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Nota de leitura

Nota de leitura

Bakhtin: conceitos-chave trazem forte destaca que a posição dos Estados Uni-
BRAITH, Beth (Org.). Bakhtin: vinculação das temáticas abordadas dos da América do Norte, enquanto
conceitos-chave. São Paulo: com situações atuais, contribuindo para símbolo do capitalismo neoliberal hege-
Contexto, 2005, 264p. o entendimento das diversas concep- mônico, propicia “um conjunto de
ções sobre a arquitetura bakhtiniana, eventos que têm nos atentados um ato
nem sempre fáceis de serem compreen- de uma série de atos praticados por su-
Beth Braith convida-nos a um didas. Ato, evento, autor, autoria, ética, jeitos concretamente caracterizáveis
passeio pelos diferentes conceitos pre- estilo, polifonia, palavra, tema, signifi- (embora não individualizáveis) em res-
sentes no trabalho e no pensamento de cação, enunciação, gêneros posta a outra série de atos praticados
Mikhail Bakhtin, a partir de textos seus discursivos... situam-se entre os concei- por sujeitos também concretamente
e de outros autores que se relacionam tos analisados. caracterizáveis (e igualmente não
com o chamado Círculo de Bakhtin. Entre tantas exemplificações – individualizáveis), envolvendo resposta
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin, filóso- textos informativos, literários, e responsabilidade” (p. 32). Esse é, sem
fo, historiador da cultura, estética e jornalísticos; propagandas, capas de re- dúvida, um dos melhores textos do li-
filologia, nasceu na Rússia, em 1895, e vistas, manchetes, fotos, palavras... – vro, por situar-nos dentro da complexa
viveu o conturbado período da Revolu- deparamo-nos com uma análise apro- realidade atual constituída pelas ações e
ção Russa, da possibilidade de uma fundada do atentado aos Estados Uni- pelos sentidos das ações humanas, em
nova sociedade e das impossibilidades dos, presente no texto de Adail Sobral, atos/eventos/atividades, que nos reme-
ditadas pelo governo stalinista. Sua ex- “Ato/atividade e evento”, no qual o au- tem à reflexão sobre ética.
tensa obra é caracterizada por uma con- tor relaciona conceitos descritos ante- Sobral comparece com mais dois
cepção dialógica da linguagem, da vida e riormente à complexidade do ato terro- estudos de sua autoria: “Ético e estéti-
dos sujeitos. “Como um crítico do rista envolvendo “razões históricas, co: na vida, na arte e na pesquisa em
formalismo russo, opôs à sua monoto- sociológicas, pessoais, religiosas, eco- ciências humanas” e “Filosofias (e filo-
nia monológica, uma visão de mundo nômicas etc.” (p. 31). sofia) em Bakhtin”. O primeiro, reme-
pluralista polissêmica e polifônica” Refletindo sobre o ato que, nas te-nos novamente à filosofia do ato, na
(Freitas, 1996, p. 118). concepções de Bakhtin, envolve essen- qual a ética também se mostra presente,
Os estudos contemplados em cialmente responsabilidade ética, Sobral sublinhando questões como dialogismo,

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percepção ou pensamento, constituição seu círculo. Logo a seguir, Braith fala de Paulo Bezerra discorre sobre
da consciência, para explicitar a con- “Estilo”, relacionando-o estreitamente “Polifonia” mostrando que as vozes e as
cepção bakhtiniana de estético, resulta- com dialogismo e com a atitude consciências presentes no romance
do “de um processo que busca repre- avaliativa do autor. As relações entre o polifônico são “sujeitos de seus pró-
sentar o mundo do ponto de vista da autor e o herói também serão determi- prios discursos” (p. 195). E, finalmen-
ação exotópica do autor, que está fun- nantes no estilo de um enunciado. te – sem, contudo, finalizar, pois que
dada no social e no histórico, nas rela- Carlos Alberto Faraco traz-nos toda obra para Bakhtin carrega em si seu
ções sociais de que participa o autor” “Autor e autoria”, enfatizando a posi- inacabamento –, William Cereja apresen-
(p. 108). O segundo, em contraposição ção do autor-criador, “aquele consti- ta-nos “Significação e tema” voltando à
a esse prazer pelo lido, revelou-se bas- tuinte que dá forma ao objeto estético, palavra e sua historicidade; e ao signo,
tante árduo diante das inúmeras refe- o pivô que sustenta a unidade do todo pensando-o “não apenas no domínio da
rências da dialogicidade que o autor esteticamente consumado” (p. 37). língua, mas também no domínio do dis-
percebe entre Bakhtin e outros estudio- Heteroglossia, excedente de visão, rela- curso e, portanto, da vida” (p. 201).
sos enfatizando os diálogos com Kant e ção autor/herói, autocontemplação são Propondo uma volta ao começo –
por meio de Kant. alguns dos pilares que dão sustentação um recomeço – desejo explicitar meu
Percebe-se um constante a uma abordagem mais aprofundada so- prazer maior na leitura de Bakhtin: con-
entrecruzar das idéias de Bakhtin nas bre exotopia. ceitos-chave: a possibilidade de
diferentes narrativas trazidas por Beth Irene Machado refere-se aos “Gê- interagir com um Bakhtin mais próximo
Braith e seus parceiros de pesquisas e neros discursivos” e como os diferentes de meu entendimento, além de conhecer
co-autores do livro. Braith, já na intro- usos da linguagem transformam os dis- um pouco mais de Machado de Assis,
dução, descreve o percurso enfrentado cursos em manifestações de pluralida- Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, en-
na construção da obra sobre o pensa- de. “Ideologia”, texto escrito por tre outros.
dor: um glossário, sugerido inicialmente Valdemir Miotello, focaliza aspectos de
mas depois descartado, concretizou-se ideologia oficial e ideologia do cotidiano Referência bibliográfica
em uma coletânea “em que alguns ter- e de signo ideológico: “todo signo é sig- FREITAS, M. T. A. Vygotsky e Bakhtin
mos essenciais à compreensão da arqui- no ideológico” (p. 170). Um único ter- – Psicologia e educação: um intertex-
tetura bakhtiniana foram trabalhados, mo, “Palavra”, é-nos oferecido e to. São Paulo: Ática, 1996.
funcionando como uma amostra dos pi- desmembrado nos estudos de Paulo
lares do edifício” (p. 9). Rogério Stella, que constrói uma refle- Maria Francisca Mendes
Beth Braith e Rosineide de Melo xão fundamentada nas quatro proprie- Professora da rede pública do
analisam “Enunciado/enunciado concre- dades definidoras da palavra: “pureza município do Rio de Janeiro
to/enunciação” a partir da diversidade semiótica, possibilidade de interioriza- Mestranda em educação na Pontifícia
de definições e empregos desses termos ção, participação em todo ato conscien- Universidade Católica do Rio de Janeiro
até chegar ao pensamento de Bakhtin e te, neutralidade” (p. 179). E-mail: francis.mendes@hotmail.com

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