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Saúde nas Eleições de 2018: notas preliminares para programa da candidatura Ciro Gomes

Ligia Bahia e Mario Scheffer (15 de julho de 2018)

1. A saúde está no centro de um paradoxo é a primeira preocupação para a população, mas não
é priorizada no debate eleitoral nacional (que se concentra em torno de temas econômicos).
Em outros países, inclusive EUA, a saúde tem protagonismo na agenda pública.

Segundo as pesquisas IBOPE-CNI, em 1999, o desemprego era o principal problema


brasileiro apontado por 74% dos entrevistados. Em seguida, a preocupação com a saúde
(49%), drogas (43%), salário dos trabalhadores (29%) e educação e ensino (19%). A
questão da segurança pública contou com a citação de apenas 17% do universo
pesquisado. Em 2012 saúde foi considerada a área mais problemática em 25 entre as
26 capitais brasileiras. Vitória, no Espírito Santo, foi a única capital pesquisada onde o
maior problema apontado não era a saúde, mas a segurança pública, citada por 82%
dos entrevistados. O ranking da avaliação negativa da saúde foi encabeçado por Campo
Grande, no Mato Grosso do Sul, com o pior quadro. Na cidade, 80% da população
identificou graves deficiências na área da saúde, para depois apontar a segurança
pública (40%) e a educação (32%) como as áreas mais problemáticas do município. A
seguir se situaram Belo Horizonte (79%), em Minas Gerais, e Natal (79%), no Rio Grande
do Norte. A população de Aracaju, no Sergipe, também está entre as mais críticas ao
sistema público de saúde. O problema foi citado por 78% dos moradores da cidade,
mesmo percentual registrado em Fortaleza, no Ceará. Em Julho de 2013 a saúde foi
considerada o principal problema para 77% dos entrevistados, a educação e segurança
ficaram em segundo e terceiro lugar ( 39% e 38%). Em 2014 a saúde foi também o
principal problema 58% e a segurança ficou em segundo lugar (39%). Nos últimos quatro
anos melhorar os serviços de saúde foi a medida mais citada entre as três principais prioridades
para o Governo. Em 2018, a saúde foi mencionada como área prioritária para ação
governamental por praticamente quatro em cada dez brasileiros (37%). Esse é o quinto ano em
que a saúde apareceu como a mais lembrada entre as prioridades eleitas pela população.

2. A saúde e especialmente o SUS são consensuais nos programas dos diversos partidos
e coalizões partidárias (análises eleições 2010 e 2014 realizadas por Mario Scheffer e
Ligia Bahia). Quando os programas e os candidatos se referem a saúde mencionam
quase sempre políticas relativas à oferta (por exemplo mais leitos, clinicas
especializadas, aumento de equipes de saúde da família, mais médicos). As poucas
políticas referentes a ampliação do acesso apresentadas são decorrentes e dependentes
de acordos com a oferta (por exemplo: mutirões para cirurgia de catarata - acordos com
sociedades de oftalmologia): corujão do Doria - acordo com alguns hospitais. Nos países
nos quais saúde é prioridade na agenda pública e inclusive polariza o debate eleitoral as
políticas de saúde apresentadas pelos candidatos são focadas no acesso, por exemplo
prazos para a realização de exames, cirurgias na França e Reino Unido e garantias de
cobertura nos EUA.

3. O Brasil tem um sistema público aprovado pela Constituição de 1998 que não é único,
nem universal. Mas não é "duplicado". Há uma separação das demandas estratificada
por renda e situação sócio-ocupacional para a maior parte das ações assistenciais, mas
não da oferta. A maior parte dos médicos trabalha no setor público e no privado
simultaneamente e a maioria dos hospitais filantrópicos e parte considerável dos
privados atende clientes de planos e pacientes do SUS (que mesmo em acomodações
diferenciadas compartilham centros cirúrgicos, equipamentos etc comuns). A
configuração pública e privada também está presente nos estabelecimentos voltados à
quimio e radioterapia. As unidades de diagnóstico privadas são os únicos
estabelecimentos exclusivamente dedicados a clientela não SUS. . Evidentemente as
unidade de saúde que são púbicas e privadas tendem a priorizar o acesso dos pacientes
não SUS. Existem procedimentos e atividades de alto custo que são praticamente
realizados apenas pelo SUS como transplantes. Mas é incorreto afirmar que toda a "alta
complexidade" é realizada pelo SUS e que o problema do SUS é a "média complexidade".

A oferta (em termos de ações preventivas, ambulatoriais e hospitalares) para os


segmentos populacionais vinculados a planos privados de saúde é muito maior do que
a disponível para o restante da população. Existem mais médicos, mais leitos (inclusive
de CTI) por habitante com planos de saúde do que para os brasileiros em geral.

Constata-se que segmentação no sistema de saúde no Brasil, inclusive da demanda para


certas atividades, não é radical. O problema principal é a desproporção entre a oferta
e a demanda. Prometer mais itens de oferta sem considerar essa tendência de
concentração termina por intensificar a segmentação. Por exemplo a compra de
aceleradores lineares realizada pelo governo federal (uma política correta) nesse
momento está sendo distorcida pela alocação de parte dos equipamentos em hospitais
públicos-privados. Equipamentos adquiridos com recursos públicos serão utilizados por
clientes de planos privados. Ou seja o problema não é só de falta de oferta para o SUS e
sim também da política de alocação de recursos.

4. Esse padrão peculiar de segmentação do sistema de saúde no Brasil é dinamizado


por políticas públicas de financiamento para o SUS e para o setor privado. As despesas
com saúde representaram 9,1% do PIB em 2015, um patamar de gastos similar a de
países desenvolvidos. Mas a proporção de gastos governamentais 3,9% e 5,2%
privados é incompatível com um sistema público universal. O problema do
financiamento portanto é duplo é necessário expandir gastos públicos e reduzir os
privados. A ideia sobre a importância do setor privado para a "desoneração" do SUS,
para "aliviar" da demanda para o SUS é incorreta. Não existe nenhuma evidência a
respeito dos efeitos das políticas públicas fiscais e de empréstimos e créditos para os
setores privado e filantropico em relação a melhoria do acesso no SUS. Pelo contrário a
intensificação dos apoios governamentais para o setor privado cursaram
concomitantemente com a crescente insatisfação da população com os serviços
públicos e ampliação das margens de retorno das empresas privadas setoriais.

5. O debate internacional sobre políticas de saúde para países de média e baixa renda é
importante. Existe um consenso na literatura acerca das definição e conceituação de
um sistema de saúde. Um sistema de saúde deve está voltado à alcançar a igualdade
(em termos das chances de adoecer e morrer) e tem três dimensões: a) resposta às
necessidades de saúde (ser capaz de melhorar efetivamente as condições de vida); b)
proteção financeira (ser capaz de evitar os gastos com saúde impeçam que indivíduos e
famílias despendam recursos com outras atividades essenciais); c) satisfação da (ser
capaz de mobilizar adesão e participação da população). O acesso universal é
considerado o elemento primordial para a organização dos sistemas de saúde
contemporâneos. Para os países de renda média e baixa o debate entre especialistas e
agências multilaterais concentra-se em torno do "como fazer". Há um reconhecimento,
inclusive do Banco Mundial sobre a necessidade de restringir, cortar subsídios públicos
ao setor privado e ampliar oferta e gastos públicos. O desafio principal é como reverter
situações como a da Africa do Sul, onde 50% dos recursos existentes para a saúde estão
concentrados no atendimento de 15% da população. No Brasil essa relação, não poder
ser calculada precisamente. Mas é plausível supor que os gastos dos 26,9% da
população com planos de saúde (em 2013) atinja no mínimo 45% do total dos gastos.
Portanto, as políticas de saúde devem estar voltadas ao mesmo tempo ao acesso e a
alocação equitativa dos recursos (considerando demanda e oferta).

A ideia de estudiosos do tema é a de estabelecer políticas de alocação dos recursos que


cotejem estratos populacionais de renda com a oferta também estratificada de serviços
de saúde e se procure estabelecer igualdade para o acesso.

UM DISCURSO ARTICULADO SOBRE SAÙDE

1. mencionar os principais problemas de saúde, a tripla carga de doenças (exemplos


epidemia de prematuridade, que ocorre em bebes de mães com maior renda em
decorrência de cesarianas e em mães de menor renda em razão de má qualidade da
assistência no SUS);

2. o sistema de saúde é uma resposta aos problemas de saúde, às prioridades desde a


proteção a riscos ambientais e violências, enfrentamento da obesidade, sofrimentos
mentais, hipertensão e diabetes até o atendimento de cânceres; no Brasil o sistema de
saúde tem que responder às epidemias como arboviroses, condições cronicas e causas
externas;

3. considerando essas prioridades e o compromisso com o direito universal à saúde


promulgado pela Constituição é preciso ampliar e modernizar o SUS; ampliar e qualificar
a atenção básica e a atenção especializada ambulatorial e hospitalar;

4. um sistema para todos requer suportes em termos de política de P&D&I para sua
sustentabilidade; políticas sistêmicas para o complexo econômico industrial da saúde
são prioritárias

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