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FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
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JUSTIÇA DOS MODERNOS ...................................................................................... 137
I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 137
II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS (CONTEXTO) ...................................................... 138
III. Observação sobre Hobbes e Rousseau ................................................................... 140
IV. Thomas Hobbes ...................................................................................................... 140
V. John Locke ............................................................................................................... 143
VI. David Hume ........................................................................................................... 144
VII. Jean-Jacques Rousseau ......................................................................................... 145
VIII. EXPLICAÇÃO .................................................................................................... 147
IX. Immanuel Kant ....................................................................................................... 147
O PARADIGMA DA JUSTIÇA SOCIAL ................................................................... 150
I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 150
II. Jeremy Bentham....................................................................................................... 151
III. John Stuart Mill ...................................................................................................... 151
IV. Karl Marx ............................................................................................................... 152
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................ 152
I. HENRY SIDGWICK ............................................................................................... 152
II. HERBERT HART .................................................................................................. 153
III. ERMINIO JUVALTA ............................................................................................ 154
IV. FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK ................................................................. 154
V. HANS KELSEN ...................................................................................................... 155
VI. NIKLAS LUHMANN ............................................................................................ 155
IV. JOHN RAWLS ....................................................................................................... 157
Importância do pensador: ............................................................................................. 157
2. O CONCEITO DE DIREITO. EQUIDADE. DIREITO E MORAL: ......................... 167
2 O conceito de Direito. Equidade. Direito e moral. .................................................... 167
VISÃO GERAL............................................................................................................ 171
TESES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO MORAL ...................................... 171
MORAL COMO MÍNIMO ÉTICO ............................................................................. 172
IDENTIDADE .............................................................................................................. 174
TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES..................................................................... 174
A MORAL COMO MÍNÍMO JURÍDICO ................................................................... 174
O DEBATE ATUAL .................................................................................................... 175
TESE DA CONEXÃO ................................................................................................. 175
3
TESE DA SEPARAÇÃO ............................................................................................. 176
3. A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: ........................................................................... 199
E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 209
1. Direito objetivo e direito subjetivo: ................................................................................. 209
2. FONTES DO DIREITO OBJETIVO: ............................................................................. 241
CONCEITUAÇÃO ....................................................................................................... 241
DIÁLOGO CF X NOVO CPC ...................................................................................... 259
DISTINÇÃO VALOR X PRINCÍPIO ........................................................................... 261
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 263
REFLEXOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ........................................ 310
NOVO CPC .................................................................................................................. 315
VALORES QUE JUSTIFICAM ................................................................................... 316
NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE ........................................... 318
REQUISITOS E PROCESSAMENTO ........................................................................ 320
EFEITOS DA SÚMULA .............................................................................................. 324
CRÍTICAS GERAIS ..................................................................................................... 325
CRÍTICAS ESPECÍFICAS .......................................................................................... 332
MAIOR ABRANGÊNCIA DA LEI 11.417/2006 ........................................................ 338
PROCEDIMENTO ....................................................................................................... 342
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 343
3. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITO DE NORMAS JURÍDICAS NO
TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO: .............................................................................. 344
ATO JURÍDICO PREFEITO ....................................................................................... 402
COISA JULGADA ....................................................................................................... 404
4. O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO: ........................................... 426
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA ......................................................... 426
5. IDEOLOGIAS: ................................................................................................................... 489
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 489
Pressuposto básico ........................................................................................................ 490
Conceituação inicial e a transformação ........................................................................ 490
IDEOLOGIA MARXISTA: ......................................................................................... 491
ANEXO ........................................................................................................................ 507
6. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (ONU): ............ 511
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 511
4
A Declaração Universal dos Direitos do Homem ONU ............................................... 511
Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................................... 526
COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO
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A) SOCIOLOGIA DO DIREITO
SOCIOLOGIA DO DIREITO
Estrutura da aula:
PARTE I
CONDIÇÕES TEÓRICAS
CONDIÇÕES SOCIAIS
1. lutas sociais
2. crise na administração da justiça
PARTE II
6
Temas
1. acesso à justiça
2. concepção da administração da justiça como instância política
3. mecanismos de resolução de conflitos sociais
PARTE III
Na segunda parte do trabalho, com base nas contribuições noticiadas, ele aponta:
PARTE I
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Filosofia do direito
Antes disso, houve grande produção científica orientada pela perspectiva sociológica do
direito: “...a sociologia do direito é, sem dúvida, de todos os ramos dos sociólogos aquele
em que o peso dos precursores, das suas orientações teóricas, das suas preferências de
investigação, das suas criações conceituais, mais fortemente se tem feito sentir”
(SANTOS, 1986, p. 11)
“O direito será sempre uma área de interesse da sociologia. Por isso, faz parte da
análise já dos fundadores da sociologia”. (FREITAS; COSTA, 2013, p. 649).
Primeiro debate
Segundo debate:
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ÉMILE DURKHEIM
“...o direito como o indicador privilegiado dos padrões de solidariedade social, garante
da composição harmoniosa dos conflitos por via da qual se maximiza a integração social
e realiza o bem comum” (SANTOS, 1986, p. 12).
O direito seria, portanto, uma das expressões desses fatos sociais. Segundo
ele, "[...] além dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos exprimem-se sob
formas definidas, regras jurídicas, morais, ditados populares, fatos de estrutura social,
etc.". E prossegue afirmando que "[...] uma regra do direito é o que é, e não há duas
maneiras de percebê-la. [...] estas práticas não são senão vida social consolidada [...]". A
conexão entre vida social e direito, para Durkheim, é inequívoca, como se o direito
germinasse espontaneamente da vida social.
KARL MARX
“...o direito como expressão última de interesses de classe, um instrumento de
dominação econômica e política que por via de sua forma enunciativa (geral e abstracta)
9
opera a transformação ideológica dos interesses particularísticos da classe dominante
em interesse coletivo universal” (SANTOS, 1986, p. 12/13)
Não se trata de má-fé, assinalaram Marx e Engels, uma vez que a má-fé
pressupõe uma distorção consciente e voluntária; a ideologia é cegueira parcial da
inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram. O "discurso competente",
em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação, mantém ligação inextricável
com o discurso conveniente, mediante o qual as classes privilegiadas substituem a
realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com
todos os recursos de que dispõem (órgãos de comunicação de massa, ensino, instrumentos
especiais de controle social de que participam e, claro, como forma destacada, as próprias
leis).
Sendo assim, o Estado, para Marx, é uma instituição de poder que tem por
função assegurar os conflitos entres as classes sociais no âmbito de uma ordem
convencionada. O direito, por sua vez, é fruto das relações sociais na sociedade capitalista
e institucionalizada na esfera político-jurídica, e é sempre conduzido, na análise
marxiana, como um paralogismo que designa apenas as normas da classe dominante: "[...]
o Estado se impõe na condição de comunidade dos homens. Mas é uma comunidade
ilusória, pois o Estado, por baixo das aparências ideológicas de que, necessariamente, se
reveste está sempre vinculado à classe dominante e constitui seu órgão de dominação".
10
Para Marx, mesmo quando o Estado consegue se desvencilhar de certos
aspectos da ideologia dominante, essa desvinculação não é senão ilusória. Assim, o
Estado elimina, à sua maneira, as distinções estabelecidas por nascimento, posição social,
educação e profissão, ao decretar que o nascimento, a posição social, a educação e a
profissão são distinções não políticas; ao proclamar, sem olhar tais distinções, que todo o
membro do povo é igual parceiro na soberania popular e ao tratar do ponto de vista do
Estado todos os elementos que compõem a vida real da nação. No entanto, o Estado
permite que a propriedade privada, a educação e a profissão atuem à sua maneira, isto é,
como propriedade privada, como educação e profissão, e manifestem a sua natureza
particular. (FREITAS; COSTA, 2013, pp. 647-8).
EUGEN EHRLICH
“para alguns o fundador da sociologia do direito” (SANTOS, 2000, p. 163)
“Durante uma conferência que ele fez em Viena, em 1903, cujo título era
Freie Rechtsfindung und freie Rechtwissenschaft, Ehrlich afirmava que o direito era uma
‘realidade sociológica que o jurista deve pesquisar’. Ele definiu, por conseguinte, a
existência de um ‘direito social’, ‘vivo ou real’, ‘fora do estado’, que vive completamente
à margem do direito do estado” (ARNAUD, DULCE, 2000, pp. 72/73).
O DIREITO VIVO
direito oficialmente instituído e formalmente vigente
contraposto à
normatividade emergente das relações sociais pelas quais se regem os
comportamentos e se previne e resolve a esmagadora maioria dos conflitos
11
CRIAÇÃO JUDICIÁRIA DO DIREITO
normatividade abstrata da lei
contraposta à
normatividade concreta e conformadora da decisão do juiz
12
Considera que a principal questão que a Sociologia do Direito deve
resolver é "com que fenômenos o sociólogo deve preocupar-se e de que modo ele deve
coletar os fatos para conhecê-los e interpretá-los". Pois os fenômenos sociais que
"interessam ao conhecimento científico do Direito são, sobretudo, os próprios fatos do
Direito: o hábito que dentro das associações humanas determina a cada um sua posição
e suas tarefas, as relações de dominação e de posse, os contratos, estatutos, declarações
de última vontade e outras disposições além do processo hereditário".
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Considerava Ehrlich que, como o Direito é um fenómeno social, a
Sociologia do Direito é a doutrina científica do Direito (DIAS, 2009, pp.40-41)
Processuais
Organizacionais
MAX WEBER
Preocupa-se na definição da especificidade e o lugar privilegiado do direito
diante das demais fontes de normatividade em circulação nas relações sociais
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ordem legal tem influência direta na distribuição de poder dentro de uma comunidade…”
(FREITAS; COSTA, 2013, p. 640).
GRANDES TEMAS
Processuais
Organizacionais
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Surge a sociologia das organizações
Inspirada em Weber
SEGUNDA RAZÃO
O juiz passa a ser objeto de estudo enquanto instância de decisão e poder político
PRIMEIRA CONDIÇÃO
Negros
Lutas sociais protagonizadas por
Estudantes
Segurança social
Habitação
Educação
Buscam novos direitos
Transportes
Meio ambiente
Qualidade de vida
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“Foi neste contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no
imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos
regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A igualdade dos cidadãos perante
a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos, uma
confrontação que em breve se transformou num vasto campo de análise sociológica e
de inovação social centrado na questão do acesso diferencial ao direito e à justiça por
parte das diferentes classes e estratos sociais” (SANTOS, 1986, p. 16 – grifei)
SEGUNDA CONDIÇÃO
Relação de trabalho
Segurança social
Conflitos emergentes
Habitação
• Administração da justiça
• Organização de tribunais
• Formação e recrutamento dos magistrados
• Motivação das sentenças
• Ideologias políticas e profissionais – tese sobre a escola da USP
• Custo da justiça - A esse respeito: “147 dias e R$ 947,34. Estes são
o prazo e o custo médios de um processo judicial que tramita na 2ª Instância do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Os valores foram
calculados a partir da conclusão do Projeto de Definição do Tempo e Custo
Médios de Tramitação dos Processos no Segundo Grau - PROTEC. O projeto, de
continuidade administrativa da gestão 2008-2010, foi recepcionado pelo Plano
de Gestão do Biênio 2010-2012.[...] Foram desenvolvidas as fórmulas de cálculo
do tempo e custo médio de duração de dez tipos de processos: mandado de
segurança, habeas corpus, apelação criminal, apelação cível, ação rescisória,
embargos infringentes cíveis e criminais, recurso em sentido estrito, agravo de
instrumento, medidas cautelares. Os cálculos revelaram que o processo com
tramitação mais cara é o Mandado de Segurança (R$ 2103,80), e o de menor
custo é o Habeas Corpus (R$ 267,90)”1.
• Bloqueamento de processos
• Ritmo e andamento nas mais diversas fases
1
Assessoria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: “TJDFT
conclui projeto que mede tempo e custo médios de tramitação de processos da 2ª Instância”. Notícias ACS
- 15/7/2011 online
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PARTE II
Acesso à justiça
A justiça cível é o lugar para tratar do tema, pois a esfera “penal há, por assim
dizer, uma procura forçada da justiça, nomeadamente por parte do réu” – e o caso da
ação penal privada?
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Com essa opção, aparentemente técnica, pode veicular: “opções a favor ou
contra interesses sociais divergentes/antagônicos”: patrões/empregados, proprietários de
imóveis/inquilinos, instituições financeiras/consumidores, etc
• experiência anterior
• medo de represálias (justiça do trabalho)
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A esse respeito: “...sabe-se que cresce a probabilidade de se buscar direitos
quando aumentam os graus de escolaridade e de renda; e, inversamente, baixos níveis
de renda e de escolaridade tendem a operar como fatores que inibem a realização de
direitos e, em decorrência, o uso de tribunais” (Desasso, 2001, p. 77).
Não existem dados disponíveis a esse respeito: “Essa hipótese que contempla
o alto uso dos serviços do Judiciário por uma parcela restrita da população mereceria
ser melhor trabalhada. Faltam, entretanto, dados mais específicos para a sua discussão.
Seria imprescindível qualificar os autores e os réus dos processos, sobretudo na área
cível. Somente assim seria possível saber se, de fato, a utilização do judiciário está
estreitamente correlacionada a um grupo específico da sociedade, exatamente aquele
que dispõe de mais recursos econômicos, sociais e intelectuais” (SADEK, LIMA e
ARAÚJO, 2001, p. 40).
21
Administração da justiça como instituição política
Esse segundo passo é um tema amplo que contém diversos objetos e formas
de análise
Estímulos
Pressões
Logo, processam inputs externos
Exigências sociais
Exigências políticas
Formação profissional
Que relação existe entre a decisão judicial e
Idade
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ênfase nos valores da ordem, equilíbrio, segurança social e certeza do direito
23
Conflitos sociais e os mecanismos da sua resolução
exemplos:
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b. o relativo declínio da litigiosidade civil não significa a diminuição dos conflitos sociais
e jurídicos, mas resulta do desvio desses conflitos para outros mecanismos de resolução,
informais e mais baratos, existentes na sociedade.
b) os conciliadores na França;
c) a arbitragem; e
PARTE III
1 – democratização da justiça
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Um compromisso do judiciário, em sua forma de administrar a justiça com os
valores de democratização da vida social, econômica e política.
b) esse serviço deve eliminar não apenas os obstáculos econômicos, mas, também, os
sociais e culturais: esclarecer os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente
aquisição, através de consultas individuais e coletivas e das ações educativas nos meios
de comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas etc.
26
Exemplos:
1 - Damásio de Jesus diz que, no plano da tipicidade, o art. 216-A do Código Penal -
assédio sexual - é “confuso”, “peca pela limitação da incriminação (parágrafo único
vetado) e exagero punitivo (em quantidade, a pena mínima é a mesma do aborto
consentido)” (JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 756).
2 - “...é mais fácil sonegar tributos que furtar botijões de gás; do mesmo modo, tipos
penais como casa de prostituição, dano, furto qualificado – cuja pena é semelhante à
lavagem de dinheiro e superior à sonegação de tributos” (STRECK, Lenio Luiz. O que
é isto – decido conforme minha consciência? 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010, p. 133, nota 117).
A esse respeito: “Convém [...] apresentar a tese do sociólogo polonês Zygmunt Bauman
(1998) explanada em uma conferência proferida em maio de 1995. Para ele, na ordem
mundial já existem provas inequívocas da existência de uma vinculação muito próxima
‘...da tendência universal para uma radical liberdade do mercado ao progressivo
desmantelamento do estado de bem-estar’. Além disso, essa íntima vinculação, estaria
presente também ‘...entre a desintegração do estado do bem-estar social e a tendência a
incriminar a pobreza’” (ALVES, 2010, p. 19).
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sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses
conhecimentos têm de ser tornados disponíveis e, sobretudo no que respeita aos
conhecimentos sobre administração da justiça...” (SANTOS, 1986, p. 32) – Outro
autor José Eduardo Faria, “...em matéria de ensino jurídico e de formação dos
operadores do direito, não há mais como se confinar sua cultura técnico-profissional
aos rígidos limites formalistas de uma estrutura curricular excessivamente
dogmática, na qual a autoridade do professor representa simbolicamente a
autoridade da lei e o tom da aula magistral permite ao aluno adaptar-se à linguagem
da autoridade”2
REFERÊNCIAS
ALVES, Juliano Vieira. Por uma jurisdição republicana: o ideal da soberania popular no
processo judicial. Monografia de Pós-graduação Lato Sensu, em Processo Civil.
UniCEUB/ICPD, Brasília, 2010.
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Fariñas Introdução à análise sociológica
dos sistemas jurídicos; tradução feita por Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.
DESASSO, Alcir. Juizado especial cível: um estudo de caso. In: Maria Tereza Sadek
(org.) Acesso à justiça. Série pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001.
FREITAS, Amílcar Cardoso Vilaça de; COSTA, Elizardo Scarpati. O direito moderno
sob a ótica dos clássicos da sociologia: análises e questionamentos. Caderno CRH.
Salvador. vol.26, n.69, pp. 639-653. Set. dez., 2013.
DIAS, Reinaldo. Sociologia do Direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo: Atlas, 2009.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa
do direito. 6ª ed. rev. atu. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SADEK, Maria Tereza; LIMA, Fernão Dias de; ARAÚJO, José Renato de Campos. O
judiciário e a prestação de justiça. In: Maria Tereza Sadek (org.) Acesso à justiça. Série
pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça.
Revista Crítica de Ciências sociais, nº 21. Nov. 1986, PP. 11-37.
2
FARIA, José Eduardo. “Introdução: o judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico”. In: Jose Eduardo
Faria (org.). Direitos Humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 26.
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2. RELAÇÕES SOCIAIS E RELAÇÕES JURÍDICAS. CONTROLE
SOCIAL E O DIREITO:
PRESSUPOSTO
"Todas as sociedades, sem exceção, são governadas por normas" (SCURO
NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições
jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245).
"...mecanismo utilizado pela sociedade e pelos grupos sociais para que seus
membros adotem comportamentos previsíveis e aceitos pela maioria de seus integrantes,
evitando-se as condutas desviantes e que podem prejudicar a convivência coletiva"
30
(DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo : Atlas, 2009, p. 172)
_________________________
INSTITUIÇÃO ATUANTES
31
Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas,
evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245).
_________________________
SOCIEDADES SIMPLES
SOCIEDADES COMPLEXAS
Por sua vez, em sociedades como a nossa, o Direito passou a ser codificado
visando a autonomia individual que, no entanto, se move dentro de limites estreitos,
precisamente para dar ênfase à liberdade individual, integridade física, igualdade jurídica
e garantia patrimonial. Dessa maneira, no mundo moderno a noção tradicional de
codificação adquiriu o caráter de reação contra multiplicidade, obscuridade e dubiedade.
A intenção é facilitar o conhecimento e a aplicação prática do sistema normativo,
garantindo as tão desejadas convicção do Direito e a segurança da justiça: um Direito que
se estende relativamente impermeável a movimentos e mudanças pêlos diversos recantos
da vida social é tão importante quanto uma moeda forte, uma vez que aumenta a coesão
social e torna os indivíduos e as instituições mais interdependentes.
32
integração social, gerando subordinação recíproca e opondo-se à alteração das regras,
mais grave e generalizado tende a ser o impacto das perturbações e dos deslocamentos de
interesses que as mudanças costumam trazer em seu âmago. Seu objetivo primordial é a
preservação da ordem num contexto tão amplo e variado que não pode ser inteiramente
controlado (nem mesmo pela ditadura mais sistemática e violenta) ou subvertido (nem
mesmo pela revolução mais radical).
33
interesses depende de consenso entre diversos tipos de afores e abrange diferentes
situações e áreas de um sistema social. Por exemplo, professores e estudantes
universitários podem ser motivados por objetos catécticos (salário/ diploma) cujo
significado físico e emocional pode inibir, por exemplo, a disposição individual de lutar
por melhores e mais dispendiosas condições de ensino. Mesmo se o consenso em relação
a esses objetos diminui, a orientação original é mantida com a ameaça ou o receio de
desemprego, possibilidade de dificuldades ainda maiores para obter um diploma se o
ensino ficar mais rigoroso etc.
B) INSULAMENTO
C) REINTEGRAÇÃO
34
OUTRA CLASSIFICAÇÃO
a) explícitas, indicando à população de forma exata e clara aquilo que não deve fazer;
35
36
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO:
"Uma parte dos estudiosos entende que o direito, como manifestação social,
é determinado pelo contexto sociocultural: a sociedade produz o direito que lhe convém.
Dentro desta perspectiva, os autores mais críticos sustentam que existe apenas uma
imposição de interesses por parte dos grupos que exercem o poder.
Estes conseguem impor aos sujeitos mais fracos as regras de conduta que
permitem reproduzir, em nível normativo, a dominação social.
Em uma posição contrária, situam-se os autores que entendem que o direito é
um fator determinante dos processos sociais. Os autores que adotam esta perspectiva
entendem que o direito possui a capacidade de determinar o contexto social, de atuar
sobre a realidade e de mudá-la. Por exemplo, uma lei sobre um novo problema social, ou
uma mudança nas normas promovida por um novo governo, poderá conseguir impor aos
membros de uma comunidade novos tipos de comportamento.
A primeira posição é considerada como realista; a segunda posição tem um
caráter idealista, porque se fundamenta na hipótese de que uma vontade exprimida por
meio de um mandamento ("dever ser", norma jurídica) pode mudar a realidade.
Porém, com relação a este tema entendemos ser possível sustentar uma
terceira posição que nos permite conciliar as duas supracitadas. O direito é, em geral,
configurado por interesses e necessidades sociais, ou seja, é produto de um contexto
sociocultural. Isto não impede que o mesmo possa influir sobre a situação social,
assumindo um papel dinâmico.
Em outras palavras, o direito exerce um duplo papel dentro da sociedade:
ativo e passivo. Ele atua como um fator determinante da realidade social e, ao mesmo
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tempo como um elemento determinado por esta realidade. Dentro deste contexto,
identificam-se as pressões dos grupos de Poder que Podem induzir tanto para que se de a
elaboração de determinadas regras bem como para que as regras em vigor não sejam
cumpridas, levando a um processo de anomia generalizado. Esta análise permite superar
"os modelos de relação causal simples" entre direito e sociedade" (SABADELL, 2013, p.
88)
"Soriano (1997 pp. 311-312) afirma que a relação entre direito e mudança
social se concretiza da seguinte forma:
a) O direito é uma variável dependente, ou seja, um fenómeno social que
muda historicamente em função de outros fenómenos. A relação entre os grupos e as
classes sociais, definida principalmente pelo fator económico, determina as estruturas
jurídicas. O direito pode ser, então, considerado como um produto de interesses sociais,
que dependem das relações de dominação em cada sociedade.
Porém, a determinação social do direito não significa que este seja produto de
um único fator social ou da vontade de uma classe. Além dos interesses económicos, o
direito é influenciado por elementos de ordem física, tais como as invenções e as
tecnologias, e também por valores éticos-culturais assumidos pelos povos de várias
regiões do mundo (pensem na diferença do direito entre países de tradição cristã e de
tradição muçulmana).
Um peso particular possui, finalmente, a tradição jurídica de cada País' que
não muda de um dia para o outro com base nas mudanças sociais. Assim se explica a
defasagem entre a evolução da moral social e a imobilidade do sistema jurídico que já
constatamos no caso dos delitos sexuais. A importância da tradição jurídica explica
também o fato de que países com semelhantes estruturas política e econômica possuem
sistemas jurídicos totalmente diferentes, como mostra o exemplo do direito francês
(fundamentado na lei escrita) confrontado com o direito inglês (fundamentado no caráter
vinculante da jurisprudência)" (SABADELL, 2013, pp. 91-92).
"De conformidade com a tendência predominante em sociologia, Parsons
toma como ponto de partida a hipótese de que todas as sociedades existem normalmente
em um estado de equilíbrio imutável, que é homeostaticamente preservado. Elas mudam,
supõe ele, quando esse estado normal de equilíbrio social é perturbado, por exemplo, pela
violação de normas sociais. Pela quebra da conformidade. A mudança social surge, assim,
38
como um fenómeno resultante da disfunção acidental, externamente motivada, de um
sistema social normalmente bem equilibrado. Além do mais, a sociedade assim
perturbada se esforça, na opinião de Parsons, para voltar ao estado de repouso. Mais cedo
ou mais tarde, segundo ele, um "sistema" diferente, com um equilíbrio diferente, é
estabelecido, que mais uma vez se mantém mais ou menos automaticamente, a despeito
de oscilações, no estado dado. Em uma palavra, o conceito de mudança social refere-se
aqui a um estado transitório entre dois estados normais de imutabilidade, provocado por
uma disfunção" (ELIAS, 2004, pp. 221-222).
VERSÃO TEÓRICA
Igor Suzano Machado: Professor da Universidade Federal de Viçosa, Minas
Gerais, Brasil
MACHADO, Igor Suzano. Jurisdição, hegemonia e integridade: uma Visão
pós-estruturalista sobre o direito e sua relação com a sociedade e a política no Brasil.
Dados. 2013, vol.56, n.4, pp. 943-974.
39
estaria inserido em um contexto de consolidação da instância política. Portanto, suas
instituições procurariam impor e manter uma ordem desejada pelas elites políticas e não
por toda a comunidade (Nonet e Selznick, 2010:75).
Como a coerção e a manutenção da ordem são características de qualquer
sistema judicial, o direito repressivo guarda semelhanças com qualquer sistema jurídico.
Apesar disto, deve-se ter em mente que o Direito não se limita ao uso da coerção, mas,
sim, combina este uso com uma reivindicação de legitimidade do poder político. E no que
diz respeito à dimensão de ser uma instância de legitimação do poder político, o direito
repressivo é, em grande medida, deficiente. É por isto que Nonet e Selznick apresentam,
como uma evolução do direito repressivo, o direito autônomo, que tem como objetivo
fornecer uma base mais sólida para a legitimidade do poder político em uma sociedade
dotada de maior complexidade e diversidade (Nonet e Selznick, 2010:100).
O objetivo do direito autônomo, como uma evolução do modelo repressivo,
seria estabelecer um governo das leis, em vez de um governo dos homens. No modelo
autônomo, todos, governantes e governados, estão sujeitos à mesma ordem jurídica e
sistema judicial. Esta natureza universal do seu "modelo de regras" proporciona ao direito
autônomo os recursos necessários para a manutenção da legitimidade política em uma
sociedade complexa. Ainda assim, a sua justiça estritamente for mal e processual se
mostrou incapaz de enfrentar algumas injustiças substantivas já fortemente sedimentadas.
Focando seus procedimentos e estando vinculado à obediência estrita às
regras prescritas pelo legislador, um sistema judicial autônomo torna- se insensível às
demandas sociais por justiça substantiva e sua autonomia degenera em isolamento. E se,
por um lado, o direito repressivo, no seu desejo de manter a ordem, foi insensível à
dimensão exigida pelo Direito de promover a legitimidade, por outro lado, o direito
autônomo, com o objetivo de superar os problemas do direito repressivo, acabou
negligenciando uma outra dimensão essencial para o Direito: a promoção da justiça. Neste
contexto, há uma demanda por um novo tipo de direito. Nonet e Selznick chamam este
novo tipo de direito de direito responsivo. A transição do direito autônomo ao direito
responsivo implica uma abertura das instituições judiciais ao seu meio ambiente,
entendido como uma fonte de auto correção. O modelo de regras é enfraquecido, a
equidade não é mais cega para as desigualdades sociais e a desobediência nem sempre é
considerada uma ofensa ao sistema jurídico (Nonet e Selznick, 2010:127).
40
A transformação e evolução sociológica do Direito, descrita por Nonet e
Selznick como a transição do direito repressivo para o direito autônomo e do direito
autônomo para o direito responsivo - lembrando que os três modelos são tipos ideais que
não refletem as realidades empíricas com exatidão - possui consequências nas reflexões
da teoria jurídica. Por exemplo, a transição entre o direito autônomo e o direito responsivo
resultou na passagem de uma teoria jurídica positivista - focada no aspecto formal para a
compreensão da identidade da norma jurídica - a uma teoria jurídica que tenta ir além do
positivismo - seja num positivismo inclusivo, que busca ascrescentar às regras de
reconhecimento da norma jurídica uma dimensão moral, seja numa versão mais
abertamente antipositivista, como na teoria de Dworkin. Assim como argumentei que esta
transformação da teoria jurídica pode ser entendida no âmbito de uma teoria do discurso,
defendo que a transformação das instituições judiciais também pode. E o trabalho de
Nonet e Selznick se apresenta como uma reflexão na qual isto pode ser observado.
Tendo isto em vista, acredito que as transições entre o direito repressivo, o
direito autônomo e o direito responsivo podem ser descritas como uma rearticulação de
elementos discursivos em novas cadeias de significado. Conforme foi dito, para Nonet e
Selznick as noções de direito repressivo, autônomo e responsivo seriam reações do
Direito ao ambiente sociopolítico em que as instituições judiciais estariam inseridas.
Desta forma, a mudança e transição entre os modelos podem ser consideradas repostas a
momentos de deslocamento, que, assim, são tentativas de reconstrução hegemônica,
dotando o sistema de unidade por meio da elevação do que seria apenas um de seus
elementos particulares como sendo a característica determinante da estrutura como um
todo.
Isto é visto claramente na cadeia discursiva unificada sob o significante vazio
"ordem" (no direito repressivo), que é subvertida por uma cadeia discursiva unificada sob
o significante vazio "legitimidade" (no direito autônomo), destacando que o caminho
reverso também pode ser feito, como é subentendido na noção de hegemonia de Laclau e
Mouffe, e posto em destaque também por Nonet e Selznick, quando, apesar de sua postura
abertamente evolucionista, no epílogo do seu livro destacam as formas como o "direito
pode morrer" (Nonet e Selznick, 2010). É menos claro, no entanto, na transição entre o
direito autônomo e o responsivo - talvez pelo sistema judicial responsivo ser mais do que
o sistema judicial contemporâneo, sendo uma promessa ainda a ser alcançada. Mesmo
assim, penso que isto se deve mais à abertura típica do direito responsivo que, em vez de
41
dar ao Direito um novo princípio de fechamento, destaca a contingência deste princípio.
De acordo com o pensamento de Claude Lefort, posto em destaque no início do artigo,
assim como a política democrática, o direito responsivo explicitaria, em alguma medida,
o caráter hegemônico - e contingente - da articulação de seu conteúdo.
42
3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA:
SOCIOLOGIA DO DIREITO
Ver depois:
PARTE 1
ASPECTOS TEÓRICOS/HISTÓRICOS
O movimento da codificação
Informação
O conhecimento técnico domina a
Comunicação
43
Adensou e potencializou os fluxos de informação
e de comunicação, mas
O conhecimento técnico-jurídico
Reduziu os agentes desse fluxo a um pequeno
círculo profissional
PARTE 2
IMPACTOS NA COMUNICAÇÃO INTERNA
46
PENTEADO, Luiz Fernando Wowk; PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Curso modular de
administração de justiça: planejamento estratégico. pp. 439-464, São Paulo: Conceito
Editorial, 2012, p. 450).
47
antes dos anos 1950 ou 1970. Em termos legislativos, estaríamos passando de uma
preocupação do público fundamentalmente centrada nas normas de comportamento
(proibir ou liberalizar tal comportamento) a uma preocupação ancorada cada vez mais na
demanda por penas mais severas, incluindo maior restrição na liberdade condicional e nas
condições de vida carcerárias. Esse (novo) problema se constrói, sobretudo, mas não
exclusivamente, nas relações entre o público e os governantes (PIRES, A. A racionalidade
penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos CEBRAP. (68), 39-60,
2004, p. 51).
O IMPACTO possui duas vertentes
Exclusividade do conhecimento
2 pilares da abdicação comunicativa e técnico/profissional
informacional dos tribunais são
questionados Distinção entre informação relevante e
informação não relevante
“Como os dois pilares foram cruciais para a despolitização dos tribunais, ao reduzirem
a legitimidade política ao rigor e à eficácia técnica, não surpreende que o
questionamento deles implique a repolitização dos tribunais, suscitando, assim, uma
questão de legitimidade” (SANTOS, 2005, p. 25)
48
Os limites se tornam mais convincentes que a análise das
possibilidades
ACESSO À JUSTIÇA
RECURSOS HUMANOS
Formação permanente
A mudança deve ser acompanhada de
Avaliar preconceitos e barreiras culturais
49
COMUNICAÇÃO INTERNA
GESTÃO DE PROCESSOS
Projeto de modernização
Esse deve ser o objetivo de qualquer
Introdução de novas tecnologias
Outras questões
A linguagem judicial
VER OS ANEXOS I e II
50
PARTE 3
A ENTRADA DA OPINIÃO PÚBLICA NA APLICAÇÃO DO DIREITO
Objetivos
Práticas discursivas
51
de formalidades legais em detrimento do possível desgaste perante a opinião pública,
como se desta haurisse sua legitimidade, não pode ficar imune a uma reflexão quanto à
tutela das condições de imparcialidade na distribuição da justiça” (TORON, Alberto
Zacharias. Notas sobre a mídia nos crimes de colarinho branco e o judiciário: os novos
padrões. Revista brasileira de ciências criminais. v. 9, n. 36, p. 257-272, out./dez. 2001).
TV JUSTIÇA
“os meios de comunicação social, transformam esse teatro de culto num teatro de
boulevard, espectáculo como entretenimento segundo uma linguagem directa e
acessível a grandes massas” (SANTOS, 2005, p. 99).
Com um grande poder, os comunicadores usam essas disjunções em seu
favor
O juiz, que sempre se opôs “...a ter por detrás de si o povo, fica desarmado
perante um adversário que traz consigo um povo muito curioso, talvez ressentido e, se
não mesmo, sedento de vingança” (SANTOS, 2005, p. 99).
a) POSITIVO:
Passa a haver uma maior vigilância sobre processos que sofrem influências
52
nefastas da política ou das relações pessoais: “A mídia e a opinião pública usualmente
cobram de julgadores que julguem seus processos, que entreguem justiça à população e,
por vezes, que não se deixem influenciar por elementos externos indesejáveis, como a
corrupção, os interesses escusos das relações etc” (FERNANDES, Ricardo Vieira de
Carvalho. Influências extrajurídicas sobre a decisão judicial: determinação,
previsibilidade e objetividade do direito brasileiro. 2013. 352 f. Tese (doutorado) -
Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito,
Doutorado em Direito, Estado e Constituição, 2013, p. 307).
"Dessa forma, foram capazes de conter influências da política ou das relações pessoais
ao mesmo tempo em que exerciam sua força a direcionar a velocidade do julgamento.
Afinal, a sociedade pedia pelo julgamento deste caso" (FERNANDES, 2013, p. 307)
• GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora de Souza de. Populismo penal midiático:
caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013.
• FALCÃO, Joaquim. (org.) Mensalão: diário de um julgamento: Supremo, mídia e
opinião pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
b) NEGATIVO:
53
Auto-censura
Produz reflexos de
Vedetismo
Senhora Presidente, tenho brevíssima introdução que vale para todos os votos que darei
em todos os itens.
Tenho reiteradamente afirmado, inclusive nesta Corte, em votos anteriores, o que aprendi
com o jusfilósofo argentino Enrique Mari: o discurso da ordem abrange o lugar da
racionalidade - a lei - e o lugar do imaginário social como controle das disciplinas das
condutas humanas e da sua sujeição ao poder. 'A racionalidade veiculada pelo direito
positivo, direito posto pelo Estado, pretende dominar não apenas os determinismos
econômicos, mas também os arroubos emocionais da sociedade, inúmeras vezes
insuflados pela mídia. Afirmei há alguns anos em artigo que escrevemos, o Professor
54
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e eu, para ser publicado na revista Teoria Política,
dirigida por Norberto Bobbio. Condenam-se pessoas mesmo antes da apuração dos fatos.
A imprensa livre é por certo indispensável à plena realização da democracia. Por isso ela
há de ser necessariamente imune à censura. Para que possa esclarecer a sociedade, a quem
deve servir, mesmo porque o titular da imunidade à censura é o povo, não o proprietário
do veículo. A alusão que aqui faço a determinados desvios, bem determinados,
evidentemente não pode ser tido como desconsideração ou menosprezo, de minha parte,
do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reporto-me a desvios
cuja substancialidade não pode ser negada.
Mas não me cabe tratar dessa patologia na formulação do nosso imaginário. Aqui devo
cumprir o meu dever, preservando a minha independência, expressão de atitude firme e
serena em face de influências provenientes do sistema social e do governo.
Independência que permite ao juiz tomar não apenas decisões contrárias a interesses do
governo - quando exige uma Constituição e a lei -, mas também impopulares, que a
imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.
55
própria imprensa" (fls. 837/838).
56
Feil. Curso modular de administração de justiça: planejamento estratégico. pp. 439-464,
São Paulo: Conceito Editorial, 2012, pp. 454-455).
(...)
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com
objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância
equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.
(...)
Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos,
sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua
publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.
57
(...)
Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada
e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de
qualquer natureza.
(...)
Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que
sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os
argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.
Direito de informação
São tentativas de equilíbrio entre o
Respeito aos direitos de cidadania
58
que ela consiga manter a sua legitimidade mesmo após estas decisões e, mais ainda, para
ter suas decisões respeitadas e seguidas” (FALCÃO, Joaquim; OLIVEIRA, Fabiana Luci
de. Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da "ficha-limpa".
Opinião Pública. Campinas. Universidade Estadual de Campinas, v. 18, n. 2, pp. 337-
354, nov. 2012).
59
absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a
abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe"
2. proteção endoprocessual:
60
Administração Pública em geral, além de outros dispositivos dispersos ao longo do Texto,
o qual não confere, quanto a isso, qualquer imunidade ao Poder Judiciário" (DALLARI,
Adilson Abreu. Controle compartilhado da administração da justiça. Revista jurídica.
Brasília. v. 7, n. 73, p. 1-16, jun./jul. 2005).
ANEXOS
61
Em todas elas a justiça deixa a desejar aos olhos do cidadão.
Estes estudos corroboram o diagnóstico geral que vem sendo discutido nas
últimas décadas de que o Judiciário brasileiro tem apresentado historicamente pouca
capacidade de resposta aos anseios e demandas sociais (MACHADO, 1994; SADEK,
2004) (FALCÃO, Joaquim; OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Poder Judiciário e Competição
Política: as eleições de 2010 e a lei da "ficha-limpa". Opinião Pública. Campinas.
Universidade Estadual de Campinas, v. 18, n. 2, pp. 337-354, nov. 2012, p. 338).
II – regulamentos do CNJ
e) Atuação Institucional:
62
atribuições constitucionais e regimentais, e
CONSIDERANDO o disposto no art. 37, caput e §1º, da Constituição Federal, e nos arts.
48 e 48-A da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, com as alterações
promovidas pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009;
RESOLVE:
Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre a transparência na divulgação das atividades dos
órgãos do Poder Judiciário a que se referem os incisos I-A a VII do art. 92 da Constituição
Federal.
63
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou
servidor público;
64
§2º Os conteúdos mínimos estabelecidos no inciso III não excluem outras informações
exigidas por lei, resolução do Conselho Nacional de Justiça, ato normativo dos tribunais
e conselhos ou recomendações da Corregedoria Nacional de Justiça.
Art. 3º Todo tribunal manterá serviço de atendimento aos usuários da Justiça para receber
sugestões, críticas e reclamações acerca de suas atividades administrativas e
jurisdicionais, preferencialmente por meio de ouvidorias. (abertura democrática)
Art. 5º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, salvo quanto aos
sistemas de informação descritos no art. 2º, inciso III, que poderão ser implantados até 1º
de janeiro de 2010.
CONSIDERANDO que essa necessidade se reflete dentro de cada órgão da Justiça e entre
eles próprios;
65
Poder Judiciário, com aprovação no Tribunal Pleno ou Órgão Especial".
RESOLVE:
IV – disseminar informações corretas sobre assuntos que sejam de interesse público para
os diferentes segmentos sociais e que envolvam as ações do Poder Judiciário; (ver anexo
I)
66
direitos e da paz social (anexo I). (repolitização)
VII – vedação do uso dos meios de comunicação social para a promoção pessoal de
magistrados ou servidores, em ações desvinculadas das atividades inerentes ao exercício
das funções do Poder Judiciário;
I - Imprensa
67
II - Relações Públicas
IV – Promoção
V - Patrocínio e
b) Publicidade institucional;
c) Publicidade mercadológica;
d) Publicidade legal.
Parágrafo único – As áreas constantes dos incisos deste artigo serão definidas em ato do
Presidente do Conselho Nacional de Justiça.
68
I – coordenar o desenvolvimento e a execução das ações de publicidade, classificadas
como institucional ou de utilidade pública, de responsabilidade do Conselho Nacional de
Justiça e dos Tribunais Superiores, quando exijam esforço integrado de comunicação e,
quando for o caso, do Supremo Tribunal Federal, nos termos do parágrafo único do art.
4º;
III – zelar, nas ações de publicidade do Poder Judiciário, pela observância dos objetivos
e diretrizes previstos nos artigos 1º e 2º, no tocante ao conteúdo da comunicação e aos
aspectos técnicos de mídia;
VII – orientar sobre as diretrizes básicas para a comunicação digital nos sítios e portais
dos órgãos do Poder Judiciário;
VIII – apoiar os integrantes do SICJUS nas ações de imprensa que exijam, pela natureza
da pauta, articulação interna e participação coordenada no âmbito do Poder Judiciário;
69
X – subsidiar na elaboração de minutas de editais e de projetos básicos para a contratação
de prestadores de serviços de assessoria de relações públicas, de assessoria de imprensa,
de comunicação digital, de promoção e de pesquisa de opinião encaminhados pelos
integrantes do SICJUS;
Art. 7º - Cabe às demais unidades administrativas de que trata o art. 4º, sem prejuízo da
subordinação administrativa aos órgãos de que fazem parte:
I – atender às normas pertinentes às ações, atos e processos de que trata esta Resolução
ou dela decorrentes;
70
II – identificar e difundir as boas práticas para o aprimoramento de processos e
mecanismos a serem adotados no exame, seleção e avaliação de campanhas institucionais.
§2º - O Conselho Nacional de Justiça prestará o apoio necessário aos trabalhos do Comitê
de Comunicação Social do Judiciário.
71
penetração na massa popular, manipula, com extrema facilidade, o comportamento
social. Uma prova concreta da mencionada influência pode ser extraída da obra de João
Féder: durante as eleições presidenciais norte-americanas de 1960, dois candidatos,
Kennedy e Nixon, colocaram-se frente a frente para um debate televisivo. Antes de tal
fato, o eleitorado dividia-se em 47% para Nixon e 46% para Kennedy, mas depois, essa
situação se alterou para Kennedy 51% e Nixon 45%. Ulteriormente, com a vitória de
Kennedy por apenas 112.881 votos, uma pesquisa apontou que quase três milhões de
pessoas confessaram haver votado em Kennedy influenciadas pela televisão. Afirmou,
então, o presidente eleito: “Foi a TV, mais do que qualquer outra coisa, que fez virar a
maré”.
72
Com os jurados é pior: envolvidos pela opinião pública, construída massivamente por
campanhas da mídia orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles outra conduta que
não seguir a corrente”.
73
processo legal”.
NOTA FINAL
74
O senhor diria que o STF está muito exposto?
75
4. CONFLITOS SOCIAIS E MECANISMOS DE RESOLUÇÃO.
SISTEMAS NÃO JUDICIAIS DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS:
77
QUE RELAÇÃO EXISTE ENTRE ANOMIA E MUDANÇA SOCIAL?
Ana Lúcia Sabadell: "Os teóricos da anomia identificam no comportamento
anômico ("rebelde" ou "inovador") um incentivo à mudança social, ou então consideram
este comportamento como consequência de mudanças sociais, que desorientam os
indivíduos (Passas, 1993, p. 39). Sustenta-se, assim, que a anemia anuncia uma mudança
social ou que surge como fenômeno de reação a esta mudança. Nos dois casos considera-
se que, no momento de manifestação da anemia, a sociedade possui uma clara orientação
em relação aos seus valores e regras" (SABADELL, 2013, p. 83).
UM CONFLITO SOCIAL PODE SER CONSIDERADO, DO PONTO DE VISTA
SOCIOLÓGICO, COMO ALGO NEGATIVO? EXPLIQUE.
Pedro Scuro Neto: "Para entender a desorganização dos diversos segmentos
sociais é preciso estudar a rede de relações e dos processos sociais que os constituem.
Conflitos ou problemas sociais devem, ser analisados na sua diversidade, como se fossem
questões distintas, associadas a dinâmicas diversas, à luz de uma perspectiva segundo a
qual a anormalidade, a barbárie e o caos não são estritamente anomalias a serem
prevenidas ou eliminadas, ou disfunções que podem ser neutralizadas, mas também como
um aspecto da própria normalidade, essencialmente inseparável da vida virtuosa e
organizada" (SCURO NETO, 2010, p. 197).
Reinaldo Dias: "... o desvio social, embora apresente aspectos negativos e
haja todo um sistema voltado para combatê-lo, tem a seu favor o fato de contribuir para
o processo de mudança social, pois o que é considerado um desvio num determinado
momento poderá não sê-lo no futuro. O desvio social, portanto, traz embutida a
possibilidade de tornar-se numa outra época uma regra aceita e compartilhada pela
maioria dos membros naquela sociedade determinada. O desvio social, portanto, é
bastante relativo, é concretamente definido em função do tempo e do espaço. Um desvio
social do passado poderá ser uma regra do presente; e um desvio social num determinado
país poderá ser uma importante regra de conduta em outro" (DIAS, 2009, p. 151).
CONCEITUE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL.
Jürgen Habermas: "...atos que são ilegais segundo sua forma, embora sejam
executados em apelo aos fundamentos legitimadores da ordem do Estado democrático de
direito, reconhecidos em comum" (HABERMAS, 2015, p. 132).
Jürgen Habermas: "Quem recorre ao protesto dessa maneira se vê em uma
situação na qual só lhe restam, tratando-se de uma questão de consciência moral, os meios
78
drásticos, carregados de riscos pessoais, para despertar a disposição áe novamente
deliberar e formar a vontade a respeito de uma norma vigente ou de uma política decidida
com força de lei, dando impulso à revisão áe uma opinião da maioria. Quem se decide
pela desobediência civil não quer se dar por satisfeito com que estejam esgotadas as
possibilidades de revisão institucionalmente previstas, dado o alcance de uma
regulamentação considerada ilegítima. Por que a ação do que aceita o risco de uma
persecução penal por essas razões não iria poder se chamar resistência"?" (HABERMAS,
2015, p. 132).
FALE SOBRE O CONCEITO DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
Jürgen Habermas: "O filósofo moral norte-americano John Rawls propôs, em
sua conhecida obra Uma teoria da justiça, a seguinte definição: a desobediência civil se
manifesta em "uma ação pública, não violenta, determinada pela consciência moral, mas
contrária à lei, que deve suscitar de hábito uma modificação das leis ou da política
governamental" (HABERMAS, 2015, p. 133).
QUAIS SÃO, SEGUNDO RAWLS, AS TRÊS CONDIÇÕES DEVEM SER
SATISFEITAS PARA JUSTIFICAR A DESOBEDIÊNCIA CIVIL?
Jürgen Habermas: "o protesto tem de dirigir-se contra os casos bem
circunscritos de injustiça grave; as possibilidades de influências legais promissoras têm
de estar esgotadas; e as atividades da desobediência não podem assumir uma extensão
que ameace o funcionamento da ordem constitucional" (HABERMAS, 2015, p. 133).
A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS FICA RELEGADA ÀS NORMAS
JURÍDICAS?
Não! F.A. de Miranda Rosa: "Os costumes, as normas de natureza moral ou
religiosa, e outras formas normativas da vida social, conduzem também à acomodação
dos interesses conflitantes, de modo que no universo da interação social muitos
mecanismos, ou processos, atuam simultaneamente, compondo, acomodando ou
ajustando situações" (ROSA, 2004, p. 67-68).
O MECANISMO JUDICIAL É A MELHOR FORMA DE RESOLUÇÃO DOS
CONFLITOS SOCIAIS?
Não! "Alguns conflitos específicos não são resolvidos pela Justiça, pela
própria característica do conflito. Um exemplo pode ser o conflito socioambiental, muito
discutido atualmente. Esse conflito envolve diversos atores, grupos sociais diferentes,
79
com interesses diversos, políticos, trabalhadores rurais que enfrentam inúmeras
dificuldades quando buscam uma solução no Judiciário. Não é somente determinando o
que a norma estabelece que se resolve a questão. É necessário o diálogo com os diferentes
segmentos envolvidos, a solidariedade de todos, que deve ser resgatada para que, no fim,
um consenso aponte uma solução pacífica. O caminho da mediação é muito bem-visto
por todos como um viés de resolução alternativa para o tipo de questão envolvida. Não é
determinar uma resolução, mas mediar também é um processo de educação como
ferramenta capaz de alcançar a paz social" (SPAGNOL, 2012,p. 164).
REFERÊNCIAS
DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo: Atlas, 2009.
HABERMAS, Jürgen. Desobediência civil: a pedra de toque do Estado democrático de
direito. Um: _____. Nova Obscuridade: pequenos escritos políticos V; tradução Luiz
Repa. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
HONNETH, Axel. LUTA POR RECONHECIMENTO: A gramática moral dos conflitos
sociais. São Paulo: Tradução: Luiz Repa. Editora 34, 2003.
ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como
fato social. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa
do direito. 6. ed. rev., atua), e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e Jurídico: introdução ao estudo do direito,
instituições jurídicos, evolução e controle social. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SPAGNOL, Antonio Sérgio. Sociologia jurídica. In: Formação humanística em direito.
José Fábio Rodrigues Maciel (coord.). São Paulo: Saraiva, 2012.
COMENTÁRIO:
Dois pontos de destaque na sociologia do direito.
Os recentes episódios da justiça na mídia impõem uma análise do candidato a respeito da
relação existente entre Judiciário e mídia.
Em segundo lugar, deve-se considerar que o novo CPC incorporou ao sistema nacional o
que, na literatura estrangeira, denomina-se Justiça multiportas (Multidoor Dispute
Resolution). É um tema importantíssimo e de possível exigência em provas.
Tenham muita atenção.
80
B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
ASSÉDIO MORAL
“No Brasil, Barreto (2003b) realizou uma pesquisa com
2072 trabalhadores de 97 empresas dos setores químico,
farmacêutico, plástico e similares em São Paulo. Utilizando
uma metodologia qualitativa, a autora estimou que 42% dos
trabalhadores apresentavam histórias de humilhações e
constrangimentos, o que evidencia o impacto do assédio
moral nas organizações brasileiras” (MACIEL, et. al., 2007,
p. 119).
“...a manipulação deliberada da ameaça, da chantagem, do
assédio tem sido utilizada como um método de
gerenciamento para desestabilizar, incitar o erro e permitir
o afastamento por uma falta ou incitar a demissão” (PEZÉ,
2004, p. 8).
Considerações iniciais
81
Estados Unidos, Países nórdicos, bálticos e da Europa Central – Mobbing (molestar)
TENTATIVAS DE CONCEITUAR
82
ambientes corporativos. Cadernos EBAPE.BR. Rio de Janeiro. vol.13 no.4 Rio de
Janeiro, p. 821-851, Oct./Dec. 2015).
“O assédio moral é caracterizado por uma conduta abusiva, que pode ser do
empregador, que se utiliza da sua superioridade hierárquica para constranger os
subalternos (o chamado assédio vertical), mas que pode ser também dos trabalhadores
entre si, com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode ocorrer por
motivos de competição, inveja, ou mesmo por discriminação racial, sexual ou religiosa
(o chamado assédio moral horizontal)” (MOTHÉ, 2006, p. 13)
83
relação a ele. Entretanto, quando isso ocorre repetidamente, sem uma razão objetiva, de
modo não construtivo, mas com o intuito humilhante, denota o assédio moral. É
justamente o caráter de perseguição que caracteriza o assédio moral” (TRINDADE,
2010, p. 446)
Assinale-se que essas diferenciações são necessárias não só no campo teórica, mas,
sobretudo, prático, pois evita “...a perda da credibilidade dos casos reais de assédio
moral”3.
3
LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual nas Relações do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, apud
TRINDADE; TRINDADE; MOLINARI, 2010, p. 47.
84
Intencionalidade
Repetição
Duração
Dano
FIGURAS CORRELATAS
perseguições coletivas
violência ligada ao trabalho em si
MOBBING:
Citando o Comitê Nacional inglês sobre o assédio, Maciel afirma que: "o termo
mobbing deveria ser reservado para caracterizar o assédio moral que ocorre no
trabalho, pois esse tipo de assédio envolve relações sutis entre o assediador e o
grupo ou equipe de trabalho e comportamentos sofisticados tais como o
isolamento da vítima, por exemplo, e raramente violência física" (MACIEL, et.
al., 2007, p. 118).
Quatro categorias de assédio moral no trabalho (MACIEL, ET. al., 2007, p. 118):
85
Recusar a comunicação direta: É uma atitude muito sutil que deixa a vítima sem saber
como reagir, principalmente por não explicitar abertamente o conflito. A vítima passa
a se sentir deslocada, mas muitas vezes não compreende a situação e, via de
consequência, não tem como reagir a ela.
Isolar: A vítima é excluída das atividades informais e até mesmo formais: passa a
almoçar sozinha ou deixa de ser convidada para os convívios. Essas atitudes fazem com
que a vítima se sinta insegura e fragilizada, não encontrando forças para se rebelar.
Provocar equívoco: Trata-se de estruturar estratégias para que a vítima realize seu
trabalho de forma inadequada, fazendo com que se considere realmente culpada pelo
equívoco. Tal comportamento, além de provocar uma diminuição da autoimagem da
vítima, repercute no círculo social, fazendo com que os demais desvalorizem as
qualificações da vítima.
AS CONSEQUÊNCIAS
86
aumento expressivo do pedido de licenças médicas e afastamentos por doença”
(GUIMARAES e RIMOLI, 2006, p. 184).
A face mais sensível, entretanto, é a pessoal: “Os gestos de uma profissão são
a fonte fundamental de estabilização da economia psicossomática, oferecendo à
excitação pulsional uma saída socialmente positiva ao valor da sublimação. Tornar sua
execução aleatória, paradoxal, humilhante, dia após dia, tem efeitos traumáticos sobre
a psique. A subordinação própria à definição jurídica de contrato de trabalho prende o
assalariado numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o aparelho psíquico
só pode se afrontar a uma situação excessiva fonte de excitação graças a duas grandes
vias de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o ‘excesso’ intrapsíquico, o
movimento, que descarrega o corpo do excesso de tensão. Numa situação de assédio, a
repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as injunções paradoxais têm valor
de destruição psíquica e suspendem todo trabalho do pensamento. A impossibilidade de
demitir-se sob pena de perder seus direitos sociais barra a descarga sensório-motora. O
impasse criado nestas duas grandes vias de escoamento das excitações traumáticas
convoca fatalmente a ruína depressiva e a via somática mais ou menos a longo termo”
(PEZÉ, 2004, p. 07).
87
sujeito isolado não pode beneficiar-se delas, ele pode ser atingido, ou servir, pelo seu
estado, de bode expiatório dos outros” (PEZÉ, 2004, pp. 7/8).
Depressão
Ansiedade
Sociofobia
principais conseqüências:
ataques de pânico
(MACIEL, et. al., 2007, p.
119) baixa auto-estima
desordens psicossomáticas tais como insônia,
melancolia, apatia, falta de concentração, sudorese,
tremores etc.
mobbing afetou sua saúde física e 43% sua saúde mental e, como
conseqüência destes, 26% e 92%, respectivamente, tinham procurado
tratamento médico, psiquiátrico ou outra ajuda profissional.
Efeitos Adversos à Saúde
88
Ascendente: Uma pessoa que pertence a um nível hierárquico superior da organização,
se vê agredida por um ou vários subordinados. Geralmente, o início se dá quando
alguém de fora é introduzido na empresa em um cargo superior, porque seus métodos
não são aceitos pelos trabalhadores que se encontram sobre seu comando ou porque
este cargo é desejado por algum deles. Outra modalidade seria aquela em que um(a)
trabalhador(a) é alçado(a) a um cargo de responsabilidades em virtude do qual se
outorga a capacidade de organizar e comandar seus antigos companheiros. A situação
se complica se, previamente, os demais trabalhadores não foram consultados e não
estão de acordo com a promoção, ou se o novo responsável não deixar claros os
objetivos do setor, ocasionando intromissões nas funções de alguma(s) pessoa(s). Em
menor proporção, o mobbing pode ser desencadeado contra aqueles chefes que se
mostram autoritários e arrogantes no contato interpessoal.
89
90
Tabela confeccionada por Yumara Lúcia Vasconcelos (VASCONCELOS,
Yumara Lúcia. Assédio moral nos ambientes corporativos. Cadernos EBAPE.BR. Rio de
Janeiro. vol.13 no.4 Rio de Janeiro, p. 821-851, Oct./Dec. 2015).
91
A vítima é chantageada e pode ser levada
Não oferece nenhum tipo de benefício
a acreditar que vai se "beneficiar" com a
para a vítima;
situação;
Necessita ser um comportamento
Pode ocorrer uma única vez;
recorrente;
É fruto da inveja; É fruto da paixão, do desejo;
Pode ou não haver diferença hierárquica. Pressupõe uma diferença hierárquica.
"Não obstante haja certa similitude entre assédio sexual e assédio moral, os
fenômenos se distinguem, sendo importante esclarecer as diferenças entre os conceitos.
REFERÊNCIAS:
AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio moral: o direito à indenização pelos maus-tratos e
humilhações sofridos no ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
92
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade; tradução Sebastião
Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3: dos crimes contra . 8ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
DESOUZA, Eros; BALDWIN, John R. and ROSA, Francisco Heitor da. A construção
social dos papéis sexuais femininos. Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre, 2000,
vol.13, n.3, pp. 485-496 [online].
FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS Junior, Marcos Julio
Olivé. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.
FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio
Olivé. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 7ª ed. Niterói, RJ:
IMpetus, 2010.
GUIMARAES, Liliana Andolpho Magalhães; RIMOLI, Adriana Odalia. “Mobbing”
(assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional.
Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol. 22, n.2, pp. 183-191, 2006 [online].
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2002a.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral;
tradução Rejane Janowitzer. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MACIEL, Regina Heloisa et al. Auto relato de situações constrangedoras no trabalho e
assédio moral nos bancários: uma fotografia. Psicologia & Sociedade. Porto Alegre, v.
19, n. 3, pp. 117-128, 2007. Dec. 2007 [online].
MATTA, Roberto da. O que faz Brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal interpretado. 7ª ed.
São Paulo: Atlas, 2011.
PEZÉ, Marie-Grenier. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de
gênero. Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 [online].
TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica: para operadores do direito. 4ª. ed,
rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
TRINDADE, Jorge; TRINDADE, Elise Karam; MOLINARI, Fernanda. Psicologia
judiciária: para a carreira da magistratura. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
O que distingue o ASSÉDIO SEXUAL do ASSÉDIO MORAL?
93
"Não obstante haja certa similitude entre assédio sexual e assédio moral, os
fenômenos se distinguem, sendo importante esclarecer as diferenças entre os conceitos.
ANEXO II
4
TRINDADE, 2010, pp. 70/72.
94
1. Repressão ou recalcamento: Freud (1969) considerou a repressão a rainha de
todas as defesas e a ela dedicou a maior parte de sua atenção. Consiste em expulsar da
consciência desejos, sentimentos, ideias, ou fantasias desprazerosos, que, em
permanecendo fora dela, não causam ansiedade. Embora seja utilizada por quase todos
os neuróticos, é bem característico da neurose histérica.
95
8. Negação: é o mecanismo por meio do qual a realidade externa é considerada
como não existente por ser desagradável ou penosa ao ego. O indivíduo reinterpreta
uma situação geradora de ansiedade, redefinindo-a como inocente.
96
inconsciente é deslocada para uma consciente. Também é observado no sonho pela
substituição de uma figura emocionalmente carregada por uma neutra.
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
97
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos
e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de
comportamento hostil;
Mecanismos Autocompositivos
99
(TJ/DFT/Juiz/2013) Discorra sobre os mecanismos autocompositivos, com
foco nos fundamentos jurídicos da conciliação, nos princípios e estratégias da mediação
e na análise de técnicas, posturas, condutas e procedimentos aptos a facilitar a mediação
e a obter a solução conciliada dos conflitos.
Para responder a essa questão, sugere-se fortemente a leitura do Manual de
Mediação do TJDFT (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS. Manual de Mediação Judicial. organizador André Gomma de Azevedo.
5ª ed. Brasília, TJDFT, 2015).
A questão, realizada em 21 março 2014, lidava com o Código Processo Civil
de 1973. Como ideia principal da presente obra consiste na utilização dessas experiências
anteriores para provas futuras, a resposta será dada com base nos dispositivos do novo
CPC.
Como estratégia introdutória, pode-se elaborar um parágrafo que mencione a
mudança de paradigma ocorrida nos últimos anos e a positivação do tema no novo CPC.
O candidato estará no do contexto proposto (“discorra sobre”).
O tratamento adequado dos conflitos e a mudança de paradigma
O CPC/2015 incorporou ao processo brasileiro uma concepção de acesso à
justiça que já existia no Conselho Nacional de Justiça. Com efeito, a resolução CNJ
125/2010 já destacava ao Judiciário a incumbência de “estabelecer política pública de
tratamento adequado aos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem
em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não
somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-
lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais,
como a mediação e a conciliação”.
Em larga medida, o novo CPC adota a ideia de que, em alguns casos, a forma
jurisdicional pode não ser adequada para tratar um litígio. Diferentemente do CPC/73 que
não regulava a questão (limitava-se a utilizar a expressão “conciliadores” no seu art. 277,
§1.º, ao tratar da audiência do rito sumário), a Lei 13.105/2015 destina vários artigos à
disciplina desses meios consensuais de resolução de conflitos.
Ao lado da forma convencional de resolução jurisdicional, o novo CPC adota
mecanismos consensuais. Com efeito, já no artigo 3.º reconhece a arbitragem (§1.º) e
100
declara ser dever do Estado promover e estimular a solução consensual dos litígios (§§
2.º e 3.º). Outra constatação importante nesse diapasão diz respeito à inclusão, entre os
auxiliares de justiça, dos conciliadores e dos mediadores (art. 149).
O Brasil incorporou ao sistema nacional o que, na literatura estrangeira,
denomina-se Justiça multiportas (Miltidoor Dispute Resolution). A denominação
nacional foi “Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos” (art. 6º, VI, da
resolução CNJ 125/2010; art. 3º, §3º e 165 do CPC e art. 24 da lei 13.140/2015).
A nomenclatura do sistema é de suma importância, pois a doutrina atual se
distancia do conceito tradicionalmente construído, qual seja: métodos “alternativos” de
resolução de disputas. Assim como o examinador - quando trata do tema como
“mecanismos autocompositivos” –, o CPC/2015, claramente, não alude à arbitragem, à
conciliação e à mediação e a outros métodos como meios “alternativos”, como se
costumava fazer até bem pouco tempo.
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, tratando
da justiça multiportas, destacam esse aspecto: “Embora tenham nascido como meios
alternativos de solução de litígios (alternative dispute resolution), o certo é que o
paulatino reconhecimento desses métodos como os meios mais idôneos em determinadas
situações (como, por exemplo, a mediação para conflitos familiares, cuja maior
idoneidade é reconhecida pelo próprio legislador, no art. 694, CPC) fez com que se
reconhecesse a necessidade de alteração da terminologia para frisar semelhante
contingência. Em outras palavras: de métodos alternativos passaram a métodos
adequados, sendo daí oriunda a ideia de que o sistema encarregado de distribuir justiça
não constitui um sistema que comporta apenas uma porta, contando sim com várias portas
(multi-door dispute resolution), cada qual apropriada para um determinado tipo de litígio”
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo
Código de processo civil comentado. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016).
Nesse tema, João Luiz Lessa Neto destaca um desafio cultural do novo CPC
que remete a espectro demasiadamente amplo de enfoques, mas com dois vetores
especialmente preocupantes: (i) a noção de que a solução consensual é uma “justiça de
segunda linha”; (ii) a ideia de que os meios consensuais devem ser implantados para
ajudar a “desafogar” o Poder Judiciário (LESSA NETO, João Luiz. O novo CPC adotou
101
o modelo multiportas!!!: e agora?! Revista brasileira de direito processual. v. 23, n. 92, p.
97-109, out./dez. 2015).
Essa modificação de cultura, ao conferir maior autonomia às partes, pode ser
destacada já na abertura do CPC quando, por exemplo, manifesta estímulo para que o
resultado do processo seja fruto de um consenso entre as partes (art. 3º, §§2º e 3º e 3º). O
novo paradigma pode também ser encontrado “na possibilidade de estruturação contratual
de determinados aspectos do processo (negócios processuais, art. 190, CPC, e calendário
processual, art. 191, CPC)” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016).
Essa postura é destacada no enunciado nº 187 do FPPC: “No emprego de
esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de
constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de
aconselhamento sobre o objeto da causa”.
Feita essa introdução, um outro aspecto a ser tratado na resposta consiste na
separação entre as figuras do conciliador e do mediador.
OBSERVAÇÃO RELEVANTE:
Existem ainda textos de dentro do direito que consideram a mediação como
alternativa à jurisdição atual. É o caso, por exemplo, de Fabiana Marion Spengler e
Giancarlo Montagner Copelli. Seria "um instrumento voltado não mais para o conflito,
mas para o tratamento deste, resgatando, no cidadão, a autonomia suprimida pelo Estado,
buscando não apenas apresentar resultados mais céleres, mas, sobretudo, mais eficazes
do ponto de vista dos conflitantes - e não mais do Estado, como é atualmente". (...) "...cabe
a proposta de alternativas que não apenas desafoguem o Judiciário, mas que, também,
possam tratar os conflitos de forma mais adequada, buscando, assim, melhorias tanto de
cunho quantitativo como, também, qualitativo" (SPENGLER, Fabiana Marion;
COPELLI, Giancarlo Montagner. A complexa sociedade líquida e as alternativas ao
sistema judiciário frente à ausência do Leviatã. Sequência (Florianópolis), Florianópolis,
n. 69, p. 235-253, jul./dec. 2014).
Contudo, no mesmo texto, há remissão a uma linguagem adequada ao usar a
expressão "tratamento" em vez de "resolução" de conflitos: “Os "conflitos sociais não são
"solucionados" pelo Judiciário no sentido de resolvê-los, suprimi-los, elucidá-los ou
esclarecê-los. Isso porque "[...] a supressão dos conflitos é relativamente rara. Assim
como relativamente rara é a plena resolução dos conflitos, isto é, a eliminação das causas,
102
das tensões, dos contrastes que os originaram (quase por definição, um conflito social não
pode ser "resolvido")". (BOBBIO; PASQUINO, 2004, p. 228). Por conseguinte, a
expressão "tratamento" torna-se mais adequada como ato ou efeito de tratar ou medida
terapêutica de discutir o conflito buscando uma resposta satisfativa" (SPENGLER,
Fabiana Marion; COPELLI, Giancarlo Montagner. A complexa sociedade líquida e as
alternativas ao sistema judiciário frente à ausência do Leviatã. Sequência (Florianópolis),
Florianópolis, n. 69, p. 235-253, jul./dec. 2014, nota de rodapé nº 1).
Distinções entre o conciliador e o mediador
O novo CPC (art. 165, §§2º e 3º) estabelece dois critérios distintivos entre as
as atividades a serem desempenhadas pelo conciliador e pelo mediador.
No primeiro critério, tem-se por base a existência ou inexistência de vínculo
anterior entre as partes. Com efeito, a partir dessa ótica, uma vez considerados aspectos
emocionais que emergem de relações duradouras (casamento, pai e filho, p.ex.), sempre
se menciona uma maior adequação da mediação a conflitos relacionados ao direito de
família. Contudo, José Miguel Medina adverte que a solução não pode ser generalizada a
esse ponto, pois “não raro herdeiros preocupam-se apenas com aspectos patrimoniais em
disputa, não se importando com – ou, às vezes, recusando terminantemente – um
restabelecimento em sua relação)” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de
processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4. ed., rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). De outro lado, a conciliação pode
ser solução satisfatória para eventos instantâneos. Instantâneo no sentido de ser “pontual,
episódico, e não decorrente de relação jurídica continuada” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. Breves comentários ao novo Código de processo civil. 3. ed., rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, comentário 4 ao art. 165). Normalmente, mencionam-
se os litígios relacionados à responsabilidade civil por ilícito extracontratual – acidente
de trânsito, p.ex.
O segundo critério refere-se aos limites e ao modo de atuação do conciliador
e do mediador. Enquanto o conciliador poderá “sugerir soluções para o litígio”, ao
mediador “cabe restabelecer o canal de comunicação entre as partes, a fim de facilitar
uma negociação entre elas, para que possam, por si sós, chegar a um acordo a ambas
favorável” (RUIZ, Ivan Aparecido. A Mediação e o direito de família. Revista de
Arbitragem e Mediação. v. 2, n. 6, p. 75-105, jul./set. 2005).
Fundamentos jurídicos e princípios
103
Sobre os fundamentos jurídicos da conciliação, assinale-se que o CPC impõe
ao juiz a direção do processo com a incumbência de promover, a qualquer tempo, a
autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais
(art. 139, V, CPC). Como já assinalado, os conciliadores e mediadores judiciais, a partir
do novo CPC, passaram à qualidade de auxiliares do juízo cujas atribuições estão
disciplinadas nos arts. 165 a 175, CPC. Convém também destacar que a Lei 13.140/2015
dispõe a respeito da mediação.
Além dessas regras, pode-se mencionar também o Código Civil (art. 840), a
Lei de arbitragem – 9.307/1995 (arts. 21, §4º e 28), o Código do Consumidor (arts. 5º,
IV, 6º, VII e 107) ou, ainda, a Lei 9.099/1995 dos Juizados Especiais, na qual se consagra
a conciliação e a transação como princípios jurídicos (art. 2º).
No que toca aos princípios, o Conselho Nacional de Justiça, ao instituir o
Código de Ética dos Conciliadores e mediadores (ANEXO III da Resolução CNJ
125/2010), enumerou, no art. 1º, os seguintes princípios fundamentais, que regem a
atuação de conciliadores e mediadores judiciais: “confidencialidade, decisão informada,
competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às
leis vigentes, empoderamento e validação”.
De seu turno, o art. 166 do novo CPC explicita os princípios que devem
nortear a atividade dos envolvidos na prática dos métodos de auto-imposição: “A
conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da
imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da
informalidade e da decisão informada”.
Além desses, a Lei nº 13.140/2015 2.º também indica como princípios da
mediação a isonomia entre as partes, a busca do consenso e a boa-fé.
José Miguel Garcia Medina assinala que esses princípios “ora encerram
verdadeiros deveres do conciliador e do mediador (por exemplo, de atuar com
imparcialidade, de guardar confidencialidade), ora garantias (v.g., independência), ora
objetivos a serem alcançados, através do procedimento. Algo semelhante é feito pela Lei
13.140/2015, em relação ao mediador (cf. art. 2.º, em geral, e, quanto à confidencialidade
e suas exceções, art. 30 da mesma Lei)” (MEDINA, 2016)
Estratégias da mediação
Não obstante haver padrões gerais, existem diversas variáveis que
influenciam os estágios da mediação. As variáveis apresentadas por Christopher W.
104
Moore, são as seguintes: “1. O nível de desenvolvimento do conflito e o momento da
entrada de um mediador. 2. A capacidade dos negociadores de resolver sua própria
disputa. 3. O equilíbrio de poder dos disputantes e o papel do mediador como um
equalizador e agente de poder. 4. Os procedimentos de negociação usados pelas partes.
5. A complexidade das questões negociadas. 6. O papel e as tarefas do mediador definidos
conjuntamente pelas partes e pelo interventor” (MOORE, Christopher W. O Processo de
mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. tradução Magda França
Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 68).
A partir da apresentação desses elementos, deve ser ressaltada a flexibilidade
procedimental do processo de mediação. Ressalte-se: “apensar de ser útil ter uma
estrutura a seguir, o mediador possui a liberdade de, em casos que demandem abordagens
específicas, flexibilizar o procedimento conforme o progresso das partes ou a sua forma
de atuar” (AZEVEDO, André Gomma de (org.) Manual de mediação judicial. Brasília:
Ministério da Justiça, 2010, p. 50).
Técnicas, posturas, condutas e procedimentos
Com o intuito de gerenciar emoções, o mediador pode, eventualmente, validar
sentimentos. O manual do TJDFT defende que a técnica “deve ser aplicada
principalmente em uma sessão individual para sentimentos que somente uma parte venha
a manifestar” (TJDFT, 2015, p. 237).
Para evitar uma percepção seletiva da realidade decorrente do estado de
ânimos em que a parte se encontra, o mediador pode fazer um teste de realidade. A
pergunta sobre a justiça de um valor monetário sugerido por uma das partes pode ser um
exemplo de teste de realidade.
Em relação às posturas, assinale-se que, para atingir seu objetivo, o mediador
deve ter controle sobre o processo. Nessa condução ativa do processo, deve impor o
equilíbrio da participação o que autoriza, em determinadas circunstâncias, a interrupção
das partes ou da própria sessão. Ao mesmo tempo, o mediador deve procurar criar relação
de empatia com o interlocutor, estabelecendo uma relação de confiança (“rapport”).
O Manual (TJDFT, 2015) destaca alguns elementos sobre a postura do
mediador para, por exemplo, estabelecer o diálogo: utilizar de um tom de voz eficiente,
estar atento à comunicação não verbal, evitar que as partes firmem posições em vez de
interesses e infundir confiança no processo. Para tanto, convém que o mediador possua
perfil de paciência de perseverança.
105
Ainda na análise da postura para facilitar a mediação, pode ser mencionada a
empatia do mediador e uso de linguagem apropriada ao nível sociocultural das partes. A
escuta ativa com o registro do que está sendo dito também é mencionado pela literatura
clássica de Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, pois “escutar permite que você
compreenda as percepções do outro, sinta suas emoções e ouça o que ele está tentando
dizer” (FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim:
negociação de acordos sem concessões. tradução: Vera Ribeiro, Ana Luiza Borges. 2ª.
ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 52).
Uma outra postura sempre mencionada ao processo de mediação consiste em
enfoque prospectivo. Diferentemente do processo judicial, voltado para um fato passado,
ao adotar um enfoque voltado para o futuro, o mediador estabelece “não mais um discurso
de ‘de quem é a culpa’, mas de ‘diante desse contexto concreto em que nos encontramos,
quais as soluções que melhor atendam às suas necessidades e interesses reais’” (TJDFT,
2015, p. 236).
Mencionem-se algumas técnicas de negociação sempre mencionadas: separar
as pessoas dos problemas, foco nos interesses, e não nas posições, geração de opções de
ganhos mútuos, utilização de critérios objetivos na condução dos debates.
Na construção de soluções, o manual de mediação judicial do TJDFT
menciona algumas ferramentas para provocar mudanças a fim de desarmar “as partes de
suas defesas e acusações, e buscar cooperação na busca de soluções práticas” (TJDFT,
2015, p. 230). Entre essas técnicas, tem-se, exemplificativamente: (a) a
recontextualização (= paráfrase), (b) a audição de propostas implícitas, (c) o afago (=
reforço positivo) e (d) o silêncio. Na inversão dos papéis, tem-se a possibilidade de
estimular a empatia entre as partes.
Por fim, um procedimento a ser utilizado na mediação consiste na realização
de sessões privadas ou individuais. Esse método possui diversas utilidades como, por
exemplo: “i) para permitir a expressão de fortes sentimentos sem aumentar o conflito; ii)
para eliminar comunicação improdutiva; iii) para disponibilizar uma oportunidade para
identificar e esclarecer questões; iv) como uma contramedida a fenómenos psicológicos
que impedem o alcance de acordos, tal como a reação desvalorizadora; v) para realizar
afagos; vi) para aplicar a técnica de inversão de papéis; vii) para evitar comprometimento
prematuro com propostas ou soluções; viii) para explorar possível desequilíbrio de poder;
ix) para trabalhar com táticas e/ou habilidades de negociação das partes; x) para
106
disponibilizar um ambiente propício para o exame de alternativas e opções; xi) para
quebrar um impasse; xii) para avaliar a durabilidade das propostas; xiii) nas situações em
que se perceberem riscos à ocorrência de atos de violência" (TJDFT, 2015, pp. 232/233).
PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO
“
O testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento está calcado
essencialmente no tripé: percepção, memória e expressão do fato” (Ambrosio, 2010, p.
396)
PERCEPÇÃO
O que é a percepção?
“A percepção é o processo que consiste em atribuir significado às
informações (experiências vividas) captadas pelo sistema sensorial que chegaram ao
córtex cerebral (ATKINSON et al., 2002). Trata-se de uma experiência psíquica
complexa e pessoal que sofre a influência de diversos fatores internos e externos ao
observador” (Ambrosio, 2010, p. 396).
Alguns dados sobre a percepção (MIRA Y LÓPEZ, apud, AMBROSIO,
2010, p. 397):
a) a capacidade de apreensão de estímulos é maior pela manhã do que à noite;
b) as mulheres percebem com mais exatidão os detalhes que os homens;
c) os acontecimentos iniciais e finais são melhor percebidos que os
intermediários;
d) o testemunho sobre dados qualitativos é mais preciso do que sobre dados
quantitativos;
e) as pessoas diferem entre si quanto à duração das vivências no tempo.
A percepção da realidade pode ser deformada?
Sim
O que pode deformar a percepção?
107
A) sugestão da espera:
“A percepção da realidade exterior é deformada pelas tendências afetivas de
cada pessoa, como o desejo que um acontecimento se realize ou não (‘sugestão da
espera’). No caso dessa sugestão da espera, a consciência considera acontecido algo que
ainda não ocorreu ou que ocorreu apenas em parte (MIRA Y LÓPEZ, 2009). Nesse
sentido, o testemunho pode sofrer tanto a deformação voluntária e consciente do
indivíduo como a distorção involuntária decorrente da afetividade própria da pessoa.
Ainda que queira, a testemunha não consegue fugir à influência deformante da percepção
dos fatos. Cada qual pode ver a realidade de modos diferentes, o que prova que o processo
perceptivo está intimamente ligado à tendência afetiva de cada indivíduo” (AMBROSIO,
2010, p. 397).
B) o hábito:
“A percepção é afetada também pelos automatismos mentais (hábito)
presentes em toda pessoa e que impedem a testemunha de depor sobre a presença ou
ausência de outros detalhes do fato que lhe passaram totalmente despercebidos (MIRA Y
LÓPEZ, 2009). Além disso, o hábito faz com que a testemunha descreva os fatos mais
como costumam acontecer do que como podem ter ocorrido na realidade. Por mais que
queiramos não podemos subtrair-nos à ação de nossos automatismos mentais e, em
virtude do hábito, completamos de tal modo as percepções da realidade exterior que basta
que se encontrem presentes alguns de seus elementos para que nosso juízo de realidade
se dê por satisfeito e aceite a presença do todo (MIRA Y LÓPEZ, 2009)” (AMBROSIO,
2010, pp. 397-398).
Na prática, o que esse automatismo mental pode gerar?
Ele “…faz com que as testemunhas tenham dificuldade para dizer a cor da
roupa ou do sapato do envolvido no fato, se a pessoa trazia um anel, se havia mancha na
roupa, se um objeto mudou de lugar, bem como se houve mudança de caráter ou de
conduta pelas pessoas com quem se convive habitualmente, pois a menos que se focalize
de forma intencional em uma determinada situação ou estímulo, a percepção tende a ser
efetuada pelas lembranças que armazenamos dos acontecimentos” (AMBROSIO, 2010,
p. 398).
C) O estresse elevado em situações de violência:
108
Eles tendem a diminuir a capacidade de captação das informações, pois a
pessoa estava com a atenção voltada à própria defesa, o que também pode prejudicar a
qualidade do testemunho” (AMBROSIO, 2010, p. 398).
D) Substâncias químicas:
Elas “afetam a consciência e, consequentemente, a apreensão da realidade”
(AMBROSIO, 2010, p. 398)”.
E) A intimidade com uma pessoa muda a percepção acerca de modificação
de caráter ou conduta
Essa mudança “…pode ser notada antes pelas pessoas que não têm intimidade
do que pelos parentes do indivíduo, uma vez que estes, por seu maior hábito em lidar com
ele, levarão mais tempo em desligar-se do conceito que dele formaram…” (AMBROSIO,
2010, p. 398).
MEMÓRIA
O que é a memória?
Consiste em “…mecanismos psíquicos responsáveis pelo armazenamento das
representações (de informações e experiências vividas), possibilitando sua fixação,
retenção e posterior evocação” (AMBROSIO, 2010, p. 398)
O que influencia o processo de armazenamento das informações?
As condições orgânicas” (AMBROSIO, 2010, p. 399). Convém afirmar ainda
que “…as informações e representações continuam a sofrer atuação de outros fatores,
como as crenças, padrões, experiências vividas, novas informações, dentre outros”
(AMBROSIO, 2010, p. 399).
O que influencia o processo de armazenamento das informações?
Ele é “profundamente influenciado pelas tendências afetivas” (AMBROSIO,
2010, p. 399).
O fator tempo na evocação das lembranças:
Obviamente, quanto maior o lapso temporal decorrido entre o fato e o
testemunho, verifica-se “uma diminuição no grau de retenção das informações à medida
que o tempo passa. Assim, quanto mais tempo transcorreu, menos preciso tende a ser o
testemunho” (AMBROSIO, 2010, p. 401).
Qual a influência da idade da testemunha?
109
“…nem as crianças, nem os velhos são testemunhas dignas de confiança
(MIRA Y LÓPEZ, 2009). As crianças são extremamente sugestionáveis e os idosos
tendem a se recordar mais facilmente do passado remoto do que do passado recente”
(AMBROSIO, 2010, p. 401).
110
A avaliação da credibilidade do testemunho constituiu nas últimas décadas
uma das áreas de maior interesse nas pesquisas sobre a memória do testemunho. Desde
cedo estas pesquisas apontaram para o facto de a memória ser muito propensa ao erro
em virtude da existência de vários fatores que contribuem para que ocorram as
denominadas falsas memórias, sendo a deterioração que se produz na mesma um dos
fatores mais conhecidos e estudados (Rodrigues & Albuquerque, 2007; Santos & Stein,
2008).
Contudo, pela sua importância em contexto criminal, uma parte
significativa da investigação sobre a inexatidão da memória tem vindo a dedicar-se ao
estudo do grau de confiança depositado pelos sujeitos no seu testemunho. De uma
revisão bibliográfica sobre esta matéria constatamos que os vários estudos, usando
como tarefa a identificação de pessoas (Deffenbacher, 1980; Leippe, Wells, & Ostrom,
1978; Weber & Brewer, 2006), não tiveram resultados consistentes.
As pesquisas já realizadas podem ser classificadas em dois polos opostos:
as que defendem que existe uma relação positiva entre confiança e exatidão (Brigham
& Bothwell, 1983; Nolan & Markham, 1998; Noon & Hollin, 1987; Odinot, Wolters,
& Giezen, 2013; Sporer, Penrod, Read, & Cutler, 1995) e as que referem que pouca ou
nenhuma relação existe entre confiança e exatidão (Ames, Kammrath, Suppes, &
Bolger, 2010; Kassin, Ellsworth, & Smith, 1989; Kassin, Tubb, Hosch, & Memon,
2001; Odinot, Wolters, & Koppen, 2009; Perfect, Watson, & Wagstalf, 1993). Porém,
apesar das muitas investigações já realizadas, continuamos a assistir a uma grande
divergência de opiniões entre os estudiosos do testemunho e os atores do processo
judicial.
Existe um número elevado de juízes que acreditam que a confiança que a
testemunha expressa no seu relato é um fator decisivo na apreciação que fazem do caso
e, por conseguinte, na credibilidade do testemunho (Leippe, Manion, & Romanazyk,
1992; Lindsay, Wells, & Reumpel, 1981). (Wise e Safer 2004), por exemplo,
entrevistaram juízes sobre este assunto e verificaram que 34% dos entrevistados
admitiram que, durante o julgamento, a confiança de uma testemunha é um bom
prenúncio da exatidão das suas declarações. (Levett e Kovera 2009) também referiram
que é frequente no meio forense acreditar-se que uma memória detalhada e segura dos
factos é mais credível.
Apesar dos muitos estudos já realizados podemos constatar que a
investigação sobre a relação C-E continua a suscitar interesse, nomeadamente no que
se refere ao papel das emoções nessa relação. Mas também a literatura revisitada sobre
o efeito de alerta na memória apresenta resultados mistos (Christianson, 1992;
Deffenbacher, 1983; Kensinger, 2004; Lindsay, 1994; Loftus, 1979, 2005; McNeely,
Dywan, & Segalowitz, 2004; Reisberg & Heuer, 2004) pois, dependendo da
intensidade da sua ativação e da forma como os sujeitos a vivenciam, as emoções
podem ter efeitos positivos ou negativos na memória.
As abordagens iniciais (Lei de Yerkes-Dodson, 1908) consideraram que
existe uma função em forma de U invertido entre desempenho e excitação, e, como tal,
baixos e altos níveis de excitação foram associados a efeitos prejudiciais na memória.
(Christianson 1992) veio rejeitar esta abordagem, tendo concluído que a memória para
os detalhes centrais é reforçada pelo aumento da emotividade, enquanto a memória para
os detalhes periféricos é prejudicada. Outras pesquisas (Yuille & Cutshall, 1986) têm
demostrado como o stresse, por exemplo, atua sobre a memória das testemunhas
oculares, tendo sido verificado, num estudo com testemunhas oculares de uma situação
111
de crime real, que as pessoas que sofreram mais stresse foram as que lembraram mais
detalhes, não obstante o estudo não referir a qualidade dessa evocação.
Embora sabendo que a ativação emocional é uma característica dos
acontecimentos reais, os estudos já realizados nas últimas três décadas pouco
conhecimento nos revelam sobre os efeitos da emoção na relação C-E, sobretudo
aquando da visualização de imagens reais com carga emocional. Com efeito, alguns
estudos sugerem que emoções como a tristeza ou o stresse provocam um maior número
de erros (Deffenbacher, Bornstein, Penrod, & McGorty, 2004) e que a precisão da
memória diminui com o aumento da excitação. Contudo, (Christianson 1992) obteve
conclusões diferentes, argumentando que não havia evidências para apoiar a noção de
que o stresse emocional debilita a memória da testemunha ocular. Além disso,
argumentou que a Lei de Yerkes-Dodson não é uma descrição adequada para a relação
entre o stresse emocional e a fidelidade da memória da testemunha ocular. Este autor
sugeriu que a memória para eventos emocionais negativos é melhor do que para eventos
neutros e que uma melhor memória para os detalhes centrais se deve ao facto de que os
acontecimentos com carga emocional negativa causam uma maior focalização da
atenção e, por conseguinte, um aumento dos detalhes dentro desse foco de atenção.
Estudos mais recentes (Sharot, Martorella, Delgado, & Phelps, 2007;
Talarico & Rubin, 2003) sugerem que a emoção aumenta a sensação subjetiva da
lembrança, isto é , o facto de se vivenciar um evento com carga emocional faz criar
uma sensação de confiança na exatidão da memória. De igual modo, alguns estudos
sobre as denominadas memórias cintilantes (flashbulb memories) sugerem que a
maioria das pessoas possui elevados níveis de confiança para este tipo de memórias
detalhadas de factos com carga emocional, embora os detalhes das suas memórias
sejam incorretos (Loftus & Bernstein, 2005; Talarico & Rubin, 2003). Estes autores
estudaram a memória que estudantes universitários tinham sobre o 11 de Setembro de
2001 e concluíram que não existia grande diferença entre a memória dos detalhes deste
acontecimento e dos de outro evento qualquer, apesar do stresse causado por aquele
acontecimento.
Também nos estudos sobre a modelação da memória para a informação
contextual provocada pela emoção (Mather, 2007) apresentaram resultados
inconsistentes. Referem que a emoção não faz aumentar a memória para os detalhes
contextuais, o que parece ser inconsistente com uma grande parte da literatura que
indica que a emoção aumenta a exatidão da memória. Vários pesquisadores defenderam
que as memórias para acontecimentos emocionais da vida das pessoas (casamento,
nascimento ou morte de um parente, uma doença, etc.) estavam imunes à contaminação
(Brown & Kulik, 1977). Contudo, passados 40 anos, os estudiosos da memória do
testemunho estão convictos que este tipo de memórias emocionais não são
impermeáveis à distorção e ao esquecimento quando se apela ao detalhe, sendo que
estudos mais recentes (Mather, 2007; Reisberg, & Heuer, 2004) têm sugerido que as
pessoas estão mais predispostas a lembrar detalhes visuais dos itens negativos
comparados com os neutros. Isto quer dizer que as emoções negativas aumentam mais
a exatidão da memória do que as emoções positivas, à semelhança dos achados de
(Rimmele et al. 2011). Estes pesquisadores apresentaram fortes evidências de que
estímulos negativos estão associados a lembranças mais confiantes que estímulos
neutros, mas com uma menor acurácia na lembrança do detalhe contextual.
Podemos, pois, concluir que não há consenso sobre a melhor forma de
caracterizar os tipos de informação incrementada pelas emoções, continuando a existir
112
discussão sobre o facto de as emoções melhorarem os detalhes a serem lembrados em
detrimento das memórias não emocionais (Denburg, Buchanan, Tranel, & Adolphs,
2003; Kensinger, Garoff-Eaton, & Schacter, 2007; Soleti, Curci, Bianco, & Lanciano,
2012). Estudos com neuro-imagem indicaram que os itens emocionais podem ser
associados a uma baixa atividade visual (Dolcos, LaBar, & Cabeza, 2005; Fenker,
Schott, Richardson-Klavehn, Heinze, & Duzel, 2005; Sharot, Delgado, & Phelps,
2004), havendo evidência de que as memórias emocionais não contêm o mesmo detalhe
percetual das não emocionais (Sharot et al., 2004). Também (Kensinger e Schacter
2006) concluíram que a emoção não tem qualquer efeito na habilidade dos sujeitos para
lembrarem, mas, por outro lado, (Soleti et al. 2012) mostraram que quando as
testemunhas vivenciam acontecimentos com carga emocional, esta carga emocional
pode, mais tarde, comprometer a exatidão do seu testemunho.
A literatura aqui revisitada mostra-nos que os estudiosos do testemunho
ainda têm uma visão pessimista da relação entre confiança e exatidão do testemunho
mas que, por outro lado, os operadores do sistema judiciário continuam a acreditar que
a confiança é um bom indicador da exatidão, ou seja, da qualidade do testemunho.
Tomando como ponto de partida esta dicotomia de posições, pretendemos
refletir sobre os seguintes pressupostos: que tipo de relação existe entre confiança e
exatidão durante um testemunho; qual o grau de confiança que os sujeitos depositam
na informação verdadeira e na informação falsa introduzida pós-evento e quais as
emoções que constituem um facilitador na recuperação correta da informação e na
confiança do sujeito (REIS; HORTA, 2015, pp. 231-232).
113
O que é uma amnésia emocional?
Ela decorre “de um profundo abalo emocional e que torna a pessoa incapaz
de se lembrar da situação perturbadora. Em geral, as pessoas tendem a esquecer
acontecimentos que estejam relacionados a emoções desagradáveis ou dolorosas (ódio,
horror, remorso, etc.), funcionando o esquecimento como defesa psíquica” (AMBROSIO,
2010, p. 399)
O que é a repressão?
Ela ocorre “…quando fatos e acontecimentos são expulsos da consciência.
Quando ocorre a repressão (processo inconsciente), a evocação das lembranças se faz de
maneira distorcida e incompleta, afastando em muito os fatos da realidade, pois a
tendência natural do indivíduo é complementar essas lembranças fragmentadas com
associações lógicas que já se encontram em seu psiquismo” (AMBROSIO, 2010, p. 399).
Nessas circunstâncias, qual deve ser a postura do Juiz?
“Em situações de emoção profunda de nada adianta o juiz forçar ou ameaçar
a testemunha para prestar esclarecimentos sobre determinados fatos, pois os detalhes
podem ter sido esquecidos involuntariamente. Acreditam os juízes que quanto mais
emotiva e intensa for a situação, mais a testemunha se recordará dos detalhes do fato, mas
o que ocorre é justamente o inverso, pois o que se observa é a atuação de mecanismos
psíquicos inconscientes do indivíduo que impõem o esquecimento de fatos traumáticos e
dolorosos. Nessas condições, quanto mais esforço fizer a testemunha para vencer esse
esquecimento, mais firme este se tornará” (AMBROSIO, 2010, p. 400).
Efeitos dos estados emocionais sobre a memória (AMBROSIO, 2010, pp.
400-401).
a) recuperação lacunar das informações (a mente elimina conteúdos que
trariam dor ou desconforto);
b) ampliação de atributos (recorda-se de algo ruim como pior do que
realmente foi e de algo de bom como extremamente melhor);
c) fixação das recordações nos aspectos desagradáveis dos acontecimentos;
d) distorção da interpretação dos acontecimentos, por omissão de aspectos
relevantes, ampliação de detalhes pouco significantes ou combinação desses elementos;
e) desvanecimento dos traços de memória com o passar do tempo;
f) interferências entre conteúdos, os relatos misturam eventos e suas
consequências;
114
g) incorporação de fantasias às recordações, particularmente nas narrativas de
graves conflitos que se prolongaram por muito tempo;
h) preenchimento de hiatos de memória com suposições plausíveis, fenômeno
corriqueiro mesmo em narrativas de incidentes sem maiores consequências.
Expressão do fato
Considerando que
a) “são raras as pessoas que conseguem observar com precisão os fatos,
mantê-los exatos em sua mente e reproduzi-los com fidelidade por meio do processo da
evocação voluntária” (AMBROSIO, 2010, p. 401);
b) que “os indivíduos não possuem inteligência verbal para exprimir de forma
exata suas vivências” (AMBROSIO, 2010, p. 401); e
c) que “são poucas as pessoas que conseguem descrever bem em palavras
tudo quanto perceberam da realidade exterior” (AMBROSIO, 2010, p. 401)
Qual deve ser a postura do magistrado?
“o julgador deve intervir o mínimo possível no depoimento da testemunha,
pois toda resposta ou é imantada pelas tendências afetivas do interrogado ou é produto de
lembranças fragmentadas, preenchidas por deduções lógicas do indivíduo, ou, ainda, é
equivocada em razão do medo sentido pela testemunha com a pergunta” (AMBROSIO,
2010, p. 401)”.
Quais são os fatores que afetam a expressão do fato?
A) o ambiente do interrogatório: “Se o ambiente da sala de audiências se
apresenta desagradável até para operadores do Direito, para aqueles que não estão
acostumados ao meio forense, esse ambiente se apresenta ainda mais ameaçador. Assim,
a qualidade do testemunho passa pela existência de um ambiente tranquilo, onde a
testemunha se sinta acolhida para relatar os fatos que presenciou” (AMBROSIO, 2010,
p. 402).
Além de compreender os interesses, intenções, sentimentos e processos
inconscientes que interferem no testemunho, o interrogador deve perceber que muitas
testemunhas necessitam se sentir protegidas no ambiente da sala de audiências, enquanto,
para outras, uma conversa prévia ao depoimento é suficiente para libertá-las de eventuais
medos e receios. A figura do juiz desperta no imaginário popular sentimentos de respeito,
115
receio e admiração, tal fato deve ser percebido pelo magistrado e utilizado, com outros
mecanismos psicológicos, para não aumentar ainda mais o desequilíbrio emocional da
testemunha” (AMBROSIO, 2010, p. 405).
B) os tipos de perguntas:
C) a linguagem usada entre interrogador e testemunha: “É comum a utilização
em interrogatórios de expressões e construções linguísticas próprias do Direito, mas tal
prática é desaconselhável, pois pode inibir ou confundir a testemunha. É recomendável a
utilização de expressões e palavras de fácil entendimento para a testemunha, estando o
interrogador sempre atento ao grau de maturidade e experiência da pessoa. Detalhes
técnicos devem ser exigidos apenas dos profissionais da área e jamais de pessoas leigas
no assunto, até porque aqueles têm mais facilidade de observar e reter detalhes atinentes
ao seu campo de especialização” (AMBROSIO, 2010, p. 402).
Essas advertências não são aplicáveis, entretanto, para o que Graziella
Ambrosio chama de “pessoas imorais ou amorais”, pois elas “não se intimidam com o
ambiente da sala de audiências ou com a forma como são elaboradas as perguntas, nem
com as características do interrogador. Mira y López (2009) esclarecem que as
testemunhas mais morais são precisamente as que costumam impressionar-se mais diante
das ameaças e da severidade e cerimonial que se desenvolvem durante o interrogatório,
ao passo que os imorais ou amorais não reagem nem pouco nem muito perante ele. Tais
indivíduos, segundo esses autores, não se impressionam diante de ameaças no
interrogatório, nem com o cerimonial do ambiente forense. Quanto a essas testemunhas
de pouca valia, é necessária a análise da linguagem não verbal, pois será muito difícil ao
interrogador identificar se o depoente está mentindo” (AMBROSIO, 2010, pp. 403-404).
Estratégias judiciais
a) “O desequilíbrio emocional acentua-se quando a testemunha não encontra
a melhor forma de se expressar, ou seja, não concatena as ideias ou as palavras lhe fogem
à mente. Uma testemunha desequilibrada e fragilizada é potencial vítima de manipulação
pela parte interessada, devendo o interrogador estar atento a esse fato e não permitir a
exploração do testemunho com vistas à distorção da realidade dos fatos pela pura emoção
do observador” (AMBROSIO, 2010, p. 402).
b) “Uma boa estratégia para o interrogador é valer-se do silêncio
(TRINDADE, 2009), aguardando que a própria testemunha inicie ou prossiga seu
depoimento, pois o relato espontâneo tende a ser menos deformado, tendo em vista que
116
gera menos conflito, além do que, normalmente, revela a linha de pensamento da
testemunha, permitindo ao interrogador descobrir o que está por trás de seu testemunho”
(AMBROSIO, 2010, p. 402).
A estratégia do silêncio é sempre positiva?
Não: “…o relato espontâneo tende a ser menos deformado que o obtido por
interrogatório, mas pode se apresentar, por outro lado, irregular ou incompleto e até
fornecer dados inúteis para o processo. Já o testemunho obtido por interrogatório costuma
fornecer dados mais concretos, porém menos exatos, via de regra, que os do relato
espontâneo, pois é o resultado do conflito entre o que o indivíduo sabe, de um lado, e o
que as perguntas que se lhe dirigem tendem a fazê-lo saber” (AMBROSIO, 2010, pp.
402-403).
c) “As perguntas que iniciam com pronomes interrogativos (ex: Como?
Quando? Onde? Quem? Por quê? O quê?) são as mais indicadas, pois são consideradas
imparciais (MIRA Y LÓPEZ, 2009). Perguntas que induzem a testemunha a responder
conforme esperado pelo interrogador, ou que partem do pressuposto que a testemunha já
conhece outros fatos ou, ainda, impõem ao depoente decidir entre duas opções com
exclusão de todas as outras, devem ser evitadas, pois acarretam maior inclinação para o
erro pela testemunha” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Quais as linguagens não verbais?
“…olhares, gestos, rubor da pele, suor, mãos trêmulas, movimento das pernas
e pés, postura, etc” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Qual a utilidade de estar atento à linguagem não verbal?
“Esses sinais externos da testemunha podem auxiliar o interrogador para
detectar se ela realmente conhece os fatos, se foi instruída a depor ou se está mentindo. A
fala e os gestos ainda podem denunciar crenças arraigadas e esquemas de pensamento
(ex: sindicalista não é confiável; empregador é desonesto; isso é coisa de mulher; todo
homem é safado) que afetam o testemunho do indivíduo, pois atuam diretamente na
interpretação dos fatos presenciados” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Advertências em relação às perguntas realizadas por terceiros:
a) “perguntas argumentativas, desacreditadoras, insinuadoras e sugestivas,
via de regra, devem ser indeferidas pelo interrogador, pois tencionam conduzir,
desqualificar ou desequilibrar emocionalmente a testemunha” (AMBROSIO, 2010, p.
403);
117
b) “questões confrontadoras podem ser indeferidas dependendo do tom ou do
modo em que forem feitas, ao passo que perguntas interpretativas, normalmente, não são
muito úteis ao deslinde da controvérsia e questionamentos exploratórios podem ser
necessários para aferir o grau de conhecimento da testemunha sobre o fato”
(AMBROSIO, 2010, p. 403).
A despeito da estratégia jurídica, a melhor forma de se aferir a imparcialidade
do testemunho “…é a análise prévia do tipo de personalidade e das relações afetivas da
testemunha…” (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Uma pergunta necessária: qual a intenção do testemunho? “Vingança,
compaixão, afeto, amizade, egoísmo”? (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Nesse contexto, a estratégia do interrogador consiste em evitar “de fazer
perguntas diretamente relacionadas ao acusado ou à conduta delituosa, limitando-se a
questionar sobre os chamados fatos secundários (método centrípeto), no intuito de
desvincular a testemunha de sua intenção nobre para com o acusado e, assim, obter um
caminho para o esclarecimento dos fatos principais”
A testemunha “boazinha”:
“Se a testemunha estiver imbuída de sentimentos nobres, como o afeto, a
generosidade ou a compaixão, deverá o interrogador criar nela a convicção de que um
depoimento parcial poderá prejudicar a pessoa a quem pretende beneficiar. Deve o
interrogador advertir que o melhor é dizer a verdade exata quando do esclarecimento dos
fatos, pois uma pequena mentira, proferida no afã altruísta, pode colocar em descrédito
toda a descrição verdadeira dos fatos” (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Quais os erros que ocorrem no testemunho? (AMBROSIO, 2010, pp. 405-
406).
a) erro de percepção: decorrente de tendências afetivas, distorções psíquicas
involuntárias, automatismos mentais, estresse, violência;
b) erro de memória: decorrente de condições orgânicas, estado de espírito do
observador, crenças, novas informações, emoções dolorosas, repressão;
c) erro de expressão: decorrente de falta de inteligência verbal, do ambiente
da sala de audiência, dos tipos de perguntas, da linguagem usada entre interrogador e
testemunha.
118
REFERÊNCIAS
Ambrosio, Graziella. Psicologia do testemunho. Revista de Direito Econômico e
Socioambiental. Curitiba, v. 1, n. 2, p. 395-407, jul./dez. 2010.
BRITO, Leila Maria Torraca de. Anotações sobre a Psicologia jurídica. Psicologia:
Ciência e Profissão. Brasília , v. 32, n. spe, p. 194-205, 2012.
REIS, Maria Anabela Bento Marinho Nunes; HORTA, Maria Purificação. O papel das
emoções na relação confiança-exatidão do testemunho. Psicologia USP. São Paulo, v. 26,
n. 2, p. 231-239, ago. 2015.
A ESCUTA PSICANALÍTICA:
“O objetivo desse atendimento – identificar a problemática inconsciente –
pode ser traduzido na busca pelo reconhecimento de fantasias, defesas e conflitos de
natureza inconsciente, sem uma limitação pré-estabelecida em torno de quaisquer
temáticas, nem mesmo a da guarda do filho. A supervisora do atendimento, outra autora
deste artigo, partiu do pressuposto de que a oferta de um espaço sigiloso e livre de
119
julgamentos e pedidos da equipe ou da estagiária para sua tomada de decisão facilitaria a
emergência dos conteúdos inconscientes e, em consequência, de posicionamentos e
desejos da usuária em relação a sua vida, de forma geral, inclusive com relação à guarda
do filho. No entanto, o objetivo do atendimento não foi, de modo algum, a busca por esse
posicionamento específico, pois essa busca, do ponto de vista psicanalítico,
comprometeria a natureza e os objetivos do atendimento, podendo enviesar os conteúdos
psíquicos emergentes.
Para identificar a problemática inconsciente, é preciso disponibilizar uma
forma especial de escuta. A escuta psicanalítica, pode-se dizer, está relacionada a um
funcionamento mental especial que foi definido por Freud em seus artigos sobre a técnica
(Freud, 1912/2010). Esse funcionamento mental mobiliza as funções da atenção e da
memória de um modo pouco usual: “Manter toda influência consciente longe de sua
capacidade de observação e entregar-se totalmente à sua ‘memória inconsciente', ou
expresso de maneira técnica: escutar e não se preocupar em notar alguma coisa” (p.150).
Esse funcionamento mental especial corresponde ao estado de atenção flutuante. Ainda
no mesmo artigo, Freud esclarece a respeito da técnica: “(que) Consiste apenas em não
querer notar nada em especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma atenção flutuante,
segundo a expressão que usei” (Freud, 1912/2010, p.149). A escuta psicanalítica envolve,
ainda, a capacidade de deixar que o analisando associe livremente, ou seja, que diga o
que lhe ocorre à mente, sem censura” (SIGLER, 2011, pp. 182).
A QUESTÃO DA VERDADE
PRESSUPOSTO:
O perito tem um papel importante na produção de provas e de verdade pela e
para a instituição judicial, justamente porque as produz por meio de procedimentos
alheios aos que são meramente jurídicos. Estes últimos, os procedimentos do perito,
exigem uma expertise em relação à qual os demais agentes da cena judicial, incluindo
juízes, promotores e advogados, são leigos. Ao mesmo tempo, ao introduzir outro saber
na cena judiciária, o perito pode produzir efeitos nesse contexto que, de outro modo, não
ocorreriam. Entre esses efeitos, citamos certa desordem na transferência processual, além
de um desarranjo na triangulação entre partes e juiz. É aí que o saber próprio da Psicologia
se torna potente e que a transferência processual pode ser apontada e elaborada” (ORTIZ,
2012, p. 906).
Sobre a verdade:
120
“A perícia, como prova judicial, afirma-se em uma certa vontade de verdade
característica da instituição jurídica e, ao mesmo tempo, na intenção do perito de, como
coadjuvante da cena processual, nela produzir efeitos singulares. É importante que a
tomada da palavra pelo perito na produção do laudo acentue que o que se está produzindo
não é a Verdade, mas uma verdade relativa, a atribuição de um sentido possível ao conflito
configurado no processo” (ORTIZ, 2012, p. 907).
O exame de DNA ocupa um lugar privilegiado no âmbito dos exercícios de
poder por parte do discurso jurídico exatamente por tornar visível e atribuir um estatuto
de verdade ao que era, até então, suposição. Os desdobramentos políticos do uso dessa
tecnologia na esfera jurídica são inúmeros e complexos. A tese, defendida enfaticamente
em alguns enunciados da jurisprudência, da eficácia do DNA tem conseguido, por
exemplo, corroborar ou refutar os testemunhos acerca da índole da vida sexual de uma
mulher envolvida como “pólo passivo”, ou seja, quando não é ela a autora do processo,
nas investigações de paternidade (Perucchi; Toneli, 2008, p. 146).
COMENTÁRIO:
Sobre a psicologia judiciária, repete-se a dica da sociologia do direito.
A recente midiatização judicial e a disciplina passa a ser um tema bastante
relevante e passível de cair na sua prova. ATENÇÃO!!
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015)
estabelece uma ponte firme entre a psicologia e o direito. Muito embora não lide com as
questões de assédio moral e assédio sexual, lida com um problemas atual "da psicologia
com reflexos no direito", qual seja a avaliação da deficiência que "quando necessária, será
biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar" art. 2º, §1º.
Por fim, dentro do capítulo do "processo psicológico e a obtenção da verdade
judicial" (item 4), pode-se incluir a psicologia do testemunho e o denominado
"Depoimento sem Dano" que recebeu recentíssimo regramento na LEI Nº 13.431, DE 4
DE ABRIL DE 2017 (VOCÊ DEVE LER ESSA LEI!!).
121
C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA
NACIONAL
122
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1ºO exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste
Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência,
da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do
segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal,
da dignidade, da honra e do decoro.
Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às
leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores
democráticos.
Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a
dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a
justiça na relação entre as pessoas.
CAPÍTULO II
INDEPENDÊNCIA
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de
qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas
legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem
receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar
para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua
independência.
Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de
atividade político-partidária.
CAPÍTULO III
IMPARCIALIDADE
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com
123
objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância
equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.
Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes
igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.
Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:
I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se
assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;
II - o tratamento diferenciado resultante de lei.
CAPÍTULO IV
TRANSPARÊNCIA
Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos,
sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua
publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.
Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou
mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de
forma útil, compreensível e clara.
Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social,
comportar-se de forma prudente e eqüitativa, e cuidar especialmente:
I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus
procuradores;
II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos
judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.
Art. 13.O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada
e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de
qualquer natureza.
Art. 14.Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os
órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional.
CAPÍTULO V
124
INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade
jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função,
cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências
pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de
empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência
funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens
públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.
Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa
surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação
econômico-patrimonial.
CAPÍTULO VI
DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO
Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a
máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um
prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé
processual.
Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem
ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as
acumulações permitidas constitucionalmente.
§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o
exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial,
dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.
§ 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua
condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e
a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão
125
necessariamente no respeito à função judicial.
CAPÍTULO VII
CORTESIA
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do
Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos
quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Parágrafo único.Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida,
respeitosa e compreensível.
Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem
infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.
CAPÍTULO VIII
PRUDÊNCIA
Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que
sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os
argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.
Art. 25.Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma
cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.
Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou
críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições
anteriormente assumidas nos processos em que atua.
CAPÍTULO IX
SIGILO PROFISSIONAL
Art. 27.O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e
privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício
de sua atividade.
Art. 28.Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos
126
que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento,
eventualmente, antes do julgamento.
CAPÍTULO X
conhecimento e capacitação
Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem
como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de
um serviço de qualidade na administração de Justiça.
Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as
capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.
Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias
especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que
possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.
Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade
especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à
máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores
constitucionais.
Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos
outros membros do órgão judicial.
Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as
atividades que conduzem à formação judicial.
Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos
teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.
Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte
ofereça os meios para que sua formação seja permanente.
CAPÍTULO XI
127
Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de
acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência.
Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do
magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária
de qualquer pessoa ou instituição.
CAPÍTULO XII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 40. Os preceitos do presente Código complementam os deveres funcionais dos
juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais
disposições legais.
Art. 41. Os Tribunais brasileiros, por ocasião da posse de todo Juiz, entregar-lhe-ão um
exemplar do Código de Ética da Magistratura Nacional, para fiel observância durante
todo o tempo de exercício da judicatura.
Art. 42. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data de sua
publicação, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça promover-lhe ampla divulgação.
COMENTÁRIO:
O Código de Ética da Magistratura Nacional é leitura obrigatória não somente
para esse item, mas porque ele trata de temas que comunicam com diversos outros
assuntos do edital.
Outra leitura obrigatória consiste na leitura recomendada é a Estratégia
Nacional do Poder Judiciário 2015–2020 no portal do CNJ:
128
A Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2015–2020, formulada com a contribuição de
magistrados e servidores e instituída pela Resolução n. 198/2014, de 1º de julho de 2014,
reflete premissas importantes para o processo estratégico de todo o Poder Judiciário.
Visão do Poder Judiciário – Ser reconhecido pela sociedade como instrumento efetivo
de justiça, equidade e paz social.
Credibilidade
Celeridade
Modernidade
Acessibilidade
Transparência e Controle Social
Responsabilidade Social e Ambiental
Imparcialidade
Ética
Probidade
129
Impulso às execuções fiscais, cíveis e trabalhistas
Aprimoramento da gestão da justiça criminal
Fortalecimento da segurança do processo eleitoral
Melhoria da Gestão de Pessoas
Aperfeiçoamento da Gestão de Custos
Instituição da Governança Judiciária
Melhoria da Infraestrutura e Governança de TI
130
D) FILOSOFIA DO DIREITO
1. O conceito de Justiça. Sentido lato de Justiça, como valor universal. Sentido estrito
de Justiça, como valor jurídico-político. Divergências sobre o conteúdo do conceito.
CONCEITO DE JUSTIÇA
Casey Baumer
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1600 Acme Parkway
Los Angeles, CA 94043
“Desde Aristóteles, a justiça tem sido entendida como ordem universal, seja
mediante a comutação (as ações e reciprocidade e de equilíbrio equitativo), seja mediante
a redistribuição (as ações de proporcionalidade e do estabelecimento de méritos). No
sentido objetivo, sociopolítico, a ordem universal idealizada do que é justo é critério
superior do princípio normativo da ação individual, da ação dos grupos e da ação das
131
instituições, é um direito conforme uma norma, seja esta natural, divina ou positiva. No
sentido prático, o justo é o ideal equitativo dos direitos e dos deveres, da precisão e do
rigor, da justeza das ações. No sentido subjetivo, o justo é uma atividade moral, é o
proceder que não está baseado em uma inclinação (amor, amizade, benevolência,
simpatia), nem em uma obrigação para com o outro (virtude). É a medida de justificação
das regras de convivência. Uma norma ideal que aspira estabelecer ou restabelecer uma
ética. Resulta da crítica moral, que não se guia por nenhum rancor, por nenhum favor,
mas por princípios formais. É sobre essa última concepção, da justiça como fundamento
das regras de convivência, como norma fundada em princípios racionais, que Rawls erige
o seu edifício teórico. A justiça é uma invenção social que encerra um conceito, mas que
admite muitas interpretações de como esse conceito se aplica na prática. Por isso, carece
de uma teoria, de um processo lógico que estabeleça o conteúdo e a ordenação dos seus
princípios normativos” (THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a
economia moral da justiça. Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília
Sept./Dec. 2011).
132
de justiça ao longo da história do mundo ocidental” (PISSARRA, Maria Constança Peres.
Apresentação. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento
(coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. viii).
3. “…a filosofia tem sua origem na reflexão sobre a justiça. Não foi por acaso que a
obra de Platão sobreviveu tantos séculos. Seu principal objetivo consistiu em
buscar nas raízes da natureza humana um fundamento pelo qual fosse possível
encontrar na justiça o sentido mais profundo da existência humana” (PISSARRA,
133
Maria Constança Peres. Apresentação. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. vii).
I.Observações gerais
134
classificacão exerceu uma influência permanente nas teorias da justica a partir de
então. Encontramos aqui, entre outras coisas, a distinção entre a justiça entendida
como respeito à lei e a justiça entendida como equidade. Esta última, por sua vez,
analisada nas diferentes esferas da distribuição, da retificacão ou regulação, e da
troca ou comutação. A leitura do texto de Aristóteles pode sugerir, em primeiro
lugar, a relevância, para uma teoria da justiça, da variedade de problemas que
podem ser discutidos sob o mesmo rótulo. A justiça na distribuição de honras e
ónus, de renda e status, é diferente da justiça como retificação jurídica nos casos
em que estão em jogo o dano e a vantagem. De resto, ambos diferem da justiça
que governa as transações econômicas entre indivíduos livres (por sua vez,
diferente, para Aristóteles, da justiça doméstica e despótica do pai e do patrão).
Se aceitarmos esse tipo de classificação, podemos ser induzidos a supor uma
correspondência justamente entre os modos e os objetos da justiça ou, em outros
termos, entre os diversos critérios que podemos aplicar nos diferentes âmbitos.
Isso, naturalmente, não apenas tem a ver com as distinções entre justiça
distributiva, reguladora e comutativa, mas também concerne à complexa relação
entre a estrutura da justiça e a virtude ética a ela correspondente. Para dar apenas
um exemplo, para Aristóteles, há correspondência entre a média da proporção
geométrica, em que se da a justiça distributiva, e o justo meio como disposição
moral típica. Nos termos do filósofo, a pesquisa sobre a justiça deve determinar
"qual justo meio constitui a justiça e de que extremos o justo é o meio" (Maffetone,
Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução
Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 4).
135
tecnológica da vida coletiva” (PISSARRA, Maria Constança Peres. Apresentação.
In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento
(coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo:
Atlas, 2007, p. vii).
“Esta consiste na justa distribuição de riquezas ou honras aos cidadãos e, para que
essa distribuição seja justa, deve ser fiel a um critério de distribuição adequado ao
136
caso em questão, de maneira a estabelecer uma proporcionalidade entre aquilo a
ser distribuído e aqueles aos quais se distribui. Segundo Aristóteles, o problema
costuma apresentar-se com a segunda parte da proporção (as pessoas a quem serão
atribuídos os bens), pois não se é bom juiz em causa própria e se confunde a justiça
parcial com a justiça absoluta. "Com efeito, um dos lados pensa que se as pessoas
são desiguais sob alguns aspectos - na riqueza, por exemplo -, elas são desiguais
em tudo, e o outro lado pensa que, se elas são iguais sob alguns aspectos - na
liberdade, por exemplo -, elas são iguais em tudo. Mas o mais importante eles não
mencionam”. E Aristóteles mostra que "o mais importante" é que as distribuições
sejam feitas "de acordo com o mérito". Assim, se os homens se associassem na
comunidade política com a finalidade de enriquecer, o critério (seu mérito) a ser
considerado deveria ser o capital com o qual cada um contribuísse para essa
associação, e cada um deveria receber proporcionalmente a sua contribuição.13
Mas a finalidade da comunidade política, como deixou claro Aristóteles, e torna
a repetir, é a boa vida para todos, e não meramente enriquecer: "Uma cidade é
uma comunidade de clãs e povoados para uma vida perfeita e independente, e esta
em nossa opinião é a maneira feliz e nobilitante de viver. A comunidade política,
então, deve existir para a convivência. Portanto, aqueles que mais contribuem para
a existência de tal comunidade desempenham nela um papel mais importante que
o daqueles cuja liberdade e nobreza de nascimento é a mesma, ou até maior, mas
lhe são inferiores em qualidades políticas (…), ou que o daqueles cujas riquezas
são maiores, mas cujos méritos (…) são menores" (YAMIN, Ana Maria. A justiça
distributiva em Aristóteles e a escolha da melhor forma de governo. In:
PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.).
Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. 35).
I.INTRODUÇÃO
137
Hobbes, Locke, Hume, Rousseau e Kant. Todos esses filósofos dirigem sua
atenção para o problema fundamental da justificação da obrigação política,
embora o façam de modos diferentes, partindo de posições muitas vezes distantes
umas das outras e chegando a conclusões reciprocamente diversas, para não dizer
até contrapostas. Uma leitura comparada dos textos sugere a ideia de que as
diferenças entre suas teorias da justiça dependem do modo como cada um articula
a própria teoria política normativa de fundo.
138
justiça. tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 18).
“Embora a justiça não seja o tema de nenhuma das obras escritas por Hobbes ou
Rousseau, ela ocupa no pensamento de ambos um lugar central. Para os dois, a
justiça decorre das leis estabelecidas na sociedade civil. Para o primeiro, foi a
fragilidade do estado de guerra e o desejo de paz que levaram os homens a querer
deixar aquele estado e a estabelecer um contrato que é o fundamento jurídico do
Estado, o que faz de toda obediência ao contrato uma ação justa. Já para Rousseau,
o verdadeiro contrato não é apenas a passagem do estado de guerra para o estado
de sociedade, mas o contrato social estabelecido entre cada um e todos e que dá
vida à autoridade civil fundadora do direito político; obedecê-lo é obedecer à
vontade geral e não a um soberano” (PISARA, Maria Constança Feres. Entre o
Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no pensamento
de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA, Maria
Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia:
a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 72).
140
decorrentes das convenções que os homens estabelecem e não atribuições naturais
do nosso espírito. “A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo
ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que estivesse sozinho
no mundo do mesmo modo que seus sentidos e paixões. São qualidades que
pertencem aos homens em sociedade, não na solidão (PISARA, Maria Constança
Feres. Entre o Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no
pensamento de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA,
Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e
filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 60).
141
civil. Sem o Leviathan não há lugar para as retribuições horizontais. Sem a lei não
há espaço para o justo e o injusto, cuja possibilidade de distinção dela decorre.
Conquanto a lei positiva encontre no direito racional regras de equilíbrio, a
retribuição vertical é decisiva. No Leviathan (Cap. XV), o fundamento da justiça
está na lei da natureza que obriga a cumprir o pactuado ("that men perform their
convenants made"). Só quando um pacto é celebrado há lugar para o justo e para
o injusto. Assim, a natureza da justiça consiste em manter o pactuado. Mas a
validade dos pactos só começa com a constituição de um poder civil suficiente
para compelir os homens a respeitá-los. Na verdade, se a justiça é a vontade
constante de dar a cada um o que é seu, este seu, isto é, a propriedade, precede o
justo e o injusto. A propriedade (de cada um) nasce com o pacto e onde não se
erigiu um poder coercivo não há propriedade. Hobbes percebe, na justiça, o
sentido da retribuição, quer na forma comutativa ("equality of value of things
contracted for") quer na distributiva ("equal benefit to men of equal merit")
Propriamente, no entanto, o valor de coisas contratadas (justiça comutativa) é
medido antes pelo apetite dos contratantes, donde o valor justo, de fato, depende
daquilo que eles estão dispostos a ceder. Do mesmo modo, o mérito não é devido
por justiça, mas por graça, donde a justiça retributiva é ato de definir o que é justo
(que Hobbes prefere chamar de “equity”). O modelo horizontal presente na
retribuição depende, portanto, do pacto e este só faz sentido na base de um poder
coercitivo. Em última análise, o modelo horizontal pressupõe a instituição de um
modelo vertical, que lhe dá sentido ” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Justiça
como retribuição: da razão e da emoção na construção do conceito de justiça. In:
PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.).
Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. 10).
“Um ato é justo ou não quando um pacto é quebrado: "a questão moral de saber
se o comportamento foi justo ou injusto reduz-se à questão factual se sua prática
implica ou não a quebra de uma promessa ou de um pacto" (Leviatã, cap. XXIX).
Porque as normas que regulamentarão a vida dos indivíduos a partir do pacto
social não mais serão resultado da lei do mais forte, mas da lei civil, a única que
pode estabelecer princípios de convivência entre os componentes daquela
142
sociedade, não mais a natureza das coisas será a reveladora do bem e do mal, do
certo e do errado, do justo e do injusto, mas as leis do Estado. A justiça representa
o respeito a um direito fundamentado na legitimidade do pacto; inversamente, a
injustiça (iniuria, sine iure, injúria) representa o desrespeito a um direito garantido
por um pacto anterior. Para Hobbes, o Estado se identifica com a justiça, lei e
justiça são sinônimas e o soberano é a sua expressão. Essa é a ruptura principal
operada por Hobbes em relação aos autores da antiguidade...; não é em relação à
verdade que a lei deve ser definida, mas em relação ao soberano; como lembra no
Leviatã, é a autoridade e não a verdade que faz a lei (PISARA, Maria Constança
Feres. Entre o Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no
pensamento de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA,
Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e
filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, pp.
66-67).
V. John Locke
143
bem deriva de um direito natural, anterior ao surgimento do Estado e
independente dele. No caso da propriedade, à qual se refere o capítulo V do
Segundo Tratado sobre o governo civil (“Uma teoria do título válido"), a
validade do título depende do fato de que cada um é proprietário da própria
pessoa. Essa inclui o trabalho que se tem condições de desenvolver, e a
propriedade, como exclusão do direito dos outros, deriva da aplicacão do
trabalho aos bens naturais, inicialmente comuns e indivisíveis. A instituição da
propriedade ocorre, mediante o trabalho, sem nenhuma necessidade de um
consenso político, apenas com o limite constituído pela capacidade de consumo
de quem adquire título sobre os bens”. A leitura do texto de Locke sugere a ideia
de que o contrato social não deve privar os indivíduos de todos os seus direitos
no estado natural. Mas que, por outro lado, sua força está justamente em
reconhecer alguns direitos fundamentais como o direito à vida e à propriedade,
dos quais pode depender uma ordem igualitária e eficiente da sociedade civil”.
(Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a
Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 88).
Para David Hume, o único autor antologiado nesta parte que rejeita o paradigma
contratualista, a justiça não depende de um acordo ordinário, que gera direitos e
deveres dos indivíduos. Nas páginas do Tratado sobre a natureza humana, que
aqui reproduzimos (“As circunstâncias de justiça”), a natureza artificial da virtude
da justiça deriva do axioma segundo o qual - para dizer com suas próprias palavras
"nenhuma ação pode ser virtuosa ou moralmente boa a me nos que, ao ser
produzida, não haja na natureza humana nenhum motivo diferente do sentido da
sua moralidade". Em outros termos, não pode haver um sentido de justiça
primitivo a instituir as normas que regulam a sociedade civil, pois o surgimento
do sentido de justiça, como de resto de toda forma de moralidade, depende
justamente da existência anterior de convenções duradouras e estáveis. Desse
modo, o interesse desloca-se para as circunstâncias, subjetiva e objetivas, que
permitem o desenvolvimento da virtude da justiça. A leitura do texto de Hume
pode sugerir a ideia de que, para compreender a natureza da justiça, teríamos de
144
prestar maior atenção tanto no contexto social quanto nas motivações individuais.
Em nome de uma maior sobriedade também metodológica, uma teoria da justiça
tenderia, desse modo, a ressaltar a importância da educação e do aprendizado
moral no processo de surgimento das normas” (Maffetone, Sebastiano; Veca,
Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ;
revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 88-
89).
145
A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini; revisão da tradução:
Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 89-90).
“…Se a sociedade civil nasce com a propriedade (quando, pela primeira vez,
alguém diz: isto é meu) e com isto sobrevém a desigualdade, a justiça torna-se um
reequilíbrio por meio de retribuições horizontais. Sua possibilidade repousa no
Contrato Social, que encarna a vontade geral, que está, racionalmente, acima das
vontades individuais. A vontade geral tem por objeto o interesse comum,
enquanto as vontades individuais visam ao interesse privado, o mais e o menos
que se cancelam mutuamente. Entres estes, a justiça é retribuição horizontal.
Como a soma das diferenças entre os interesses individuais constitui a vontade
geral (O Contrato Social, II, cap. 3), a vontade geral coloca as vontades individuais
sob sua suprema direção. Entre ambas há um quid místico, que anuncia uma
hierarquia da Razão. Conquanto na vontade geral se observe uma distribuição
racional dos interesses comuns, que serve à igualdade civil e, portanto, se vale do
modelo horizontal, a relação dela com as retribuições privadas é hierárquica e não
admite resistência (Rousseau não aceita o direito de rebelião, pois a vontade geral
nunca erra). Assim, o modelo horizontal se deixa contaminar pelo vertical”
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Justiça como retribuição: da razão e da emoção na
construção do conceito de justiça. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 10).
Para Rousseau, a justiça não é anterior à lei. A lei fundamental da justiça só tem
sentido no Estado decorrente do contrato, posto que a vontade geral nasce do
contrato e ela é para todos os membros do Estado a regra do justo e do injusto.
Não se trata de uma oposição entre a justiça e o direito natural, mas da
convergência necessária, no estado de sociedade, entre o interesse particular e o
bem comum. A justiça não é mais uma relação entre indivíduos como ocorria no
estado de natureza, trata-se, agora, da participação de cada um na comunidade e
do respeito à ordem que se estabeleceu pelo contrato. E, apenas nesse momento,
o homem é livre. É da retidão da vontade geral que decorre a lei que vai garantir
o que é justo com vista ao bem comum. E, se a utilidade pública é a condição para
uma verdadeira justiça, como explicar que nem sempre ela é alcançada? Entre
146
querer o bem e de fato praticá-lo há uma diferença: muitas vezes o povo erra em
seus julgamentos ao pensar que está a fazer o bem. Logo, não é a vontade geral
que erra, o erro está no julgamento dos homens nem sempre esclarecido e é por
isso que a aspiração dos cidadãos à justiça precisa ser esclarecida e educada para
se tornar um dever, como afirma Rousseau em Do contrato social: “pode-se
afirmar que a vontade geral está sempre certa e tende sempre à utilidade pública;
mas não se pode dizer que as deliberações do povo tenham sempre a mesma
retidão. Sempre se deseja o próprio bem, mas nem sempre ele é encontrado: nunca
se corrompe o povo, mas frequentemente este é enganado, e somente então ele
parece querer o mal”. Mais do que um dever, a instituição política da justiça é um
dever sagrado” (PISARA, Maria Constança Feres. Entre o Leviatã e a vontade
geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no pensamento de Thomas Hobbes e
de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI,
Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história
da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 71-72).
VIII. EXPLICAÇÃO
Kant é o único, dessa segunda parte, cujos trechos escolhidos foram extraídos de
dois textos diferentes, respectivamente da Fundamentação da metafísica dos
costumes e da "Doutrina do direito" da Metafísica dos costumes (“Autonomia
moral e liberdade jurídica”). Essa escolha resulta do fato de que, em ambos os
textos, ele parece apresentar, se não duas teorias da justiça, pelo menos dois
147
aspectos diferentes, e não facilmente conciliáveis, de uma concepção da justiça.
Na Fundamentação, noções famosas como aquela de autonomia constituem, com
a linguagem de Kant, “o princípio da dignidade da natureza humana e de toda
natureza razoável”. Desse modo, a fundamentação autónoma da moralidade
determina o cenário ético, imparcial e universalista da justiça. Por outro lado, na
Rechtslehre [doutrina do direito] o problema consiste em construir um conceito
geral de direito, de maneira que conforme escreve Kant – “o arbítrio de cada um
pode coexistir com o arbítrio do outro segundo uma lei universal". Nesse caso,
diferentemente da autonomia moral, confrontamo-nos com princípios jurídicos e
constitucionais, que regulam externamente a relação social na vida coletiva. A
feitura do texto de Kant pode sugerir a ideia de reunificação de ambos os aspectos
da teoria da justiça, que ele como vimos, separadamente. Desse modo uma teoria
política normativa, inspirada nos princípios do liberalismo/pode tentar conjugar
as razões morais da imparcialidade e da reciprocidade com a minimização da
coerção típica da filosofia do direito kantiana”(MAFFETONE, Sebastiano;
VECA, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina
Jannini; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. 90).
Kant distingue duas maneiras como a razão pode comandar a vontade, dois tipos
diferentes de imperativos. Um tipo de imperativo hipotético e condicional: se quer
X, então faça Y; e outro que é incondicional e, por isso, categórico. No caso de a
ação ser boa por causa de outra coisa trata-se do hipotético. Se a ação é
representada como boa em si mesma e, por conseguinte, necessária para uma
vontade conforme a razão, então o imperativo é categórico. Nesse sentido, ele
recomenda que se aja apenas segundo uma máxima, regra ou princípio tal que
possa ao mesmo tempo ser lei universal. Em concreto, está a afirmar que se deve
agir apenas segundo princípios que se poderia universalizar sem contestação, por
exemplo, se todos mentem nunca mais se poderá confiar em ninguém. Aliás essa
máxima facilmente se converte também em utilitarista na doutrina: não mintas
porque todos saem prejudicados. (STUART MILL, 2000, p. 182). A força moral
do imperativo categórico torna-se mais clara na formulação que visa "tratar as
pessoas como fins" e não meios e "fazê-lo como se fosse uma lei universal". O
148
"não faças aos outros o que não queres que façam a ti". O respeito kantiano é o
respeito pela humanidade como tal por uma capacidade racional que existe, sem
distinção em todos nós, ou seja, como "[...] seres humanos que é mais exigente do
que apenas com os mesmos direitos que nós. (KANT, apud ALMEIDA; BRÁS,
2012). Para Kant agir moralmente é agir por dever - por causa da lei moral. A lei
moral corresponde ao imperativo categórico, o princípio que exige que se tratem
as pessoas com respeito, como fins em si mesmas. Essa é a única maneira de ser
livre. Eu só ajo livremente quando atuo em conformidade com o imperativo
categórico. Quando a minha ação é comandada pelo imperativo hipotético não sou
verdadeiramente livre na medida em que me encontro condicionado por algum
interesse ou fim exterior a mim. Rawls (1993) parece-nos ter ido mais longe que
Kant. A partir de uma "posição original", a humanidade celebraria um acordo
sobre os princípios de um código ético para a humanidade, englobando, portanto,
todos os seres humanos. Todos nele participariam e delineariam em conjunto esse
código. Ora, por nunca saberem se aquela regra se lhes aplicaria, ter-se-ia o
cuidado de "maximizá-la". Imagine-se a cena doméstica entre dois filhos a querem
o mesmo bolo, em que o pai estabelece a regra de que quem cortar o bolo é o
último a servir-se. Quem cortar o bolo será certamente o mais justo que lhe for
possível. Aqui trata-se de elaborar um conjunto de princípios que qualquer
membro participante considere equitativamente justo. Depois de celebrar esse
acordo, passamos a ter princípios, alguns de caráter deontológico e outros de
carácter teleológico, em que a bondade ou a maldade de um ato é decidida
consoante os resultados esperados. (RAWLS, 1993). Em qualquer dos casos, há
um conjunto de valores que a modernidade nos legou e que em geral se aceita,
isto é, em ética há valores universais; o que não é universal é a sua aplicação, pois
ela depende dos contextos culturais, nomeadamente das diversas administrações
públicas. Os resultados das negociações de princípios podem variar entre culturas;
as aspirações humanas, porém, permanecem idênticas nas suas estruturas latentes”
(BILHIM, João. As práticas dos gestores públicos em Portugal e os códigos de
ética. Sequência. Florianópolis no.69. p. 61-82. Florianópolis July/Dec. 2014).
149
O PARADIGMA DA JUSTIÇA SOCIAL
I.INTRODUÇÃO
OBS: “É preciso aqui anotar a diferença entre teorias de justiça categóricas, como,
por exemplo, a de Kant, quando a justiça é servida a despeito da utilidade das
consequências, e teorias consequencialistas, como o utilitarismo de Jeremy
Bentham, entre outros, onde a justiça é uma função da utilidade das
consequências”(FERES JUNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto. Liberalismo
igualitário e ação afirmativa: da teoria moral à política pública. Revista de
Sociologia e Política. Curitiba, v. 21, n. 48, p. 85-99, Dec. 2013, nota 2).
150
II. Jeremy Bentham
151
Esta última, como se sabe, coloca-se no centro da discussão contemporânea sobre
as teorias da justiça (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de
justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 228).
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS
I.HENRY SIDGWICK
152
As páginas de Sidgwick que constituem o quinto capítulo do clássico Os métodos
da ética (“Uma reavaliação do conceito de justiça"), apresentam uma tentativa
sistemática de analisar a natureza da justiça. Essa obra, pensada e escrita na era
vitoriana, exercerá um fascínio permanente para cientistas sociais (Sidgwick
também era economista) e filósofos da moral e políticos, sobretudo na cultura de
língua inglesa. No âmbito de uma ampla e refinada classifícação dos modos da
justiça, Sidgwick ressalta o papel central da justiça distributiva. Dessa forma, ele
desenvolve a perspectiva de John Stuart Mill, apresentada aqui em //Utilidade e
justiça", ligando a avaliação moral das instituições e das práticas sociais aos êxitos
da distribuição de vantagens e desvantagens entre os indivíduos. O problema
distributivo é, então, resolvido por Sidgwick numa perspectiva utilitarista original,
destinada, durante a primeira metade do século XX, a tornar-se uma referência
canónica (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de
Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti.
São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 293-294).
...a exigência de uma teoria da justiça provém não apenas da análise moral da
distribuição económica, mas também da melhor filosofia jurídica. Nesse âmbito,
deve-se ler o texto de Herbert Hart, extraído do oitavo capítulo de O conceito de
direito (“A justiça entre moral e direito"). Ao discutir o clássico tema das relações
entre direito e moral, Hart ressalta a centralidade da noção de equidade para toda
concepção da justiça: “O princípio geral latente nessas diversas aplicações do
conceito de justiça é que os indivíduos, em suas relações recíprocas, têm direito a
certa posição relativa de igualdade ou desigualdade. Trata-se de algo que se deve
respeitar nos episódios da vida social, quando se devem distribuir os pesos e os
benefícios, bem como de algo que deve ser restabelecido quando perturbado”.
Desse modo, ao conceito de justiça distributiva convergem tanto a teoria do direito
quanto a teoria económica. O paradigma contemporâneo da justiça parece
encontrar, assim, uma colocação entre utilidades e direitos (Maffetone,
Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução
153
Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 294).
154
fosse possível algo do tipo, seria totalmente indesejável, pois requereria um
sistema produtivo e distributivo alternativo ao mercado, do qual dependem,
segundo Hayek, o nosso bem-estar e, em última análise, a nossa liberdade.
Naturalmente, o valor da crítica radical de Hayek ao conceito de Justiça social
depende da"sua interpretação particular da conexão entre liberalismo e mercado.
Hoje parece óbvio que justamente essa conexão tornou-se problemática na
discussão sobre o liberalismo político, que seguiu a evolução crítica do paradigma
da justiça, inaugurado por Rawls”
V. HANS KELSEN
“…a única justiça passível de ser conhecida por parte da ciência do direito é
aquela que se expressa em termos de legalidade e, nessa perspectiva em que o
justo se identifica com o legal, o critério capaz de distinguir a justiça da injustiça
passa a consistir no fato de que "uma regra geral seja aplicada em todos os casos
em que, de acordo com seu conteúdo, esta regra deva ser aplicada". É, portanto, à
aplicação e não ao conteúdo de uma determinada ordem jurídica que a justiça se
refere. Trata-se da necessidade de regularidade lógica na aplicação de um conceito
abstraio a um fenómeno concreto, sem que nessa operação incida qualquer
valoração. A justiça perde o estatuto de valor fundador da validade do direito
positivo para remeter-se ao plano de sua aplicação. Trata-se de um deslocamento
conceitual bastante controverso, sobretudo porque retira da justiça o papel que lhe
foi tradicionalmente atribuído. Porém, como enfatiza Kelsen, "apenas com o
sentido de legalidade é que a justiça pode fazer parte de uma ciência do Direito".
Tudo o que se coloca para além disso seria ilusório” (BÔAS FILHO, Orlando
Villas. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas
Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo
Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da
filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 140-141).
155
Segundo Niklas Luhmann, a justiça, no contexto da sociedade moderna,
funcionalmente diferenciada, serviria de fórmula de contingência do subsistema
jurídico, cuja finalidade seria justamente fornecer um controle de consistência às
decisões jurídicas, permitindo-lhe, assim, superar tanto as teorias jusnaturalistas
quanto as positivistas. Essa superação seria obtida mediante a indicação de uma
forma de autocontrole do subsistema jurídico que, por um lado, não seria
identificável com a natureza, o que é inaceitável em função de sua fundamentação
metafísica, mas que, por outro, não se reduziria a simples decisão, que conduziria
ao decisionismo. Essa forma de autocontrole seria proporcionada justamente pelo
conceito de justiça que, para cumprir essa função, deve ser reelaborado” (BÔAS
FILHO, Orlando Villas. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans
Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI,
Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história
da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 141).
156
Hans Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 145-146).
Importância do pensador:
“No segundo termo do século XX, o pensador norte-americano John Rawls (1921-
2002) provocou uma guinada nos estudos sobre a ética. Ao publicar, em 1971,
Uma teoria da justiça, ofereceu a possibilidade teórica de integrar o sentimento
moral com as liberdades públicas e individuais caras ao Ocidente” (THIRY-
CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a economia moral da justiça.
Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília Sept./Dec. 2011).
Como se sabe, o revival da filosofia política coincidiu nos últimos decénios com
a afirmação do paradigma inaugurado pela teoria da justiça, de John Rawls. Essa
é a razão pela qual o último capítulo do volume, "Justiça como equidade",
reproduz o capítulo inicial de Uma teoria da justiça. Nessas páginas, o filósofo de
Harvard descreve a traços largos a natureza e os objetivos da sua proposta,
baseando-se nas principais alternativas teóricas. A obra de Rawls produziu um
157
verdadeiro florescimento de hipóteses filosóficas no âmbito da teoria política
normativa, gerando um debate fecundo, cujas conclusões teóricas ainda hoje são
abertas e imprevisíveis. Quem quer que se interesse por tal discussão encontrará
nessa parte conclusiva do volume um significativo terminus a quo” (SEN,
Amartya. A ideia de justiça; tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli
Mendes. São Paulo: Companhia das letras, 2011).
158
igualitário e ação afirmativa: da teoria moral à política pública. Revista de
Sociologia e Política. Curitiba, v. 21, n. 48, p. 85-99, Dec. 2013, nota 3).
Kant diz que há um consentimento hipotético: “Uma lei é justa quando tem a
aquiescência da população como um todo” (SANDEL, 2011, p. 177)
Essa é a questão que Ralws tenta responder no livro Teoria da Justiça (1971).
“Essa ideia fundamental pode ser conformada de várias maneiras, mas em seu
centro deve estar uma exigência de evitar vieses em nossas avaliações levando em
conta os interesses e as preocupações dos outros também e, em particular, a
159
necessidade de evitarmos ser influenciados por nossos respectivos interesses pelo
próprio benefício, ou por nossas prioridades pessoais ou excentricidades ou
preconceitos. Pode ser amplamente vista como uma exigência de imparcialidade.
A especificação de Rawls das exigências de imparcialidade é baseada em sua ideia
construtiva de posição original, que é central para sua teoria da "justiça como
equidade”. A posição original é uma situação imaginada de igualdade primordial,
em que as partes envolvidas não têm conhecimento de suas identidades pessoais,
ou de seus respectivos interesses pelo próprio benefício, dentro do grupo como
um todo. Seus representantes têm de escolher sob esse véu de ignorância, ou seja,
em um estado imaginado de ignorância seletiva (especialmente, ignorância sobre
os interesses pessoais característicos e concepções reais de uma vida boa —
conhecendo apenas o que Rawls chama de "preferências abrangentes"), e é nesse
estado de concebida ignorância que os princípios de justiça são escolhidos por
unanimidade. Os princípios da justiça, em uma formulação rawlsiana, determinam
as instituições sociais básicas que devem governar a sociedade que estão,
podemos imaginar, por ‘criar’” (SEN, Amartya. A ideia de justiça. Amartya Sen;
tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia
das letras, 2011, p. 84-85).
O véu da ignorância
160
“Esse "contrato ideal" seria a expressão de um acordo sobre os princípios
fundamentais da justiça, estabelecido em um ato coletivo, por agentes livres,
racionais e iguais, que abstraem sua posição socioeconômica particular. Pessoas,
que, ignorando o que o futuro possa lhes reservar e desejosas de favorecer os seus
próprios interesses, chegariam a um pacto fundado em preceitos necessariamente
justos.
Nessa formulação, Rawls reuniu uma série de conceitos de várias origens. A ideia
de estado da natureza da situação imaginária, do ser humano vivendo em estado
puro, pré-social, bem como o conceito do pacto ou do contrato (de que, para
escapar à barbárie, a humanidade teve que estabelecer um acordo político-social)
são contratualistas. A noção do "véu de ignorância", dos agentes que abstraem
tudo que não seja o conhecimento imediatamente disponível, inclusive as
condições econômicas, políticas e sociais e as antevisões sobre o futuro, é retirada
do idealismo (PL VIII § 4; 305). A concepção de que agentes racionais decidem
de acordo com os seus interesses se inspira francamente no utilitarismo.
Rawls pode sintetizar esses conceitos em um todo porque o sistema que elaborou
não se baseia em um critério, mas em um procedimento. Ele concebeu a tarefa da
ética não como sendo a de descobrir princípios, mas a da estabelecer princípios
mediante processos que permitissem alcançar um equilíbrio moral razoável.
161
livre e espontânea vontade. Como instrumentos de benefício mútuo, os contratos
inspiram-se no ideal de reciprocidade; a obrigação de cumpri-los resulta da
obrigação de recompensar o outro pêlos benefícios que ele nos proporciona”
(SANDEL, 2011, p. 182).
162
próprio benefício. Isso pressupõe que existe fundamentalmente apenas um tipo de
argumento imparcial que satisfaça as exigências da justiça e do qual os interesses
pelo próprio benefício tenham sido aparados. Acredito
que isso possa ser um erro. Pode haver diferenças, por exemplo, nos pesos
comparativos exatos a serem dados à igualdade distribucional, por um lado, e na
melhoria geral ou agregada, por outro. Em sua identificação transcendental, John
Rawls especifica uma dessas fórmulas (a regra do maximin lexicográfico, a ser
discutida no capítulo 2), entre muitas outras disponíveis, sem apresentar
argumentos convincentes que eliminariam todas as outras alternativas que
poderiam concorrer pela atenção imparcial com essa sua fórmula bastante
especial. Pode haver muitas outras diferenças arrazoadas envolvendo as fórmulas
específicas sobre as quais Rawls se concentra em seus dois princípios de justiça,
sem nos mostrar por que outras alternativas não continuariam a merecer atenção
na atmosfera imparcial de sua posição original”(SEN, Amartya. A ideia de justiça.
Amartya Sen; tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 40-41).
“A ideia é a de que, se alguém tem que escolher princípios, mas nada sabe sobre
a sua posição e sobre o seu futuro, não podendo determinar quais princípios
constitutivos da justiça poderiam ser vantajosos e quais poderiam ser
desvantajosos para ele, tenderá a escolher princípios "neutros", de interesse geral,
princípios que sejam bons para qualquer um e para todos. Sob essas condições, o
acordo inicial determinaria, necessariamente, dois princípios (TJ § 60-68; 245 e
ss.):
a) o da liberdade: cada pessoa deve ter direito igual ao mais amplo sistema de
liberdades básicas. A justiça é dada, antes de tudo, pela liberdade de opinião e de
consciência, igual para todos e que impera acima dos interesses econômicos, das
aspirações político-sociais e das convicções religiosas. A liberdade deve ser a
mais ampla, compatível com as liberdades alheias. Esse princípio é prioritário em
relação a todos os outros;
163
b) o da diferença: segundo o qual as desigualdades socioeconômicas só podem ser
consideradas justas se produzirem uma compensação, um reequilíbrio das
situações, em especial para os membros menos favorecidos da sociedade. De
modo que as desigualdades, para serem justas, obedecem a duas condições:
propiciar o maior benefício aos menos favorecidos e garantir o acesso a cargos e
posições em condições equitativas, isto é, em que as oportunidades e vantagens
sejam acessíveis a todos, igualando a atribuição de direitos e de deveres” THIRY-
CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a economia moral da justiça.
Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília Sept./Dec. 2011).
Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a liberdade não pode consistir
senão em poder fazer o que se deve querer e em não ser constrangido a fazer o
que não se deve desejar: "[...] A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis
permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais
liberdade, porque os outros também teriam tal poder"[60].
É nesse sentido que se entende a afirmação categórica de Rawls de que, uma vez
que não seja respeitado o preceito do estado de direito de que não há ofensa sem
lei através da imprecisão e vagueza das leis, o que se tem a liberdade de fazer, ou
não, fica igualmente vago e impreciso. Dito de outro modo, se uma lei for
imprecisa e incerta, esclarece Rawls, a liberdade para agir dentro da estrutura
básica da sociedade também será imprecisa e incerta, fincando limitado o
164
exercício da liberdade por um temos razoável, e, consequentemente, não haverá
meios que possibilitem a criação de uma base para expectativas legítimas.
165
isso, Rawls não quis dizer que a justiça é a virtude mais alta, mas sim que ela é a virtude
fundamental, aquela que assegura a base para o desenvolvimento de tudo o mais. Em
princípio, as configurações sociais podem exibir um número qualquer de virtudes. Elas
podem ser, por exemplo, eficientes, ordenadas, harmoniosas, generosas ou
enobrecedoras. Mas a realização dessas possibilidades depende de uma condição anterior,
qual seja, a de que as configurações sociais em questão sejam justas. É nesse sentido,
pois, que a justiça é a virtude primeira: é apenas com a superação da injustiça
institucionalizada que conseguimos firmar o solo a partir do qual as demais virtudes, tanto
sociais quanto individuais, podem florescer. Se, como penso, Rawls está certo nesse
ponto, então, ao avaliar as configurações sociais, a primeira questão que devemos colocar
é: elas são justas? Para responder-lhe, podemos recorrer à outra tese sua: "o tema
primordial da justiça é a estrutura básica da sociedade." Essa afirmação conduz nossa
atenção, das várias características imediatamente acessíveis da vida social, à gramática
profunda que lhes subjaz, às regras básicas institucionalizadas que estabelecem os termos
elementares da interação social. Somente quando elas se ordenam de modo justo é que os
outros aspectos mais palpáveis da vida também podem ser justos. Certamente, os
pormenores da visão que Rawls tinha da justiça - como os de Platão - são problemáticos.
A ideia de que a justiça pode ser julgada exclusivamente em termos distributivos é muito
restrita, do mesmo modo como o é mecanismo da "posição original". Todavia, para os
propósitos deste ensaio, endossarei a ideia de Rawls de que o foco da reflexão sobre a
justiça deve ser a estrutura básica da sociedade” (FRASER, Nancy. Sobre justiça: lições
de Platão, Rawls e Ishiguro. Revista Brasileira de Ciência Política. no.15 Brasília. p. 265-
277. Sep./Dec. 2014).
166
2. O CONCEITO DE DIREITO. EQUIDADE. DIREITO E MORAL:
FILOSOFIA DO DIREITO
CONCEITO DE DIREITO
167
jurídica para explicitar dados normativos, com preocupações puramente conceituais, e
com inegável categorização dos institutos jurídicos.
168
jurídico da Escola da Exegese, sendo este conteúdo social sido reforçado com os
ensinamentos da sociologia jurídica, que passaram a se desenvolver.
Tais mudanças imprimiam conteúdo social do Direito, a tão desejada
socialidade, desencadeando um grande movimento contra o formalismo jurídico que
buscava afastar o direito como criação do Estado, resultando na sua superação e no
reconhecimento da presença de valores sociais, o que deu margem inclusive a se admitir
outras fontes de direito, passando-se a aceitar como tais o costume, a jurisprudência e a
doutrina para tanto. Mais que isso, segundo Miguel Reale, sucedia-se mesmo uma
mudança no próprio conceito de norma jurídica, que se distanciava da vontade estatal
para ser encarada como uma norma social, trazendo consigo duas importantes
consequências complementares, quais sejam, de ordem histórica com a superação da
dogmática jurídica romanística e a outra de ordem hermenêutica, pelo sucumbimento do
método dedutivo de interpretação.
É neste momento da segunda fase do Direito Moderno, que Miguel Reale
sentiu o espírito da dogmática jurídica de cunho social e a exemplificou quando aponta
para o reconhecimento da função social da propriedade e do contrato, que bem mais tarde
ganhariam status de princípio constitucional em nossa Carta Republicana e no nosso
próprio Código Civil (LGL\2002\400).
Como crítica a esta fase do Direito Moderno, o jurista em questão aponta a
inegável contradição que se formava, já que a desejada socialidade de então trouxe certa
estatalidade, especialmente em decorrência da primeira guerra mundial, já que a
consequência natural de um pós-guerra, seja ela qual for, traz inegável fortalecimento ao
poder do Estado, que passa a reconstruir os bens destruídos no conflito ou reorganizar a
economia, o que impulsionou naquele momento o próprio direito tributário e
administrativo.
Antes de passar a análise da terceira fase do Direito Moderno, Miguel Reale
ainda faz questão de destacar os feitos de Hans Kelsen, que se pôs a estudar aquela
mudança que ocorria no conceito de norma, instaurando a teoria do normativo como uma
teoria do dever ser, que abria campo de renovação no estudo da lógica jurídica,
desenvolvendo uma pesquisa acerca da evolução do conceito de norma na sua Teoria Pura
do Direito.
Apesar de fatores materiais não serem suficientes por si só para romperem ou
inaugurarem novo ciclo histórico, o fato é que Miguel Reale considera que a cibernética,
169
formada pelo avanço dos computadores e dos condutores de informação marcaram a
terceira fase do Direito Moderno, atingindo profundamente a experiência jurídica em
geral.
Neste contexto de evolução as decisões já poderiam estar armazenadas em
memórias eletrônicas de fácil acesso e organização, bem como o mapeamento de todo o
sistema para identificação de contradições ficava muito mais acessível e viável dentro do
sistema.
Convenceu-se ainda Miguel Reale, de que o revisionismo seria o sinal da
modernidade tanto no contexto político como jurídico, compreendendo esta nova fase do
Direito Moderno, permeada pela assimilação de termos axiológicos, por um entendimento
mais amplo e maleável da vida jurídica em sentido de integralidade, onde o papel que
desempenha os valores ganha imprescindibilidade, reconhecendo-se aquilo que foi
chamado por Lamartine de Jurisprudência de Valores.
Esta Jurisprudência de Valores, por ser natural, não estaria vinculada a um
conceito específico de valor, quando então Miguel Reale faz uma alusão até mesmo à
teoria finalística da ação de Welzel, uma vez que o valor seria imanente, radicado na
realidade. É claro que neste momento pode-se afirmar, ao meu ver, que todos os estudos
e entendimentos de Direito Natural ao longo da história contribuíram para formação
destes novos ideais.
Miguel Reale destaca a experiência jurídica como uma importantíssima
expressão da Jurisprudência de Valores, seja perante aqueles teóricos que concebem o
direito como experiência, seja para aqueles tenham maior simpatia pela concreção
jurídica, já que em ambos os casos o direito é compreendido como momento essencial da
vida cultural, com valores concretos e não imaginários ou transcendentais.
A presença da Jurisprudência de Valores nos textos de lei podem ser vistos
tanto na Constituição Federal de 1988, que, por exemplo, inverteu metodologicamente as
normas de organização do Estado com aquelas que tratam dos valores e garantias
individuais, como também no próprio Código Civil (LGL\2002\400) que a todo momento
se reporta a valores éticos e sociais para regular as relações civis, ou ainda a legislação
complementar, a exemplo do Estatuto do Idoso.
Neves, Karina Penna. Concepção integral do direito à luz do pensamento de
Alceu Amoroso Lima e o direito moderno à luz do pensamento de Miguel Reale. Revista
dos tribunais. São Paulo, v. 102, n. 932, p. 221-239, jun. 2013.
170
DIREITO E MORAL
VISÃO GERAL
Nesse contexto, apresenta-se algumas das doutrinas que, há mais de dois mil
anos, explicam o tema.
Robert Alexy menciona um exemplo que data de dois mil anos: “...até hoje
são distintas as respostas que se dão à pergunta relatada por Xenofonte, feita por
Alcibíades a Péricles: ‘Então, quando um tirano apodera-se de um Estado e impõe aos
cidadãos o que eles devem fazer, isso também é uma lei?” (ALEXY, 2011, p. 3, nota de
rodapé nº 1).
171
consistente no reino da moral. Aquino antecipava portanto a doutrina do foro interno e do
foro externo.
Miguel Reale conceitua a teoria dos círculos concêntricos como sendo a teoria
do mínimo ético.
Por esta teoria haveria dois círculos concêntricos. O círculo da moral possui
um raio mais longo, enquanto que o menor pertenceria ao Direito. Isso significa que a
moral é maior que o Direito, e que o Direito dela faz parte; e que o Direito se subordina
às regras morais.
172
Essa exposição de Bentham foi desenvolvida por outros autores.
Os adeptos dizem que a moral possui uma aceitação espontânea, mas como
as violações são inevitáveis “é indispensável que um mínimo ético seja declarado
obrigatório e armado de força para se fazer cumprir, impedindo assim a transgressão
daqueles dispositivos que a comunidade considerar necessários à paz social” (BETIOLI,
Antônio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 115).
Essa doutrina costuma ser reduzida à seguinte ideia: tudo o que é jurídico é
moral, nem tudo o que é moral é jurídico.: “O direito seria uma espécie dentro do gênero
moral” (COELHO, Luiz Fernando. Helênia e Devília - Civilização e barbárie na saga dos
direitos humanos. Curitiba: Bonijuris, 2014, p. 37).
173
sentido, apesar de todas as providências cabíveis, sempre permanece um resíduo de
imoral tutelado pelo Direito” (REALE, 2009, p. 43).
Uma conclusão parcial pode ser extraída dessa apresentação inicial para
contemplar a letra “c” da questão proposta. Pode-se apresentar as doutrinas de Kant e
Jellinek como situadas em dois extremos: “a separação absoluta entre a ordem ética e a
jurídica, e absorção total da segunda pela primeira" (COELHO, 2014, pp. 37-38).
IDENTIDADE
Por essa teoria haveria dois círculos que se cruzam até um determinado ponto
apenas.
174
jurídicas encontram-se alguns princípios fundamentais que decorrem das convicções
morais que são aceitas pela sociedade inteira e norteiam o direito (dignidade humana,
respeito à vida, igualdade, cumprimento das promessas)” (DIMOULIS, 2016, p. 64).
O DEBATE ATUAL
Uma vez feito o histórico, convém assinalar que o debate atual cinge-se às
duas correntes que se seguem. Com efeito, os filósofos e teóricos do direito não debatem
mais essas teses apresentadas anteriormente: “A controvérsia concentra-se, atualmente,
entre os partidários da tese da conexão e os adeptos da tese da separação” (DIMOULIS,
2016, p. 65).
TESE DA CONEXÃO
175
(b) em relação à interpretação jurídica: "Devemos interpretar o direito em conformidade
com os preceitos morais (moralismo da interpretação)".
TESE DA SEPARAÇÃO
Essa escola pode ser conceituada como positivista. A maioria dos adeptos "...
rejeita o dever de obediência da população e critica o moralismo como ideologia que
legitima o direito em vigor, porque impossibilita sua crítica. Na visão dos positivistas, o
operador jurídico deve limitar-se à interpretação das normas válidas, deixando as pessoas
livres para obedecer ou não às normas em vigor, segundo seus interesses e suas
convicções políticas" (DIMOULIS, 2016, p. 66).
176
B) "...o direito moderno é válido porque é posto em vigor pelas autoridades
competentes e não porque respeita a moral. Em conclusão, a forte relação entre o direito
e a moral não constitui motivo de validade nem motivo de interpretação das normas
jurídicas" (DIMOULIS, 2016, p. 66).
MORAL E DIREITO
177
cuja finalidade é exclusivamente prática. Finalmente, cabe dizer que o campo de
incidência da norma moral é mais amplo que o da norma jurídica: non omne quod licet
honestum est.16
178
Entre os gregos, tampouco se encontra uma nítida separação entre Direito e
Moral. O indivíduo era absorvido pela cidade (hoje diríamos, pelo Estado), cujo interesse
era superior e dominante. O pensamento grego, com exceção dos sofistas, estava
impregnado do caráter sagrado das leis que, baseados nas mais antigas tradições,
apareciam rodeados de crença religiosa. Sócrates fazia do respeito à lei o fundamento
místico da moral cívica. Platão considerava a justiça, que é valor jurídico, no plano moral,
concebendo-a como virtude a todas superior. Aristóteles, por sua vez, sustentou que a
justiça era, em sentido amplo, o princípio de todas as virtudes, era o grande princípio da
moral religiosa, tendo elaborado célebre teoria que permaneceu no tempo. Ele distingue
na justiça dois aspectos: a justiça distributiva e a comutativa. A primeira refere-se às
relações entre a coletividade e os indivíduos; baseia-se na idéia de proporção; o que cada
um recebe, deve ser proporcional ao seu papel, a seus méritos ou à sua contribuição; o
dever de cada um é proporcional aos seus meios. A justiça comutativa diz respeito às
relações entre particulares, colocando-se sob o espírito da igualdade, igualdade nas trocas,
igualdade de reparação do dano causado.
Em Roma, já se verifica uma certa distinção entre o direito e a moral, se bem
que pouco nítida. Com o desenvolvimento do espírito individualista, os juristas começam
a tomar consciência dessa distinção, como demonstra a célebre frase de Paulo: non omme
quod licet honestum est.20
No entanto, noutras passagens, vemos ainda a identificação da moral com o
direito, como na de Celso: Ius est ars bani et aequi. A primeira parte (ars boni) referindo-
se à moral, a segunda (ars aequi), ao direito. A confusão permanece com Ulpiano ao
formular os seus três grandes princípios de Direito: Iuris praecepta sunt haec: honeste
vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. A separação do ius civile, Direito
Positivo aplicado somente aos cidadãos romanos, do ius gentium, aplicável aos
estrangeiros, é que tornou, posteriormente, mais nítido o dualismo existente, do Direito e
da Moral.
Com o Cristianismo, renovaram-se as concepções sobre o direito e a moral.
Uma passagem do Evangelho demonstra o pensamento característico: “Dai a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.23 A moral pertencia a Deus, o jurídico
ao Estado. Moral e Direito, cada um com sua própria esfera de ação.
2. Idade Média
179
Na Idade Média, a Igreja apresenta uma organização institucional, política e
jurídica, com poder espiritual e temporal. Ministrando justiça em seus feudos, a Igreja
intervinha, também nos estados cristãos, nos três fatos fundamentais da vida civil, o
nascimento, o casamento e a morte. O Direito Canônico dominava plenamente.
Dessa forma, nem na patrística nem na escolástica encontramos uma distinção
teórica entre o direito e a moral. Em vez de uma separação de esfera de influência, havia
uma tendência para a subordinação do direito à moral. Admitia-se, entretanto, que a moral
destinava-se ao bem do indivíduo, enquanto o direito destinava-se ao bem comum.
Com São Tomás de Aquino sistematizou-se a distinção entre a moral e o
direito. Em sua obra Fundamenta Iuris Naturae et Gentium, sustenta que a moral tem por
princípio o honestum e o direito o justum; a moral refere-se ao forum internum e o direito
ao forum externum, não se ocupando do pensamento. O Estado, órgão do Direito, não
pode penetrar no âmbito da consciência para impor determinadas crenças. Daí concluir-
se que a moral não é coercível, e tem por objetivo o aperfeiçoamento individual, enquanto
o direito dispõe de sanção e destina-se à disciplina da coexistência social. São Tomás,
que retomou algumas idéias essenciais de Aristóteles ao resolver o problema do
relacionamento Igreja-Estado, onde estabeleceu o primado de Deus, considerava a
existência de três leis fundamentais: a lei eterna que, baseava na razão divina, governa o
Universo; a lei natural que, reflexo da razão divina, submete os homens, e a lei humana
que aplica os princípios da lei natural às circunstâncias particulares de cada sociedade. A
lei humana deve ser conforme à lei natural: se aquela for injusta e quiser violar os
preceitos divinos, deve ser desobedecida, salvo se a resistência provocar escândalo ou
desordem.
3. Direito natural
Depois de São Tomás de Aquino encontramos a escola do Direito Natural.
Cabe preliminarmente distinguir, com R. Limongi França, a Escola Clássica
do Direito Natural e o Jusnaturalismo.25
A primeira, que se manifesta na filosofia clássica, greco-romana, no Direito
romano e no pensamento medieval de Sto. Agostinho, Sto. Isidoro e São Tomás de
Aquino, traduz-se na existência de um princípio único, imutável, superior a todas as
ordens jurídicas, mandando que se faça o bem e que se evite o mal. Esse princípio, de
180
ordem moral, supõe um “conhecimento objetivo e experimental da natureza humana” e
tem caráter permanente e variável conforme se trate desse princípio ou de sua aplicação.
O jusnaturalismo, por sua vez, que representa uma certa involução da idéia
do Direito Natural, e que tem como expoente Grotius, é um “sistema completo,
universalmente válido e imutável, deduzido de uma noção abstrata do homem e da sua
natureza, consagrando o predomínio dos direitos naturais subjetivos”.27
Grotius publicou em 1625 sua principal obra De Jure Belli ac Pacis cuja
primeira parte é dedicada a uma Teoria do Direito e da Sociedade. Para ele, o homem
caracteriza-se por sua natureza social e racional. Desse modo, são conformes à sua
natureza todas as regras da vida que, à luz da razão, aparecem como favoráveis à vida em
sociedade. Decorrem disso o dever de respeitar os bens dos outros, o de cumprir cada um
suas promessas, a obrigação de reparar o dano causado a outrem, a punição que deve ser
aplicada aos culpados, etc. Esses princípios formam a estrutura do Direito Natural, quer
dizer, um conjunto de regras universalmente necessárias à vida social e assim
reconhecidas como tal por todas as nações civilizadas. Esse Direito Natural resume-se,
em suma, à justiça e não se distingue da moral. É Deus que, criando a natureza, quis que
tais princípios existissem em nós; mas eles se manifestam através da natureza humana e
não resultam de uma revelação divina.
Embora com pontos de vista bastante diferentes, o filósofo inglês Hobbes,
contemporâneo de Grotius, chega a conclusões análogas às dele: a idéia de um Direito
Natural de caráter moral, concepção essa que se manifesta nos demais pensadores da
Escola do Direito Natural, mais propriamente jusnaturalismo, Puffendorf, com sua obra
Le Droit des Gens ou Systéme Général de la Morale, de la Jurisprudence et de la Politique,
Bulamarqui, Vattel e Wollf.
Embora não unânime entre os teóricos do Direito Natural, muitos deles
consideram este como parte da moral.
O Direito Natural representa para esses juristas, a categoria da regra moral.28
Direito Natural como Moral.A seguir, encontramos em Emmanuel Kant, nítida distinção
entre moral e direito. Para o filósofo de Koenisberg, são “naturais” as regras que a razão
reconhece a priori; são positivas as que emanam do legislador. Uma ação é moral se ela
tem por móvel a idéia do dever; ela é conforme ao direito, isto é, justa, se ela obedece à
regra exterior que harmoniza as liberdades individuais. Seguindo as idéias de São Tomás
181
de Aquino sobre o tema, Kant distingue a moral do direito baseando-se na diferença entre
os motivos da ação (ações internas) e o aspecto físico dessa (ação externa). A moral
refere-se a esses motivos, ao foro interno; o direito refere-se ao aspecto externo dos atos,
isto é, à conformidade da ação com a lei.29 A concepção kantiana encontra, porém,
limitado número de adeptos.
Hoje em dia os juristas estão geralmente de acordo em que o campo do direito
e o da moral coincidem em grande parte. Principalmente no Direito Privado, grande
número de regras são determinadas pelos princípios morais. A moral circula no interior
do Direito Positivo como o sangue no corpo.30 O Direito de Família determina o
cumprimento de deveres quais que são intrinsecamente deveres morais. No campo do
Direito das Obrigações e no dos Direitos Reais, o princípio da boa fé nada mais é que um
princípio moral.
A condenação ao abuso de direito é princípio moral. No entanto, certos
princípios morais permanecem estranhos ao direito, com os deveres para consigo mesmo,
o dever de caridade, o dever de não mentir, etc.
182
religioso e contra o respeito aos mortos (CP (LGL\1940\2), arts. 208 a 212), aos crimes
contra os costumes, referindo-se estes à moral pública sexual (arts. 213 a 234) e os
referentes aos crimes contra a família (arts. 235 a 249).
É porém no sistema do Direito Privado, mais propriamente no Direito Civil,
que a influência da moral se manifesta e no campo do Direito de Família onde mais
patente se torna a influência da moral social.
183
145 do CC. E uma das hipóteses é a ilicitude do objeto da manifestação de vontade do
agente. O caráter ilícito significa, precisamente, ser o ato contrário à moral e aos bons
costumes, o que o leva a ser contra a lei.
Saindo da teoria das nulidades do ato jurídico, e abordando a teoria dos atos
ilícitos, verificamos que os conceitos de lícito e ilícito, isto é, conforme a lei ou contra
ela, contidos no art. 159 do CC, e a obrigação de reparar o dano nele prevista, constituem
os fundamentos da responsabilidade civil. Esse artigo traduz, em linguagem moderna, a
regra moral elementar neminem laedere do Direito romano, já expressa na Lex Aquilia.
3. No Direito de Família
Entrando na Parte Especial do Código, encontramos o Direito de Família que
é, sem dúvida, o mais influenciado pela moral.
A Família é o agrupamento humano hierarquizado, composto dos cônjuges e
de sua prole, em sentido estrito; na acepção lata, compreende também os parentes, afins
e naturais.
Constituindo um dos mais importantes, se não o mais importante núcleo
social, a família é um dos centros produtores de relações jurídicas que mais preocupa ao
Direito. Sob o ponto de vista material, o Direito de Família formou-se nos
princípios morais e religiosos já vigentes à época romana, e que se transmitiram pelo
curso das gerações, sofrendo as inevitáveis alterações que a evolução social determina.
Sob o ponto de vista formal é objeto de norma de direito interno (CF (LGL\1988\3) art.
175 e Código Civil (LGL\2002\400), arts. 180 a 206) e de normas de Direito
Internacional, (Carta das Nações Unidas, art. XVI, n. 3).
Por ser um centro básico de relações sociais, a Família sempre mereceu da
Igreja atenção especial, manifestada quer nas regras de Direito Canônico propriamente
dito, quer nas manifestações do Santo Padre, entre as quais se destaca a Encíclica Casti
Conubii, de Pio XI, a 30.12.30.
O Direito de Família compreende as regras aplicáveis às relações entre as
pessoas ligadas pelo casamento ou pelo parentesco. Compreende normas sobre
casamento, relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges e entre pais e filhos, e vínculo
de parentesco influência da moral se manifesta em inúmeras regras, como as referentes
à constituição da família legítima pelo casamento, ou da família ilegítima pelo
concubinato, as referentes aos impedimentos matrimoniais, onde é notória a influência do
184
Direito Canônico, à celebração do matrimônio, seus efeitos jurídicos e dissolução.
Principalmente no campo dos impedimentos matrimoniais, a influência moral se torna
manifesta, levando o Código a declarar a nulidade do casamento celebrado entre parentes,
consangüíneos, afins ou por adoção, entre pessoas já casadas, entre um cônjuge adúltero
com o seu co-réu, entre o cônjuge sobrevivente com o condenado no homicídio ou
tentativa de homicídio, contra o seu consorte (CC, art. 143).
185
Ennecerus-Nipperdey, são imorais os contratos:43
a) que significam estímulo ou realização do que é proibido pelos bons
costumes, como a promessa de recompensa para a prática de atos imorais;
b) que visam a dificultar o que determina a moral, como a promessa de
infringir um contrato;
c) que obrigam à prática de um ato que deve ser livre de toda coação jurídica,
como o compromisso de adotar alguém como filho;
d) que menosprezem excessivamente a liberdade do indivíduo, como a
proibição contratual de estabelecer domicílio;
e) que fazem depender de dinheiro ou de valor pecuniário o que, segundo os
bons costumes, não deve ficar nessa dependência, como a abstenção de um delito;
f) que significam exploração de uma parte pela outra, como a venda a preço
extorsivo;
g) que configurem usura, como nos contratos em que se exijam juros além
da taxa legal, ou razoável.
Também nos contratos de adesão, em que as condições contratuais são
estipuladas apenas por uma das partes, aderindo a outra aos termos já estabelecidos,
eliminando-se a discussão prévia que normalmente precede à formação dos contratos,
incide a regra moral. Nesta espécie contratual existe o monopólio de fato ou de direito de
uma das partes; a outra limita-se a concordar com o já decidido. São contratos de adesão,
o de seguro, o de transporte, o de fornecimento de luz, força, gás e água, a prestação de
serviços de telefones e telégrafos, determinados contratos bancários, contratos de direito
marítimo, venda de certas mercadorias, o contrato de trabalho em empresas de grandes
dimensões e muitas outras espécies que a atividade negocial moderna enseja.
A regra moral também incide no problema da resolução contratual por
onerosidade excessiva. É o domínio da cláusula rebus sic stantibus ou da teoria da
imprevisão. Nos contratos comutativos, permite o Direito moderno que, sendo excessiva
a diferença de valor do objeto da prestação entre o momento de sua perfeição e o da
execução, o contrato se extinga. É a tese da resolução do contrato por onerosidade
excessiva, que, a partir da 1.ª Guerra Mundial começou a seduzir os juristas.
No Direito romano, contractus qui habente tractum sucessivum et
dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur. Com o desequilíbrio social
186
causado pela 1.ª Guerra Mundial, viram-se os juristas obrigados a rever suas posições
quanto ao cumprimento rigoroso das cláusulas contratuais, que pressupunham, à época
da execução, o mesmo equilíbrio fixado à época da celebração. Surgiu assim a tese de
que, nos contratos comutativos, o surgimento de fatos extraordinários e imprevisíveis,
alterando drasticamente o equilíbrio existente ao realizar-se o contrato, permite sua
resolução. É a chamada Teoria da Imprevisão, hoje pacífica em nossos
Tribunais, embora não inserta em nosso Código Civil (LGL\2002\400).46
187
5. No Direito das Coisas
Quanto ao Direito das Coisas, encontramos no capítulo da posse o setor onde
se pode considerar incidente a regra moral.
Quando o Código Civil (LGL\2002\400), no art. 489, se refere à posse justa
e à injusta, mantendo a noção romana de posse nec vim, nec clam, nec precaria, quer dizer
posse que não é violenta, clandestina ou precária. Posse violenta é a que se adquire pela
força; posse clandestina é a que se estabelece às ocultas dos que têm interesse em
conhecê-la;52 posse precária é a que se origina de abuso de confiança, por parte daquele
que recebeu a coisa para restituí-la.
Além disso, refere-se ao art. 490 à posse de boa fé, quando o possuidor ignora
o vício ou o obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído. Se o
possuidor não ignora o vício da posse, isto é, a circunstância que a desvia das prescrições
legais, se tem conhecimento da ilegitimidade dela e a conserva, ocorre a má fé. A regra
moral, orientando o significado de boa fé e má fé, de justiça e injustiça, constitui a matéria
em que se baseiam os referidos dispositivos do Código.
Quanto à propriedade, direito excludente de outrem que, dentro dos limites
do interesse público e social, submete juridicamente a coisa corpórea, em todas as suas
relações (substância, acidentes e acessórios) ao poder da vontade do sujeito, mesmo
quando, injustamente, esteja sob a detenção física de outrem53 assistimos atualmente à
mudança das concepções que, sobre a matéria, presidiram à elaboração do Código Civil
(LGL\2002\400).
O Direito de Propriedade, sob a influência das condições sociais e morais
vigentes, vem gradativamente perdendo o caráter individualístico de que se revestia até
aos meados deste século. É direito cujo exercício se pretende condicionar não só à vontade
do proprietário como também ao bem-estar social. De cunho eminentemente individual,
o Direito de Propriedade que era absoluto, exclusivo e perpétuo, e que era o sustentáculo
do sistema capitalista, sofre grandes mudanças em sua concepção, passando a ter função
social. A propriedade passa a condicionar-se ao bem-estar social e ao interesse dos que
nela exercem sua atividade. A função social da propriedade é princípio constitucional (CF
(LGL\1988\3), art. 160, III).
188
No Direito das Sucessões, ou Direito das Heranças,54 em que se disciplina a
transferência de um patrimônio pela morte de seu titular, a influência da regra moral se
faz sentir, por ser este ramo do Direito ligado ao interesse da manutenção da propriedade
no seio da mesma Família.
Acerca da evolução histórica da propriedade encontramos duas teses
distintas: a “concepção clássica” que faz da propriedade um direito natural, um atributo
inerente à pessoa individual, e que triunfa na Declaração dos Direitos do Homem, e a tese
do chamado “comunismo primitivo” de Summer Maine, Lewis Morgan, Engels.
Segundo esta, em todos os povos, a propriedade da terra foi, em seu princípio,
coletiva, tendo-se feito individual muito mais tarde à medida que o cultivo se fazia mais
intensivo. Esta concepção foi vivamente combatida por certos historiadores,
principalmente Foustel de Coulanges, sendo hoje opinião dominante que ambas as formas
de propriedade conviveram nos primórdios.
O importante é destacar-se que a propriedade adquiriu caráter familiar,
levando à idéia de continuação do novo chefe do grupo nos bens que se achavam sob a
direção do chefe pré-morto. E com o caráter privado da propriedade que marcou o
individualismo romano, a idéia de sucessão firmou-se. Além disso, sendo correlatas as
idéias de família e culto, a concepção religiosa exigia que o falecido tivesse um
continuador de seu culto.
Por isso, o fundamento da sucessão é religioso e econômico. Religioso,
porque os bens se transmitiam aos herdeiros para proporcionar se mantivesse o culto aos
deuses domésticos, continuando-se na descendência a religião dos antepassados.
Econômico, porque o desejo de segurança da família levou também à transmissão. E
como a noção de riqueza social é conseqüência da de riqueza individual, a conservação e
transferência hereditária passou a interessar, ao mesmo tempo, ao indivíduo, a sua família,
e à sociedade.
A influência da moral manifesta-se principalmente nas regras concernentes
a questões da indignidade e ao problema da deserdação.
A indignidade é a privação do direito hereditário imposta pela lei a quem
cometeu certos atos ofensivos à pessoa, à honra e aos interesses do hereditando. São
excluídos da sucessão todos os herdeiros ou legatários que houverem sido autores ou
cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja
sucessão se tratar; que a acusaram, caluniosamente, em juízo, ou incorreram em crime
189
contra a sua honra; que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor de seus
bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade
(CC, art. 1.595).
A deserdação é o ato pelo qual se priva a herdeiro necessário de sua legítima,
ficando excluído da sucessão. É instituição remota, encontrando-se já no Código de
Hammurabi; a legislação moderna deriva do Direito romano, principalmente da Novela
Os ascendentes podem deserdar os descendentes, além das razões da
indignidade supramencionadas, por ofensas físicas, injúria grave, desonestidade da filha
que vive na casa paterna, relações ilícitas com a madastra ou o padastro, desamparo do
ascendente em alienação mental ou grave enfermidade (CC, art. 1.744).
A indignidade baseia-se em princípio ético segundo o qual ninguém pode
extrair vantagem do patrimônio da pessoa a quem ofendeu. A deserdação, instituto afim
à indignidade, encontra fundamento no mesmo princípio. Suas causas estão taxativamente
indicadas no Código Civil (LGL\2002\400), e representam os motivos que o legislador
considerou repugnantes à moral, pelo que foram traduzidos em norma legal. Além do
princípio ético de não se obter vantagem patrimonial da pessoa a que se ofendeu, no caso
da deserdação, questões de particular gravidade, e sumamente atentatórias aos princípios
morais, como a prática de incesto e adultério, tornam-na particularmente grave, pelo que
é ordenada em testamento com expressa declaração de causa e fundada nos taxativos
artigos de lei.
São estes os aspectos mais relevantes da incidência da regra moral no campo
do Direito das Sucessões.
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. O caráter jurídico da regra moral. Revista de
direito civil, imobiliário, agrário e empresarial. v. 7, n. 26, p. 49-63, out./dez. 1983.
190
"Uma outra fórmula, unindo os princípios do Direito Natural à consideração
cuidada das circunstâncias do caso, vem do Código da Austria (art. 7.°), seguido pelo de
Portugal (art. 16), mas substituído Direito Natural por princípios gerais de Direito, do
Código da Argentina (art. 16) e do antigo México (art. 20). Em preceito direto foi a
eqüidade prevista no Código do Montenegro, de 1887 arts. 3.° e 782), e da Suíça (art.
4.°). Ultimamente, o Código do Egito, de 1948, mantém a eqüidade e o Direito Natural,
ao prescrever, no art. 4.°, que o juiz aplicará “os princípios de justiça natural e as regras
da eqüidade”, enquanto o das Filipinas, de 1951, fala, no art. 10, em “Direito e justiça”.
O Direito Natural paira acima de todas as fontes; é freqüentemente invocado
através dos princípios gerais de Direito e eqüidade, que estão acima do Estado, de
regimes, de políticas, porém a verdade é que o Direito Natural está presente sempre, na
sua função grandiosa de farol inapagável da justiça.
Já o dissemos: “Mas, acima de tudo, e inspirando legisladores, cientistas e,
sobretudo, os juízes, nas horas tão freqüentes em que falham as diversas fontes, em que
todas as luzes se apagam, está o Direito Natural, que é como a luz e o calor artificiais”
(Haroldo Valladão, in Revista da Faculdade de Direito de Pelotas IX/44, e Paz, Direito,
Técnica, pp. 97 e 295).
Entre decisões dos Tribunais brasileiros invocando o Direito Natural
destacamos o acórdão da Corte de Apelação do antigo Distrito Federal (Revista de Direito
46/462 – Bento de Fari), inicial da jurisprudência que estabeleceu, contra a letra do art.
8.° da Introdução, a comunhão de bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges, com
base em notabilíssimo parecer de Clóvis Bevilaqua (Revista de Direito 46/497), que citara
princípio fundamental de Direito, de eqüidade e de moral, que não permite se locuplete
alguém com o alheio. E, aplicando-o, realmente, notável acórdão do STF, de lavra do
eminente Chief Justice Laudo de Camargo, amparando um direito humano, apesar de
ordem jurídico-positiva contrária, dando, em pleno regime discricionário, habeas corpus,
vedado, por decreto do ditador, a estrangeiro expulso, para não ser embarcado em navio
do Estado de sua nacionalidade, em viagem direta para o mesmo Estado, onde estava
sendo procurado para ser processado por crime político, passível de pena de morte (Ac.
de 25.7.32, HC 24.637, in Jurisprudência 6/1, 1934, e DJU 10.1.34, p. 1; v., ainda,
Haroldo Valladão, Paz, Direito, Técnica, pp. 116-118).
Ainda recentissimamente, René David, na própria França conservadora,
mostrou que o apelo aos princípios gerais do Direito, na jurisprudência administrativa, e
191
os recursos à eqüidade, à ordem pública e aos bons costumes, na jurisprudência civil,
punham em evidência que o Direito Positivo “ne se suffit pas a luimême et la valeur
fondamentale de ce que certains appelleront les conceptions sociologiques, dominantes
et d’autres le Droit Naturel” (René David, Le Droit Français, vol. 1/18, 1960).
192
A primeira delas, Teoria da Vontade, foi sustentada por autores da alçada de
Savigny, Windscheid, Puchta e Del Vecchio, tendo definido o direito subjetivo como um
poder ou senhorio da vontade reconhecido pelo ordenamento jurídico como uma vontade
juridicamente protegida. 10 Dois eram os aspectos vislumbrados no referido poder: a
faculdade de exigir um comportamento das pessoas que se encontravam frente ao titular
ou titulares do direito subjetivo e a vontade que dá origem ao nascimento, extinção ou
modificação de direitos ou faculdades.
A Teoria do Interesse, formulada por Ihering, afirmou serem os direitos
subjetivos interesses juridicamente protegidos, ou seja, bens - materiais ou ideais - sobre
os quais recai a atenção do homem e que do direito recebem proteção por meio de uma
ação judicial. Dois, pois, os aspectos essenciais: o interesse e o procedimento jurídico de
defesa do interesse. Jellinek buscou compor os postulados das teorias anteriores, dando
origem à denominada Teoria Eclética ou Mista. Para esse autor, direito subjetivo seria um
interesse tutelado pela lei mediante o reconhecimento da vontade individual. 11
No ideário de Kelsen, o estudo dos direitos subjetivos integra a denominada
"Estática Jurídica", que compõe o Capítulo IV de sua Teoria Pura do Direito. 12 Ali,
Kelsen examina, um a um, os conceitos jurídicos básicos ou fundamentais. Dizem-se
básicos esses conceitos porquanto constituem a base teórica para a edificação de diversos
outros conceitos jurídicos: "o caráter básico destes conceitos faz com que sejam
empregados em quase todas as explicações que se desenvolvem nos distintos ramos do
Direito. Se distinguem, assim, de expressões que têm um uso mais circunscrito, como
'defraudação', 'sociedade anônima', 'hipoteca', 'matrimônio', 'seguro', etc.". 13
Kelsen busca novamente no seu sistema de normas a solução para a definição
dos direitos subjetivos: "falar em termos de direitos subjetivos jurídicos não é mais que
descrever a relação que têm o ordenamento jurídico com uma pessoa determinada". O
direito subjetivo seria, pois, mero reflexo do dever jurídico. Kelsen, inclusive, vai mais
além ao propor a eliminação do dualismo entre direito objetivo e subjetivo.
Santiago Nino segue com Kelsen no exame dos diversos sentidos de "direito
subjetivo", sendo certo que "em todos estes casos de diretos subjetivos, se descreve o fato
de que a vontade dos particulares é considerada por determinadas normas como condição
de certos efeitos jurídicos":
a) Direito como equivalente a não proibido: de acordo com Kelsen,
expressões como "tenho direito a me vestir do modo que desejo" poderiam encontrar
193
sentido tanto na ausência de norma que previsse sanção para a ação de que se trata (no
caso, de vestir-se da forma desejada) quanto na ausência de norma de competência que
autorizasse, em determinado contexto imaginário, fosse estabelecida a proibição.
b) Direito como equivalente a autorização: ainda que contra o seu sistema -
ou admitindo ser ele insuficiente, Kelsen aceita na última versão de sua Teoria Pura a
existência de normas permissivas, que acolheriam, por exemplo, o sentido de autorização
em expressões como "o professor nos deu direito a interromper a aula".
c) Direito como correlato de uma obrigação ativa: nessa acepção vê Kelsen
tão-somente uma alteração no enfoque ou na descrição de uma única relação jurídica. Ao
afirmar-se, v.g., que "A tem direito a que B lhe pague", acentua-se a situação do
beneficiário do dever jurídico e não na situação do sujeito obrigado (B deve pagar
a A).
d) Direito como correlato de uma obrigação passiva: trata-se da situação
anterior, com a diferença de que aqui se fala de um dever jurídico de abstenção.
e) Direito como ação processual: surge aqui figura nova, consistente na
possibilidade de recorrer ao Estado para a imposição da sanção prevista para o
descumprimento da obrigação. Essa acepção recebeu de Hans Kelsen a denominação de
direito em sentido técnico ou estrito, já que corresponderia a uma noção autônoma.
f) Direito político: ao falar de direitos subjetivos na acepção de direitos
políticos, refere-se Kelsen tanto à possibilidade que têm os cidadãos de participar da
criação das normas gerais quanto à proteção - também por meio da ação processual - dos
chamados direitos e garantias fundamentais.
É na obra de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, contudo, que se
encontra uma análise mais cuidadosa das diversas posições adotadas por Hans Kelsen em
suas sucessivas publicações, inclusive sua obra póstuma Algemeine Theorie der Normen.
Esclarece a douta autora, em sua elucidação das relações entre direito e força
a partir da obra do mestre austríaco, que seu o tratamento do direito subjetivo suportou
notáveis ampliações no curso dos anos, ainda que a definição básica, constante da
primeira edição da Teoria Pura do Direito, tenha permanecido praticamente intocada.
O ponto de partida é a noção de direito subjetivo em sentido técnico (teoria
processual do direito subjetivo), definido, segundo a relembrada lição de Bobbio, como
"o efeito de uma autorização (Berechtigung) com a qual o ordenamento jurídico 'inclui
entre as condições da conseqüência do ilícito uma manifestação de vontade por parte de
194
quem é lesado nos seus interesses'". 18 O ordenamento jurídico, dessa forma, asseguraria
ao particular, mediante o exercício de sua vontade, mecanismo para a criação da norma
(concreta e individual).
É possível perceber na obra de Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado,
a insistência no tema da criação do direito como ambiente onde melhor foi tratada a
questão do direito subjetivo, embora já ligeiramente ampliada a discussão:
"Insistindo na definição de direito subjetivo em sentido estrito e técnico,
chamamos a atenção sobre o fato de que por direito subjetivo, a teoria normativa do
direito entende alguma coisa mais específica que a situação subjetiva correlativa ao dever
de um outro indivíduo: o direito de um indivíduo como situação correlativa ao dever de
um outro indivíduo não constitui uma situação específica, e naturalmente, não retira nada
à tese da primazia do dever. Que exista um direito precedente ao dever, independente do
dever, é uma tese jusnaturalista que uma teoria positiva do direito, como a teoria pura,
não pode aceitar.
Pelo que diz respeito à terminologia, para definir o direito subjetivo em
sentido técnico Kelsen utiliza, como vimos, a palavra "possibilidade" e em outro lugar
"capacidade", por exemplo na frase: "ter um direito significa ter a capacidade jurídica de
participar da criação de uma norma individual, etc.". Ainda não o termo
"Poder". Com isso não queremos dizer que o termo não seja amplamente uti-
lizado, mas que isso acontece em contextos diversos, em, todos aqueles contextos nos
quais o problema da relação entre direito e força [em inglês "right" e "might" - direito e
força (como poder)] surgem.
Para encontrarmos um contexto no qual o termo "Poder" é utilizado num
significado que antecipa aquele das duas últimas obras e que possamos chamar de
definitivo, é preciso dirigirmo-nos às páginas dedicadas à teoria do ordenamento jurídico
como ordenamento dinâmico. Aqui lemos que "a norma fundamental põe uma dada
autoridade, a qual por sua vez pode muito bem atribuir a uma outra autoridade o poder de
criar normas" e um pouco mais adiante "o poder de criar normas é delegado de uma
autoridade a uma outra; a primeira é a autoridade superior, a segunda é a inferior". Destes
passos resulta que a área em que aparece a noção de "Poder" é a dos conceitos ligados ao'
tema da criação do direito. Trata-se da mesma área à qual, como vimos, pertence a teoria
do direito subjetivo em sentido técnico." 19
195
Somente na segunda edição da Teoria Pura do Direito, entretanto, se
aperfeiçoa, se estreita, no surgimento de uma teoria do poder jurídico como "capacidade
de criar e aplicar normas jurídicas", a ligação entre o direito subjetivo em sentido técnico
e o referido poder jurídico. A partir dessa construção científica, pôde finalmente Kelsen
"estabelecer as premissas para distinguir os vários significados do direito em sentido
subjetivo", 20 mais acima apreciados.
Kelsen não aceita exatamente, porém, a categoria dos direitos subjetivos (ou,
quando menos, a independência dessa categoria). Ao discutir o tema, mostra-se
consciente da primazia que o direito subjetivo tem, tradicionalmente, em face do dever
jurídico, a ponto de que, "na descrição do Direito, o direito (subjectivo) avulta tanto no
primeiro plano que o dever quase desaparece por detrás dele e aquele - na linguagem
alemã e francesa - é mesmo designado pela própria palavra com que se designa o sistema
de normas que forma a ordem jurídica: pela palavra «Recht» (direito), «droit». Para se
distinguir deste, tem o direito ( Berechtigung), como direito «subjectivo» (ou seja, pois,
o direito de um determinado sujeito) de ser distinguido da ordem jurídica, como Direito
«objectivo»". 21
E, após relacionar os diversos sentidos que à expressão "direito subjetivo" se
pode conceder, ainda insiste Kelsen que, posta à parte a questão dos direitos naturais, vale
dizer, assumindo como direitos somente aqueles postos pela ordem jurídica positiva,
verifica-se que um direito subjetivo não somente pressupõe o correspondente dever
jurídico, mas é esse mesmo dever jurídico. Enfaticamente, assim se expressa o professor
de Viena e Colônia:
"Em resumo, pode dizer-se: o direito subjectivo de um indivíduo ou é um
simples direito reflexo, isto é, o reflexo de um dever jurídico existente em face desse
indivíduo; ou um direito privado subjectivo em sentido técnico, isto é, o poder jurídico
conferido a um indivíduo de fazer valer o não cumprimento de um dever jurídico, em face
dele existente, através da acção judicial, o poder jurídico de intervir na produção da norma
individual através da qual é imposta a sanção ligada ao não cumprimento; ou um direito
político, isto é, o poder jurídico conferido a um indivíduo de intervir, já directamente,
como membro da assembléia popular legislativa, na produção das normas jurídicas gerais
a que chamamos leis, já indirectamente, como titular de um direito de eleger para o
parlamento ou para a administração, na produção das normas jurídicas que o órgão eleito
tem competência para produzir; ou é, como direito ou liberdade fundamental garantida
196
constitucionalmente, o poder de intervir na produção da norma através da qual a vlidade
da lei inconstitucional que violar a igualdade ou liberdade garantidas é anulada, quer por
uma forma geral, isto é, para todos os casos, quer apenas individualmente, isto é, somente
para o caso concreto. Finalmente, também pode designar-se como direito subjetivo a
permissão positiva de uma autoridade." 22
Uma outra concepção a respeito dos direitos subjetivos, igualmente digna de
nota, é a que fornece W. N. Hohfeld, posteriormente reformulada por Alf Ross, e
consistente na redefinição de quatro conceitos jurídicos fundamentais (pretensão,
potestade, liberdade e imunidade) de forma a distinguir as diferentes categorias jurídicas
incluídas no mesmo rótulo de direito subjetivo. 23
ALMEIDA, André Vinícius de. Direito de punir e poder de punir : uma análise a partir
da doutrina dos direitos subjetivos. Ciências Penais: Revista da Associação Brasileira de
Ciências Penais, v. 2, n. 2, p. 196-215, jan./jun. 2005.
197
.........................................................................................................................................
....
198
3. A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO:
MÉTODOS HERMENÊUTICOS
⇒ métodos de interpretação
⇒ técnicas que orientam as decisões
⇒ O direito não se resume a normas
⇒ É um sistema: os elementos interligados e ordenados
⇒ Essas regras só podem ser entendidas e aplicadas se se combinarem entre si
⇒ Para entender o direito dessa forma, deve-se efetuar uma INTERPRETAÇÃO:
captar o sentido da norma editada pelo legislador
⇒ INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: determinação do sentido dos enunciados
normativos jurídicos
⇒ atribuições de sentido aos enunciados normativos jurídicos
⇒ FINALIDADE constatar a vontade do autor da norma
⇒ Esse movimento deve ser realizado da forma mais fiel possível
⇒ Isso se deve à separação de poderes garantido pela CF
⇒ legislador cria normas gerais e obrigatórias
⇒ democracia: poder legitimado pelo voto popular
⇒ Os principais instrumentos que possui o operador do direito para resolver os
problemas de interpretação são os seguintes
Interpretação Gramatical
⇒ primeiro passo: buscar o sentido dos vocábulos
⇒ exemplos: 105, I, “g” - “ambos os braços” - impeachment da Dilma
⇒ 1) Existem termos que só servem ao direito: mandado de segurança, agravo de
instrumento, revisão criminal
⇒ 2) Existem termos que são técnicos e vêm de outras áreas do conhecimento: CF
21, XXIII, b;
⇒ para o caso 2, deve procurar a literatura especializada/bibliografia da área
⇒ nem sempre o elemento vernacular é suficiente para traduzir o sentido buscado
pelo legislador
199
⇒ quando se sai dos valores linguísticos e se passa para o conjunto do sistema,
passa-se à interpretação lógico-sistemática
⇒ cláusulas abertas
Interpretação Sistemática
⇒ ideias: COERÊNCIA, HARMONIA, CONJUNTO DO SISTEMA,
CORRELAÇÃO, ORGANICIDADE
⇒ integrar as normas jurídicas: elas formam um conjunto harmônico
⇒ estabelece as conexões sistemáticas existentes entre as normas
⇒ A norma deve ser vista no contexto da regulamentação legal
⇒ Relações lógicas e hierárquicas entre elas
⇒ A combinação de disposições legais soluciona dúvidas de interpretação.
⇒ um subcapítulo é a da ordenação interna da norma (sistema menor interno)
⇒ 1)artigos, incisos, parágrafos, caput
⇒ 2) artigos lidos na seção ou capítulo que estão inseridos – EX: CPC: 598 - 34 –
475-R. Código Penal: 12 – 35 - 51
200
A superação dos métodos de interpretação mediante puro raciocínio lógico-
dedutivo. O método de interpretação pela lógica do razoável
A lógica do razoável
201
A) RECASENS SICHES, Luis. Interpretación jurídica por médio del ‘logos
de lo humano’ o de lo ‘razonable’. In: _____. Antologia: 1922-1974. México, DF: Fondo
de Cultura Econômica, 1976.
B) RECASENS SICHES, Luis. Bosquejo de la lógica de lo razonable. In:
_____. Nueva filosofia de la interpretacion del derecho. 2ª. ed. Copiosamente Aum.
Mexico: Porrua, 1973.
Como a proposta avaliativa impõe uma análise relacional, inicialmente,
aborda-se a realidade contraposta à lógica do razoável. Em seguida, destaca-se a crítica
Luís Recaséns Siches para, ao final, traçar uma advertência realizada pelo próprio autor,
qual seja: a de que sua teoria não significa abandono das regras previstas no ordenamento
jurídico.
A LÓGICA FORMAL
Em larga medida, a lógica do razoável contrapõe-se a uma visão do
positivismo jurídico no sentido formal. Ressalte-se que essa ideia do positivismo jurídico,
muito embora muito difundida desse modo, nunca foi essa. É o que se extrai de
doutrinadores contemporâneos: “O positivismo jurídico também não pode ser
identificado como o formalismo. Os principais positivistas contemporâneos, como Hart,
Carrió, Raz, Alchourron e Bulygin, se destacam justamente por explicitarem as
insuficiências do sistema jurídico (mostrando a existência indelével de imprecisões
linguísticas e antinomias do direito) e a necessidade de se recorrer, e, certos casos, a
critérios que estão fora do direito (critérios que não contam como direito válido) para
justificar decisões jurídicas” (STRUCHINER, Noel. Algumas "proposições fulcrais"
acerca do direito: o debate jusnaturalismo vs. Juspositivismo. In: perspectivas atuais da
filosofia do direito. Rio de Janeiro: lumes júris, 2005, p. 409).
Uma das possibilidades de encarar o positivismo jurídico consiste na
descrição da composição e estrutura do ordenamento jurídico. Para uma compreensão
mais alargada da consolidação do juspositivismo, convém assinalar o pensamento de
Jürgen Habermas: "O positivismo jurídico pretende (...) fazer jus à função da
estabilização de expectativas, sem ser obrigado a apoiar a legitimidade da decisão jurídica
na autoridade impugnável de tradições éticas. Ao contrário das escolas realistas, os
teóricos Hans Kelsen e H. L. A. Hart elaboram o sentido normativo próprio das
proposições jurídicas e a construção sistemática de um sistema de regras destinado a
garantir a consistência de decisões ligadas a regras e tornar o direito independente da
202
política. Ao contrário dos hermeneutas, eles sublinham o fechamento e a autonomia de
um sistema de direitos, opaco em relação a princípios não-jurídicos. Com isso, o problema
da racionalidade é decidido a favor da primazia de uma história institucional reduzida,
purificada de todos os fundamentos de validade suprapositivos. Ora, uma regra básica, ou
regra de conhecimento, de acordo com a qual pode ser decidido quais normas pertencem
ou não ao direito vigente, permite subordinações precisas" (HABERMAS, HABERMAS,
Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I; tradução: Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 250).
Contudo, em síntese simplificadora, existem algumas características
principais do juspositivismo, quais sejam: esse possui (a) caráter científico, (b) pretensão
de completude, (c) pureza científica, (d) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete.
Entre essas características, uma que sobressai é o emprego da lógica formal (BARROSO,
Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais
e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 264).
Essa é a visão do positivismo meramente formal.
Nessa vertente, há reflexo claro na atividade jurisdicional, pois a aplicação
das leis passa a ser meramente lógica: “…toda decisão pode ser deduzida de regras
previamente emitidas pelo soberano, sem referência aos fins sociais ou às regras morais”
(ARCELO, Adalberto Antonio. Condições de possibilidades do discurso do positivismo
jurídico no paradigma do Estado democrático de direito. In: Teoria do direito
neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico?. Dimitri Dimoulis,
Écio Oto Duarte, coordenadores. São Paulo: Método, 2008, p. 21). Esse foi o movimento
idealizado por Montesquieu, para quem os julgamentos deveriam ser fixos "...a tal ponto
que nunca [fossem] mais do que um texto exato da lei. Se fosse uma opinião particular
do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são
assumidos" (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de La Brède ET de. O
espírito das leis. (livro XI) Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins
Rodrigues. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995., p. 120).
Norberto Bobbio, considerando como o maior intérprete do positivismo (ou
quem o sintetizou de melhor forma no encontro das estrelas em Bellagio), descreve uma
interpretação mecanicista para o positivismo jurídico: “na atividade do jurista faz
prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito” (BOBBIO,
Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello
203
Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo:
Icone, 1995, p. 133). A decisão judicial se assemelha à construção de um mero silogismo.
A lei seria a premissa maior. O caso apresentado, a premissa menor. A conclusão é a
própria sentença.
É contra essa espécie de interpretação que se contrapõe a lógica do razoável
a ser extraído do pensamento de Siches. Com efeito, Adolfo Mamoru Nishiyama assinala
que “a lógica tradicional é meramente enunciativa do ser e do não ser, não contendo
pontos de vista de valor, nem estimativas sobre a correção dos fins, nem sobre a
congruência entre os meios e os fins, nem sobre a eficácia dos meios em relação com um
determinado fim” (Nishiyama, Adolfo Mamoru. A recusa à perícia médica ordenada pelo
juiz e a presunção de paternidade: aspectos constitucionais do art.232 do novo código
civil. Revista de direito privado, n. 20, p. 33-52, out./dez. 2004, p. 40).
Ainda sob a ótica da lógica do razoável, Alípio Silveira destaca: “Na
aplicação do Direito, não há a uniformidade lógica do raciocínio matemático, e sim a
flexibilidade do entendimento razoável do preceito” (SILVEIRA, Alípio. O Papel do Juiz
na Aplicação da Lei, Ed. Universitária, 1977, p. 46).
Essa apresentação prévia é fiel à ideia do autor comentado como se passa a
demonstrar.
A LÓGICA DO RAZOÁVEL
O intelectual guatemalteco, ao defender a insuficiência da lógica tradicional
para aplicação do Direito, assinala que se o emprego dessa lógica não é, simplesmente,
inútil. Ela pode também levar “a resultados insensatos e monstruosos”. Deveras, em
determinados casos, é notório que a interpretação meramente lógica pode timbrar-se pela
falta de razoabilidade.
Em seus termos, “a lógica formal clássica, a moderna e a contemporânea, é
dizer, a lógica do racional, a lógica que é chamada físico matemática, não é o instrumento
apto nem para explicação nem para a solução dos problemas humanos práticos como são,
por exemplo, os problemas políticos e jurídicos” (RECASENS SICHES, 1973, p. 278).
Nesse tocante, é bem expressivo o célebre exemplo veiculado pelo próprio
Recasens Siches a respeito. Em uma estação ferroviária há o aviso: "é proibida a entrada
de cães”. Chega um homem com um urso e insiste em entrar porque a proibição se refere
à entrada de "cães" e o animal que ele conduz não é um cão, mas um urso. Se o guarda
de estação lhe disser que o caso do urso é semelhante e até mais grave, o interessado
204
poderá alegar que, em Direito Penal, não cabe analogia, e exigir a entrada, ou, então, o
preceito constitucional de que "o que não está juridicamente proibido está licitamente
permitido”. Esse famoso exemplo foi mencionado pelo STF no julgamento do MS 28.447
(j. 25/8/2011).
O sentido da razoabilidade coincide, portanto, com o sentido do aceitável.
Pode-se qualificar a ideia de Recasens Siches como um contraponto à solução absurda. O
que é inaceitável e absurdo não é razoável. É esse o sentido da razoabilidade.
Pressupõe-se, pois, um caso concreto para a aplicação do “logos del
razonable”, proposta pelo gênio de Recasens Siches: "em face de qualquer caso, o
aplicador da lei há de proceder 'razoavelmente', investigando a realidade e o sentido dos
fatos, indagando dos fatos, indagando dos juízos de valor em que se inspira a ordem
jurídica em vigor, para que se encontre a solução satisfatória, entendendo-se esta em
função do que a ordem jurídica considera como sentido de justiça” (RECASENS
SICHES, 1973, p. 268).
Saulo Ramos, partindo desse pressuposto interpretativo, assinala que, na
senhoria de tal aplicação, deve o intérprete "dar ao caso concreto a solução mais justa
possível" (RAMOS, J. Saulo. Descabimento do direito de recesso. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 5. p. 239, mai. 1999).
Atualmente, essa lógica ganha novos ares, quando, por exemplo, Humberto
Ávila trata da incidência da aplicabilidade das normas. Em um capítulo importante de sua
teoria, Ávila assinala que nem toda norma é aplicável.
Com efeito, tendo em conta um determinado dispositivo normativo, não a
simples realização da hipótese fática (=suporte fático) que autoriza a aplicação da parte
dispositiva (=consequência jurídica de sua ocorrência) da regra. Deve-se, sempre,
harmonizar o geral com o particular.
Nesse aspecto, Humberto Ávila assinala que nem toda norma é aplicável: “É
preciso diferenciar a aplicabilidade de uma regra de satisfação das condições previstas
em sua hipótese. Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em
sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é aplicável a um caso se, e somente se, suas
condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria
regra ou pela existência de um princípio que institua uma razão contrária. Nessas
hipóteses as condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim,
205
não é aplicada” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 166/167).
No que diz respeito aos resultados concretos dessas ofensivas contra a lógica
tradicional e o reconhecimento das novas dimensões do Direito a partir da lógica do
razoável, são mencionados três aspectos fundamentais.
O primeiro deles consiste em uma “nova” orientação na interpretação, qual
seja, a interpretação teleológica: “A reação contra a submissão ao Direito codificado
produziu a interpretação finalística, voltada para os fins visados pelo texto. Assim, não é
a letra da lei que indica o seu sentido, mas este deve ser determinado em função de seus
fins” (BITTAR, Carlos Alberto. Interpretação no direito em geral. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 65, n. 493, p. 24-31, nov. 1976).
Outra vertente a ser destacada consiste no acolhimento da tendência
hermenêutica preconizada por Recaséns Siches por parte do legislador brasileiro (nesse
sentido, a doutrina de Alípio Silveira. BEVILAQUA e a hermenêutica contemporânea.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 391/417, mai., 1968). O art. 5.º da Lei da Introdução
às Normas do direito Brasileiro assim determina: “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Por fim, a doutrina aponta para uma aproximação de Luis Recaséns Siches ao
princípio da razoabilidade norte-americana e da proporcionalidade do direito alemão (cf.
NISHIYAMA, 2004).
Pode-se concluir esse capítulo, dessarte, faixando de modo claro que,
diversamente da neutra e meramente explicativa lógica tradicional Siches objetiva
compreender os sentidos e nexos entre as significações dos problemas humanos, e
portanto, dos políticos e jurídicos, assim como realiza operações de valoração e estabelece
finalidades ou propósitos (RECASÉNS SICHES, 1973, p. 281)
A lógica do razoável não conduz a soluções contra legem
Uma advertência final se faz necessária, qual seja: a incapacidade dos
métodos da lógica tradicional de conferir uma solução correta a um problema jurídico
(=levando a um resultado inadmissível) não autoriza um ato de arbitrariedade ou um ato
de capricho (essas são expressões utilizadas por Luís Recaséns Siches). Na verdade, a
proposta é uma razão de tipo diferente (RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de
la Interpretación del Derecho, México-Buenos Aires, Fonde de Cultura Económica, 1956,
pp. 129-130).
206
Com efeito, o primoroso capítulo do direito inaugurado a partir dos elementos
apresentados por Luis Recasens Siches - que abandona o modo mecanicista de
interpretação - não pode ser interpretado de forma a autorizar uma “função sempre e
necessariamente criadora do juiz” (LOMAR, Paulo José Villela. Usucapião coletivo e
habitação popular. Revista de Direito Imobiliário. v. 24, n. 51, p. 133-149, jul./dez. 2001,
nota de rodapé nº 08).
Em verdade, o movimento é inverso.
O aplicador do direito, em sua função de criar normas individuais - as
sentenças e os atos administrativos - ficam ligados ao ordenamento jurídico.
Nesse ponto reside a chave da compreensão do “logos del ranonable” de que
fala Recansens Siches: “O juiz é muito mais fiel à vontade do legislador, e à finalidade a
que este se propôs, quando interpreta as leis […] precisamente de tal maneira que a
aplicação delas aos casos singulares resulte o mais acorde possível com a justiça, do que
quando as interpreta de uma maneira literal, ou reconstruindo imaginativamente a vontade
autêntica do legislador, se esses métodos aplicados ao caso apresentado produzem uma
solução menos justa” (RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del
derecho. 9. ed. México: Porrua, 1986, p. 660-661).
Nesse sentido é a doutrina de Roy Reis Friede: “Recásens Siches estabeleceu
a seguinte regra, a ser observada na busca da justiça: ‘O juiz deve interpretar sempre a lei
de modo e segundo método que leve à solução mais justa dentre todas as possíveis (e
admitidas pelo ordenamento jurídico vigente) inclusive quando o legislador ordene
determinado método de interpretação’” (FRIEDE, Roy Reis. Direito alternativo sob as
óticas filosófica e jurídica. Defesa nacional: revista de assuntos militares e estudo de
problemas brasileiros, v. 82, n. 771, p. 132-135, jan./mar. 1996, p. 133, sem o grifo no
original - nesse mesmo sentido, cf Schnaid, David. A Interpretação jurídica constitucional
(e legal). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 85, n. 733, p. 24-52, nov. 1996).
Em conclusão à ideia, o próprio Siches elucida que: “Incluso la norma en
apariencia más clara necesita una interpretación, en virtud de la cual se establezcan las
consecuencias concretas a que da lugar su aplicación a un caso determinado. Pues bien,
hay un criterio universalmente válido de interpretación, a saber: que la interpretación debe
hacerse en el sentido que produzca las consecuencias más justas, las consecuencias que
estén más de acuerdo cun los principios axiológicos que inspiran el ordenamiento
positivo. Siguiendo ese criterio se cumple precisamente con el propósito primordial del
207
Derecho positivo, propósito que consiste precisamente en realizar lo mejor que se pueda
las exigencias de la justicia. Claro que en el exercicio de la función interpretativa el jurista
no está autorizado a saltar por encima de las normas vigentes; por el contrario, tiene la
obligación de ser fiel a dichas normas; pero dentro del marco establecido por éstas debe
dirigir la interpretación de las mismas en sentido de la mayor justicia posible.”
(RECASÉNS SICHES, Luis. “Prólogo al Estudio del Derecho”, no “Boletín
Bibliográfico Mexicano”, março-abril de 1953, p. 18).
COMENTÁRIO:
Um tema da filosofia do direito sempre exigida consiste nas idéias da justiça,
mas não será surpresa no aparecimento dos demais temas.
208
E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA
Problema da aula
"Em várias oportunidades tivemos ocasião de dizer que o Direito positivo é um sistema orgânico
de preceitos ou disposições que se destinam aos membros de uma convivência visando à realização
de suas finalidades comuns fundamentais. Existindo um complexo de normas destinadas aos que
compõem a sociedade, existe, evidentemente, um problema que se consubstancia nesta pergunta:
como se situam os sujeitos em face do sistema das normas jurídicas? ou, por outras palavras, que
é que cabe aos membros da comunidade perante as regras de direito e em razão delas? As regras
jurídicas têm, como seus destinatários, sempre as pessoas que compõem a sociedade. Resta, agora,
esclarecer em que consiste essa possibilidade que têm as pessoas físicas e jurídicas de ser, de
pretender, ou de agir com referência ao sistema de regras jurídicas em um determinado País. É este
o problema do direito subjetivo, ou, mais amplamente, das situações subjetivas” (REALE, 2010,
p. 249)
Justificativa do capítulo
209
relações. Assim, quando falamos no direito das sucessões, significamos algo objetivo,
quando mencionamos o direito à sucessão de um herdeiro, mencionamos algo que lhe
pertence. Para clarificar, lembramos que o inglês tem duas palavras diferentes para
enunciar os dois termos: law (direito objetivo) e right (direito subjetivo)” (FERRAZ
JÚNIOR, 2015, p. 112)
2 – Dimoulis defende ser necessária a distinção “em português, como em muitos outros
idiomas, nos quais não há termos diferentes para indicar essas realidades diversas”
(DIMOULIS, 2007, p.274)
Nesse mesmo sentido, José Renato Nalini: "Em sua monografia Contributo
ad una Teoria dell'Interesse Legittimo net Diritto Privato, a mestra da Universidade de
Pisa, Lina Bigliazzi Geri assevera que o problema da identificação da natureza e da
essência jurídica do Direito Subjetivo é um dos mais tormentosos...” (NALINI, 1985 –
grifei).
Mas: qual a importância prática do estudo do direito subjetivo?
ético-filosóficas
Alexy: as questões normativas distinguem-se questões
jurídico-dogmáticas
A) Do ponto de vista ético-filosófico, pergunta-se por que os indivíduos têm direito e que
direitos são esses.
210
mesmo tempo, o seu dever, em relação aos outros, de respeitá-los como pessoas (...).
Nessa relação, o ‘direito’ de uma pessoa é aquilo que lhe cabe ou lhe é devido enquanto
pessoa, e aquilo que os outros são obrigados ou vinculados a lhe garantir ou a respeitar”
(LARENZ, apud ALEXY, 2008, p. 181)
B) De outro lado, a questão jurídico-filosófica diz respeito àquilo que é válido no sistema
jurídico
Uma mesma situação sob duas óticas.
SITUAÇÃO: uma norma (N) e um caso (a)
1ª ótica: é duvidoso, diante de um caso concreto, se (N) é aplicável a (a) – a resposta à “questão
envolve um problema corriqueiro de interpretação” (ALEXY, 2008, p. 182)
2ª ótica: não havendo dúvidas de que (N) é aplicável ao caso (a), (N) garante um direito subjetivo
ao envolvido?
EXEMPLOS NEGATIVOS DA 2ª ÓTICA
a) “Não há que se falar em direito subjetivo do réu à substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos” – STF-HC 107771, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,
julgado em 07/06/2011.
b) A Lei orçamentária não cria direito subjetivo: “Como se sabe, a lei orçamentária possui ‘o
claro objetivo de limitar o orçamento à sua função formal de ato governamental, cujo propósito
é autorizar as despesas a serem realizadas no ano seguinte e calcular os recursos prováveis
com que tais gastos poderão ser realizados, mas não cria direitos subjetivos’” (Luiz Emydio F.
da Rosa Jr., 'Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário', 10ª edição, Renovar, p. 80).
212
● TEORIA DA VONTADE – BERNARD WINDSCHEID (1817/1892)5
5
Nota de Alexy a respeito da controvérsia: “No mundo anglo-saxão a controvérsia entre Jhering e
Windscheid encontra seu contraponto nas posições de Bentham (teoria do interesse) e Austin (teoria da
vontade). Cf., de um lado, Jeremy Bentham, An lntroduction to the Principles 01 Morals and Legislation
(ed. J. H. BumslH. L. A. Hart), London: Athlone, 1970, p. 206 (cf., a respeito, H. L. A. Hart, "Bentham on
legal rights", p. 177) e, de outro lado, John Austin, Lectures on Jurisprudence, 4ª ed., v. 1, London: Murray,
1873, p. 410. Recentemente a polêmica entre as teorias da vontade e do interesse voltou a se inflamar. Do
lado da teoria da vontade está Hart (H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights", pp. 183 e ss.); do lado da
teoria do interesse estão MacCormick e Lyons (Neil MacCormick, "Rights in legislation", in Peter M. S.
Hacker/Joseph Raz (eds.), Law, Morality and Society: Essays in Honour 01 H. L. A. Hart, Oxford:
Clarendon, 1977, pp. 189 e ss.; David Lyons, "Rights, claimants and beneficiaries", American
Philosophical Quarterly 6 (1969), pp. 173 e ss.)”.
213
A existência do direito subjetivo depende da vontade do titular: “a vontade
do sujeito é vista como imprescindível à aplicação da norma, em que repousa o direito”
(HERKENHOFF, 2006, p. 248).
214
verdade, também um incapaz pode ser titular de um direito subjectivo, como se pode ter
um direito sem se ter disso consciência" (LARENZ, 1997, p. 38). o nascituro tem direito
à vida, ao nome, à sucessão mesmo que o empregado renuncie às férias anuais
remuneradas, o ato não tem efeito jurídico O direito do nascituro desde a concepção
Não possuem vontade no sentido psicológico
AUSENTES
Possuem direitos subjetivos e exercem pelos representantes legais
b) o direito subjetivo não depende da vontade do titular, pode existir sem fundamento
nela o direito de cobrar um débito pode ser desprezado pelo credor; o de propriedade pode
surgir sem que o proprietário o deseje: A transferência causa mortis – mesmo que
ignorem a ocorrência do óbito, uma vez verificado o falecimento, opera-se a transferência
dos bens
6
Citação de Alexy: Bernhard Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, v. 1, p. 156.
215
DEL VECCHIO também inclui o elemento vontade (querer) na sua definição: “a
faculdade de querer e de pretender atribuída a um sujeito, à qual corresponde uma
obrigação por parte dos outros” (DEL VECCHIO, apud NADER, 2009, p. 309)
216
FORMAL: a proteção desse interesse pelo direito
Resumo de Ihering
DIREITO OBJETIVO: “soma dos princípios jurídicos aplicados pelo Estado, a ordem legal da
vida”
DIREITO SUBJETIVO: “a transfusão da regra abstrata no direito concreto da pessoa
interessada”
OBJEÇÕES À TEORIA
217
proteção aduaneira à indústria nacional: o interesse dos produtores nacionais não são
direito subjetivo à tributação
c) os interesses ou bens não constituem direito subjetivo: são objetos em razão dos quais
o direito subjetivo não existe Aquilo que interessa (utilidades, vantagens, proveito) não
são direitos – são objetos de direitos (bens)
“a permissão para utilizar um bem é que constitui o Direito Subjetivo” (TELLES
JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 264)
a interessa
O direito objetivo permite que a pessoa faça ou tenha aquilo que
não interessa
UTILIDADE
O direito assegura o Logo, não tem sentido dizer que o direito subjetivo é
VANTAGEM
interesse objeto que interessa
PROVEITO
Dimitri Dimoulis:
O conceito de direito subjetivo recebeu várias críticas. A mais conhecida é a
de Kelsen. O jurista advertiu que sua utilização pode levar ao equivocado entendimento
de que o indivíduo possui direitos inatos ou naturais que seriam impostos ao Estado. Na
realidade, o direito subjetivo não indica uma qualidade ou um poder do indivíduo que lhe
218
permite contrariar o direito objetivo. Só o direito objetivo cria os direitos subjetivos e
pode extingui-los ou modificá-los, se o considerar conveniente.
Isso significa que o direito subjetivo depende plenamente do direito objetivo.
Nada mais é do que uma faculdade que o legislador confere a determinadas pessoas em
determinadas situações, estabelecendo quem será titular de direitos subjetivos (pessoa
física e/ou jurídica, grupo ou categoria de pessoas), qual o alcance desses direitos e os
requisitos para o seu exercício (DIMOULIS, 2016, pp. 232-233).
Hans Kelsen define o direito subjetivo como simples reflexo do dever jurídico
O problema é visto em termos formais
O direito subjetivo decorre da norma
“A essência do direito subjetivo no sentido técnico específico, direito subjetivo esse característico
do direito privado, reside, pois, no fato de a ordem jurídica conferira um indivíduo não
qualificado como 'órgão' da comunidade, designado na teoria tradicional como 'pessoa privada'
- normalmente ao indivíduo em face do qual um outro é obrigado a uma determinada conduta -
o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento deste dever, quer dizer,
deparem movimento o processo que leva ao estabelecimento da decisão judicial em que se estatui
uma sanção concreta como reação contra a violação do dever”.
“A estatuição de tais direitos subjetivos não é - como a estatuição de deveres jurídicos - uma
função essencial do Direito objetivo. Ela apenas representa uma conformação possível, mas não
necessária, do conteúdo do Direito objetivo, uma técnica particular de que o Direito se pode
servir, mas de que não tem necessariamente de servir-se. É a técnica específica da ordem jurídica
capitalista, na medida em que esta garante a instituição da propriedade privada e, por isso, toma
particularmente em consideração o interesse individual. É, de resto, uma técnica que não domina
sequer todas as partes da ordem jurídica capitalista e que, plenamente desenvolvida, só aparece
no domínio do chamado Direito privado e em certas partes do Direito administrativo. Já o
moderno Direito penal não se serve dela ou apenas excepcionalmente se serve dela. Não só no
caso de homicídio, em que o indivíduo em face do qual a conduta jurídica-penalmente proibida
leve lugar deixou de existir e em que, portanto, este não pode instaurar qualquer ação, mas
também na generalidade das outras hipóteses de conduta jurídico-penalmente proibida, surge
no lugar deste indivíduo um órgão estadual que, como parte autora ou acusadora por dever de
ofício, põe em movimento o processo que leva a execução da sanção”.
219
Segundo KELSEN, é supérflua a noção de direito subjetivo, fora dos casos em que a aplicação
da sanção depende da vontade do interessado. A simples situação de favorecido pelo
cumprimento de um dever não constitui direito subjetivo. Diz:
“Se, neste caso, se fala de um direito subjetivo ou de uma pretensão de um indivíduo, como se
este direito ou esta pretensão fosse algo diverso do dever do outro (ou dos outros), cria-se a
aparência de duas situações juridicamente relevantes onde uma só existe. A situação em questão
é esgotantemente descrita como o dever jurídico do indivíduo (ou dos indivíduos) de se conduzir
por determinada maneira em face de um outro indivíduo”.
“Este conceito de um direito subjetivo que apenas é o simples reflexo de um dever jurídico, isto
é, o conceito de um direito reflexo, pode, como conceito auxiliar, facilitar a representação da
situação jurídica. É, no entanto, supérfluo do ponto de vista uma descrição cientificamente exata
da situação jurídica”.
“Visto que o direito reflexo se identifica com o dever jurídico, o indivíduo em face do qual existe
este dever não é tomado juridicamente em consideração como 'sujeito', pois ele não é sujeito
deste dever. O homem em face do qual deve ter lugar a conduta conforme ao dever é apenas
objeto desta conduta, tal como o animal, a planta ou o objeto inanimado em face do qual os
indivíduos estão obrigados a conduzirem-se por determinada maneira”.
Há direito subjetivo, em sentido técnico, se a sanção depende da ação material do interessado e,
portanto, de sua vontade.
“Uma 'pretensão' a ser sustentada num ato jurídico apenas existe quando o não cumprimento do
dever se possa valer através de uma situação judicial”.
“Quando o indivíduo em face do qual um outro está obrigado a uma determinada conduta não
tem o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento desse dever, o ato
no qual ele exige o cumprimento do mesmo dever não tem qualquer efeito jurídico específico, é
- á parte o não ser juridicamente proibido -juridicamente irrelevante. Por isso apenas existe uma
'pretensão' como ato juridicamente eficaz quando exista um direito subjetivo em sentido técnico,
quer dizer, o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento de um dever
jurídico em face dele existente".
“(...) a essência do direito subjetivo, que é mais do que o simples reflexo de um dever jurídico,
reside em que uma norma confere a um indivíduo o poder jurídico de fazer valer, através de uma
ação, o não-cumprimento de um dever jurídico”.
220
“O credor é pela ordem jurídica autorizado a intervir, isto é, ele tem o poder jurídico de intervir
na produção da norma jurídica individual da decisão judicial através da instauração de um
processo, para assim fazer valer o não cumprimento do dever jurídico que o devedor tem de lhe
fazer uma determinada prestação”.
“o direito subjetivo não é algo distinto do direito objetivo; é o direito objetivo mesmo, de vez que
quando se dirige, com a consequência jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto,
impõe um dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma faculdade” (Teoria
Pura)
Citação de Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Kelsen afirma que na noção de direito subjetivo aparecem duas tendências opostas: a subjetivista-
individualista e a objetivista-universalista, as quais resumiriam o interesse individual subjetivo
ou o coletivo objetivo a ser protegido. Para ele, caso se introduza na teoria do direito subjetivo a
tendência universalista ou coletivista, rompe-se integralmente a noção. Por outro lado, não há
como imaginar-se manter uma tendência subjetivista-individualista a preponderar, com
exclusividade, em determinado instituto ou instituição. Daí por que, para Kelsen, caso se queira
manter a noção de direito subjetivo, faz-se mister mudar-lhe o conceito tradicionalmente
acolhido. Segundo aquele autor, "a distinção feita entre o direito objetivo e o direito subjetivo e
compreendido como uma distinção entre a norma geral e a investidura" não exprime a relação
entre os dois institutos, excluindo-se uma à outra e não se ligando elas a qualquer noção superior
comum. "O que se chama de direito subjetivo como investidura é somente um aspecto do direito
objetivo; ele é mesmo, a norma" (KELSEN, Teoria do Estado, p. 55)" - (ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes. O Princípio constitucional da função social da propriedade. Revista Latino-americana
de Estudos Constitucionais. n. 2, p. 543-594, jul./dez. 2003).
PLÁGIO?
André Franco Montoro:
“Para ele [Kelsen], o direito subjetivo nada mais é do que "o próprio direito
objetivo, isto é, a norma jurídica, em sua relação com o sujeito, de cuja declaração de
vontade depende a aplicação do ato coativo estatal, estabelecido pela norma".
Quando posso dizer que o direito objetivo passou a ser meu direito subjetivo?
pergunta Kelsen. Ele mesmo responde: o direito objetivo transforma-se em direito
subjetivo, quando está à disposição de uma pessoa, isto é, quando a norma faz depender
de uma declaração da vontade dessa pessoa a aplicação do ato coativo estatal.
221
Assim, o preceito de que o locador pode requerer o despejo do inquilino, por
falta de pagamento do aluguel, é norma legal e, portanto, direito objetivo.
Mas passa a constituir direito subjetivo do locador, na medida em que faz
depender da vontade deste a aplicação da medida coativa do despejo, estabelecido na lei”
(MONTORO, 2016, p. 498)
Antonio Bento Betioli: “Assim, o direito subjetivo não seria senão a norma
mesma enquanto atribui a alguém o poder jurídico correspondente ao dever que nela se
contém. Converte-se num simples reflexo do dever jurídico, ou num modo de ser da
norma jurídica. Quando, então, o direito objetivo passa a ser meu direito subjetivo? O
próprio Kelsen responde: quando o direito objetivo está à disposição de uma pessoa, isto
é, quando a norma faz depender de uma declaração da vontade dessa pessoa a aplicação
do ato coativo estatal. Por exemplo, o preceito de que o locador pode requerer o despejo
do inquilino, por falta de pagamento do aluguel, é norma legal e direito objetivo. Passa a
constituir direito subjetivo do locador, na medida em que faz depender da vontade deste
a aplicação da medida coativa do despejo, estabelecido na lei; fora dos casos em que a
aplicação da depende da vontade do interessado, é supérflua a noção de direito subjetivo,
segundo Kelsen” (BETIOLI, 2015, p. 374).
222
● TENTATIVA CONCLUSIVA 1
“O significado dos direitos subjetivos é tão amplo que se pode dizer, ainda,
que o próprio Direito Positivo é instituído para defini-los e para determinar a sua forma
223
de aquisição e tutela. Esta é a dimensão de importância do presente capítulo de estudo”
(NADER, 2009, p 308).
● CONCEITOS ATUAIS
“Direito subjetivo é o poder conferido pela norma jurídica para que o titular
do direito o exerça de acordo com as leis, invocando a proteção do Estado, quando algum
obstáculo se apresenta ao gozo e reconhecimento desse direito” (LIMA, 1977)
224
proteção de interesses violados ou ameaçados e a recomposição dos danos ilicitamente
ocasionados” (CARREIRO, 1976)
NOTA DE ATUALIZAÇÃO
● TENTATIVA CONCLUSIVA 2:
226
DIREITO OBJETIVO norma agendi: conjunto de preceitos que organizam a sociedade
DIREITO SUBJETIVO facultas agendi: faculdade de agir garantida pelas regras jurídicas
A esse respeito, ver os §§s 113 e 114 de livro de Goffredo Telles Júnior (2001)
Com base na filosofia, ele conclui que a famosa facultas agendi é anterior ao
Direito Subjetivo
227
Ter ou não ter algo
O cumprimento da norma infringida
Autoriza exigir
A reparação do mal sofrido
● Classificações doutrinárias
Aquisição
Cada categoria possui peculiaridades no seu modo de Extinção
Tutela jurídica
Classificação de Dimoulis
Privado
Público Direitos fundamentais (DIMOULIS, 2007, p.276)
228
CF Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação
básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (...) §1º O acesso
ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
Personalíssimos: direito ao nome
Não patrimoniais Pessoais: “relacionados com as relações no âmbito da família”
(DIMOULIS, 2007, p.276)
Reais
Patrimoniais: bens econômicos
Obrigacionais
(direito civil e comercial)
De crédito
REFERÊNCIAS
229
CARREIRO, C. H. Porto. Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1976.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 2ª. ed., rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito: introdução à teoria
geral do Direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica: norma
jurídica e aplicação do Direito. 20ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 6ª. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e
dominação. 8. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2015.
HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao direito: abertura para o mundo do direito,
síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Thex, 2006.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3ª. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977.
MONTORO, Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31ª. ed., rev. e atual., de acordo com o
Código civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
NALINI, José Renato. Direito subjetivo, interesse simples, interesse legítimo. Revista de
processo. v. 10, n. 38, p. 240-250, abr./jun. 1985.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. 9ª tiragem. São Paulo: Saraiva,
2010.
POLETTI, Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001.
TESHEINER, José Maria Rosa. Ação e direito subjetivo. Genesis: revista de direito
processual civil, v. 7, n. 24, p. 297-311, abr./jun. 2002.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
Volume 2; Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; revisão técnica de
Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1999.
230
CASOS CONCRETOS DE DIREITOS SUBJETIVOS
CONCURSO PÚBLICO
231
3. Em matéria de prisão provisória, a garantia da fundamentação importa o
dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos
um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão
da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é
de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por
isso mesmo foi que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.078, entendeu,
por maioria, inconstitucional a execução provisória da pena. Na oportunidade, assentou-
se que o cumprimento antecipado da sanção penal ofende o direito constitucional à
presunção de não-culpabilidade. Direito subjetivo do indivíduo que tem a sua força
quebrantada numa única passagem da Constituição Federal. Leia-se: “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei” (inciso LXI do art. 5º) - HC 102424, Relator: Min. AYRES BRITTO,
Segunda Turma, julgado em 14/12/2010
232
estabeleceu, em favor da empregada gestante, expressiva garantia de caráter social,
consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade provisória (ADCT, art. 10, II,
“b”). - A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no
art. 10, II, “b”, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia
social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez,
independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-
se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo
quando pactuada em sede de negociação coletiva - AI 448572 ED, Relator: Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/11/2010.
233
constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público
subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-
constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar
comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional” –
MI 463/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 542/SP.
2 - mandado de injunção (...) servidor público – direito público subjetivo à
aposentadoria especial (CF, ART. 40, §4º) – injusta frustração desse direito em
decorrência de inconstitucional, prolongada e lesiva omissão imputável a órgãos estatais
da união federal – correlação entre a imposição constitucional de legislar e o
reconhecimento do direito subjetivo à legislação – descumprimento de imposição
constitucional legiferante e desvalorização funcional da constituição escrita – a inércia do
poder público como elemento revelador do desrespeito estatal ao dever de legislar
imposto pela constituição – omissões normativas inconstitucionais: uma prática
governamental que só faz revelar o desprezo das instituições oficiais pela autoridade
suprema da lei fundamental do estado – a colmatação jurisdicional de omissões
inconstitucionais: um gesto de fidelidade, por parte do poder judiciário, à supremacia
hierárquico-normativa da constituição da república – a vocação protetiva do mandado de
injunção – legitimidade dos processos de integração normativa (dentre eles, o recurso à
analogia) como forma de suplementação da “inertia agendi vel deliberandi” – MI 1841
AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013,
acórdão eletrônico DJe-049 DIVULG 13-03-2013.
234
promoção legalmente prevista, não constituindo este ato discricionariedade da
Administração, que se encontra submetida ao princípio da legalidade" - AI 817221/RS,
Relator: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 14/06/2011.
235
Em oposição ao conceito de direito objetivo - entendido como o conjunto de normas
formalmente válidas positivadas pelo Estado 7 - surge a noção de direito subjetivo, por meio da
qual se designa a posição em que se encontra uma pessoa ou um conjunto de pessoas em relação
ao direito objetivo, 8posição esta assumida para os fins propostos neste ensaio.
A concepção jusnaturalista considera direitos subjetivos as faculdades e poderes inatos
aos homens (direito à vida, à liberdade, à integridade corporal, à propriedade, à eleição, etc.), os
quais o direito positivo - se pretender ser direito - deve reconhecer, regulamentar e, sobretudo,
proteger.
Esse entendimento não é refutado pelo positivismo, 9 mas este, ao reconhecer ou
aceitar a possibilidade de haver direitos com a mencionada característica, admite-os simplesmente
morais e não jurídicos.
Na evolução do conceito de direito subjetivo é possível surpreender várias teorias,
dentre as quais destacaremos três: a) Teoria da Vontade; b) Teoria do Interesse; c) Teoria Eclética.
A primeira delas, Teoria da Vontade, foi sustentada por autores da alçada de Savigny,
Windscheid, Puchta e Del Vecchio, tendo definido o direito subjetivo como um poder ou senhorio
da vontade reconhecido pelo ordenamento jurídico como uma vontade juridicamente protegida. 10
Dois eram os aspectos vislumbrados no referido poder: a faculdade de exigir um comportamento
das pessoas que se encontravam frente ao titular ou titulares do direito subjetivo e a vontade que
dá origem ao nascimento, extinção ou modificação de direitos ou faculdades.
A Teoria do Interesse, formulada por Ihering, afirmou serem os direitos subjetivos
interesses juridicamente protegidos, ou seja, bens - materiais ou ideais - sobre os quais recai a
atenção do homem e que do direito recebem proteção por meio de uma ação judicial. Dois, pois,
os aspectos essenciais: o interesse e o procedimento jurídico de defesa do interesse.
Jellinek buscou compor os postulados das teorias anteriores, dando origem à
denominada Teoria Eclética ou Mista. Para esse autor, direito subjetivo seria um interesse tutelado
pela lei mediante o reconhecimento da vontade individual. 11
No ideário de Kelsen, o estudo dos direitos subjetivos integra a denominada "Estática
Jurídica", que compõe o Capítulo IV de sua Teoria Pura do Direito. 12 Ali, Kelsen examina, um a
um, os conceitos jurídicos básicos ou fundamentais. Dizem-se básicos esses conceitos porquanto
constituem a base teórica para a edificação de diversos outros conceitos jurídicos: "o caráter básico
destes conceitos faz com que sejam empregados em quase todas as explicações que se desenvolvem
236
nos distintos ramos do Direito. Se distinguem, assim, de expressões que têm um uso mais
circunscrito, como 'defraudação', 'sociedade anônima', 'hipoteca', 'matrimônio', 'seguro', etc.". 13
Kelsen busca novamente no seu sistema de normas a solução para a definição dos
direitos subjetivos: "falar em termos de direitos subjetivos jurídicos não é mais que descrever a
relação que têm o ordenamento jurídico com uma pessoa determinada". 14 O direito subjetivo
seria, pois, mero reflexo do dever jurídico. Kelsen, inclusive, vai mais além ao propor a eliminação
do dualismo entre direito objetivo e subjetivo.
Santiago Nino segue com Kelsen no exame dos diversos sentidos de "direito
subjetivo", sendo certo que "em todos estes casos de diretos subjetivos, se descreve o fato de que
a vontade dos particulares é considerada por determinadas normas como condição de certos efeitos
jurídicos": 16
a) Direito como equivalente a não proibido: de acordo com Kelsen, expressões como
"tenho direito a me vestir do modo que desejo" poderiam encontrar sentido tanto na ausência de
norma que previsse sanção para a ação de que se trata (no caso, de vestir-se da forma desejada)
quanto na ausência de norma de competência que autorizasse, em determinado contexto
imaginário, fosse estabelecida a proibição.
b) Direito como equivalente a autorização: ainda que contra o seu sistema - ou
admitindo ser ele insuficiente, Kelsen aceita na última versão de sua Teoria Pura a existência de
normas permissivas, que acolheriam, por exemplo, o sentido de autorização em expressões como
"o professor nos deu direito a interromper a aula".
c) Direito como correlato de uma obrigação ativa: nessa acepção vê Kelsen tão-
somente uma alteração no enfoque ou na descrição de uma única relação jurídica. Ao afirmar-se,
v.g., que "A tem direito a que B lhe pague", acentua-se a situação do beneficiário do dever jurídico
e não na situação do sujeito obrigado (B deve pagar a A).
d) Direito como correlato de uma obrigação passiva: trata-se da situação anterior, com
a diferença de que aqui se fala de um dever jurídico de abstenção.
e) Direito como ação processual: surge aqui figura nova, consistente na possibilidade
de recorrer ao Estado para a imposição da sanção prevista para o descumprimento da obrigação.
Essa acepção recebeu de Hans Kelsen a denominação de direito em sentido técnico ou estrito, já
que corresponderia a uma noção autônoma.
f) Direito político: ao falar de direitos subjetivos na acepção de direitos políticos,
refere-se Kelsen tanto à possibilidade que têm os cidadãos de participar da criação das normas
237
gerais quanto à proteção - também por meio da ação processual - dos chamados direitos e garantias
fundamentais.
É na obra de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, contudo, que se encontra uma
análise mais cuidadosa das diversas posições adotadas por Hans Kelsen em suas sucessivas
publicações, inclusive sua obra póstuma Algemeine Theorie der Normen.
Esclarece a douta autora, em sua elucidação das relações entre direito e força a partir
da obra do mestre austríaco, que seu o tratamento do direito subjetivo suportou notáveis ampliações
no curso dos anos, ainda que a definição básica, constante da primeira edição da Teoria Pura do
Direito, tenha permanecido praticamente intocada.
O ponto de partida é a noção de direito subjetivo em sentido técnico (teoria processual
do direito subjetivo), definido, segundo a relembrada lição de Bobbio, como "o efeito de uma
autorização (Berechtigung) com a qual o ordenamento jurídico 'inclui entre as condições da
consequência do ilícito uma manifestação de vontade por parte de quem é lesado nos seus
interesses'". 18 O ordenamento jurídico, dessa forma, asseguraria ao particular, mediante o
exercício de sua vontade, mecanismo para a criação da norma (concreta e individual).
É possível perceber na obra de Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, a
insistência no tema da criação do direito como ambiente onde melhor foi tratada a questão do
direito subjetivo, embora já ligeiramente ampliada a discussão:
"Insistindo na definição de direito subjetivo em sentido estrito e técnico, chamamos a
atenção sobre o fato de que por direito subjetivo, a teoria normativa do direito entende alguma
coisa mais específica que a situação subjetiva correlativa ao dever de um outro indivíduo: o direito
de um indivíduo como situação correlativa ao dever de um outro indivíduo não constitui uma
situação específica, e naturalmente, não retira nada à tese da primazia do dever. Que exista um
direito precedente ao dever, independente do dever, é uma tese jusnaturalista que uma teoria
positiva do direito, como a teoria pura, não pode aceitar.
Pelo que diz respeito à terminologia, para definir o direito sub-jetivo em sentido técnico
Kelsen utiliza, como vimos, a palavra "possibilidade" e em outro lugar "capacidade", por exemplo
na frase: "ter um direito significa ter a capacidade jurídica de participar da criação de uma norma
individual, etc.". Ainda não o termo "Poder". Com isso não queremos dizer que o termo não seja
amplamente uti-lizado, mas que isso acontece em contextos diversos, em, todos aqueles contextos
nos quais o problema da relação entre direito e força [em inglês "right" e "might" - direito e força
(como poder)] surgem.
238
Para encontrarmos um contexto no qual o termo "Poder" é utilizado num significado
que antecipa aquele das duas últimas obras e que possamos chamar de definitivo, é preciso
dirigirmo-nos às páginas dedicadas à teoria do ordenamento jurídico como ordenamento dinâmico.
Aqui lemos que "a norma fundamental põe uma dada autoridade, a qual por sua vez pode muito
bem atribuir a uma outra autoridade o poder de criar normas" e um pouco mais adiante "o poder
de criar normas é delegado de uma autoridade a uma outra; a primeira é a autoridade superior, a
segunda é a inferior". Destes passos resulta que a área em que aparece a noção de "Poder" é a dos
conceitos ligados ao' tema da criação do direito. Trata-se da mesma área à qual, como vimos,
pertence a teoria do direito subjetivo em sentido técnico." 19
Somente na segunda edição da Teoria Pura do Direito, entretanto, se aperfeiçoa, se
estreita, no surgimento de uma teoria do poder jurídico como "capacidade de criar e aplicar normas
jurídicas", a ligação entre o direito subjetivo em sentido técnico e o referido poder jurídico. A partir
dessa construção científica, pôde finalmente Kelsen "estabelecer as premissas para distinguir os
vários significados do direito em sentido subjetivo", 20 mais acima apreciados.
Kelsen não aceita exatamente, porém, a categoria dos direitos subjetivos (ou, quando
menos, a independência dessa categoria). Ao discutir o tema, mostra-se consciente da primazia que
o direito subjetivo tem, tradicionalmente, em face do dever jurídico, a ponto de que, "na descrição
do Direito, o direito (subjectivo) avulta tanto no primeiro plano que o dever quase desaparece por
detrás dele e aquele - na linguagem alemã e francesa - é mesmo designado pela própria palavra
com que se designa o sistema de normas que forma a ordem jurídica: pela palavra «Recht» (direito),
«droit». Para se distinguir deste, tem o direito (Berechtigung), como direito «subjectivo» (ou seja,
pois, o direito de um determinado sujeito) de ser distinguido da ordem jurídica, como Direito
«objectivo»". 21
E, após relacionar os diversos sentidos que à expressão "direito subjetivo" se pode
conceder, ainda insiste Kelsen que, posta à parte a questão dos direitos naturais, vale dizer,
assumindo como direitos somente aqueles postos pela ordem jurídica positiva, verifica-se que um
direito subjetivo não somente pressupõe o correspondente dever jurídico, mas é esse mesmo dever
jurídico. Enfaticamente, assim se expressa o professor de Viena e Colônia:
"Em resumo, pode dizer-se: o direito subjectivo de um indivíduo ou é um simples
direito reflexo, isto é, o reflexo de um dever jurídico existente em face desse indivíduo; ou um
direito privado subjectivo em sentido técnico, isto é, o poder jurídico conferido a um indivíduo de
fazer valer o não cumprimento de um dever jurídico, em face dele existente, através da acção
239
judicial, o poder jurídico de intervir na produção da norma individual através da qual é imposta a
sanção ligada ao não cumprimento; ou um direito político, isto é, o poder jurídico conferido a um
indivíduo de intervir, já directamente, como membro da assembleia popular legislativa, na
produção das normas jurídicas gerais a que chamamos leis, já indirectamente, como titular de um
direito de eleger para o parlamento ou para a administração, na produção das normas jurídicas que
o órgão eleito tem competência para produzir; ou é, como direito ou liberdade fundamental
garantida constitucionalmente, o poder de intervir na produção da norma através da qual a validade
da lei inconstitucional que violar a igualdade ou liberdade garantidas é anulada, quer por uma forma
geral, isto é, para todos os casos, quer apenas individualmente, isto é, somente para o caso concreto.
Finalmente, também pode designar-se como direito subjetivo a permissão positiva de uma
autoridade." 22
Uma outra concepção a respeito dos direitos subjetivos, igualmente digna de nota, é a
que fornece W. N. Hohfeld, posteriormente reformulada por Alf Ross, e consistente na redefinição
de quatro conceitos jurídicos fundamentais (pretensão, potestade, liberdade e imunidade) de forma
a distinguir as diferentes categorias jurídicas incluídas no mesmo rótulo de direito subjetivo. 23
(...)
Assim sucintamente apreciados os vários sentidos que se emprestaram à expressão
"direito subjetivo", cumpre verificar como é que, ao longo dos séculos, se pretendeu justificar o
emprego do poder punitivo como um direito subjetivo do Estado.
ALMEIDA, André Vinícius de. Direito de punir e poder de punir: uma análise a partir da doutrina
dos direitos subjetivos. Ciências Penais: Revista da Associação Brasileira de Ciências Penais. v. 2,
n. 2, p. 196-215, jan./jun. 2005.
240
2. FONTES DO DIREITO OBJETIVO:
FONTES DO DIREITO
CONCEITUAÇÃO
“...origem, berço ou nascedouro do Direito. Procurar uma fonte de uma regra é buscar
o ponto onde ela brotou para a vida social” (VENOSA, 2010, p. 116).
De onde vem o direito?
Onde podemos encontrá-lo?
Onde está escrito?
para Reale, FONTE DO DIREITO é designado como sendo: “os processos ou meios
em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória,
isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa” (REALE,
2002, p. 140)
“O problema das fontes de direito se confundem com o das formas de produção de
regras de direito vigente e eficaz, podendo ser elas genéricas ou não” (REALE, 2002,
p. 140)
Reale diz que fonte de regra OBRIGATÓRIA deve provir de um PODER
Luiz Legaz & Lacambra apresenta sete significados assumidos pela palavra fonte (apud
Heck, 1992):
241
Abelardo Torre arrola nove designações afetas à palavra fonte (apud Heck, 1992):
Filosofia do direito:
Giorgio Del Vecchio afirma "fonte do direito in genere é a natureza humana, ou seja,
o espírito que reluz na consciência individual... Desta fonte se deduzem os princípios
da justiça ou do Direito Natural" (apud Heck, 1992) – ver o item “c” acima.
242
De outro lado Luis Recaséns Siches divide a problemática do estudo das fontes em
quatro pontos (apud Heck, 1992):
a) qual é a razão de validez jurídica (ou fonte) de todas as normas que compõem um
determinado sistema de direito positivo?
b) quais são, dentro da realidade social, as instâncias produtoras de normas jurídicas?
c) quais são as instâncias produtoras das normas jurídicas, num determinado momento
histórico, de um sistema jurídico específico? E
d) consideração estimativa ou política: dentro da teoria valorativa do direito, tem mais
valor a lei ou o costume? A autonomia da vontade é restrita ou mais livre? As
corporações produzem regras jurídicas?
Para Tercio Sampaio Ferraz Junior, o capítulo das fontes do direito consiste em uma teoria
a serviço da racionalização do estado liberal. Diz ele: "A questão da consistência
(antinomias) e da completude (lacunas) do ordenamento visto como sistema aponta para
o problema dos centros produtores de normas e sua unidade ou pluralidade. Se, num
sistema, podem surgir conflitos normativos, temos que admitir que as normas entram no
sistema a partir de diferentes canais, que, com relativa independência, estabelecem suas
prescrições. Se são admitidas lacunas, é porque se aceita que o sistema, a partir de um
centro produtor unificado, não cobre o universo dos comportamentos, exigindo-se outros
centros produtores. São essas suposições que estão por detrás das discussões em torno
das chamadas fontes do direito" (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 190).
a) fontes diretas;
b) fontes indiretas, que se subdividem em fontes reconhecidas e fontes delegadas. As
fontes reconhecidas referem-se ao que Bobbio denomina de "la recepción de normas
ya formuladas, producto de ordenamientos diversos e procedentes"; as fontes delegadas
Bobbio relaciona com "la delegación del poder de producir normas jurídicas en poderes
u órganos inferiores";
c) poder negocial: esse poder é fonte de normas provenientes dos atos dos particulares
quando regulam voluntariamente os seus próprios interesses; e
243
d) a fonte das fontes: por ela entende Bobbio o Poder Originário, jurídica, mas não
historicamente (apud Heck, 1992).
Sociologia do direito
Niklas Luhmann defende a tese de que o direito não é criado pelo legislador e nem
pelo juiz: “O direito não se origina da pena do legislador. A decisão do legislador (e
o mesmo é válido, como hoje se reconhece, para a decisão do juiz) se confronta com
uma multiplicidade de projeções normativas já existentes, entre as quais ele opta com
um grau maior ou menor de liberdade. Eles apenas selecionam, dignificando em
normas o direito vinculativo. O direito "resulta de estruturas sistêmicas que permitem
o desenvolvimento de possibilidades e sua redução a uma decisão, consistindo na
atribuição de vigência jurídica a tais decisões" (LUHMANN, 1985, p. 8).
244
seu conteúdo. Veritas, non auctoritas facit legem é a fórmula que expressa o
fundamento jusnaturalista de validade do direito pré-moderno (...). “O Estado de
Direito Moderno, assinala ainda Ferrajoli, nasce sob a forma de Estado Legislativo de
Direito. Graças ao princípio da legalidade e às codificações que lhe deram realização,
uma norma jurídica não é válida por ser justa, mas por haver sido ‘posta’ por uma
autoridade dotada de competência normativa. Auctoritas, non veritas facit legem: este
é o princípio convencional do Positivismo Jurídico. Com a afirmação do princípio da
legalidade como norma de reconhecimento do Direito existente, a Ciência Jurídica
deixa de ser uma Ciência imediatamente normativa para converter-se em uma
disciplina cognoscitiva, explicativa do direito positivo, autônomo e separado em
relação a ela. A jurisdição, por sua vez, deixa de ser produção jurisprudencial do
Direito e se submete à lei como única fonte de legitimação” (BARROSO, Luís
Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de, e
SARMENTO, Daniel (orgs.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos
Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro, Lumen Juris (pp. 203-249), 2007,
p. 204-205, notas 4 e 6).
"Não obstante o esforço dos positivistas para identificar com clareza as fontes do
direito, parece-nos que nenhuma das duas concepções tradicionais é adequada para
uma teoria jurídica que pretenda ser capaz de entender a força das fontes do direito na
argumentação jurídica e os modos por meio dos quais essas fontes interagem com as
demais razões que podem eventualmente ser empregadas como fundamento de uma
decisão judicial. Ademais, este tipo de teoria parece artificialmente presumir que as
questões problemáticas na argumentação jurídica se resumem a identificar as normas
que provêm das denominadas “fontes do direito”, como se a recondução de uma
norma a uma fonte específica do direito resolvesse definitivamente a questão de saber
se esta norma é juridicamente vinculante no caso concreto. Uma teoria jurídica que
pretenda ser relevante para a prática, a fim de esclarecer os fatores que determinam o
peso dos argumentos jurídicos em cada caso concreto, deve superar as deficiências do
245
Positivismo, e em especial sua insuficiência em fixar critérios para entender qual tipo
de argumentos e razões deve contar na justificação de uma decisão jurídica"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 304).
O que se discute hoje é que as concepções formais e as concepções materiais de fontes
do Direito não são mais apropriadas: "A concepção formal é insuficiente porque nem
todas as razões que contam no discurso jurídico derivam de um ato normativo
institucionalmente regulado; e a concepção material é insuficiente porque não há uma
causalidade ou implicação estrita entre os fatores extrajurídicos que geram o Direito
e o conteúdo das decisões individuais que resultam da sua aplicação. O Direito é algo
construído por meio de uma prática social, não um mero reflexo de uma lei natural
(como um platonista iria sustentar) ou uma mera superestrutura imposta por uma
classe dominante (como um marxista iria sugerir)" (BUSTAMENTE, 2013, p. 306).
"As ‘fontes do direito’ já não configuram uma resposta inequívoca sobre a força e a
obrigatoriedade do direito a partir do momento em que se reconhece a natureza
argumentativa do direito e a relativa insegurança de suas normas. As fontes do direito
devem ser redefinidas, portanto, como as razões que podem ser empregadas pelos
juristas na formulação das normas gerais e individuais que são construídas na
aplicação do direito" (BUSTAMANTE, 2013, p. 322).
A) "É melhor adotarmos, portanto, um conceito argumentativo de fontes do Direito,
como o de Aulis Aarnio, para quem se deve utilizar a referida locução para 'toda razão
que – de acordo com as regras geralmente aceitas na comunidade jurídica – pode ser
usada como base justificatória da interpretação jurídica'". B) "Ao lado desse conceito
amplo de ‘fontes do Direito’, Peczenik propõe também um conceito mais estrito:
‘Todas as razões jurídicas são fontes do Direito no seu sentido mais amplo. Todos os
textos, práticas etc. que um jurista está obrigado a, deve ou pode proferir como razões
246
de autoridade são fontes do Direito em um sentido estrito, adotado neste trabalho’"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 310)
CLASSIFICAÇÃO
247
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DE DIREITO (DINIZ, 2009, pp. 286-287)
Lei
Legislativas Decreto
Regulamento
ESTATAIS Sentença
Jurisprudenciais
Súmula
FORMAIS
Convenções
Convencionais
internacionais
Direito consuetudinário Costume jurídico
NÃO-ESTATAIS Direito científico Doutrina
Negócios jurídicos
Histórico
Ordem
Segurança
Valores
Paz social
Justiça
248
IMPORTANTE: seja qual for a concepção de FONTE que se adote: “...estaremos
perante um dos temas centrais da ciência jurídica. A teoria das fontes não se exaure por
si, devendo ser complementada pela interpretação das normas jurídicas, pela
hermenêutica, ciência da interpretação” (VENOSA, 2010, p. 116).
249
CONCLUSÃO POSSÍVEL: "...a noção formal de fontes do Direito apresenta sempre
uma estrutura auto referencial: apenas atos, fatos, procedimentos ou normas
juridicamente institucionalizados é que podem gerar normas jurídicas. Como
recentemente sintetizou um importante teórico positivista da atualidade:
‘Aprendemos com Kelsen que o Direito regula a sua própria criação’”
(BUSTAMANTE, 2013, p. 303).
Franco Montoro menciona duas espécies de fonte material (apud Heck, 1992):
a) a realidade social, ou seja, o conjunto dos fatos sociais responsáveis pela formação
conteudística do direito; e
b) os valores que o direito tenta realizar, máxime os de justiça.
Fontes materiais: Sílvio de Salvo Venosa: “...são as instituições ou grupos sociais que
possuem capacidade de editar normas, como o Congresso Nacional, as assembleias
legislativas estaduais ou o Poder Executivo em determinadas hipóteses. Sob esse
sentido, fonte é vista sob o prisma da autoridade que pode emitir legitimamente o
Direito” (VENOSA, 2010, p. 116).
Fontes materiais são, segundo Aftalion, Olano e Vilanova, "ciertos datos o hechos de
la vida social (standards axiológicos, convicciones, movimientos de opinión,
declaraciones partidarias, etc.) que contribuirían a determinar el contenido de las
normas jurídicas" (apud Heck, 1992).
As fontes materiais "são os motivos ou razões que determinam o conteúdo do direito
positivo, ou seja, qualquer ato ou fato que gere normas jurídicas. Esta concepção é
ampla o suficiente para abarcar tanto os fatos sociais, políticos e econômicos que
influenciam a produção do Direito quanto as ideias e os valores que constituem
motivos para a legislação, como a justiça, a equidade e a segurança. As fontes, nessa
primeira concepção, nunca são atos jurídicos, mas eventos ou fatos pré-jurídicos que
podem contar como uma causa – uma causa social – para o nascimento de uma norma
jurídica" (BUSTAMANTE, 2013, p. 302).
250
Para Miguel Reale, o problema das fontes materiais está ligado ao “problema da
justiça, da liberdade, da segurança e da ordem” (REALE, 2002, p. 140)
Pergunta-se “se uma lei é devida a fatores econômicos permanentes ou transitórios,
ou se ela é decorrência de exigências demográficas, geográficas, raciais, higiênicas e
assim por diante”
Reale não nega a influência determinante “de um complexo de fatores que a Filosofia
e a Sociologia estudam” São questões que se situam fora do campo da ciência do
direito; (REALE, 2002, p. 140).
No mesmo sentido, segue Dimitri Dimoulis: “Consideramos que a verdadeira fonte
do direito é indicada pelas teorias do conflito social. O direito não se cria com base
em valores, ideias ou necessidades da sociedade em geral. O direito é um fenômeno
histórico, que exprime a vontade política dominante em determinado momento. Não
cabe aqui o aprofundamento da questão. O estudo das fontes materiais é objeto da
sociologia do direito e, em parte, da teoria do Estado e da ciência política. O operador
jurídico que deseje identificar e interpretar o direito em vigor não deve se
preocupar, na sua prática cotidiana, com a pesquisa das fontes materiais”
(DIMOULIS, 2007, p. 202 – sem o grifo no original).
Constituição Federal - art. 5º, II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.
251
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Art. 127. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
NOVO CPC: Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou
obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
252
No sistema da common law, o objetivo de previsibilidade é atingido pelo respeito aos
precedentes
O comportamento dos cidadãos deve se conformar às decisões judiciais
Para Teresa Arruda Alvim Wambier, uma característica sempre se fez presente nos
sistemas da common Law: “casos concretos são considerados fontes do direito”
(WAMBIER, 2009, p. 123).
A previsibilidade é inerente ao Estado de Direito
Estabilidade
Uniformidade Previsibilidade
Solidez
A igualdade é assegurada
Selecionam-se aspectos relevantes do caso para que seja considerado semelhante a
outros a mesma solução decidido da mesma forma
Na common law, quem cria o direito é o Juiz
No sistema de precedentes vinculantes, o juiz atua em duas dimensões: PASSADO:
resolvem conflitos; FUTURO: faz o direito
Na Inglaterra, esse sistema de precedentes vinculantes é aplicada na sua versão mais
rígida: “Precedentes devem ser seguidos, se não houver nenhuma razão séria para que
sejam abandonados. É comum que o juiz, mesmo não concordando intimamente com
a regra constante do precedente, decida de acordo com ele, por apego à necessidade
de preservar a igualdade” (WAMBIER, 2009, p. 131).
sistema norte-americano - doutrina do stare decisis7
Segundo Toni M. Fine, “a doutrina do stare decisis é firmemente estabelecida no
sistema legal norte-americano. Tal doutrina, também conhecida como aplicação do
precedente, estipula que, uma vez que um tribunal tenha decidido uma questão legal,
os casos subsequentes que apresentarem fatos semelhantes devem ser decididos de
maneira consentânea com a decisão anterior” (FINE, Toni M. "O uso do precedente
7
Martha Helena de Lima Borges e Isabela Esteves Cury Coutinho: “A expressão completa quer dizer stare
decisis et non quieta movere, ou seja, ficar como está decidido e não mover o que está em repouso. Ou
seja, as decisões produzem precedentes e vinculam as que irão ser prolatadas, em caso de identidade de
casos” (PORTO, apud BORGES, COUTINHO, 2011, p. 237, nota 12).
253
e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal norte-americano", (apud
ROSSI, 2001).
Qual o princípio que governa o sistema do stare decisis? “...um tribunal é uma
instituição requisitada a aplicar um corpo de leis, e não um mero grupo de juízes
proferindo decisões isoladas nos casos a eles submetidos. Assim sendo, as regras de
direito não devem mudar caso a caso ou de juiz a juiz” (Idem, ibidem, p. 95)
A distinção entre as famílias8: "Nas palavras de Jorge Iván Hübner Gallo, a distinção
entre os ordenamentos está ligada diretamente às influências agregadas por cada
nação, e afirma que “el valor que se atribuya a las sentencias judiciales como forma
de expresión del derecho depende fundamentalmente del sistema juridico vigente em
cada país” (HÜBNER GALLO, Jorge Iván. Introducción al derecho. Chile: Jurídica
de Chile, 1966. p. 196, apud ROSSI, 2001).
PRESSUPOSTO DO RACIOCÍNIO:
VER A AULA SOBRE O POSITIVISMO: "Uma das promessas do positivismo em
geral sempre foi a objetividade do conhecimento científico do direito, de modo que
seria possível, com um raciocínio puramente empírico ou analítico, determinar as
consequências que se seguem dos comandos normativos. O “direito válido” aparece
como algo que pode ser definido ex ante e conhecido, ou descoberto, objetivamente
pelo intérprete. “O” Direito era visto como algo que tem um sentido unívoco e que
pode ser conhecido de sorte que o intérprete não participa da constituição do
significado do direito" (BUSTAMANTE, 2013, p. 322).
Quase que inteiramente baseado na lei
Precedentes não são vinculantes, ou seja, não é obrigatório decidir conforme o
precedente
Razões históricas para essa opção – revolução francesa
Desconfiança da figura do Magistrado como pertencente ao Ancièn Regime
8
Sálvio de Figueiredo Teixeira destaca 3 grandes famílias, a saber: a) romano-germânica; b) do common
law; c) dos “direitos socialistas”.
254
O direito pós-revolucionário limitou-lhes o poder: o juiz limita-se a aplicar a lei: nada
mais
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS:
o juiz somente cria o direito com base em conceitos vagos (ex: a família para o bem
impenhorável); em princípios jurídicos (ex: a desconsideração da pessoa jurídica foi
criada judicialmente com base em princípios jurídicos e direito comparado)
TRANSFORMAÇÕES:
9
Teresa Wambier critica a liberdade de o juiz decidir conforme sua convicção que, segundo ela, “tem sido
levada às últimas conseqüências”. Luiz Marinoni demonstra a necessidade de se render respeito aos
precedentes no direito brasileiro. Por seu turno, Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre
Bahia, após constatar a padronização dos julgamentos das demandas repetitivas, questionam o uso de
precedentes como ferramenta na resolução de conflitos. Sobre esse polêmico tema, veja a obra do professor
Lenio Luiz Streck: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme minha consciência? 2ª. ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
255
Além disso, os princípios jurídicos acabam por integrar o raciocínio jurídico
Por consequência, os parâmetros judiciais/decisórios, mesmo considerado o sistema
da civil Law, são menos seguros e mais flexíveis do que na era
moderna/revolucionária
Trata-se de uma tática da civil Law para o direito absorver e neutralizar a
complexidade das sociedades pós-modernas
“Por isso, hoje se compreende o princípio da legalidade não mais como sendo um
excessivo apego à letra da lei. Entende-se, atualmente, que a lei vincula, do modo como
é vista através dos olhos da doutrina e da jurisprudência predominante. Isto quer dizer
que a lei não precisa ser sempre compreendida e obedecida em seu sentido literal”.
(WAMBIER, 2009, p. 137)
A) “No Brasil, aparentemente, caminhamos para tudo ter efeito vinculante, menos a
lei” (ABBOUD, 2013).
MODIFICAÇÕES DO SISTEMA
256
Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível
verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos,
entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto
e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo
legislador (ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946, ADI 2209, ADI 2596, ADI
2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI 1344, ADI 2405, ADI 1105,
ADI 1127).
No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127, ambas de relatoria do Min.
Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários
dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), acabou adicionando-lhes
novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação
corretiva da lei.
Em outros vários casos mais antigos (ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946,
ADI 2209, ADI 2596, ADI 2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI
1344, ADI 2405, ADI 1105, ADI 1127), também é possível verificar que o Tribunal, a
pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos,
acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte
Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos
aditivos.
Tais sentenças de perfil aditivo foram proferidas por esta Corte nos recentes
julgamentos dos MS n°s 26.602, Rel. Min Eros Grau, 26.603, Rel. Min. Celso de Mello
e 26.604, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que afirmamos o valor da fidelidade partidária;
assim como no também recente julgamento a respeito do direito fundamental de greve
dos servidores públicos (MI n° 708, de minha relatoria; MI n°s 607 e 712, Rel. Min.
Eros Grau). Outra não foi a fórmula encontrada pelo Tribunal para solver a questão da
inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira instituída pelo art. 13 da Lei
n° 9.096, no julgamento das ADI n°s 1.351 e 1.354, Rel. Min. Marco Aurélio.
257
portador de anencefalia (ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, DJe 30/04/2013). Nessa
perspectiva, sob a ótica da interpretação do artigo 128, incisos I e II, do Código Penal,
o tribunal acabou por proferir uma decisão com perfil aditivo, na medida em que
acrescentou outra hipótese de excludente de ilicitude" (ISRAEL, 2014, p. 46).
ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012: "O Plenário, por maioria,
julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito
fundamental ajuizada, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
- CNTS, a fim de declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos
124, 126 e 128, I e II, do CP" (Informativo STF Nº 661 - Brasília, 9 a 13 de abril
de 2012 - ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo - 1)
Sobretudo nos dias atuais, nos quais, o legislador vem optando por modelos
normativos abertos (Standards) – normas genéricas ou tipológicas.
Se isso acontece quando existe uma lei, nem se mencione o caso de lacunas
“...em termos estritamente políticos não há vácuo de poder” (ROCHA, 2009, p. 209)
Da inanição institucional dos poderes acarreta a substituição funcional a favor do
Poder Judiciário – no vazio político, ele ocupa.
258
ver, que a tese central do positivismo já não é mais a tese da separabilidade entre o
direito e a moral, mas a tese das fontes sociais, isto é, a tese de que basta se identificar
uma “fonte” jurídica para se identificar o Direito. Por pós-positivismo, portanto,
entendemos todas as teorias que não se contentam com a tese das fontes sociais do
direito, e que se preocupam fundamentalmente com o caráter argumentativo do Direito,
vendo o conteúdo das normas jurídicas mais como o resultado de uma argumentação a
partir dos materiais emanados dos órgãos dotados de competências para criar normas
jurídicas gerais do que como uma simples decisão ou um simples fato social"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 310, nota nº 28 – grifei).
2. REFERÊNCIAS EXPRESSAS
CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
259
CPC/2016, Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a
direito.
CF, art. 5º, LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
CPC/2016, art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral
do mérito, incluída a atividade satisfativa.
CF, art. 1º A República Federativa do Brasil, (...) tem como fundamentos: III - a
dignidade da pessoa humana;
CPC/2016, art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e
às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.
CF, art. 93, IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)
CPC/2016, art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
260
CF, art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...
CPC/2016, art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e
às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.
(iii) normas têm pretensão de validade binária; valores, pretensão de uma gradual
atratividade;
(iv) as normas indicam o que é bom para todos; os valores, o que é bom para nós (ou
para mim);
261
Em seus termos: "Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro
lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em
segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;
em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar,
através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve
satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser
aplicados da mesma maneira (HABERMAS, 1997, p. 317).
262
uma colisão entre valores, a solução não determina o que é devido, apenas indica o que é
melhor. Em vez do caráter deontológico dos princípios, os valores possuem tão-só o
axiológico" (ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
dever de proporcionalidade. Revista de direito administrativo. n. 215, p. 151-179,
jan./mar. 1999).
REFERÊNCIAS
263
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. O direito e a incerteza de suas fontes: um problema
em aberto para a dogmática jurídica contemporânea. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. n. especial [2], p. 299-325 2013.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 2ª. ed., rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
HECK, Luís Afonso. As fontes do direito. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 81, n. 677,
p. 59-81, mar. 1992.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. vol. II. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985.
ROSSI, Fernando F. Jurisprudência. Revista dos Tribunais, vol. 793, p. 743, nov. 2001.
264
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves
considerações sobre a politização do judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito
brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da
padronização decisória. Revista de processo. v. 35, n. 189, p. 9-52, nov. 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3ª ed. São
Paulo: Atlas, 2010.
265
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO:
Justificativa inicial
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
10
Antiga Lei de Introdução ao Código Civil. Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.
266
Para a completa compreensão do capítulo, deve-se saber a autoridade reconhecida aos
princípios gerais do direito diante do Juiz, administrador e do legislador
Contextualização histórica
Direito Natural
Metafísico
Eterno
Imutável
Caso estas normas fossem contrariadas pelas leis dos homens a situação se
tornava ilegítima (SANTIAGO, 2008, p. 227)
267
Neste quadro, bastante aceitável a confusão entre Princípios Gerais do Direito
e Direito Natural – ver, a seguir, o quadro de Maria Helena Diniz
268
O caminho trilhado para chegar a esse objetivo é a consagração dos Princípios
Gerais do Direito
Elaboração
Os princípios gerais do direito indicam as premissas das normas quanto
Interpretação
a sua
Aplicação
Interpretação da lei
Desempenha importante papel na
Colmatação de lacunas
269
Nesse sentido, grandes revoluções políticas, econômicas e sociais suscitam
princípios novos e atingem princípios tradicionais
De fato, a evolução de uma lei possui, por assim dizer, um caráter episódico
B) redefiniu “as noções vigentes acerca das Fontes do Direito e de sua estrutura
normativa” (SANTIAGO, 2008, p. 233)
O antigo art. 108 do projeto do CPC (essa redação não passou para a
versão final):
270
O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei,
cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito.
CONCEITO
11
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme minha consciência?. 2ª. ed. rev. e ampl. Porto
Alegre: Livr. do Advogado, 2010, p. 94.
271
sua existência, outros os vêem como fontes interpretativas ou como espaços abertos à
discricionariedade judicial. Alguns a identificam como o Direito Natural, como se fossem
imanentes à própria sociedade. Parte da doutrina os conecta à noção de equidade. É
possível compreendê-los como de caráter universal e produto da evolução histórica da
própria Ciência Jurídica”12.
Maria Helena Diniz13 fez um catálogo das várias escolas jurídicas que buscam
o sentido do vocábulo sintetizado no quadro abaixo
12
FERREIRA, Alice Almeida. Hermenêutica jurídica nos conflitos de direito internacional convencional
submetidos à jurisdição nacional. Revista de direito constitucional e internacional. v. 18, n. 73, p. 265-302,
out./dez. 2010, p. 278.
13
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código civil brasileiro interpretada. 15ª. ed., rev. e atual. de
acordo com a Lei nº 12.036/2009. São Paulo: Saraiva, 2010.
272
Vecchio, Legaz y Lacambra, c) como verdades, objetivamente derivadas da lei
Winiwarter, Recaséns Siches, divina, de um sistema superior plantado por Deus
Zeiller). no coração dos homens (Diez-Picazo)
4) A que considera os princípios gerais como tendo caráter universal, ditados pela
ciência e pela filosofia do direito (Bianchi, Clóvis Beviláqua, Pacchioni)
6) A que adota uma posição eclética, procurando conciliar essas posições, isto é, os
princípios sistemáticos com o direito científico ou com os imperativos da consciência
social, ou os princípios sistemáticos com a concepção da escola livre. Condena o
extremismo dos positivistas em querer submeter os princípios gerais do direito à regra
de que só poderão ter lugar depois de esgotados todos os recursos no sentido de extrair
a norma positiva, e assim mesmo não se poderá contradizer às ideias fundamentais da
lei, dos costumes ou da doutrina. Argumenta que o mais perigoso seria forçar o
magistrado a obter do direito positivo uma solução que este não pode ter.
273
Princípios constitucionais
Princípios fundamentais
Cada regra tira sua força obrigatória apenas de sua conformidade com a
norma imediatamente superior
274
Por estes dois motivos, o que marca a hierarquia é a força jurídica de uma norma em
comparação a uma outra
Princípios gerais: ninguém deve causar aos outros transtornos que excedam
os inconvenientes normais de vizinhança
Explicações insuficientes sobre a origem dos princípios gerais do direito para Bergel
275
Na interpretação da vontade difusa do legislador
Outras não: são apenas idéias difusas e o Juiz é que formula claramente
14
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa
humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista
latino-americana de estudos constitucionais, n. 4, p. 317-366, jul./dez. 2004.
276
No preâmbulo, os representantes do povo brasileiro noticiam a reunião em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático destinado a
assegurar a SEGURANÇA
Do direito adquirido
Na proteção
Da coisa julgada
(5º, XXXVI)
Do ato jurídico perfeito
277
4 – consagram-se essas soluções em novas regras de direito
Advertência final
Existe ainda um tema muito importante e atual que diz respeito à delimitação
da normatividade do princípio. Normalmente a diferenciação entre norma e princípio é
estudado no Direito Constitucional
15
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.tradução: Nelson Boeira. 3ª. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.
16
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.
17
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª. ed.,
ampl. São Paulo: Malheiros, 2011.
18
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 607-630, jan./jun. 2003.
278
2. Para quem se interessa pelo tema na ótica constitucinal, um excelente livro de
Emerson Garcia19, sobretudo as páginas 247 e seguintes.
3. Para um mapeamento do debate: artigo de Marcus Firmino Santiago20.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3ª. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SANTIAGO, Marcus Firmino. Dos códigos para as constituições: breve discussão sobre
os princípios gerais de direito e a nova hermenêutica jurídica. Revista de direito
constitucional e internacional, v. 16, n. 64, p. 223-244, jul./set. 2008.
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 607-630,
jan./jun. 2003.
19
GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
20
SANTIAGO, Marcus Firmino. Dos códigos para as constituições: breve discussão sobre os princípios
gerais de direito e a nova hermenêutica jurídica. Revista de direito constitucional e internacional, v. 16, n.
64, p. 223-244, jul./set. 2008.
279
Regra ou princípio: Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência - Lenio
Luiz Streck
280
O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei
Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste
momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com a Teoria
do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata de uma questão
cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se retiram as condições para
construir bons argumentos e fundamentar adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-
se a discutir o que foi feito da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a
questão do conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter
muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:
282
Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer
mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas, sendo,
portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e menos ainda
compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre regras e princípios, os
princípios valem prima facie de forma ampla (mandados de otimização). Circunstâncias
concretas podem fazer com que seu âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios –
que, em algumas passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara
com os próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os critérios
de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa aparente contradição,
fazendo com que, em um caso específico, um deles prevaleça. Lembre-se o resultado da
ponderação dos princípios colidentes é uma regra que Alexy chama de “norma de direito
fundamental adscripta” (que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz).
E lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir para resolver
casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos princípios colidentes. Aqui, uma
pausa: será que algum juiz ou tribunal no Brasil já se preocupou em determinar a regra
de direito fundamental adscripta quando opera com a ponderação? Será que qualquer um
deles já aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um caso a
retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção. É uma máscara para
esconder a subjetividade do julgador.
De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até
Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da aplicação em um caso
específico, podem voltar com densidade normativa forte em outros casos futuros. As
regras a terem como modo de aplicação a subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas
de um caso DEVEM SER, necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.
283
singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria então também ser afastada nesses
casos?
Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a
presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição no caso de
condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia intacta sua aplicação
no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em que foi formulado no voto, como
pode uma regra valer num caso e não valer no outro? Haveria ponderação entre regras,
como querem – de forma equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à
condição de regra, a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação?
E disso exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?
Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao mérito
do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as possibilidades de restrição
284
ou não do direito fundamental à presunção de inocência. A questão é simbólica
(lembremos de Cornelius Castoriadis). O que representa, no plano do futuro do direito
em terrae brasilis, o exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos
simbólicos disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de
violência simbólica dos discursos.
_________________________________________________________
Caríssimos,
Penso, porém, que a culpa é de... nós mesmos! Se nem os autores citados
concordam em tudo sobre o assunto, nós, que temos o dever de tentar esclarecer isso (em
terrae brasilis, como diria o Prof.Streck) nos limitamos a reproduzir o que está escrito lá
285
fora. Entre os autores brasileiros, tampouco há qualquer unanimidade (v., p.ex.,
divergências entre Virgílio Afonso da Silva e Ávila sobre o pensamento de Alexy, e, para
mencionar uma opinião dissonante da do Prof. Streck, v. este texto:
http://direitosfundamentais.net/2011/05/24/jurisprudencia-arco-iris/).
Outro problema: para muitos, essa questão interessa "apenas" à teoria geral
do direito, ou à teoria dos direitos fundamentais... assunto "téorico", portanto, para muita
gente. Esquecem-se de que, no fundo, no fundo, o direito processual civil é um capítulo
da teoria ("geral"?) geral do direito. O que está em jogo, enfim, é a APLICAÇÃO do
direito (e a que serve o processo civil, senão a isso???).
Abraços a todos.
medina
Comentários de leitores:
Demonstrando o argumento
Vamos partir do princípio que sim - que Fux está certo. Acompanhem um
breve raciocínio:
286
b) Se é regra, não pode ser objeto de um processo de "sopesamento de regras"
(o que sequer faz sentido), mas sim tão somente ter sua aplicação prejudicada em face de
outra regra de hierarquia privilegiada.
Verdade e finitude...
287
(e, portanto, não totalmente coincidentes), possam ser reconduzidos a categorias comuns.
E é aqui que a hermenêutica defendida falha: supõe que haja respostas corretas - ainda
que possam 'evoluir'- mas não explica como é que tais respostas podem ser obtidas:
desconsidera a volatilidade dos valores. Veja só: com que argumentos (para além da
simples questão semântica, que um Kelsen já resolvia) Streck tenta defender que
determinada interpretação da Constituição seria a correta? Argumento de valores? (os
valores que ele supõe existentes na comunidade política?); argumentos de autoridade
(alguém já havia dito isso e aquilo?). Enfim: temo que essa argumentação recaia em um
conteúdo meio que religioso: encontrei a aletheia, fuiu iluminado e, portanto, digo qual a
verdadeira solução do caso... Reafirmo que, para mim, o problema está nessa dificuldade
de se escalonar valores, em sociedades plurais...
JURISPRUDÊNCIA:
CONCEITO
288
Para os mais puristas: "...é comum deparar-se no cotidiano com inúmeras
petições abarrotadas por citações de casos individuais e isolados sob o argumento de se
tratar de uma 'jurisprudência'. Percebe-se claramente que na maioria desses casos esta
pseudojurisprudência sugere tão-somente a coleta desorganizada e confusa de sentenças
isoladas pelo peticionário no afã da busca do melhor convencimento dirigido ao proveito
de seu objetivo, ou seja, a vitória de uma demanda, o que, lamentavelmente, demonstra
grande falta de técnica pelo operador do direito" (ROSSI, 2001).
Jurisprudência é fonte?
289
“...havendo um conjunto de decisões vindas dos tribunais com o mesmo teor,
abrangendo fatos iguais, integrando as lacunas e suplementando o ordenamento legal,
impossível não tê-las como fontes geradoras do direito” (ROSSI, 2001).
290
do neoconstitucionalismo que aparece, com força e definição neste início de século,
o seu marco temporal. É bem verdade que os seus pressupostos apareceram no pós-
2ª Guerra Mundial, porém eles vieram se desenvolvendo desde então, até
germinarem no neoconstitucionalismo, assim batizado por diversas publicações no
início do século XXI" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo e
teoria da interpretação. Revista de direito constitucional e internacional. v. 16, n.
63, p. 64-80, abr./jun. 2008).
(...)
Ao escrever sobre esse sistema, tive oportunidade de assinalar (RF 264/83) que, no
plano histórico, a separação do direito inglês do direito romano encontra suas raízes na
ocupação da Inglaterra pelos bárbaros. Destruídos os traços do domínio romano de
quatro séculos, consolidou-se com o passar do tempo o sistema implantado, conhecido
como common law, calcado no precedente judicial e nos costumes, em contrapartida
ao romano, igualmente conhecido como civil law, fundado no direito escrito e
codificado.
291
Lord Leslie Scarman (English law - the new dimension, 1974, traduzido por S. A.
Fabris, 1977), após dizer do pouco conhecimento que se tem do nascimento do common
law, que eclodiu espontaneamente, sem prévia formulação, preleciona que esse sistema
"é um direito consuetudinário (costumary law) desenvolvido, modificado e às vezes
fundamentalmente reorganizado pelos juízes e tribunais que atuam através dos
tribunais".
Por outro lado, para suprir eventuais falhas das Cortes, desenvolveu-se,
paralelamente, naquele país, equity, pretexto de completar o common law, o que
representou novo marco na evolução do povo inglês.
Como salienta Roberto Rosas, em seus escólios à lei processual codificada, outra é a
feição da jurisprudência nos países de common law, uma vez que, neste, "a decisão
judicial em determinado feito constitui um preceito erga omnes, que se impõe aos
demais casos. É o chamado precedente, que tem força de lei". Sistema viável, em seu
entendimento, em países sem oscilações políticas e sociais.
A par de uma cada vez maior penetração de normas escritas, e sem embargo da crítica
que ao juiz inglês fez Jean Cruet, para quem o mesmo é a um só tempo prisioneiro dos
precedentes judiciários e dos textos legislativos, em dupla negação da vida espontânea
do direito, não se pode negar que nesse sistema, de marcante presença no mundo dos
nossos dias, a jurisprudência, como fonte de direito, suplanta as nossas formulações
pretorianas - TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito
e o aprimoramento da magistratura. In: O Juiz: seleção e formação do magistrado no
mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 141-155.
292
CONCLUSÃO IMPORTANTE: "Dizer que o precedente vale como fonte do Direito
ainda deixa em aberto muitos problemas para a argumentação judicial. Revela-se
importante, então, uma sistematização dos fatores que aumentam ou diminuem a força de
uma norma adscrita a partir de um precedente judicial. É pela ponderação desses fatores
que se poderá, em cada caso concreto, determinar em qual desses níveis se encontra a
força de um dado precedente judicial" (BUSTAMANTE, 2013, p. 321).
293
razão, e pode ser revertido por
isso.
COMPARAÇÕES POSSÍVEIS:
1 – SÚMULA VINCULANTE
2 – RECURSO REPETITIVO
3 – SÚMULA
4 – JURISPRUDÊNCIA
CIRCULAÇÃO DE MODELOS
René David, estudioso do tema, observa que "a common law conserva hoje a
sua estrutura, muito diferente da dos direitos romano-germânicos, mas o papel
desempenhado pela lei foi aí aumentando e os métodos usados nos dois sistemas tendem
a aproximar-se; sobretudo a regra de direito tende, cada vez mais, a ser concebida nos
países de common law como o é nos países da família romano-germânica. Quanto à
substância, soluções muito próximas, inspiradas por uma mesma ideia de justiça, são
muitas vezes dadas às questões pelo direito nas duas famílias de direito" (DAVID, René.
Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26).
294
A convergência de sistemas é um fenômeno inegável:
(a) Permissão para que o Relator de Recurso Especial e Recurso Extraordinário, no STJ
e STF, respectivamente, julgue monocraticamente, quando o acórdão recorrido
contrariar a jurisprudência dominante da Corte – art. 38 da Lei 8.038, de 28.05.1990;
295
(i) Afetação de julgamento a órgão indicado pelo regimento interno – art. 555, § 1.º, do
CPC, Acrescentado pela Lei 10.352, de 26.12.2001;
(j) Súmula vinculante – art. 103-A acrescentado pela EC 45/2004; Lei 11.417, de
16.12.2006;
(k) Súmula impeditiva de recurso – art. 518, §1.º, do CPC, acrescentado pela Lei
11.276, de 07.02.2006;
(l) SENTEÇA TIPO21 - Art. 285-A, DO CPC, acrescentado pela LEI Nº 11.277, de
07.02.2006;
(n) Julgamento por amostragem dos recursos extraordinário e especial – arts. 543-B e
543-C do CPC, acrescentados pela Lei 11.418, de 19.12.2006, DOU 20.12.2006;
(o) Recursos repetitivos no STJ - Art. 543-C, do CPC - Lei nº 11.672, DE 08.05.2008
CRÍTICAS
B) O CUSTO DA ESTABILIDADE:
21
PERGUNTAS: E se o juiz adotar entendimento contrário àquele exarado pelo STJ e STF? O juiz passa
a ser um super juiz? Resposta: Não! “A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e
economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o
entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo junto ao Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal” - REsp 1109398/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/08/2011 – link para inteiro teor (com doutrina)
296
A fórmula dos precedentes pode, em certas circunstâncias, se traduzir em uma
“fórmula da perpetuação do erro” (WHITTAKER, apud THEODORO JÚNIOR,
NUNES, BAHIA, 2010, p. 28).
DOIS PROBLEMAS
Exemplo 1:
22
Acórdão n. 514315, 20110020041515AGI, 1ª Turma Cível, julgado em 15/06/2011, DJ 27/06/2011 p.
48.
297
débitos líquidos e certos, inscritos ou não na dívida pública, do credor da Fazenda Pública,
com base no §9º do artigo 100 da Constituição Federal, que apenas se refere a precatórios.
23
Esse precedente é um dos fundamentos da Súmula STJ nº 461 com o seguinte enunciado: “O contribuinte
pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por
sentença declaratória transitada em julgado”.
24
Acórdão n. 603045, 20110020041515AGI, 1ª Turma Cível, julgado em 11/07/2012, DJ 19/07/2012.
298
indevidamente um tributo, passando a ter o direito de optar entre o recebimento do
crédito via requisição ou via compensação.
299
jurisprudência do STF em matéria de controle de constitucionalidade. Revista de
processo. v. 38, n. 215, p. 409-426, jan. 2013).
25
REsp 911802/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2007, DJe
01/09/2008.
300
exclusividade a uma única consumidora), afeta, de maneira direta, mais de 30
milhões de assinantes (rectius, consumidores).
301
seus Memoriais, foi precisamente esse um dos argumentos (a avalanche de ações
individuais) utilizado pela concessionária para justificar uma imediata intervenção da
Seção.
Como juiz, mas também como cidadão, não posso deixar de lamentar
que, na argumentação(?) oral perante a Seção e também em visitas aos Gabinetes,
verdadeiro monólogo dos maiores e melhores escritórios de advocacia do País, a
voz dos consumidores não se tenha feito ouvir. Não lastimo somente o silêncio de
D. Camila Mendes Soares, mas sobretudo a ausência, em sustentação oral, de
representantes dos interesses dos litigantes-sombra, todos aqueles que serão
diretamente afetados pela decisão desta demanda, uma gigantesca multidão de
brasileiros (mais de 30 milhões de assinantes) que, por bem ou por mal, pagam a
conta bilionária da assinatura-básica (lembro que só a recorrente, Brasil Telecom,
arrecada, anualmente, cerca de três bilhões e meio de reais com a cobrança dessa tarifa
- cfr. www.agenciabrasil.gov.br, notícia publicada em 8.6.2007).
Curvo-me à decisão técnica dos meus ilustres Pares, posição essa que
também é político-pragmática. O bom juiz tem sempre um tanto de pragmaticus legum,
posição totalmente compreensível em um cenário de enxurrada de Recursos Especiais
relativos à assinatura básica (fala-se em dezenas de milhares de ações em todo o País),
o que por certo estimulou os e. Ministros a não esperarem por precedentes nas duas
Turmas.
Não obstante esse reconhecimento que faço das razões nobres que levaram
meus Pares a encurtar um debate judicial que deveria ser o mais rico, amplo e profundo
possível, não tenho como esconder que me sinto inescapavelmente prisioneiro do feixe
de objetivos e princípios sociais dos dois microssistemas normativos (consumidor e
telecomunicações) em questão (philosophus legum!), o que me força a homenageá-los,
mesmo que sob o risco de ser arrastado a um poço inesgotável de Recursos Especiais.
302
Como minoria que sou neste julgamento, mantenho a esperança de
que, no futuro, a hoje Maioria - ou, quem sabe, uma outra Maioria - aperfeiçoe
sua forma de pensar. E se assim não for, que o legislador, observador atento das
perplexidades da prática judicial, possa fazer as alterações legislativas pertinentes
a uma adequada, eficaz e justa proteção dos sujeitos vulneráveis: in casu, os
consumidores de telefonia fixa.
303
Se o modelo se limita a aumentar a eficiência
Para morrer
Inutilmente
304
Com a “ratio” não se confunde o “dictum”. Na sentença podem fazer-se e fazem-se
“numerosas observações interlocutórias ou que visam a pontos relacionados. Desde que
se não reconduzam ao princípio segundo o qual se decidiu o caso, são “dictum” e não
“ratio”. Têm sem dúvida uma certa autoridade, e por vezes é até muito difícil distinguir
o que é “ratio” e o que é “dictum”34. Mas todos concordam que o “dictum” não
participa da especial força vinculativa que caracteriza o precedente (ASCENÇÃO,
2010).
Dierle Nunes, Helen Almeida, Marcos Rezende: "A ratio decidendi relaciona as
proposições jurídicas discutidas no julgamento aos fatos do case com as alegações das
partes. Essa relação determina os limites da força obrigatória da decisão. As
declarações da corte na decisão que não fazem parte da ratio decidendi, denominadas
obiter dicta, não têm, em regra, caráter vinculante, embora possam criar"autoridade
persuasiva" para outros julgamentos. Outro elemento importante na teoria do
precedente é a hierarquia entre as cortes. A corte hierarquicamente inferior obriga-se a
seguir os cases anteriormente decididos por uma corte de instância superior" (NUNES;
ALMEIDA; REZENDE, 2014).
“...os demandantes podem postular, junto à Corte que emitiu o precedente (ou esta pode
fazê-lo, de ofício), a abolição/releitura do antigo precedente mostrando a alteração nas
hipóteses fáticas/jurídicas que lhes deram origem” (THEODORO JÚNIOR, NUNES,
BAHIA, 2010, p. 42)
305
“A técnica do overruling diz respeito à pretensão de superação dos precedentes: os
demandantes podem postular, junto à Corte que emitiu o precedente (ou esta pode fazê-
lo, de ofício), a abolição/releitura do antigo precedente mostrando a alteração nas
hipóteses fáticas/jurídicas que lhes deram origem” (BAHIA, 2012).
B) distinguishing:
“pode-se mostrar que o caso possui particularidades que o diferenciam, isto é, para
além das similaridades, advoga-se para que o Tribunal julgue o caso em razão de novas
questões jurídicas (ou de particularidades fáticas) não pensadas/discutidas no
precedente)” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA, 2010, p. 42).
Para casos distintos, portanto, o juiz não precisa decidir de acordo com o tribunal
superior ou em conformidade com decisão que anteriormente proferiu. “Cabe-lhe, nesta
situação, realizar o que o common law conhece por distinguished, isto é, a diferenciação
do caso que está para julgamento. Do mesmo modo, o juiz pode deixar de decidir de
acordo com decisão que já prolatou, ainda que diante de caso similar, quando tem
justificativa para tanto e desde que procedendo à devida fundamentação do motivo pelo
qual está alterando a sua primitiva decisão” (MARINONI, 2009, p. 207).
“...tem-se uma forma da parte escapar do rigor dos precedentes: pode-se mostrar que
o caso possui particularidades que o diferenciam do precedente” (BAHIA, 2012).
306
PROBLEMAS NA VARIAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Efeito surpresa!!
Súmula 293 do STJ: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.
O voto "BANANA-BOAT"26
link
26
Voto-vista do Ministro Humberto Gomes de Barros no AgRg no Recurso Especial nº 382.736.
307
sobre aquisição de veículo ou combustível, cada um haverá de dizer que não sabe,
apesar de já existirem dezenas, até centenas, de precedentes. Há dez anos que o
Tribunal vem afirmando que o prazo é decenal (cinco mais cinco anos). Hoje, ninguém
sabe mais.
Dizíamos, até pouco tempo, que cabia mandado de segurança para determinar
que o TDA fosse corrigido. De repente, começamos a dizer o contrário. Dizíamos que
éramos competentes para julgar a questão da anistia. Repentinamente, dizemos que já
não somos competentes e que sentimos muito.
O Superior Tribunal de Justiça existe e foi criado para dizer o que é a lei
infraconstitucional. Ele foi concebido como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em
matéria tributária, como condutor daqueles que pagam, dos contribuintes.
(...)
308
Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma
enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto
dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da boia. Para tanto,
a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa
graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da boia estão dentro do
mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso
papel tem sido derrubar os jurisdicionados".
309
índice seja necessariamente um só, somos obrigados a defini-lo para cada uma das
milhões de cotas que o compõem”27.
TÍTULO I
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
27
https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=23492&nreg=200000492370&dt=2002031
8&formato=PDF
310
II – os enunciados de súmula vinculante;
28
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício.
311
§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja
ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
REFERÊNCIAS
312
BORGES, Martha Helena de Lima; COUTINHO, Isabela Esteves Cury Coutinho. A
objetivação do controle difuso de constitucionalidade: análise da súmula vinculante.
Revista de direito constitucional e internacional, v. 19, n. 77, p. 231-251, out./dez. 2011.
ROSSI, Fernando F. Jurisprudência. Revista dos Tribunais, vol. 793, p. 743, nov. 2001.
313
314
SÚMULA VINCULANTE:
SÚMULA VINCULANTE
CONTORNOS GERAIS
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder
à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou
cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação
direta de inconstitucionalidade.
§3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,
julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial
reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula,
conforme o caso.
NOVO CPC
TÍTULO III
DA TUTELA DA EVIDÊNCIA
315
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos
do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
317
Objetivos da reclamação: (a) preservar a competência desta Suprema Corte e
garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do art. 102, I, alínea l; e especialmente, (b)
salvaguardar o estrito cumprimento das súmulas vinculantes, nos termos do art. 103-A, §
3º, da CF.
a) natureza jurisdicional:
b) natureza legislativa:
318
Nelson Nery Jr.: “A súmula vinculante, da mesma forma que o antigo assento
português, se desvincula dos julgados que a formaram e passa a ter autonomia. Súmula
vinculante e assento são ‘o preceito que coroa a decisão do caso concreto com força
genérica’. Não são a própria decisão do caso concreto ou o conteúdo normativo casuístico
dessa decisão. (…) A súmula vinculante, por sua vez, tem alcance maior que o da própria
lei, porquanto vincula os órgãos do Poder Judiciário e a administração pública, direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CF/1988). A súmula
vinculante é instituto de natureza legislativa, tem eficácia erga omnes, seu enunciado é
geral e abstrato formulado para solucionar casos futuros e, ainda, desvincula-se do(s)
caso(s) que a originaram. Assim sendo, os assentos (e a nossa súmula vinculante) são
prescrição jurídica imperativa ou critério normativo-jurídico obrigatório, que se constitui
no modo de norma geral e abstrata, proposta à pré-determinação normativa de uma
aplicação futura, suscetível de garantir a segurança e a igualdade jurídicas, e que não só
se impõe com a força ou eficácia de uma vinculação normativa universal” (NERY
JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e
legislação constitucional. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 532).
“Tal súmula apresenta atributos análogos aos da norma legal (geral, abstrata,
impessoal, obrigatória, projetando efeitos diretos e também reflexos), mas vai ainda além,
porque, enquanto a norma vocaciona-se a ser interpretada, podendo levar a um
entendimento, já a súmula vinculante beneficia de uma sorte de interpretação presumida,
implícita, autopoiética, dado que ela representa o extrato de muitos julgamentos
consonantes sobre o tema afinal sumulado, antes exaustivamente debatido. Não seria um
excesso ou exagero tivesse o constituinte revisor acrescido ao art. 5.º, II, da CF/1988
(princípio da reserva legal), o apêndice ‘(…) ou de súmula vinculante do STF’.
Parece-nos que a filiação jurídica do Brasil tornou-se híbrida ou eclética, a meio caminho
entre a common law (o binding precedent, sistema do stare decisis) e a civil law (direito
codicístico), ou seja, a fonte de direitos e obrigações entre nós deixou de ser apenas a
norma, para também incluir a súmula vinculante” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo.
Questões controvertidas sobre a súmula vinculante. In: Medina, José Miguel Garcia;
Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo; Cerqueira, Luís Otávio Sequeira de; Gomes Junior,
Luiz Manoel (coords.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais – Estudos
319
em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Ed. RT, 2008.
p. 1192 – grifei).
Para essa corrente, a súmula vinculante estaria entre o abstrato dos atos
legislativos e o concreto dos atos jurisdicionais: "Trata-se de um entendimento que se
vale dos argumentos das duas outras correntes, já que enxerga na súmula vinculante uma
natureza jurisdicional, pois decorre do Poder Judiciário, bem como uma natureza
legislativa, tendo em vista os seus efeitos" (CARREIRA, Guilherme Sarri. Algumas
questões a respeito da súmula vinculante e precedente judicial. Revista de processo. v.
36, n. 199, p. 213-245, set. 2011).
REQUISITOS E PROCESSAMENTO
▪ Matéria constitucional
320
▪ “controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração
pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica” – 103-A, §1º, CF e art. 2º, §2º, da Lei
11.417/2006
Sobre a expressão “controvérsia atual”, após mencionar que a redação do
artigo não é "das mais felizes", Rodrigo Jansen opina: "Afirma-se, por outro lado, que a
divergência ou a controvérsia há de ser atual, contudo, se há divergência jurisprudencial
ou controvérsia entre Judiciário e Administração Pública é porque a matéria ainda não foi
pacificada e permanece atual, isto é, não há divergência ou controvérsia ultrapassada,
pois, se ultrapassadas, não mais existirão" (JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como
norma jurídica. Revista da PGT / Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro, n. 1, p. 112-151, nov. 2005).
▪ podem ser editadas, revisadas e mesmo canceladas por decisão de dois terços dos
Ministros do STF – portanto, oito Ministros
▪ legitimados
▪ Presidente da República;
▪ Mesa do Senado Federal;
▪ Mesa da Câmara dos Deputados;
▪ Procurador-Geral da República;
▪ Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
▪ Defensor Público-Geral da União;
▪ Partido político com representação no Congresso Nacional;
▪ Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
▪ Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
▪ Governador de Estado ou do Distrito Federal;
▪ Tribunais Superiores;
▪ Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios;
▪ Tribunais Regionais Federais;
▪ Tribunais Regionais do Trabalho;
autônomos
321
Município – art. 3º, §1º, da Lei 11.417/2006: O Município poderá propor,
incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a
incidental
revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não
autoriza a suspensão do processo.
PERTINÊNCIA TEMÁTICA
322
Decisão do Ministro Cesar Peluso na Proposta de Súmula Vinculante nº 53:
"2. Assiste razão à Comissão de Jurisprudência. É que, como bem salientou a Comissão,
inobstante a proponente figure no rol dos legitimados à proposição de súmula vinculante,
é requisito necessário a configuração de pertinência temática entre os objetivos e
finalidades da entidade proponente e o tema proposto, o que não se observa no caso. 3.
Ante o exposto, acolho o parecer da Comissão de Jurisprudência e determino o
arquivamento desta proposta de edição de súmula vinculante" -PSV 53, Relator: Min.
Cesar Peluso, julgado em 24/02/2012 – grifei.
▪ Art. 4º, da Lei 11.417/2006: A súmula com efeito vinculante tem eficácia
imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos
seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha
eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse público.
REVOGAÇÃO DA LEI
Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo
remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.
323
O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido
pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto
no caput do artigo 5829.
C) Nova redação da Lei de Execução Penal dada pela Lei nº 12.433, de 2011: Art. 127.
Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido,
observado o disposto no art. 5730, recomeçando a contagem a partir da data da infração
disciplinar.
EFEITOS DA SÚMULA
29
Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada
a hipótese do regime disciplinar diferenciado - Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003
30
Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão - Redação
dada pela Lei nº 10.792, de 2003.
324
pode ensejar a responsabilização do magistrado, porque é um ato de
insubordinação' (destaquei), lembrou o ministro Ricardo Lewandowski"31.
CRÍTICAS GERAIS
31
O caso: "Os ministros que compõem a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sugeriram,
na sessão de hoje (13), que o decano, ministro Celso de Mello, elabore uma Proposta de Súmula Vinculante
(PSV) que reflita a jurisprudência da Corte a respeito da incompetência da Justiça Militar para processar e
julgar civis denunciados pelo crime de falsificação da carteira de habilitação naval (CIR) ou habilitação de
arrais-amador. A competência para processar e julgar o delito é da Justiça Federal, segundo o STF" ("Turma
propõe súmula para que STM aplique jurisprudência do STF" Notícias STF, Terça-feira, 13 de setembro
de 2011 - link).
325
a) só o STF pode editar súmulas vinculantes;
c) a reclamação não impede a utilização dos recursos ou dos outros meios de impugnação
(art. 7.º, caput, da Lei 11.417/2006);
Lenio Luiz Streck: "Dos traços gerais que foram colacionados acima, a súmula apresenta
profundas dessemelhanças com os precedentes: (a) O efeito vinculante está prescrito em
um texto normativo (arts. 102, §2.º e 103-A da CF); (b) a instituição do efeito vinculante
tem como finalidade barrar novas discussões sobre a matéria (e não atender à solução de
uma demanda entre as partes); (c) A aplicação do precedente dotado de efeito vinculante
se dá de forma descontextualizada, dedutivista e reveste a decisão/súmula com ares de
regra geral e abstrata, infligindo área de competência do legislador (art. 5.º, II, da
CF/1988). Este último fator demonstra a incompatibilidade genética entre a regra do
precedente e o sistema romano-germânico, visto que sempre a súmula ou decisão
revestida de efeito vinculante será dotada de generalidade e abstração própria da lei"
(STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes em terrae brasilias: necessitamos de uma
"teoria para a elaboração de precedentes"?. Revista brasileira de ciências criminais. v.
17, n. 78, p. 284-319, mai./jun. 2009).
CONTRA
326
"...por obra do Poder Constituinte Originário, os três Poderes são dotados de
funções atípicas, o que significa que não há uma rigorosa separação entre as funções; pelo
contrário, elas se interpenetram, como reflexo da pretendida harmonia entre eles.
Atualmente, inclusive, as fronteiras que os separam carecem de uma releitura, à luz das
necessidades sentidas do povo, em consonância com os ditames constitucionais"
(CAMBI, Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de. Precedentes vinculantes.
Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013).
PETRIFICAÇÃO DO DIREITO
327
albergue etc. Na época do plano Collor, foram os juízes de primeiro grau que
corajosamente reconheceram a inconstitucionalidade dos atos ditatoriais baixados.
Súmula vinculante é sinônimo de centralização, de visão panóptica, de risco de controle
tirânico. É ao mesmo tempo o estancamento da atividade judicial, sua robotização, seu
garroteamento, sua esterilização, fossilização ou coisa que o valha. Em poucas palavras:
em Direito brasileiro, é o retorno aos provectos 'assentos' da Casa de Suplicação. Em
termos internacionais, é a adesão ao sistema cubano da 'práctica judicial uniforme en la
interpretación y aplicación de la ley.' (...)" (apud CAMBI, BRITO, 2009).
CONTRA
328
Eduardo Cambi e Thiago Baldani Gomes De Filippo: "Entendemos que, de
forma alguma, a existência de súmulas vinculantes significará na supressão da liberdade
de pensar o direito, conferida a todos os magistrados. Conforme já expusemos, o julgador
deverá realizar juízo crítico sobre essas orientações, podendo deixar de aplicá-las se
entender que elas não se adequam ao caso, em virtude de suas peculiaridades, ou se, em
virtude das transformações sociais, elas se tornaram obsoletas, ainda que assim não tenha
reconhecido o Tribunal que a editou. Em todos os casos, deverá fazê-lo
fundamentadamente" (CAMBI, Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de.
Precedentes vinculantes. Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013).
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia adverte: “Pelo caput do art. 103-A da
CF/1988 percebe-se que, para que haja aprovação de Súmula Vinculante, faz-se
necessária a verificação de que há “reiteradas decisões” sobre o tema. A ideia é de que a
edição de uma Súmula, ainda mais de uma Súmula Vinculante, seja o produto de um
longo caminho de amadurecimento no STF quanto a certa questão e, uma vez solidificada
a jurisprudência, o Tribunal siga o caminho “natural” de editar uma Súmula. De forma
que o § 1.º daquele artigo, deve ser interpretado a partir do caput a que pertence: é dizer,
quando o parágrafo diz que a Súmula deve ser feita quando haja “controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança
jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”, não é apenas esta
situação que pode ensejar uma Súmula Vinculante, mas se deve somar a isto a constatação
de já ter havido várias decisões, de maneira tal que se já vislumbre jurisprudência
assentada quanto à matéria” (BAHIA, 2012).
330
"Frise-se que, de qualquer forma, pensado é que a edição de uma súmula
vinculante, indubitavelmente, deverá ser oriunda de reiteradas decisões da própria Corte
Suprema acerca de questões de natureza constitucional relevante e palco de controvérsias
no âmbito dos Tribunais e mesmo entre estes e a Administração Pública" - NOTA DE
RODAPÉ: "O pensamento afinado com a ideia de que determinadas matérias, até pelo
grau com que emergem importantes complexidades, devem receber da Corte Suprema
efetivo amadurecimento até o seu julgamento definitivo é de prática comum no sistema
norte-americano, tendo a própria Corte Constitucional se valido do requisito de
admissibilidade (ripeness) no destacado mecanismo de acesso ao Tribunal (writ of
certionari). Cf. entre outros, Nowak, John; Rotunda, Ronald. Constitutional law. 5. ed. St.
Paul: West Publishing, 2000. p. 90" (GAIO JÚNIOR, 2012).
"...a edição de súmulas vinculantes não deve recair sobre normas cujo sentido
a ser atribuído pelo STF ainda não esteja maduro, tais como conceitos jurídicos
considerados vagos ou indeterminados (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM
WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova
sistemática processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, vol. 3, p. 269) que ainda requerem
sedimentação política, social, econômica, científica ou cultural. Tais expressões
genéricas, os princípios e as cláusulas gerais, pela sua amplitude e abstração,
propositadamente, estão predispostas à interpretações mais divergentes e
cambiantes"(CAMBI, BRITO, 2009).
331
Lenio Luiz Streck: "Outro problema reside no fato de que a experiência das
súmulas possibilita que o STF seja ao mesmo tempo o criador do texto e seu
aplicador/concretizador no momento em que julga as reclamações em virtude da não-
aplicação do texto sumular pelos tribunais inferiores. Talvez por isso as Súmulas
vinculantes representem uma contradição do e no sistema: o STF é, ao mesmo tempo, o
criador do texto e seu aplicador no momento em que julga as reclamações em virtude da
não-aplicação das súmulas vinculantes. São, pois, "quase ordenanças" com valor de lei.
Sendo mais claro: a súmula vinculante está para o judiciário assim como a medida
provisória está para o executivo. Essa afirmação pode parecer um tanto quanto
provocativa - num primeiro momento - mas merece ser enfrentada para sabermos até que
ponto a súmula pode comprometer as instituições democráticas criadas pela Constituição
de 1988" (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes em terrae brasilias: necessitamos
de uma "teoria para a elaboração de precedentes"?. Revista brasileira de ciências
criminais. v. 17, n. 78, p. 284-319, mai./jun. 2009).
CRÍTICAS ESPECÍFICAS
332
à edição da súmula, o RE n. 434.059, apenas mais um precedente se refere a processo
administrativo disciplinar, o RE-AgR n. 244.027, em que a decisão mantida pelo STF não
envolvia uma sanção grave como a demissão, mas apenas o desligamento de policial
militar de Curso de Formação de Oficiais" (MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os
precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 8, n. 2, p.
587-623, jul./dez 2012, p. 620, nota nº 7 – grifei).
MINISTRO EROS GRAU - Mas não é isso, Senhor Presidente. Quero fazer
uma observação do ponto de vista da minha posição na Corte. É breve. Hoje fico muito
preocupado com o fato de da repercussão geral chegarmos diretamente à súmula. Porque
há casos e casos. E hoje julgamos uma porção de recursos extraordinários, entre os quais
seguramente há casos inteiramente distintos um do outro. Só queria anotar essa minha
333
preocupação (...) A Constituição diz “... após reiteradas decisões ...” (DEBATES E
APROVAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 12 – grifei).
334
instrução criminal, se necessário a ordem dos trabalhos e à segurança das testemunhas e
como meio de prevenir a fuga do preso”.
A) "Porque produzida a partir do caso concreto, a ratio decidendi não pode ter algumas
características que normalmente aparecem no Direito Legislado. Por exemplo: não
há razão para que, na formulação da ratio decidendi, se ponham termos de sentido
vago. A vagueza na proposição normativa jurisprudencial é um contra-senso:
nascida a partir da necessidade de dar concretude aos termos vagos, abertos, gerais
e abstratos do Direito Legislado, a ratio decidendi deve ser formulada com termos
de acepção precisa, para que não crie dúvidas quanto à sua aplicação em casos
futuros. Um exemplo pode vir a calhar (...). Infelizmente, essa técnica de
elaboração do precedente judicial não foi observada pelo STF, ao editar o n. 11 da
sua súmula vinculante (...) Esse enunciado é tão extenso, e composto de termos de
acepção tão vaga ('fundado receio de fuga', 'perigo à integridade física própria ou
alheia', 'justificada a excepcionalidade por escrito' etc.), que mais parece texto
legislativo. As dificuldades de sua aplicação serão tantas, que certamente deverão
surgir outras súmulas concretizando o disposto no enunciado n. 11" (Fredie Didier,
site www.frediedidier.com.br - editorial n. 49).
335
B) "Ora, as expressões fundado receito e perigo encerram conteúdo demasiadamente
amplo, aberto. Isto é próprio das leis. As leis são ordens gerais e abstratas. Por seu
turno, as súmulas devem ser ordens gerais e, na medida do possível, concretas. O
enunciado da Súmula 11 seria oportuno, então, para um artigo de lei; nunca uma
súmula. Para que esta seja tecnicamente editada pelos Tribunais, sua redação deve
ser clara o suficiente para que se compreenda, na melhor medida possível, quais os
casos idênticos ou muito semelhantes que a ela devam se subsumir" (CAMBI,
Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de. Precedentes vinculantes. Revista
de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013 – grifei).
336
Georges Abboud: “Não admitir o controle de constitucionalidade das súmulas
vinculantes é algo desarrazoado, porque num sistema que admite o controle difuso de
constitucionalidade das leis, passaria a proibir o controle difuso de constitucionalidade
das súmulas vinculantes, que não poderiam ser afastadas no caso concreto de nenhuma
maneira, mesmo que sua aplicação acarrete inconstitucionalidades para o caso a ser
decidido, logo, não seria nenhum exagero parafrasear a máxima hobbesiana e afirmar que
diante do atual modelo, ‘Autoritas non Veritais, facit Summula’.” (ABBOUD, Georges.
Sentenças interpretativas, coisa julgada e súmula vinculante: alcance e limites dos efeitos
vinculante e erga omnes na jurisdição constitucional. Tese de Mestrado, São Paulo, PUC,
2009. pp. 247-248).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Em razão da natureza
legislativa da súmula vinculante, como o juiz pode controlar, in concreto, a
constitucionalidade de lei, complementar ou ordinária, ou de ato normativo contestado
em face da CF, a ele é possível, também, fazer o controle da constitucionalidade de
verbete de súmula do STF, que tem caráter geral e normativo. Conforme expusemos
acima, no regime do stare decisis a vinculação por precedentes possui grande
maleabilidade, podendo o juiz lançar mão do distinguishing e do overrruling para afastar
a incidência do precedente diante do caso concreto. Esse procedimento do common law
é assemelhado, mutatis mutandis, ao controle concreto de constitucionalidade da súmula
vinculante no direito brasileiro” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 532).
338
Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
§4º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado
de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção
especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.
Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado
de súmula vinculante:
I - o Presidente da República;
IV – o Procurador-Geral da República;
339
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
Art. 4º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal
Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos
vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.
340
§2º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja
proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
........................................
Art. 9º A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes
arts. 64-A e 64-B:
32
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
341
PROCEDIMENTO
Título XIII
DA SÚMULA VINCULANTE
Art. 354-F. O teor da proposta de súmula aprovada, que deve constar do acórdão,
conterá cópia dos debates que lhe deram origem, integrando-o, e constarão das
publicações dos julgamentos no Diário da Justiça Eletrônico.
342
Art. 354-G. A proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula tramitará sob a
forma eletrônica, e as informações correspondentes ficarão disponíveis aos
interessados no sítio do STF.
REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed., rev. e atual. até a EC nº 68/11 e
Súmula vinculante 31. São Paulo: Atlas, 2012.
343
3. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITO DE NORMAS
JURÍDICAS NO TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO:
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada.
§1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em
que se efetuou.
§2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle,
possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou
condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recurso.
POLÊMICA DO TEMA
33
KAY, Richard S.. American Constitutionalism. In: Constitutionalism: Philosophical Foundations.
Ed. Larry Alexander. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 22. Citado por Luiz Fux em seu
voto-vista no RE nº 363.889/DF.
344
“O Direito Intertemporal é constituído pelo conjunto de normas e princípios
jurídicos que têm por finalidade resolver as questões suscitadas pela sucessão de duas leis
no tempo, relacionadas com a determinação do regime jurídico aplicável às situações
jurídicas que estejam pendentes no momento da substituição de uma lei por outra. São
problemas de elevado interesse prático, mas que infelizmente são complexos"
(NORONHA, 2005).
Até hoje não se conseguiu encontrar “uma fórmula única e geral aplicável a
todos os aspectos do conflito de lei no tempo” (Vicente Ráo, apud, NADER, 2009, p.
252).
Eliane Barbosa de Souza Del Nero: “O estudo da teoria da situação jurídica tem
relevância prática no direito pátrio, porque contribui para solucionar questões relativas ao
conflito de leis no tempo. A doutrina denomina esse estudo de direito intertemporal ou
direito transitório. Este estudo decorre da necessidade de se modificar as leis adequando-
as às transformações políticas, sociais, econômicas, dentre outras, ocorridas na sociedade
ao longo do tempo. Porém, existe, também, a necessidade de se garantir a estabilidade da
ordem jurídica e social, através da obediência aos princípios da segurança e da certeza
jurídica, da irretroatividade das leis e do direito adquirido, como forma de se perpetuar a
lei no tempo” (NERO, Eliane Barbosa de Souza Del. Situação jurídica subjetiva
relacional. Revista tributária e de finanças públicas. v. 13, n. 61, p. 20-41, mar./abr. 2005,
p. 20).
345
Segurança jurídica: deve-se evitar a incerteza e os riscos de alterações futuras
versus
Possibilidade/necessidade de mudança: “a lei nova deve representar a melhor
maneira de regular determinada situação; é razoável, por isso, que ela se aplique a
todos os casos, inclusive retroativamente” (MONTORO, 2014, p. 447)
PERGUNTA DA AULA: “A norma mais recente só tem vigor para o futuro ou regula
situações anteriormente constituídas? A nova norma repercute sobre a antiga atingindo
os fatos pretéritos já consumados sob a égide da norma revogada, afetando os efeitos
produzidos de situações já passadas ou incidindo sobre efeitos presentes ou futuros de
situações pretéritas?” (DINIZ, 2009, p. 36).
POSSÍVEIS RESPOSTAS:
• A regra é: a norma jurídica vige no presente em direção ao futuro: “Uma lei é feita
para vigorar e produzir seus efeitos para o futuro” (SILVA, 2008, p. 433).
• “A Lei, por ser obrigatória e de ação imediata e geral, aplica-se, como regra, tanto
em relação ao futuro como em relação às situações jurídicas constituídas sob o
império da lei anterior, excetuadas as hipóteses em que a sua aplicação lesar
346
direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (PORTO, Mario Moacyr.
O princípio da não retroatividade da lei. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 81,
n. 684, p. 247-251, out. 1992).
• “A novel lei só deverá incidir sobre os fatos que ocorrerem durante sua vigência,
pois não haverá como compreender que possa atingir efeitos já produzidos por
relações jurídicas resultantes de fatos anteriores à sua entrada em vigor” (DINIZ,
2010, p. 206).
347
a.3) defesa da Pátria – 142
b) segurança pessoal
b.1) técnica de segurança pública – art. 144
b.2) garantias penais – art. 5º, XXXVIII e XLVII e LXXV
348
“Sob o fundamento de que a lei nova traduz os novos anseios sociais, é
fórmula aperfeiçoada de justiça, alguns já defenderam a tese de que a lei nova deveria
ter aplicação retroativa, isto é, não apenas ser aplicada ao presente, mas igualmente aos
fatos pretéritos. Quando estudamos os princípios de segurança jurídica, verificamos que
a irretroatividade da lei é fator de grande importância na proteção do indivíduo; que é
uma garantia contra a arbitrariedade; que é um princípio de natureza moral. Se fosse
admitida a retroatividade como princípio absoluto, não haveria Estado de Direito, mas
o império da desordem” (NADER, 2009, p, 252).
349
v) o direito contra a violação de direitos;
vi) o direito à efetividade dos direitos previstos e declarados solenemente;
vii) o direito contra medidas de cunho retrocessivo (redução ou supressão de posições
jurídicas já implementadas);
viii) a proibição do retrocesso em matéria de implementação de direitos fundamentais;
ix) o direito à proteção da segurança pessoal, social e coletiva;
x) o direito à estabilidade máxima da ordem jurídica e da ordem constitucional
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e
cinco dias depois de oficialmente publicada.
§1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se
inicia três meses depois de oficialmente publicada.
§3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada
a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova
publicação.
§4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior.
350
§3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.
OUTRA CLASIFICAÇÃO
34
"Suporte fático e fato-tipo são também boas designações (são as adotadas respectivamente por Pontes de
Miranda e Miguel Reale, traduzindo a expressão alemã Tatbestand), mas elas fazem crer que a parte
descritiva da norma é composta somente por matéria fática, quando na maioria das vezes contém fatos já
juridicizados, ou seja, que já são objeto de tratamento jurídico por outras normas" (NORONHA, 2005, nota
nº 5).
35
"Para a parte prescritiva da norma, que preferimos chamar de estatuição, ou dispositivo, são também boas
as designações de efeito jurídico e consequência jurídica. Esta parte dispositiva também é às vezes
designada por ‘preceito’, mas é denominação desaconselhável: ‘preceito jurídico’ é expressão comumente
usada como sinônima de norma jurídica" (NORONHA, 2005, nota nº 6).
351
Fernando Noronha (NORONHA, Fernando. Indispensável reequacionamento
das questões fundamentais de direito intertemporal. Revista dos tribunais. São Paulo, v.
94, n. 837, p. 55-78, jul. 2005) classifica as leis, para efeitos de sua aplicação no tempo,
em quatro categorias - "quatro hipóteses possíveis":
352
"com fatispécie também composta por uma combinação de elementos
passados e presentes, mas em que a estatuição é estabelecida pela lei
antiga (e neste caso, se olharmos a situação a partir desta lei, a fatispécie
em causa será futura)"
Exemplos: "0s efeitos produzidos antes de entrar em vigor a nova lei não podem por ela
ser atingidos; dar-se-ia retroatividade. Os efeitos não são todavia contínuos no tempo, de
modo que pode ser dividido o tempo em que se lhes verifica a produção. Algo de lineal
públicos, ações dependentes de certo tempo direitos decorrentes do correr de certos prazos
dos Estados Unidos do Brasil. Tomo II, p. 81-137, Rio, 1957, pp. 124-125)"
sistema germânico:
Nele, não existe previsão no Código Civil para a solução dos conflitos intertemporais de leis.
353
Essa tarefa deverá ser desenvolvida pelo aplicador do direito, que investigará a vontade
legislativa, concluindo se houve ou não intenção do legislador de estabelecer a retroatividade de
uma determinada lei.
segundo sistema:
adotado na França (art. 2º), Itália (art. 11), Espanha (art. 3º) e Argentina (art. 3º);
prevê o princípio da irretroatividade no próprio Código Civil, sendo uma regra geral;
o magistrado fica impedido de aplicar o Código Civil retroativamente, mas nada impede a criação
de outras leis que sejam retroativas.
sistema brasileiro
"o princípio da não-retroatividade é assentado com caráter mais rijo do que uma simples medida
de política legislativa, pois assume o sentido de uma norma e natureza constitucional" (Caio Mário
da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. vol. 1, p. 144, apud, AZEVEDO, Fábio de Oliveira.
Direito civil: introdução e teoria geral. 3ª. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.
70)
“A Constituição não determina, com efeito, que a lei não deve ser retroativa.
O que ela prescreve é que a lei não poderá retroagir em prejuízo de direito adquirido, ato
jurídico perfeito ou coisa julgada” (Francisco Campos. Direito Administrativo, vol. II,
Freitas Bastos S/A, Rio de Janeiro, 1958, p. 12 - citado pelo Ministro Eros Grau na ADI
3105, fl. 254 do acórdão).
A grande questão é, então: sobrevindo lei nova revogando aquela sob cujo
império se formara o direito subjetivo, quais os efeitos dessa nova lei sobre o referido
354
direito subjetivo? “Prevalece a situação subjetiva constituída sob o império da lei velha,
ou, ao contrário, fica ela subordinada aos ditames da lei nova?” (SILVA, 2008, p. 434)
A) DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
355
Caso 3: Código Civil - art. 2.028 do Código Civil. Serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
356
Em decorrência do princípio da segurança jurídica, Gilmar Mendes defende a adoção de
cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto
jurídico. Por várias vezes, ele denunciou “alguma pobreza nesse modelo binário: direito
adquirido/expectativa de direito”. Foi o que afirmou no seu pronunciamento na ADI 3104
que recebeu a seguinte ementa:
Seu posicionamento jurisdicional é coerente com sua doutrina. Gilmar Mendes afirma:
“Assim, ainda que se não possa invocar a ideia de direito adquirido para a proteção das
chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido a um
instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o
357
princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas
ao longo do tempo” (MENDES, 2013, pp. 380).
É o tema da aula
Idealizada pelo italiano Carlo Francesco Gabba, que ganhou a rubrica teoria
subjetiva
358
usa o direito adquirido para estabelecer os limites para incidência da lei nova
Caio Mário da Silva Pereira: Gabba traça a "a distinção entre o direito
adquirido e as meras expectativas de direito, por um lado, e as faculdades jurídicas
abstratas, por outro lado", sustentando que as leis novas não podem atingir o direito
adquirido, embora, "ao revés, as leis que dizem respeito à existência dos direitos, à sua
não existência, ou ao seu modo de ser, têm aplicação retroativa, porque não afetam os
direitos adquiridos" (apud AZEVEDO, 2011)
Gabba. Teoria della Retroattività delle Leggi, 1868, p. 191: “É adquirido todo
direito que: A) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo
no qual o fato se realizou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado
antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, e que B) nos termos da lei sobre
o império da qual se verificou o fato de onde se origina, passou imediatamente a fazer
parte do patrimônio de quem o adquiriu” (apud, BARROSO, 2004, p. 150, nota nº 41).
"Em suma, a lei nova opera livremente sobre a situação em curso, com a única
condição de respeitar os elementos jurídicos anteriores que tenham um valor próprio em
suas condições de validade e nos efeitos que anteriormente produziram, pouco
importando que se trate de elementos propriamente constitutivos ou de elementos que
criam obstáculos à constituição, desde que esteja em curso.
359
Pode haver, porém, dificuldade em definir em que caso um elemento dessa
constituição tem valor jurídico próprio. Suponhamos que se trate do prazo de prescrição
e que a lei nova se proponha modificá-lo. Certos autores estimaram que para fixar
exatamente o domínio da lei antiga e o da lei nova, devia fazer-se um cálculo de proporção
dos dois prazos; a lei antiga exigia vinte anos e a lei nova limita o prazo a dez anos; àquele
que já houvesse prescrito quatorze anos seriam contados sete nas condições da nova lei,
que reduziu o prazo de metade.
Esta opinião nos parece insustentável, porque tende a considerar que o prazo
consumado sob a antiga lei, ainda que insuficiente para prescrever segundo esta lei, já
tinha um valor jurídico próprio, que a lei nova deveria respeitar; ora, há nisso um êrro,
porque a prescrição, se houvesse deixado de correr aos quatorze anos, sob o império da
lei anterior, não teria mais valor do que se tivesse sido suspensa no primeiro ano. Na
duração do prazo, só há um momento que conta do ponto de vista do direito, é o da sua
terminação; logo, enquanto não terminado, a lei nova pode modificá-lo à vontade..." (Paul
Roubier, in Les Conflits de Lois Dans Le Temps (Théorie Dite De La Non-Rétroactivité
Des Lois), Recueil Sirey, Paris, 1929, t. 1º, pp. 390/1) - Retirado do RE 656125, Relator:
Min. LUIZ FUX, julgado em 18/03/2013.
Para descobrir qual dos efeitos que uma lei tem em relação a um fato, esse
deve ser classificado em:
360
E ainda, nas situações pendentes, diferencia as partes anteriores e as partes
posteriores à nova lei.
com isso, pode a nova lei ser aplicada às situações em curso posteriores a
nova lei, o que não seria retroatividade, mas sim aplicação imediata.
PLANIOL: "(...) a lei é retroativa quando ela se volta para o passado, seja
para apreciar as 'condições de legalidade de um ato', seja para modificar ou suprimir os
'efeitos de um direito já realizado'. Fora daí, não há retroatividade, e a lei pode modificar
os 'efeitos futuros' de fatos ou atos anteriores, sem ser retroativa" ("(...) la loi est
rétroactive quand elle revient sur le passe soit pour aprécier lês 'conditions de légalité
d'um acte', soit pour modifier ou supprimer lês 'effets d'un droit déjà réalisés'. Hors de là
il n'y a pás de rétroactivité, et la loi peut modifier lês 'effets futurs' de faits ou d'actes
mêmes antérieurs, sans êtres rétroactive"). ("Traité Élémentaire de Droit Civil", vol. I, 4ª
ed., nº 243, Paris, Libraire Générale de Droit & de Jurisprudence, 1906, p. 95).
361
imediato', com isso determina que a lei nova, em princípio, se aplica tanto aos 'facta
futura', como ás 'partes posteriores' dos 'facta pendentia'." (in "A Irretroatividade das Leis
e o Direito Adquirido", 6ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, p. 209).
o próprio Roubier propõe uma ressalva à sua teoria no caso dos contratos:
eles devem ser regidos pela lei que vigorava quando da sua constituição, salvo se a nova
lei afirmar expressamente a sua aplicação, ou quando a nova lei for de ordem pública.
362
previsto no art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, nos termos de
sua redação atual, de 1942, que adotou a solução híbrida, na qual são mescladas as teorias
de Paul Roubier e de Gabba. Vem ainda expressa no art. 2º do CPP36, ademais, a
aplicabilidade imediata. Assim ocorre com a produção de prova que, neste caso, pode ser
produzida por meio de “teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova
testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos”. O exame clínico, ainda que
realizado antes do advento da referida lei, deverá ser, assim, considerado para a
averiguação da tipicidade e materialidade do delito de embriaguez ao volante” (TJ-SP -
Recurso em Sentido Estrito: RSE 00582043820108260050 SP 0058204-
38.2010.8.26.0050 - Orgão Julgador 7ª Câmara de Direito Criminal -
Publicação23/09/2013 - Julgamento19 de Setembro de 2013 - Relator: Grassi Neto).
GRAUS DE RETROATIVIDADE
Exemplo de Fábio de Oliveira Azevedo: Duas pessoas firmam um contrato (ato jurídico perfeito)
prevendo multa de 10%. O contrato foi assinado em 1991 com base no CDC (art. 52 §1º). O
dispositivo é alterado posteriormente pela Lei nº 9.268/96, sendo o percentual reduzido para 2%.
A pergunta de direito intertemporal é: qual a norma que incidirá em um atraso ocorrido hoje? Do
contrato? Da lei?
retroatividade máxima (restitutória)
quando a lei nova abrange a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados
(transação, pagamento, prescrição)
36 CPP- art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a
vigência da lei anterior.
363
alcança o direito adquirido e afeta os negócios jurídicos findos
A retroatividade operava radicalmente no passado, até a data referida, refazendo mesmo as
partilhas definitivamente julgadas.
alcança os fatos consumados no passado
A) Tal é a decretal de Alexandre III que, em ódio à usura, mandou os credores restituírem os juros
recebidos (PEIXOTO, 1948).
B) À mesma categoria pertence a citada lei francesa de 2 de Novembro de 1793 (12 brumário do
ano II), na parte em que anulou e mandou refazer as partilhas já julgadas, para os filhos naturais
serem admitidos à herança dos pais, desde 14 de Julho de 1789 (PEIXOTO, 1948).
C) A carta de 10 de Novembro de 1937, art. 95, parágrafo único, hoje felizmente revogado, previa
a aplicação da retroatividade máxima, porquanto dava ao Parlamento a atribuição de rever decisões
judiciais, sem excetuar as passadas em julgado, que declarassem inconstitucional uma lei
(PEIXOTO, 1948)
PARA O CASO: O atraso ocorreu em 1995 e a prestação foi paga com a multa prevista no contrato
(10%)
Caso o devedor pretenda receber de volta a diferença de 8% com base na redução promovida pela
nova lei, estará buscando uma retroatividade em grau máximo.
retroatividade média
quando a lei nova atinge os direitos exigíveis, mas não realizados antes da sua vigência
quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico verificados antes dela
alcança os direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio do titular
não alcança os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas
Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de juros e se aplicasse aos já vencidos, mas não pagos.
o decreto n. 22.626, de 7 de Abril de 1933 (lei da usura), o qual limitou a taxa de juros e se aplicou
aos contratos existentes, inclusive os ajuizados (PEIXOTO, 1948)
Atraso ocorrido em 1995, mas o pagamento ainda não foi feito. Só em 1996, quando já esta em
Vigor a lei nova, e que resolve o devedor pagar a sua dívida.
Como o atraso é fato anterior e o pagamento é evento posterior.
Aplicar a lei nova (2%) e não a do contrato (10%) implica em retroagir em grau médio
364
vigência imediata da lei alcançando os efeitos futuros de fatos passados
quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela
entra em vigor
a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em
vigor
confunde com o efeito imediato da lei e só implica sujeitar à lei novas consequências a ela
posteriores de atos jurídicos praticados na vigência da lei anterior
Tal é, no direito romano, a lei de Justiniano (C. 4, 32 27 pr.), que, corroborando disposições
legislativas anteriores, reduziu a taxa dos juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade
(PEIXOTO, 1948)
em 2008 ocorre o atraso no pagamento.
Se for aplicado o percentual de 2% para esse atraso posterior à lei nova haverá uma retroatividade
em grau mínimo.
• POSICIONAMENTOS
PRIMEIRO
• Acompanham a teoria objetiva de Roubier: é o entendimento majoritário entre os
civilistas: "afirma que a retroatividade mínima é compatível com o sistema
brasileiro, por representar, em sentido técnico, não uma retroatividade, mas uma
aplicação imediata da lei nova aos fatos posteriores à sua vigência, só havendo
365
retroatividade quando a aplicação incidir nos acontecimentos anteriores"
(AZEVEDO, 2011, p. 74)
• “…de há muito afastou-se o ordenamento brasileiro da influência da Carlo
Francesco Gabba. Omissa que fora a Constituição de 1937 quanto a garantir a
irretroatividade − muito ao contrário, anulando a em certos casos (cf. art. 96,
parágrafo único),− a Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei 4.657/42,
consagrava a doutrina vinda a lume em 1890 na “Teoria della Retroattività delle
Leggi”. O art. 6.º dispunha que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral” e,
ainda, que “não atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as
situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico
perfeito.” Consagrou-se aqui, como regra geral, a impossibilidade de
retroatividade em qualquer grau. Todavia, o dispositivo foi alterado pela Lei
3.238/57, a qual, introduzindo os três parágrafos, deu ao caput dicção no sentido
de que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” É o mesmo que dizer, como
disseram as Constituições Federais de 1946 (art. 141, §3.º), de 1967 (art. 150, §3.º)
e de 1969 (art. 153, §3.º), e como diz a atual (art. 5.º, XXXVI): “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” Há uma
diferença fundamental, sutil na forma, mas retumbante no conteúdo, porque isso
não é o mesmo do que dispor que ela “não atingirá (...) as situações jurídicas
definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito” Noutras
palavras, inclinou-se o direito brasileiro pela doutrina bem mais recente de Paul
Roubier: quando não se tratar de lei supressiva de direitos, mas modificativa de
institutos, a execução do ato jurídico perfeito pode, sim, sofrer a atuação da lei
posterior. A questão é, afastada a retroatividade máxima, optar por uma que seja
média ou mínima. A jurisprudência volta-se como mais frequência para esta
última” (TJ-RJ - AI: 58334820108190000 RJ 0005833-48.2010.8.19.0000,
Relator: DES. FERNANDO FOCH LEMOS, Data de Julgamento: 11/02/2010,
TERCEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 19/02/2010) – ATENÇÃO:
ver o posicionamento do STF na ADI 493 abaixo.
• José Maria Leoni: "além disso, entendemos que no caso de retroatividade em grau
mínimo, não lemos retroatividade propriamente dita. Realmente, neste caso a lei
nova se aplica às relações jurídicas construídas anteriormente à sua vigência,
366
limitando-se aos efeitos que se produzirem após a sua vigência; na verdade o
fenômeno que ocorre é o da aplicação imediata da lei nova..." - "o que é vedado é
que a lei nova atinja efeitos já constituídos e acabados sob a vigência da lei
anterior" - J.M. Leoni Lopes de Oliveira. Introdução ao Direito, p. 300).
• Sobre a alteração do regime de bens de casamento celebrado sob a égide do
CC/16:" A interpretação conjugada dos arts. 1.639, §2º, 2.035 e 2.039, do CC/02,
admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde
que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos
cônjuges para tal pedido. Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime
anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia,
serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa
o CC/02 a reger a nova relação do casal. Por isso, não há se falar em retroatividade
da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma
geral com efeitos imediatos" (REsp 821.807/PR, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 13/11/2006, p.
261).
• IMPORTANTE: Voto do Ministro Humberto Gomes de Barros no REsp 809329
/ RJ: "No caso, a aplicação imediata do Estatuto do Idoso atingiria o ato jurídico
perfeito, porque o contrato de cobertura de assistência médica e hospitalar já se
havia consumado segundo a lei vigente ao tempo da pactuação. Seria, em
substância, uma incidência retroativa. Inclusive os efeitos futuros do pacto estão
a salvo das disposições impositivas do Estatuto do Idoso, pois a chamada
‘retroatividade mínima’, que decorre da aplicação imediata das leis, prejudica o
ato jurídico perfeito ao tangenciar efeitos futuros advindos de contratação
consumada segundo a vigência de outra lei" - REsp 809329/RJ, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008.
• ENTRETANTO: “Incidência do Estatuto do Idoso aos contratos anteriores à sua
vigência. O direito à vida, à dignidade e ao bem-estar das pessoas idosas encontra
especial proteção na Constituição da República de 1988 (artigo 230), tendo
culminado na edição do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), norma cogente
(imperativa e de ordem pública), cujo interesse social subjacente exige sua
aplicação imediata sobre todas as relações jurídicas de trato sucessivo, a exemplo
367
do plano de assistência à saúde. Precedente" (REsp 1280211/SP, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 04/09/2014).
368
do Código Civil atual" (REsp 746.589/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 18/09/2006, p. 327).
• Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Multa moratória. Direito
intertemporal. A norma que prevê o teto de 2% a título de multa por atraso no
pagamento das despesas condominiais incide nas obrigações vencidas a partir de
12.1.2003, data da entrada em vigor do CC (v. coment. CC 2044). Dívidas que se
venceram antes dessa data estão sujeitas ao sistema anterior, que previa a
possibilidade de a convenção condominial estabelecer multa moratória de até 20%
(LCI 12 §3.º). As novas regras sobre multa moratória (teto de 2%), por serem de
ordem pública, são limitadoras da autonomia privada, de sorte que incidem não
apenas para os condomínios criados a partir da vigência do CC (12.1.2003), mas
para todos os casos, inclusive para os condomínios instituídos antes de 12.1.2003
(ultratividade da lei nova)” (NERY Junior, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014).
SEGUNDO
• Compreensão do STF – O Supremo rejeita a retroatividade em grau mínimo se
a aplicação da lei nova a fatos posteriores violar a sua causa, isto é: ato jurídico
perfeito, direito adquirido ou a coisa julgada anterior.
• Para o Ministro Moreira Alves, domina, na nossa tradição, a teoria subjetiva do
direito adquirido: “Por fim, há de salientar-se que as nossas Constituições, a partir
de 1934, e com exceção de 1937, adotaram desenganadamente, em matéria de
direito intertemporal, a teoria subjetiva dos direitos adquiridos e não a teoria
objetiva da situação jurídica, que é a teoria de ROUBIER. Por isso mesmo, a Lei
de Introdução ao Código Civil, de 1942, tendo em vista que a Constituição de
1937 não continha preceito da vedação da aplicação da lei nova em prejuízo do
direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, modificando a
anterior promulgada com o Código Civil, seguiu em parte a teoria de ROUBIER,
e admitiu que a lei nova, desde que expressa nesse sentido, pudesse retroagir. Com
efeito, o artigo 6º rezava: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá,
entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas
definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito". Com o retorno,
na Constituição de 1946, do princípio da irretroatividade no tocante ao direito
369
adquirido, o texto da nova Lei de Introdução se tornou parcialmente incompatível
com ela, razão por que a Lei nº 3.238/57 o alterou para reintroduzir nesse artigo
6º a regra tradicional em nosso direito de que ‘a lei em vigor terá efeito imediato
e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada’.
Como as soluções, em matéria de direito intertemporal, nem sempre são
coincidentes, conforme a teoria adotada, e não sendo, a que ora está vigente em
nosso sistema jurídico a teoria objetiva de ROUBIER, é preciso ter cuidado com
a utilização indiscriminada dos critérios por estes usados para resolver as
diferentes questões de direito intertemporal" (ADI 493, Relator Ministro Moreira
Alves, p. 724 (750).
• A resposta do STJ quanto à multa é prevista no enunciado da Súmula nº 285:
"Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide
a multa moratória nele prevista" - data do Julgamento: 28/04/2004.
• O enunciado é utilizado até hoje: "...o único encargo discutido nos presentes autos
foi a multa moratória (fl. 522), a qual foi reduzida de 10% para 2%. A partir do
advento da Lei 9.298, de 1º.8.1996, que no particular alterou o CDC, contudo, tal
possibilidade somente alcança os contratos celebrados após sua vigência,
conforme orientação contida no enunciado 285 da Súmula do STJ. Na espécie, o
pacto é anterior à entrada em vigor da citada legislação (fl. 2), datando de
22.2.1996, devendo ser mantida a convenção específica" (Decisão da Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 31.10.2014).
• Roberto Senise Lisboa: "A lei nova não incide sobre o negócio jurídico celebrado
anteriormente à sua entrada em vigor, nem alcança os seus efeitos futuros, pois o
ordenamento não prevê a retroatividade mínima da lei nova, isto é, não se admite
que esta venha a alcançar a causa pela qual se deu o fato no passado. Exemplo: a
lei nova não atinge o contrato celebrado sob o império da lei velha, porque ele é
ato jurídico perfeito" – LISBOA, Roberto Senise. Manual de direto civil. 5ª. ed.
reform. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1, p. 120.
• Para Fábio de Oliveira Azevedo este seria o posicionamento que nos parece
compatível com o sistema adotado pelo legislador constituinte originário: "parece
falsa a afirmação de que a aplicação da lei nova imediatamente não implica em
retroatividade, pois, no exemplo que examinamos, só está o devedor vinculado ao
pagamento da sua prestação, com a conseqüente aplicação da "multa", porque o
370
contrato que assinou assim estabelece. Aplicar o percentual da lei nova de 2% ao
atraso ocorrido posteriormente à sua vigência, realmente faz incidir a lei nova
(eficácia imediata) a um acontecimento posterior a ela (atraso). Mas só até aqui
podemos concordar com essa posição dominante. Ao aplicar esse percentual ao
atraso futuro, atinge-se indiretamente a causa para esse pagamento, que é um
acontecimento ocorrido anteriormente à mora (o contrato e a sua cláusula penal).
Daí haver retroatividade" (AZEVEDO, 2011, p, 75)
• OBS: Maria Helena Diniz: “A Lei de Introdução adotou o critério de Roubier ao
prescrever que a lei em vigor terá efeito imediato geral atingindo os fatos futuros
(facta futura), não abrangendo os fatos pretéritos (facta praeterita). Em relação
aos facta pendentia, nas partes anteriores à data da mudança da lei não haveria
retroatividade; nas posteriores a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato. Nos
contratos em curso há uma zona intermediária, em que são excluídos os efeitos
imediatos e retroativos. Os contratos em curso, como os de execução continuada,
apanhados por uma lei nova, são regidos pela lei sob cuja vigência foram
estabelecidos (tempus regit actum), embora tenham havido julgados entendendo
constitucionais normas de emergência, em matéria de locação, atingindo contratos
feitos anteriormente” (DINIZ, 2010, p. 210 – grifei).
Por exemplo
Clóvis BEVILÁQUA, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pp. 26/27: “Em
rigor, tudo se reduz ao respeito assegurado aos direitos adquiridos; mas, como no ato
jurídico perfeito e na coisa julgada se apresentam momentos distintos, aspectos
particulares do direito adquirido, foi de vantagem, para esclarecimento da doutrina, que
371
se destacassem esses casos particulares e deles se desse a justa noção” (apud,
BARROSO, 2004, p. 155, nota nº 57 - grifei).
“o ‘ato jurídico perfeito’ e a ‘coisa julgada’ são, a rigor, dois casos especiais
de ‘direitos adquiridos’; e, por isso, são geralmente estudados pela doutrina sob essa
denominação” (MONTORO, 2014, p. 449).
Entretanto:
Exs: capacidade para a prática de ato jurídico – forma adotada para a prática
de determinados atos: exigência de escritura pública para elaborar testamento.
II - COMPETÊNCIA (?)
372
NO STF:
373
III - IRRELEVÂNCIA DA NOÇÃO DE LEI DE ORDEM PÚBLICA
“Qualquer que seja a lei, seja qual for o adjetivo que se lhe vier a agregar,
está obrigada a respeitar essas garantias, mesmo porque nenhum sentido haveria em
admitir-se que a lei, conferindo a si própria determinada qualificação, pudesse afastar a
garantia constitucional” (BARROSO, 2004, p. 147)
Caio Mário da Silva Pereira: “costuma-se dizer que as leis de ordem pública
retroagem. Há uma distorção de princípio nesta afirmativa. Quando a regra da não-
retroatividade é de mera política legislativa, sem fundamento constitucional, o legislador,
que tem o poder de votar leis retroativas, não encontra limites ultralegais à sua ação, e,
portanto, tem a liberdade de estatuir efeito retrooperante para a norma de ordem pública,
sob o fundamento de que esta se sobrepõe ao interesse individual, Mas, quando o
princípio da não-retroatividade é dirigido ao próprio legislador, marcando os confins da
atividade legislativa, é atentatória da Constituição a lei que venha ferir direitos adquiridos,
ainda que sob inspiração da ordem pública, A tese contrária encontra-se defendida por
escritores franceses ou italianos, precisamente porque, naqueles sistemas jurídicos, o
princípio da irretroatividade é dirigido ao juiz e não ao legislador” (apud AZEVEDO,
2011, p. 75).
374
público e do direito privado, já salientamos essa dificuldade, recordando o aforisma de
Bacon "jus privatum sub tutela juris publici latet". O interesse público e o interesse
privado se entrelaçam de tal forma, que as mais das vezes não é possível separá-los. E
seria altamente perigoso proclamar como verdade que as leis de ordem pública ou de
direito público têm efeito retroativo, porque mesmo diante dessas leis aparecem algumas
vezes direitos adquiridos, que a justiça não permite que sejam desconhecidos e apagados.
O que convém ao aplicador de uma nova lei de ordem pública ou de direito público, é
verificar se, nas relações jurídicas já existentes, há ou não direitos adquiridos. No caso
afirmativo a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um motivo de ordem
pública não basta para justificar a ofensa ao direito adquirido, cuja inviolabilidade, no
dizer de Gabba, também um forte motivo de interesse público" (Porchat, Reynaldo. Curso
Elementar de Direito Romano, valo I, 2 a ed., nº 528, São Paulo: Melhoramentos, São
Paulo, 1937, págs. 338/339).
375
ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza
constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não
tem sentido a afirmação de muitos - apegados ao direito de países em que o preceito é
de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato
alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, e isso porque,
se se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causar O que
é vedado constitucionalmente" – voto do Ministro Eros Grau na ADI 3105 – fls.
301/303.
DIREITO ADQUIRIDO
CONCEITO
376
ou pela ocorrência, em conexão com a imputação normativa, de fato idôneo, que
gera a incorporação ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito” (NUNES,
2009, pp. 242/243)
• Rubens Limongi França: o direito adquirido "é a consequência de uma lei, por via
direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a
integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da
vigência da lei nova sobre o mesmo objeto" (França, Rubens Limongi. A
Irretroatividade das leis e o direito adquirido. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1982, p. 208).
• José Afonso da Silva: "Para compreendermos melhor o que seja direito adquirido,
cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito
exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu
exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito
é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada
(direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o
fundamentava ... Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova,
transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à
vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando
lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato do titular não o ter
exercido antes" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 6.ª ed., 2.ª tir., São
Paulo: RT, 1990, p. 374).
377
• Luiz Alberto Gurgel de Faria: "Em resumo, direito adquirido é aquele que, já
integrante do patrimônio de seu titular, pode ser exercido a qualquer momento,
não podendo lei posterior, que tenha disciplinado a matéria de modo diferente,
causar-lhe prejuízo" (FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. O direito adquirido e as
emendas constitucionais. Revista de direito do trabalho. v. 31, n. 117, p. 137-148,
jan./mar. 2005)
• Não se pode olvidar que o legislador também cuidou da questão, no § 2.º, art. 6.º,
da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro37: "Consideram-se
adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".
DIREITO SUBJETIVO
“...direito exercitável segundo a vontade de seu titular e exigível na via jurisdicional quando seu
exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente... Se o direito subjetivo
não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito
exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser
exercido quando conviesse ao seu titular. A lei nova (incluindo-se emendas constitucionais) não
pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes” (SILVA, 2008, p. 21).
37
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.
38
Note a data da obra para compreender as normas gramaticais da época, pois a transcrição é
original.
378
Se a lei revogada produziu efeitos em favor de um sujeito, diz-se que ela criou
uma situação jurídica subjetiva
É garantido jurisdicionalmente
É um direito exigível na via jurisdicional
DIREITO
Recebe proteção direta
SUBJETIVO
O “titular fica dotado do poder de exigir uma prestação positiva ou negativa”
(SILVA, 2008, p. 433)
IMPORTANTE: “...o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem
alterar as bases normativas sob as quais foi constituído” (SILVA, 2008, p. 435).
Em resumo: uma vez adquirido o direito, não pode ser atingido pela norma
nova;
39
A discussão perde o sentido em 05 de outubro de 2006, quando o Tribunal Superior do Trabalho editou
a Resolução Administrativa nº 1.172/2006, limitando a exigência de 3 (três) anos de prática jurídica, aos
concursos para Juiz do Trabalho Substituto com editais publicados após 03.02.2006.
379
Já no caso de expectativa de direitos (mera possibilidade de aquisição de
direitos) ainda dependendo da implementação de algumas circunstâncias – não se
consumou o direito
Se não for direito subjetivo, a lei nova “corta” a situação jurídica no seu iter
(SILVA, 2008, p. 435).
CASO CONCRETO:
O caso:
Uma lei (L1), publicada em novembro 2007, concedida um aumento de vinte
e cinco por cento aos servidores.
O aumento passaria a valer a partir de 1º de janeiro de 2008.
O art. 7º da L1 possui a seguinte redação: “Esta Lei entra em vigor na data de
sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 2008”.
Uma outra lei (L2), de dezembro de 2007, revogava a L1 e concedia um
aumento menor.
O fundamento do pedido (na parte que aqui interessa) é que a revogação do
aumento remuneratório afrontaria a cláusula do direito adquirido (art. 5º, XXXVI,
CF/88).
Qual a parte técnica que precisa ser resolvida?
O Ministro Dias Toffoli assim resumiu o debate: "é essencial restar
plenamente esclarecido qual seria o momento em que as normas revogadas passariam a
vigorar e a produzir efeitos" (p. 2 do voto-vista do Ministro Dias Toffoli – VVDT).
Resumo da tramitação:
Em 09.06.2010, a Ministra Cármen Lúcia (Relatora), que conhecia em parte
do pedido e, na parte conhecida, julgava procedente a ação direta, pois quando a L2 foi
editada, os servidores já tinham direito adquirido ao reajuste.
A Min. Cármen Lúcia assinalou que a L1 era taxativa no sentido de que a lei
entraria em vigor na data de sua publicação e que somente "os efeitos financeiros relativos
à aplicação dessas leis, isto é, o pagamento dos valores correspondentes ao reajuste dos
380
subsídios previstos, é que ocorreriam a partir de 1º.1.2008. Assim, desde a entrada em
vigor das leis que estabeleceram o aumento daqueles subsídios dos servidores, com a
publicação delas, a melhoria concedida fora incorporada ao patrimônio jurídico dos
agentes públicos. Assim, o termo 1º.1.2008 não suspendera a eficácia do direito, e sim o
seu exercício, não havendo confusão entre vigência de leis e efeitos financeiros
decorrentes do que nelas disposto" (informativos 819 e 590).
A Ministra Cármen Lúcia considerou a L2 inconstitucional "uma vez que a
revogação dos aumentos ter-se-ia operado quando o direito já havia sido
adquirido/titularizado pelos servidores. Segundo a Relatora, as leis nas quais eram fixados
os novos patamares de remuneração seriam vigentes ao tempo de sua publicação e
somente os efeitos financeiros decorrentes tiveram o termo inicial postergado para 1º de
janeiro de 2008, ocasião em que já estavam incorporados ao patrimônio dos beneficiados"
(p. 2 do voto-vista do Ministro Dias Toffoli).
No mesmo sentido votaram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de
Mello e a ministra Rosa Weber.
Em 11.02.2015, o Ministro Dias Toffoli (DT) proferiu seu voto-vista julgando
improcedente o pedido da ação direta.
DT disse: “Como se vê, os artigos respectivos expressamente determinaram
a vigência futura dos anexos, nos quais eram discriminados os novos valores
remuneratórios, a partir de 1º de janeiro de 2008. A expressão ‘passa a vigorar’, constante
dos preceitos destacados, não deixa margem de dúvida (...) tiveram sua vigência
deslocada para 1º de janeiro de 2008" (p. 4 VVDT).
Ele diz: "Aqui não se trata de postergação apenas dos efeitos financeiros
decorrentes da aplicação da lei, mas de adiamento da própria vigência das normas" (p. 5
DT).
A conclusão dele é a de "que as modificações perpetradas foram feitas no
período de vacatio legis das previsões de aumento remuneratório, cuja exigibilidade
sequer havia ocorrido, porque revogadas antes de sua vigência" (p. 5 DT).
Nesse contexto, ele menciona "que a elevação original da remuneração dos
servidores, prevista [na L1], nem chegou a viger, na medida que as modificações
perpetradas posteriormente foram feitas no período de vacatio legis das previsões de
aumento remuneratório, e, portanto, a exigibilidade de cumprimento dessas normas
381
sequer havia ocorrido, porque os dispositivos foram revogados antes de sua vigência" (p.
9 DT).
Logo, se o aumento de remuneração somente teria vigência no futuro, "não
chegou a ter eficácia jurídico-patrimonial, nem foi incorporado ao patrimônio jurídico
dos servidores" (p. 9 DT).
"Por ser a norma, antes da vigência, inerte e insuscetível de reger as relações
sociais, não gera obrigações, tampouco direitos, não havendo como falar em aquisição de
direito se a norma sequer incidiu ou foi considerada exigível. Não se está, nesse caso,
diante de um direito propriamente dito" (p. 9 DT).
"No caso em análise, os servidores detinham apenas uma simples expectativa
de direito de ter modificado o valor dos seus subsídios a partir de 1º de janeiro de 2008;
não eram ainda detentores do direito subjetivo de percebê-los. O aumento ainda não fazia
parte da esfera jurídica dos servidores, pois ainda não era vigente" (p. 9 DT).
CONCLUSÃO DO VOTO DE DT: "as legislações alteradoras fizeram
retroagir os seus efeitos a período no qual as novas fórmulas remuneratórias ainda não
haviam incidido, apanhando a norma revogada ainda no período de vacatio legis, não
vislumbro a presença de inconstitucionalidade por ofensa à cláusulas do direito adquirido
e, por conseguinte, da irredutibilidade de vencimentos, pois ausente a incorporação de
direitos ao patrimônio jurídico dos servidores abrangidos" (p. 14 DT).
Ele foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki e
Ricardo Lewandowski.
382
não tenha havido; e b) a que trata dos direitos cujo exercício está condicionado. Eles são
existentes, diferentes, portanto, de mera expectativa de direito, em que não há sequer a
existência do direito. No caso, os servidores adquiririam direito a aumento remuneratório,
em janeiro de 2008, somente quando houvesse prestação de serviço naquele mês. Antes
disso haveria promessa de vencimento, regime estatutário a prever aumento futuro, e não
haveria direito à manutenção desse estatuto. Assim, o direito adquirido suporia a
ocorrência de elemento fático componente do fato gerador. Enquanto não houvesse fato
gerador, seria possível falar apenas em expectativa de direito. Existiria regime jurídico,
mas não direito subjetivo. Por isso, a jurisprudência da Corte permitiria a modificação
legislativa enquanto não implementado o suporte fático necessário para a incidência da
norma" (informativo 774).
Em 20.05.2015, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência
(julgando improcedente).
Diante do placar (com cinco votos pela procedência e cinco pela
improcedência do pedido), o julgamento foi suspenso para colher o voto de desempate do
então ministro a ser empossado Luiz Edson Fachin.
Em 31.03.2016, "o ministro Edson Fachin acompanhou na íntegra o voto
proferido pela relatora e desempatou o julgamento. De acordo com o ministro, as novas
leis esvaziaram o que havia sido anteriormente concedido aos servidores e violaram o
princípio da irredutibilidade de vencimentos. Ele explicou que foi concedido aumento
salarial cuja implantação deveria ser realizada em período posterior, contudo, antes da
ocorrência do prazo, nova lei foi editada e esvaziou o conteúdo das disposições anteriores.
'Há um ingresso na esfera jurídica dos servidores e que, portanto, nesta medida, a
dimensão dos direitos colocados a termo está apenas no plano da eficácia e não no plano
da validade', afirmou" (Notícias. Quinta-feira, 31 de março de 2016 "STF reconhece
direito adquirido em reajuste concedido a servidores do Tocantins").
O Plenário assentou que "os efeitos financeiros relativos à aplicação dessas
leis, isto é, o pagamento dos valores correspondentes ao reajuste dos subsídios previstos,
é que ocorreriam a partir de 1º.1.2008. Assim, desde a entrada em vigor das leis que
estabeleceram o aumento daqueles subsídios dos servidores, com a publicação delas, a
melhoria concedida fora incorporada ao patrimônio jurídico dos agentes públicos. Assim,
o termo 1º.1.2008 não suspendera a eficácia do direito, e sim o seu exercício, não havendo
383
confusão entre vigência de leis e efeitos financeiros decorrentes do que nelas disposto"
(Informativo 819).
O Ministro Marco Aurélio, na sessão do dia 31.03.2016, fez um aparte nos
seguintes termos: "Para ter uma ótica civilista, o termo inicial impede a execução, mas
não afasta a aquisição do direito".
precedentes
“...a lei nova, com vigência e eficácia a partir de 15.01.89, não mexeu com os
salários do período aquisitivo do mês em curso de janeiro de 1989, mas a partir de
fevereiro de 1989. Em consequência, os salários do mês de fevereiro de 1989, que iriam
ser reajustados em 26,05%, tal como ocorreu em dezembro e janeiro, não sofreram o
reajuste previsto, porque a lei que o previa foi revogada antes do início do mês do período
aquisitivo, portanto, antes de se iniciar a constituição do direito aos salários do referido
mês. E antes do início do mês em que deveria ser aplicado o reajuste, os servidores não
tinham qualquer direito, ainda que subordinado a termo ou condição, porque a lei nova
fulminou o próprio direito. (...)” (ADI 726/SP, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 11/11/94).
"A disciplina da L. 38/89 teve vigência até a edição da L. 117/90, cuja
superveniência não poderia ter o condão de elidir a majoração remuneratória consumada,
conforme a lei distrital anterior, sob pena de violação do princípio constitucional da
irredutibilidade de vencimentos" (RE 394494, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Primeira Turma, julgado em 06/03/2007).
384
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4013.pdf
Nesse caso, uma lei distrital que previa reajustes trimestrais foi revogada por
lei posterior: "Recurso extraordinário: cabimento: direito intertemporal. Não inviabiliza
o recurso extraordinário o caráter local das leis distritais pertinentes, dado cuidar-se de
questão de direito intertemporal a ser resolvida à luz da Constituição da República" (RE
394494, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em
06/03/2007).
A boa técnica recomenda que, para os casos de mudanças bruscas, a vacatio legis
seja longa.
d) “não fere direito adquirido decisão que, no curso de processamento de pedido de licença de
construção em projeto de loteamento, estabelece novas regras de ocupação do solo”43;
40
RE-AgR 269.407, Relator Carlos Velloso, DJ 2.8.2002; RE 243.415, Relator Sepúlveda Pertence,
DJ 11.2.2000; Súmula/STF n. 359.
41
RE-AgR 394.661, Relator Carlos Velloso, DJ 14.10.2005.
42
RE-AgR 191.476, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 30.6.2006; RE 226.462, Relator Sepúlveda
Pertence, DJ 25.5.2001.
43
RE 212.780, Relator Ilmar Galvão, DJ 25.6.1999; RE 85.002/SP, Relator Moreira Alves, RTJ v.
79, p. 1016.
385
e) o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, ao contrário do que sucede com as
cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e
por ela ser disciplinado. Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido
de que não há direito adquirido a regime jurídico. Quanto à atualização dos saldos do FGTS
relativos aos Planos Verão e Collor I (este no que diz respeito ao mês de abril de 1990), não há
questão de direito adquirido a ser examinada, situando-se a matéria exclusivamente no terreno
legal infraconstitucional”44
f) "No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à
condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito
subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à
incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição
previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida
que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as
pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade
do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento" (ementa
da ADI 3105).
h) Fórmula de composição da remuneração – (...) 1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não
substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/2003, não
seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos
44
RE 226.855, Relator Moreira Alves, DJ 13.10.2000.
386
submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegurou diretamente o direito
à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às
emendas constitucionais mesmas. 2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer
dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma
expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9º da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se
reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu
e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é
mais que duvidosa a sua compatibilidade com a "cláusula pétrea" de indenidade dos direitos e
garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte
originário. 3. Os impetrantes - sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm
direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja
absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal. (MS 24875,
Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2006)
j) Transporte gratuito de policiais – Policiais civis do Estado do Espírito Santo alegavam que
determinada norma ofendia direito adquirido da categoria, pois, desde 1953, utilizavam
gratuitamente os serviços de transporte municipal e intermunicipal. Entretanto, o STF afirmou:
"Servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico" – ADI 2349, Relator: Min.
EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005.
387
k) Aposentadoria especial – Comprovado o exercício de atividade considerada insalubre, perigosa
ou penosa, pela legislação à época aplicável, o trabalhador possui o direito à contagem especial
deste tempo de serviço. Seguindo essa orientação, a Turma negou provimento a recurso
extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em que se alegava
ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF, ao argumento de inexistência de direito adquirido à conversão
do tempo de serviço especial para comum, em face do exercício de atividade insalubre elencada
nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Entendeu-se que o tempo de serviço deveria ser contado de
acordo com o art. 57, § 3º, da Lei 8.213/91 (“O tempo de serviço exercido alternadamente em
atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas
prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, seguindo
critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para
efeito de qualquer benefício.”), vigente à época da prestação dos serviços, e não pela Lei 9.032/95
que, alterando o citado parágrafo, exigiu, expressamente, a comprovação de efetiva exposição
aos agentes nocivos através de laudo técnico. Precedentes citados: RE 367314/SC (DJU de
14.5.2004) e RE 352322/SC (DJU de 19.9.2003)" – RE 392559, Relator: Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, julgado em 07/02/2006. Informativo 415 (Brasília, 6 a 10 de
fevereiro de 2006) - TÍTULO: Direito Adquirido e Aposentadoria Especial
l) Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. - Em nosso sistema jurídico, a regra
de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por
estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo,
portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para
alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique
retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova
para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das
referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez
que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito,
modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é
infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão
recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos
posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1.989, prejudicando, assim,
ato jurídico perfeito - RE 188366, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado
em 19/10/1999
388
m) Benefício previdenciário inconstitucional: “1. O óbito do instituidor é o marco temporal para
definição do regime jurídico a que está sujeita a concessão do benefício: MS 21.540/RJ, rel. Min.
Octávio Gallotti, DJ 14.05.96. 2. Inexistência de preterição a direito adquirido da autora de
receber benefício com base em normas não recepcionadas pelo atual sistema constitucional: ADI
762/RJ, da minha relatoria, DJ 14.05.2004. 3. Agravo regimental improvido” (RE 436995 AgR,
Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 11/11/2008).
n) Norma constitucional originária: “Se, como tem entendido o STF (ADIn MC 1.264), o instituto
da estabilidade financeira não é incompatível com a atual Constituição, é inútil opor à
questionável afirmação de direito adquirido do servidor a tal vantagem a tese da inexistência de
direito adquirido contra a Constituição” (AI 159587 AgR, Relator: Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/03/1998)
"Sobre a admissibilidade dos recursos, eles são regidos pela lei do tempo em que a decisão foi
proferida e o procedimento adotado. Se a lei nova adotou diverso procedimento, e,
consequentemente, outro recurso, com prazo diferente, não se aplicará a nova regra, mesmo
porque não se adota outro rito quando já estabelecida a relação processual com a citação (RE
82.600). Portanto, frise-se o recurso cabível regula-se pela norma legal da época do ato recorrível
(RE 83.169)" (ROSAS, Roberto. Direito intertemporal processual. Revista jurídica Lemi. v. 15,
n. 172, p. 19-25, mar. 1982).
389
INSUFICIÊNCIA DA DOUTRINA DO DIREITO ADQUIRIDO
Alterações estatutárias
A doutrina do direito adquirido não prescreve as posições
Revisões/supressão de institutos
pessoais contra
jurídicos
• Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "... mas a retroatividade não é vedada à norma
constitucional oriunda do Poder originário. Com efeito, dada a sua inicialidade,
ou melhor, dada a inexistência de limitação jurídica que a proíba, pode ela colher
fatos a ela anteriores. Em consequência, pode dar-lhes caráter (lícito ou ilícito)
diferente do que tinham na ordem jurídica anterior. Igualmente pode pôr termo a
390
direitos adquiridos" (In Revista dos Tribunais, Doutrina Civil, São Paulo: RT, vol.
745, 1997, p. 21 – grifei).
391
A propósito, o art. 60, §4°, IV, da Constituição da República, não admite que
seja objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias
individuais.
Nesse sentido, a garantia constitucional impede que o legislador constituinte
derivado edite norma desconsiderando o direito adquirido, conforme o magistério do
professor Ivo Dantas [nota de rodapé 2 do original: ‘Direito Adquirido, Emendas
Constitucionais e Controle da Constitucionalidade - A Intangibilidade do Direito
Adquirido face às Emendas Constitucionais, Revista de Direito Administrativo - FGV,
out/dez - 1996, n° 206, p. 111], in verbis: “(...) se não nos bastasse a natureza constitucional
do instituto a partir da Constituição Federal de 05.10.88, o Direito Adquirido assume novo
contorno, tornando-se portador da característica da Imutabilidade, em razão do que
prescreve o art. 60 em seu parágrafo 4°, ao fixar os Limites materiais do Poder Constituído
de Reforma”.
Desta opção no sentido da Intangibilidade do Direito Adquirido decorre a
consequência de que só um processo revolucionário (no sentido Jurídico-Constitucional)
do qual resultasse nova Constituição, poderia restringir ou até mesmo excluir a garantia do
Direito Adquirido (entre nós, alçada à mesma categoria do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada) ou qualquer outro daqueles incisos apontados no referido parágrafo 4° (...)
O ilustre professor, em sua obra, invoca, ainda, o posicionamento do Ministro
Néri da Silveira [nota de rodapé 3 do original: “op. cit., p. 121”]: “(...) outra significativa
questão poderia se destacar, nesta definição do âmbito das cláusulas pétreas. Refiro-me ao
direito adquirido previsto no art. 5°, XXXVI, da Constituição. No dispositivo, estipula-se
que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Decerto, emenda à Constituição não pode excluir de seu texto o inciso XXXVI do seu art.
5°, diante da cláusula posta no art. 60, § 4°, IV, por versar regra de garantia.
(...)
Na mesma linha de raciocínio, é o posicionamento do Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso:
‘Registre-se, a propósito, que as emendas constitucionais, sabemos todos, não
são produto do poder constituinte originário. As emendas à constituição são elaboradas
pelo constituinte derivado, instituído ou de segundo grau. Esse poder constituinte derivado
392
é limitado pela criatura do poder constituinte originário, assim pela constituição’ - Decisão
da Ministra Rosa Weber no Agravo de Instrumento nº 742070, proferida em 18/09/2012.
• Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho: "Em síntese, a norma constitucional
veiculadora da intocabilidade do direito adquirido é norma de bloqueio de toda
função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se
integram no 'processo legislativo', sem exclusão das emendas" (apud GURGEL
DE FARIA, 2006).
393
• Sérgio de Andréa Ferreira: "Foi a própria CF de 1988 que, quando quis
excepcionar, teve de fazê-lo expressamente, ao estatuir, no art. 17 do ADCT, que
não se admitia, no caso nele previsto, invocação de direito adquirido. Se isso
ocorresse, não haveria necessidade de ressalva. Mas essa exclusão, questionável
mesmo em uma nova Constituição, é intolerável em se tratando de mera emenda
constitucional" (apud GURGEL DE FARIA, 2006)
• Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "ninguém negará ser a norma constante do art.
5.º, XXXVI, da Constituição uma garantia, garantia essa da segurança das
relações jurídicas. Consequentemente ela não poderá ser abolida pelo Poder
Constituinte Derivado (poder de reforma)" (apud GURGEL DE FARIA, 2006).
• Carlos Mário da Silva Velloso: "... um direito adquirido por força da Constituição,
obra do Poder Constituinte Originário, há de ser respeitado pela reforma
constitucional, produto do Poder Constituinte instituído, ou de 2.º grau, vez que
este é limitado, explícita e implicitamente, pela Constituição"(apud GURGEL DE
FARIA, 2006).
• Raul Machado Horta: "Ao incluir no rol da matéria vedada ao poder constituinte
de revisão a emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, a
Constituição transformou o Título II da Constituição, que abrange os direitos e
garantias individuais e coletivos (art. 5.º, I a LXXVII) no seu núcleo irreformável
e, por isso, inatingível pelo Poder de Emenda. Nessa irreformalidade, encontra-se
o princípio de que a lei não prejudicará o direito adquirido (art. 5.º, XXXVI). O
Poder Constituinte Originário poderá, em tese, suprimir o direito adquirido, de
modo geral, incluindo nessa supressão a regra que veda a lei prejudicial de direito
adquirido. No caso do poder constituinte de revisão, será questionável a emenda
que propuser a supressão do direito adquirido assegurado pelo Constituinte
Originário. A emenda ficará exposta a arguição de inconstitucionalidade"(apud
GURGEL DE FARIA, 2006)
394
mas, inclusive, por determinação expressa deste mesmo texto (art. 60, §4º)" (apud
GURGEL DE FARIA, 2006)
395
isso, dependendo igualmente de previsão explícita a eventual retroatividade média
e máxima" - (REsp 1292620/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/06/2013, DJe 13/09/2013)
396
modelando-se pelo ato individual” - voto do Ministro Eros Grau na ADI 3105, fl. 259 do
acórdão).
Com base nessa distinção, Eros Grau defende a tese da imediata alterabilidade
das situações gerais e a intangibilidade das situações individuais.
397
COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE:
CONSTITUCIONALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua
jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre
a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n.
203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de
gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos,
não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da
irredutibilidade da remuneração” (RE 563965, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA,
Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO).
Logo, se não houver redução dos vencimentos, incide a lei nova: DIREITO
ADMINISTRATIVO. POLICIAL CIVIL. REESTRUTURAÇÃO REMUNERATÓRIA.
LEI Nº 17.170/2012 DO ESTADO DO PARANÁ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO 1. O entendimento da Corte de origem, nos moldes
do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no Supremo
Tribunal Federal, no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, bem como
ausente ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos quando preservado seu
valor nominal” (RE 998073 AgR, Relatora: Min. ROSA WEBER, Primeira Turma,
julgado em 07/03/2017)
398
Corte de origem consignou expressamente que “não houve redução dos proventos dos
servidores públicos”. Para se concluir de modo diverso, seria necessário reexaminar o
conjunto-fático probatório da causa. Incidência da Súmula nº 279/STF” (ARE 989660
AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 16/12/2016)
Por isso que a jurisprudência do STF não reconhece direito adquirido a regime
jurídico.
399
Empregam-se duas formulações para identificar o que seria um regime jurídico:
A) há regime jurídico quando a relação decorre da lei e não de um acordo de vontade das partes
B) há regime jurídico quando não se trate de uma relação contratual
TESE DE DEFESA
400
Dada a insuficiência do princípio do direito adquirido para preservar posições
pessoais, a técnica se encaminha para:
- Aciona-se o próprio direito destinado a resguardar a posição afetada – ex:
direito de propriedade/liberdade de associação, etc
- parte-se para “uma ideia menos precisa e, por isso mesmo, mais abrangente,
que é o princípio da segurança jurídica enquanto postulado do Estado de Direito”
(MENDES, 2013, p. 380 – grifei
401
DALMO DE ABREU DALLARI ("O que são Direitos das pessoas", p.
54/55, 1984, Brasiliense): " ( ... ) ninguém pode tornar-se dono de uma terra ocupada
por índios. Todas as terras ocupadas por indígenas pertencem à união, mas os índios
têm direito à posse permanente dessas terras e a usar e consumir com exclusividade
todas as riquezas que existem nelas. Quem tiver adquirido, a qualquer tempo, mediante
compra, herança, doação ou algum outro título, uma terra ocupada por índios, na
realidade não adquiriu coisa alguma, pois estas terras pertencem à União e não podem
ser negociadas. Os títulos antigos perderam todo o valor, dispondo a Constituição que
os antigos titulares ou seus sucessores não terão direito a qualquer indenização” (citado
pelo Ministro Celso de Mello na Petição 3388 - fl. 729 do acórdão)
45
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.
402
É mais do que adquirido – é direito esgotado.
46
RE 202.584, Relator Moreira Alves, DJ 14.11.1996; RE 209.519/SC, Relator Celso de Mello, DJ
29.8.1997.
47
ADI 493, Relator Moreira Alves, DJ 4. 9.1992.
403
c) “Correção das contas vinculadas do FGTS. Desconsideração do acordo firmado pelo
trabalhador. Vício de procedimento. Acesso ao colegiado. Superação da preliminar de vício
procedimental ante a peculiaridade do caso: matéria de fundo que se reproduz em incontáveis
feitos idênticos e que na origem (Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária
do Rio de Janeiro) já se encontra sumulada. Inconstitucionalidade do Enunciado nº 21 das
Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que preconiza a desconsideração de
acordo firmado pelo trabalhador e previsto na Lei Complementar nº 110/2001. Caracterização
de afastamento, de ofício, de ato jurídico perfeito e acabado. Ofensa ao princípio inscrito no art.
5º, XXXVI, do Texto Constitucional”48 – vide súmula vinculante nº 1;
d) “Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação aos processos em curso,
desconstituindo penhoras anteriores, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito:
precedentes”49.
É POSSÍVEL REVISAR O CONTRATO PARA EVITAR O ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA – AI AGR 580966
ATO DE APOSENTADORIA – MS 26085
COISA JULGADA
48
RE 418.918, Relatora Ellen Gracie, DJ 1.7.2005; AC 272-MC, voto da Ministra Ellen Gracie, DJ
25.2.2005.
49
RE 224.659, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 8.5.1998; RE 136.753, Relator Carlos Velloso, DJ
25.4.1997.
50
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.
404
“A coisa julgada é o corolário do princípio da segurança jurídica e
estabilidade das relações sociais transportada para o campo judicial” (TAVARES, 2012,
p. 770)
A) FORA DO PROCESSO:
Impede que a lei prejudique ou que o juiz julgue novamente o feito (coisa
julgada material)
B) DENTRO DO PROCESSO
O STF, no julgamento de mérito do RE 363.889 (rel. min. Dias Toffoli, Plenário, DJe
de 16.12.2011), reconheceu a possibilidade de ajuizamento de nova ação de
paternidade, com a relativização da coisa julgada, em razão do surgimento de meio de
prova mais moderno, como o exame de DNA, em respeito ao princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana.
405
INFORMATIVO Nº 629 DO STF - PROCESSO RE - 540829
406
Salientou que, hoje em dia, o Estado seria obrigado a custear o exame de DNA do autor
carente, de forma que a decisão da Corte teria pouca aplicabilidade prática. Por fim,
frisou que a questão envolveria também a dignidade humana do réu, não apenas do
autor, visto que uma nova ação de investigação de paternidade teria profunda
repercussão na vida familiar daquele. RE 363889/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 2.6.2011.
(RE-363889)
LEI Nº 5.478/1968 - Dispõe sobre ação de alimentos:
art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer
tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
LEI No 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985 - Disciplina a ação civil pública:
art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
407
§1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses
e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os
interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão
propor ação de indenização a título individual.
Lei nº 4.717, DE 29 DE JUNHO DE 1965: Regula a ação popular
art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso
de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso,
qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova.
Para Maria Helena Diniz, a autoridade da coisa julgada “requer por parte dos
três Poderes o seu respeito e o reconhecimento do direito subjetivo por ela garantido,
exceto se contiver vício de anulabilidade, caso em que será cabível sua rescindibilidade
no modus procedendi previsto legalmente (CPC arts. 485 a 495)” (DINIZ, 2010, p. 223)
ato inexistente – sem efeito – pode ser desconstituído a qualquer tempo – tema polêmico.
CPC ANTIGO:
Art. 475-L do CPC: A impugnação somente poderá versar sobre: (...) II – inexigibilidade
do título; §1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se
também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatíveis com a Constituição Federal.
408
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
(Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) II - inexigibilidade do título; Parágrafo único.
Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível
o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato
normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição
Federal. (Redação pela Lei nº 11.232, de 2005)
CPC 2016:
ART. 525, § 12. Para efeito do disposto no inciso III do §1º deste artigo [III -
inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação], considera-se também
inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato
normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal
como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade
concentrado ou difuso.
ART. 535, §5o Para efeito do disposto no inciso III [III - inexequibilidade do título ou
inexigibilidade da obrigação] do caput deste artigo, considera-se também inexigível a
obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade
concentrado ou difuso.
409
mérito proferida em ação direta de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, o acórdão que,
julgando improcedente ação rescisória, adotou entendimento contrário, ainda que na vigência e
nos termos de liminar concedida na mesma ação direta de inconstitucionalidade - Rcl 2600 AgR,
Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/09/2006.
410
Carta Constitucional. 3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da
norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no
Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos
administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que
formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional. 4. Afirma-se,
portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando
a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática
reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para
que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura
da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo
decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da
ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso
concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. 5. No caso, mais de dois anos se passaram
entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a
constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C
na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a
inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é
insuscetível de rescisão (RE 730462, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado
em 28/05/2015).
(b) A ADI 3740 está conclusa com o relator (Gilmar Mendes) desde 13.04.2016;
(d) O RE 611503: No dia 01.06.2016, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski.
411
525, §1º, III e §§12 e 14, o art. 535, §5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia
da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro
um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade
qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada
em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por
aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda
tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer
dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido
de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda”
(ADI 2418, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2016).
"Em livro recentemente publicado pela Editora Forense, sob o título "Teoria
da Constituição" 112/113, escrevi: '(...) se um determinado funcionário alcança o tempo
mínimo de 35 anos de contribuição previdenciária, ele ganha o direito à aposentadoria
com proventos integrais, e esse direito, por fluir direta e exclusivamente de uma norma
geral, se categoriza como adquirido. Contudo, se o funcionário formaliza o seu pedido de
aposentação e a Administração Pública. expede o respectivo ato, com sequenciada
aprovação pelo Tribunal de Contas, o direito subjetivo, que era do tipo adquirido, passa
a se chamar ato jurídico perfeito. E se alguém impugna em Juízo a validade de tal
aposentadoria, vindo o Judiciário a definitivamente confirmar, não a impugnação, mas o
ato executiva da aposentação, o direito subjetivo, que já teve a sua fase de direito
adquirido e o seu estágio de ato jurídico perfeito, agora muda outra vez de nome e passa
a se chamar coisa julgada ( ... )" (voto do Ministro Carlos Brito na ADI 3105, fl. 180 do
acórdão)
DISTINÇÃO:
412
geral, os negócios jurídicos sujeitos a condição suspensiva. Nesses casos, verificados
os pressupostos da existência e os elementos da validade, as situações mantêm-se
íntegras, a salvo de eventuais modificações, no direito positivo, que incidam sobre tais
pressupostos e elementos. Não se trata, então, de direito adquirido, mas de ato jurídico
perfeito os contemplados pelo testamento feito no regime da lei anterior [enquanto vivo
o testador], ou os contratantes que se vincularam sob condição suspensiva [enquanto
esta não se verifica], não são titulares de "direito adquirido". Resulta nítida, destarte, a
distinção entre direito adquirido e ato jurídico perfeito, o que evita a confusão entre
ambos, quando o primeiro é submetido ao segundo e vice-versa. Pois é certo existir
direito adquirido que não se funda em ato jurídico perfeito [os direitos do nascituro,
v.g.] e ato jurídico perfeito que não implica direito adquirido [justamente os negócios
sujeitos a condição suspensiva e o testamento, em ambos os casos enquanto,
respectivamente, não verificada a condição, ou vivo o testador]" - voto do Ministro
Eros Grau na ADI 3105, fls. 256/257 do acórdão - nota nº 13).
Pronunciamentos relevantes
a) “Inquérito policial: arquivamento com base na atipicidade do fato: eficácia de coisa julgada
material. A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido
do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão, produz
coisa julgada material, que — ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente
incompetente —, impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio”51;
b) “Constitucional. Servidor público. Vantagem deferida por sentença judicial transitada em
julgado. Tribunal de Contas: determinação no sentido da exclusão da vantagem. Coisa julgada:
ofensa. CF, art. 5º, XXXVI. Vantagem pecuniária incorporada aos proventos de aposentadoria de
servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de
Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica
coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória.”52
51
HC 80.560, Relator Sepúlveda Pertence, RTJ 179, t. 2, p. 755; Inq 1.538, Relator Sepúlveda
Pertence, RTJ 178, t. 3, p. 1090; Inq 2.044-QO, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 28.10.2004; HC
75.907, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 9.4.1999; HC 80.263, Relator Ilmar Galvão, RTJ 186, t. 3, p
1040; HC 83.346, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 19.8.2005.
52
MS 25.460, Relator Carlos Velloso, DJ 10.2.2006.
413
c) Em 02.06.2011, o Pleno do STF, por maioria de votos (vencidos Marco Aurélio e Cezar Peluso),
no RE 363.889, “afastou a coisa julgada material, formada sobre decisão de improcedência por
falta de provas, em demandas que envolvam relação de filiação, quando for alegada a viabilidade
de produção de prova técnica capaz de reverter a conclusão do julgamento anterior, cuja
realização só tenha se mostrado possível, do ponto de vista prático, pelo avanço tecnológico
superveniente, somado à inadequação do regime da assistência jurídica aos necessitados,
respeitado, em qualquer caso, o prazo de dois anos para o ajuizamento de nova demanda, que flui,
por presunção iuris tantum, a contar do trânsito em julgado da demanda anterior, salvo nas
hipóteses excepcionais em que restar também excepcionalmente demonstrado que apenas
posteriormente se tornou viável, do ponto de vista prático, o acesso ao exame de DNA, cabendo
ao demandante o ônus do afastamento da referida presunção”53.
53
Trecho do voto-vista do Min. Luiz Fux no RE 363889 Relator: MIN. DIAS TOFFOLI, acórdão
pendente de julgamento. Voto do relator.
414
a) no Direito Penal, quando as disposições novas beneficiam aos réus na exclusão do caráter
delituoso do ato ou no sentido de minorarem a penalidade;
b) no tocante às leis interpretativas
c) quanto às leis abolitivas, que extinguem instituições sociais ou jurídicas, incompatíveis com o
novo sentimento ético da sociedade, como ocorreu com a abolição da escravatura
Admite-se o efeito imediato da nova lei:
a) em relação às normas processuais
b) quanto às normas cogentes ou taxativas, como as de Direito de Família
c) quanto às normas de ordem pública (ver observação acima!!!!)
d) quanto ao Direito das Obrigações, no tocante às regras imperativas (ver observação acima!!!!)
No direito das sucessões, prevalece a norma vigente no momento da abertura da sucessão
No tocante ao testamento, prevalece a norma da época em que foi passado
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito civil: introdução e teoria geral. 3ª. ed. rev. e ampl.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
_____. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretado. 15ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
415
(orgs.) Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade
e hermenêutica constitucional. 2. ed., rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2008.
GURGEL DE FARIA, Luiz Alberto. Revista de Direito do Trabalho. vol. 117, p. 137.
jan. 2005.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31ª ed., rev. e atual., de acordo com o
Código civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
PEIXOTO, J. C. Matos. Limite temporal da lei. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 37,
n. 173, p. 459-485, jun. 1948.
SILVA, José Afonso da. “Constituição e Segurança Jurídica”. in: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes (coord.) Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito
e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo
Horizonte: Fórum, 2004.
_____. Curso de direito constitucional positivo. 30ª. ed., rev. e atual. até a Emenda
Constitucional n. 56, de 20.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2012.
416
Voto do Ministro Celso de Melo no RE 415.454, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 8-2-2007:
14. É essa a forma mais branda da retroatividade, mas há outras em que ela
atua mais intensamente. Sob esse ponto de vista, cumpre distinguir, em matéria civil, três
espécies de retroatividade: máxima, média e mínima.
417
sentido amplo que Gabba lhe atribui. Por isso tais espécies englobam-se sob uma
denominação comum: retroatividade injusta. Contrapõe-se-lhe a retroatividade justa, que
não causa dano ao patrimônio."
418
seus herdeiros ou, na falta destes, aos pobres, os juros já recebidos. Também o era a lei francesa
de 12 de brumário, do ano II (3 de novembro de 1793), que admitiu esses naturais à sucessão
paterna e materna em igualdade de condições com os filhos legítimos, desde 14 de julho de 1789,
data em que, segundo as leis revolucionárias da época, les droits de la nature ont repris leur empire.
A retroatividade operava radicalmente no passado, até a data referida, refazendo mesmo as
partilhas definitivamente julgadas. A retroatividade é média, quando a lei nova atinge os direitos
exigíveis, mas não realizados antes da sua vigência. Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de
juros e se aplicasse aos já vencidos, mas não pagos.
Enfim, a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando
a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em
vigor. Tal é a Constituição de Justiniano que limitou a seis por cento, em geral, após sua vigência,
a taxa de juros dos contratos anteriores. No mesmo caso está o Decreto n. 22.626, de 07 de abril
de 1933, Lei de Usura, que reduziu a doze por cento, em geral, as taxas dos juros vencidos após a
data da sua obrigatoriedade”.
E prosseguia, então, o Ministro Moreira Alves:
“Como assinala Arnold Wald, 'a doutrina fez uma distinção fecunda entre a
retroatividade máxima, que alcança o direito adquirido e afeta os negócios jurídicos findos; a
retroatividade média, que alcança os direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio
do titular e a retroatividade mínima, que confunde com o efeito imediato da lei e só implica sujeitar
à lei novas consequências a ela posteriores de atos jurídicos praticados na vigência da lei anterior.
Nesse sentido, por igual, a lição de Caio Mário da Silva Pereira – dizia então Moreira
Alves:
‘Quando uma lei atinge os efeitos dos atos jurídicos praticados ou as situações jurídicas
constituídas, os direitos subjetivos adquiridos sobre o império da lei caduca, diz-se que é retroativa.
Os princípios de direito intertemporal têm por escopo indagar em que casos ocorre a retroatividade
da lei, e formular as regras, segundo as quais o aplicador se informa de quando o efeito imediato
da lei não envolve uma atuação retro-operante. Noutros termos, sob a rubrica Direito Intertemporal,
a Ciência Jurídica formula os princípios que devem nortear o intérprete na conciliação daqueles
dois cânones fundamentais do ordenamento jurídico, que são a lei do progresso e o conceito de
estabilidade das relações humanas’”.
E ele dizia ainda mais – o Min. Moreira Alves –, citando agora um dos nossos clássicos
do Direito Civil; nada mais, nada menos do que Serpa Lopes:
419
“Se esse fato foi inteiramente exaurido na lei pretérita, a nenhum conflito dará lugar,
pois se trata de uma situação consumada, inteiramente indiferente à nova lei superveniente.
Também nenhum conflito pode gerar os novos fatos supervenientes e surgidos e consumados
inteiramente sob a vigência da nova lei, pois esta tem, necessariamente, sobre eles um império
absoluto. O grande problema assenta em relação àqueles fatos ou àquelas situações jurídicas que,
nascidas no regime da lei ab-rogada, prosseguem em trânsito até serem apanhados pela nova lei
revogadora”.
E, mais adiante, – diz Moreira Alves – refutando a tese de que a aplicação imediata é
inconfundível com o efeito retroativo, completa Serpa Lopes:
“O argumento em geral não nos parece procedente. A lei pretérita teve vigência num
determinado espaço de tempo e os fatos jurídicos então ocorridos muitas vezes não se paralisam
igualmente com a cessação da lei. Pelo contrário. Muitos deles se projetam durante largo tempo,
em etapas continuadas, como num filme cinematográfico.
A controvérsia gira, precisamente, em torno de se saber até que ponto deve chegar o
respeito aos efeitos da lei pretérita.
O argumento de que a lei pretérita só pode ser tomada em consideração, pelo juiz, tanto
quanto lhe autorize ou lhe dê força a lei vigente e obrigatória, é possível em países onde a
irretroatividade da lei não for princípio. Mas que, como acontece entre nós, a irretroatividade
constituir um princípio constitucional, a lei pretérita tem força de aplicação em se cogitando de um
direito adquirido, ou de uma situação jurídica definitivamente constituída, ou de um julgado de que
não caiba mais recurso”.
A doutrina portuguesa moderna também adota a distinção da retroatividade em três
graus:
a) A retroatividade de grau máximo seria aquela em que a lei nova nem sequer
respeitasse as situações definitivamente decididas por sentença transitada em julgado ou por
qualquer outro título equivalente (sentença arbitral homologada, transação etc.) ou aquelas causas
em que o direito de ação já havia caducado (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao
discurso legitimador, 12. reimpr., Coimbra, 2000, p. 226). Ou seja, não seriam respeitadas as
causae finitae.
b) Na lição de Baptista de Machado, o segundo caso, que podemos chamar de
retroatividade média, está representado por aquela situação que, “respeitando embora as causae
finitae, não se detém sequer perante efeitos jurídicos já produzidos no passado, mas que não
420
chegaram a ser objecto de uma decisão judicial, nem foram cobertos ou consolidados por um título
equivalente”; nesse sentido, observa-se que tal retroatividade viria a se verificar se, v. g., uma lei
nova viesse a reduzir a taxa legal de juros máximos e estabelecesse a sua aplicação retroativa em
termos de obrigar a restituir os próprios juros vencidos sob a lei anterior (e em face desta
perfeitamente legais) (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador,
12. reimpr., Coimbra, 2000, p. 226).
c) Finalmente, mencione-se a também chamada retroatividade mínima ou normal, que
respeita os efeitos de direito já produzidos pela situação jurídica sob a lei anterior; seria o caso se
lei nova viesse a estabelecer prazo mínimo mais longo para arrendamento rural e mandasse aplicar
esse prazo aos contratos em curso no momento do início de vigência ou, ainda, se a lei nova viesse
reduzir o máximo da taxa legal de juros e se declarasse aplicável aos juros dos contratos de mútuo
em curso no momento do seu início de vigência, relativamente aos juros que viessem a vencer no
futuro (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, 12. reimpr.,
Coimbra, 2000, p. 226).
Perguntas:
01 - O que é Direito Intertemporal?
02 - O que é situação jurídica?
03 - Quais as situações jurídicas possíveis? Explique-as.
04 - Quais os critérios para solucionar os conflitos de lei no tempo? Explique as
doutrinas.
05 - Existe uniformidade teórica no STJ e no STF sobre o assunto?
06 - Quais os graus de retroatividade existentes? Explique-as.
07 - Conceitue o direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada.
08 - Qual a relação entre direito adquirido e direito subjetivo?
09 - Direto adquirido é absoluto? Explique.
10 - O que é coisa julgada secundum eventum litis?
11 - O que é coisa julgada inconstitucional? Qual a posição do STF a esse respeito?
421
EXEMPLOS
422
Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2-1997, Plenário, DJ de 25-4-1997)
423
Reparem que não se está falando de correções de pequenos erros no edital,
que não afetem as condições do concurso.
Também não se está cogitando a correção de erros relevantes no edital, mas
feita antes da data de realização das primeiras provas. Nesse caso – correção de erros
importantes, antes de iniciado o concurso –, a correção é possível, com a republicação do
edital, desde que se adie a data originalmente prevista para as provas, de sorte a
possibilitar que os candidatos tenham tempo de se readequar, tendo em conta as condições
estabelecidas no novo edital.
A discussão que hoje me traz a este espaço é sobre a possibilidade de
modificações do edital que alterem substancialmente as condições de realização do
concurso, com o certame já em andamento.
A resposta intuitiva é: claro que a administração não pode fazer isso!
E está correta…
Porém, no direito, quase tudo tem a “famosa” exceção. Inclusive aquela
“resposta intuitiva”.
De fato, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, várias vezes, que, embora o
edital seja a “lei do concurso” – portanto, de observância obrigatória para todas as partes
envolvidas –, é legítimo que a administração pública modifique condições de um
concurso, já em andamento, que estivessem originalmente previstas no respectivo edital,
quando isso for necessário para adequação a eventuais novidades surgidas na legislação
posteriormente à publicação do edital, contanto que o concurso público ainda não esteja
concluído e homologado. Vejam, como exemplos, o RE 318.106/RN, rel. Min. Ellen
Gracie, julgado em 18.10.2005; e os MS 26.668/DF, 26.673/DF e 26.810/DF, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgados em 15.04.2009.
Dessa forma, exemplificando, imaginem que um determinado município
estivesse realizando um concurso público para o cargo “W” em que houvesse uma
segunda etapa consistente em um “curso de formação”, meramente classificatório, com
duração, prevista originalmente no edital, de dois meses. Suponha-se que, logo depois de
concluída a primeira etapa, o mesmo município editasse uma lei exigindo que, para o
cargo “W”, o concurso público fosse integrado por uma etapa de “curso de formação”,
eliminatório e classificatório, com duração mínima de três meses. Nessa hipótese, a
administração pública municipal teria que modificar o edital para adaptá-lo à nova lei
(porque o concurso ainda não estava concluído e homologado) e todos os candidatos que
424
tivessem passado pela primeira etapa estariam sujeitos ao “curso de formação”,
eliminatório e classificatório, com duração de três meses.
Observem que a situação é realmente excepcional, e muito restrita. O único
motivo que autoriza (ou determina) a modificação das regras do concurso pela
administração, depois de publicado o edital e já iniciado o certame, é: a superveniência
de alteração na legislação pertinente. Com efeito, nas literais palavras do Supremo
Tribunal Federal, “após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a
alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a
respectiva carreira” (MS 27.160/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 18.12.2008).
Além disso, notem que, mesmo nessa hipótese excepcional de legislação
superveniente ao edital, a alteração das condições do concurso não será possível se ele já
estiver concluído e homologado (eu sei que é um tanto óbvio, mas nunca se sabe, é sempre
bom frisar).
Até a próxima.
425
4. O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO:
● POLÍTICA
POLÍTICA – ARISTÓTELES
Natureza/função e divisão de
Primeiro tratado
poderes
sobre
Formas de governo
⇒ “o termos política foi usado durante séculos para designar principalmente obras
dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum modo
às coisas do Estado” (BOBBIO, 1991, p. 954)
Ciência do Estado
O termo “política” foi substituído por outras Doutrina do
expressões Estado
Ciência política
426
Filosofia política
⇒ A professora Maria Francisca Pinheiro Coelho, em um texto em que demonstra o
gosto dos brasileiros pela política “e o desgosto com os políticos” possui ideia semelhante
ao assinalar: “Mudanças semânticas ocorreram no termo e hoje se identifica política quase
que exclusivamente com a ação do Estado” (COELHO, 2000, p. 62).
⇒ Em seu texto, sugere “que, embora haja uma tendência natural de identificar a
política com a ação do Estado, há uma enorme diferença entre a política como uma
atividade profissional e a política como aquilo que se refere à polis, isto é, a política como
uma atividade que envolve o processo de formação de opinião sobre o que é comum a
todos na sociedade” (COELHO, 2000, p. 67 – grifo no original).
⇒ Eurico Santos, igualmente, entende por política “aquela dimensão da vida social
em que são travadas as discussões e as disputas em torno de decisões capazes de afetar o
‘bem viver’ de uma sociedade e dos indivíduos membros dessa sociedade. Trata-se da
‘preocupação com o mundo’ como sentido último da política, conforme pretende Hannah
Arendt. Sociologicamente falando, isso engloba instituições, leis, fatores históricos e
econômicos, bem como valores, crenças das mais variadas naturezas, costumes
irrefletidos e hábitos arraigados” (SANTOS, 2000, p. 89).
⇒ Os principais atores do processo político – Estado, governos e partidos –,
exatamente para manter um estilo de dominação viciosa – a sociedade esperando um
Estado protetor e os governantes atuando nesse papel – reforçam a representação “de uma
sociedade acomodada e a visão da política como proteção e assistência, retirando-lhe o
seu conteúdo de persuasão e de convencimento. Com a produção e a reprodução dessa
imagem, quando o Estado não é protetor, gera frustração e descrença. O significado da
política foi substituído pelo de assistencialismo. A política como ação plural está na
sociedade, mas, não, no Estado. Nele a noção de política foi identificada com a questão
social, que envolve a satisfação de necessidades básicas” (PINHEIRO, 2000, p. 68 – grifo
no original).
427
realização e eficácia estão previstos em uma norma jurídica. A ação política, ao contrário,
não se desenvolve de acordo com uma norma; ela é criadora, fonte de mudanças, de
inovações e de imprevisto. O cidadão que vota, a imprensa que comenta, os grupos que
pressionam, o governante que propõe uma lei realizam, neste sentido, uma atividade
política – ATENÇÃO - objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil!!
b) É uma atividade polêmica, ou uma decisão que concilia posições conflitantes. Esse
caráter decorre da mesma liberdade com que se realiza a atividade política. A ordem
jurídica é o já decidido. A ação política pugna por novas decisões, ou as impõe.
c) É união que se manifesta como poder normativo. Quando se apresenta como uma ação
interna do poder organizado, possui um valor de configuração da ordem que se chama
vinculadora; quando se traduz numa ação externa, em relação ao poder organizado que
aspira a influir sobre a ordem, ela cria, desenvolve e exerce um poder social para exercer
influência nas decisões desse poder.
d) Essa atividade política se projeta como poder sobre uma ordem vinculadora que se
formaliza através das normas jurídicas. É essencial a essa ordem uma distribuição de
bens e valores, ao mesmo tempo em que ela define situações jurídicas ou de poder dentro
da comunidade. Como ordem distributiva fundamenta-se em princípios que lhes servem
de critérios. Um liberal e um socialista têm conceitos diferentes de ordem, pois partem
de critérios diversos para realizar essa distribuição de bens e valores
e) Orientação para a realização de fins e para a seleção dos meios adequados. Os anglo-
saxões denominam esse conteúdo específico de policy, diferençando-o de politics, que
compreende a ação polêmica do poder, ou sobre o poder, para a tomada de uma decisão
relativa à ordem
428
⇒ Tradutor do Dworkin: “Policy – traduzimos na maior parte dos casos por ‘política’
(e eventualmente por ‘política pública’). Refere-se tanto aos princípios gerais que
orientam um governo na condução dos assuntos públicos, como aos programas e ações
governamentais orientadas por esses princípios. Neste último caso, fala-se, por exemplo,
de política econômica, social, trabalhista, etc” (DWORKIN, 2007, p. XVI, nota de
rodapé).
⇒ O próprio Dworkin: “Denomino ‘política’ aquele tipo de padrão que estabelece
um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico,
político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de
estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas)”
(DWORKIN, 2007, p. 36).
⇒ Ex: "...o padrão que estabelece que os acidentes automobilísticos devem ser
reduzidos é uma política..." (DWORKIN, 2007, p. 36)
Seja qual for a concepção, indicava “a atividade ou conjunto de atividades que, de
alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado” (BOBBIO,
1991, p. 954)
- ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para
todos os membros de um determinado grupo social
pólis enquanto
- exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado
SUJEITO – atos
território
como
- legislar através de normas válidas erga omnes
- tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros
Conquista
Manutenção
Defesa
pólis enquando objeto – ações como Ampliação Do poder estatal
Robustecimento
Derrubada
Destruição
⇒ “O conceito de Política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana,
está estreitamente ligado ao de poder” (BOBBIO, 1991, p. 954).
PODER Hobbes: meios adequados à obtenção de qualquer vantagem
429
Russel: conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos
desejados
PODER POLÍTICO
- a possibilidade de recorrer à força é o elemento que distingue o poder político das
outras formas de poder
Nesse sentido é o conceito de Estado para Max Weber: “Hoje, o Estado é aquela
comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o ‘território’, faz parte
da qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física
legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas
individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o
Estado o permita. Este é considerado a única fonte do ‘direito’ de exercer coação”
(WEBER, 1999, pp. 525-526).
Esse conceito weberiano é comumente aceito pela literatura: “Estamos de acordo com
Max Weber em que é a força física legítima que constitui o fio condutor da ação do
sistema político, ou seja, lhe confere sua particular qualidade e importância, assim como
sua coerência como sistema. As autoridades políticas, e somente elas, possuem o direito,
tido como predominante, de usar a coerção e de impor a obediência apoiados nela...
quando falamos de sistema político, referimo-nos também a todas as interações
respeitantes ao uso ou à ameaça de uso de coerção física legítima” (G. A. Almond e G.
B. Powell, apud BOBBIO, 1991, p. 957).
- o uso da força é condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder
político
“O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso da força em relação à
totalidade dos grupos que atuam num determinado contexto social, exclusividade que é
o resultado de um processo que se desenvolve em toda sociedade organizada, no sentido
da monopolização da posse uso dos meios com que se pode exercer a coação física. Este
processo de monopolização acompanha pari passu o processo de incriminação e punição
de todos os atos de violência que não sejam executados por pessoas autorizadas pelos
detentores e beneficiários de tal monopólio” (BOBBIO, 1991, p. 956).
Código Penal - Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima,
salvo quando a lei o permite:
430
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à
violência.
Constituição Federal - princípio da inafastabilidade da jurisdição
Art. 5º XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
⇒ A hipótese hobbesiana que serve de fundamento à teoria moderna de Estado
⇒ “...os indivíduos renunciam ao direito de usar cada um a própria força, que os
tornava iguais no estado de natureza, para o confiar a uma única pessoa, ou a único corpo,
que doravante será o único autorizado a usar a força contra eles” (BOBBIO, 1991, p. 956).
431
O que caracteriza a política são três ideias fundamentais. Esses elementos devem ser
vistos em equilíbrio
a) sentido finalista do bem público ou comum, que implica uma distribuição dos bens da
comunidade
b) caráter polêmico ou conflituoso dos atos que visam a realização do bem comum –
implica liberdade na decisão
c) poder, que pressupõe a qualificação dessa ordem como vinculadora, isto é, como uma
ordem que o poder público vai promover e respaldar
“Como costuma acontecer com categorias tão básicas, é difícil produzir um conceito
conciso, inequívoco e satisfatório de política. Ela envolve a obtenção e a distribuição de
poder e de autoridade, a produção e a imposição das normas que regem a vida em
sociedade e também as decisões vinculadas ao futuro comum de seus integrantes”
“Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica a palavra ‘política’, uma delas goza
de indiscutível unanimidade: a referência ao poder político, à esfera da política
institucional” (MAAR, 1994, p. 9)
432
1997). Especificamente para a Ciência Política, o autor afirma, no tocante ao
funcionamento das cortes judiciais e seu papel na democracia: “é fácil perceber que a
atuação de juízes, advogados privados e do setor público (procuradores e promotores) é
um componente essencial do processo político da democracia” (CASTRO, 1997).
⇒ Portanto, a aula será dividida segundo a sugestão do Professor Marcos Faro de
Castro.
● ATIVISMO JUDICIAL
A) No plano de sua criação, não há como o direito ser separado da política, na medida
em que é produto do processo constituinte ou do processo legislativo, isto é, da vontade
das maiorias. O direito é, na verdade, um dos principais produtos da política, o troféu
pelo qual muitas batalhas são disputadas. Em um Estado de direito, a Constituição e as
leis, a um só tempo, legitimam e limitam o poder político.
⇒ Sílvio de Salvo Venosa também ajuda a esclarecer a relação entre Direito e Política:
433
“O aplicador do Direito utiliza-se de leis elaboradas pelo Poder Legislativo e, por
vezes, excepcionalmente, no Estado de Direito, pelo Poder Executivo. Nesse sentido,
não pode ser esquecido que o Direito é um produto da Política. O operador do Direito
também exerce uma função política. O Direito é, na verdade, um limitador da vontade
política, pois, ao ser aplicado ao caso concreto, cerceia e limita a atividade política”
(VENOSA, 2008, p. 235)
⇒ Mais adiante menciona: “O Direito é um instrumento da Política. No Direito existe
uma área técnica e uma área política. A Política escolhe um caminho e o Direito
instrumentaliza esse caminho possibilitando a consecução das diretrizes políticas.
Nesse sentido, é possível dizer que existe o Direito da Política. A Política vale-se do
Direito para a consecução de seus fins” (VENOSA, 2008, p. 235)
⇒ No mesmo sentido, Jose Eduardo Faria: “Talvez tenha sido Weber que nos conduziu
àquela ideia de mandato que, se de um lado permite passar do nível externo da
violência para o nível interno da obediência, de outro assenta-se na probabilidade de
encontrar os meios necessários de imposição, que torne possível não apenas a
transição entre a Ciência Política clássica e a contemporânea, como, igualmente, a
preocupação em reaproximar a análise conjunta da Política e do Direito. Afinal, como
se verá ao longo da unidade, o que é a norma se não a integração de fatos e valores,
que encontra seu momento culminante num ato de escolha e prescrição, no qual se
insere o poder político? Assim, se a política é a luta que os diferentes segmentos
sociais desenvolvem com o objetivo de participar do poder, e se os sistemas políticos
são aqueles que, graças ao monopólio da violência, impõem autoritariamente valores,
o conteúdo dos textos normativos está condicionado à pauta política dos grupos que
estão nos cargos de comando” (FARIA, José Eduardo. Legalidade e legitimidade.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 14 – sem o destaque no original).
CONCEITUAÇÕES IMPORTANTES:
⇒ A) Segundo Tate e Vallinder, o ativismo judicial constitui uma atitude ou
comportamento dos juízes no sentido de “participar da elaboração de políticas que
poderiam ser deixadas ao arbítrio de outras instituições mais ou menos hábeis [...] e,
434
por vezes, substituir decisões políticas deles derivadas por aquelas derivadas de outras
instituições” (GARRIDO, 2008c, p. 104).
⇒ Comentário sobre os autores: “No modelo proposto por Tate e Vallinder (1995), o
ativismo é uma das condições para a judicialização da política, e é definido como a
orientação do juiz para contrariar a política majoritária. O tema da judicialização da
política foi proposto para um seminário internacional em 1992, publicado em uma
revista (IPSR, 1994) e, em seguida, no livro organizado por Tate e Vallinder. Ele se
tornou central no debate de política comparada, ciência política e direito
constitucional em outras partes do mundo, incluindo o Brasil” (KOERNER, Andrei.
O ATIVISMO JUDICIAL COMO PROBLEMA INTELECTUAL E POLÍTICO
NOS ESTADOS UNIDOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política, São Paulo , n. 99, p. 233-255, Sept./Dec. 2016).
⇒ B) “Utiliza-se a expressão ‘ativismo judicial’ em um sentido amplo: compreende o
papel ativo do STF na determinação do significado do texto constitucional e a sua
atuação não puramente técnica, mas também política, que envolve, em outras
palavras, a judicialização da política”. (GARAPON, A. O juiz e a democracia: o
guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999).
435
favoreceriam a transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo
para o Judiciário” (GARRIDO et al., 2008c, p. 104).
⇒ “Na ciência política, os estudos sobre as relações das instituições judiciais com as
instituições políticas têm utilizado uma expressão que determina o enfoque e orienta
o debate: a judicialização da política” (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 113).
⇒ Uma primeira acepção: o ativismo judicial será medido pela frequência com que um
determinado magistrado ou tribunal invalida as ações (normas e atos normativos) de
outros poderes de Estado, especialmente do Poder Legislativo. Em outros termos:
com que frequência os tribunais “retiram a decisão das mãos dos eleitores”
(SUNSTEIN, Cass. Radicals in robes: why extreme right-wing courts are wrong for
America. New York: Basic Books, 2005, p. 41-44).
⇒ judicialização da política, “concebida, em breve síntese, como um processo de
expansão decisória do Poder Judiciário em direção a áreas de competência
tradicionalmente exercidas pelo Poder Executivo e Legislativo” (GARRIDO, 2008b,
p. 38).
⇒ É também considerado ativista o magistrado ou tribunal que procura suprir omissões
(reais ou aparentes) dos demais poderes com suas decisões, como, por exemplo, no
tocante à definição ou concretização de políticas públicas ou regulamentação das
regras do jogo democrático.
⇒ O CASO DA OMISSÃO: "Convém, no entanto, demarcar os sentidos dos termos.
Qual será o sentido do termo "ativismo judicial" para este artigo? Para nós o ativismo
judicial significa a atribuição constitucional que possui o Poder Judiciário de
viabilizar o exercício de direitos constitucionalmente assegurados, mas que estejam
sendo inviabilizados por injustificadas omissões inconstitucionais normativas ou
governamentais do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. Ou seja, para nós, o
ativismo judicial somente deve surgir diante da injustificada omissão normativa
inconstitucional. A Constituição concede o direito, mas a inaceitável inércia
inconstitucional do legislador ou do administrador inviabiliza o gozo do direito
constitucionalmente concedido” (MARTINS ALYES, Luís Carlos. O ATIVISMO
JUDICIAL DA "REPÚBLICA TOGADA" E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NA
"DEMOCRACIA PARLAMENTAR". International Law: Rev. Colomb. Derecho
Int., Bogotá , n. 27, p. 167-198, July/Dec. 2015).
⇒ OBS: Especificamente sobre a omissão inconstitucional, confira a lista de decisões
436
em que se declarou a mora do Poder Legislativo e cuja matéria ainda se encontra
pendentes de disciplina.
⇒ “De acordo com José Eisenberg (2002), a judicialização da política é um processo
complexo composto por dois movimentos distintos: ‘1) refere-se a um processo de
expansão dos poderes de legislar e executar leis do sistema judiciário, representando
uma transferência do poder decisório do Poder Executivo e do Poder Legislativo
para os juízes e tribunais – isto é, uma politização do judiciário; 2) a disseminação
de métodos de tomada de decisão típicos do Poder Judiciário nos outros Poderes.
Em nosso juízo, este segundo movimento é mais bem descrito como uma
tribunalização da política, em oposição à judicialização representada pelo primeiro
movimento’ (EISENBERG, J. Pragmatismo, direito reflexivo e judicialização da
política. In: VIANNA, L. W. (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. 2002,
p. 47)” (GARRIDO et al., 2008, p. 52, nota nº 38).
⇒ Ran Hirschl (2004) define esse processo como “juristocracia (juristocracy), ou seja,
a progressiva transferência de poderes decisórios das instituições representativas
para o Judiciário” (HIRSCHL, R. Towards juristocracy: the origins and
consequences of the new constitutionalism. Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 2004, apud GARRIDO et al., 2008b, p. 52, notas nºs 36 e 39).
⇒ Para Marcos Faro de Castro, a literatura expõe dois componentes do conceito
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:
⇒ um novo “ativismo judicial”, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no
sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos
jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao
tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo);
⇒ o interesse de políticos é autoridades administrativas em adotar
o procedimentos semelhantes aos processo judicial e
o parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações (muitas vezes, o
judiciário é politicamente provocado a fornecer esses parâmetros).
ESQUEMA
437
COMPORTAMENTO DECISÓRIO – JUSTIÇA E DA POLÍTICA
Tate e Vallinder apud GARRIDO, 2008c, p. 104
MAGISTRATURA LEGISLATURA
1. presença de duas partes e um juiz; 1. presença de várias partes;
2. audição aberta e balanço dos 2. barganhas e compromissos a portas
argumentos; fechadas;
3. decisão de um juiz imparcial; 3. princípio da maioria;
4. sentenças de casos individuais
4. regras gerais, como as leis e orçamentos
(conforme precedentes, especialmente nos
que orientam a policy making;
casos de revisão judicial);
5. verificação de fatos e de regra relevante 5. alocação de valores econômicos e
(aplicada como a “única solução correta”). políticos para a “solução política possível”.
438
como Kant, Locke, Rawls e Dworkin e o concomitante desprestígio de autores como
Hume e Bentham;
O caso brasileiro
439
como uma atitude assumida pelos magistrados em relação às decisões e omissões dos
demais poderes – indispensável para se identificar o processo de judicialização da
política no sistema político brasileiro” (GARRIDO, et al., 2008c, p. 105).
Um tema paralelo pode ser mencionado aqui. Ao tratar das mudanças importantes
associadas ao neoconstitucionalismo, Daniel Sarmento afirma: “Estas novas ideias já
reverberam fortemente na jurisprudência nacional, sobretudo do Supremo Tribunal
Federal, que, nos últimos tempos, tem cada vez mais invocado princípios abertos nos
seus julgamentos, recorrido à ponderação de interesses e ao princípio da
proporcionalidade com frequência e até se valido de referências filosóficas na
fundamentação de decisões. Aliás, é digna de nota a influência da doutrina constitucional
na atuação do Supremo Tribunal Federal. O fenômeno é relativamente recente, uma vez
que, logo após a promulgação da Constituição de 88, havia um profundo hiato entre o
campo doutrinário, que cobrava a efetivação da Constituição pela via judicial, e a
jurisprudência do STF, tímida e reticente diante dos valores e das inovações da nova
Carta - v.g. orientação então adotada pela Corte em relação ao mandado de injunção e
ao controle judicial das medidas provisórias. Aquele quadro podia em parte ser debitado
à duvidosa opção do constituinte originário de manter no STF os ministros nomeados
durante o governo militar, que não tinham sintonia político-ideológica nem boa vontade
diante do novo sistema constitucional, e que por isso se apegavam a visões e
440
interpretações assentadas durante o regime pretérito, muitas delas francamente
incompatíveis com a nova ordem. Mas hoje, após a completa renovação do STF,
constata-se um quadro radicalmente diferente: a maioria dos ministros do STF é
composta por professores de Direito Constitucional, de grande reputação acadêmica,
que, até pela origem, têm mais contato com a produção intelectual de ponta na área e são
mais suscetíveis à influência das novas correntes de pensamento” (SARMENTO, Daniel.
O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009 – grifei).
SEPARAÇÃO DOS PODERES
A liberdade política, para Montesquieu, somente pode existir quando não se abusa do
poder. Diz ele: "... a experiência eterna mostra que todo homem que tem poder é tentado
a abusar dele; vai até onde encontra limites. Quem diria! A própria virtude tem
necessidade de limites" (MONTESQUIEU, 1995, p. 118 - LIVRO XI, CAPÍTULO IV).
Ele menciona que "Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de
executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos
indivíduos" (MONTESQUIEU, 1995, p. 119 - LIVRO XI, CAPÍTULO VI). O ideal,
portanto, é distribuir os "três poderes e daí calcular os graus de liberdade que cada um
pode fruir" (MONTESQUIEU, 1995, p. 138 - LIVRO XI, CAPÍTULO XX).
Apesar da assimetria entre os poderes persistir ainda hoje, após a Constituição de 1988
as competências dos três ramos de poder parecem estar mais cristalizadas do que antes.
DIREITOS POLÍTICOS
Entretanto, desde 1988, pode-se detectar um nível aceitável de obediência à lei por parte
da alta hierarquia governamental, pelo menos no que diz respeito aos direitos individuais.
441
UM DEBATE JURÍDICO DECORRENTE
Para a professora Gisele Cittadino, existem algumas consequências para o ativismo
judicial:
a) transforma em questão problemática os princípios da separação dos poderes e da
neutralidade política do Poder Judiciário;
b) inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições
político-representativas.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Oswaldo Canela Junior: "Para o Estado social atingir esses objetivos, faz-se necessária
a realização de metas, ou programas, que implicam o estabelecimento de funções aos
Poderes Públicos, para a consecução dos objetivos predeterminados pelas Constituições
e pelas leis. Desse modo, formulado o comando constitucional ou legal, impõe-se ao
Estado promover as ações necessárias para a implementação dos objetivos fundamentais.
E o poder do Estado, embora uno, é exercido segundo especialização de atividades: a
estrutura normativa da Constituição dispõe sobre suas três formas de expressão: a
atividade legislativa, executiva e judiciária" (apud GRINOVER, 2010, pp. 12-13)
"o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce ele seu poder por meio de formas de expressão
(ou Poderes). Para racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder
estatal exerce atividade específica, destacada pela Constituição. No exercício de tais
funções é vedada às formas de expressão do poder estatal interferência recíproca: é este
o sentido da independência dos poderes" (Oswaldo Canela Junior, apud GRINOVER,
2010, p. 13)
442
do Estado, uma vez que devem fiscalizar-se mutuamente, com vista à tutela dos direitos
fundamentais, e, neste sentido, o Poder Judiciário poderia agir como promotor de tais
políticas” (Leal, João Carlos Júnior; Shimamura, Emilim. Sobre procedimentalismo e
substancialismo na promoção de políticas públicas na área de saúde. Revista CEJ, v. 15,
n. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011, p. 16).
A harmonia entre os poderes deve ocorrer para que os objetivos fundamentais do Estado
sejam alcançados
443
só será realizado se o Poder Legislativo escolher premissas concretas que levem à
realização dos direitos fundamentais e das finalidades estatais. Os direitos fundamentais,
quanto mais forem restringidos e mais importantes forem na ordem constitucional, mais
devem ter sua realização controlada. A tese da insindicabilidade das decisões do Poder
Legislativo, sustentada de modo simplista, é uma monstruosidade que viola a função de
guardião da Constituição atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a plena realização do
princípio democrático e dos direitos fundamentais bem como a concretização do
princípio da universalidade da jurisdição” (ÁVILA, 2011, p. 189).
444
destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196)
e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à
vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não
ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade - RE 271286
AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000 -
O desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos direitos políticos,
foram mais propriamente obra de pressões e lutas das organizações sociais, sejam elas
445
movimentos sociais ou grupos de interesse, do que obra de devoção de atores altruístas.
“À medida que os grupos descobrem a utilidade dos tribunais para alcançar os seus
objetivos, eles progressivamente ampliam a concepção de direito, eis que seus interesses
passam a fazer parte de uma espécie de carta formal de direitos” (TATE e VALINDER,
apud PEREIRA, 2011, p. 31)
446
Presidente da Câmara dos Deputados que ‘(...) formalizou, perante o Plenário da
Câmara dos Deputados, seu entendimento no sentido de que o sobrestamento das
deliberações legislativas - previsto no §6º do art. 62 da Constituição Federal - só se
aplicaria, supostamente, aos projetos de lei ordinária’. (...) Mais do que isso, a decisão
em causa teria a virtude de devolver, à Câmara dos Deputados, o poder de agenda, que
representa prerrogativa institucional das mais relevantes, capaz de permitir, a essa
Casa do Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo
inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política,
social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará – na visão e
na perspectiva do Poder Legislativo (e não nas do Presidente da República) – a
formulação e a concretização, pela instância parlamentar, de uma pauta temática
própria, sem prejuízo da observância do bloqueio procedimental a que se refere o §6º
do art. 62 da Constituição, considerada, quanto a essa obstrução ritual, a interpretação
que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados”.
447
neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).
Esses dados demonstram que o uso dos tribunais pela oposição é um fato consumado no
Brasil. Mesmo, mais recentemente: “...é curioso notar que o partido político que mais
trazia casos ao Supremo no período Fernando Henrique Cardoso era o Partido dos
Trabalhadores (PT) e, agora, na gestão Lula, o Partido dos Democratas (DEM) passou
a ocupar a primeira posição entre os usuários do Tribunal, seguido de perto pelo
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)” (VIEIRA, 2008, p. 448).
56 WERNECK VIANNA, L. 1999. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan
57 CARVALHO, E. R. 2000. Sua Majestade, o Presidente da República: estudo de caso do controle de
448
a alteração da posição da Corte em relação aos direitos sociais, antes tratados como
"normas programáticas", e hoje submetidos a uma intensa proteção judicial:
Petição 1.246 MS/SC, julgada em 31/01/1997 (obrigação do Estado de realizar
transplante de células mioblásticas para salvar a vida de criança);
Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 271.286/RS, DJU, 24 nov. 2000
(entrega de medicamentos para portadores de HIV);
Agravo de Instrumento do Recurso Extraordinário nº 410.715-5, julgado em 22/11/2005
(obrigação de fornecimento de vagas para educação infantil pelo município, com
atendimento em creches e pré-escola).
reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais: Recursos
Extraordinários nºs. 158.215-4/RS, 161.243-6/DF, 201.819/RJ
mutação do entendimento do Tribunal em relação às potencialidades do mandado de
injunção: Cf. Mandado de Injunção 670/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
25.10.2007, em que o STF, revendo orientação anterior, deu eficácia normativa à
sentença proferida no mandado de injunção. No caso, decidiu-se que, até o advento de
lei regulamentadora sobre a greve no serviço público, o direito de greve poderia ser
exercido, obedecendo-se os limites impostos pela Lei 7.783/89, que trata dos
movimentos paredistas em serviços essenciais no setor privado.
progressiva superação da visão clássica kelseniana da jurisdição constitucional, que a
equiparava ao "legislador negativo", com a admissão de técnicas decisórias mais
heterodoxas,94 como as declarações de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade
e as sentenças aditivas.
E para completar o quadro, deve-se acrescentar as mudanças acarretadas por algumas
inovações processuais recentes na nossa jurisdição constitucional, que permitiram a
participação dos amici curiae, bem como a realização de audiências públicas no âmbito
do processo constitucional, ampliando a possibilidade de atuação da sociedade civil
organizada no STF.
A MODIFICAÇÃO DA AGENDA
a nova postura de ativismo judicial do STF estimula as forças sociais a procurá-lo com
mais frequência e contribui para uma significativa alteração na agenda da Corte.
Atualmente, ao lado das questões mais tradicionais de Direito Público, o STF tem se
449
defrontado com novos temas fortemente impregnados de conteúdo moral, como:
as discussões sobre a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias: ADIN
3.510/DF, Relator Ministro Carlos Ayres Britto. A ação, proposta contra o art. 5º da Lei
de Biossegurança, impugnava a autorização de pesquisas com embriões humanos
resultantes de fertilização in vitro que fossem inviáveis ou estivessem congelados há
mais de três anos. A ação foi julgada totalmente improcedente, por 6 votos a 5.
aborto de feto anencefálico: ADPF 54
união entre pessoas do mesmo sexo: ADPF 132
450
da jurisprudência pode preencher importante papel na democracia, pois representa a
possibilidade de uma troca de experiências entre os poderes do Estado e permite que
interesses derrotados na esfera judicial possam apresentar novos argumentos em esfera
diversa”.
451
referencia contida no §4º do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I do artigo 154
nela insculpido, impõe a observância de veículo próprio - a lei complementar.
Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3º da Lei nº 7.787/89, no que abrangido o que
pago a administradores e autônomos. Declaração de inconstitucionalidade limitada pela
controvérsia dos autos, no que não envolvidos pagamentos a avulsos”.
OBS: Na ADI 3685 (Relatora a Min. ELLEN GRACIE), julgado em 22.03.2006, o STF
declarou que as regras da EC 52/2006 somente podem ser aplicadas “após decorrido um
ano da data de sua vigência”.
Caso 4: ADI 2240, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007:
O CASO DO MUNICÍPIO DE LUÍS EDUARDO MAGALHÃES: “Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo
452
prazo de 24 meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia” e ADI
3689, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2007: O CASO
DO MUNICIPIO DE OURILÂNDIA DO NORTE/PA: “Declaração de
inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta
julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a
nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n. 6.066, de 14 de agosto de 1.997, do Estado
do Pará”.
2 – “Confirma-se hoje que a Constituição Federal é o que o Supremo diz que ela é” Voto
Ministro Marco Aurélio, MS 26602 - caso da fidelidade partidária.
3 – Ministro Gilmar Ferreira Mendes, quando do julgamento da ação proposta pela AMB
sobre os candidatos ficha suja, afirmou: “cada vez nós sabemos mais que o Direito deve
ser achado na lei e não na rua”58
58 “críticos enxergam ataque ao princípio da ‘presunção de inocência’”, Jornal do Brasil, país, p. A12,
04.10.2009.
453
melhores decisões em matéria de políticas públicas que os agentes públicos encarregados
dessa função?
EXEMPLO HISTÓRICO
RESPOSTAS CIENTÍFICAS:
59 Um exemplo extremado deste posicionamento está na argumentação adotada pelo STF no julgamento
da ADI 2.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, em que se reconheceu a inconstitucionalidade formal de lei
que pretendia interpretar a Constituição. Para o STF, “não pode a lei ordinária pretender impor, como seu
objeto imediato, uma interpretação a Constituição; a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a
toda norma da gradação inferior que se proponha a ditar interpretação de norma superior (...)”
454
constitucionais60” (SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e
possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. v. 3, n. 9, p. 95-133,
jan./mar. 2009).
60 Existe hoje uma fecunda produção acadêmica no cenário anglo-saxão sobre as vantagens de modelos
teóricos que favoreçam diálogos entre diversos órgãos e instituições na interpretação constitucional, ao
invés de afirmarem a exclusividade ou mesmo a supremacia do Judiciário nesta seara. Veja-se, a
propósito, Laurence G. Sager. Justice in Plainclothes: A Theory of American Constitutional Practice. New
haven: Yale University Press, 2004; Mark Tushnet. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social
Welfare Rights in Comparative Constitutional Law. Princeton: Princeton University Press, 2008; Mark C.
Miller; Jeb Barnes (Ed.). Making Police, Making Law: An Interbranch Perspective. Washington D.C:
Georgetown University Press, 2004.
455
formalmente, superar decisão da Corte Constitucional que reconheça a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Muito embora tal instrumento não esteja
compreendido entre as atribuições do Congresso Nacional, há aceso debate a respeito da
superação de decisões do Supremo Tribunal Federal por meio de emendas constitucionais
ou maioria legislativas simples. Dito isso, discorra, em até duas laudas, a respeito do
assunto, abordando em especial as eventuais respostas legislativas às decisões do
Supremo Tribunal Federal, assim como a reação do Pretório Excelso acerca da
constitucionalidade dessas respostas, de acordo com a espécie normativa pela qual foram
veiculadas.
“EFEITO BACKLASH”
456
UM OUTRO ENFOQUE SOBRE A FOSSILIZAÇÃO
O problema da limitação do legislador atual pelas decisões do constituinte, adotadas
no passado, envolve a problemática da partilha intergeracional de poder, bem explicitada
na fala de Jefferson, que defendia que, a cada 19 anos, deveria ser elaborada uma nova
Constituição nos Estados Unidos, para que a Lei Maior daquele país não se tornasse um
mecanismo de "governo dos mortos sobre os vivos". Em síntese apertada, há, na teoria
política contemporânea, duas linhas principais de justificativa para a legitimidade destas
restrições.
Uma é a teoria da democracia dualista, defendida por Bruce Ackerman, que sustenta
que as decisões adotadas pelo próprio povo, em contextos de grande mobilização cívica,
devem ser protegidas do alcance da vontade dos representantes do povo, formada em
momentos em que a cidadania não esteja intensamente envolvida. Esta teoria distingue
a política extraordinária, correspondente àqueles "momentos constitucionais", da política
ordinária, que se realiza através das deliberações do dia a dia dos órgãos representativos.
Para a perspectiva ackermaniana, a política extraordinária - que não exige,
necessariamente, formalização procedimental através de assembleia constituinte ou de
emenda constitucional - se situa em patamar superior à política ordinária, e pode
legitimamente impor limites a esta (cf. Bruce Ackerman. We the people: Foundations.
Cambridge: The Belknap Press, 1991. p. 03-33).
Outra teoria é a do pré-compromisso, que já foi advogada por Jon Elster. Segundo
ela, é legítimo subtrair do alcance das maiorias determinadas questões fundamentais, que
expressam princípios fundamentais de justiça política, ou garantam os pressupostos da
própria democracia, tendo em vista o risco de que, no processo político majoritário, em
momentos de irracionalidade, o povo possa ser vítima de suas próprias fraquezas ou
paixões momentâneas, atentando contra tais princípios (cf. Ulisses and Sirens.
Cambridge: Cambridge University Press, 1979).
Ambas as concepções – a primeira mais próxima ao republicanismo e a segunda de
viés mais liberal –, têm a sua dose de procedência, mas ensejam críticas importantes.
Todavia, foge a escopo do presente trabalho analisar esta questão, que é uma das mais
complexas da Filosofia Política moderna e contemporânea. Para uma visão geral sobre
o tema na literatura em língua portuguesa, veja-se Oscar Vilhena Vieira. A Constituição
e sua reserva de justiça. Op. cit; Miguel Nogueira de Brito. A Constituição constituinte:
457
ensaio sobre o poder de revisão da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2000; Samantha
Chantal Dobrowolski. Op. cit; p. 265-312; Rodrigo Brandão. Direitos fundamentais,
democracia e cláusulas pétreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 59-112.
(SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades.
Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009, nota
de rodapé nº 107).
458
LEI Nº 12.016, DE 07.08.2009 (nova disciplina do mandado de segurança),
art. 16, Parágrafo único: “Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida
liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre”.
459
possível a prática de violência doméstica e familiar nas relações entre namorados,
ainda que não tenham coabitado, exigindo-se, contudo, que os fatos tenham sido
praticados em razão da relação de intimidade e afeto existente entre o agressor e a
vítima. Precedentes" (HC 357.885/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 31/08/2016).
“A legislação até a entrada em vigor da Lei n.º 4.075/2007, não limita a concessão da
GATE aos professores que lecionem em instituições destinadas unicamente a educar
alunos especiais ou em classe composta exclusivamente de referidos alunos. Classe
especial é aquela que possui em seus quadros alunos com necessidades especiais, em
qualquer número” - 20080111195164EIC, Relator CARMELITA BRASIL, 2ª Câmara
Cível, julgado em 08/08/2011.
VAQUEJADA
460
Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016.
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 96
Acrescenta § 7º ao art. 225 da Constituição Federal para determinar que práticas
desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, nas condições que
especifica.
"Art. 225, §7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não
se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam
manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal,
registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro,
devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais
envolvidos" (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 06.06.2017).
461
desfavorecidas, com base numa leitura substantiva da cláusula do devido processo
legal. No cenário contemporâneo, Ran Hirshl sustenta que o processo de judicialização
da política que vem ocorrendo nos últimos anos em diversos países do mundo - ele fez
um atento, ainda que controvertido, estudo dos casos do Canadá, Israel, África do Sul
e Nova Zelândia -, teria como pano de fundo uma tentativa das elites econômicas e
culturais, que perderam espaço na política majoritária, de manterem o seu poder,
reforçando no arranjo institucional do Estado o peso do Judiciário, no qual elas ainda
têm hegemonia. E, aqui no Brasil, será que a proteção absoluta que vem sendo
conferida ao direito adquirido – inclusive o de furar teto salarial do funcionalismo
fixado por emenda à Constituição – e o "ultra-garantismo" penal nos crimes do
colarinho branco não seriam exemplos deste mesmo fenômeno?" (SARMENTO,
Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira
de Estudos Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).
2 – “Não esqueçamos (...) que ativismo judicial nos Estados Unidos foi feito às avessas
num primeiro momento (de modo que não se pode considerar que o ativismo seja
sempre algo positivo). O típico caso de um ativismo às avessas foi a postura da
Suprema Corte estadunidense com relação ao new deal, que, aferrada aos postulados
de um liberalismo económico do tipo laissez faire, barrava, por inconstitucional idade,
as medidas intervencionistas estabelecidas pelo governo Roosevelt. As atitudes
intervencionistas a favor dos direitos humanos fundamentais ocorrem em um contexto
que dependia muito mais da ação individual de uma maioria estabelecida, do que pelo
resultado de um imaginário propriamente ativista. O caso da Corte Warren, por
exemplo, foi resultante da concepção pessoal de certo número de juízes e não o
resultado de um sentimento constitucional acerca desta problemática. E essas
circunstâncias não podem ser ignoradas" (STRECK, 2010, p. 23)
462
primeiros autores de dar estatuto conceitual à expressão “judicialização da política” foi
questionada: “Em suas análises de ações de insconstitucionalidade no STF eles já
apontavam a inadequação do conceito, dado o pouco ativismo dos ministros” (MACIEL
e KOERNER, 2002 – grifei).
62Somente para delimitar historicamente a ideia: A metodologia empregada pelo pesquisador foi a de
análise de conteúdo de uma amostra de ementas de acórdãos do STF, publicadas no Diário Oficial da
União durante o primeiro semestre de 1994. Foram analisadas 1.240 ementas.
463
Tate e Vallinder “introduzido[s] no Brasil por Castro (1997)” teriam norteado “o debate
acadêmico na Ciência Política em torno da judicialização no Brasil” (CARVALHO,
2004, p. 116). Entretanto, para Ernani Rodrigues de Carvalho, o uso desse modelos na
explicação do comportamento julgador não elucida algumas questões, entre elas:
1. Quais as forças políticas envolvidas ou em disputa?
2. Em que condições as decisões são tomadas (conjuntura política)?
3. Ocorre influência e/ou pressão externa?
4. Essa pressão surtiu efeito?
5. Os juízes atuam ideologicamente?
6. Ocorreu interferência na aplicação de políticas públicas?
Ao que tudo indica, portanto, não existe um estudo conclusivo que vislumbre
interesses corporativos ou particulares inscritos em uma opção por um arranjo legal-
institucional mais ou menos favorável à “juristocracia” ou à “supremocracia”. Existem,
entretanto, teses conspiratórias (???) a esse respeito. Esta é a hipótese explicativa
desenvolvida por Ran Hirschl:
“O poder judicial não cai do céu; ele é politicamente construído. Acredito
que a constitucionalização dos direitos e o fortalecimento do controle de
constitucionalidade das leis resultam de um pacto estratégico liderado por elites políticas
hegemônicas continuamente ameaçadas, que buscam isolar suas preferências políticas
contra mudanças em razão da política democrática, em associação com elites
econômicas e jurídicas que possuem interesses compatíveis” HIRSCHL, R. Towards
juristocracy: the origins and consequences of the new constitutionalism. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 2004, p. 49.
● POLÍTICAS PÚBLICAS
POLÍTICA ESTATAL
“Por política estatal - ou políticas públicas - entende-se o conjunto de
atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-
se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões
(Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado.
Como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e
464
pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário
analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que se convencionou chamar de
'atos de governo' ou 'questões políticas', sob o prisma do atendimento aos fins do Estado
(art. 3º da CF), ou seja, em última análise à sua constitucionalidade” (Oswaldo Canela
Junior, apud GRINOVER, 2010, p. 14)
465
Em um excelente texto, Michael Howlett (A dialética da Opinião Pública)
critica os trabalhos acadêmicos que consideram a relação entre a opinião pública e a
formação de políticas públicas como simples, direta e linear
Desde Rousseau se discute a dificuldade de agregar o murmúrio da vontade
coletiva em prescrições políticas universalmente endossadas
O caminho que sentimentos públicos trilham para chegar de forma
consistente ao formador de políticas
PROBLEMAS
Processos que estabelecem as agendas governamentais e as opções
para formular políticas
“Frustração democrática”: o sistema de políticas não atende de maneira
adequada ao sistema democrático (BROOKS, apud HOWLLET, 2000, pp. 168/169)
A situação na qual o comportamento da elite está isolado das reações da
opinião pública é descrita por O’DONNELL como democracia delegativa (apud
PEREIRA, POWER e RENNO, 2005).
Os freios e contrapesos são frágeis
Democracia delegativa Os eleitores não conseguem responsabilizar os
representantes pelo desempenho no cargo
FORMULAÇÃO DA POLÍTICA
Processo pelo qual as opções por políticas são desenvolvidas dentro do governo
O público não é representado diretamente nos subsistemas das políticas setoriais
466
É lenta a absorção dos inputs nas democracias: "Em regimes democráticos, existem
numerosas instituições intermediárias que filtram as demandas e muitas dessas
instituições operam em condições de alta viscosidade" (PEREIRA, POWER e RENNO,
2005, p. 402)
Há uma representação indireta: grupos de interesse
Sobre a formação científica/educação técnica: “A participação na formulação de
políticas requer que os membros do público de uma questão sejam capazes de no
mínimo construir a questão como problemática, e tenham informação suficiente para
buscar soluções potenciais para o problema. Em muitos casos, só os especialistas têm
essa capacidade” (HOWLETT, 2000, p. 177).
Veremos essa questão especificamente no direito – Pierre Bourdieu
Mais importante no estágio de formulação de Grupos de interesse
políticas é a existência de instituições organizadas Partidos políticos
Os caroneiros
Problemas
A governabilidade brasileira: os aliados
TOMADA DE DECISÃO
Processo pelo qual os governos adotam um curso particular de ação ou não ação
À medida que o processamento das PP caminha, o número de atores políticos relevantes
diminui
Construção da agenda: ampla variedade de atores estatais e sociais
Formulação de políticas: o número de atores ainda é grande, mas é reduzida as que foram
algum subsistema de política setorial
Com O estágio de tomada de decisão envolve menos atores
exceção Políticos
dos (raros) Funcionários autorizados
Somente participam desse estágio do
referendos Juízes – OBS: CNJ
ciclo da política
e
plebiscitos
Existem regras definindo – vício de iniciativa de Lei, p. ex.
“tais regras de procedimento fornecem ‘canais de ação’ aos tomadores de decisão”
(HOWLETT, 2000, p. 179)
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
467
Processo pelo qual os governos põem as políticas em execução
Os atores centrais em processos políticos são os burocratas especialistas com tempo e
especialização
O poder e a influência depende da amplitude dos recursos politicamente relevantes
O corpo burocrático possui autonomia, mas não pode ser isolado da pressão pública de
forma exagerada
Ao tratar “de questões semelhantes em base continuada dota-os (os burocratas) de
percepção única dos problemas” (HOWLETT, 2000, p. 180)
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS
Processos pelos quais os resultados das políticas são monitorados pelos atores estatais e
societais, e cujo resultado pode ser a reformulação dos problemas e soluções
Partidos e candidatos oferecem pacotes de políticas que atraem os eleitores
O voto é concebido como avaliação de políticas
Eleitores individuais julgam as políticas de um governo
O sistema eleitoral não permite a escolha de políticas específicas
A avaliação das políticas específicas é feita por servidores ou membros do judiciário
que, por sua vez, são isolados da opinião e da pressão públicas
PROBLEMA: se o legislador não ouve a sociedade, como o Poder Judiciário tem agido
na sua relação com a sociedade-VER a “representatividade adequada”
● TRÊS CORRENTES
63 Neste ponto, entendo que um standard importante que deveria ser adotado para controle de
constitucionalidade é o de que quanto maiores forem as credencias democráticas de um ato normativo,
mais autocontido deve ser o Poder Judiciário ao avaliar a sua constitucionalidade. Na minha opinião, estas
credencias democráticas devem ser aferidas tanto por critérios qualitativos - e.g. grau de participação
social no processo legislativo, qualidade do processo deliberativo que a antecedeu - como por critérios
quantitativos - percentual de votos favoráveis à medida. Em sentido semelhante, veja-se Cláudio Ari
Mello. Democracia e direitos fundamentais. Op. cit., p. 298.
64 Em sentido próximo apontam as lições de Gustavo Binenbojm e Humberto Ávila. O primeiro, tratando
do controle judicial dos atos administrativos, averbou que "quanto maior for o grau de tecnicidade da
matéria, objeto de decisão por órgãos dotados de expertise e experiência, menos intenso deve ser o grau
de controle judicial" (Uma teoria do direito administrativo.... Op. cit., p. 236). Já o segundo salientou que
"o âmbito de controle pelo Judiciário deverá ser tanto menor quanto mais... difícil e técnico for o juízo
exigido para o tratamento da matéria" (Teoria dos princípios.... Op. cit., p. 126).
469
DO ESTADO EM CASOS EXTREMOS
⇒ "...havendo previsão de políticas públicas no plano plurianual, com dotação
orçamentária anual, porém, não realizada ou efetivada, haveria - apesar da não-
obrigatoriedade da realização da despesa prevista no orçamento anual - possibilidade de
o juiz, comprovada a necessidade fática, obrigar sua realização" (GARCIA, 2009)
⇒ o autor da ação deverá observar dois pressupostos
⇒ - indicação da fonte do financiamento do programa social
⇒ - respeito à lei orçamentária anual enquanto princípio da reserva da atividade
legislativa
470
das maiorias, bem como um certo ethos profissional de valorização dos direitos humanos,
que começa a se instalar na nossa magistratura, conferem ao Judiciário uma capacidade
institucional privilegiada para atuar nestas áreas" (SARMENTO, Daniel. O
neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).
471
Tutela do ambiente
Acesso à justiça
472
⇒ IMPORTANTE: A mera alegação não é suficiente para isentar o poder público
⇒ Deve haver prova
⇒ Ada Pellegrini, inclusive, defende a aplicabilidade “quer a regra da inversão do ônus
da prova (art. 6º, VII, do Código de Defesa do Consumidor), aplicável por analogia,
quer a regra da distribuição dinâmica do ônus da prova, que flexibiliza o art. 333 CPC,
para atribuir a carga da prova à parte que estiver mais próxima dos fatos e tiver mais
facilidade de prová-los” (GRINOVER, 2010, p. 24)
⇒ Uma vez provada a ausência de recursos, a reserva do possível pode ensejar uma
condenação em duas etapas
1º - inclusão no orçamento da verba necessária ao adimplemento da obrigação;
2º - em seguida à inclusão, à obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da
obrigação – a segunda condenação justifica-se, pois a lei orçamentária não é vinculante
473
provimento; Edson Fachin: provimento integral, pediu vista Teori Zavascki.
⇒ Dentro desse debate, quanto à intensidade do controle dos outros Poderes pelo Poder
Judiciário, Humberto Ávila assinala:
⇒ “uma das grandes dúvidas concernentes à aplicação do postulado da
proporcionalidade é a relativa intensidade do controle a ser exercido pelo Poder
Judiciário sobre os atos dos Poderes Executivo e Legislativo
474
● POSSIBILIDADES DE SENTENÇA
ASPECTOS BÁSICOS QUE PODERIAM SER OBJETO DE CONTROLE
(GARCIA, 2009):
a) a fixação de metas e prioridades, por parte do Poder Público, em matéria de direitos
fundamentais;
b) o resultado final esperado das políticas públicas;
c) a quantidade de recursos a ser investida em políticas públicas vinculadas à realização
de direitos fundamentais;
d) a constatação do alcance (ou não) das metas fixadas pelo próprio Poder Público; e
e) a eficiência mínima na aplicação dos recursos públicos destinados a determinada
finalidade.
Existem outras políticas com o intuito, por exemplo, de “contornar o grave problema da
superlotação dos presídios, a inclusão das pessoas portadoras de deficiências nas
carreiras públicas, além de aperfeiçoar os sistemas de acesso à justiça, de adoção de
menores e, inclusive, de ações voltadas à proteção do meio-ambiente, entre outros temas
de alta relevância” (GARCIA, 2009).
476
Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe
06/08/2008
⇒ Trecho de decisão, proferida pelo Ministro Humberto Martins, em 01.08.2012 no
Recurso Especial nº 1.277.871 - Data da Publicação: 06/08/2012: "Há muito se
encontra pacificado em ambas as Turmas julgadoras que compõem a Primeira Seção
desta Corte Superior o cabimento de bloqueio de verbas públicas, mormente como se
dá na espécie, em que a municipalidade foi obrigada judicialmente ao fornecimento
de medicamentos".
⇒ OBSERVAÇÃO SOBRE A APLICAÇÃO DE ASTREINTES NO MANDADO DE
SEGURANÇA EM QUE SE DESCUMPRE DA DECISÃO: “Para caso de
descumprimento da decisão proferida no mandado de segurança, a providência é a
prevista no art. 26 da L. 12.016/09, e não fixar multa (astreintes), que não conta com
previsão nessa lei. Embargos acolhidos”. (Acórdão n.741515, 20130020223129EME,
Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Relator Designado: JAIR SOARES, Conselho
Especial, Data de Julgamento: 26/11/2013, Publicado no DJE: 06/12/2013.
⇒
Inconveniências
- em primeiro lugar, pode-se penalizar a própria sociedade: “não se pode esquecer o fato
de que a multa diária recairá, diretamente, no patrimônio público, bem de todos. E que,
por isso, os efeitos de uma multa aplicada ao setor particular e ao setor público podem
ser completamente diversos. [...] A imposição de multa diária só tem efeito quando recai
no patrimônio particular do administrador público, pois, de contrário, onerar-se-ia ainda
mais o erário” (Eurico Ferraresi, apud GRINOVER, 2010, p. 26).
- para o caso de execução, em certos casos, exige-se nova demanda
- o rito do precatório
c) INTERVENÇÃO
477
⇒ "A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em julgado
traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação de poderes e
fundada nos postulados que informam, em nosso sistema jurídico, a própria
concepção de Estado Democrático de Direito. O dever de cumprir as decisões
emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos em que a condenação judicial
tem por destinatário o próprio Poder Público, muito mais do que simples incumbência
de ordem processual, representa uma incontornável obrigação institucional a que não
se pode subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República. A desobediência a
ordem ou a decisão judicial pode gerar, em nosso sistema jurídico, gravíssimas
consequências, quer no plano penal, quer no âmbito político-administrativo
(possibilidade de impeachment), quer, ainda, na esfera institucional
(decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou em Municípios
situados em Território Federal, ou de intervenção estadual nos Municípios)" - IF
590 QO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/1998.
478
expressamente a referida cumulação.
REFERÊNCIAS
_____. Teoria Geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado
por Michelangelo Boveiro. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000.
COELHO, Maria Francisca Pinheiro. O gosto pela política. In: ARAÚJO, Caetano
Ernesto Pereira de. (et. al.) organizadores. Política e valores. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2000.
479
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13ª. ed., rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2008.
480
pública e da opinião pública em sociedades democráticas contemporâneas. Opinião
Pública [online]. 2000, vol.6, n.2, pp. 167-186.
MAAR, Wolfgang Leo. O que é política. Coleção Primeiros Passos. 16ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública,
mandado de injunção, habeas data, ação direta de ... 28ª. ed. atualizada e complementada
de acordo com as emendas constitucionais, a legislação vigente e a mais recente
jurisprudência do STF e do STJ por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes com a
colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Malheiros, 2005.
PEREIRA, Carlos; POWER, Timothy and RENNO, Lúcio. Opinião pública, estratégia
presidencial e ação do congresso no Brasil: "quem manda?". Opinião Pública [online].
2005, vol.11, n.2, pp. 401-421.
481
ciencias sociais Equipe de Editoração: Benedicto Silva, Coordenação Geral; antonio
garcia de miranda netto ... et al. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Fgv, 1987.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme minha consciência?. 2ª. ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2ª. ed., 4.
reimpr. São Paulo: Atlas, 2008.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista direito GV. São Paulo. v. 4, n. 2, p. 441-
463, jul./dez. 2008. [online]
ANEXO I
65 Para Ada Pellegrini Grinover, o precedente mais representativo em favor da intervenção do Poder
Judiciário no controle de políticas públicas consiste na decisão monocrática do Ministro Celso de Mello
proferida na ADPF 45 - ADPF 45 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado
em DJ 04/05/2004 - link.
482
e Executivo.
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático.
Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte –
que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”
(RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao
tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN,
“The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e
implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,
prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou
coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-
se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de
um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do
Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-
financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta
Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar
obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar,
de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos
483
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado,
com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação
ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica
dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação
de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá
levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como
o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado.
Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para,
em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra
política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser
resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida
está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção
dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os
elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão
estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de
atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que
outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao
estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com
a reserva do possível.”
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”,
ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre
onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade
da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a
existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações
positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a
484
aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do
mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do
Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa
ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade
estatal de realização prática de tais direitos.
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções
políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em
mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a
liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e
culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador
de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e
essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como
precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo
ético-jurídico –, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a
viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada
pelo Estado.
485
DJe 16.9.2009 - link
O direito à saúde constitui faceta do princípio da dignidade humana que se insere entre
os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de estabelecer uma
sociedade livre, justa e solidária, tendo em vista a realização da justiça social. Postas tais
premissas, não prosperam as alegações de violação aos princípios da separação dos
poderes e da reserva do possível. Por último, quanto ao excessivo ativismo judicial no
âmbito das políticas públicas de saúde, não custa insistir que o maior requisito para a
concessão da liminar é a própria gravidade da doença do impetrante. Privilegiam-se,
pois, a vida e o amplo acesso à saúde – Acórdão n.469720, 20100020047789MSG,
Relator: WALDIR LEONCIO LOPES JUNIOR, Conselho Especial, Publicado no DJE:
16/12/2010. Pág.: 38
ANEXO II
486
imprescindível distinguir se a não prestação decorre de:
(1) uma omissão legislativa ou administrativa,
"no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples,
de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em
matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a
determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes".
2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou
3) de uma vedação legal a sua dispensação.
o registro na ANVISA é condição necessária66 para atestar a segurança e o benefício
do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa
considerar sua incorporação.
SEGUNDO DADO "O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação
para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS".
Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações:
1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente;
A "obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se
ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção,
proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à
corrente da “Medicina com base em evidências” - "deverá ser privilegiado o tratamento
fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que
não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".
2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.
"a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio
da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos
usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a
omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de
impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é
imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que
poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".
66 Essa não é uma regra absoluta: “Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado
poderá ser autorizada pela ANVISA. A Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), permite que ela dispense de “registro” medicamentos adquiridos por intermédio de organismos
multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde”.
487
488
5. IDEOLOGIAS:
9. IDEOLOGIAS
15. Teorias do Direito. Direito e ideologia
489
Pressuposto básico
"Ao longo da história das ideias, o conceito de ideologia não percorreu um
caminho linear. Sua elaboração, compreensão e uso como categoria analítica da sociedade
passaram por muitas mudanças tanto no que se refere ao conteúdo ao qual alude, quanto
no que se refere à valoração positiva, neutra ou negativa. É uma história de
transformações permeada por diferenças e controvérsias entre autores e disciplinas do
conhecimento" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A
atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na
psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561,
sep./dec. 2016).
67
No mesmo sentido o Dicionário de Ciências Sociais: “O termo parece ter sido primeiramente usado, no
seu sentido básico de estudo das ideias, por D. de Tracy, em fins do sec. XVIII. Nessa acepção, segundo
mostra A. Lalande (Vocabulairetechnique et critique de laphilosophie. Paris, Alcan, 1926. v. I, p. 336), foi
empregado por vários escritores franceses do sec. XIX”J. Gould. Verbete ideologia (ideology). Dicionário
de ciencias sociais. Benedicto Silva (CoordenaçãoGeral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, pp. 570).
490
conhecimento da natureza humana e, portanto, daria diretrizes para a ordem social e
política. O filósofo e seu grupo foram atacados por Napoleão como ideólogos, noção que
aludia aos que viviam em mundo abstrato e especulativo, longe da realidade, distante do
poder político. O sentido neutro atribuído por Destutt de Tracy foi destituído em favor da
conotação napoleônica negativa. Não era mais a ciência das ideias, mas as ideias mesmas,
sendo estas distantes da realidade, ilusórias e desprezíveis, devendo ser combatidas"
(GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias
críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia
& Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).
IDEOLOGIA MARXISTA:
“A partir do momento crucial da sua criação e primeira séria contestação, o
destino do vocábulo quase só tem sofrido na distinção de contornos e na clareza de linhas.
Sobretudo desde Marx e Engels que, constituindo embora a fonte e a origem principal da
sua enorme expansão actual, lhe imprimiram um sentido de ambiguidade, positivo e
negativo, que ele nunca mais perdeu” (M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos:
enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo,
reimpressão, 1999, p. 1283).
"Ao ser retomado por Marx, o conceito de ideologia mudou o sentido, ligou-
se a um referencial teórico e a um programa político. A concepção de ideologia em Marx,
contudo, não é clara e tampouco coerente ao longo de sua obra. Um dos sentidos
assemelha-se ao utilizado por Napoleão: algo equivocado, valorização exacerbada das
ideias, concepções e pensamentos em detrimento das condições da vida sócio-histórica
que os originaram. Na época de sua formulação, este sentido implicava uma crítica aos
jovens hegelianos, cuja dialética tinha como proposição opor ideias a ideias. Thompson
(1995) refere-se a esta formulação como concepção "polêmica" da ideologia (p. 50). Em
diferenciação a ela, há em Marx a noção de ideologia relacionada à consciência de classe,
que Thompson (1995) chamou de "epifenomênica" (p. 54). Esta concerne a um sistema
de ideias - tais como religião, moral, doutrinas políticas -, atreladas a interesses da classe
dominante, que representam uma deformação da realidade e geram ilusão, deturpação,
falsa consciência e intenção de manter dominação. Há, ainda, outro sentido de ideologia
491
em Marx, que Thompson (1995) identifica como "latente" (p. 57). Este diz respeito a um
sistema de representações, construções simbólicas, valores, costumes e tradições, crenças
e opiniões presentes na vida social, que sustentam relações de dominação mediante o
desvio da orientação das pessoas para o passado, do obscurecimento das relações de
classe e do propósito de mudança social. Todas as três noções de ideologia em Marx são
carregadas do sentido negativo e crítico que havia na forma como Napoleão empregava
o termo. O conteúdo da ideologia era formado por representações inadequadas,
equivocadas e ilusórias, com o objetivo de expressar interesses das classes dominantes e
manter a ordem estabelecida; estas falsas representações poderiam ser desmascaradas
pela análise científica, pela atividade crítica da reflexão sobre as condições materiais de
produção e da reflexão acerca da mudança social" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO,
Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria
analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28,
n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).
GRAMSCI:
492
MANNHEIM:
493
a ideologia total geral de "'visão social de mundo'", aludindo às cosmovisões, que podem
ser ideológicas ou utópicas" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON,
Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica
"ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p.
552-561, sep./dec. 2016).
ALTHUSSER:
494
"A teoria proposta por Marx para a compreensão da sociedade foi recuperada
pela Escola de Frankfurt numa elaboração que incluiu os desenvolvimentos de Freud. As
semelhanças na estrutura epistêmica entre o marxismo e a psicanálise possibilitaram que
os intelectuais da Escola de Frankfurt as tomassem como fundamento para a elaboração
de uma teoria crítica que assumiu o conceito de ideologia. As teorias críticas são marcadas
por características distintivas: são formas de conhecimento reflexivo, diferentes
epistemologicamente das Ciências Naturais, que visam produzir esclarecimento, de modo
que as pessoas possam decidir sobre seus interesses verdadeiros, e são inerentemente
emancipatórias, libertadoras. A psicanálise e o marxismo são teorias críticas. A essência
da teoria crítica da sociedade - propósito da Escola de Frankfurt - é a crítica à ideologia,
chamada Ideologiekritik, em que ideologia é compreendida como aquilo que impede que
as pessoas reconheçam seus interesses e se libertem de coerções; ideologia é falsa
consciência, é ilusão (Geuss, 1988). As teses defendidas pelos membros desta Escola são,
de acordo com Geuss: (a) a inseparabilidade entre crítica da sociedade e crítica da
ideologia dominante; (b) a Ideologiekritik, entendida como uma forma de conhecimento
em que a ideologia é criticada por ser falsa, ilusória; (c) a Ideologiekritik, concebida como
diferente epistemologicamente das ciências naturais baseadas no empirismo; requerendo
outros modos de conhecimento que não passam pela metodologia do experimento. O
conceito de ideologia na Escola de Frankfurt, ainda que com grande diferença entre
autores, reteve o aspecto negativo, crítico, de Marx e agregou o aspecto psicológico de
Freud, abordando, entre outras, a questão da distinção entre os interesses verdadeiros que
deveriam ser esclarecidos para a emancipação e os interesses aparentes ou percebidos,
apontando um caminho para a sua inserção no campo da Psicologia Social"
(GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias
críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia
& Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).
496
através dela que a ideologia opera" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane;
AMON, Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica
"ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p.
552-561, sep./dec. 2016).
A conotação positiva:
497
da nova economia política” (M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos: enciclopédia
Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo, reimpressão,
1999, p. 1285).
A APREENSÃO DA CONCEPÇÃO:
498
valores, interesses, crenças e concepção do mundo. Dentro dessa visão entende-se que o
fato social existe por si mesmo, afastado de qualquer teleologismo ou valoração. O
cientista deve ser neutro em relação ao fato social, e todo conhecimento que não
pressuponha essa neutralidade é portanto não-científico, mas ideológico” (COELHO,
Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3ª. ed., rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 119).
499
Para Thompson, "A análise da ideologia, de acordo com a concepção que
proporei, dedica-se principalmente aos modos como as formas simbólicas se
interseccionam com as relações de poder. Dedica-se aos modos como o sentido é
mobilizado no mundo social e serve aí para nutrir os indivíduos e grupos que ocupam
posições de poder. Permitam-me definir esse foco mais precisamente: estudar ideologia
é estudar os modos em que o sentido serve para estabelecer e manter relações de
dominação" (THOMPSON, J. B. Ideologyand modem culture. Cambridge: Polity Press,
1990, p. 56).
Um estudo clássico sobre o tema foi feito pelo sociólogo britânico John B.
Thompson. Para ele, o estudo da ideologia consiste na análise de "...um aspecto da vida
social que é tão real como qualquer outro. Pois a vida social é, até certo ponto, um campo
de contestação em que a luta se trava tanto através de palavras e símbolos, como pelo uso
da força física. Ideologia [...] é uma parte integrante desta luta; é uma característica
criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e reproduzida, contestada e
transformada, através de ações e interações, as quais incluem a troca contínua de formas
simbólicas. (THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis (RJ): Vozes,
1995, p. 19).
Vincent vai nessa direção, ao afirmar que as “(...) ideologias não estão lado a
lado com alguma coisa objetiva ou real, mas são elas que, sutilmente, constituem a
realidade” (VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992, p. 31).
"as utopias68 se bem que também transcendam a situação social, pois também
orientam a conduta para elementos que a situação - tanto quanto se apresente em dada
época - não contém, visam, por meio da contra-atividade, transformar a realidade histórica
existente em outra realidade (COELHO, Maria Francisca Pinheiro e SANTANA, Vitor
Proximidades entre o conceito de ideologias e de utopias: (a) são duas categorias principais de ideias
68
que transcendem a situação/realidade; (b) são produções sociais; (c) a dinâmica da sociedade pode
mudar esses ideais; (d) Elas se distanciam de ideias adequadas e congruentes com a realidade: "O
desafio na análise da ideologia e da utopia é a busca da compreensão da realidade, sem a pretensão
de alcançá-la plenamente, mas de aproximar-se dela" (COELHO; SANTANA, 2010, p. 292)
500
Leal. A geração 68 no Congresso Nacional: ideologia e comportamento legislativo.
Sociedade e Estado. Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Brasília,
v. 25, n. 2, pp. 285-307, ago. 2010, p. 293)
Lembrar do ideal de Kelsen: "O que importa não é fazer desaparecer esta
ciência juntamente com a categoria do dever-ser ou da norma, mas limitá-la ao seu objeto
501
e clarificar criticamente o método" (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução
João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, 117).
1 – “Se por "ideologia" se entende, porém, não tudo o que não é realidade
natural ou a sua descrição, mas uma representação não-objetiva, influenciada por juízos
de valor subjetivos, que encobre, obscurece ou desfoca o objeto do conhecimento, e se se
designa por "realidade", não apenas a realidade natural como objeto da ciência da
natureza, mas todo o objeto do conhecimento e, portanto, também o objeto da ciência
jurídica, o Direito positivo como realidade jurídica, então também uma representação do
Direito positivo se tem de manter isenta de ideologia (neste segundo sentido da palavra)"
(KELSEN, 2006, p. 117).
502
sua descrição do Direito positivo, manter este isento de qualquer confusão com um
Direito "ideal" ou “injusto". Quer representar o Direito tal como ele é, e não como ele
deve ser: pergunta pelo Direito real e possível, não pelo Direito "ideal" ou "justo". Neste
sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo
jurídico. Recusa-se a valorar o Direito positivo. Como ciência, ela não se considera
obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a
compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura. Recusa-se, particularmente, a
servir quaisquer interesses políticos, fornecendo-lhes as "ideologias" por intermédio das
quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impede que, em nome
da ciência jurídica, se confira ao Direito positivo um valor mais elevado do que o que ele
de fato possui, identificando-o com um Direito ideal, com um Direito justo; ou que lhe
seja recusado qualquer valor e, consequentemente, qualquer vigência, por se entender que
está em contradição com um Direito ideal, um Direito justo" (KELSEN, 2006, p. 118).
Sobre esse aspecto, Karl Larenz afirma: "Nas últimas explanações vê-se
nitidamente o que preocupa, em última instância, KELSEN: impedir que se abuse da
ciência do Direito, utilizando-a como capa de opiniões puramente pessoais e de
tendências ideológicas" (Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. tradução
de José Lamego. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1997, p. 107).
503
Mas apresenta o "outro lado", qual seja: o jusnaturalismo. Para Roberto Lyra
Filho, não conseguem determinar satisfatoriamente o padrão da medida “Justiça” (isto é,
a legitimidade da origem e conteúdo).
3. NORBERTO BOBBIO
Ele explica uma vertente do positivismo jurídico como ideologia do direito:
"dissemos que a ambição do positivismo jurídico é assumir uma atitude neutra diante do
direito, para estudá-lo assim como é, e não como deveria ser: isto é, ser uma teoria e não
uma ideologia. Pois bem, podemos dizer que ele não conseguiu ser integralmente fiel a
esse seu propósito, pois, na realidade, ele parece não só um certo modo de entender o
direito (de destacar-lhe os caracteres constitutivos), como também um certo modo de
querer o direito; parece, portanto, não somente uma teoria, mas também uma ideologia"
(BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. compiladas
por Nello Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini. Carlos E. Rodrigues. São
Paulo: Ícone, 1995, pp. 223-224)
504
O próprio Bobbio esclarece a distinção entre teoria e ideologia.
4. Marcelo Harger
Marcelo Harger trata da relação entre direito e ideologia:
505
Nota nº 25 do texto de Marcelo Harger (2002): "A atividade jurídica,
entendida essa expressão no seu mais amplo sentido, é uma das práticas onde mais se faz
sentir a influência das ideologias, podendo dizer-se que toda a atividade jurídica é uma
prática ideológica. (...) Para eliminar ou, pelo menos, diminuir ou controlar a influência
das ideologias, as ciências valem-se de métodos que garantem certa objetividade ou
objetivação de seus enunciados. Nas práticas ideológicas, porém, os métodos cumprem
uma função inversa, isto é, garantem a objetivação dos discursos ideológicos graças à
camuflagem ou escamoteamento das ideologias" (Nilo Bairros de Brum. Op. cit., p. 11).
506
TÁTICAS PARA A PROVA
A) FALAR DO CONCEITO
B) FALAR DOS CLÁSSICOS
C) DEFENDER A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOCIAR A ATIVIDADE
JURISDICIONAL DA IDEOLOGIA
D) MENCIONAR FORMAS DE EVITAR O USO INDEVIDO
EXEMPLOS:
ANEXO
A Grande enciclopédia Delta Larousse registra os seguintes sentidos
(HARGER, Marcelo. Os métodos de interpretação e a ideologia do intérprete.
Revista tributária e de finanças públicas. v. 10, n. 42, p. 24-42, jan./fev. 2002):
507
e) ilusões coletivas ou mistificações, representação inconscientemente falsa que
os homens, os grupos, as classes fazem de si próprios, de seus adversários, dos
conjuntos dos quais participam, das situações sociais nas quais se encontram;
508
Definições de ideologia atualmente em circulação (Eagleton, Terry. Ideologia:
uma introdução; tradução luiz carlos borges, silvana vieira. São Paulo, Boitempo
Unesp, 1997, pp. 15-16):
h) pensamento de identidade;
n) oclusão semiótica;
o) o meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura
social;
509
510
6. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
(ONU):
INTRODUÇÃO
511
CONTEXTO HISTÓRICO
512
Declaração, que fora aprovada na noite de 10.12.48, na terceira sessão ordinária da
Assembleia Geral da ONU, realizada em Paris" (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 31a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 161-166)
A DIVERGÊNCIA
513
civis "ocidentais", evitava apoiar com maior ênfase os direitos econômicos e sociais para
não ameaçar sua postura intransigente a propósito da intangibilidade da soberania
nacional. Os representantes dos países ocidentais, por sua vez, não viam maiores
inconvenientes nos direitos "socializantes" à instrução gratuita, alimentação, moradia,
assistência médica e serviços sociais, por se adequarem aos ideais do Welfare State, que
então despontava. Quanto à adoção de tão importante documento pela Assembleia Geral
rapidamente e sem votos contrários, com apenas oito abstenções, ela se deveu, sobretudo,
a seu formato de manifesto, não-obrigatório pelo ângulo jurídico habitual" (Alves, J.A.
Lindgren. Os direitos humanos como tema global - Estudos-144. São Paulo: Perspectiva;
Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, pp. 45-48).
IMPORTÂNCIA SIMBÓLICA
514
Direitos Civis e Políticos, e direitos de segunda geração, em regra contidos no Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos os Pactos contêm disposições relativas
aos direitos dos povos e das coletividades, os chamados direitos de solidariedade, os quais
os doutrinadores categorizam como direitos de terceira geração. (MALHEIROS, Sylvia
Helena Steiner. A universalidade dos direitos humanos. Revista brasileira de ciências
criminais. v. 3, n. 10, p. 144-150, abr/jun 1995).
"É importante frisar que, mesmo não tendo força de obrigatoriedade para a
ação dos Estados, a Declaração da ONU tem uma importância histórica por marcar a
derrota dos regimes totalitários nazi-fascistas, além de constituir um monumento de
natureza moral, sentido de referencial para a promoção e o respeito efetivo dos direitos
humanos em todas as partes do mundo" (Dornelles, João Ricardo W. O que são direitos
humanos. São Paulo: Brasiliense, coleção primeiros passos, (229), 1989, pp. 40-41).
515
INDIVISIBILIDADEdesses direitos. UNIVERSALIDADEporque clama pela extensão
universal dos direitos humanos, com a crença de que a condição de pessoa é o requisito
único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como essencialmente
moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. INDIVISIBILIDADEporque,
ineditamente, o catálogo dos direitos civis e políticos é conjugado ao catálogo dos direitos
econômicos, sociais e culturais. A Declaração de 1948 combina o discurso liberal e o
discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade"
(PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos
de Pesquisa. São Paulo, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005).
CRÍTICAS
Rosinaldo Silva Sousa mostra que a "Declaração Universal não faz parar a
história movida por conflitos sociais" (apud Novaes, Regina Reyes; Lima, Roberto Kant
de (Orgs.) Antropologia e direitos humanos. Prêmio ABA/FORD. Niterói: EdUFF, 2001,
p. 12).
69
Um exemplo desta crítica radical feminista à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão
pode ser verificada na postura ideológica de Irigaray, feminista francesa, quando afirma que “todos os
slogans igualitários veiculam, a nosso ver, uma ideologia totalitária. Desta ideologia, o respeito da diferença
entre os sexos pode nos guardar sem repressão nem mutilação de nossa identidade humana” (Irigaray, apud
PIERUCCI, 1999, p. 111).
517
regulamentacão a que estão submetidos centenas de milhares de migrantes mundo afora.O
fato de a DUDH proscrever a tortura (artigo 5) não implicou que tal prática tenha deixado
de ser usada, em escala considerável, seja para fins de investigação de crimes comuns,
em delegacias e presídios, sob a complacência ou incompetência dos governos para coibi-
las, seja ainda como políticas de Estado, em nome da "segurança nacional" - prática
recorrente de ditaduras - ou ainda do "combate ao terror", como tomamos conhecimento
recentemente, por meio de relatório do Comité Internacional da Cruz Vermelha sobre o
tratamento dado a suspeitos de terrorismo em prisões da CIA, sob o comando de George
W. Bush" (VENTURI, GUSTAVO. O potencial emancipatório e a irreversibilidade dos
direitos humanos. In: Brasil. Presidência da República. Direitos humanos: percepções da
opinião pública: análises de pesquisa nacional. organização Gustavo Venturi. Brasília:
Secretaria de Direitos Humanos, 2010, p. 12).
CLASSIFICAÇÃO DO CONTEÚDO
518
2) Direitos Judiciais, incluindo o acesso a remédios por víolações dos direitos básicos, a
presunção de inocência, a garantia de processo público justo e imparcial, a
irretroatividade das leis penais, a proteção contra prisão, detenção ou exílio arbitrários, e
contra a interferência na família, no lar e na reputação (Artigos 8° a 12);
OBJETIVOS
(a) certeza dos direitos: exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e
deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições;
(b) segurança dos direitos: impondo uma série de normas tendentes a garantir que, em
qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados;
(c) possibilidade dos direitos: exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os
meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e
519
mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em
condições subumanas (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
31ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 161-166).
520
repatriação daqueles que migraram ilegalmente por razões econômicas, migrantes estes
que têm sido explorados economicamente por mais de um século por estes mesmos países
onde hoje vivem; tais medidas incluem o confinamento de famílias e crianças em centros
de detenção pelo prazo máximo de 18 meses (devo dizer, com pesar, que tive a
oportunidade de visitar alguns destes centros).Os países ricos desembolsam mais de 300
bilhões de dólares por ano em subsídios agrícolas, seis vezes mais do que o montante da
ajuda por eles prestada aos países em desenvolvimento, o que contradiz o espírito dos
acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e faz com que a produção agrícola
dos países ricos seja despejada, a um custo artificialmente reduzido pelos subsídios, no
mercado dos países menos favorecidos. A luta pelos direitos humanos deve combater tais
contradições" (PINHEIRO, Paulo Sérgio. Os sessenta anos da Declaração Universal:
atravessando um mar de contradições. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos.
Rede Universitária de Direitos Humanos., vol.5, n.9, pp. 76-87, 2008, p. 79).
EFICÁCIA JURÍDICA
521
Além de assinalar "ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos
pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão", os redatores da Declaração incluíram no preâmbulo
referências incisivas a disposições da Carta de São Francisco - esta, sim, obrigatória -,
recordando "que os Estados-membros se comprometeram a promover, em cooperação
com as Nacoes Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do
homem e a observância desses direitos e liberdades". Acrescentaram, ainda, "que uma
compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno
cumprimento desse compromisso".
Encarada como uma interpretação autorizada dos artigos da Carta das Nações
Unidas relativos aos direitos humanos, a Declaraçâo teria, para alguns intérpretes, os
efeitos legais de um tratado internacional. Para a maioria dos estudiosos do assunto, a
força da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro
documento congénere, advém de sua conversão gradativa em norma consuetudinária.
Independentemente da doutrina esposada, o que se verifica na prática é a invocação
generalizada da Declaração Universal como regra dotada dejus cogens, invocação que
não tem sido contestada sequer pelos Estados mais acusados de violações de seus
dispositivos" (ALVES, J.A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global - Estudos-
144. São Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, pp.
45-48).
Fausto Brito dá uma explicação política para a escolha: "Certamente, se estes mecanismos
fossem explicitados, a Declaração não teria sido aprovada, pois a ONU não tinha
capacidade política e jurídica de se sobrepor à soberania de cada um dos seus países
membros, como estava bem explicitado na sua Carta. Permanecia o mesmo paradoxo, já
evidenciado por Hannah Arendt, referindo-se às declarações das Revoluções Americana
e Francesa: ainda que com a pretensão da universalidade, a realização efetiva, política,
dos direitos humanos dependia da sua incorporação na legislação de cada país" (Brito,
Fausto. A politização das migrações internacionais: direitos humanos e soberania
nacional. Rev. bras. estud. popul., , vol.30, no.1, p.77-97, Jun. 2013).
522
OS TEXTOS POSTERIORES E A TENTATIVAS DE DAR EFETIVIDADE À
DECLARAÇÃO
Lynn Hunt explica: "Nas décadas depois de 1948, formou-se aos trancos e
barrancos um consenso internacional sobre a importância de se defender os direitos
humanos. A Declaração Universal é mais o início do processo do que o seu apogeu"
(HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução Rosaura
Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 209).
- aprovado em 1966
523
"A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948
- declaração de princípios em forma solene, estava destinada, desde a sua origem, a ser
complementada por outros textos. Assim se lhe seguiram, depois de difícil elaboração, os
dois pactos relativos aos direitos do homem, adotados pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 16 de novembro de 1966. Posteriormente, tivemos o Pacto Internacional sobre
direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional sobre direitos civis e
políticos entrou em vigor em 23 de março de 1976. O Protocolo Facultativo, que se lhe
seguiu, foi adotado no mesmo dia e nessa mesma data entrou, igualmente, em vigor. O
Pacto foi ainda complementado por um segundo Protocolo Facultativo, de 15 de
novembro de 1989, visando a abolir a pena de morte, o qual entrou em vigor em 11 de
junho de 1991. O conjunto desses textos forma o que costumamos chamar de "carta
internacional dos direitos do homem". Ela pressupõe uma unidade de inspiração e de
conteúdo dos textos que, em realidade, não existiu.
(b) que, com relação à Declaração Universal de Direitos Humanos, não pode
realizar-se o ideal do ser humano livre, no desfrute das liberdades civis e políticas, e
liberado do temor e miséria, se não se criarem condições que permitam a cada pessoa
gozar de seus direitos civis, tanto como de seus direitos económicos sociais e culturais:
(c) que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de
promover o respeito universal e efetivo dos direitos fundamentais do homem —
524
comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos, no seu território e sob sua
jurisdição, esses direitos reconhecidos naqueles instrumentos internacionais, dentre os
quais, além dos já referidos, são expressivos o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovados
pela Assembleia Geral, em Nova York, em 16.12.66, submetidos à firma e ratificação dos
Estados interessados. Surgiram eles, como observa Gregorio Peces-Barba Martínez, com
o fim de conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948 e, assim, eficácia jurídica que
supere a obrigatoriedade apenas moral que a caracteriza. O Brasil só deu sua adesão a
esses pactos em 24.1.92, entrando em vigência aqui apenas em 24.4.92. O retardamento
dessa adesão se devéu ao regime autoritário que nos regia antes.
CRÍTICA
525
É uma legislação que pode sofrer de falta de preparo adequado, falta de tranquilidade, de
equilíbrio, que passa para normas repletas de hipérbole. Obra de um legislador nervoso,
revoltado, que pensa poder resolver tudo pela força da palavra mágica". Para o
conferencista da Academia de Direito Internacional da Haia, "Essas peças precisam ser
reduzidas às suas realidades, às suas proporções verdadeiras, vistas com o olhar para o
futuro e não para o passado, o que leva a retirar a importância atribuída à terminologia
exagerada, que, em verdade, nada acrescenta" (DOLINGER, Jacob. Dignidade: o mais
antigo valor da humanidade. Os mitos em torno da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e da Constituição brasileira de 1988. As ilusões do Pós-Modernismo / Pós
Positivismo. A visão jurídica. Revista de direito constitucional e internacional. v. 18, n.
70, p. 24-90, jan./mar. 2010).
Preâmbulo
526
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações;
Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé
nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o
progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais
ampla;
Artigo 1°
Artigo 2°
527
de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma
distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território
da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo
ou sujeito a alguma limitação de soberania.
Artigo 3°
Artigo 4°
Artigo 5°
Artigo 6°
Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos
têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8°
Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes
contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou
pela lei.
Artigo 9°
Artigo 10°
528
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus
direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela
seja deduzida.
Artigo 11°
1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas
as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não
constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo,
não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto
delituoso foi cometido.
Artigo 12°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais
intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.
Artigo 13°
1.Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior
de um Estado.
2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e
o direito de regressar ao seu país.
Artigo 14°
2.Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por
crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações
Unidas.
529
Artigo 15°
Artigo 16°
1.A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir
família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e
na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2.O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros
esposos.
Artigo 17°
Artigo 18°
Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito
de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.
Artigo 20°
1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios, públicos do seu
país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
3.A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-
se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual,
com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.
Artigo 22°
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode
legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com
a organização e os recursos de cada país.
Artigo 23°
2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita
e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se
possível, por todos os outros meios de protecção social.
4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em
sindicatos para defesa dos seus interesses.
Artigo 24°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação
razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.
Artigo 25°
531
1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família
a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento,
à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à
segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos
de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Artigo 26°
1.Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O
ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem
como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos
filhos.
Artigo 27°
1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade,
de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
2.Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria.
Artigo 28°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem
capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente
Declaração.
Artigo 29°
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1.O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e
pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2.No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento
e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências
da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
3.Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos
fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 30°
COMENTÁRIO:
Dentre os temas de teoria geral do direito e da política, destaque-se os itens fontes e
jurisprudência em razão das enormes transformações do novo CPC.
O outro tema que sempre terá destaque é a relação existente entre direito e política.
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