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PARNAÍBA – PI
2019
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PARNAÍBA –PI
2019
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Aprovada em 12/04/2019
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Queria agradecer a todos que de alguma forma colaboraram para a realização dessa
pesquisa, em especial aos meus estimados pais, Raimunda Elídia e Franklin Véras,
que torceram e me incentivaram durante toda essa caminhada, sem a educação,
ajuda e apoio deles provavelmente eu não chegaria até aqui. Ao meu esposo Vinicius
Marques e ao meu Filho Davi Vinícius, por todo amor, paciência, carinho e
principalmente pela compreensão diária, porque do contrário essa graduação também
não seria possível. A minha grande amiga Débora Andrade, pelo ombro que sempre
esteve disponível nos momentos de angústias, assim como também o seu abraço
acolhedor nos momentos de serenidade. Agradeço a minha orientadora Roberta Liana
Damasceno, pois sem a atenção, disponibilidade e esforço da mesma, esse trabalho
não se converteria em algo concreto.
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RESUMO
Este trabalho tem o intuito de apresentar uma análise reflexiva e investigativa sobre a
constituição da sociedade e do indivíduo através dos estudos empreendidos pelos
filósofos contemporâneos Michel Foucault e Gilles Deleuze. O texto a seguir, portanto,
sem nenhum tipo de pretensão, por tratar-se de uma exposição conceitual, tentará
demonstrar como a constituição das sociedades disciplinares e de controle através
dos seus mecanismos de vigilância produzem estratégias de dominação e saberes
que apontam na constituição de novas subjetividades. Para tratar dessa temática o
trabalho se subdivide da seguinte forma: a princípio fazemos um exame sobre o
método de análises sobre a compreensão do poder em Foucault e Deleuze a fim de
apresentar como foi possível diante de tais análises formular novas leituras sobre o
poder e sobre o sujeito. Após a apresentação das concepções de sociedade
disciplinar em Foucault, especificamente na obra Vigiar e Punir, e sociedade de
controle em Deleuze, no escrito Post-scriptum, sobre as sociedades de controle,
apreendemos suas características, delimitações e aproximações de ambas
concepções de sociedade no processo de constituição de subjetividades. Por fim, a
reflexão que se persiste em retomar em nossos estudos consistiu na percepção que
os conceitos elaborados por nossos filósofos são de maior relevância para os saberes
das mais diversas áreas do conhecimento dispostos a compreender os movimentos
de mudança e/ou permanência na história humana, e também como estes conceitos
nos apontam o olhar para uma nova constituição de sociedade e de seus novos
mecanismos de vigilância e de controle, que interferem diretamente na constituição e
na produção de novas formas de subjetividades e nas novas formas de governo de
vida do indivíduo contemporâneo.
ABSTRACT
This paper has as its main intent to present a reflexive and investigative analysis about
the constitution of society and the individual through the studies undertaken by the
contemporary philosophers Michel Foucault and Gilles Deleuze. The following text will
thus attempt to demonstrate how the constitution of the disciplinary society (Foucault)
and the society of control (Deleuze), through their surveillance devices, produce ruling
strategies and knowledges which point to the constitution of new subjectivities. In order
to address such topic, this text is divided as follows: Firstly, we examined the
methodology of the analyses about the comprehension of power according to Foucault
and Deleuze to present how it was possible to elaborate new interpretations of power
and of subjectivity. After the introduction of the concepts of disciplinary society,
especially in Foucault’s Discipline and Punish, and that of society of control from
Deleuze’s Post-script on the Societies of Control, we intend to apprehend their
characteristics, delineations and the approximations of both to the processes of
constitution of subjectivity. In the end, a recurring thought throughout our research
consisted in the perception that the concepts elaborated by our philosophers are of the
upmost relevance to different sciences from varied areas which are willing to
understand the movements of displacement and/or permanence in Human History as
well as how these concepts guide our sight to a new constitution of society and its
surveillance and control devices, which interfere directly in the processes of production
of subjectivity and in the new fashions of government of the life of contemporary
individuals.
Key words: Discipline. Power. Surveillance. Control. Subjectivity
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................... 9
REFERÊNCIAS.................................................................................. 61
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INTRODUÇÃO
sua analítica e suas formulações de biopoder e poder disciplinar que emerge com a
sociedade disciplinar. Ainda no nosso primeiro capítulo, exploramos os conceitos
centrais como método de análise, apresentamos uma análise de poder como potência
em Deleuze. Justificamos a necessidade da exposição tanto em Foucault como em
Deleuze de suas perspectivas de análise sobre o poder para que possamos
compreender o efeito produtivo e modificador do poder através desses filósofos em
contrapartida as hegemônicas teorias do poder.
No segundo momento, após termos mergulhado de maneira mais profunda sob
uma compreensão de poder entrelaçado com o surgimento da sociedade disciplinar
compreendemos que Foucault concentrou-se principalmente na imanência das ações
e das práticas cotidianas nas quais o poder, saber e corpo se cruzam para produzir
os sujeitos que somos e as instituições e redes sociais que nos envolvem. Analisando,
portanto, estas práticas e técnicas de adestramento assim como também a
regulamentação das ações do corpo, identificamos dispositivos de biopoder, cuja
finalidade parece ser justamente a obtenção desta produtividade mediante a
maximização simultânea de sua eficácia e utilidade, pois o corpo só se transforma em
força útil se for, ao mesmo tempo, corpo produtivo e corpo submisso a esta forma de
exercício de poder capaz de operar na docilização dos corpos, forjando o sujeito
próprio à modernidade. Assim Foucault chamará de disciplina a arte do detalhe que
articulou uma política de coerções com base no fechamento e ordenação dos espaços
e, sobretudo, na vigilância.
Partindo disso tratamos de analisar os principais pontos destes dois tipos de
sociedades (disciplinar e controle) para entendermos de forma mais precisa em que
momento se deu a necessidade de uma transição da sociedade disciplinar para uma
de controle. Além de compreendermos como se constitui essa nova configuração de
sociedade contemporânea e como se dá essa noção de dispositivos de vigilância e
de controle na atualidade, interferindo diretamente na vida do indivíduo. Procuramos
demostrar além da emergência da sociedade e de seus indivíduos disciplinados,
compreender na esteira das análises do Foucault como Deleuze corroborou com suas
análises para diagnosticar a transformação da sociedade disciplinar para uma nova
sociedade de controle até a atualidade.
Nosso terceiro momento, partimos do pressuposto de que as relações de poder
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Podemos dizer que se entendermos “método” como sendo uma ordem que se
segue a uma procura absoluta da verdade ou até mesmo para procura de um
determinado fim através de instrumentos operados mediante uma sequência de
procedimentos executados numa pesquisa, fica nítido que para Foucault não existe
um método (único). O autor vai considerar método aquilo que deve ser analisado caso
a caso, a partir de uma construção do problema ou objeto a ser pesquisado. Esse
deve direcionar o pesquisador na escolha das estratégias, instrumentos e arranjos.
Em decorrência disso, o método entendido como caminho para se chegar a um
resultado não é um a priori da pesquisa, pelo contrário é algo que pode ser revisto,
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Segundo DIAZ (2012, p.6) para Foucault a Arqueologia trata-se de elaborar uma história dos a priori
que são estabelecidos em uma época determinada. Para realizar essa história, Foucault parte da noção
de “problematização”. Isto é, a partir do objeto de estudo escolhido, pergunta-se como e porque, em
um momento dado esses objetos têm sido problematizados através de determinada prática institucional
e mediante quais aparelhos conceituais. (DÍAZ, 2012, p.6)
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A genealogia é centrada sobre questões relativas aos mecanismos do poder. Segundo afirma Roberto
Machado: “o que faz a genealogia é considerar o saber -compreendido como materialidade, como
prática, como acontecimento - como peça de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, se
articula com a estrutura econômica. Ou, mais especificamente, a questão tem sido a de como se
formaram domínios de saber - que foram chamados de ciências humanas - a partir de práticas políticas
disciplinares.” (Machado, 1979, p. XXI).
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Foucault buscou compreender de que forma se dá a sujeição, o processo de tornar-se sujeito, tornar-
se indivíduo, na Idade Moderna. Para ele, as instituições nos controlam segundo os critérios de
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primeira ele faz essa ontologia do ente em relação a verdade mediante a qual nos
constituímos em sujeitos de conhecimento. Enquanto na genealogia tenta produzir
essa ontologia histórica a partir dos nossos modos de sujeição em relação ao campo
do poder por meio do qual nos constituímos em sujeitos que agem sobre os demais.
Sabendo disso, Foucault, em outro momento, dentro do campo da Ética, elabora uma
ontologia histórica de nossas subjetividades em relação com os questionamentos
pelos quais nos convertemos como agentes morais.
Diante disso, entendemos que Foucault se ocupa nesses três momentos das
formas de subjetivação como produções históricas com influência direta de suas
pesquisas no que se diz respeito a loucura, a doença, a vida, o trabalho e a linguagem,
assim como também não podemos nos esquecer de seus estudos sobre o
aprisionamento, a anormalidade, a sexualidade e as técnicas de si.
A especificidade da filosofia de Foucault não se define pela investigação de
novos territórios, mas pela maneira como ele os percorre e os torna problemáticos e,
portanto, objetos para o pensamento. A preocupação de Foucault em seus livros
jamais foi a de um historiador, pois sua participação a partir de exercícios filosóficos
foi a de refletir em que medida o trabalho de pensar sua própria história poderia liberar
o pensamento daquilo que ele pensa silenciosamente, permitindo-lhe pensar
diferente. Existem diferentes maneiras de resistir, dessa forma Foucault resistiu
pensando e a partir de uma educação rica, coercitiva e conflitiva pensou o saber. A
começar por uma sociedade atormentada por reações contraditórias, pensou o poder.
Finalmente, a partir de sua própria problemática sexual pensou o desejo. E por último,
ao enfrentar a iminência da morte, pensou a Ética.
distribuição, controle de tempo e controle das gêneses. O objetivo destas intervenções das instituições
sociais (religiosas, esportivas, escolares, militares e familiares) é nos constituir como sujeitos da
maneira com o as instituições querem. Para Foucault, não somos frutos de teorias, mas de práticas
(mesmo que influenciados por algumas teorias). VIGIAR e PUNIR são ações que favorecem o controle
dos corpos, e para o efetivo adestramento dos corpos, são utilizados como recursos a sansão, a
vigilância e o exame. (Foucault,1987, pag.164)
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4 O Filósofo francês faz oposição aos teóricos contratualistas. “Se o poder fosse somente repressivo,
se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz o poder
se manter, que seja aceito, é simplesmente que não pesa somente como uma força que diz não, mas
que, de fato, circula, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso; é preciso considera-
lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância
negativa que tem como função reprimir”. (FOUCAULT, APUD MACHADO, 1979, p.8)
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Portanto, Foucault vai trabalhar essas duas fases da sua teorização acerca de
certas perplexidades sociais. Dos escritos que compõe a Microfísica do poder,
identificaremos uma evolução e compreensão da arqueologia do saber que se dá por
uma tentativa de entender como os saberes surgiram historicamente e como ocorreu
as suas transformações e modificações, inclusive os próprios saberes em si mesmos
dentro do contexto histórico em que eles se encontram.
A arqueologia do saber é uma tentativa mais descritiva de como surgiram os
saberes, fazendo um retrato histórico da origem do desenvolvimento desses saberes.
Enquanto a genealogia do poder é vista com um olhar mais amplo, pois além de tentar
entender como os saberes surgiram, a genealogia vai querer entender também o
porquê o saber surgiu e porquê exatamente esse saber específico pode ser visto como
algo legítimo e um outro pode ser deslegitimado.
A fase da genealogia do poder na verdade é uma relação entre o próprio saber
e poder, entendendo qual relação existe entre saber e poder que inclusive está em
selecionar esses saberes justificando o porquê desses saberes surgiram em
detrimento de outros. Dessa maneira, desde o poder considerado soberano
existentes nas monarquias e no sistema feudal até o poder chamado disciplinar que
vai se instaurar dentro das prisões assim como pelo panóptico existente na sociedade.
Neste momento, nos dedicaremos a explicitar de forma mais precisa o que seja
a microfísica do poder em Foucault. Percebemos então que o poder abordado por
Foucault e apresentado em momentos do texto na Microfísica do Poder em primeiro
momento não é mais visto como aquela ideia clássica de poder em que ele está
centralizado especificamente ao estado ou o poder é algo que somente alguns
privilegiados possam ter e outros não. Foucault entende o poder como algo que pode
ser exercido como existência da ação e não o poder como algo que apenas pode ser
objetivado ou naturalizado, algo da natureza do poder.
Pelo contrário, o poder para Foucault é algo que se dá dentro da ação humana,
é algo exercido como se fosse uma rede com vários pontos de fontes de interligação
que vai se modificando e se desviando, ou seja, algo que possui um certo fluxo. A
ideia neste primeiro momento não é entender o poder como uma rede que esteja
direcionada ou localizada especificamente a um estado, porém é valido ressaltar que
em nenhum momento Foucault afirma que o poder não possui nenhuma relação com
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periferia.
O interessante da análise é justamente os poderes não estarem localizados em
nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam como uma rede de
dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, não existindo exterior
possível, limites ou fronteiras. Rigorosamente falando o poder não existe, existem
práticas ou relações de poder. Isso significa dizer que o poder é algo que se exerce,
que se efetua, que funciona. E funciona como uma maquinaria, como uma máquina
social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina
por toda estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação.
O poder opera de modo difuso, capilar, espalhando-se por uma rede social que
inclui instituições diversas como a família, a escola, o hospital, a clínica. Ele é, por
assim dizer, um conjunto de relações de força multilaterais. Agora apresentaremos de
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Em “Vigiar e Punir” Michel Foucault aborda a temática das relações do poder disciplinar, que
expressam a forma como o poder era exercido na sociedade Moderna (século XVI e XVII). Foucault
analisa em que medida o exercício do poder é visto como uma microfísica, cujas relações funcionam
como exercício de poder e produção de saber.
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princípio geral de uma nova “anatomia política” cujo objeto e fim não são a relação de
soberania, mas as relações de disciplina. Desta forma, o referido autor observa a
formação de uma sociedade disciplinar, nos séculos XVIII e XIX, a qual se expandiu
até o início do século XX.
Na sociedade disciplinar os indivíduos sentem-se controlados pela força do
olhar, uma vez que no poder panóptico o observador está permanentemente presente
a observar e a vigiar os indivíduos. Sendo assim, o filósofo considera que: “O
panóptico é uma máquina de dissociar o para ver - ser visto” (Foucault, 1987, p. 225).
A efetividade desse dispositivo ocorre graças aos seus mecanismos de observação,
ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens.
Um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo
objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça.
O panóptico permitiu aperfeiçoar o exercício do poder no final do séc. XVIII. O
poder disciplinar panóptico, por meio da visibilidade, da regulamentação minuciosa do
tempo e na localização dos corpos no espaço, possibilitou o controle sobre os
indivíduos vigiados, de forma a torná-los dóceis e úteis à sociedade, instaurando,
dessa forma, uma nova tecnologia do poder.
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As disciplinas fazem nascer a “anatomia-política” do corpo humano que é, ao mesmo tempo, uma
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“mecânica do poder” que permite perceber como se pode obter o controle dos corpos não para que
façam o que se quer, mas para que operem como se quer, segundo a rapidez e a eficácia exigida.
Pode-se dizer “[...] que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão
aumentada e uma dominação acentuada” (FOUCAULT, 1987, p. 119)
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DELEUZE, Gilles. Nasceu em Paris e ali passou a maior parte de sua vida. Reputado como um dos
Filósofos mais importantes da Contemporaneidade dedicou seus esforços para esclarecer as noções
superiores da Filosofia, que é, segundo ele, um Processo contínuo de “Criação de Conceitos (e, do
significado de uma palavra, de uma frase.)” e não só uma tentativa de descobrir e de refletir a “Verdade
do Mundo e da Vida”. A maioria de sua obra enfocou a “História do Pensamento Filosófico”, mas ao
contrário de outros eruditos, ele não se propôs a desvendar “a verdade” de cada um dos Filósofos que
estudou. Não se deteve na tentativa de revelar, por exemplo, o “verdadeiro Nietzsche”. Em vez disso,
seus estudos buscaram ofertar uma nova forma de se analisar os Conceitos que o filosofo estudado
dera a determinado tema. Quiseram oferecer uma nova visão sobre como foi o processo de produção
das Ideias do Pensador analisado, abrindo, desse modo, novas rotas para o Pensamento.
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dessa troca de forças, independente da classe que esses corpos estejam inseridos.
“O poder investe (os dominados), passa por eles e através deles, apoia-se
neles, do mesmo modo que eles em sua luta contra esse poder, apoiam-se por sua
vez nos pontos em ele os afeta” (DELEUZE, 2005, p.37). Podemos entender esse
pensamento foucaultiano a partir dos escritos de Deleuze em sua obra sobre Foucault
(2005), Deleuze trata aqui o exercício do poder como uma espécie de afeto, já que ele
entende que a própria força se define pelo poder de afetar outras forças incitando,
suscitando e produzindo, além de constituir afetos ativos no intuito de um efeito útil,
afetos reativos.
(...) sobretudo se considerarmos que a força afetada não deixa de ter uma
capacidade de resistência. Ao mesmo tempo, é cada força que tem o poder
de afetar (outras) e de ser afetada (por outras, novamente), de tala forma que
cada força implica relações de poder; e todo campo de forças reparte as
forças em função dessas relações e de suas variações. Espontaneidade e
receptividade adquirem agora um novo sentido- afetar, ser afetado.
(DELEUZE, 2005, p. 79)
O poder não tem uma essência definida, ele acontece a partir de minuciosas
singularidades. Cada relação de poder, por menor que seja, implica na relação com o
outro, e esse conjunto de relações de força afeta diretamente as grandes instituições
sócias que nos norteiam. Sendo assim, Deleuze constata que o poder não é uma
forma fixa, mas sim uma função não-formalizada, é uma física da ação abstrata, as
categorias do poder são então as determinações, características de ações
consideradas como “quais quer” que surgem a partir de singularidades diversas e
microfísicas.
Entre o poder e o saber existe uma heterogeneidade, já que o poder não passa
por formas, mas o saber diz respeito a matérias formadas (substâncias). Diante dessa
afirmação o panóptico traduz esse exemplo, pois o mesmo atravessa todas as formas
de educar, punir ou fazer produzir, ele aplica-se a todas estas substâncias o que o
torna uma pura função disciplinar, uma espécie de diagrama de relação de forças que
caracterizam uma formação, é a repartição dos poderes de afetar e dos poderes de
ser afetado. “O poder ele é diagramático: mobiliza matérias e funções não
estratificadas, e procede através de uma segmentaridade bastante flexível. Com
efeito, ele não passa por formas, mas por pontos, pontos singulares que marcam,
cada vez, a aplicação de uma força, a ação ou reação de uma força em relação as
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outras, isto é, um afeto como um estado de poder sempre instável.” (DELEUZE, 2005,
p.81)
Deleuze, portanto, nos oferece um ponto de vista ampliado sobre sua
concepção de poder, descartando uma possível hierarquia dominante e absoluta que
governe apenas sob um único modelo de poder, ele estabelece uma visão ampla e
microfísica a partir de suas leituras sobre o pensamento de Foucault, entendendo que
“ os centros de poder e as técnicas disciplinares formam outros tantos segmentos que
articulam uns nos outros, e pelo quais os indivíduos de uma massa passam ou
permanecem, de corpo e alma (família, escola, caserna, fabrica ou prisão)”.
(DELEUZE, 2005, p.37)
Em sua obra Vigiar e punir, Foucault reinscreve sua concepção daquilo o que
seria a prisão como instituição normalizadora e de que modo ela implicaria nos
panoptismos sociais a partir de seus próprios aspectos disciplinares, descrevendo-a
como um dos efeitos mais duradouros de uma sociedade disciplinar girando em torno
do panóptico através de poderes e saberes emergentes nas sociedades modernas,
culminando no processo de desenvolvimento das ciências humanas.
Por outro lado, o panóptico utiliza-se de uma série de recursos para o bom
adestramento disciplinar. “Ele pode ser utilizado como máquina de fazer experiências,
modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos. Experimentar remédios
e verificar seus efeitos. O panóptico é uma máquina de dissociar o para ver - ser visto.”
(Foucault, 1987, p.225) Tenta diversas punições sobre os prisioneiros, segundo seus
crimes e temperamento e procurar as mais eficazes.
Além disso, “ensinar simultaneamente diversas técnicas aos operários,
estabelecer qual é a melhor”. (Foucault, 1987, p.227) O que nossa sociedade produz
de melhor? Indivíduos produtivos, claro. Dispusemos nossas instituições para a
formação de uma fábrica de subjetividades obedientes. A disciplina não quer, jamais,
reduzir as forças, ela quer selecioná-las, torná-las mais efetivas. Adestrar é dispor as
forças de um corpo para um determinado destino, fazê-lo responder à vigilância, à
punição e ao exame.
A questão é que a disciplina tem seus pontos-cegos. Ela confina forças, mas
não fluxos. Encarcera corpos, mas não ideias. Assim, a sociedade disciplinar entra
em crise porque é impossível conter a multiplicidade, o melhor jeito de escapar do
monstro enquanto modalidade de subjetivação é pela afirmação.
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9 HARDT, M. A sociedade mundial de controle. In:ALLIES, Éric (org.). (2000), Gilles Deleuze: uma vida
filosófica. Rio de Janeiro, Editora 34, p. 361. Segundo a ótica apresentada por Deleuze e Guattari, o
capitalismo contemporâneo vive em um processo intenso de desterritorialização. O ter-ritório, a partir
desse contexto, não deve ser confundido com um mero espaço geográfico. Ele pode ser compreendido
por uma etnia, uma identidade ou mesmo um simples modo de conceber a vida, apropriado
existencialmente por um sujeito ou grupo. Significa dizer que o sistema capitalista é capaz como
ninguém de liberar desejos e ações para, em seguida, controlá-los (descodificação e
desterritorialização de um lado e sobrecodificação reterritorializante de outro).
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formação social, a relação entre fenômeno social e o sujeito e a relação entre discurso
e a prática, as ideias e as ações, atitudes e comportamentos. Para o filósofo francês,
o dispositivo é um mecanismo de poder com múltiplas dimensões em jogo e que
podiam ser percebidas no panóptico. Deleuze diz que um princípio geral de Foucault
é: “toda a forma é um composto de relacionamentos de forças”. (Foucault, 1987, p.
167) Assim os dispositivos sociais se multiplicam em nosso meio. Para Foucault, os
dispositivos são máquinas abstratas10 que com as relações que estabelecem se
misturam, geram sentidos na sociedade.
Em relação aos discursos na sociedade, Michel Foucault afirma que existem
procedimentos de exclusão e de controle (FOUCAULT, 1997) fazendo com que os
eles só possam ser compreendidos em relação ao meio em que se encontram. Para
além disso, existem também os procedimentos internos de seleção e controle, que
deixam as suas marcas. Nesse sentido, um determinado discurso para ser
compreendido necessita que seja explicitado o dispositivo, envolvendo os seus
contextos e seus códigos de linguagem. Para Foucault o mais importante nos
discursos é o fato de constituírem os seus objetos.
Eles são práticas que sistematicamente dão forma aos objetos sobre os quais
falam. Em relação ao panóptico, uma norma é imposta sem ser resultado da imposição
da vontade de ninguém. No dispositivo, entendido por Foucault, não contam as ações
individualizadas dos sujeitos envolvidos, mas sim as ações relacionadas e os
resultados do conjunto. Assim, as ações sociais não podem ser compreendidas como
dos indivíduos, como também dos dispositivos, em que cada um opera uma parte do
conjunto de ações que o constituem.
Na sociedade de controle os dispositivos funcionam na fluidez. A sua vigilância
acontece fora dos muros, ela atua de maneira livre em todas as esferas sociais. O
controle se mantém disciplinador, porém é contínuo e nômade, a vigilância da
atualidade se concretiza através da propagação de dispositivos tecnológicos
presentes em todos os lugares, através de câmeras ou redes de informação. O
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Máquinas abstratas são os diagramas. Trata-se do mapa de relacionamentos de forças, mapa da
densidade, da intensidade, que procede por ligações primárias não localizáveis e que passa a cada
instante por todo e qualquer ponto, ou antes por toda e qualquer relação entre um ponto e outro
(Foucault, 1987, p. 61).
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panóptipo contemporâneo permite uma vigilância mútua em que todos podem vigiar e
serem vigiados.
Nesse momento, a disciplina encontra-se incorporada no próprio indivíduo e
não mais punindo-o através de adestramento de corpos como acontecia na sociedade
disciplinar. Os novos dispositivos surtem efeitos espontâneos e a necessidade de
repressão ou autoritarismo impostos por um poder único já não existem mais. Na
atualidade o poder se revela a partir das relações diárias, assim como também nos
modos de sujeição de um indivíduo com o outro.
espécie de tecnologia do poder que incidi sobre o corpo humano controlando seus
movimentos, suas atividades, seus aprendizados interferindo diretamente na vida
cotidiana de cada indivíduo vigiado e punido por tal mecanismo de controle. Diante
disso, partindo de um ponto de vista contemporâneo, percebemos que Foucault no
percurso de seus estudos sobre Vigiar e punir faz uma espécie de quase previsão
contemporânea dos dias atuais, identificando em sua sociedade moderna uma
problemática bastante semelhante e ao mesmo tempo distinta do que vivenciamos
hoje. O controle através de seus mecanismos de vigilância continua fazendo parte de
nosso cotidiano de maneira muito mais tecnológica e sofisticada, o que demonstra
uma evolução e o surgimento de novos dispositivos de controle na
contemporaneidade.
Foucault faz uma analogia a partir de um sistema de vigilância denominado
Panóptico. O mesmo sistema no qual Deleuze vai definir em seu livro sobre Foucault
como um regime de luz antes de ser uma figura de pedra, isto é, um agenciamento
visual e um meio luminoso do qual o vigia pode ver sem ser visto, no qual os detidos
podem ser vistos a cada instante sem verem a si próprios, uma espécie de torre central
e células periféricas. (Deleuze, 2005, pag.42). Esse tipo de mecanismo de poder ainda
que nos dias atuais esteja longe de ser apenas uma arquitetura de enclausuramento
fechado e disciplinador do século XVIII, permaneceu como uma extensão evoluída de
vigilância sob a configuração de diversos dispositivos espalhados onde quer que vá.
Das sociedades disciplinares que Foucault se debruçou é evidente que
sobraram resquícios de política de coerções com base em fechamentos e ordenação
dos espaços e sobretudo na vigilância.
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No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava coisa do rei, sobre a qual o soberano imprimia
sua marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem social, punitivo, porém
disciplinador objeto de uma apropriação coletiva e útil. Que os condenados a alguma pena abaixo da
morte sejam condenados às obras públicas do país, por um tempo proporcional a seu crime. No suplício
corporal, o terror era o suporte do exemplo: medo físico, pavor coletivo, imagens que devem ser
gravadas na memória dos espectadores, como a marca na face ou no ombro do condenado. O suporte
do exemplo, agora, é a lição, o discurso, o sinal decifrável, a encenação e a exposição da moralidade
pública. Não é mais a restauração aterrorizante da soberania que vai sustentar a cerimônia do castigo,
é a reativação do Código, o reforço coletivo da ligação entre a ideia do crime e a ideia da pena.
(FOUCAULT, Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 129-130)
12 Poder soberano é um ritual público de dominação pelo terror: o objeto da pena criminal é o corpo do
condenado, mas o objetivo da pena criminal é a massa do povo, convocado para testemunhar a vitória
do soberano sobre o criminoso, o rebelde que ousou desafiar o poder. O processo medieval é
inquisitorial e secreto: uma sucessão de interrogatórios dirigidos para a confissão, sob juramento ou
sob tortura, em completa ignorância da acusação e das provas; mas a execução penal é pública, porque
o sofrimento do condenado, mensurado para reproduzir a atrocidade do crime, é um ritual político de
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controle social pelo medo. (FOUCAULT, Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 33-61)
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Big Brother literalmente quer dizer Irmão Grande ou, segundo a tradução do nome na obra de George
Orwell, que citaremos a seguir, o Grande Irmão. Em inglês, o termo é uma referência ao irmão mais
velho e sugere, ao mesmo tempo, que este seja superior aos demais para proteger os ‘irmãozinhos’
menores. Há uma imagem do Grande Irmão, descrita no início de 1984, como o “rosto de um homem
de, aproximadamente, 45 anos, com espesso bigode preto e traços rústicos, mas atraentes”. Mais
adiante, a descrição é complementada: “um rosto pesado, calmo, protetor, com um sorriso escondido
por trás dos bigodes”. Essa imagem está em todos os cantos da sociedade na qual vive o herói Winston,
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por meio de câmeras de segurança, nos bancos, hospitais, lojas, até mesmo no
tráfego de trânsito por dispositivos de monitoramento espalhados em toda cidade.
Esta nova tecnologia de poder, que é a vigilância da atualidade, obteve uma
evolução incomparável ao que estudamos até aqui sobre as sociedades disciplinares
e de controle, permitindo-nos entender que a disciplina repressiva sob o indivíduo
sofreu modificações bruscas, permanecendo eficaz através da coerção
institucionalizada dos olhares tecnológicos vigilantes, fazendo-se imprescindíveis nos
dias atuais principalmente no que se refere a produção de subjetividades
contemporâneas em que o indivíduo se deixa adestrar sem perceber os meios que o
controlam, de modo que o olhar do vigia, que via sem ser visto (Panóptico), permanece
vigilante, agora de maneira sutil e quase imperceptível.
publicada em cartazes imensos (espécies de outdoors), com olhos que, por todos os cantos,
perseguem aquele que o olha. ( CARLA MILANI DAMIÃO, Quem é o Grande Irmão?)
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Um elemento relevante a ser mencionado se refere à ocorrência de comorbidades nos usuários
patológicos de jogos eletrônicos e internet. Há um número crescente de pacientes dependentes
associados a depressão, suicídio, transtorno de ansiedade social, transtorno de ansiedade
generalizada40, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH). Os pesquisadores acreditam na possibilidade de que os usuários dependentes e com
depressão utilizem a tecnologia para aliviar os sintomas depressivos, tendo, por isso, maior chance de
serem acometidos por uma dependência tecnológica do que pessoas que não apresentem depressão.
Usuários com a autoestima comprometida também podem estar com maior risco de desenvolver tais
dependências. Isso pode ser devido ao fato de a internet (e jogos on-line com possibilidade de
conversação) possibilitar oportunidades de comunicação com menor risco de rejeição comparado aos
encontros face a face, implicando um possível efeito potencializador no desenvolvimento e manutenção
da psicopatologia. Vale salientar que o tempo gasto na internet para aqueles que apresentam
dependência normalmente é utilizado para sites de relacionamentos ou programas de bate-papo,
contudo não é incomum que eles também utilizem a internet para os jogos eletrônicos em rede. ( IGOR
LINS LEMOS, SUELY DE MELO SANTANA, Dependência de jogos eletrônicos: a possibilidade de um
novo diagnóstico psiquiátrico. 2011)
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Portanto, o que nos move diante dessa problemática é refletir de que maneira estamos
sendo dominados e sujeitados por esses mecanismos de vigilância na
contemporaneidade. Deleuze (1925), em sua obra denominada Foucault, descreve
brilhantemente como se dá esse processo de subjetividade no que se refere as
relações formadas a partir dos estratos do saber, poder e pensamento, nesse
movimento intrínseco com o lado de fora, em uma relação absoluta que é também
não-relação. Quer dizer que não há um lado de dentro?
(...) Foucault não deixa de submeter a interioridade a uma crítica radical. Mas
um lado de dentro que seria mais profundo que todo mundo interior, assim
como o lado de fora é mais longínquo que todo mundo exterior? O lado de
fora não é um limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de movimentos
peristálticos, de pregas e de dobras que constituem um lado de dentro: nada
além do lado de fora. As Palavras e as Coisas desenvolviam esse tema; se o
pensamento vem de fora e se mantém sempre no lado de fora, por que não
surgiria no lado de dentro, como o que ele não pensam e não pode pensar?
Também o impensado não está no exterior, mas no centro do pensamento,
como impossibilidade de pensar que duplica ou escava o lado de fora. Que
exista um lado de dentro do pensamento(impensado), é o que a era clássica
já dizia ao invocar o infinito, as diversas formas do infinito. E, a partir do século
XIX, que passam a ser dimensões da finitude que vão dobrar o lado de fora,
constituir uma “profundeza”, uma “espessura recolhida em si”, um lado de
dentro da vida, do trabalho e da linguagem, no qual o homem se aloja, ainda
que pra dormir, mas inversamente também, que se aloja no homem em vigília
“enquanto ser vivo, individuo no trabalho ou sujeito falante (DELEUZE, 2005,
p.103 e 104)
Ou seja, o autor relata ainda que com outras palavras a importância dessa
dobra de movimentos, em que o lado de fora nessa relação com o lado de dentro é
fundamental para a constituição do sujeito, de modo que
vivemos não é tudo. Mais do que vigiar, era preciso construir um sistema de
poder capaz de moldar um homem passivo, útil, disciplinado... o filósofo
francês Michel Foucault (1926-1984) chamou este processo de ‘poder
disciplinar’. O poder disciplinar é, antes de tudo, uma forma de organizar o
espaço físico e utiliza uma técnica que busca separar, dividir, para melhor
controlar... quando você ganha uma identidade, um CPF, um endereço onde
recebe conta de água, luz e telefone, passa a ser um ponto no mapa capaz
de ser rastreado, vigiado. Quanto mais um homem ganha cidadania, mais
exposto fica à vigilância... se antes o poder fazia valer sua força pelo
sofrimento físico, pela tortura, hoje ele não tem rosto. Não é mais o rei nem
o carrasco que detém o poder. Agora, ele está em todos os lugares: na
arquitetura, no sistema de educação, no olhar do outro sobre nós. Quanto
mais escondido, disfarçado, mais eficiente é o poder. Olhá-lo de frente, saber
como atua, é uma maneira de diminuir sua força.
(https://www.youtube.com/watch?v=HOkh4ia4Znk)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
15Superego designa na teoria psicanalítica uma das três instâncias dinâmicas do aparelho psíquico. é
o aspecto moral da personalidade do indivíduo, de acordo com a Teoria da Psicanálise de Sigmund
Freud. É a parte moral psique e representa os valores da sociedade. O superego divide-se em dois
subsistemas: o Ideal do ego, que dita o bem a ser procurado; e a consciência moral, que determina o
mal a ser evitado.
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REFERÊNCIAS
________, Gilles. Sobre capitalismo e desejo. In: ______. A ilha deserta: e outros
textos. São Paulo: Iluminuras, p. 331-345, 2006b.
________, Michel. “Tabela ronde du 20 mai 1978”. Em: Provérbios e Escritos, t. III,
texto n.278.