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ENTREVISTA

Paulo Ebling Rodrigues

Uma vida dedicada a extensão rural


MASSIERER, Carine*

o
engenheiro agrônomo, Paulo Ebling
Rodrigues, traz no seu currículo não só o
registro do trabalho como engenheiro
agrônomo, mas de uma carreira galgada
junto à Emater/RS-Ascar, desde 1956, onde
iniciou no escritório municipal de Vera-
nópolis (RS), se tornou especialista de
gado leiteiro, foi assistente técnico
estadual, atuou junto a Gerência de
Planejamento e passou para a função
administrativa. Atualmente exerce o
cargo de assessor da diretoria e como
conhecedor da história da extensão
rural ele conta de que forma foi
estruturada a trajetória dos Serviços
de Extensão Rural no Rio Grande do
Sul e no Brasil. Sua análise é a de que
muitas modificações ocorreram ao
longo desta caminhada, mas o essencial
é que, segundo ele, uma boa política de
ATER nacional ainda está longe atenção e a extensão rural é um
de se tornar realidade. “Modelo de ATER tem de participante, sendo que o êxito
deste processo depende da
Qual o modelo de extensão levar em consideração a intensidade em que são construí-
que deve ser desenvolvido? das as parcerias. É importante
O conjunto de paradigmas da
pluralidade de idéias, que ainda levar em consideração a
Emater/RS-Ascar, objetivos, tem como pressupostos o pluralidade de idéias, que tem
missão e visão, corresponde a um como pressupostos o respeito às
modelo adequado a realidade atual. respeito às tecnologias e tecnologias e ao conhecimento.
O modelo enfatiza o desenvolvi- Em resumo, este conjunto de
mento sustentável, concede
ao conhecimento, inclusive paradigmas atende a um modelo
prioridades e diversidade em dos beneficiários” e consegue um grau elevado de
termos de público e, sobretudo, internalização deste conjunto de
define como objetivos a melhoria orientações junto aos empregados,
da qualidade de vida dos beneficiários. Em todos os parceiros e autoridades e faz com que as ações sejam
momentos, o procedimento educativo é levado adiante, desenvolvidas em sintonia com estes princípios.
partindo da idéia de que o homem é o centro de toda a *jornalista do Emater/RS - ASCAR, Espeg Porto Alegre

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Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável. Porto Alegre, v.1 n.4, nov/dez 2005
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Quais são as dificuldades que a extensão rural Há a necessidade de remontar não só uma idéia
tem tido no Brasil? adequada de política para a extensão oficial, mas também
No Brasil tem pelos menos duas razões para as uma coordenação que possa assegurar que os princípios
dificuldades enfrentadas pela extensão rural oficial: uma e diretrizes da extensão rural possam, na prática, ser
delas é a questão institucional que implementados e operaciona-
ficou aguda com a extinção da “Falta de apoio, ausência de lizados nas várias estruturas de
Embrater, mas que, antes mesmo, planejamento, capacitação, entre
um sistema nacional de outras, para que este sistema seja
apresentava dificuldades em
muitas instituições oficiais de coordenação e financiamento sustentável. Dentro desta idéia de
extensão rural nos Estados. A montagem deste sistema podem
e o fato das empresas de
extinção da Embrater e a atuar instituições de vários níveis:
diminuição abrupta e intensa do extensão rural assumirem federal, municipal e estadual e
apoio da órbita federal geraram outras funções que não só contar com o acompanhamento e
dificuldades para muitas dessas a própria fiscalização do povo
entidades que não obtinham educacionais levaram rural e de suas instituições. Nesta
sustentação financeira por parte a esta situação” estrutura de vários níveis
dos estados e municípios. Outro começam a apontar outras
problema é o de conteúdo – essas definições importantes, como as
instituições, em função das várias políticas públicas que microrregiões homogêneas e outros espaços territoriais
se sucederam ao longo os anos, não foram capazes de homogêneos que, pelas características econômicas,
preservar uma identidade e uma convicção de um geográficas e sociais, requerem estrutura compatível.
modelo evolutivo de extensão rural. As instituições
foram se dissolvendo em sua essência e como tal não Como o senhor avalia o desenvolvimento da
conseguiram obter e manter o apoio e, não mantendo extensão rural no Brasil e, especialmente no RS?
este apoio da sociedade, perderam sua sustentação e A extensão rural no Brasil apresenta muitas
entraram em crise. Este ciclo é um ciclo vicioso à medida dificuldades em termos institucionais, como de falta de
que, se a sociedade não apoia os trabalhos de extensão apoio, de recursos e até de natureza conceitual, mas em
rural, o governo também deixa de contribuir. Falta a alguns Estados se percebe esforço no sentido de promover
convicção de paradigmas por parte das empresas de o aperfeiçoamento no entendimento e conceituação da
extensão rural, pois também em razão das dificuldades, extensão rural praticada. No entanto, essas instituições
elas acabaram, para se sustentar, se associando à ainda constituem a minoria e esses esforços nem
pesquisa, se incorporando às administrações diretas ou sempre tem conseguido atingir o objetivo. De parte do
se adequando e incorporando outros serviços. Tudo isso governo federal, nos últimos seis anos, há um esforço
não se sintoniza bem com o trabalho de natureza muito grande para se fazer uma política nacional de
educacional, se a mesma instituição passa a cumprir extensão rural e essa formulação é adequada com relação
outras funções. a sua estruturação, conceitos e paradigmas, tendo em
Falta de apoio, ausência de um sistema nacional de vista que conta, também, com entidades representativas
coordenação e financiamento e o fato das empresas de dos beneficiários. Se há entendimento com relação a
extensão rural assumirem outras funções que não só princípios e diretrizes da extensão rural no Brasil, com
educacionais levaram a esta situação. relação a sua implementação e financiamento e
mecanismos de coordenação e planejamento, há muito
Qual a importância de um sistema de extensão que avançar. Portanto, não se acredita que seus efeitos
rural oficial no Brasil? possam aparecer no curto prazo.

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Quais os desafios
que se colocam atual-
mente para a extensão
rural?
Ainda que possa
parecer um pouco re-
ducionista a apreciação
desta questão, acredito
que o grande desafio é a
implementação e a
operacionalização desta
política.

Que papel tem a


extensão rural na
construção do capital
social no meio urbano-
rural?
Há um entendi-
mento já consagrado
de que não é uma
questão agrícola é uma
questão de desenvolvimento. Compreende uma Como tem avançado as capacidades competitivas
questão de estímulo a atividades não-agrícolas no da agricultura familiar, em especial no Brasil?
meio rural, bem como o que o rural significa em Há um reconhecimento da importância da preservação
termos territoriais. Quanto ao avanço junto às e do desenvolvimento da agricultura familiar não só como
questões urbanas, acredita-se que concepções alavancadora da produção rural, mas como produtora dos
denominadas como “Rururbano” e outras, tenham alimentos essenciais da população e na geração de
ampliado largamente o antigo entendimento da emprego e renda. Para se reconhecer esta importância é
dimensão do meio rural. Além de que uma política preciso que haja esforço para se sustentar, crescer e
de desenvolvimento para ser bem sucedida deve aumentar a contribuição. Entretanto, a situação presente
ter relações fortes com toda a população e ser está distante destas possibilidades e as condições
encaminhada com a participação de todas as competitivas adequadas não foram geradas tanto é que
entidades que atuam no meio rural, para benefício este segmento apresenta fortes indícios de exclusão.
do agricultor. Este é o caso das cadeias produtivas
em que é muito difícil promover o desenvolvimento Historicamente, quais foram os principais desafios
sustentável através da produção sem considerar o da extensão rural e como foram superados?
número de consumidores e suas necessidades. Muitos não foram superados, estão presentes há muito
Outro aspecto é a idéia que a extensão tem de e para superar este quadro a assistência técnica e extensão
trabalhar na sustentação alimentar das famílias e rural precisa enfrentar desde questões ligadas a princípios
isto se refere a toda a população, tanto rural quanto e diretrizes, de capacitação de profissionais, de
urbana. estruturação e de financiamento.

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A História da Extensão Rural


Quais os principais problemas registrados ao abandonar a área de bem-estar social e trabalhar com
longo da história da extensão rural no Brasil? escolares e jovens rurais. Isso porque a instituição levou
Podem ser apontados três problemas: o primeiro é em consideração que não pode conviver independente
que o trabalho de assistência técnica oficial era da conjuntura que ela está localizada, isso é uma utopia
direcionado à produção e não ao produtor. Em segundo, que não existe, nem se sustenta. Nesta trajetória, alguns
tratava-se de um processo extremamente paternalista erros foram cometidos, mas eu não conheço nenhuma
e, terceiro, não tinha a menor abrangência. Depois, com história que não seja assim.
o advento da extensão rural (1945 no Brasil e 1955 no
Rio Grande do Sul), tudo isso mudou e as ações foram Qual é a evolução institucional que a ATER do
estruturadas tendo como base um processo educativo, RS assumiu ao longo dos anos e que rumo está
que entendia que o homem era o centro das questões e tomando?
que a família era uma unidade indissociável. Além Institucionalmente ela apresenta, pelo menos, duas
disso, partia do pressuposto de que para entender e fazer características importantes. Primeiro é que ela tem boa
alguma coisa era preciso trabalhar baseando-se no sustentação de parte de seu público, de seus
conhecimento da realidade rural, entendendo-se como beneficiários, suas lideranças, entidades, enfim,
parte dessa realidade o entendimento dos beneficiários sustentação do mundo social em que ela atua. A outra,
sobre a sua própria proble- é que ela tem conseguido
mática. A organização era “Nenhuma instituição pode incorporar novas idéias e novos
fundamental no encami- avanços em termos de como a
nhamento desses problemas e o conviver independente da sociedade deve caminhar, tomar
planejamento era necessário não seu rumo. Evidentemente que
apenas por uma questão conjuntura que ela está parte dessa incorporação ainda se
estratégica, mas também situa em uma revisão constante
educativa. Porém, os pro- localizada, isso é uma dos nossos paradigmas, que nós
fissionais de extensão não procuramos modernizá-los através
recebiam, nos seus cursos de utopia que não existe, nem da discussão com outras entidades,
formação, suficiente conhe- com os próprios empregados. Mas
cimento para esta nova atividade. se sustenta” evidentemente que há uma
Na década de 60 e 70, onde diferença entre incorporação
houve a industrialização da agricultura, a Emater/RS- integral desses novos paradigmas e a realidade prática.
Ascar absorveu algumas destas políticas, no entanto, Para que esses paradigmas tornem-se uma convicção e
perdeu parte de suas origens. uma realidade diária do universo dos novos empregados
Outro momento importante foi o repensar da e que oriente nas ações, é preciso um trabalho longo e
extensão, quando estas questões foram trazidas a baila persistente, porém isso não se obtém de uma hora para
e mudou-se a concepção das coisas, partindo para uma outra. Então, não se poderia dizer que há uma identidade
nova concepção de desenvolver, atuando e perfeita entre o que se pressupõem seja um modelo
aperfeiçoando muito dos princípios originais. adequado de extensão rural e a práxis diária da maioria
Esta metodologia passou a ser aperfeiçoada a partir dos nossos servidores. É uma longa trajetória nesse
da lógica dos anos 90 onde o desenvolvimento passou sentido. A Emater/RS-Ascar mostra um modelo que
a ser o desenvolvimento sustentável e este passou a ser era para ser de transição em termos de entidade e acabou
o paradigma principal, consolidando-se, a partir da se consagrando. No entanto, ainda apresenta algumas
ênfase na questão da sustentabilidade. Mesmo nas dificuldades e ambigüidades que são importantes na
chamadas décadas perdidas, a Emater/RS-Ascar sua consolidação. Por último, o Brasil como um todo,
conseguiu, ao contrário de outras, sustentar alguns evoluiu bastante no que se entende como extensão rural
desses princípios iniciais como, por exemplo, não oficial e até em termos de políticas públicas para ATER.

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