuntos de altíssima im-
portância, como o impeachment de Dilma
Rousseff. Uma “coisa política”, afinal, é
uma coisa não-jurídica: se estão todos com
a mão na botija, é melhor que se “estanque
a sangria” derrubando logo uma presidente
fraca, que eles próprios ajudaram a eleger,

do que permitir que a Lava Jato continue
correndo solta: logo chegaria neles.
Além das palavras, há também os inte-
resses ocultos. E, não raro, um plano dia-
bolicamente oculto por trás de belos dis-
cursos com apelos patrióticos, civis, pelos
direitos humanos, ou pela verdade e pela
justiça. É o caso, hoje, das fake news: desde
dezembro de 2016, o conceito é usado ba-
sicamente com o sentido de “informação
que eu não gosto, seja falsa ou não”. Com
o tanto que a expressão é repetida com
esgares de nojinho, fica fácil perceber que
as palavras “fake news”, hoje, são tratadas
como algo idêntico ao que fizeram com
a palavra nazismo – e, via de regra, com
o mesmo peso. Sem nenhuma lei que
preveja punição (e, afinal, como definir o
que é “notícia” falsa de uma verdadeira, se
uma verdadeira pode incluir comentários
falsos?), até mesmo decisões judiciais já
falam em fake news. Já que ninguém pára
de falar a respeito, certamente é o maior
crime do país, não é?
Donald Trump, aliás, foi o grande res-
ponsável por “fake news” não ter mais o
significado que o Oxford English Dictio-
nary tentou dar ao termo. Originalmente,
era um shibboleth como “feminicídio”:
já trazia em seu bojo a idéia de que a tal
fake news sendo denunciada era de direita
e feita para eleger um “populista” ou al-
guém que fosse contra o establishment e o
que o showbizz queria, enquanto a vítima
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
certamente era de esquerda, só falando
a verdade e nada mais do que a verdade.
Trump, em seu discurso de posse, que
felizmente descambou para o bate-boca,
respondeu o repórter da CNN Jim Acosta
(espécie de Leandro Demori americano)
sobre os contatos do então candidato à
presidência americana na Rússia: acharam
apenas um homônimo de um assessor de
Trump, que nunca havia pisado na Rússia.
Acosta insistiu. Trump, como sói, fugiu ao
protocolo, soltou um belo “don’t be rude”
e, com a insistência de Acosta em persistir
na historieta, disparou: “You are fake news”.
De repente, o presidente americano inver-
te o sentido original do termo: fake news
agora servia também para acusar a esquer-
da. Graças a este pequeno gesto para um
homem, grande gesto para a humanidade,
hoje a esquerda não consegue criar um
totalitarismo total apenas gritando “Fake
news!” a torto e a direito.
Quem mais gosta de “fake news” ter
virado um termo corrente na boca de to-
dos? Respondeu corretamente quem dis-
se: políticos. É a classe política que sempre
lucra ao se censurar notícias – e depois de
a classe política e a classe jornalística terem
se fundido em uma única e mesma coisa,
são políticos e jornalistas da grande e velha
mídia quem mais lucram com a idéia de
que existam fake news a serem censuradas
no grupo de Zap com sua tia, que anda
discordando cada vez mais do William
Bonner sem perceber.
5

O que acontece no Brasil e no mundo
é simples: antes todos odiavam a censura.
Agora que só se fala na desculpa para a
censura, todos anseiam por ela. Não sa-
bem mais como será a vida em sociedade
sem censura. Não uma censurazinha qual-
quer: parece que a humanidade entrará em
extinção enquanto políticos não puderem
determinar até que piadas podemos man-
dar no grupo de Zap com piadinhas com
o time de futebol.
Afinal, não é censura. É só combate às
fake news! Como na ditadura era só pela
moral e bons costumes. E na Antigüidade,
por se duvidar da divindade dos reis. E no
comunismo, contra atividades anti-revolu-
cionárias. And so on.
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SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
Aliás, alguém aí falou a palavra v****
no Facebook sem querer antes de ser cen-
surado por uma semana?
Deputados, estes seres tão adorados
pela população, estes anjos que só querem
o nosso bem, estão já sendo adorados por
criarem uma CPMI (ou seja, em conjunto
com o Senado) para instaurar a censura
com a desculpa das fake news. Mas, para
a história ser entendida, vamos observar
um pouco uma movimentação no centrão
antes de descer às minudências da CPMI
da censura.
Como é consabido do continente, Bol-
sonaro, antes mesmo de tentar ser presi-
dente, já temia um processo de impeach-
ment. Os gênios do PSL e do generalato
6

que o assessoravam tiveram até receio de
ter a advogada Janaína Paschoal como vice
porque a autora do processo de impeach-
ment poderia muito bem também fazer
um impeachment contra Bolsonaro (sim,
era um temor levado a sério). Para blindar
o presidente, apostaram no quanto pior,
melhor: colocaram um ser que parece ter
saído diretamente da idade das cavernas,
Hamilton Mourão, como vice. O plano
funcionou em relação ao PT, ao menos:
o próprio Lula, que dá ordens no PT da
cadeia, fez um veto explícito a ter Mourão
na presidência.1 Também Dias Toffoli sina-
lizou ao presidente Bolsonaro, após o veto
de Lula ao general Mourão, que o STF era
contra um impeachment. Foi parte do que
alguns entenderam como um “acordão”. E
uma mensagem divulgada pela Folha que
não foi entendida até agora. Assim, qual-
quer ação contra Bolsonaro não poderia
passar por um processo de impeachment.
O impeachment, ademais, é um pro-
cesso técnico-político. Sem algo técnico,
e com um Congresso com uma bancada
abertamente conservadora gritante, a idéia
de um impeachment agora soa, até na mais
socialista das mentalidades, francamente
ridícula.
A articulação golpista pelo impeach-
ment tomou um último banho de água
1 https://painel.blogfolha.uol.com.br/2019/05/23/
crise-faz-pt-debater-rumos-fora-bolsonaro-e- descarta-
do-por-desaguar-em-mourao/
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
fria quando ocorreram manifestações de
apoio ao governo, sobretudo no dia 26 de
maio. Setores que hoje querem um golpe
são facilmente identificáveis: todos aque-
les que criticaram as manifestações aber-
tamente, como o MBL, o centrão, aqueles
“quase de esquerda” (a exceção mesmo
foi Janaína Paschoal, que sempre quis se
desvencilhar da ala mais visceral do bol-
sonarismo). Não são bobos: sabiam que
Bolsonaro se manteria no governo se não
fossem as ruas. A articulação é confirmada
em agosto em entrevista do ministro Dias
Toffoli à revista Veja. Toffoli se apresen-
tou como articulador-pacificador contra o
impeachment, que era falado abertamente
naquela longínqua era (há um mês).
Mas há a chance de uma impugnação
de candidatura. Ou seja: se livrar, numa ta-
cada só, de Bolsonaro e de Mourão. Com
uma vantagem: só é preciso a parte técnica.
Nada de discussão política, de esperar que
petistas lotem a Paulista pedindo a cabeça
do presidente.
Enquanto esquecem que o PT existe,
setores do pântano político, que não ne-
cessariamente têm as mesmas preocupa-
ções que o PT, articulam uma solução ao
impasse que é a “presidência Bolsonaro”.
Sendo uma figura folclórica e um pouco
excêntrica desde quando era um deputado
repetitivo de bancada, Bolsonaro angariou
inimigos em todo lugar. E como o centrão
atualmente paga pedágio na esquerda, não
choca que até o DEM, antigo “partido de
7

direita” do país, hoje esteja preocupado
com “discurso de ódio” e pensando em
como derrubar Bolsonaro. Bem, claro: o
DEM não está nem aí para discurso de
ódio, mas está bastante interessado em
derrubar Bolsonaro.
Podemos nos lembrar neste momento
de Gustavo Bebbiano. Após sua demissão,
o ex-Secretário Geral da Presidência se
aproxima de Maia e Doria. Bebbiano pas-
sa a frequentar a casa de Maia e vira pré-
-candidato à prefeitura do Rio. O partido
pode ser o DEM ou o PSDB, que possui
candidatos cada vez mais caricatos.
Bebbiano passa a conceder entrevistas
para insinuar que conhece segredos da
campanha de Bolsonaro e é apresentado
nas entrevistas como pré-candidato. Sem-
pre que perguntado sobre sua candidatura,
não nega.
O articulador de tudo é Paulo Marinho,
primeiro suplente de Flavio Bolsonaro.
Amigo de longa data de João Doria e de
Bebbiano, Paulo Marinho pede desfiliação
do PSL e assume a presidência do PSDB-
-RJ. É ele quem presta depoimento no
TSE no inquérito das fake news e coloca
conscientemente em risco a eleição de Bol-
sonaro, afirmando que Bolsonaro “o traiu”
e que Doria é um homem extremamente
bem preparado para governar o país.
Em matéria do UOL de agosto, lemos
Paulo Marinho espalhando a narrativa
de que Bolsonaro havia sido eleito com
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
notícias falsas: “O empresário (...) afirmou
ontem que as informações falsas eram feitas
fora da casa por voluntários, e de que sua casa
era feita a retransmissão desses conteúdos.
‘Fake news a gente também mandava, como
chegava a gente saía, como tem hoje’”. Já a
coordenadora do conteúdo de mídia, Re-
becca Félix, que trabalhou na casa de Paulo
Marinho, diz em depoimento ao TSE que
não tinha conhecimento da propagação de
fake news por parte da campanha, contra-
dizendo Paulo Marinho.
É importante notar que Carlos Bolso-
naro não frequentava a casa de Paulo Ma-
rinho durante a campanha. A campanha
virtual que Carlos comandou nada tinha a
ver com a campanha virtual que Bebbiano
e Marinho alegam terem comandado. Até
em estilo, é fácil notar como são água e
óleo.
Foi a senha, todavia, para se colocar o
TSE no jogo. A partir de então, abre-se
a hipótese de cassação somente a partir
de 1° de janeiro de 2021, cenário em que
ocorreriam eleições indiretas feitas pelo
Congresso. Em 2020, pelo que se vê, de-
verão se intensificar as ações de desgaste
da imagem do presidente e a espetaculari-
zação do processo no TSE.
O objetivo da CPMI é dizer que Bolso-
naro foi eleito com fake news e que, com o
presidente eleito, há um grupo recebendo
ordens de dentro do Palácio do Planalto.
O fio condutor da CPMI será dizer que
8

os artífices foram Carlos Bolsonaro (com
as acusações de Bebbiano e Marinho, que
nem faziam parte do mesmo “núcleo” do
02) e Filipe G. Martins. Assim, a eleição
deveria ser anulada por abuso do poder
político. De lambuja, ainda é motivo para
destruir o núcleo não apenas do bolsonar-
ismo, mas de uma direita conservadora in-
dependente: os formadores de opinião das
redes sociais. Fake news, afinal, é um termo
para se referir a fontes livres de notícias,
longe da mídia tradicional (ou ao menos
deveria ser, antes de Trump zoar o coreto).
Com tantas pessoas “preocupadas” com
fake news por aí, fica fácil armar o circo
para exigir que todos acreditem apenas na
narrativa da Rede Globo e censurar a in-
ternet, sobretudo os feeds das redes sociais.
Bem o contrário do que fomos ensinados
quando falavam em “alienação”.
Para isso, Rui Falcão convocou para
depoimento2 vários assessores ligados a
Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e
Filipe Martins: Tercio Arnaud Tomaz, José
Matheus Salles Gomes, Mateus Matos Di-
niz e, last but not least, Allan dos Santos,
do Terça Livre. Ou seja, uma turma que
criava perfis de humor como “Bolsonaro
Zoeiro” e, claro, o criador de um site de
jornalismo independente como o Terça
Livre (pode haver coisa mais perigosa no
país?). A descrição da CPMI é um horror
2 http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/
download/44e3c324-f38b-4acb-aea0-6b87ad90a77b
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
à parte:
“Comissão Parlamentar Mista de In-
quérito para investigar os ataques cibernéticos
que atentam contra a democracia o debate
público; a utilização de perfis falsos para
influenciar os resultados das eleições 2018;
a prática de cyberbullying sobre os usuários
mais vulneráveis da rede de computadores,
bem como sobre agentes públicos; e o ali-
ciamento e orientação de crianças para o
cometimento de crimes de ódio e suicídio -
CPMI FAKE NEWS” (grifos nossos)
Alguém aí tem notícia de o Terça Livre
ter feito “cyberbullying”, este novo não-
-crime que precisa ser mais investigado
do que os advogados do Adélio Bispo?
Ou de que há “aliciamento e orientação
de crianças para cometer crimes de ódio
e suicídio” (sic) por parte de assessores de
pessoas de direita que falam em “Deus aci-
ma de tudo” e são fãs de Damares Alves?
É explícito o grau de psicopatia e divórcio
da realidade dos políticos – e do vale-tudo
para tentar tirar Bolsonaro do poder. Os
alvos continuam sendo Filipe G. Martins e
Carlos Bolsonaro (que não é nem do mes-
mo núcleo de Bebbiano), mas no proces-
so, destrói-se a possibilidade de uma mídia
independente, de usar perfis de humor, do
anonimato e de tudo o que a esquerda e
isentões chamem de “discurso de ódio”
(ou seja, discordar deles).
Uma CPI ou CPMI não é uma investi-
gação policial, com inquérito, diligência,
9

obtenção de provas, nada. Portanto, não
adianta nada ser inocente: se deputados
definirem que você é culpado, podem que-
brar seu sigilo, devassar sua vida, te destruir
profissionalmente ou até te mandar para
a cadeia simplesmente por concordância.
E a alegação não precisa envolver nada
jurídico: no texto de convocação, Rui Fal-
cão simplesmente cita reportagens lixo de
gente que, ehrr, pratica “cyberbullying”
contra a direita (com a única diferença de
que ninguém na direita usa um termo viti-
mista destes) e “discurso de ódio” (idem).
Uma das reportagens é só uma ilação do
músico Lobão (um músico sem mais do
que 3 músicas conhecidas) sem provas em
entrevista ao Catraca Livre. Lobão, assim
como Alexandre Frota (outro que estaria
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SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
Compreendendo o governo Bolsonaro (até agora)
recolhendo lata na rua por uma carreira
que desceu até o pornô com travecos), até
mesmo divulgou um vídeo com parte do
endereço de Allan em Brasília. Quer mais
“cyberbullying” e “discurso de ódio” do
que isso?
Lê-se no requerimento de Rui Falcão:
“[O]s convocados são referidos como prota-
gonistas na criação e divulgação de conteúdos
falsos na internet, classificados até mesmo
como verdadeiros ‘militantes digitais’, por
sua intensa atuação na escalada da radicali-
zação das redes sociais por meio de fake news”
(grifos nossos).
Sobre os assessores, o texto diz que
“são atualmente assessores especiais lotados na
Presidência da República, porém atuam no
10

chamado ‘gabinete do ódio’, como a impren-
sa vem denominando. Segundo consta, estão
instalados próximo [sic] ao Presidente, em sin-
tonia com seus assessores diretos, com objetivo
de executar estratégias de confronto ideológico
e de radicalização dos ataques nas redes sociais
contra adversários. Ainda de acordo com as
notícias, o grupo influenciou fortemente na
radicalização política adotada pelo Palácio do
Planalto, interferindo e influenciando ações
políticas por meio da divulgação de informa-
ções falsas em redes sociais” (grifos nossos).
Sobre Allan, seria ainda motivo para
processo, não fosse um documento de al-
guém com imunidade parlamentar: “Já o
senhor Allan dos Santos é um dos fundadores
do blog ‘Terça Livre’, um dos mais conhecidos
propagadores de fake news na internet. A
atuação dos redatores de conteúdo dessa pá-
gina na internet foi questionada desde a sua
fundação, em 2014, por conta de inúmeras
notícias falsas veiculadas por essa página.
Também ficou conhecido por atuar durante
a campanha eleitoral de 2018 próximo ao en-
tão candidato Bolsonaro e seus filhos, segundo
notícias da imprensa, tendo como principal
característica a prática da divulgação de
notícias falsas e usando extrema hostilidade
para seus adversários, incluindo políticos e
jornalistas. De acordo com várias notícias,
ele está morando em uma mansão localizada
numa área nobre de Brasília, utilizada como
sede da milícia virtual comandada por Allan
dos Santos” (grifos nossos).
Imagine com que termos podemos nos
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
referir a Rui Falcão e ao PT.
Além destes convocados, foram con-
vidados placidamente para denunciar o
“cyberbullying” (sic) a blogueira feminista
radical Lola Aronovich, que tem como
alvo Hiram e L0en, do podcast “Ninguém
se importa”, tentando associá-los a grupos
de 4chan que fazem ataques (inclusive,
oh, ironia, à família de Allan dos Santos –
ambos já afirmaram que nem sabem usar
4chan); Caetano Veloso e Paula Lavigne,
que provavelmente chamarão de “fake
news” ou de “cyberbullying” a hashtag
#CaetanoPedófilo; o Intercept, como não
poderia deixar de ser; Felipe Neto; Manue-
la D’Ávila; Fábio Malini (um dos autores
da tese do cyberbullying, autor de um livro
convocando para uma revolução em 2013,
pregando uma espécie de “comunismo
dentro do capitalismo”); Agência Lupa;
Abraji – Associação Brasileira de Jorna-
lismo Investigativo (Leandro Demori é
um dos seus chefes); Giovanna Ewbank;
Bruno Gagliasso; Carolina Dieckmann;
Taís Araújo; Eliane Brum (dispensa apre-
sentações); Patrícia Campos Mello, a “de-
nunciadora de fake news” que produziu a
maior fake news da história brasileira; Ale-
xandre Frota; Raquel Dodge; Rosa Weber;
e além de diversas entidades de esquerda,
os representantes de tudo quanto é empre-
sa de telefonia, associação de comunicação
de esquerda e, claro, do Facebook, Twitter,
Telegram e afins no Brasil. Para compen-
sar, apenas Damares Alves.
11

Com isto, fica fácil saber qual o resulta-
do que querem: afirmar que Bolsonaro foi
eleito com fake news, impugnar sua can-
didatura e travar totalmente o Congresso
(se nada funciona, o povo pára de apoiar
o governo) até o caos se implantar. De
quebra, ainda se pode “alanjoneszar” os
inimigos da CPMI. Basta que Facebook,
Twitter e afins resolvam em uníssono, do
dia para a noite, restringir para o nada o
acesso de páginas de “inimigos”. Assim, a
mídia independente brasileira pode mor-
rer do dia para a noite, e mesmo num go-
verno Bolsonaro, o PT conseguirá não o
seu “controle social da mídia”, que já tem
internamente, mas o controle ideológico
da internet. É preciso descrever com mais
detalhes o perigo?
Então entendemos que a CPMI das (su-
postas) fake news é estratégica para a clas-
se política neste contexto. A CPMI deve
terminar em 23 de dezembro de 2019,
prazo perfeito para serem encaminhadas
denúncias ao TSE em janeiro de 2020. É
óbvio que políticos não estão preocupa-
dos em estabelecer a verdade, o que seria
como uma campanha pela castidade em
um puteiro. De brinde, o novo presidente
golpista assumiria no momento em que se
consolidará a retomada do crescimento da
economia.
Agora é fácil dar as cartas. Quem po-
derá surgir de uma eleição indireta entre
deputados como uma nova liderança a
salvar o país, parecendo um grande nome
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
da articulação política que Bolsonaro
nunca fez? Quem é incensado pela mídia
praticamente como o grande estadista do
país – até mesmo pelo Washington Post,
que lhe deu os méritos pelas conquistas
de Bolsonaro? Quem recebeu nota 8,5 do
MBL, que tanto falava em articulação, e
que disse que tinha o centrão como grande
aliado? Rodrigo Maia, que teve apenas 74
mil votos, pode despontar como o grande
todo-poderoso que manda no Legislativo
e no Executivo a um só tempo.
Aliás, é exatamente essa situação que
tentará ser forçada, com CPMI ou não:
uma espécie de parlamentarismo branco,
com um presidente que manda cada vez
menos, enquanto o presidente da Câmara
terá cada dia mais poder com uma nar-
rativa de que Bolsonaro é um presidente
eleito ilegitimamente – algo como o que
aconteceu antes do impeachment de Dil-
ma, mas dessa vez com o povo do lado do
presidente, e o Congresso animadíssimo
com uma possível troca de mandatário.
O MBL, por sinal, já foi bastante preju-
dicado com a história de “fake news”, so-
bretudo na figura de seu ex-sócio, Luciano
Ayan – hoje líder de uma narrativa de “guer-
ra política” que ele macaqueia de Olavo de
Carvalho sem nem 0,000001% do brilho
do mestre, e com 0,000000001% de seu
público. Mesmo assim, o MBL tentará se
desvincular da CPMI, apesar de a esquer-
da tratar o MBL e os bolsonaristas como
um bloco homogêneo. Afinal, foi para
12

isso que o DEM, partido dos 3 principais
políticos do MBL, convocou a CPMI, e ao
nomeá-la “CPI das fake news”, a apelidou
também de “CPI das milícias virtuais”.
Quem é chamado de “milícia” por aí não
são os mblistas – todos os cinco – e sim
os eleitores de Bolsonaro. Sejam as tias do
Zap ou a turma do vaporwave.
Assim, o MBL também ajudará, com o
mesmo fito, a propagar a narrativa de que
Bolsonaro é um presidente ilegítimo, de
que apenas uma impugnação poderá salvar
o Brasil “democrático” (já notou como o
MBL, que se formou nas ruas, desapare-
ceu delas? impugnação não envolve povo)
e que precisamos de uma nova forma de
governo – quem sabe, por mero acidente
das circunstâncias, um parlamentarismo
liderado por Rodrigo Maia. Ah, nunca
menospreze os ímpetos reformistas para
o centro do MBL: ao contrário do DEM,
já foi um movimento com algum respaldo
popular.
O MBL inventar um plebiscito, re-
forma, constituinte ou o que seja para
que o centrão mande no país, com a
leve desculpa de ao menos se livrar (em
parte ínfima) da esquerda mais desabri-
da, não é apenas uma probabilidade: é
praticamente o que daria sobrevivência
ao movimento. Luciano Ayan, pelo Twit-
ter, além de defender a CPI das fake news,
se gaba de ter ajudado a propor algumas
de suas bases. Vários tweets seus falam da
CPMI (chamada por ele de CPI) como
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
algo a salvar o país. Logo ele, o dono do
site e da página de Facebook derrubada
por alegações de fake news sobre Marielle
Franco e que fazia troca de compartilha-
mento fake com o MBL para parecer maior
do que era.
Ayan tem como companhias hoje uma
meia dúzia de jornalistas que falam em
“seita” e “milícias virtuais”. A maioria é
monotemática: faz da vida “denunciar”
uma suposta “milícia” que, se defende o
governo Bolsonaro, só pode ser por ordens
do próprio Bolsonaro. Como nessa era
tudo é perigoso de ser dito, o povo só pôde
se defender usando o anonimato das redes
sociais. Agora, estes jornalistas começaram
a processar pessoas nas redes, acusando-as
de crimes como “abuso de crianças” no
Twitter (?!), para conseguir os nomes por
trás de perfis “famosos”. Foi o que fez uma
famosa jornalista, dizendo que teve o filho
assediado no Twitter por uma conta que
despontou recentemente. Basta observar o
entorno de Luciano Ayan. Desta forma, o
processo entra automaticamente em sigilo.
Logo, passarão o rodo nos perfis até agora
anônimos e uma chuva de processos está a
caminho (mesmo que percam, conseguem
seu tão desejado exposed).
Ayan pode ser irrelevante, mas uma
CPMI não é. Há aliados mais parrudos. O
mais importante elo do MBL com o esta-
mento burocrático é Gilmar Mendes, com
quem Kim Kataguiri e Fernando Holiday
tomaram aulas, e que assina o prefácio
13

de um livrinho qualquer de um advoga-
dozinho qualquer do MBL. O verdadeiro
“acordão” do país é aquele que vai do cen-
trão do establishment (nos dois sentidos)
ao STF para barrar a Lava Jato – o “lavaja-
tismo” e a “direita janotista”, como tenta-
va emplacar Luciano Ayan, sem ninguém
nunca usar os termos que o “estrategista”
tentava consagrar.
O DEM, o partido dos coronéis (e do
Kim), não disfarça que quer uma CPMI
para censurar o que chama de “cyberbul-
lying” com políticos – aquilo que, afinal,
define justamente se um país é livre ou
não. Como censura pega mal, mas “cy-
berbulling” e “fake news” são termos da
modinha que devem ser combatidos, re-
cebem aplausos de jornalistas – a classe
mais empenhada em instaurar a censura
no mundo.
Alexandre Leite, do DEM paulista, ins-
taurou a CPMI porque os recentes ataques
a Maia e ao Supremo reforçam a necessi-
dade de investigar o que ele classificou de
“milícias virtuais”. Ao se testemunhar o
que acontece com quem se aproxima do
MBL, reconhece-se facilmente que o dis-
curso de “milícias virtuais” e uma atitude
de proteção total a Rodrigo Maia se torna
imediata (sabe, eles “não têm político de
estimação”...). Disse Leite: “As milícias vir-
tuais foram utilizadas para atacar a honra do
Judiciário, da Câmara dos Deputados e até
do presidente Rodrigo Maia. Desde a eleição,
estamos acompanhando esses grupos usando de
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
fake news para disseminar ódio e desinforma-
ção”. É impressionante como o antigo PFL
hoje tem um discurso com vocabulário
idêntico ao do PSOL. Mas isso também
é um grande milagre da “articulação” do
MBL, que conseguiu unir todo o espectro
político contra Bolsonaro. Qualquer coisa,
menos ele. E imagine a “honra” do Judici-
ário, como fica... por causa de ataques? É
impressionante como algo abstrato possa
ter “honra”. Mais uma jabuticaba brasilei-
ra.
O senador Angelo Coronel, presidente
da CPMI, não faz questão de ocultar o
verdadeiro propósito da CPMI das Fake
News. Em entrevista ao UOL, declarou:
“Vislumbro tardes sombrias e polêmicas ao
longo desses seis meses (...) Se tiver problema
com as eleições passadas, se for apurado algo
essencial que modificou o resultado das elei-
ções passadas, nós vamos encaminhar para o
Tribunal Superior Eleitoral. Só quem pode
julgar eleições passadas é o TSE”.
Já em entrevista à TV Câmara, sobre
Carlos Bolsonaro, declarou: “Farei uma
pergunta muito simples: você usou fake news
para depreciar adversários? Se você mentir,
eu posso lhe dar voz de prisão”. Ao jornal O
Globo, Angelo Coronel repetiu a resposta
dada à TV Câmara. Já há relatos de que
o senador teria feito a mesma ameaça em
pelo menos quatro ocasiões. Ora, uma voz
de prisão é quase impossível de ser levada
a sério numa CPMI – petistas mentiam a
rodo na CPI dos Correios, só para ficar em
14

um exemplo, e pessoas como o audacíssi-
mo senador apenas ouviam placidamente.
Ao mesmo tempo, a definição de “mentir”
fica à cargo do belíssimo senador – se achar
que Carlos Bolsonaro mentiu ao dizer
“não”, o que é resposta óbvia, showtime!
É apenas mais uma prova entre tantas
outras de que essa CPMI não está nem
aí para a verdade: quer é fazer um circo
midiático. Aquele MBL que vai falar em
“milícia virtual usando perfis fakes” (o que
valeria para... o perfil de Luciano Ayan),
que pediu desculpas por “polarizar” o
debate público, aquele que falava que “a
zoeira não tem limites”, aquele da “direita
transante” que tem um funkeiro que fazia
versão transexual de Jesus no palco, enfim,
este MBL, que agora quer parecer limpi-
nho e sério após ser recauchutado no cur-
so de Gilmar Mendes, ainda é expert em
picadeiro. Aquele velho da Virgínia tem o
que, mesmo?
Além de tudo, a CPMI servirá para
políticos, em mais uma investida de poder
contra a população e contra seus inimigos,
convocarem agentes públicos, inclusive
policiais, para prestar esclarecimentos so-
bre o que postam em redes. Lei de Abu-
so de Autoridade e agora CPMI de Fake
News: a criminalidade nunca esteve tão
protegida. E sabe a brutal censura que fa-
lam que existia na ditadura? Não é cócegas
perto da lei que investiga “cyberbullying
contra políticos”. Agora, só se pode elo-
giá-los. Um inquérito sigiloso instaurado
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
por Dias Toffoli, por exemplo, já levou à
censura da revista Crusoé. Lembre-se que
a CPMI não possui um objeto definido em
sua ementa. Alexandre Leite não se mos-
trou preocupado: “A partir do momento que
são agentes públicos, independentemente de
serem autoridades de menor ou maior escalão,
promovendo ataques às instituições, pode ser
caracterizado como milícia virtual. Eles não
estão isentos nem impunes da prática de cri-
me”. O terrível crime de “milícia virtual”,
que ninguém encontrou no Código Penal.
Felizmente, parece que o deputado anda
arrependido do Leviatã que despertou.
Para não dizer que tudo está consumado,
uma boa notícia surgiu na última semana
que foi um belo balde de água fria nesta
narrativa em construção. O ministro Jorge
Mussi do TSE decidiu que a campanha
de Bolsonaro não fez disparos em massa
no WhatsApp, ao contrário do que disse
a maior fake news da história brasileira:
a reportagenzinha de Patrícia Campos
Mello na Folha, que tentou uma virada de
última hora a favor de Haddad (fracassou,
naturalmente, por ninguém mais confiar
na Folha). Foi como queimar a primeira
ponta do fio condutor da narrativa: se
tudo depende de afirmar que Bolsonaro
foi eleito com fake news (e note-se que a
reportagem da Folha nem sequer afirma
que notícia falsa seria essa), de repente o
TSE atrapalhou a base do castelo de car-
tas. Entretanto, mesmo assim, a caça por
supostas fake news prosseguirá, como a
15

favorita dos jornalistas: a de que Haddad
estaria distribuindo uma mamadeira em
formato de piroca (todo jornalista de es-
querda diz isso, mas nenhum eleitor de
Bolsonaro parece ter tomado conhecimen-
to de tal notícia). Barrar a CPMI e impedir
os depoimentos de Bebbiano e Marinho
(que ainda não foram confirmados) é o
melhor caminho para garantir a liberdade
no Brasil. Claro, isso depende de pressão
imediata nos congressistas.
Por fim, não se pode deixar de repetir
que uma CPMI não precisa de provas, não
é uma investigação policial, é apenas con-
cordância entre deputados (e adivinhe que
partido é especialista em CPIs?). E que
apenas estão usando artigos de “jornalis-
mo” da grande e velha mídia para afirmar
que algo é verdade, porque a mídia diz
que é verdade. Se é assim, não podemos
nos esquecer de que José Fucs, ex-Partido
NOVO, atual jornalista do Estadão, fez
uma lista negra de “milicianos digitais”,
afirmando simplesmente que todo mundo
que discordasse da esquerda e dos liberais
mais caricatos, estilo Rodrigo Constantino
(um grande amigo seu), era “miliciano”.
A lista, que segue o mesmo modelo
das listas do PT, é tão estroncha que jun-
ta nomes como Avena e Roger, Lobão e
Silvio Grimaldo, Winston Ling e Isentões,
Nando Moura e Zoe Martinez (que o jor-
nalista chama de “Matinez”), Bruna Luiza
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O plano do centrão e da isentolândia para derrubar Bolsonaro
e Sara Winter, além de nossa orgulhosa
presença <3. A, digamos, “reportagem”
jogou ao público a mesma narrativa que
circulava em grupos liberais: por exemplo,
chamar Filipe G. Martins de “Robespier-
ralho”, o que não fazia o menor sentido
para o público (que nem tinha como en-
tender que era uma ironia). Não faremos
como o jornalista, que só dá a entender
que tudo o que é postado nas redes sociais
seria a mando do governo (o que tornaria
o governo Bolsonaro o primeiro governo
realmente eficiente do planeta), mas é ine-
vitável notar que sua narrativa e até mes-
mo vocabulário são idênticos à narrativa e
ao vocabulário chatamente repetido pelos
jornalistas da isentolândia – aqueles co-
mentários de quem se diz “de direita” mas
só permite uma direita quase à esquerda
do Alckmin. Estes, que defendem o MBL
até em Lei Kim e dizem que o MBL teria
“depurado” as manifestações do dia 26.
Até nosso colunista Taiguara Fernandes,
coitado, aparece – não por ser conhecido
em redes sociais, já que ele não gasta tempo
com isso, mas exatamente por ser inimigo
de um “analista político” isentão que foi
fonte de Fucs. Um “Acelera, SP!” aí. Logo,
essa dita “reportagem” será uma “fonte”
que pode ser usada na CPMI.
Tragam-nos cigarros na cadeia quando
acabar a liberdade de expressão e imprensa
no país.
16
ENTREVISTA

Bia Kicis
fala sobre
a CPMI
A
procuradora e deputada fede-
ral Bia Kicis (PSL-DF) é uma
das poucas parlamentares com
completa consciência dos reais objetivos da
CPMI, que nada têm a ver com fake news.
Ela nos concedeu gentilmente esta entrevis-
ta.

O PSL possui uma base coesa de ação para

essa CPMI? Até o momento, só vemos você,
Carolina de Toni e Felipe Barros buscando
uma obstrução. Na verdade, estamos bus-
cando construir essa base. Conversei com
alguns deputados, parlamentes e vice-líderes
do governo, que não são do PSL, mas são
de partidos aliados, que vão reforçar a nossa
retaguarda nessa CPMI das fake news.
Quais são, na prática, os riscos que essa CPMI
oferece ao país? O que nós percebemos é
que essa Comissão está sendo usada para
construir e embasar uma narrativa de que
as eleições do presidente Bolsonaro foram
fraudadas, baseadas em fake news. Nós já
vimos parlamentares em comissões e tam-
bém no plenário dizerem que das duas uma:
 Bia Kicis sobre a CPMI

ou as eleições serão anuladas, por serem é o único intuito da CPMI, não é investigar
baseadas em fake news, ou o presidente a deep web, ou não teria problema – até a
terá que sofrer um impeachment porque ministra Damares já se ofereceu para falar
não tem mais legitimidade. O risco é de de deep web. Já está muito claro que o
realmente essa CPMI embasar uma narra- objetivo não é esse.
tiva mentirosa da esquerda, que não tem o A liberdade nas redes sociais está ameaça-
menor apego aos fatos e à verdade. da com esta CPMI? Claro que está amea-
Não há artigo no Código Penal criminalizan- çada. Isto pode descambar para outras
do algo como “fake news”. Qual o objetivo coisas. Nós vimos como o TSE tentou
dessa CPMI ao investigar um não-crime,
trabalhar nessa coisa de fake news durante
na prática? A esquerda não está nem um
as eleições. Estamos sob ataque constante.
pouco preocupada se existe esse crime ou
Acabamos de impedir a aprovação de uma
se não existe. Quando essa CPMI foi mon-
lei para as eleições municipais que impedia
tada, eu não assinei, porque logo vi que
o impulsionamento na internet. Quem é
coisa boa não iria ser, mas algumas pessoas
que faz impulsionamento? Eles sabem que
ingenuamente assinaram. A pessoa que
o PSL faz, as pessoas que estão na web
propôs essa CPMI, o deputado Eduardo
fazem, o presidente Bolsonaro faz. Eles
Leite, de São Paulo, quando viu o carna-
querem é nos calar, querem impedir este
val que estava sendo montado, se afastou
espaço realmente democrático, que são as
e pediu para sair. Realmente há um risco
redes – eles querem regular a todo custo.
de forjarem essa narrativa. Essa CPMI não
tem a menor utilidade a não ser para causar
problemas para o governo Bolsonaro. Este

SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019 18

 ENTREVISTA
Ernesto Araújo
fala sobre a
Amazônia
N
a era das redes sociais, não se bus-
ca mais informações aprofunda-
das, e menos ainda sutilezas em
fatos complexos, mas apenas narrativas
fáceis de serem digeridas, até aquilo que
é fácil de ser compartilhado. Na questão
da Amazônia, parece que a floresta inteira
estava em chamas em um dia, para na se-
mana seguinte, tudo estar resolvido e ne-
nhuma celebridade se preocupar mais com
“o pulmão do planeta” (essa ainda cola lá
fora). O Senso Incomum quis saber tec-
nicamente o que está sendo feito pelo go-
verno, e fez esta entrevista com o ministro
das Relações Exteriores, Ernesto Araújo,
para entender de fato o que ocorre na nos-
sa riquíssima floresta, além da guerra de
memes contra a mídia.
Por que está havendo incêndios no Brasil?
Quão dramático é realmente? Onde exata-
mente estão os focos? Na Amazônia, os
meses de agosto a outubro correspondem
ao período de seca, quando a umidade cai
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
drasticamente na região. É nessa época
também que os agricultores preparam a
terra para o plantio. Portanto, é natural que
os sistemas de alerta apontem o aumento
de focos de incêndio. No entanto, trata-se,
na sua imensa maioria, de terras que há
muito são utilizadas para agricultura, não
constituindo desmatamento e destruição
da floresta amazônica nativa, que perma-
nece intacta em mais de 85%. Os incêndios
estão localizados, sobretudo, nas margens
da floresta, como indica a visualização do
mapa dos focos de fogo produzidos por
satélites, e não representam quadro dra-
mático ou excepcional.
Muitas vezes, as pessoas não têm a real
dimensão territorial total da Floresta Ama-
zônica. Estamos falando de uma superfí-
cie superior à área da Europa Ocidental.
Imagine uma floresta que se estendesse de
norte a sul de Helsinque a Palermo e de
leste a oeste de Varsóvia a Lisboa. E vale
lembrar: a quase totalidade dessa floresta
19

permanece intacta.
Aqui (na Europa) é dito que são os piores
incêndios da floresta amazônica. Isto é ver-
dade? O que o governo brasileiro está fazen-
do? As queimadas observadas este ano não
tem nada de excepcional e não ameaçam a
integridade da Floresta Amazônica. Inclu-
sive, os focos de fogo este ano estão abaixo
da média dos últimos vinte anos, segundo
dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), cujos dados servem de
referência a incontáveis pesquisas em meio
ambiente no mundo todo.
As queimadas são motivo de preocu-
pação para o governo brasileiro. O pre-
sidente Jair Bolsonaro tem empreendido
esforços sem precedentes para combater
o fogo e identificar casos de incêndios de
natureza criminosa. Criou por decreto a
Operação de Garantia da Lei e da Ordem,
o que permitiu o deslocamento imediato
de contingentes e equipamentos das forças
armadas, assim como de outras instituições
públicas, nos três níveis de governo (fede-
ral, estadual e municipal), para a região
amazônica.
Dizem que os incêndios no Brasil também
ameaçaram a Bolívia e o Paraguai. O que
você diz sobre isso? Os incêndios no Brasil
não estão ameaçando os vizinhos. Inclusi-
ve nenhuma parte do território paraguaio
está no bioma amazônico. Os demais
países amazônicos têm também sofrido
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O Ernesto Araújo fala sobre a Amazônia
com o aumento dos focos de queimada
neste ano, como mostram os satélites. Em
muitos desses locais, e mesmo em países
localizados em outros continentes, como
Congo e Angola, o fenômeno também
ocorre, e pelas mesmas razões.
O governo brasileiro é geralmente conside-
rado ecológico. Mas é dito que o governo
atual é contra a proteção ambiental. Isso é
verdade? Essa é uma percepção equivo-
cada. De maneira nenhuma o governo é
contra a proteção ambiental. Somos uma
potência ambiental – temos a maior biodi-
versidade e as maiores fontes de água doce
do mundo, bem como mantemos 2/3 de
nosso território cobertos por vegetação na-
tiva – e permaneceremos sendo. O governo
do presidente Bolsonaro não flexibilizou
absolutamente nenhuma das rigorosas leis
ambientais que temos no Brasil.
Esta legislação impõe critérios rigorosos
de licenciamento e pesadas punições em
caso de descumprimento. O código flores-
tal brasileiro exige a manutenção de áreas
de preservação permanente ao longo de
corpos d’água, e áreas de reserva que che-
gam a 80% da superfície da propriedade,
no caso da Amazônia. Dispositivos deste
tipo inexistem em grande parte dos países
europeus e da América do Norte, onde as
propriedades são inteiramente ocupadas
e as áreas de cultivo se estendem até as
margens dos rios. A aplicação de legisla-
ção análoga em países europeus implicaria
20

grande redução da área plantada, com
quedas igualmente severas da produção
agrícola, acarretando sérios prejuízos à se-
gurança alimentar e ao emprego rural, oca-
sionando importantes problemas sociais.
O Brasil não pretende modificar qualquer
aspecto essencial de sua legislação ambien-
tal, mas ao mesmo tempo não abre mão
de seu direito ao desenvolvimento. Não
pretendemos transformar nosso território
em um museu, deixando intocados recur-
sos vastíssimos que podem perfeitamente
ser explorados de maneira sustentável em
benefício de nosso povo.
Como é a visão do Brasil para o IPCC? O
Brasil tem acompanhado atentamente as
discussões no âmbito do IPCC. Uma das
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SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O Ernesto Araújo fala sobre a Amazônia
prioridades de nossa atuação é garantir que
o Painel englobe uma variedade e plurali-
dade maior de cientistas. Notamos que há
dificuldade de incorporação nos relatórios
do Painel da ciência produzida pelos países
em desenvolvimento e isso causa desbalan-
ço nas conclusões. Na última sessão, ocor-
rida justamente em Genebra, a delegação
brasileira, com base na ciência, conseguiu
importantes modificações no Sumário
do Relatório Especial sobre Mudança do
Clima e Terra, uma vez que o documento
não contemplava a ciência de forma equi-
librada, principalmente com relação aos
biocombustíveis e produção agropecuária.
Você acha que o homem é responsável pelo
aquecimento climático? A questão das
21

causas da mudança do clima é de natureza
científica. Cabe à comunidade científica
respondê-la com a seriedade e a isenção
que o tema merece.
Sejam quais forem estas causas, é igual-
mente importante que os governos desen-
volvam e implementem políticas para lidar
com os fenômenos climáticos. Em con-
formidade com sua Contribuição Nacio-
nalmente Determinada (NDC) no marco
do Acordo de Paris, o Brasil desenvolveu
um Plano Nacional de Adaptação, que
prevê ações preventivas e de aumento da
resiliência diante de eventos climáticos ex-
tremos em áreas como agricultura, águas,
saneamento, infraestrutura, habitação e
saúde pública, entre outros.
Ricardo Galvão foi demitido por suposta-
mente publicar números críticos. O que isso
diz? Não foi esta a motivação da demissão
do professor Ricardo Galvão, mas sim o
fato de ter sido criado um atrito pessoal
entre ele e o presidente da República, que
tornou impossível sua permanência no
cargo que ocupava.
Quanto à chuva negra sobre São Paulo,
como foi isso realmente (evidentemente os
cientistas parecem dizer que na verdade
existem partículas de fumaça na chuva)?
No caso da chuva negra sobre São Paulo,
no início da última semana, nuvens de
chuva absorveram parte da fuligem das
queimadas florestais, misturando-se ao
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O Ernesto Araújo fala sobre a Amazônia
material particulado proveniente da polui-
ção urbana, dando origem ao fenômeno
observado. Segundo nota técnica do Ins-
tituto Nacional de Meteorologia (Inmet),
uma parte das partículas encontradas ad-
vém da Amazônia, mas parcela predomi-
nante do material particulado coletado na
capital paulista é oriunda, na realidade, de
queimadas ocorridas na tríplice fronteira
da Bolívia, Paraguai e Brasil, áreas cobertas
por outros tipos de bioma. A formação de
uma área de baixa pressão e a intensificação
das queimadas naquela região fez que parte
da fumaça dos incêndios fosse transporta-
da para o Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Maiores informações sobre este tema estão
disponíveis no seguinte endereço: www.
inmet.gov.br/portal/index.php?r=home/
page&page=notas_tecnicas
Ainda no tocante ao contexto regio-
nal, é importante notar que o Brasil tem
mantido estreita coordenação com outros
países da América do Sul. Representante
brasileiro participará, a convite, de reunião
de vice-chanceleres da Colômbia e do Peru
para tratar de questões amazônicas. Será
uma oportunidade valiosa para interação
com estes dois países amigos e demo-
cráticos, com os quais compartilhamos a
floresta amazônica. Também temos man-
tido contatos regulares com o Paraguai e
recebemos, com apreço, manifestações de
solidariedade e ofertas de cooperação da
Argentina e do Chile.
22

O que dizer do mau humor com a Alemanha,
assolado com uma onda neonazista? A Ale-
manha lidou de forma muito honesta com
os erros de seu passado. Problemas da Ale-
manha contemporânea são de responsabi-
lidade da sociedade e do governo alemães.
Não temos razão para opinar sobre isto.
Macron criticou o Brasil. Muitos europeus
veem a Amazônia como um pulmão do mun-
do, não apenas o Brasil. O que dizem? O
Brasil está ciente da importância da Ama-
zônia, especialmente em aspectos como
influência sobre o clima regional, estoques
de carbono, ciclos hídricos e biodiversida-
de.
Contudo, do ponto de vista científico é
descabida a afirmação de que a Amazônia
seria o “pulmão do mundo”. Por ser uma
floresta tropical madura, não é fonte sig-
nificativa de oxigênio, e pela mesma razão
tampouco é um grande sumidouro de car-
bono. A maior parte do oxigênio gerado
pela fotossíntese é novamente consumido
no processo de respiração das plantas e
animais, bem como na rápida decomposi-
ção da matéria orgânica morta.
Vale notar, além disto, que não há qual-
quer problema de escassez de oxigênio no
ar que respiramos. Acumulado ao longo
de bilhões de anos, o oxigênio representa
20,95% da atmosfera. A título comparati-
vo, o gás carbônico corresponde a 0,04%
da atmosfera (415 partes por milhão).
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
O Ernesto Araújo fala sobre a Amazônia
Há problemas ambientais em diferentes
partes do mundo, e eles só podem ser so-
lucionados com base em ações racionais,
orientadas pela ciência. É o caso, por exem-
plo, dos plásticos nos oceanos e mares,
problema que afeta o mundo todo, mas
que é particularmente grave no Mediter-
râneo, devido ao lixo lançado ao mar por
países europeus. Também concorrem para
agravar o problema as pressões da indús-
tria química europeia pelo relaxamento da
legislação ambiental aplicável ao plástico
naquele continente.
O presidente Bolsonaro acusou ONGs pe-
los incêndios. Eles queriam pressionar e
politizar o Estado. Essa é uma carga muito
difícil. Ele tem provas disso? Os focos de
incêndio na Amazônia têm causas varia-
das, algumas naturais, outras humanas. O
Brasil é um Estado de direito e, portanto,
aplica a lei de forma equânime. Quaisquer
pessoas que tenham provocado incêndios
de forma intencional, em violação às leis
ambientais, serão punidas da mesma ma-
neira, quer sejam incendiários, turistas,
agricultores ou membros de organizações
não governamentais. A decretação de ope-
ração de Garantia da Lei e da Ordem na
região contribuirá para reforças as ações
dos governos federal e estaduais na região,
para apurar eventuais atos criminosos e
aplicar as penalidades cabíveis.
23
 ARTIGO EXCLUSIVO
Por que Lula quer
fugir da liberdade?
Por Flavio Morgenstern
U
ma das bizarrices do país foi in-
terpretada apenas como piada
nos últimos dias, até pelo presi-
dente da República: a recusa de Lula em ir
para o semi-aberto, a pedido dos próprios
procuradores da Lava Jato.
O Brasil é um país cujo manual de ins-
truções é maior do que o próprio territó-
rio. Aqueles petistas que passaram todos
esses dias gritando “Lula livre”, como se “a
democracia” dependesse disso, parece que
vão ter de trocar o slogan (logo o “Quem
matou Marielle?” também fica desatualiza-
do).
Apesar das piadas (Lula teria de tra-
balhar no semi-aberto), a questão ainda
é real. Afinal, por que Lula não quer ser
solto?
Há uma explicação rápida, simples e
efetiva: Lula é o esquerdista mais pode-
roso do país dentro da cadeia. Fora dela,
sabendo que não será mais presidente, não
será mais um símbolo de resistência, mas
apenas um corrupto que agora usa torno-
zeleira. Até sabendo que Lula sempre será
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
um homem acima da lei mesmo preso,
e provavelmente não precisará de torno-
zeleira. O simbolismo, que é a esfera de
atuação de Lula hoje, fica prejudicado de
maneira que, eleitoralmente, só consegue
ser reversível em cerca de uma década.
É um fato. Mas por que procuradores da
Lava Jato iriam querer Lula no semi-aberto
agora? Essa é a pergunta mais interessante
para o Brasil.
Lula ainda aguarda novos julgamentos
(seus crimes são intermináveis). Porém,
mais do que tudo, ainda é um elo numa
gigantesca corrente para se prender muita
gente no seu entorno. Basta imaginar a
quantidade de deputados e petistas e apa-
niguados fazendo circunvoluções em Lula
que certamente cometeram crimes em
nome da causa, e que vão pedir conselhos
do chefe da quadrilha dia e noite.
O ex-presidente tem a sua vida hoje in-
vestigada em filigranas pela Polícia Federal
e pelo Ministério Público. Há uma arapuca
sensacional em curso, que Lula sabe que é
como uma armadilha de urso ao redor do
24

seu pescoço.
Que “trabalho” Lula teria em seu tempo
livre? Certamente, não fritar hambúrgue-
res e colocar o lixo pra fora como Eduardo
Bolsonaro no McDonald’s. O trabalho
que Lula sempre teve na vida foi negociar.
Sentar com poderosos e colocar seus ter-
mos. Em linguagem mblística, “articular”.
O trabalho de Lula é despachar. É mandar.
É determinar o que deve ser feito.
É diferente de uma prisão domiciliar,
para onde se vai sem se esperar nada. Um
trabalho, piadas à parte, é requerido num
regime semi-aberto: Lula teria de ser, oh,
horror, contratado. Mas seu verdadeiro
trabalho, o planeta sabe, sempre será a
política.
Aparentemente, o Brahma da lista da
Odebrecht já tem direito a uma sala para
negociações na Superintendência da Polí-
cia Federal em Curitiba. Não é exatamente
um mau sinal: a Polícia conhecer as nego-
ciatas de Lula talvez não seja algo que deixe
o ex-presidente muito feliz.
Mas Lula solto significa muito mais: a
liberdade de Lula ir ter com quem quiser,
por si próprio, sem a polícia na cola. Ou
melhor... apenas formalmente, sem a polí-
cia na cola. Lula sabe que será investigado
até se parar para tomar um sorvete. E os
investigadores ficarão bastante satisfeitos
em observar atentamente do outro lado da
rua.
Estando no semi-aberto, Lula seria
obrigado a, de toda forma, prestar contas
SENSO INCOMUM OUTUBRO 2019
Por que Lula quer fugir da liberdade?
à polícia do que tem feito. Ou seja, está
“livre” para fazer suas reuniões, mas muito
menos livre, na prática, do que a palavra
parece sugerir numa discussão filosófica.
Escravo de si próprio, Lula usa a cadeia
para se proteger. Não quer sair só quan-
do for considerado inocente – quer sair,
sabendo que não sairá, quando a polícia
não mais for a grande preocupação da sua
vida. O que é uma condenação ao inferno
em vida.
Um fator é óbvio para pessoas conhe-
cidas, e muito gritante para a pessoa mais
polêmica do país: Lula não consegue an-
dar sozinho na rua nem por dois metros.
Assim, Lula terá uma vida de despachos e
reuniões em sedes de sindicatos, cercados
de militantes, em um núcleo-duro com as
lideranças mais casca-grossa do PT e dos
partidos-satélites. Um alvo entre alvos.
A chance de alguém fazer alguma bestei-
ra que prejudique toda a esquerda é enorme
nessa situação. Lula sabe que estaria com
uma batata quente nas mãos 25 horas por
dia. E não apenas uma batata quente que
queimaria as suas mãos: em um momento
em que a esquerda vai reconquistando for-
ças, sobretudo a esquerda mais tradicional
e menos preocupada com políticas identi-
tárias, Lula solto é simplesmente um alvo
móvel e vivo para o projeto de retomada
de poder da esquerda em toda a América
Latina.
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Flavio Morgenstern
Editor Chefe
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