Leia o excerto da Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente, que se apresenta de seguida. Em caso de necessidade, consulte
as notas.
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Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Explique o motivo que traz Lianor Vaz até à casa de Inês Pereira e mostre qual é a função que aquela
personagem tem na farsa.
2. Descreva o modelo de marido ideal que Inês Pereira apresenta a Lianor Vaz. Justifique a sua resposta com três
citações do texto.
3. A carta de Pero Marques mostra bem o objetivo do pretendente. Explicite os elogios que são apresentados à
destinatária da missiva.
4. Inês não reage de forma positiva à carta que leu. Descubra as estratégias persuasivas que as falas de Lianor
Vaz apresentam e relacione-as com a intenção da personagem.
PARTE B
Leia o excerto da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, que se apresenta de seguida.
Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
2. Mostre que existe uma oposição entre o discurso da Mãe de Inês e dos judeus.
GRUPO II
As alcoviteiras vicentinas
Criticando lucidamente o mundo que o rodeou, não escapou Gil Vicente de retratar, em seus Autos e Farsas,
uma das figuras sociais mais atraentes e combatidas desde os mais remotos tempos: a Alcoviteira. [Afirmam-se],
assim, definitivamente, os contornos dessa singular personalidade que é a alcoviteira: mulher madura,
experimentada, dona de uma astuta sabedoria prática, conhecedora profunda de todos os desvãos das paixões
5 humanas e convicta de que, no fundo, são estas que regem a vida. Acreditamos que é a crença na legitimidade
dos fins a que se devota em seu ofício, a pedra básica da estrutura psicológica da alcoviteira; e dela decorre,
sem dúvida alguma, a falta de censura moral com que ela age, no encalço de seus objetivos: vencer a resistência
da mulher cobiçada para agradar ao homem apaixonado.
Vemo-la agir sempre tranquilamente, com a segurança moral que lhe deve vir dessa crença no valor positivo
10 e quase sagrado das paixões, cuja força (sabe-o ela bem) uma vez desencadeada nada consegue deter. Desse
conhecimento do coração humano lhe vêm, pois, as manhas e as artes que caracterizam o seu ofício. E daí…a
continuidade da função básica da alcoviteira: satisfazer as paixões ou caprichos amorosos dos homens que
solicitam seus serviços ou procurar enamorados para as mulheres que os desejam e não os podem encontrar
diretamente.
15 Ao tentarmos analisar-lhes a personagem (que, sem seus pontos básicos, se repete nas demais), verificamos
que a primeira linha a firmar seus contornos é a da procura de que a alcoviteira é objeto, por parte dos
enamorados. Não é ela que atrai as suas «vítimas», mas sim estas é que a solicitam ardorosamente.
Outra das características marcantes da alcoviteira é a sua sagacidade. Uma espécie de saber que
poderíamos chamar de sabedoria prática. Suas reflexões acerca dos homens, do amor, da justiça, etc., são tão
20 lúcidas e hábeis que, se às vezes são repelidas pela nossa moral, dificilmente a nossa lógica as rejeita.
Não é, contudo, por pura generosidade que assim agem as alcoviteiras. Cooperam para a felicidade de seus
clientes, mas cobram bem pelos seus serviços. Aliás, a ambição de ganho é dos defeitos de que mais são
acusadas pelos seus «beneficiados». É outra característica comum a todas elas, a cobrança de seus favores,
que, como são favores para alma, para o coração, não têm preço limitado.
25 O que se nos torna patente quando as analisamos por esse prisma é que elas agem como justos e honestos
negociantes, preparando habilmente o terreno para os negócios e só falando em preço no fim das conversações:
o que não deixa de ser um traço de elegância de atitude. As alcoviteiras vicentinas não demonstram em absoluto
a avidez pelo dinheiro como, por exemplo, o faz o judeu.
Qual teria sido a intenção de Gil Vicente ao introduzir em seu teatro a representação de tão desonrosa
30 atividade? A primeira ideia que nos ocorre é a da intenção moralizante, que parece ser a base de seu teatro. Isto
é, a intenção de mostrar o MAL, suas consequências, inconvenientes e castigos. E isso, de uma maneira geral,
realiza genialmente o Mestre da Balança; pois, com o «à vontade» com que vai jogando com as suas
personagens e pequeninas intrigas, nos dá ele uma esplêndida visão da sua época.
NELLY COELHO NOVAES, «As alcoviteiras vicentinas», Alfa — Revista de Linguística, v. 4,
35 São Paulo, FCLA — UNESP, 1963 (com adaptações).
1. Para responder a cada um dos itens, de 1.1 a 1.5, selecione a opção correta.
1.1 O excerto apresentado centra-se na noção de que
(A) a figura das alcoviteiras vicentinas é um dos alvos da crítica às mulheres.
(B) a figura das alcoviteiras vicentinas da Farsa de Inês Pereira não inclui os judeus.
(C) a figura das alcoviteiras vicentinas é um exemplo de crítica de carácter.
(D) a figura das alcoviteiras vicentinas é um dos alvos da crítica de costumes.
1.2 Na expressão «Criticando lucidamente o mundo que o rodeou» (linha 1) o advérbio destacado é sinónimo de
(A) rigorosamente.
(B) sagazmente.
(C) evidentemente.
(D) claramente.
1.3 Nos dois primeiros parágrafos do texto, a autora pretende
(A) demonstrar que a presença da alcoviteira nas peças de Gil Vicente tem uma intenção moralizante.
(B) apresentar os contornos do carácter desta personagem-tipo nas obras de Gil Vicente.
(C) mostrar que as alcoviteiras vicentinas regem a sua atuação por avareza e ambição.
(D) enumerar as características negativas da personalidade das alcoviteiras vicentinas.
1.4 De acordo com o texto, as principais características das alcoviteiras vicentinas consistem
(A) na atração dos clientes, na imoralidade que as guia e na orientação para o lucro.
(B) na intensa solicitação de que são alvo, na imoralidade que as orienta e no requinte com que exigem o
pagamento.
(C) na procura de que são alvo, na sabedoria que possuem e na sua orientação para o lucro, requerido apenas
quando cumprida a missão.
(D) na solicitação de que são alvo, na lucidez com que agem e na sua avidez pelo lucro.
1.5 A interrogação das linhas 32 e 33
(A) separa a análise do carácter das alcoviteiras vicentinas da apresentação da posição do dramaturgo face às
mesmas.
(B) introduz uma mudança radical no tratamento do tópico apresentado, mostrando que a interrogação é uma
estratégia discursiva.
(C) manifesta uma dúvida da autora em relação às personagens que Gil Vicente caracteriza.
(D) anuncia a continuação da análise ao carácter das alcoviteiras vicentinas que a autora desenvolve.
GRUPO I
PARTE A
1. Lianor Vaz vem até à casa de Inês Pereira pois quer propor à protagonista da peça um casamento.
O pretendente é Pero Marques, um jovem lavrador que escreveu uma carta de proposta a Inês.
A função de Lianor na farsa é, assim, de intermediária entre alguém que solicitou os seus serviços (Pero Marques) e o
alvo do seu afeto (Inês Pereira); é a alcoviteira que facilita os encontros e dá
a conhecer os sentimentos e as intenções dos apaixonados.
2. O modelo de marido ideal que Inês Pereira apresenta a Lianor Vaz corresponde às seguintes características: bom
senso, sensatez («homem avisado», v. 16) e inteligência e eloquência («seja discreto em falar», v. 18). Não é
necessário que possua riqueza, desde que seja sensato («inda que pobre e pelado», v. 17).
3. Na carta de Pero Marques, os elogios que são apresentados à destinatária da missiva são muito simples: Pero
Marques afirma que a viu numa festa e salienta a sua beleza. De facto, associa a beleza de Inês a uma bênção de
Deus e à possibilidade de a sua mãe se sentir honrada e feliz por ter uma filha assim.
4. A intenção de Lianor Vaz é levar Inês a casar com o pretendente que lhe apresentou. Uma vez que Inês rejeita a
proposta de Pero Marques, por o considerar idiota, rude e simples (além de achar que ele teria mentido ao afirmar que
a tinha visto numa festa), Lianor é obrigada a reforçar uma visão positiva do apaixonado. Começa por afirmar que Inês
não se deveria achar superior a Pero («tam senhora») apenas por este ser «vilão» (não era nobre), chama Inês de
«filha» (reforçando a ternura que sente por ela) e aconselha-a a não perder a oportunidade de casar naquele momento,
uma vez que seria difícil escolher um melhor pretendente na altura. Note-se a repetição da forma verbal no modo
imperativo «Casa» (vv. 69 e 74). Para concluir o seu discurso de forma convincente, Lianor relembra um provérbio
popular que indica que o essencial é que o marido tenha «o que houver mister» (v. 83), isto é, tenha o que é necessário
manter uma casa — dinheiro. E remata com uma afirmação assertiva (forma verbal «é» e adjetivo «certo» como
sinónimo de «correto») que pretende convencer Inês do valor de verdade da declaração.
PARTE B
1. 1.1 Os judeus Vidal e Latão surgem na peça após o encontro de Inês e Pero Marques, encontro que confirmou a
opinião de Inês em relação a este pretendente. Uma vez que este não seria o marido ideal e Inês pretende casar
rapidamente com um marido que corresponda às suas expectativas, os judeus tinham sido contactados para
descobrirem um pretendente adequado. São personagens uma função semelhante à de Lianor Vaz, dois alcoviteiros
cuja missão é procurar o par acertado para Inês. Apresentam, então, um Escudeiro da corte que é eloquente, canta e
toca viola, convencendo Inês
a tomá-lo por marido.
Tal como Lianor Vaz, também os judeus utilizam linguagem persuasiva: Vidal chama Inês de «filha Inês» e pede-lhe
que aceite o escudeiro «por meu amor» (reforçando a ternura que sente por ela), além de listar as qualidades do
Escudeiro através de uma enumeração de adjetivos (vv. 18-21) que contrasta com a enumeração de adjetivos
depreciativos que logo se seguem, mostrando os perigos
de aceitar outro pretendente menos digno. Latão, para terminar o seu discurso de forma convincente, relembra a
fórmula utiliza pelo rabi Zarão (vv. 44-46 — um argumento de autoridade que pretende convencer Inês da verdade da
afirmação), mostrando que, fatalmente e por destino, já não poderá haver outra decisão senão o casamento com o
Escudeiro.
2. Nota-se uma oposição entre o discurso sensato da Mãe de Inês e a persuasão dos judeus, pois aquela personagem
tenta alertar Inês para os perigos de um casamento desigual. A mãe de Inês tem uma perspetiva pragmática da vida.
Em vez de utilizar linguagem retórica, utiliza o seguinte raciocínio:
a atuação diligente dos judeus deve-se à recompensa financeira que receberão se cumprirem o seu objetivo, logo, o
seu discurso não tem uma base honesta; Inês deverá interrogar-se acerca da possibilidade de casar com alguém que
trabalhe para sobreviver. A mãe tenta que seja a filha a refletir racionalmente na situação que se apresenta. Os judeus,
no entanto, não aconselham a prudência porque apenas se orientam para o lucro.
GRUPO II
1. 1.1 (D); 1.2 (B); 1.3 (B); 1.4 (C); 1.5 (A).
2. 2.1 a) Prótese.
b) Apócope.
2.2 Outra das características marcantes da alcoviteira: sujeito; marcantes: modificador restritivo do nome; da
alcoviteira: complemento do nome (dependente de «características»); é a sua sagacidade: predicado nominal; a
sua sagacidade: predicativo do sujeito.
2.3 que a primeira linha a firmar os seus contornos é a da procura de que a alcoviteira é objeto: oração
subordinada substantiva completiva dependente da forma verbal «verificamos»; de que a alcoviteira é objeto:
oração subordinada substantiva completiva dependente do nome «procura» com a função de complemento do
nome.
GRUPO I
PARTE A
1. 1.ª sequência — Diálogo entre Inês e o Escudeiro acerca do comportamento e da condição de Inês enquanto mulher
casada (vv. 1-48);
2.ª sequência — Diálogo entre o Escudeiro e o Moço, em que aquele lhe comunica a partida para
a guerra para se tornar cavaleiro e o criado o confronta com as dificuldades com que se vai deparar (vv. 49-76);
3.ª sequência — Curto diálogo entre Inês e o Moço (vv. 77-80).
2. Escudeiro: opressor — «Vós não haveis de falar / com homem nem molher que seja / nem somente
ir à igreja / nam vos quero eu leixar» (vv. 22-25) ou outro exemplo semelhante; violento — «quando eu vier / de fora
haveis de tremer» (vv. 44-45)
Inês: obediente — «se vós disso sois servido / bem o posso eu escusar» (vv. 11-12); espantada/intimidada — «Que
pecado foi o meu? / Por que me dais tal prisão?» (vv. 31-32);
Moço: crítico em relação ao desejo do Escudeiro partir para a guerra e em relação à sua avareza — «Se vós tivésseis
dinheiro / nam seria senam bem» (vv. 51-52) ; irónico — «eu vos guardarei oitavas» (v. 76).
3. Nos versos 77-80 encontramos ironia, que realça bem a crítica que Inês faz ao seu esposo, denunciando a sua
pobreza disfarçada, a vida de aparência que levava (não tinha dinheiro mas conservava um criado). Claramente, o
Moço sabe que o Escudeiro não zela pela sobrevivência nem
do criado, nem da esposa, logo, a sua obediência nunca poderia ter por base essa relação de causa-consequência.
GRUPO II
1. 1.1 (B); 1.2 (C); 1.3 (D); 1.4 (A); 1.5 (C).