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Capítulo XII
O título de Rei e o primeiro filho
Capítulo XIII
Valdevez e a Conferência de Zamora
Capítulo XIV
A vassalagem ao Papa
Capítulo XVI
O casamento com D. Mafalda de Sabóia
Como vimos, desde 1138, pelo menos, que D. Afonso Henriques tinha
encontrado a grande paixão da sua vida - a jovem e bonita fidalga
galega Flâmula Gomes, da poderosa família dos Peres de Trava.
Dela tinha já tido um primeiro filho, em 1139, D. Fernando Afonso.
Dela veio a ter, pouco depois, um segundo filho, D. Afonso. Ambos
viriam a dar que falar quando adultos.
Com ela terá querido, empenhadamente, casar. Seria um casamento de
amor e, simultaneamente, uma forma de legitimar os dois filhos
naturais já nascidos.
De 1139 a 1146 passaram sete anos em que o Rei português não
casou, mas em que terá tentado tudo para casar com Flâmula Gomes.
Há mesmo quem diga que chegou a casar, vendo pouco depois o seu
casamento anulado pelo facto de Flâmula Gomes ser devota (Deo
vota, consagrada a Deus) e ter entretanto perdido o direito de
casar, por determinação do Concílio de Latrão de 1139.' Não há,
contudo, qualquer prova documental de um tal casamento, nem da
respectiva anulação - actos que no século xii costumavam ser
sempre bem documentados.' Julgo, pois, que D. Afonso Henriques
terá tentado casar com Flâmula Gomes, mas que não conseguiu.
E não conseguiu porquê? Por um lado, é sabido que na Europa
medieval, marcada pela indisputada autoridade da Igreja Católica,
os reis não podiam
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casar com as amantes, e os filhos ilegítimos não podiam suceder-
lhes na Coroa (o mesmo aconteceu com Henrique I de Inglaterra, que
reinou de 1100 a 1135). Acresce que Flâmula era devota e estava
canonicamente impedida de casar. Ora, D. Afonso Henriques prestou
vassalagem ao Papa em 1143 e precisava do apoio da Santa Sé para
consolidar a sua independência face à monarquia leonesa: tinha,
pois, de se assumir como um monarca católico bem comportado.
Por outro lado já vimos que os principais conselheiros do Rei - em
especial, Egas Moniz e D. João Peculiar - consideravam altamente
inconveniente para os superiores interesses de Portugal qualquer
ligação oficial entre a Coroa portuguesa e a nobreza galega. Já a
rainha D. Teresa causara os maiores problemas com a sua relação
amorosa com Fernão Peres de Trava: não seria agora admissível que
D. Afonso Henriques fosse repetir o mesmo erro, casando com uma
sobrinha do grande magnata galego. Era abrir de novo uma porta,
que tanto custara a fechar, à penetração influente dos Travas - a
mais poderosa família da Galiza - na governação de Portugal. E que
complicações não traria o facto de o futuro herdeiro da Coroa
portuguesa ser um neto do conde de Trava? Decididamente, a Igreja
e a alta nobreza não podiam consentir no casamento do Rei com a
sua amada. Mas D. Afonso Henriques tinha de casar. Numa monarquia
hereditária, é dever fundamental do monarca assegurar a sua
descendência legítima para garantir a continuidade e independência
do reino.
É fácil imaginar as conversas dos conselheiros e amigos mais
íntimos do rei: «Senhor, é motivo da mais funda preocupação para
os vossos súbditos ver que el-rei, já com 35 anos de idade e
sempre em guerras e perigos esforçados, ainda não deu um herdeiro
ao trono»; «Senhor, já conseguistes o mais difícil, que era obter
o reconhecimento de vosso primo, o Imperador Afonso VII, e de Sua
Santidade o Papa, e desbaratar os mouros em Leiria e em Ourique.
Agora é preciso assegurar, pela descendência legítima, a
continuação do reino de Portugal»; «Senhor, se acaso morrerdes sem
filhos legítimos, o Imperador de Leão retomará plenos poderes
sobre Portugal e todo o vosso esforço terá sido em Vão».
D. Afonso Henriques deve ter acabado relutantemente por aceder:
tinha de casar, e tinha de casar com outra mulher.
Mas com quem havia D. Afonso Henriques de casar? Ao contrário de
muitos outros exemplos na época, não foram os pais de D. Afonso
que lhe arranjaram o casamento - D. Henrique já tinha morrido há
34 anos e D. Teresa há 16. Aqui, a decisão foi do próprio Rei,
naturalmente assessorado pelos seus principais conselheiros.
Como a decisão era política, havia um objectivo fundamental a
prosseguir: casar fora do âmbito da monarquia leonesa; não
escolher noiva nem na Galiza, nem no reino de Leão; saltar por
cima do Império das Espanhas, indo buscar uma aliança mais longe,
além-Pirenéus. O princípio da maior proximidade (Galiza, Leão,
Castela) devia ser substituído pelo princípio do maior
distanciamento (França, Itália, Alemanha). O casamento de D.
Afonso Henriques constituiu mais um acto de independência face ao
império leonês.
A escolha recaiu na Casa de Sabóia, senhora de importantes
territórios, então independentes, situados entre a França e a
Itália, no eixo central da Europa.
Sabóia era nessa altura um condado autónomo - como a Borgonha,
como a Flandres, como Barcelona. Era seu chefe político Amadeu
III, conde de Sabóia e Moriana, casado com a condessa Mafalda de
Albon. Curiosamente, em cinco gerações, vários Sabóias tinham
casado com a nobreza da Borgonha' - havia, pois, laços familiares
quase permanentes entre Sabóia e Borgonha, aliás territórios
vizinhos.
A princesa escolhida para casar com D. Afonso Henriques foi uma
filha daquele casal, também de nome Mafalda como a mãe. D. Mafalda
de Sabóia - eis a infeliz donzela destinada a um casamento
político, de conveniência, com o Rei de Portugal.
Como se chegou, da parte de Portugal, a esta escolha? Nenhum
documento no-lo revela. Daí que os historiadores se limitem a
formular algumas conjecturas.
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Alexandre Herculano, bom conhecedor dos factos e situações da
época, chamou a atenção para as relações que havia entre as casas
de Sabóia e de Borgonha, à qual por seu pai pertencia D. Afonso
Henriques. E não há dúvida que esta relação triangular «Portugal -
Borgonha - Sabóia» deve ter sido o pano de fundo em que se
desenvolveu o processo de escolha. Mas isso não nos diz muito
sobre o modo como as coisas aconteceram.
Veríssimo Serrão dá-nos algumas pistas interessantes. Em primeiro
lugar, afigura-se-lhe que o cardeal Guido de Vico, quando esteve
com D. Afonso Henriques nas pazes de Zamora, em 1143, pode ter
advogado junto do Rei português o casamento com a infanta de
Sabóia. Julga assim que Roma terá contribuído decisivamente para o
matrimónio do nosso primeiro monarca. Se nos lembrarmos de que o
Rei português colocou o seu trono sob a protecção de S. Pedro e
que a Santa Sé, segundo a minha interpretação, estava já
comprometida com a independência portuguesa, não será difícil
aceitar que Roma tenha querido unir em matrimónio o monarca
português com uma das mais prestigiadas famílias da Cristandade.
Em segundo lugar, entende Veríssimo Serrão que o conde de Sabóia,
que tomou parte na 2.ª Cruzada do Oriente, podia constituir um
excelente aliado para a expulsão dos mouros do território
português. Deste modo, o plano das cruzadas do Ocidente, a levar a
efeito na Península Hispânica, justificaria plenamente a aliança
luso-saboiana, que poderia mesmo ter sido promovida por D. Afonso
Henriques, a fim de evitar que os cavaleiros portugueses tivessem
de participar na cruzada à Terra Santa.
Qualquer destas explicações - iniciativa de Roma ou iniciativa do
Rei português - parece verosímil. Não é de excluir também que a
negociação do contrato de casamento tenha pertencido ao arcebispo
de Braga, D. João Peculiar, grande amigo e conselheiro político de
D. Afonso Henriques, que actuou na prática como verdadeiro
Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
D. Mafalda. Mas já Tão-pouco se sabe com que idade casou era uma
rapariga núbil, porque logo um ano depois do casamento deu à luz o
seu primeiro filho, D. Henrique.
Dizem as crónicas antigas que Mafalda de Sabóia foi escolhida por
ser «mui formosa e dotada de muitas bondades.
O casamento teve lugar, ao que se supõe, em Coimbra, nos
princípios do ano de 1146. D. Afonso Henriques tinha então 37 anos
de idade e ia no oitavo ano do seu reinado.
Ignoram-se as festas que possa ter havido. Mas pela descrição que
as crónicas fazem do casamento de uma das filhas de D. Afonso
Henriques, D. Mafalda, podemos supor que o casamento real, embora
sem grande opulência, terá sido uma ocasião festiva - com recepção
à noiva e seus acompanhantes nas vésperas, presença de numerosos
prelados e cavaleiros da corte, várias comidas reais, uma
cerimónia solene na Sé e, por fim, uma grande boda.
Quem era D. Mafalda de Sabóia? Já vimos que devia ser uma jovem em
idade núbil - talvez entre os 16 e os 20 anos -, e que era tida
como formosa e prendada. Devia ser também, como todas as princesas
das casas reinantes na Europa daquele tempo, uma pessoa de cuidada
formação moral e religiosa.
Mas não tinha bom feitio. Quem sabe se pela sua originária maneira
de ser, ou pelos desgostos amorosos que o marido lhe terá causado,
chegou até nós a menção do seu mau génio, que foi ao ponto de
provocar um conflito sério com o prior da Igreja de Santa Cruz, S.
Teotónio.
Cumpriu exemplarmente a função maternal que dela se esperava: deu
à luz sete filhos, em apenas 12 anos.
Mas D. Mafalda foi bastante infeliz: não só porque veio encontrar
um marido que amava outra mulher e já tinha dela dois filhos, mas
também porque viu morrer o filho mais velho, D. Henrique, com oito
anos.
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Não consta que D. Mafalda tenha exercido qualquer influência no
marido ou na Política do país - Ou por não ter jeito para tanto,
Ou Por ser estranha ao clã galaico-português que dominava a corte.
Com D. Afonso Henriques sempre envolvido na governação geral do
reino e em grandes batalhas - Santarém, Lisboa, Alcácer do Sal -,
a rainha dedicou-se, para além da ed'ucação dos filhos, a algumas
actividades religiosas e de caridade (mosteiro da Costa, em
Guimarães, e Albergaria do Marco de Canaveses) bem como à
construção de obras de utilidade Pública (barcas de passagem, em
Lamego, ponte de Barqueiros, em Mesão Frio, ponte sobre o Tâmega).
Durante oito anos, educou o filho mais velho, D. Henrique, como
herdeiro do trono. Mas a morte deste transferiu a sucessão para o
filho mais novo, D. Sancho, que só conviveu com a mãe durante um
ano, não tendo sido, por consequência, educado por ela.
À medida que ia tendo filhos, D. Mafalda foi sofrendo partos cada
vez mais difíceis. Acabou por morrer, 12 anos depois de casada,
das consequências do último parto (o da infanta D. Sancha).
Encontra-se sepultada, junto do marido, na Igreja de Santa Cruz,
em Coimbra.
Capítulo XVII
Os filhos de D. Afonso Henriques
Capítulo XVIII
A conquista de Santarém
Capítulo XIX
A tomada de Lisboa