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NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E

FORMAÇÃO HUMANÍSTICA

JULIANO VIEIRA ALVES


SUMÁRIO
COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO ........................................................................................ 5
A) SOCIOLOGIA DO DIREITO ............................................................................................. 6
SOCIOLOGIA DO DIREITO .......................................................................................... 6
Introdução à sociologia da administração judiciária ........................................................ 6
ÉMILE DURKHEIM ....................................................................................................... 9
KARL MARX .................................................................................................................. 9
EUGEN EHRLICH ........................................................................................................ 11
MAX WEBER ................................................................................................................ 14
2. RELAÇÕES SOCIAIS E RELAÇÕES JURÍDICAS. CONTROLE SOCIAL E O
DIREITO: .................................................................................................................................. 30
CONTROLE SOCIAL E O DIREITO ........................................................................... 30
PRESSUPOSTO ............................................................................................................. 30
3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA:................................ 43
SOCIOLOGIA DO DIREITO ........................................................................................ 43
DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA.................................. 43
4. CONFLITOS SOCIAIS E MECANISMOS DE RESOLUÇÃO. SISTEMAS NÃO
JUDICIAIS DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS: ................................................................ 76
B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA ............................................................................................ 81
3. TEORIA DO CONFLITO E OS MECANISMOS AUTOCOMPOSITIVOS.
TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO E MEDIAÇÃO. PROCEDIMENTOS, POSTURAS,
CONDUTAS E MECANISMOS APTOS A OBTER A SOLUÇÃO CONCILIADA DOS
CONFLITOS:............................................................................................................................ 99
4. O PROCESSO PSICOLÓGICO E A OBTENÇÃO DA VERDADE JUDICIAL. O
COMPORTAMENTO DE PARTES E TESTEMUNHAS: ............................................. 107
C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA NACIONAL ............. 122
3. CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL: ..................................... 122
CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA .................................................................. 122
D) FILOSOFIA DO DIREITO ............................................................................................. 131
JUSTIÇA COMO RETRIBUIÇÃO ............................................................................. 131
I. SOBRE OS DIFERENTES ENFOQUES ................................................................. 132
NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO ......................................................................... 133
NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO ......................................................................... 134
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM ARISTÓTELES ....................................................... 134
I. Observações gerais .................................................................................................... 134

2
JUSTIÇA DOS MODERNOS ...................................................................................... 137
I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 137
II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS (CONTEXTO) ...................................................... 138
III. Observação sobre Hobbes e Rousseau ................................................................... 140
IV. Thomas Hobbes ...................................................................................................... 140
V. John Locke ............................................................................................................... 143
VI. David Hume ........................................................................................................... 144
VII. Jean-Jacques Rousseau ......................................................................................... 145
VIII. EXPLICAÇÃO .................................................................................................... 147
IX. Immanuel Kant ....................................................................................................... 147
O PARADIGMA DA JUSTIÇA SOCIAL ................................................................... 150
I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 150
II. Jeremy Bentham....................................................................................................... 151
III. John Stuart Mill ...................................................................................................... 151
IV. Karl Marx ............................................................................................................... 152
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................ 152
I. HENRY SIDGWICK ............................................................................................... 152
II. HERBERT HART .................................................................................................. 153
III. ERMINIO JUVALTA ............................................................................................ 154
IV. FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK ................................................................. 154
V. HANS KELSEN ...................................................................................................... 155
VI. NIKLAS LUHMANN ............................................................................................ 155
IV. JOHN RAWLS ....................................................................................................... 157
Importância do pensador: ............................................................................................. 157
2. O CONCEITO DE DIREITO. EQUIDADE. DIREITO E MORAL: ......................... 167
2 O conceito de Direito. Equidade. Direito e moral. .................................................... 167
VISÃO GERAL............................................................................................................ 171
TESES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO MORAL ...................................... 171
MORAL COMO MÍNIMO ÉTICO ............................................................................. 172
IDENTIDADE .............................................................................................................. 174
TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES..................................................................... 174
A MORAL COMO MÍNÍMO JURÍDICO ................................................................... 174
O DEBATE ATUAL .................................................................................................... 175
TESE DA CONEXÃO ................................................................................................. 175

3
TESE DA SEPARAÇÃO ............................................................................................. 176
3. A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: ........................................................................... 199
E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 209
1. Direito objetivo e direito subjetivo: ................................................................................. 209
2. FONTES DO DIREITO OBJETIVO: ............................................................................. 241
CONCEITUAÇÃO ....................................................................................................... 241
DIÁLOGO CF X NOVO CPC ...................................................................................... 259
DISTINÇÃO VALOR X PRINCÍPIO ........................................................................... 261
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 263
REFLEXOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ........................................ 310
NOVO CPC .................................................................................................................. 315
VALORES QUE JUSTIFICAM ................................................................................... 316
NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE ........................................... 318
REQUISITOS E PROCESSAMENTO ........................................................................ 320
EFEITOS DA SÚMULA .............................................................................................. 324
CRÍTICAS GERAIS ..................................................................................................... 325
CRÍTICAS ESPECÍFICAS .......................................................................................... 332
MAIOR ABRANGÊNCIA DA LEI 11.417/2006 ........................................................ 338
PROCEDIMENTO ....................................................................................................... 342
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 343
3. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITO DE NORMAS JURÍDICAS NO
TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO: .............................................................................. 344
ATO JURÍDICO PREFEITO ....................................................................................... 402
COISA JULGADA ....................................................................................................... 404
4. O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO: ........................................... 426
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA ......................................................... 426
5. IDEOLOGIAS: ................................................................................................................... 489
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 489
Pressuposto básico ........................................................................................................ 490
Conceituação inicial e a transformação ........................................................................ 490
IDEOLOGIA MARXISTA: ......................................................................................... 491
ANEXO ........................................................................................................................ 507
6. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (ONU): ............ 511
TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 511

4
A Declaração Universal dos Direitos do Homem ONU ............................................... 511
Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................................... 526

COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO

Uma introdução necessária.

O intuito do presente material consiste na tentativa de fornecer subsídio para


o estudante tomar conhecimento de temas periféricos a quem estuda para a magistratura.
Nesse contexto, estarão de fora do presente material temas como: assédio
sexual; Regime jurídico da magistratura nacional: carreiras, ingresso, promoções,
remoções; Direitos e deveres funcionais da magistratura; Código de Ética da Magistratura
Nacional (mas o código é de leitura obrigatória); Sistemas de controle interno do Poder
Judiciário: Corregedorias, Ouvidorias, Conselhos Superiores e Conselho Nacional de
Justiça; Responsabilidade administrativa, civil e criminal dos magistrados (tema muito
acessível no direito administrativo ou mesmo no constitucional).
Em relação ao restante, busquei sempre basear os textos na literatura
especializada e mais atual.
Espero que seja útil a leitura.
Boa prova a todos!
Juliano Vieira Alves
Junho de 2017

5
A) SOCIOLOGIA DO DIREITO

1. Introdução à sociologia da administração judiciária

SOCIOLOGIA DO DIREITO

Introdução à sociologia da administração judiciária

Texto base da aula: SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia


da administração da justiça. Revista Crítica de Ciências sociais, nº 21. Nov. 1986, pp. 11-
37. [online]

Estrutura da aula:

PARTE I

Os precursores da sociologia do direito

Contribuições da sociologia do direito para a compreensão da relação


existente entre administração da justiça/direito processual/realidade social

CONDIÇÕES TEÓRICAS

1. sociologia das organizações


2. ciência política
3. antropologia do direito

CONDIÇÕES SOCIAIS

1. lutas sociais
2. crise na administração da justiça

PARTE II

Contribuição da sociologia para a administração da justiça

6
Temas

1. acesso à justiça
2. concepção da administração da justiça como instância política
3. mecanismos de resolução de conflitos sociais

PARTE III

Linhas de pesquisa com possíveis impactos na nova política judiciária

RESUMO: O texto analisa “os antecedentes e as condições da contribuição da sociologia


do direito para o aprofundamento das complexas interacções entre o direito processual
e a administração da justiça, por um lado, e a realidade social e econômica em que
operam” (SANTOS, 1986, p. 17).

Na segunda parte do trabalho, com base nas contribuições noticiadas, ele aponta:

- as linhas de investigação mais promissoras e

- o perfil de uma nova política judiciária

PARTE I

PRECURSORES DA SOCIOLOGIA DO DIREITO

A sociologia do direito somente se constituiu enquanto ciência após a 2ª Guerra Mundial

Passou a usar técnicas e métodos de investigação empírica

Teorizou sobre esses dados


A partir desse marco
Construiu sobre o direito um objeto teórico específico

Ganhou autonomia em relação à Dogmática política

7
Filosofia do direito

Antes disso, houve grande produção científica orientada pela perspectiva sociológica do
direito: “...a sociologia do direito é, sem dúvida, de todos os ramos dos sociólogos aquele
em que o peso dos precursores, das suas orientações teóricas, das suas preferências de
investigação, das suas criações conceituais, mais fortemente se tem feito sentir”
(SANTOS, 1986, p. 11)

“O direito será sempre uma área de interesse da sociologia. Por isso, faz parte da
análise já dos fundadores da sociologia”. (FREITAS; COSTA, 2013, p. 649).

OBJETO DA SOCIOLOGIA DO DIREITO: “...uma perspectiva que explicitamente


tematiza as articulações do direito com as condições e as estruturas sociais em que
opera...” (SANTOS, 1986, p. 12)

Primeiro debate

Um dos debates polarizadores consiste no debate acerca da visão do direito enquanto

VARIÁVEL DEPENDENTE VARIÁVEL INDEPENDENTE

“...o direito se deve limitar a acompanhar


“...o direito deve ser um activo promotor
e a incorporar os valores sociais e os
de mudança sociais tanto no domínio
padrões de conduta espontânea e
material como no da cultura e das
paulatinamente constituídos na
mentalidades” (SANTOS, 1986, p. 12)
sociedade” (SANTOS, 1986, p. 12)

De um lado, Savigny (1840) e Bentham (1823)

Segundo debate:

Há consenso de que o direito reflete as condições prevalecentes e também atua


conformadoramente sobre elas

A polaridade se dá nos seguintes termos

8
ÉMILE DURKHEIM
“...o direito como o indicador privilegiado dos padrões de solidariedade social, garante
da composição harmoniosa dos conflitos por via da qual se maximiza a integração social
e realiza o bem comum” (SANTOS, 1986, p. 12).

...Émile Durkheim definia o objeto da sociologia de maneira mais voltada


para a coletividade do que Weber. Assim, definiu a sociologia como a ciência "das
instituições, da sua gênese e do seu funcionamento", ou seja, "de toda crença, todo o
comportamento instituído pela coletividade". Seu objeto próprio, para ele, são os fatos
sociais - "[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral no âmbito de uma dada sociedade,
tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações
individuais".

O direito seria, portanto, uma das expressões desses fatos sociais. Segundo
ele, "[...] além dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos exprimem-se sob
formas definidas, regras jurídicas, morais, ditados populares, fatos de estrutura social,
etc.". E prossegue afirmando que "[...] uma regra do direito é o que é, e não há duas
maneiras de percebê-la. [...] estas práticas não são senão vida social consolidada [...]". A
conexão entre vida social e direito, para Durkheim, é inequívoca, como se o direito
germinasse espontaneamente da vida social.

A centralidade do direito, em sua obra, está presente na sua teoria da


consciência coletiva e das solidariedades sociais. Assim, para Durkheim, o tipo de direito
que rege uma sociedade varia conforme o tipo de solidariedade (mecânica ou orgânica)
que constitui a organização social. Em sociedades nas quais a solidariedade é mecânica,
o tipo de direito praticado é o repressivo. E, naquelas em que a solidariedade é orgânica,
característica do direito moderno, o tipo de direito é o restitutivo (FREITAS; COSTA,
2013, p. 643).

KARL MARX
“...o direito como expressão última de interesses de classe, um instrumento de
dominação econômica e política que por via de sua forma enunciativa (geral e abstracta)

9
opera a transformação ideológica dos interesses particularísticos da classe dominante
em interesse coletivo universal” (SANTOS, 1986, p. 12/13)

A ideologia tem um papel fundamental na análise filosófica e científica de


Marx e Engels. O conceito de ideologia como maneira enviesada ou enganosa de observar
o mundo, é central na construção do materialismo histórico; "[...] assim como o Estado é
o Estado da classe dominante, as ideias da classe dominante são ideias dominantes em
cada época".

Na nossa sociedade, devido à ordem jurídica, a sensação que temos é de que


os cidadãos são iguais perante a lei, com a ideia de que o pressuposto jurídico do contrato
social beneficia a todas as partes livres. Nesse sentido, o direito cria ilusões de que há
uma igualdade jurídica entre todos os cidadãos.

Não se trata de má-fé, assinalaram Marx e Engels, uma vez que a má-fé
pressupõe uma distorção consciente e voluntária; a ideologia é cegueira parcial da
inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram. O "discurso competente",
em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação, mantém ligação inextricável
com o discurso conveniente, mediante o qual as classes privilegiadas substituem a
realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com
todos os recursos de que dispõem (órgãos de comunicação de massa, ensino, instrumentos
especiais de controle social de que participam e, claro, como forma destacada, as próprias
leis).

Sendo assim, o Estado, para Marx, é uma instituição de poder que tem por
função assegurar os conflitos entres as classes sociais no âmbito de uma ordem
convencionada. O direito, por sua vez, é fruto das relações sociais na sociedade capitalista
e institucionalizada na esfera político-jurídica, e é sempre conduzido, na análise
marxiana, como um paralogismo que designa apenas as normas da classe dominante: "[...]
o Estado se impõe na condição de comunidade dos homens. Mas é uma comunidade
ilusória, pois o Estado, por baixo das aparências ideológicas de que, necessariamente, se
reveste está sempre vinculado à classe dominante e constitui seu órgão de dominação".

10
Para Marx, mesmo quando o Estado consegue se desvencilhar de certos
aspectos da ideologia dominante, essa desvinculação não é senão ilusória. Assim, o
Estado elimina, à sua maneira, as distinções estabelecidas por nascimento, posição social,
educação e profissão, ao decretar que o nascimento, a posição social, a educação e a
profissão são distinções não políticas; ao proclamar, sem olhar tais distinções, que todo o
membro do povo é igual parceiro na soberania popular e ao tratar do ponto de vista do
Estado todos os elementos que compõem a vida real da nação. No entanto, o Estado
permite que a propriedade privada, a educação e a profissão atuem à sua maneira, isto é,
como propriedade privada, como educação e profissão, e manifestem a sua natureza
particular. (FREITAS; COSTA, 2013, pp. 647-8).

Ainda no ótica normativista substantivista do direito – 1º quartel do século


XX

EUGEN EHRLICH
“para alguns o fundador da sociologia do direito” (SANTOS, 2000, p. 163)

“Durante uma conferência que ele fez em Viena, em 1903, cujo título era
Freie Rechtsfindung und freie Rechtwissenschaft, Ehrlich afirmava que o direito era uma
‘realidade sociológica que o jurista deve pesquisar’. Ele definiu, por conseguinte, a
existência de um ‘direito social’, ‘vivo ou real’, ‘fora do estado’, que vive completamente
à margem do direito do estado” (ARNAUD, DULCE, 2000, pp. 72/73).

"Em 1913, o jurista Eugen Ehrlich (1862-1922) apresenta na Alemanha a sua


obra Fundamentos da sociologia do direito, que terá grande repercussão entre os
estudiosos do direito. Ehrlich sustenta que existem vários ordenamentos jurídicos na
mesma sociedade (direito da comunidade, direito do Estado, direito dos juristas) e
apresenta os métodos de pesquisa que a sociologia jurídica deve empregar para analisar
tais ordenamentos" (SABADELL, 2013, p. 48).

O DIREITO VIVO
direito oficialmente instituído e formalmente vigente
contraposto à
normatividade emergente das relações sociais pelas quais se regem os
comportamentos e se previne e resolve a esmagadora maioria dos conflitos

11
CRIAÇÃO JUDICIÁRIA DO DIREITO
normatividade abstrata da lei
contraposta à
normatividade concreta e conformadora da decisão do juiz

“A discussão entre Sociologia Jurídica e Dogmática Jurídica trazida por


Weber no seio de Economia e sociedade remonta, em realidade, à celeuma engendrada
por dois antecessores seus, Herman Kantorowicz e Eugen Erlich, precursores da
chamada "Escola do Direito Livre" e do "Movimento Sociológico do Direito", até então
com relativa influência nas academias jurídicas alemãs. Pregavam estes dois autores,
em suma e basicamente, a idéia de que a lei não poderia criar efetivamente o Direito,
visto que tal tarefa era destinada ao órgão vivo, ao elemento subjetivo do Direito, o juiz
(giurisprudenzia). Deste modo, qualquer ciência que fosse válida deveria pautar-se nos
acontecimentos da realidade, nos elementos empiricamente constatáveis. Com tais
formulações, criticavam severamente a ciência jurídica dos juristas que somente se
atinham às leis formalmente criadas pelo legislador. Além do mais, tais pensadores
reivindicavam a função judicial como a verdadeira fonte de Direito, visto que se tratava
de efetivamente aplicar uma norma abstrata ao mundo fático, função esta
materializadora do Direito e que alcançava, portanto, fins práticos. Propunham, assim,
a livre criação do Direito por parte do magistrado, além de defenderem a idéia de que
a Sociologia do Direito seria a única e verdadeira ciência de estudo do Direito, por ser
a única que se voltava a atingir ao escopo do próprio Direito, que é a transformação do
mundo fático” (SILVEIRA, Daniel Barile da. Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia
e a dogmática jurídicas. Revista de Sociologia e Política. Curitiba. n. 27, pp. 171-179,
nov. 2006, p. 172).

Para Ehrlich, a primeira e mais importante tarefa da Sociologia do Direito é


"estabelecer uma distinção entre as componentes do direito que regulam, ordenam e
determinam a sociedade, demonstrando a sua natureza organizatória, e aquelas que são
puras normas de decisão". Pois, o Direito "é a ordem da vida estatal, social, espiritual
e econômica, mas não é sua ordem exclusiva; além do direito há outras ordens de
importância equivalente e possivelmente mais eficientes".

12
Considera que a principal questão que a Sociologia do Direito deve
resolver é "com que fenômenos o sociólogo deve preocupar-se e de que modo ele deve
coletar os fatos para conhecê-los e interpretá-los". Pois os fenômenos sociais que
"interessam ao conhecimento científico do Direito são, sobretudo, os próprios fatos do
Direito: o hábito que dentro das associações humanas determina a cada um sua posição
e suas tarefas, as relações de dominação e de posse, os contratos, estatutos, declarações
de última vontade e outras disposições além do processo hereditário".

Para Ehrlich, se existe uma regularidade nos fenômenos da vida


jurídica, que a sociologia deveria descobrir e apresentar, ela só pode ser encontrada no
condicionamento determinado pela realidade social e econômica; se existe uma
"evolução do direito que obedece a uma regularidade ela só pode ser conhecida e
apresentada no contexto de toda a evolução social e econômica". Desse modo, "a
Sociologia do Direito buscará seu material não no antiquário jurídico, mas na história
social e econômica".

Para Ehrlich, a Sociologia do Direito deve prescrever o que de fato


acontece e não o que a lei prescreve. E ao descrever como de fato se processa a vida
jurídica, a sociologia descreve o direito vivo, diferente do direito vigente.

Para ele, ‘Este, portanto, é o direito vivo em contraposição ao apenas


vigente diante de tribunais e órgãos estatais. O direito vivo é aquele que, apesar de
não fixado em prescrições jurídicas, domina a vida. As fontes para conhecê-lo são
sobretudo os documentos modernos, mas também a observação direta do dia-a-dia do
comércio, dos costumes e usos e também das associações, tanto as legalmente
reconhecidas quanto as ignoradas e até ilegais’.

No entanto, a análise sociológica do Direito, afirma Ehrlich, "terá de


comparar com a realidade não só as prescrições jurídicas, mas também os documentos,
ela também neste particular terá de distinguir entre direito vigente e direito vivo". Deve-
se observar, no entanto, que o "Direito vigente (norma de decisão) parece ser o
conteúdo decisivo do documento, pois em caso de processo é que ele conta; mas ele só
é direito vivo na medida em que as partes o observam, mesmo que não pensem em
processo".

13
Considerava Ehrlich que, como o Direito é um fenómeno social, a
Sociologia do Direito é a doutrina científica do Direito (DIAS, 2009, pp.40-41)

Esses deslocamentos criaram as condições teóricas para uma nova visão


sociológica

Processuais

O direito passou a ser estudado nas suas dimensões Institucionais

Organizacionais

MAX WEBER
Preocupa-se na definição da especificidade e o lugar privilegiado do direito
diante das demais fontes de normatividade em circulação nas relações sociais

Centrou sua análise na burocracia especializada encarregada da aplicação das


normas jurídicas

O que distingue o direito moderno do anterior é o tipo ideal de burocracia:


“monopólio estatal administrado por funcionários especializados segundo critérios
dotados de racionalidade formal, assente em normas gerais e abstratas aplicadas a casos
concretos por via de processos lógicos controláveis, uma administração em tudo
integrável no tipo ideal de burocracia por ele elaborado” (SANTOS, 2000, p. 163).

“O sociólogo alemão Max Weber contribui decisivamente para a formação


de uma sociologia jurídica ou do direito. Segundo Weber, ‘A lei existe quando há uma
probabilidade de que uma ordem seja mantida por um quadro específico de homens que
se utilizarão de compulsão física ou psíquica com a intenção de obter conformidade em
relação à ordem ou de aplicar sanções à sua violação’. Para ele, a assertiva vale para todas
as ordens legais, não se restringindo somente às do Estado. Além disso, a estrutura da

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ordem legal tem influência direta na distribuição de poder dentro de uma comunidade…”
(FREITAS; COSTA, 2013, p. 640).

“A abordagem weberiana utiliza-se do processo de racionalização em todas


as esferas da vida social do Estado moderno. O Estado moderno, o direito e os fenômenos
sociais oriundos dessa relação - ordem, processo de mudança social, burocracia,
racionalidade e o princípio da ação social - são ligados aos aspectos subjetivos e objetivos
da realidade social. (...) , vale lembrar que ele atribui ao direito uma importância
fundamental para o Estado moderno, pois define as regras que serão preestabelecidas no
campo judiciário. Talvez a maior contribuição da sociologia jurídica de Weber seja a
questão da profissionalização do direito. Segundo ele, o direito precisa ser uma instituição
que analise as contradições internas da sociedade e crie leis que contemplem os cidadãos,
e também que seja capaz de reduzir os conflitos sociais” (FREITAS; COSTA, 2013, p.
649-650).

Essa tradição intelectual influenciou decisivamente na constituição do objeto


da sociologia do pós-guerra

GRANDES TEMAS

1 – discrepância entre o direito formalmente vigente e o socialmente eficaz – Law in


books/Law in action

2 – relação entre o direito e o desenvolvimento – papel do direito na transformação


modernizadora das sociedades tradicionais

Processuais

Ainda assim negligenciam-se questões Institucionais

Organizacionais

A partir do final da década de 50 o quadro se modifica

RAZÕES TEÓRICAS DA MUDANÇA

PRIMEIRA RAZÃO TEÓRICA

15
Surge a sociologia das organizações

Inspirada em Weber

Estrutura/forma das organizações

SEGUNDA RAZÃO

A ciência política volta seu interesse para os tribunais

O juiz passa a ser objeto de estudo enquanto instância de decisão e poder político

Estuda o juiz pela sua orientação política

TERCEIRA CONDIÇÃO TEÓRICA

Desenvolve-se a antropologia jurídica

A antropologia sai das “sociedades simples”

Centra-se no litígio e nos mecanismos de prevenção e resolução

Desvia a atenção das normas para os processos e instituições

CONDIÇÕES SOCIAIS DA MUDANÇA

PRIMEIRA CONDIÇÃO

Negros
Lutas sociais protagonizadas por
Estudantes

Segurança social

Habitação

Educação
Buscam novos direitos
Transportes

Meio ambiente

Qualidade de vida

Queriam aprofundar a conteúdo democrático dos regimes pós-guerra

16
“Foi neste contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no
imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos
regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A igualdade dos cidadãos perante
a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos, uma
confrontação que em breve se transformou num vasto campo de análise sociológica e
de inovação social centrado na questão do acesso diferencial ao direito e à justiça por
parte das diferentes classes e estratos sociais” (SANTOS, 1986, p. 16 – grifei)

SEGUNDA CONDIÇÃO

A crise da administração da justiça, na década de 60

As lutas sociais (noticiadas na primeira condição) aceleraram uma modificação estatal


– saiu-se do Estado Liberal para o Estado providência: “um Estado activamente
envolvido na gestão dos conflitos e consertação entre classes e grupos sociais, e
apostado na minimização possível das desigualdades sociais no âmbito do modo de
produção capitalista dominante nas relações econômicas” (SANTOS, 1986, p. 16)

Relação de trabalho

Segurança social
Conflitos emergentes
Habitação

Bens de consumo doradouros

A integração da mulher no mercado de trabalho

Essas condições geraram uma explosão de litigiosidade

Com o fim da expansão econômica (década de 70) e o início da recessão


(provavelmente, ele está falando da Europa), o problema ganha um caráter estrutural.

• - redução de recursos financeiros do Estado


• - crescente incapacidade do Estado em cumprir os compromissos
assistenciais e providenciais assumidos com a sociedade na década anterior

“A preocupação em reinserir a mão-de-obra deixada para trás nunca foi um


empreendimento do capital. A novidade agora é que os contribuintes não mais se
interessam por isso. Não se trata simplesmente de uma desconsideração do outro ou em
17
razão da crescente perda dos sentimentos sociais de solidariedade. A capacidade de
financiamento do Estado está esgotada, segundo Habermas, em razão do seguinte círculo
vicioso: ‘...desemprego crescente, sistema de segurança social saturado e contribuições
se reduzindo’ (HABERMAS, 2001, p. 100)” (ALVES, 2010, p. 21).

Essa crise financeira impediu o Estado de adequar a oferta da justiça à


demanda.

Tais fatores inspiraram estudos sociológicos sobre:

• Administração da justiça
• Organização de tribunais
• Formação e recrutamento dos magistrados
• Motivação das sentenças
• Ideologias políticas e profissionais – tese sobre a escola da USP
• Custo da justiça - A esse respeito: “147 dias e R$ 947,34. Estes são
o prazo e o custo médios de um processo judicial que tramita na 2ª Instância do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Os valores foram
calculados a partir da conclusão do Projeto de Definição do Tempo e Custo
Médios de Tramitação dos Processos no Segundo Grau - PROTEC. O projeto, de
continuidade administrativa da gestão 2008-2010, foi recepcionado pelo Plano
de Gestão do Biênio 2010-2012.[...] Foram desenvolvidas as fórmulas de cálculo
do tempo e custo médio de duração de dez tipos de processos: mandado de
segurança, habeas corpus, apelação criminal, apelação cível, ação rescisória,
embargos infringentes cíveis e criminais, recurso em sentido estrito, agravo de
instrumento, medidas cautelares. Os cálculos revelaram que o processo com
tramitação mais cara é o Mandado de Segurança (R$ 2103,80), e o de menor
custo é o Habeas Corpus (R$ 267,90)”1.
• Bloqueamento de processos
• Ritmo e andamento nas mais diversas fases

1
Assessoria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: “TJDFT
conclui projeto que mede tempo e custo médios de tramitação de processos da 2ª Instância”. Notícias ACS
- 15/7/2011 online

18
PARTE II

Contribuição da sociologia para a administração da justiça

Análise, de modo sistemático, o âmbito diversificado das contribuições da


sociologia do direito para a administração da justiça

Acesso à justiça

Processo civil/justiça social


É o tema que demonstra mais
Igualdade jurídico-
claramente as relações entre
formal/desigualdade sócio-econômica

A justiça cível é o lugar para tratar do tema, pois a esfera “penal há, por assim
dizer, uma procura forçada da justiça, nomeadamente por parte do réu” – e o caso da
ação penal privada?

A esse respeito: “...o extraordinário número de processos pode estar


concentrado em uma fatia específica da população, enquanto a maior parte desconhece
por completo a existência do Judiciário, a não ser quando é compelida a usá-lo, como
acontece em questões criminais. Desta forma, a instituição seria muito procurada
exatamente por aqueles que sabem tirar vantagens de sua utilização” (SADEK, LIMA e
ARAÚJO, 2001, p. 40).

Nada obstante a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e


sociais, o Estado ficou destituído de mecanismos para implementar essas previsões
normativas: “passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função
mistificadores” (SANTOS, 1986, p. 18).

Partindo dessas constatações, a tramitação dos processos deixou de ser


analisado como tecnicamente/socialmente neutro

A organização da justiça passou a ser investigada de outro modo: Qual a sua


função social?

19
Com essa opção, aparentemente técnica, pode veicular: “opções a favor ou
contra interesses sociais divergentes/antagônicos”: patrões/empregados, proprietários de
imóveis/inquilinos, instituições financeiras/consumidores, etc

A sociologia passou a investigar os entraves que impediam as classes


populares de acessar o judiciário

Em outros termos, passou a estudar a discriminação social no acesso à justiça

Estudos demonstram que a justiça civil é mais cara para os pobres,


proporcionalmente:

As pesquisas apresentadas por Boaventura demonstraram que os cidadãos de


baixa renda são “os protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas
acções que a Justiça é proporcionalmente mais cara” (SANTOS, 1986, p. 19).

Custo do processo no Distrito Federal

Ao lado da reforma do processo, deve-se analisar “a organização judiciária


e a racionalidade ou irracionalidade dos critérios de distribuição territorial dos
magistrados” (SANTOS, 1986, p. 20) – JUIZADO ITINERANTE

A distância do cidadão à administração da justiça é maior para os pobres

Essa distância também é devida a fatores sociais e culturais

1º (tese de Boaventura) – pobres não conhecem seus direitos, portanto têm


“mais dificuldade em reconhecer um problema que os afeta como sendo um problema
jurídico” (SANTOS, 1986, p.21)

2º após reconhecer o problema como jurídico, é necessário ter disposição para


propor uma ação judicial: “Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas
hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem
estar perante um problema legal” (SANTOS, 1986, p. 21)

Fatores que explicam a desconfiança

• experiência anterior
• medo de represálias (justiça do trabalho)

20
A esse respeito: “...sabe-se que cresce a probabilidade de se buscar direitos
quando aumentam os graus de escolaridade e de renda; e, inversamente, baixos níveis
de renda e de escolaridade tendem a operar como fatores que inibem a realização de
direitos e, em decorrência, o uso de tribunais” (Desasso, 2001, p. 77).

Não existem dados disponíveis a esse respeito: “Essa hipótese que contempla
o alto uso dos serviços do Judiciário por uma parcela restrita da população mereceria
ser melhor trabalhada. Faltam, entretanto, dados mais específicos para a sua discussão.
Seria imprescindível qualificar os autores e os réus dos processos, sobretudo na área
cível. Somente assim seria possível saber se, de fato, a utilização do judiciário está
estreitamente correlacionada a um grupo específico da sociedade, exatamente aquele
que dispõe de mais recursos econômicos, sociais e intelectuais” (SADEK, LIMA e
ARAÚJO, 2001, p. 40).

A JUSTIÇA EM NÚMEROS NÃO SUPRE ESSE DÉFICT

3º quanto mais baixo o estrato social do cidadão:

• é menos provável que conheça um advogado


• operadores do mundo do direito não fazem parte do seu círculo de conhecidos
• maior é a distância geográfica entre seu local de trabalho/residência e os serviços
advocatícios gratuitos

Em razão dessas conclusões, os tribunais se mobilizaram e desenvolveram


inovações institucionais oraganizacionais para tentar minimizar essa discriminação social
no acesso à justiça

- Justiça itinerante – 125, §7º, CF/88 – EC 45

- Justiça Federal – 108, §3º, CF/88

- Câmaras Regionais – 125, §6º, CF/88

21
Administração da justiça como instituição política

Esse segundo passo é um tema amplo que contém diversos objetos e formas
de análise

Os cientistas políticos passaram a enxergar os tribunais como um sub-sistema


do sistema político global

Estímulos
Pressões
Logo, processam inputs externos
Exigências sociais
Exigências políticas

Pelos mecanismos de conversão, produzem outputs – decisões

Essas decisões produzem impacto social e político nos demais subsistemas

DUAS CONSEQÜÊNCIAS IMPORTANTES DESSA ÓTICA

A) o juiz foi colocado no centro do campo analítico

Origem de classe do juiz

Formação profissional
Que relação existe entre a decisão judicial e
Idade

Ideologia política e social

B) desmentiu-se a concepção de que a justiça é “uma função neutra e protagonizada por


um juiz apostando apenas em fazer justiça acima e eqüidistante dos interesses das partes”
(SANTOS, 1986, p. 24).

Estudos sobre ideologia da magistratura – Itália

1- tendência “estrutural funcionalista”

22
ênfase nos valores da ordem, equilíbrio, segurança social e certeza do direito

agrupa juízes conservadores ou moderados

defendem a divisão de poderes

são adeptos de soluções tradicionais

2 - tendência “conflitivismo pluralista”

prevalecem ideias de mudança social

defende o reformismo da organização judiciária e da sociedade

têm como objetivo o aprofundamento da democracia dentro do marco jurídico-


constitucional do Estado de direito

3 - tendência do “conflitismo dicotômico de tipo marxista”

os juízes apostam no uso alternativo do direito

acreditam na função criadora da magistratura

contribuem, pelo direito, na construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária

“Todos estes estudos têm vindo a chamar a atenção para um ponto


tradicionalmente neglicenciado: a importância crucial dos sistemas de formação e de
recrutamento dos magistrados e a necessidade urgente de os dotar de conhecimentos
culturais, sociológicos e econômicos que os esclareçam sobre as suas próprias opções
pessoais e sobre o significado político do corpo profissional a que pertencem, com vista
a possibilitar-lhes um certo distanciamento crítico e uma atitude de prudente vigilância
pessoal no exercício das suas funções numa sociedade cada vez mais complexa e
dinâmica” (SANTOS, 1986, p. 26).

23
Conflitos sociais e os mecanismos da sua resolução

Essa é a terceira contribuição da sociologia para a administração da justiça:


os litígios sociais e mecanismos da sua resolução.

As contribuições da antropologia são decisivas

A antropologia, ao investigar as sociedades simples, mostrar formas de direito


e padrões de vida jurídica totalmente diferentes dos existentes nas sociedades complexas

exemplos:

a. direitos com baixo grau de abstração e apenas discerníveis na solução concreta de


litígios;
b. direitos com pouca especialização em relação às restantes atividades sociais;
c. mecanismos de resolução de litígios caracterizados pela informalidade, rapidez,
participação da comunidade, conciliação ou mediação entre as partes por meio de
discurso jurídico retórico e persuasivo, assente na linguagem comum; e
d. existência, na mesma sociedade, de uma pluralidade de direitos convivendo e
interagindo de diferentes formas.

Partindo-se da abordagem inaugurada pelas pesquisas etnográficas,


seguiram-se abordagens sociológicas, tendo por unidade de análise os litígios e não a
norma

orientação teórica: pluralismo jurídico.

Foram analisados mecanismos de resolução jurídica informal de conflitos


existentes nas sociedades contemporâneas e operando à margem do Direito estatal e dos
Tribunais oficiais.

Segundo Boaventura, os estudos sociológicos sobre conflitos sociais e


mecanismos de solução permitiram concluir:

a. o Estado moderno ou contemporâneo não tem o monopólio da produção e distribuição


do Direito, posto que o Direito estatal coexiste com outros Direitos que com ele se
articulam de modos diversos;

24
b. o relativo declínio da litigiosidade civil não significa a diminuição dos conflitos sociais
e jurídicos, mas resulta do desvio desses conflitos para outros mecanismos de resolução,
informais e mais baratos, existentes na sociedade.

Algumas reformas de administração da Justiça que se seguiram influenciadas por


estas pesquisas sociológicas:

A. Reformas no interior da Justiça civil tradicional:

essas reformas atuaram no seguinte sentido:

a) reforço dos poderes do Juiz na apreciação da prova e na condução do processo segundo


os princípios da oralidade, da concentração e da imediação;

b) criação de um novo tipo de relacionamento entre os participantes do processo, mais


informal, mais horizontal, visando ao processamento mais inteligível e à participação
mais ativa das partes e testemunhas; e

c) ampliação e incentivo do uso de conciliação entre as partes sob o controle do Juiz.

B. Reformas para a criação de mecanismos informais de resolução de litígios:

a) os centros de justiça de bairros nos EUA;

b) os conciliadores na França;

c) a arbitragem; e

d) os mecanismos conhecidos como “Alternative Dispute Resolution” (ADR).

PARTE III

PARA UMA NOVA POLÍTICA JUDICIÁRIA

Em que consiste essa nova política judiciária?

1 – democratização da justiça

25
Um compromisso do judiciário, em sua forma de administrar a justiça com os
valores de democratização da vida social, econômica e política.

A democratização tem duas vertentes:

A. Constituição interna do processo – essa vertente inclui as seguintes orientações:

a) maior envolvimento e participação dos cidadãos na administração da Justiça;

b) simplificação dos atos processuais e o incentivo à conciliação das partes;

c) aumento dos poderes do Juiz; e

d) ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse de agir.

B. Democratização do acesso à Justiça - orientações:

a) criação de um sistema de serviços jurídico-sociais, gerido pelo Estado, com a


colaboração das organizações profissionais e sociais e que garanta a igualdade do acesso
à Justiça a todos os cidadãos; e

b) esse serviço deve eliminar não apenas os obstáculos econômicos, mas, também, os
sociais e culturais: esclarecer os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente
aquisição, através de consultas individuais e coletivas e das ações educativas nos meios
de comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas etc.

A democratização possui limites, pois “a desigualdade da protecção dos


interesses sociais dos diferentes grupos sociais está cristalizada no próprio direito
substantivo, pelo que a democratização da administração da justiça, mesmo se
plenamente realizada, não conseguirá mais do que igualizar os mecanismos de
reprodução da desigualdade” (SANTOS, 1986, p. 29).

Portanto, além da democratização da administração da Justiça, são


necessárias reformas no Direito substantivo

Lembrar da ideia de antinomia de avaliação - incriminação da pobreza, crimes


tributários, etc

26
Exemplos:

1 - Damásio de Jesus diz que, no plano da tipicidade, o art. 216-A do Código Penal -
assédio sexual - é “confuso”, “peca pela limitação da incriminação (parágrafo único
vetado) e exagero punitivo (em quantidade, a pena mínima é a mesma do aborto
consentido)” (JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 756).

2 - “...é mais fácil sonegar tributos que furtar botijões de gás; do mesmo modo, tipos
penais como casa de prostituição, dano, furto qualificado – cuja pena é semelhante à
lavagem de dinheiro e superior à sonegação de tributos” (STRECK, Lenio Luiz. O que
é isto – decido conforme minha consciência? 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010, p. 133, nota 117).

A esse respeito: “Convém [...] apresentar a tese do sociólogo polonês Zygmunt Bauman
(1998) explanada em uma conferência proferida em maio de 1995. Para ele, na ordem
mundial já existem provas inequívocas da existência de uma vinculação muito próxima
‘...da tendência universal para uma radical liberdade do mercado ao progressivo
desmantelamento do estado de bem-estar’. Além disso, essa íntima vinculação, estaria
presente também ‘...entre a desintegração do estado do bem-estar social e a tendência a
incriminar a pobreza’” (ALVES, 2010, p. 19).

RESUMO DAS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA PARA A


DEMOCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Reforma de direito material ou processual não têm muito significado se


também não forem reformados:

1. a organização judiciária para uma justiça democrática internamente: a esse respeito,


ver o texto “O Judiciário e a prestação de justiça”, citado nas referências.
2. racionalização da divisão de trabalho: idem
3. nova gestão dos recursos de tempo e de capacidade técnica
4. reforma da formação e dos processos de recrutamento dos juízes – sobre esse aspecto:
“As novas gerações de juízes e magistrados deverão ser equipadas com
conhecimentos vastos e diversificados (econômicos, sociológicos, políticos) sobre a

27
sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses
conhecimentos têm de ser tornados disponíveis e, sobretudo no que respeita aos
conhecimentos sobre administração da justiça...” (SANTOS, 1986, p. 32) – Outro
autor José Eduardo Faria, “...em matéria de ensino jurídico e de formação dos
operadores do direito, não há mais como se confinar sua cultura técnico-profissional
aos rígidos limites formalistas de uma estrutura curricular excessivamente
dogmática, na qual a autoridade do professor representa simbolicamente a
autoridade da lei e o tom da aula magistral permite ao aluno adaptar-se à linguagem
da autoridade”2

REFERÊNCIAS

ALVES, Juliano Vieira. Por uma jurisdição republicana: o ideal da soberania popular no
processo judicial. Monografia de Pós-graduação Lato Sensu, em Processo Civil.
UniCEUB/ICPD, Brasília, 2010.
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Fariñas Introdução à análise sociológica
dos sistemas jurídicos; tradução feita por Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.
DESASSO, Alcir. Juizado especial cível: um estudo de caso. In: Maria Tereza Sadek
(org.) Acesso à justiça. Série pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001.
FREITAS, Amílcar Cardoso Vilaça de; COSTA, Elizardo Scarpati. O direito moderno
sob a ótica dos clássicos da sociologia: análises e questionamentos. Caderno CRH.
Salvador. vol.26, n.69, pp. 639-653. Set. dez., 2013.
DIAS, Reinaldo. Sociologia do Direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo: Atlas, 2009.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa
do direito. 6ª ed. rev. atu. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SADEK, Maria Tereza; LIMA, Fernão Dias de; ARAÚJO, José Renato de Campos. O
judiciário e a prestação de justiça. In: Maria Tereza Sadek (org.) Acesso à justiça. Série
pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça.
Revista Crítica de Ciências sociais, nº 21. Nov. 1986, PP. 11-37.

2
FARIA, José Eduardo. “Introdução: o judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico”. In: Jose Eduardo
Faria (org.). Direitos Humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 26.

28
29
2. RELAÇÕES SOCIAIS E RELAÇÕES JURÍDICAS. CONTROLE
SOCIAL E O DIREITO:

CONTROLE SOCIAL E O DIREITO

PRESSUPOSTO
"Todas as sociedades, sem exceção, são governadas por normas" (SCURO
NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições
jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245).

CONCEITO DE CONTROLE SOCIAL

“'conjunto dos recursos materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe


para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de
regras e princípios prescritos e sancionados' (Boudon; Bourricaud, 1993:101)"
(ALVAREZ, Marcos César. Controle social: notas em torno de uma noção polêmica. São
Paulo em Perspectiva. 2004, vol.18, n.1. São Paulo, jan./mar. pp. 168-176, 2004, p. 169)

"Outra definição: 'esse conceito descreve a capacidade da sociedade de se


auto-regular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus próprios
padrões' (Zedner, 1996:138)" (ALVAREZ, Marcos César. Controle social: notas em torno
de uma noção polêmica. São Paulo em Perspectiva. 2004, vol.18, n.1. São Paulo, jan./mar.
pp. 168-176, 2004, p. 175, nota nº 3).

"...um conjunto de sanções positivas e negativas, especificadas durante o


processo de socialização e seus mecanismos, que agem desde cedo para incutir na
personalidade valores, normas e modelos normativos, conformando a capacidade
individual de estabelecer juízos morais" (SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e
jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle
social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 244).

"...mecanismo utilizado pela sociedade e pelos grupos sociais para que seus
membros adotem comportamentos previsíveis e aceitos pela maioria de seus integrantes,
evitando-se as condutas desviantes e que podem prejudicar a convivência coletiva"

30
(DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo : Atlas, 2009, p. 172)

Georges Gurvitch "conjunto de modelos culturais, símbolos sociais,


significados espirituais coletivos, valores, ideias e ideais, assim como também as ações e
os processos diretamente relacionados com eles, mediante os quais toda sociedade, todo
grupo particular e todo membro individual componente vencem as tensões e os conflitos
interiores próprios e restabelecem um equilíbrio interno temporário, o que lhes dá a
possibilidade de seguir adiante com novos esforços de criação coletiva" (apud DIAS,
Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato social. São
Paulo: Atlas, 2009, p. 172).

Um mecanismo de controle social pode ser considerado "um processo


motivacional em um ou mais atores individuais que tende a neutralizar uma tendência
para o desvio do cumprimento das expectativas do papel no próprio ator ou em um ou
mais alters. E um mecanismo de reequilíbrio"- NOTA: (Parsons (1970), p. 206 [da
coletânea de textos organizada por Castro e Dias, 1992, à p. 231-232].)

_________________________

INSTITUIÇÃO ATUANTES

Família e outras formadas por laços de parentesco e afetividade.

Organizações formais (escola, igreja etc.), por intermédio de seus agentes,


profissionais especializados na criação, aplicação e transmissão de padrões sociais.

Estado: A ele compete (de acordo com o preâmbulo da Constituição Federal


brasileira, por exemplo) garantir aos sujeitos o "exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça". Para sustentar a ordem normativa o Estado regulamenta os atos que dela desviam
ou possam colocar em risco a sua estabilidade. Faz isso tendo por base o conceito de
justiça e os conflitos sociais, selecionando determinados valores e interesses em
detrimento de outros. Para minimizar os atritos que inevitavelmente resultam dessa
seleção criteriosa em termos, o Estado (isto é, a ordem jurídica nacional) propõe soluções
de compromisso cuja expectativa de existência tem de ser duradoura" (SCURO NETO,

31
Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas,
evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245).

_________________________

SOCIEDADES SIMPLES

"Nas simples ou primitivas, costumes, moralidade e Direito articulavam-se


em uma unidade objetiva, formavam um só contexto homogêneo. Impregnado de
moralidade e costumes, o Direito era aplicado como se fosse uma vontade grupal — era
um "estado da consciência coletiva", em quase nada divergindo do conjunto de crenças e
sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade. Nesse contexto
tradicional a conduta humana era coagida por normas que "no geral e por definição"
correspondiam à "maneira de pensar e de sentir" de cada um, às regras a que todos
estavam “acostumados a obedecer" e com as quais "não sofriam", praticamente do mesmo
modo que "não sofremos com certas coerções físicas , como as da lei da gravidade
(LÉVY-BRUHL, 1988:20).

SOCIEDADES COMPLEXAS

Por sua vez, em sociedades como a nossa, o Direito passou a ser codificado
visando a autonomia individual que, no entanto, se move dentro de limites estreitos,
precisamente para dar ênfase à liberdade individual, integridade física, igualdade jurídica
e garantia patrimonial. Dessa maneira, no mundo moderno a noção tradicional de
codificação adquiriu o caráter de reação contra multiplicidade, obscuridade e dubiedade.
A intenção é facilitar o conhecimento e a aplicação prática do sistema normativo,
garantindo as tão desejadas convicção do Direito e a segurança da justiça: um Direito que
se estende relativamente impermeável a movimentos e mudanças pêlos diversos recantos
da vida social é tão importante quanto uma moeda forte, uma vez que aumenta a coesão
social e torna os indivíduos e as instituições mais interdependentes.

Contudo, malgrado seu dinamismo e foco no indivíduo os quadros sociais do


mundo moderno parecem opor-se "a qualquer solução original, a qualquer inovação
importante", delimitando a autonomia individual (LEVY-BRUHL, 1988: 21). Com
efeito, quanto mais o Direito e o sistema de justiça se transformam em órgãos de

32
integração social, gerando subordinação recíproca e opondo-se à alteração das regras,
mais grave e generalizado tende a ser o impacto das perturbações e dos deslocamentos de
interesses que as mudanças costumam trazer em seu âmago. Seu objetivo primordial é a
preservação da ordem num contexto tão amplo e variado que não pode ser inteiramente
controlado (nem mesmo pela ditadura mais sistemática e violenta) ou subvertido (nem
mesmo pela revolução mais radical).

Razões de ordem prática e metodológica, porém, impõem restrição (ou


condicionamento) da perspectiva estrita (jurídica) e referência direta ao sistema de
governo. O controle social assume, portanto, a fisionomia de um subsistema de normas
(o Direito) sustentado pela autoridade de outro (o Estado), cujos agentes e equipamentos
aplicam a lei, e, ao fazê-lo, criam Direito. As funções de investigar e acusar, por exemplo,
ficam a cargo de pessoas especializadas, funcionários públicos dotados de recursos e
autoridade para tanto. Dependendo das circunstâncias, a tradição jurídica pode admitir —
e a legislação confirmar — o privilégio do cidadão ou corpo privado de segurança de dar
voz de prisão, investigar uma infração e apresentar o caso diante de um tribunal, tendo
por base suas próprias evidências. Personagens famosas, como o detetive Sherlock
Holmes, surgiram graças a tal ordem jurídica" (SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral
e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle
social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 246-247).

CONTROLE SOCIAL: CLASSIFICAÇÃO

Pedro Scuro Neto descreve os mecanismos de controle social

A) IDENTIFICAÇÃO ARTIFICIAL DOS INTERESSES

Para compensar problemas de socialização, de personalidade, de valores ou


de apatia, a tendência usual é as instituições manipularem facilidades e dificuldades,
alocando papéis e recompensas para fins específicos. Quando querem motivar os sujeitos
as instituições são descaradamente "behavioristas, empiristas e realistas — ou seja,
tentam controlar estímulos e reações, oferecendo ou ameaçando remover objetos e
oportunidades com significado físico e emocional para o indivíduo (processo que os
psicanalistas chamam de "investimento", ou catexe). Essa identificação artificial de

33
interesses depende de consenso entre diversos tipos de afores e abrange diferentes
situações e áreas de um sistema social. Por exemplo, professores e estudantes
universitários podem ser motivados por objetos catécticos (salário/ diploma) cujo
significado físico e emocional pode inibir, por exemplo, a disposição individual de lutar
por melhores e mais dispendiosas condições de ensino. Mesmo se o consenso em relação
a esses objetos diminui, a orientação original é mantida com a ameaça ou o receio de
desemprego, possibilidade de dificuldades ainda maiores para obter um diploma se o
ensino ficar mais rigoroso etc.

B) INSULAMENTO

Outro mecanismo de controle social é insulamento — isolar o comportamento


desviante, interromper o contato do indivíduo com a instituição e com isso restringir suas
atividades transgressoras. No exemplo acima, aos professores descontentes restam a
demissão e a Justiça do Trabalho, ao passo que aos estudantes insatisfeitos sobram a
renúncia à condição acadêmica e o rebaixamento ao papel de simples "consumidor de
serviços educacionais"— e ir reclamar ao Procon, ao Ministério Público, aos Juizados
Especiais etc. O mesmo tipo de mecanismo é aplicado também a sujeitos submetidos a
internação (encarceramento e/ou hospitalização), e no processo de segregação de
minorias raciais, étnicas ou religiosas. Isolado, o indivíduo deve vivenciar a própria
impotência diante da férrea objetividade dos mecanismos de controle aplicados — é
compelido a experimentar uma sensação física e moral, profunda e "peculiar, uma
dualidade, um sentimento de estar sempre olhando para si mesmo através dos olhos dos
outros e medindo a própria alma com a fita métrica do mundo que o encara atemorizado,
com desprezo ou piedade" (SCURO, 2004: 284; DuBOIS, 1903).

C) REINTEGRAÇÃO

...intimamente relacionado com o insulamento, focalizado na punição


proporcional à seriedade da falta cometida pelo infrator, ou seja, à gravidade da conduta
passada. A reintegração, por sua vez, orienta-se ao futuro, tem como objetivo a prevenção
do crime, não apenas a incapacitação, mas a sua reabilitação" — que, do ponto de vista
jurídico-penal, quer dizer: (l) colocação no status anterior à condenação; (2) suspensão da
pena devido a "bom comportamento" durante o período de cumprimento da pena; e (3)
extinção total ou parcial da incapacitação e interdição decorrentes da sentença.

34
OUTRA CLASSIFICAÇÃO

PERSUASÃO: "...é realizada ao longo do tempo, através do processo de


socialização, no qual o indivíduo internaliza as normas e as aceita, gerando, portanto, uma
conduta coerente e esperada. Desse modo, obtém-se o consenso social como resultado da
persuasão".

COERÇÃO: "...é um recurso utilizado quando ocorre um desvio de conduta


prejudicial à estabilidade social. Nesse caso, o controle social coercitivo tem como
objetivo corrigir o comportamento daqueles membros da sociedade que divergem da
normatividade vigente. Pode ser adotada a violência moral, e às vezes o recurso à
violência física, para enquadrar o comportamento dentro dos padrões socialmente aceitos,
utilizando-se para tanto, métodos e recursos de intensidade variável, como, por exemplo,
a sanção penal" (DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno
jurídico como fato social. São Paulo: Atlas, 2009, p. 171).

Três características da modalidade de controle social nas sociedades


complexas - direito. As normas de conduta são:

a) explícitas, indicando à população de forma exata e clara aquilo que não deve fazer;

b) protegidas pelo uso de sanções;

c) interpretadas e aplicadas por agentes oficiais Sabadell, Ana Lucia. Manual de


sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 139.

"Quando David Garland (2008) conceituou o fenômeno do encarceramento


em massa, chamou a atenção para a focalização sobre grupos sociais específicos, tal como
ocorre em São Paulo com a população jovem, negra e residente nos bairros de periferia"
(SINHORETTO, Jacqueline; SILVESTRE, Giane; MELO, Felipe Athayde Lins de. O
encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social. Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. v. 25,
n. 1, jun. 2013).

35
36
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO:

TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO

Na análise da relação entre o direito e mudança social, a pergunta que se faz


é a seguinte:

"O contexto social (sistema de produção, cultura, interesses, ideologias,


forças políticas) determina o direito ou é o direito que determina a evolução social?"

"Uma parte dos estudiosos entende que o direito, como manifestação social,
é determinado pelo contexto sociocultural: a sociedade produz o direito que lhe convém.
Dentro desta perspectiva, os autores mais críticos sustentam que existe apenas uma
imposição de interesses por parte dos grupos que exercem o poder.
Estes conseguem impor aos sujeitos mais fracos as regras de conduta que
permitem reproduzir, em nível normativo, a dominação social.
Em uma posição contrária, situam-se os autores que entendem que o direito é
um fator determinante dos processos sociais. Os autores que adotam esta perspectiva
entendem que o direito possui a capacidade de determinar o contexto social, de atuar
sobre a realidade e de mudá-la. Por exemplo, uma lei sobre um novo problema social, ou
uma mudança nas normas promovida por um novo governo, poderá conseguir impor aos
membros de uma comunidade novos tipos de comportamento.
A primeira posição é considerada como realista; a segunda posição tem um
caráter idealista, porque se fundamenta na hipótese de que uma vontade exprimida por
meio de um mandamento ("dever ser", norma jurídica) pode mudar a realidade.
Porém, com relação a este tema entendemos ser possível sustentar uma
terceira posição que nos permite conciliar as duas supracitadas. O direito é, em geral,
configurado por interesses e necessidades sociais, ou seja, é produto de um contexto
sociocultural. Isto não impede que o mesmo possa influir sobre a situação social,
assumindo um papel dinâmico.
Em outras palavras, o direito exerce um duplo papel dentro da sociedade:
ativo e passivo. Ele atua como um fator determinante da realidade social e, ao mesmo

37
tempo como um elemento determinado por esta realidade. Dentro deste contexto,
identificam-se as pressões dos grupos de Poder que Podem induzir tanto para que se de a
elaboração de determinadas regras bem como para que as regras em vigor não sejam
cumpridas, levando a um processo de anomia generalizado. Esta análise permite superar
"os modelos de relação causal simples" entre direito e sociedade" (SABADELL, 2013, p.
88)

"Soriano (1997 pp. 311-312) afirma que a relação entre direito e mudança
social se concretiza da seguinte forma:
a) O direito é uma variável dependente, ou seja, um fenómeno social que
muda historicamente em função de outros fenómenos. A relação entre os grupos e as
classes sociais, definida principalmente pelo fator económico, determina as estruturas
jurídicas. O direito pode ser, então, considerado como um produto de interesses sociais,
que dependem das relações de dominação em cada sociedade.
Porém, a determinação social do direito não significa que este seja produto de
um único fator social ou da vontade de uma classe. Além dos interesses económicos, o
direito é influenciado por elementos de ordem física, tais como as invenções e as
tecnologias, e também por valores éticos-culturais assumidos pelos povos de várias
regiões do mundo (pensem na diferença do direito entre países de tradição cristã e de
tradição muçulmana).
Um peso particular possui, finalmente, a tradição jurídica de cada País' que
não muda de um dia para o outro com base nas mudanças sociais. Assim se explica a
defasagem entre a evolução da moral social e a imobilidade do sistema jurídico que já
constatamos no caso dos delitos sexuais. A importância da tradição jurídica explica
também o fato de que países com semelhantes estruturas política e econômica possuem
sistemas jurídicos totalmente diferentes, como mostra o exemplo do direito francês
(fundamentado na lei escrita) confrontado com o direito inglês (fundamentado no caráter
vinculante da jurisprudência)" (SABADELL, 2013, pp. 91-92).
"De conformidade com a tendência predominante em sociologia, Parsons
toma como ponto de partida a hipótese de que todas as sociedades existem normalmente
em um estado de equilíbrio imutável, que é homeostaticamente preservado. Elas mudam,
supõe ele, quando esse estado normal de equilíbrio social é perturbado, por exemplo, pela
violação de normas sociais. Pela quebra da conformidade. A mudança social surge, assim,

38
como um fenómeno resultante da disfunção acidental, externamente motivada, de um
sistema social normalmente bem equilibrado. Além do mais, a sociedade assim
perturbada se esforça, na opinião de Parsons, para voltar ao estado de repouso. Mais cedo
ou mais tarde, segundo ele, um "sistema" diferente, com um equilíbrio diferente, é
estabelecido, que mais uma vez se mantém mais ou menos automaticamente, a despeito
de oscilações, no estado dado. Em uma palavra, o conceito de mudança social refere-se
aqui a um estado transitório entre dois estados normais de imutabilidade, provocado por
uma disfunção" (ELIAS, 2004, pp. 221-222).

VERSÃO TEÓRICA
Igor Suzano Machado: Professor da Universidade Federal de Viçosa, Minas
Gerais, Brasil
MACHADO, Igor Suzano. Jurisdição, hegemonia e integridade: uma Visão
pós-estruturalista sobre o direito e sua relação com a sociedade e a política no Brasil.
Dados. 2013, vol.56, n.4, pp. 943-974.

DIREITO E SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO NO NÍVEL MACRO: REFLEXÕES


SOBRE AS INSTITUIÇÕES JUDICIAIS
Em 1978, Philippe Nonet e Philip Selznick escreveram um profícuo livro
chamado Law and Society in Transition: Toward Responsive Law (2010). Neste livro os
autores desenvolvem uma interessante reflexão sociológica sobre a situação do direito e
das instituições jurídicas dos Estados Unidos naquele momento. Como os Estados Unidos
têm espalhado a sua influência política em todo o mundo, as questões tratadas no livro se
tornaram referências importantes para um grande número de países que organizaram suas
instituições políticas e jurídicas influenciados de alguma maneira pelo sistema norte-
americano, de que é exemplo, inclusive, o Brasil. Fundamentalmente, Nonet e Selznick
argumentam em seu livro que podemos classificar as instituições judiciais como
instituições de um direito repressivo, autônomo ou responsivo.
Estas definições do direito correspondem a três tipos ideais que poderiam ser
usados para classificar sistemas judiciais específicos, na medida em que suas
características sejam identificadas em maior medida com o modelo repressivo, autônomo
ou responsivo23. Estas características seriam reações ao ambiente sociopolítico em que
as instituições judiciais estariam inseridas. No caso do Direito repressivo, o Judiciário

39
estaria inserido em um contexto de consolidação da instância política. Portanto, suas
instituições procurariam impor e manter uma ordem desejada pelas elites políticas e não
por toda a comunidade (Nonet e Selznick, 2010:75).
Como a coerção e a manutenção da ordem são características de qualquer
sistema judicial, o direito repressivo guarda semelhanças com qualquer sistema jurídico.
Apesar disto, deve-se ter em mente que o Direito não se limita ao uso da coerção, mas,
sim, combina este uso com uma reivindicação de legitimidade do poder político. E no que
diz respeito à dimensão de ser uma instância de legitimação do poder político, o direito
repressivo é, em grande medida, deficiente. É por isto que Nonet e Selznick apresentam,
como uma evolução do direito repressivo, o direito autônomo, que tem como objetivo
fornecer uma base mais sólida para a legitimidade do poder político em uma sociedade
dotada de maior complexidade e diversidade (Nonet e Selznick, 2010:100).
O objetivo do direito autônomo, como uma evolução do modelo repressivo,
seria estabelecer um governo das leis, em vez de um governo dos homens. No modelo
autônomo, todos, governantes e governados, estão sujeitos à mesma ordem jurídica e
sistema judicial. Esta natureza universal do seu "modelo de regras" proporciona ao direito
autônomo os recursos necessários para a manutenção da legitimidade política em uma
sociedade complexa. Ainda assim, a sua justiça estritamente for mal e processual se
mostrou incapaz de enfrentar algumas injustiças substantivas já fortemente sedimentadas.
Focando seus procedimentos e estando vinculado à obediência estrita às
regras prescritas pelo legislador, um sistema judicial autônomo torna- se insensível às
demandas sociais por justiça substantiva e sua autonomia degenera em isolamento. E se,
por um lado, o direito repressivo, no seu desejo de manter a ordem, foi insensível à
dimensão exigida pelo Direito de promover a legitimidade, por outro lado, o direito
autônomo, com o objetivo de superar os problemas do direito repressivo, acabou
negligenciando uma outra dimensão essencial para o Direito: a promoção da justiça. Neste
contexto, há uma demanda por um novo tipo de direito. Nonet e Selznick chamam este
novo tipo de direito de direito responsivo. A transição do direito autônomo ao direito
responsivo implica uma abertura das instituições judiciais ao seu meio ambiente,
entendido como uma fonte de auto correção. O modelo de regras é enfraquecido, a
equidade não é mais cega para as desigualdades sociais e a desobediência nem sempre é
considerada uma ofensa ao sistema jurídico (Nonet e Selznick, 2010:127).

40
A transformação e evolução sociológica do Direito, descrita por Nonet e
Selznick como a transição do direito repressivo para o direito autônomo e do direito
autônomo para o direito responsivo - lembrando que os três modelos são tipos ideais que
não refletem as realidades empíricas com exatidão - possui consequências nas reflexões
da teoria jurídica. Por exemplo, a transição entre o direito autônomo e o direito responsivo
resultou na passagem de uma teoria jurídica positivista - focada no aspecto formal para a
compreensão da identidade da norma jurídica - a uma teoria jurídica que tenta ir além do
positivismo - seja num positivismo inclusivo, que busca ascrescentar às regras de
reconhecimento da norma jurídica uma dimensão moral, seja numa versão mais
abertamente antipositivista, como na teoria de Dworkin. Assim como argumentei que esta
transformação da teoria jurídica pode ser entendida no âmbito de uma teoria do discurso,
defendo que a transformação das instituições judiciais também pode. E o trabalho de
Nonet e Selznick se apresenta como uma reflexão na qual isto pode ser observado.
Tendo isto em vista, acredito que as transições entre o direito repressivo, o
direito autônomo e o direito responsivo podem ser descritas como uma rearticulação de
elementos discursivos em novas cadeias de significado. Conforme foi dito, para Nonet e
Selznick as noções de direito repressivo, autônomo e responsivo seriam reações do
Direito ao ambiente sociopolítico em que as instituições judiciais estariam inseridas.
Desta forma, a mudança e transição entre os modelos podem ser consideradas repostas a
momentos de deslocamento, que, assim, são tentativas de reconstrução hegemônica,
dotando o sistema de unidade por meio da elevação do que seria apenas um de seus
elementos particulares como sendo a característica determinante da estrutura como um
todo.
Isto é visto claramente na cadeia discursiva unificada sob o significante vazio
"ordem" (no direito repressivo), que é subvertida por uma cadeia discursiva unificada sob
o significante vazio "legitimidade" (no direito autônomo), destacando que o caminho
reverso também pode ser feito, como é subentendido na noção de hegemonia de Laclau e
Mouffe, e posto em destaque também por Nonet e Selznick, quando, apesar de sua postura
abertamente evolucionista, no epílogo do seu livro destacam as formas como o "direito
pode morrer" (Nonet e Selznick, 2010). É menos claro, no entanto, na transição entre o
direito autônomo e o responsivo - talvez pelo sistema judicial responsivo ser mais do que
o sistema judicial contemporâneo, sendo uma promessa ainda a ser alcançada. Mesmo
assim, penso que isto se deve mais à abertura típica do direito responsivo que, em vez de

41
dar ao Direito um novo princípio de fechamento, destaca a contingência deste princípio.
De acordo com o pensamento de Claude Lefort, posto em destaque no início do artigo,
assim como a política democrática, o direito responsivo explicitaria, em alguma medida,
o caráter hegemônico - e contingente - da articulação de seu conteúdo.

42
3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA:

SOCIOLOGIA DO DIREITO

DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA

TEXTO BASE DA AULA: SANTOS, Boaventura de Sousa, “Os tribunais e as novas


tecnologias de comunicação e de informação”, Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 13,
jan/jun 2005, p. 82-109.

Ver depois:

Apenas 29% da população confia no Judiciário, diz pesquisa. bit.ly/2f0Ihbu

PARTE 1
ASPECTOS TEÓRICOS/HISTÓRICOS

Os tribunais sempre foram importantes fontes de informação e de


comunicação social

Esse papel foi drasticamente modificado a partir do século XIX com:

O movimento da codificação

O monopólio estatal da justiça

A consolidação do Estado Moderno

A profissionalização da função judicial

A partir desse momento histórico

Informação
O conhecimento técnico domina a
Comunicação

A informação e a comunicação se transformam em artefatos discursivos técnicos

Os que não dominam o conhecimento especializado são excluídos

43
Adensou e potencializou os fluxos de informação
e de comunicação, mas
O conhecimento técnico-jurídico
Reduziu os agentes desse fluxo a um pequeno
círculo profissional

O público não profissional (inclusive partes e testemunhas) passou de sujeito


de informação a objeto de informação

Essa legitimação política operou-se pela via da despolitização

“Os tribunais sempre foram o órgão de soberania mais débil, por


duas razões principais: porque sempre careceram de cooperação
dos outros órgãos de soberania para fazer executar as suas
sentenças e porque sempre dispensaram a obtenção de meios
eficazes de comunicação com o público. É precisamente pela
razão avançada por Orlando Afonso, pelo facto de terem optado
pela comunicação simbólica que assenta na distância e na
comunicação apenas por sinais e índices retóricos, isto é, por
recurso a estratégias retóricas, que não fazem depender a
anuência da inteligibilidade. Anuência mais por reverência do
que por convencimento” (SANTOS, 2005, p. 101).

Para o caso brasileiro, o Juiz Federal do TRF 4ª Região, Braulino da Matta


Oliveira Júnior explica:

“Esta associação entre a atividade do magistrado, de sempre


procurar a maior isenção, preservando-se de influências externas
que eventualmente suscitem dúvidas sobre a imparcialidade dos
julgamentos, transmitiu-se, é verdade, para o Judiciário enquanto
instituição. O distanciamento dos juízes das partes repercutiu,
diga-se, no distanciamento da instituição Poder Judiciário da
sociedade. A obrigação de um juiz imparcial, com a construção
de uma suposta imagem de neutralidade, respaldada em
passividade, inércia, legalismo e indiferença, por mais que hoje
se entenda como um tanto mistificada, orientou o Poder Judiciário
e seus membros durante anos. As consequências desta postura, tal
qual a linguagem técnica inacessível, a burocratização dos
procedimentos, a não) divulgação de decisões importantes,
permeou e ainda permeia o Poder Judiciário, contribuindo
sobremaneira para a sisudez da instituição...” (OLIVEIRA
44
JÚNIOR, Braulino da Matta. Comunicação social no poder
judiciário. In: Penteado, Luiz Fernando Wowk; Ponciano, Vera
Lúcia Feil (coords.). Curso modular de administração da justiça:
planejamento estratégico. São Paulo: Conceito, 2012, p. 86).

RESULTADO: “Foi assim que os tribunais e a actividade judicial se


transformaram na mais esotérica das instituições e actividades estatais da modernidade”
(SANTOS, 2005, p. 84).

O rigor profissional operou-se em circuito fechado – isolado da


conflituosidade social

A elevada codificação linguística e semântica da informação em circulação


tomou a atividade incomunicável para além do circuito institucional – profissional

A partir da década de noventa do século passado, tornou-se problemática a


relação entre os tribunais com as novas tecnologias de comunicação e de informação
(NTCI)

PARTE 2
IMPACTOS NA COMUNICAÇÃO INTERNA

REALIDADE INEGÁVEL: AS NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E


A VIRTUALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS:

“Com o desenvolvimento das novas tecnologias de informação


ocorrida nas últimas quatro décadas, o mundo experimentou um
vertiginoso crescimento no campo tecnológico que permitiu
grande expansão de ambientes virtuais, que por sua vez não fazem
desaparecer os lugares fisicamente construídos capazes de abrigar
o debate público, porém criam novos espaços de intercâmbio e
convivência social. Com certeza, as potencialidades dessas redes
de interação eletrônica ampliaram-se em vários níveis
(governamental, privado, sociedade civil) e direções
(educacional, cultural, política, entretenimento), dentre tantas
outras” (SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro; FERREIRA,
Gilton Luis. O lugar da opinião. A cidade e os espaços de
produção social da opinião pública. Cadernos Metrópole. vol.17
no.33 São Paulo, p. 225-242. mai. 2015).
45
Neste debate existem dois vetores – 2 perspectivas sobre o mesmo
fenômeno:

INDEPENDENTE: regulação de novas tecnologias: cibercrime,


violação de privacidade, etc:

a) Lei Carolina Dieckman - Lei nº 12.737/2012 (Dispõe sobre a


tipificação criminal de delitos informáticos)
O direito como
b) Marco civil da internet - Lei nº 12.965/2014 (Estabelece
variável
princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no
Brasil)

DEPENDENTE: impacto das novas tecnologias no direito e nas


instituições

DIREITO COMO VARIÁVEL DEPENDENTE

O PROCESSO DE “JURIDICIZAÇÃO” DA OPINIÃO PÚBLICA PELO


SISTEMA PENAL

• Algumas transformações sociais relevantes: (VAVASSORI, Mariana Barreto;


TONELI, Maria Juracy Filgueiras. Propostas de Redução da Maioridade Penal: a
Juventude Brasileira no Fio da Navalha?. Psicologia: Ciência e Profissão. Brasília, v. 35,
n. 4, p. 1188-1205, Oct./Dec. 2015):
a) a expansão das mídias e sua influência e impacto em matéria penal;
Ou seja: não há dúvida de que tanto a mídia como a opinião pública são importantes
fatores de influência do processo decisório judicial. Essa visibilidade midiática ocorre
mais frequentemete no domínio criminal, mas não só lá: "A influência midiática no Poder
Judiciário, contudo, não se restringe ao direito penal. Em qualquer ramo do direito existe
o perigo de que o juiz deixe influenciar seus julgamentos pela opinião pública, seja para
ganhar notoriedade, nos tempos atuais de celebridades instantâneas, seja pela razão
inversa, é dizer, pelo receio à superexposição negativa" (TROIS NETO, Paulo Mário
Canabarro. Judiciário e opinião pública: os limites do marketing judicial. In:

46
PENTEADO, Luiz Fernando Wowk; PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Curso modular de
administração de justiça: planejamento estratégico. pp. 439-464, São Paulo: Conceito
Editorial, 2012, p. 450).

b) a importância dada ao público e às sondagens de opinião pública pelo sistema político


e pelas ciências sociais;
c) a emergência discursiva de uma “sociedade de vítimas”, entre outros.

DESSES ELEMENTOS DECORREM CONSEQUENCIAS:

• “A tentação de satisfazer a opinião da maioria tende a provocar, nas discussões


públicas sobre o controle dos atos governamentais, um nível muito baixo de
racionalidade. E isso traz o risco de determinar, não poucas vezes, a consideração de
propostas de solução radicadas nesse mesmo nível, apesar da multiplicidade e da
complexidade dos problemas a resolver” (TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro.
Judiciário e opinião pública: os limites do marketing judicial. In: PENTEADO, Luiz
Fernando Wowk; PONCIANO, Verá Lúcia Feil. Curso modular de administração de
justiça: planejamento estratégico. pp. 439-464, São Paulo: Conceito Editorial, 2012, p.
446).
• O Professor de Direito Penal da Universidade de Málaga, José Luis Díez Ripollés, a
respeito dessa questão de diminuição da racionalidade diante da opinião pública
menciona algo que merece destaque. A política legislativa penal se desliga da intervenção
de grupos especializados para a formação de leis. Ele destaca "a freqüência cada vez
maior com que uma opinião pública favorável é capaz de desencadear por si só respostas
legislativas penais. Desse modo, os grupos de pressão da mídia antecipam e substituem a
intervenção dos grupos de especialistas stricto sensu" (Díez Ripollés, José Luis. UM
MODELO DINÂMICO DE LEGISLAÇÃO PENAL. Ciências Penais, vol. 4, jan. 2006).
• Digamos antes de tudo que – em virtude, entre outras coisas, da difusão midiática cada
vez maior de várias tramas discursivas da racionalidade penal moderna – já se vinha
observando uma forma de participação diferente do público no processo de criação de
normas. Com efeito, algumas indicações empíricas sugerem que agora as demandas de
criação de normas estão dando mais importância às normas de sanção do que o faziam

47
antes dos anos 1950 ou 1970. Em termos legislativos, estaríamos passando de uma
preocupação do público fundamentalmente centrada nas normas de comportamento
(proibir ou liberalizar tal comportamento) a uma preocupação ancorada cada vez mais na
demanda por penas mais severas, incluindo maior restrição na liberdade condicional e nas
condições de vida carcerárias. Esse (novo) problema se constrói, sobretudo, mas não
exclusivamente, nas relações entre o público e os governantes (PIRES, A. A racionalidade
penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos CEBRAP. (68), 39-60,
2004, p. 51).
O IMPACTO possui duas vertentes

A) impacto da mediatização da justiça

Novas técnicas de gestão

Informatização dos tribunais

B) impacto na relação Justiça x Sociedade

Vertente mais polêmica

Dimensão técnica é sobredeterminada pela dimensão política

Exclusividade do conhecimento
2 pilares da abdicação comunicativa e técnico/profissional
informacional dos tribunais são
questionados Distinção entre informação relevante e
informação não relevante

“Como os dois pilares foram cruciais para a despolitização dos tribunais, ao reduzirem
a legitimidade política ao rigor e à eficácia técnica, não surpreende que o
questionamento deles implique a repolitização dos tribunais, suscitando, assim, uma
questão de legitimidade” (SANTOS, 2005, p. 25)

Luta contra a corrupção


A atividade jurisdicional é
posta em contexto mais Desigualdades sociais
amplo da conflituosidade Discriminações sociais
social
Injustiças, etc

Consequências Miniaturização da adjudicação

48
Os limites se tornam mais convincentes que a análise das
possibilidades

SEGUNDO IMPACTO: na gestão dos tribunais e no acesso à justiça

ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DA JUSTIÇA – CELERIDADE

Substituição de tarefas rotineiras

Permite controle mais eficaz da tramitação processual

Dos recursos humanos

Melhora a gestão Das secretarias judiciárias

Das agendas judiciais

Envio de peças processuais em suporte digital – STJ e STF

Facilita o acesso às fontes do direito

ACESSO À JUSTIÇA

A circulação da informação faz um direito e uma justiça mais próximos e transparentes


Facilita acesso À base de dados jurídicos
A informações para exercício de direitos
Possibilita o exercício de direitos

RECURSOS HUMANOS

Informação sobre o funcionamento do


sistema

Formação permanente
A mudança deve ser acompanhada de
Avaliar preconceitos e barreiras culturais

Incentivar relações de trabalho mais


próxima entre os operadores judiciai

49
COMUNICAÇÃO INTERNA

Coordenação em nível macro

Auditoria – segurança e eficiência

Adaptabilidade a novas tecnologias – com


A gestão da informação/comunicação eficaz baixo custo
deve assegurar
Compatibilidade com outros sistemas

Adequação aos objetivos da organização

GESTÃO DE PROCESSOS

Elimina a necessidade de realizar tarefas repetidas

Publica informação de forma automática


O sistema informatizado
Permite tramitação e consulta de processos pela via
eletrônica

Identifica prazos eletronicamente – metas do CNJ

INTERFACE COM O PÚBLICO

A sociedade aberta e democrática exige tribunais acessíveis e mais próximos aos


cidadãos

Projeto de modernização
Esse deve ser o objetivo de qualquer
Introdução de novas tecnologias

Outras questões

A linguagem judicial

O processo pedagógico em duas vias LUHMAN

Transparência dos procedimentos

Privilegia a aprendizagem e a transferência de conhecimento

Jurisprudência pela internet

VER OS ANEXOS I e II

50
PARTE 3
A ENTRADA DA OPINIÃO PÚBLICA NA APLICAÇÃO DO DIREITO

Sobre o conceito de opinião pública:

Deve-se concebê-la levando em conta a sua pluralidade: “...naõ


existe uma, mas várias maneiras de identificar os fenômenos de
opiniaõ pública. Faria sentido falar em “opiniões públicas”.
Assim, “a” opiniaõ pública se expressa através dos grupos
organizados, das manifestações mais ou menos espontâneas, das
pesquisas, das eleições, dos comić ios, das discussões em reuniões
sociais, dos meios de comunicaçaõ etc. Nesse sentido, a opiniaõ
pública naõ designa apenas uma coisa, mas várias. Isso porque a
coletividade também naõ tem uma única forma de se manifestar,
mas diversas” (FIGUEIREDO, Rubens; CERVELLINI, Siĺ via.
Contribuições para o conceito de opiniaõ pública. Opiniaõ
Pública. Campinas, vol. III, no 3, p.171-185. dez., 1995, p. 177).
“A plácida obscuridade dos processos judiciais deu lugar à trepidante
ribalta dos dramas judiciais” (SANTOS, 2005, p. 98).

TRÊS DIMENSÕES FUNDAMENTAIS NA JUSTIÇA

“A delimitação de um espaço protegido, o tempo deferido do processo e a qualidade


oficial dos actores do drama sócio-judiciário. A comunicação social desloca o espaço
judiciário, paralisa o tempo e desqualifica a autoridade” (AFONSO, apud SANTOS,
2005, pp. 100/101)

A conflituosidade entre a atividade jurisdicional e a comunicação social é


latente e histórica

Objetivos

São distintos os Cultura profissionais

Práticas discursivas

Diante desse gap, o Judiciário: “...vem sendo severa e nem sempre


criteriosamente criticado por práticas que, entre outras, ‘insistem’ em não obedecer o
timing da imprensa, mas, em contrapartida, tem-se mostrado ávido por mostrar um novo
perfil, como quem procura resgatar sua legitimidade preterindo, às vezes, a observância

51
de formalidades legais em detrimento do possível desgaste perante a opinião pública,
como se desta haurisse sua legitimidade, não pode ficar imune a uma reflexão quanto à
tutela das condições de imparcialidade na distribuição da justiça” (TORON, Alberto
Zacharias. Notas sobre a mídia nos crimes de colarinho branco e o judiciário: os novos
padrões. Revista brasileira de ciências criminais. v. 9, n. 36, p. 257-272, out./dez. 2001).

DISJUNÇÃO TEMPORAL ENTRE AS LÓGICAS DA AÇÃO JUDICIAL E


COMUNICACIONAL

COMUNICAÇÃO SOCIAL: instantâneo


TEMPO
PROCESSO: diante da instantaneidade da outra, parece durar muito

A dicotomia temporal somente aparece após procedimento de contraditório e provas


convincentes. Na comunicação, em regra, não há compartilhamento desse procedimento

TV JUSTIÇA

os processos judiciais têm o potencial de se transformar em dramas: teatro para um


auditório muito seleto de culto profissional.
DRAMA

“os meios de comunicação social, transformam esse teatro de culto num teatro de
boulevard, espectáculo como entretenimento segundo uma linguagem directa e
acessível a grandes massas” (SANTOS, 2005, p. 99).
Com um grande poder, os comunicadores usam essas disjunções em seu
favor

O juiz, que sempre se opôs “...a ter por detrás de si o povo, fica desarmado
perante um adversário que traz consigo um povo muito curioso, talvez ressentido e, se
não mesmo, sedento de vingança” (SANTOS, 2005, p. 99).

O IMPACTO É NEGATIVO OU POSITIVO?

a) POSITIVO:

meio de contenção de outras influências

Passa a haver uma maior vigilância sobre processos que sofrem influências
52
nefastas da política ou das relações pessoais: “A mídia e a opinião pública usualmente
cobram de julgadores que julguem seus processos, que entreguem justiça à população e,
por vezes, que não se deixem influenciar por elementos externos indesejáveis, como a
corrupção, os interesses escusos das relações etc” (FERNANDES, Ricardo Vieira de
Carvalho. Influências extrajurídicas sobre a decisão judicial: determinação,
previsibilidade e objetividade do direito brasileiro. 2013. 352 f. Tese (doutorado) -
Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito,
Doutorado em Direito, Estado e Constituição, 2013, p. 307).

O caso da Ação Penal nº 470/STF a mídia e a opinião pública tiveram


importante papel para:

a) impor ritmo ao julgamento;

b) expor as posições de cada um dos Ministros do Pretório Excelso.

"Dessa forma, foram capazes de conter influências da política ou das relações pessoais
ao mesmo tempo em que exerciam sua força a direcionar a velocidade do julgamento.
Afinal, a sociedade pedia pelo julgamento deste caso" (FERNANDES, 2013, p. 307)

Sobre a AP 470/STF, ver os livros:

• GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora de Souza de. Populismo penal midiático:
caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013.
• FALCÃO, Joaquim. (org.) Mensalão: diário de um julgamento: Supremo, mídia e
opinião pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

b) NEGATIVO:

fator de influência externa sobre a decisão

A) condenação prévia de pessoas sem a observação da prova dos autos;

B) criação de juízos paralelos aos autos.

Por intenção da fonte

Pode provocar erros/desvios Pela forma que a notícia refletiu na investigação

Efeito midiático na testemunha

53
Auto-censura
Produz reflexos de
Vedetismo

PERIGOS DA MEDIATIZAÇÃO DA JUSTIÇA

A legitimidade social e política da jurisdição pode ficar abalada com

Sobrepenalização dos acusados – o caso da ideologia nas penas (aula de ideologia)


Espetacularização da audiência: gera na opinião pública Trivialização
sentimentos contraditórios quanto à justiça:
Absolutização
Banalização da violência: perigo de adesão
A linguagem popular é diferente do discurso judicial

Conversão dos espectadores em tribunal de opinião: reflete na produção da prova

RESUMO SOBRE A INFLUÊNCIA

A opinião pública entra no tribunal produzindo a reinterpretação do real


aproximando-o às expectativas da comunidade:

Pode ajudar a investigação judicial

Voto do MINISTRO EROS GRAU sobre o item V da denúncia do Mensalão:

Senhora Presidente, tenho brevíssima introdução que vale para todos os votos que darei
em todos os itens.

Tenho reiteradamente afirmado, inclusive nesta Corte, em votos anteriores, o que aprendi
com o jusfilósofo argentino Enrique Mari: o discurso da ordem abrange o lugar da
racionalidade - a lei - e o lugar do imaginário social como controle das disciplinas das
condutas humanas e da sua sujeição ao poder. 'A racionalidade veiculada pelo direito
positivo, direito posto pelo Estado, pretende dominar não apenas os determinismos
econômicos, mas também os arroubos emocionais da sociedade, inúmeras vezes
insuflados pela mídia. Afirmei há alguns anos em artigo que escrevemos, o Professor

54
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e eu, para ser publicado na revista Teoria Política,
dirigida por Norberto Bobbio. Condenam-se pessoas mesmo antes da apuração dos fatos.

Nunca me detive em indagações a respeito das causas dos linchamentos consumados em


um como que [sic] tribunal erigido sobre a premissa de que todos são culpados até provem
em contrário. Talvez seja assim porque muitos sentem a necessidade de punir a si próprios
por serem o que são.

A imprensa livre é por certo indispensável à plena realização da democracia. Por isso ela
há de ser necessariamente imune à censura. Para que possa esclarecer a sociedade, a quem
deve servir, mesmo porque o titular da imunidade à censura é o povo, não o proprietário
do veículo. A alusão que aqui faço a determinados desvios, bem determinados,
evidentemente não pode ser tido como desconsideração ou menosprezo, de minha parte,
do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reporto-me a desvios
cuja substancialidade não pode ser negada.

Mas não me cabe tratar dessa patologia na formulação do nosso imaginário. Aqui devo
cumprir o meu dever, preservando a minha independência, expressão de atitude firme e
serena em face de influências provenientes do sistema social e do governo.

Independência que permite ao juiz tomar não apenas decisões contrárias a interesses do
governo - quando exige uma Constituição e a lei -, mas também impopulares, que a
imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.

A questão da legitimidade do exercício da função jurisdicional envolve a consideração


daqueles dois planos, o da racionalidade da lei e do imaginário social, cabendo sim ao
magistrado, no Estado de Direito, considerar as manifestações desse imaginário, sem,
contudo, permitir que a ética da legalidade seja tragada pela emoção coletiva, que pode
conduzir não apenas aos linchamentos, mas à indiferença face ao desprezo autoritário
pelos chamados direitos fundamentais. Para isto existem os princípios e as regras
jurídicas, para assegurar que o devido processo legal seja observado também quando o
reclame quem não mereça a nossa simpatia.

A sociedade e mesmo a imprensa não o sabem, mas o magistrado independente é o


autêntico defensor de ambos. É mercê da prudência do magistrado independente que não
resultam tecidas plenamente, por elas mesmas, as cordas que as enforcarão, as elites e a

55
própria imprensa" (fls. 837/838).

voto do ministro Menezes Direito na ADI 3510

(PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS)

"Não me preocupam, sob nenhum ângulo e de nenhuma forma, as interpretações que


possam surgir a respeito do voto de cada um de nós, seja pela imprensa, seja pelos
cientistas, seja pelos advogados, porque isso faz parte do jogo democrático, faz parte da
sociedade plural. E nós temos, necessariamente, obrigação moral, para não dizer uma
obrigação ética, que é superior, de respeitar essas opiniões, de respeitar essas
interpretações, porque é através dessas interpretações e dessas opiniões que nós vamos
construindo uma sociedade mais livre, mais justa, na qual as pessoas possam realizar, na
integralidade da sua natureza, a bem-aventurança desse dom da vida" (página 536)

TÁTICAS PARA A PROVA

PRESSUPOSTO FUNDAMENTAL: É necessário, numa sociedade da informação e


democrática, desenhar uma plataforma de cooperação

SUGESTÕES DE DIFÍCIL APLICABILIDADE E UMA POSTURA RACIONAL:

“...Algumas delas, tais como a censura à imprensa e o chamado ‘controle


social’ da mídia são de difícil justificação constitucional, seja pela elevada intervenção
que elas representam para a liberdade de comunicação, seja pela marca antidemocratica
que trazem consigo; outras, como o chamado desaforamento temporal de casos penais,
que consiste na suspensão do processo enquanto durar o estado de comoção da opinião
pública, são de duvidosa eficácia, já que a excitação social tende a retornar com o
levantamento da suspensão e com a proximidade do julgamento. O que resta, então, é a
responsabilidade institucional dos juízes, lastreada no compromisso sério e irrevogável
com a racionalidade decisória e no rechaço veemente à demagogia covarde ou arrivista”
(TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Judiciário e opinião pública: os limites do
marketing judicial. In: PENTEADO, Luiz Fernando Wowk; PONCIANO, Verá Lúcia

56
Feil. Curso modular de administração de justiça: planejamento estratégico. pp. 439-464,
São Paulo: Conceito Editorial, 2012, pp. 454-455).

TÁTICAS INTRA MUROS

CODIGO DE ETICA DA MAGISTRATURA

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste


Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência,
da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do
segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal,
da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis


do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores
democráticos.

Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a


dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça
na relação entre as pessoas.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber


indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a
solução dos casos que lhe sejam submetidos.

(...)

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com
objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância
equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.

(...)

Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos,
sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua
publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.

57
(...)

Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada
e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de
qualquer natureza.

(...)

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que
sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os
argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

DENTRE OUTROS DISPOSITIVOS

A) COMO CONSTRUIR UMA RELAÇÃO MAIS VIRTUOSA ENTRE JUSTIÇA


E COMUNICAÇÃO SOCIAL? – propostas de Boaventura de Sousa

1 – nova formação de juízes e jornalistas: interdisciplinariedade

2 – consagrar uma indenização no caso de violação dos direitos de personalidade pela


imprensa

3 – criar uma providência cautelar para evitar dano

4 – auto-regulação da comunicação social

5 – credenciar jornalistas judiciários

Direito de informação
São tentativas de equilíbrio entre o
Respeito aos direitos de cidadania

A) PRESSUPOSTO BÁSICO: A LEGITIMAÇÃO DO JUDICIÁRIO É


DIFERENTE DOS OUTROS PODERES:

“Ademais, quando se analisa o aspecto de poder político, é preciso levar em


conta, com Caldeira e Gibson (1992), a vulnerabilidade dos tribunais em geral, e da
Suprema Corte em especial, uma vez que estas instituições não são diretamente
accountable. Ou seja, não têm a legitimidade do processo eleitoral. Juízes não são eleitos
pelo voto popular. E como a Suprema Corte, algumas vezes, precisa decidir contra a
opinião pública é preciso que haja uma espécie de "estoque" de confiança pública para

58
que ela consiga manter a sua legitimidade mesmo após estas decisões e, mais ainda, para
ter suas decisões respeitadas e seguidas” (FALCÃO, Joaquim; OLIVEIRA, Fabiana Luci
de. Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da "ficha-limpa".
Opinião Pública. Campinas. Universidade Estadual de Campinas, v. 18, n. 2, pp. 337-
354, nov. 2012).

B) “BLINDAR” A MAGISTRATURA POR GARANTIAS INSTITUCIONAIS?

"Uma adequada proteção à independência da magistratura requer o estímulo


ao continuado aperfeiçoamento pessoal e profissional do juiz, o rigoroso respeito às
prerrogativas da função e o controle efetivo da fundamentação das decisões judiciais.
Somente se pode esperar que o exercício da função judicial seja independente da pressão
dos meios de comunicação se o próprio ambiente da magistratura - com suas metas,
formas de ascensão na carreira e mecanismos de fiscalização disciplinar - estiver
permeado pela impessoalidade, pelo privilégio ao estudo e à racionalidade e pela não
valorização da notoriedade midiática" (TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Judiciário
e opinião pública: os limites do marketing judicial. In: PENTEADO, Luiz Fernando
Wowk; PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Curso modular de administração de justiça:
planejamento estratégico. pp. 439-464, São Paulo: Conceito Editorial, 2012, p. 455).

VARIÁVEIS IMPORTANTES NESSE CONTEXTO

Ementa do HC 95009, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em


06/11/2008

NEUTRALIDADE impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto


da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito.

INDEPENDÊNCIA é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes


do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses
do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que
a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.

IMPARCIALIDADE é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes


das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência

59
absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a
abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe"

2. proteção endoprocessual:

Considerando a possibilidade de a mídia exercer influência sobre o


julgamento de processos de seu interesse, a proteção judicial consiste no seguinte: “...é
preciso que os magistrados dispensem mais atenção às provas realmente constantes nos
autos, mesmo que sua decisão venha a desagradar a imprensa e a opinião pública. Não se
pode punir porque a imprensa ou a opinião pública já condenou. A própria tornada de
consciência da potencialidade dessa influência - da força que esse elemento extrajurídico
pode exercer – sobre um processo sob seu comando é capaz de acarretar proteção
endoprocessual no processo de escolha da decisão judicial. Em outras palavras, a forma
de contenção ora proposta diz respeito à maior atenção para os julgamentos que forem
acompanhados pelo interesse midiático e da opinião pública. Com isso, é possível
prevenir possíveis juízos prévios de valor que o próprio julgador pode tomar a partir dos
jornais que lê. Apesar de parecer uma recomendação simples, se isso tivesse ocorrido no
Caso Escola Base ou nos clássicos precedentes americanos já citados, é provável que os
abusos jurídicos decorrentes da manipulação da informação pela imprensa não tivessem
ocorrido ou tivessem sido menos prejudiciais aos envolvidos” (FERNANDES, Ricardo
Vieira de Carvalho. Influências extrajurídicas sobre a decisão judicial: determinação,
previsibilidade e objetividade do direito brasileiro. 2013. 352 f. Tese (doutorado) –
Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito,
Doutorado em Direito, Estado e Constituição, 2013, p. 308).

3. proteção institucional: princípios da administração pública:

Sobre a aplicação dos princípios constitucionais/administrativos ao Poder


Judiciário e um fundamento da aplicabilidade do art. 37 da CF à justiça Adilson Abreu
Dallari defende: "Administração da justiça não é atividade jurisdicional, mas, sim,
administrativa. Nessa qualidade, está sujeita a todas as limitações e a todos os
condicionamentos estabelecidos pelo art. 37 da Constituição Federal para a

60
Administração Pública em geral, além de outros dispositivos dispersos ao longo do Texto,
o qual não confere, quanto a isso, qualquer imunidade ao Poder Judiciário" (DALLARI,
Adilson Abreu. Controle compartilhado da administração da justiça. Revista jurídica.
Brasília. v. 7, n. 73, p. 1-16, jun./jul. 2005).

ANEXOS

I – o judiciário na opinião pública

Os estudos correntes no Brasil indicam que a sociedade e a opinião pública


percebem o Poder Judiciário como lento, caro, difícil de utilizar, parcial e muitas vezes
corrupto (SADEK, 2004; UNITED NATIONS, 2005; FALCÃO 2009; CUNHA et al,
2010; IPEA, 2010). Essa visão, segundo SADEK (2004), é corrente também entre
segmentos da elite, com cerca de 89% do empresariado brasileiro avaliando o Judiciário
como "ruim" ou "péssimo" em termos de agilidade.

Pesquisas sobre confiança nas instituições democráticas colocam o Judiciário


brasileiro numa posição crítica – a instituição só não é menos confiável que as instituições
políticas representativas: partidos políticos, senado e câmara dos deputados (MOISÉS,
2005; CUNHA et al, 2010).

O índice de confiança na justiça desenvolvido por Cunha et al (2010), por


exemplo, mede a percepção da população em relação ao Judiciário a partir de nove
dimensões: 1) confiança espontânea, 2) velocidade na prestação jurisdicional, 3) custo do
acesso, 4) facilidade do uso, 5) imparcialidade, 6) honestidade, 7) competência na solução
dos casos, 8) desempenho atual do Judiciário comparado aos últimos 5 anos e 9)
expectativas para o desempenho futuro do Judiciário nos próximos 5 anos. O resultado é
uma medida síntese destas dimensões: dos 10 pontos possíveis, o índice de confiança na
justiça atinge apenas 4,4 pontos, o que significa que o brasileiro confia muito pouco na
justiça brasileira.

No sistema de indicadores de percepção social do IPEA (2010), a nota média


que a justiça brasileira alcança é também extremamente baixa: são 4,55 pontos (de 10
possíveis). A pesquisa explorou seis dimensões da justiça: 1) velocidade na decisão de
casos; 2) acesso; 3) custo; 4) qualidade das decisões; 5) honestidade e 6) parcialidade.

61
Em todas elas a justiça deixa a desejar aos olhos do cidadão.

Estes estudos corroboram o diagnóstico geral que vem sendo discutido nas
últimas décadas de que o Judiciário brasileiro tem apresentado historicamente pouca
capacidade de resposta aos anseios e demandas sociais (MACHADO, 1994; SADEK,
2004) (FALCÃO, Joaquim; OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Poder Judiciário e Competição
Política: as eleições de 2010 e a lei da "ficha-limpa". Opinião Pública. Campinas.
Universidade Estadual de Campinas, v. 18, n. 2, pp. 337-354, nov. 2012, p. 338).

II – regulamentos do CNJ

RESOLUÇÃO CNJ Nº 70/2009

Dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário


e dá outras providências

Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, consolidado no


Plano Estratégico Nacional consoante do Anexo desta Resolução, sintetizado nos
seguintes componentes:

IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas:


(...)

e) Atuação Institucional:

Objetivo 10. Aprimorar a comunicação com públicos externos;

Resolução nº 79, de 9 de junho de 2009

Dispõe sobre a transparência na divulgação das atividades do Poder Judiciário


brasileiro e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas

62
atribuições constitucionais e regimentais, e

CONSIDERANDO competir ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação


administrativa e financeira dos tribunais;

CONSIDERANDO a unicidade do Poder Judiciário, a exigir a implementação de


disciplina uniforme em temas concernentes à gestão da informação e das finanças;

CONSIDERANDO ser a publicidade um dos princípios fundamentais regentes da


Administração Pública nos Poderes da República;

CONSIDERANDO que o princípio da publicidade compreende a transparência, a


acessibilidade, a integralidade e a integridade das informações referentes à gestão
administrativa e financeira da coisa pública; (princípios da administração pública)

CONSIDERANDO o dispêndio habitual de recursos financeiros para impressão e


distribuição de relatórios de atividades e outros materiais de divulgação no âmbito do
Poder Judiciário;

CONSIDERANDO a conveniência de substituição das mídias impressas pelas mídias


eletrônicas como medida de promoção da preservação do meio-ambiente;

CONSIDERANDO o disposto no art. 37, caput e §1º, da Constituição Federal, e nos arts.
48 e 48-A da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, com as alterações
promovidas pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009;

CONSIDERANDO, finalmente, o deliberado pelo Plenário na 86ª Sessão Ordinária, de


09 de junho de 2009,

RESOLVE:

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre a transparência na divulgação das atividades dos
órgãos do Poder Judiciário a que se referem os incisos I-A a VII do art. 92 da Constituição
Federal.

Art. 2º A divulgação das atividades do Poder Judiciário brasileiro submeter-se-á aos


seguintes princípios:

I - caráter informativo, educativo ou de orientação social das publicações e demais


comunicações realizadas por qualquer meio, (Empoderamento) sendo vedada a menção a

63
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou
servidor público;

II - preferência pela utilização de meios eletrônicos em detrimento dos impressos, salvo


quando estes, em tiragem estritamente limitada à respectiva necessidade, forem
destinados:

a) a informar a população sobre seus direitos e sobre o funcionamento da Justiça, em


linguagem simples e acessível; (Empoderamento)

b) ao cumprimento de dever legal; (Empoderamento)

c) a publicações de teor científico ou didático-pedagógico; (Empoderamento)

d) à guarda em acervo físico do órgão;

III - livre acessibilidade a qualquer pessoa, integralidade, exatidão e integridade das


informações alusivas à gestão administrativa, financeira e orçamentária dos tribunais e
conselhos, devendo seus respectivos sítios eletrônicos na rede mundial de computadores
dispor de campo de informações denominado "transparência" onde se alojem os dados
concernentes à programação e execução orçamentária, integrados a sistema informatizado
de administração financeira e controle, contendo, em tempo real, no mínimo:

a) informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, com


discriminação dos valores desembolsados, mensal e anualmente, e classificação de todas
as despesas por rubrica própria e específica, a título de pessoal, investimentos ou custeio,
vedada a identificação genérica de pagamentos ("pessoal", "vantagens", "outros" ou
"diversos", por exemplo);

b) no pagamento a fornecedores, os dados referentes ao número do correspondente


processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa natural ou jurídica
beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;

c) o lançamento e o recebimento de toda receita destinada às unidades gestoras, inclusive


referentes a recursos extraordinários.

§1º Na hipótese de impressão de materiais de divulgação observará a Administração o


uso de insumos de baixo custo financeiro e reduzido impacto ambiental.

64
§2º Os conteúdos mínimos estabelecidos no inciso III não excluem outras informações
exigidas por lei, resolução do Conselho Nacional de Justiça, ato normativo dos tribunais
e conselhos ou recomendações da Corregedoria Nacional de Justiça.

Art. 3º Todo tribunal manterá serviço de atendimento aos usuários da Justiça para receber
sugestões, críticas e reclamações acerca de suas atividades administrativas e
jurisdicionais, preferencialmente por meio de ouvidorias. (abertura democrática)

Art. 4º A Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça e os tribunais poderão expedir


regulamentos para o fiel cumprimento desta resolução.

Art. 5º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, salvo quanto aos
sistemas de informação descritos no art. 2º, inciso III, que poderão ser implantados até 1º
de janeiro de 2010.

Resolução nº 85, de 08 de setembro de 2009

Dispõe sobre a Comunicação Social no âmbito do Poder Judiciário.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso das atribuições


que lhe são conferidas pelo art. 103-B da Constituição Federal e

CONSIDERANDO a crescente exigência da sociedade por uma comunicação de maior


qualidade, eficiência e transparência, capaz de facilitar o conhecimento e acesso dos
cidadãos aos serviços do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO que, para atingir esses objetivos, é necessário o estabelecimento de


uma política nacional de comunicação social integrada para o Poder Judiciário que defina
estratégias de procedimentos e estabeleça os investimentos necessários de modo a cobrir
os dois grandes vetores de sua atuação: a comunicação interna e a divulgação externa;

CONSIDERANDO que essa necessidade se reflete dentro de cada órgão da Justiça e entre
eles próprios;

CONSIDERANDO que a Meta 1, estabelecida por todos os presidentes dos tribunais


brasileiros em fevereiro de 2009, determina o compromisso de "Desenvolver e/ou alinhar
planejamento estratégico plurianual (mínimo de 05 anos) aos objetivos estratégicos do

65
Poder Judiciário, com aprovação no Tribunal Pleno ou Órgão Especial".

CONSIDERANDO que aprimorar a comunicação com o público externo é um dos


Objetivos Estratégicos do Judiciário, “com linguagem clara e acessível, disponibilizando,
com transparência, informações sobre o papel, as ações e as iniciativas do Poder
Judiciário, o andamento processual, os atos judiciais e administrativos, os dados
orçamentários e de desempenho operacional”

CONSIDERANDO, finalmente, o Convênio firmado pelos Tribunais Superiores com o


Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça para a criação do
INFOJURIS;

RESOLVE:

Art. 1º - As ações de Comunicação Social do Poder Judiciário passarão a ser


desenvolvidas e executadas de acordo com o disposto nesta Resolução, tendo como
objetivos principais:

I – dar amplo conhecimento à sociedade das políticas públicas e programas do Poder


Judiciário; (função atípica)

II – divulgar, de forma sistemática, em linguagem acessível e didática, os direitos do


cidadão e os serviços colocados à sua disposição pelo Poder Judiciário, em todas as suas
instâncias; (Empoderamento)

III – estimular a participação da sociedade no debate e na formulação de políticas públicas


que envolvam os seus direitos; (Empoderamento)

IV – disseminar informações corretas sobre assuntos que sejam de interesse público para
os diferentes segmentos sociais e que envolvam as ações do Poder Judiciário; (ver anexo
I)

V – incentivar, no âmbito dos magistrados e servidores, através da comunicação, a


integração com as ações previstas nesta Resolução, de modo a garantir a eficácia dos
objetivos nela colimados;

VI – promover o Poder Judiciário junto à sociedade de modo a conscientizá-la sobre a


missão exercida pela Magistratura, em todos os seus níveis, otimizando a visão crítica
dos cidadãos a respeito da importância da Justiça como instrumento da garantia dos seus

66
direitos e da paz social (anexo I). (repolitização)

Art. 2º - No desenvolvimento e na execução das ações de Comunicação Social previstas


nesta Resolução deverão ser observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as
características de cada ação:

I – afirmação dos valores e princípios da Constituição Federal;

II – atenção ao caráter educativo, informativo e de orientação social; (Empoderamento)

III – preservação da identidade nacional;

IV – valorização da diversidade étnica e cultural e respeito à igualdade e às questões


raciais, etárias, de gênero e de orientação sexual;

V – reforço das atitudes comportamentais que promovam o desenvolvimento humano e


o respeito ao meio ambiente; (Empoderamento)

VI – valorização dos elementos simbólicos das culturas nacional e regional;

VII – vedação do uso dos meios de comunicação social para a promoção pessoal de
magistrados ou servidores, em ações desvinculadas das atividades inerentes ao exercício
das funções do Poder Judiciário;

VIII – adequação das mensagens, linguagens e canais aos diferentes segmentos de


público, utilizando sempre uma forma simplificada acessível àqueles que desconhecem
as expressões típicas do universo jurídico; (linguagem)

IX – Valorização das estratégias de comunicação regionalizadas;

X – uniformização do uso de marcas, conceitos e identidade visual utilizados na


comunicação judiciária, respeitadas aquelas inerentes aos Poderes Judiciários estaduais
como os seus respectivos brasões;

XI – observância da eficiência e racionalidade na aplicação dos recursos públicos.

XII – difusão de boas práticas na área de Comunicação.

Art. 3º - As ações de Comunicação Social do Poder Judiciário compreendem as áreas de:

I - Imprensa

67
II - Relações Públicas

III - Comunicação Digital

IV – Promoção

V - Patrocínio e

VI - Publicidade, que se classifica em:

a) Publicidade de utilidade pública;

b) Publicidade institucional;

c) Publicidade mercadológica;

d) Publicidade legal.

Parágrafo único – As áreas constantes dos incisos deste artigo serão definidas em ato do
Presidente do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 4º - O Sistema de Comunicação do Poder Judiciário (SICJUS) é integrado pelas:


Assessoria de Comunicação Social do Conselho Nacional de Justiça, como órgão central,
Secretarias de Comunicação dos Tribunais Superiores, como órgãos de subsistema, e
pelas coordenadorias ou unidades administrativas de Comunicação Social dos Tribunais
de Justiça dos Estados e dos Tribunais Federais como órgãos operacionais.

Parágrafo único – O SICJUS, mediante convênio ou autorização do Presidente do CNJ,


poderá atuar em parceria com a Secretaria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal.

Art. 5º - As ações de Comunicação Social do Poder Judiciário serão orientadas pelos


objetivos e diretrizes previstos nos artigos 1º e 2º desta Resolução e deverão ser objeto de
planos plurianuais elaborados pelo SICJUS, por meio do Comitê de Comunicação Social
do Judiciário, previsto no art. 8º desta Resolução.

Parágrafo único – Na definição de suas dotações orçamentárias, os órgãos do Judiciário


deverão contemplar as ações de Comunicação Social, reservando recursos regulares
compatíveis com as metas a serem alcançadas.

Art. 6º - Cabe ao órgão central do SICJUS, em conjunto com os órgãos de subsistema,


em suas áreas de jurisdição:

68
I – coordenar o desenvolvimento e a execução das ações de publicidade, classificadas
como institucional ou de utilidade pública, de responsabilidade do Conselho Nacional de
Justiça e dos Tribunais Superiores, quando exijam esforço integrado de comunicação e,
quando for o caso, do Supremo Tribunal Federal, nos termos do parágrafo único do art.
4º;

II – supervisionar o conteúdo de comunicação das ações de publicidade, classificadas


como institucional ou de utilidade pública do Conselho Nacional de Justiça e dos
Tribunais Superiores, desenvolvidas em consonância com suas políticas, diretrizes e
orientações específicas e quando for o caso, do Supremo Tribunal Federal, nos termos do
parágrafo único do art. 4º;

III – zelar, nas ações de publicidade do Poder Judiciário, pela observância dos objetivos
e diretrizes previstos nos artigos 1º e 2º, no tocante ao conteúdo da comunicação e aos
aspectos técnicos de mídia;

IV – elaborar sugestões de políticas, diretrizes, orientações e normas complementares


desta Resolução para, ouvida a Comissão de Assuntos Interinstitucionais e de
Comunicação, serem submetidas à aprovação do Conselho Nacional de Justiça;

V – Orientar as ações de Comunicação Social das áreas relacionadas no art. 3º e outras


subsidiárias ou complementares a elas, realizadas com recursos orçamentários de cada
segmento do Poder Judiciário, com observância da eficiência e racionalidade na sua
aplicação;

VI – orientar a adoção de critérios de utilização de marcas para ações de publicidade e a


identidade visual do Judiciário, nos sítios e portais dos órgãos do Poder Judiciário na
INTERNET;

VII – orientar sobre as diretrizes básicas para a comunicação digital nos sítios e portais
dos órgãos do Poder Judiciário;

VIII – apoiar os integrantes do SICJUS nas ações de imprensa que exijam, pela natureza
da pauta, articulação interna e participação coordenada no âmbito do Poder Judiciário;

IX – coordenar as ações de Assessoria de Imprensa dos integrantes do SICJUS que exijam


esforço integrado de comunicação;

69
X – subsidiar na elaboração de minutas de editais e de projetos básicos para a contratação
de prestadores de serviços de assessoria de relações públicas, de assessoria de imprensa,
de comunicação digital, de promoção e de pesquisa de opinião encaminhados pelos
integrantes do SICJUS;

XI – realizar ações de aperfeiçoamento em comunicação para servidores dos órgãos que


integram o SICJUS.

Art. 7º - Cabe às demais unidades administrativas de que trata o art. 4º, sem prejuízo da
subordinação administrativa aos órgãos de que fazem parte:

I – atender às normas pertinentes às ações, atos e processos de que trata esta Resolução
ou dela decorrentes;

II – submeter ao Conselho Nacional de Justiça as ações de publicidade, conforme venha


a ser disciplinado em ato do Presidente do Conselho;

III – elaborar planos anuais de comunicação, em consonância com as diretrizes gerais


aprovadas pelo SICJUS e respeitadas as peculiaridades regionais;

IV – submeter previamente à aprovação do Comitê de Comunicação Social do Judiciário


os editais para a contratação de agências para a contratação de serviços de publicidade e
propaganda;

V – observar a eficiência e racionalidade na aplicação dos recursos públicos destinados


às ações de Comunicação Social;

VI – Zelar pelo relacionamento profissional com a imprensa e viabilizar os meios


necessários ao atendimento da demanda de informações jornalísticas dos veículos de
comunicação.

Art. 8º - Fica instituído o Comitê de Comunicação Social do Judiciário, de caráter


consultivo, com o objetivo de assessorar a Comissão de Assuntos Interinstitucionais e de
Comunicação e o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na definição de parâmetros
e procedimentos relacionados com ações de Comunicação Social, cabendo-lhe:

I – manifestar-se sobre as ações de propaganda, observados os parâmetros e


procedimentos definidos pela Assessoria de Comunicação Social do CNJ;

70
II – identificar e difundir as boas práticas para o aprimoramento de processos e
mecanismos a serem adotados no exame, seleção e avaliação de campanhas institucionais.

§1º - O Comitê de Comunicação Social do Judiciário será composto por representantes


dos órgãos centrais e demais unidades integrantes do SICJUS, de acordo com a
regulamentação a ser fixada pelo Conselho Nacional de Justiça quanto ao número de seus
membros e critérios de representação.

§2º - O Conselho Nacional de Justiça prestará o apoio necessário aos trabalhos do Comitê
de Comunicação Social do Judiciário.

§3º - A participação no Comitê de Comunicação Social do Judiciário não ensejará


remuneração e será considerada serviço público relevante.

Art. 9º - O Conselho Nacional de Justiça estabelecerá a forma de funcionamento do


Comitê de Comunicação Social do Judiciário e especificará suas demais atribuições.

Art. 10º - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

III – A formação da opinião pública pela mídia e a participação popular nos


julgamentos

Uma das mais interessantes particularidades do Júri consiste em conceder


ao homem do povo o direito de julgar a atuação social de seu próprio semelhante. Com
efeito, a justiça nesse sistema de julgamento será a melhor e a mais límpida, pois só a
magistratura popular pode exercer a missão de dar a cada um o seu correspondente
quinhão, de acordo com os valores de cada comunidade sita no espaço físico de uma
nação.

A referida particularidade faz do Júri a instância de julgamento mais


sensível à opinião pública, assim definida como aquilo que pensa o povo sobre algum
assunto, constituindo a incerteza e a flexibilidade umas de suas principais
características. Como bem dizia Darcy de Arruda Miranda a opinião púbica “é instável
como as nuvens, variável como o tempo e despertável como o vento”.

Aproveitando-se de tal fator, a mídia, dado seu invejável poder de

71
penetração na massa popular, manipula, com extrema facilidade, o comportamento
social. Uma prova concreta da mencionada influência pode ser extraída da obra de João
Féder: durante as eleições presidenciais norte-americanas de 1960, dois candidatos,
Kennedy e Nixon, colocaram-se frente a frente para um debate televisivo. Antes de tal
fato, o eleitorado dividia-se em 47% para Nixon e 46% para Kennedy, mas depois, essa
situação se alterou para Kennedy 51% e Nixon 45%. Ulteriormente, com a vitória de
Kennedy por apenas 112.881 votos, uma pesquisa apontou que quase três milhões de
pessoas confessaram haver votado em Kennedy influenciadas pela televisão. Afirmou,
então, o presidente eleito: “Foi a TV, mais do que qualquer outra coisa, que fez virar a
maré”.

Como se nota, a mídia, em razão de sua poderosa fonte de apelo junto à


população, tem o poder de influenciar na conformação das atitudes humanas e suas
formas de conduta. A consciência social, como argila na mão de um artesão, pode muito
bem ser formada e desformada pelos meios de comunicação de massa.

Levando-se em consideração que o corpo de jurados é a instância


representativa da sociedade, os jurados dirigem-se ao julgamento com a convicção
formada, ressaltando que raramente isso ocorre como fonte de auxílio para a defesa,
haja vista que a mídia costuma descrever o acusado como um criminoso, um
delinquente, um injusto, um egoísta e outros adjetivos semelhantes, capazes de
influenciar, de todo e qualquer modo, o conceito da pessoa no convívio social. A mídia
mal sabe que o fundamental em um julgamento é a análise dos fatos, por tal motivo,
pouco interessa o estereótipo por ela criado e reforçado.

Outro fato digno de nota é que na busca incessante do “furo” de


reportagem, os órgãos de divulgação entram em histeria, noticiando o fato sem haver
prévia confirmação, o que, sem dúvida, impossibilita qualquer controle de qualidade
da veracidade das informações. A distorção no conteúdo da informação levada ao
cidadão, passa a formar a opinião pública a respeito do assunto a partir de premissas
equivocadas ou insuficientes que, consequentemente, catequizam os julgadores
populares.

Na esteira dos ensinamentos de Márcio Thomaz Bastos o “juiz dificilmente


resiste: estão aí as decisões em que se toma ordem pública por pressões da imprensa.

72
Com os jurados é pior: envolvidos pela opinião pública, construída massivamente por
campanhas da mídia orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles outra conduta que
não seguir a corrente”.

As consequências, segundo o citado autor, são desastrosas: “Dezenas de


casos criminais, distorcidos e embaralhados por esta simbiose, que destrói a
possibilidade de chegar à verdade ou de fazer justiça”.

Na realidade, o sucesso da acusação ou da defesa em plenário está


condicionado a esse conjunto de antecedentes, que são ensejadores da causa real de um
veredictum.

Com isso, torna-se difícil a busca da verdade real, característica primordial


do processo penal, por meio do qual procura-se “estabelecer que o jus puniendi somente
seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua
culpa”, o que ocasiona o aumento dos fatores de erros e injustiças cometidos pelo
Tribunal do Júri.

Ao tratar do jurado e do problema da verdade, Edilson Mongenot Bonfin


entende que os jurados deveriam chegar ao Júri num estado de ignorância, isto é, para
nós, livres de quaisquer influências externas. O promotor, então, deveria convencer
com provas e indícios a verdade através da evidência. Não o fazendo, o inicial estado
de ignorância poderia ser levado pela defesa a um estado de opinião, ou quanto menos
de dúvida. Neste caso, hesitando a inteligência entre o sim e o não, bastante seria para
se conseguir uma absolvição, por aplicação do princípio do in dubio pro reo, segundo
o qual, diante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do
acusado, este deve ter peso maior na balança da Justiça.

Sem prejuízo de ofuscar a verdade real, a garantia do devido processo legal


também estaria violada. É o que se pode constatar do discurso proferido pelo
magistrado Ranulfo de Melo Freire por ocasião de sua aposentadoria: “País em que é
incipiente a formação de uma sociedade de estrutura democrática, não é fácil o
ministério de julgar. Com o ouvido e a vista empanados de som e imagens (rádio e
canal de televisão) pregando o extermínio indiscriminado do marginal, não sei com que
armas o meu Tribunal de Alçada Criminal pode travar a luta pela consecução do devido

73
processo legal”.

A violação do devido processo legal por determinadas coberturas


realizadas pela mídia também foi reconhecida por inúmeros julgados norte-americanos.
Com efeito, a Suprema Corte, em 1961, no caso “Irvin vs. Dowd”, entendeu que a
exposição dos jurados à mídia viola o direito do acusado ver garantido o devido
processo legal. Semelhante foi o conteúdo do ato decisório proferido no caso “Rideau
vs. Loisiana” (Pereira, André Luiz Gardesani. Júri, mídia e criminalidade: propostas
tendentes a evitar a influência da mídia sobre a soberania do veredicto / André Luiz
Gardesani Pereira. Revista dos tribunais, São Paulo, v. 102, n. 928, p. 305-342, fev.
2013).

NOTA FINAL

A Escola Superior do Ministério Público da União possui um Manual de


Relacionamento com a Imprensa: Levy, Gabriela (org.). Manual de relacionamento
com a imprensa. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2003.

Comentário de Bruno Amaral Machado: "No documento, são apresentadas


dicas sobre a linguagem a ser utilizada e a melhor forma de falar com o jornalista. O
manual ressalta a importância de os Procuradores falarem com a imprensa para evitar
distorções da opinião pública. Recomenda-se expressamente que "ignorar a Imprensa
não é a melhor atitude. Nunca é demais lembrar que a mídia é o mais poderoso formador
de opinião na sociedade atual". O texto menciona, também, a diferença entre o tempo
da imprensa e o tempo da Justiça, ressaltando o caráter de urgência com que trabalham
os meios de comunicação. Saber o momento da divulgação do fato é, segundo o manual,
um dos meios mais eficientes para o "bom uso da imprensa", recomendando que "a
divulgação de uma denúncia apenas deve ser feita após o seu recebimento pela Justiça,
salvo quando se tratar de fato já amplamente noticiado". (MACHADO, Bruno Amaral.
Justiça e imprensa: relações entre jornalistas e membros do Ministério Público.
Ciências Penais. vol. 11, jul. 2009).

ENTREVISTA COM LUIS ROBERTO BARROSO

74
O senhor diria que o STF está muito exposto?

Acredito que o poder que o Supremo exerce é representativo e portanto


acho que o Supremo tem que ser transparente e deve contas à sociedade brasileira. A
sociedade tem que entender o que o Supremo está decidindo e porque o Supremo está
decidindo. Nesse sentido ele deve satisfações a opinião pública. Devo dizer que essa é
a única razão porque estou conversando com vocês hoje na condição de ministro porque
acho que a interlocução é importante e acho que devo satisfações a sociedade. Agora,
dever satisfações a sociedade e a opinião pública não significa ser subordinado ou
submisso à opinião pública. A opinião pública não é uma instituição, é uma nuvem que
se desloca e muda de forma. Portanto, a sociedade e a opinião pública merecem
consideração, mas um juiz não pode ser escravo da opinião pública. A mesma multidão
que aplaudia o ministro Lewandowski na rua quando ele aprovou a Ficha Limpa, o
vaiava quando votou de acordo com o que achava que devia votar na AP 470. Por isso,
a gente deve ter respeito pelas pessoas, deve ouvir a sociedade, porque há via de mão
dupla entre juiz e a sociedade, mas um juiz deve fazer o que é certo. Em certos casos,
o juiz deve proteger a sociedade dela mesma. É para isso que existe a Constituição,
para que as paixões politicas não derrotem a racionalidade institucional. É mais ou
menos como um exemplo que um autor americano usa:alguém vai a uma festa e diz
"Vou deixar a chave do meu carro com você, porque se eu beber, você não me devolve
a chave". Quer dizer, é alguém que em um momento de racionalidade se previne contra
um momento de desrazão. Em alguns momento o Supremo Tribunal deve ser aquele
que defende a sociedade contra as suas próprias paixões. Acho que algum lugar do
futuro, alguém dirá que nós não deixamos que a AP 470 se transformasse num
julgamento de exceção e maculasse o esforço extraordinário que o Supremo fez
acelerando a reta final contra a lei.

(STF deve ser imune às paixões da opinião pública: entrevista de Luís


Roberto Barroso à Revista Consultor Jurídico. 3 de novembro de 2013)

75
4. CONFLITOS SOCIAIS E MECANISMOS DE RESOLUÇÃO.
SISTEMAS NÃO JUDICIAIS DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS:

Conflitos sociais e mecanismos de resolução

CONCEITUE UM CONFLITO SOCIAL.


Axel Honneth: "...conflitos ou querê-las sociais: uma luta só pode ser
caracterizada de "social" na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para
além do horizonte das intenções individuais, chegando a um ponto em que eles podem se
tornar a base de um movimento coletivo" (HONNETH, 2003, p. 256).
Axel Honneth: "...trata-se do processo prático no qual experiências
individuais de desrespeito são interpretadas como experiências cruciais típicas de um
grupo inteiro, de forma que elas podem influir, como motivos diretores da ação, na
exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento" (HONNETH, 2003, p.
257).
O QUE É ANOMIA? QUE RELAÇÃO EXISTE ENTRE ANOMIA, AUTONOMIA
E HETERONOMIA?
"A anomia, enquanto falta de normas de referência em determinado contexto,
está relacionada com os conceitos de autonomia e de heteronomia (Ferrari, 1999, p. 172).
O termo autonomia é composto das palavras gregas auto = mesmo e nomos = lei e
significa que o indivíduo se rege por suas próprias leis; por isso é independente,
autónomo. O contrário acontece no caso da heteronomia héteros=outro), que indica a
submissão a leis estabelecidas por outros. Aqui as normas são estabelecidas pelos
detentores do poder e impostas a todos, independentemente da existência de consenso.
As normas jurídicas são heterônomas. Considerado nesta ótica, o problema
da anomia ganha contornos diferentes. O grupo que não respeita as normas jurídicas,
vivência, muitas vezes um conflito entre suas convicções e as prescrições do sistema
jurídico oficial. Nestes casos, a anomia não indica a ausência de normas. e sim o conflito
entre as normas oficiais e as normas aceitas por um grupo social. Em outras palavras,
verifica-se um conflito entre a autonomia dos e a heteronomia que caracteriza o direito
estatal" (SABADELL, 2013, pp. 85-86).
COMO A TEORIA FUNCIONALISTA LIDA COM O CONFLITO SOCIAL?
"Aqui se encontra o ponto mais fraco das teorias funcionalistas. Estas
consideram a sociedade como um sistema harmônico e interpretam qualquer conflito e
76
qualquer crise como uma disfuncionalidade, como uma manifestação de patologia social.
Em outras palavras, os funcionalistas adotam um modelo de equilíbrio e estabilidade
social, que concede muito pouco espaço aos processos de ruptura, de conflito e de
mudança radical. Assim o funcionalismo é criticado como uma teoria estática, que não
consegue interpretar os processos sociais fundamentais, limitando-se a uma descrição
superficial" (SABADELL, 2013, p. 72).
FALE SOBRE AS TEORIAS DO CONFLITO SOCIAL.
"As teorias do conflito social (marxistas e liberais) opõem-se às teorias
funcionalistas. Em geral, as teorias do conflito entendem que na sociedade agem grupos
com interesses estruturalmente opostos, que se encontram em situação de desigualdade e
em luta perpétua pelo poder. Destarte, as teorias do conflito consideram que o nexo
principal da sociedade não é o interesse comum, o consenso, o progresso ou a convivência
pacífica, mas, ao contrário, a coação e o condicionamento ideológico.
Essa coação e condicionamento ideológico são exercidos pelos grupos de
poder sobre os demais no intuito de preservar privilégios e manter a dominação. Na visão
das teorias do conflito, as crises e as mudanças sociais são fenômenos normais da
sociedade, ou seja, expressões concretas de uma contínua luta-de interesses e opiniões,
que objetiva a mudança da estrutura social. A estabilidade social e considerada como uma
situação de exceção, ou seja, como um caso particular dentro do modelo de conflito"
(SABADELL, 2013, pp. 72-73).
QUAL O FUNDAMENTO DAS TEORIAS DO CONFLITO SOCIAL?
"O fundamento das teorias do conflito é exprimido pela famosa frase inicial
do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels: "A história de todas as sociedades
até hoje é a história da luta de classes", isto é, o contínuo conflito entre os dominadores
que querem manter a situação atual e os dominados que querem mudá-la. De uma forma
geral, os teóricos do conflito explicam o funcionamento social usando a hipótese da
estratificação social (Lição 9). A hierarquia social que existe nas sociedades modernas
cria uma desigualdade no acesso ao poder e aos meios económicos. Consequência desta
situação é a existência de contínuos conflitos. Os marxistas distinguem, como dado
fundamental, a presença de duas classes (detentores dos meios de produção, por um lado,
explorados, por outro lado), os teóricos liberais analisam a atuação de vários estratos e
elites sociais. Ambos consideram, porém, o conflito (e a ruptura) como a "lei" principal
história social" (SABADELL, 2013, p. 73).

77
QUE RELAÇÃO EXISTE ENTRE ANOMIA E MUDANÇA SOCIAL?
Ana Lúcia Sabadell: "Os teóricos da anomia identificam no comportamento
anômico ("rebelde" ou "inovador") um incentivo à mudança social, ou então consideram
este comportamento como consequência de mudanças sociais, que desorientam os
indivíduos (Passas, 1993, p. 39). Sustenta-se, assim, que a anemia anuncia uma mudança
social ou que surge como fenômeno de reação a esta mudança. Nos dois casos considera-
se que, no momento de manifestação da anemia, a sociedade possui uma clara orientação
em relação aos seus valores e regras" (SABADELL, 2013, p. 83).
UM CONFLITO SOCIAL PODE SER CONSIDERADO, DO PONTO DE VISTA
SOCIOLÓGICO, COMO ALGO NEGATIVO? EXPLIQUE.
Pedro Scuro Neto: "Para entender a desorganização dos diversos segmentos
sociais é preciso estudar a rede de relações e dos processos sociais que os constituem.
Conflitos ou problemas sociais devem, ser analisados na sua diversidade, como se fossem
questões distintas, associadas a dinâmicas diversas, à luz de uma perspectiva segundo a
qual a anormalidade, a barbárie e o caos não são estritamente anomalias a serem
prevenidas ou eliminadas, ou disfunções que podem ser neutralizadas, mas também como
um aspecto da própria normalidade, essencialmente inseparável da vida virtuosa e
organizada" (SCURO NETO, 2010, p. 197).
Reinaldo Dias: "... o desvio social, embora apresente aspectos negativos e
haja todo um sistema voltado para combatê-lo, tem a seu favor o fato de contribuir para
o processo de mudança social, pois o que é considerado um desvio num determinado
momento poderá não sê-lo no futuro. O desvio social, portanto, traz embutida a
possibilidade de tornar-se numa outra época uma regra aceita e compartilhada pela
maioria dos membros naquela sociedade determinada. O desvio social, portanto, é
bastante relativo, é concretamente definido em função do tempo e do espaço. Um desvio
social do passado poderá ser uma regra do presente; e um desvio social num determinado
país poderá ser uma importante regra de conduta em outro" (DIAS, 2009, p. 151).
CONCEITUE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL.
Jürgen Habermas: "...atos que são ilegais segundo sua forma, embora sejam
executados em apelo aos fundamentos legitimadores da ordem do Estado democrático de
direito, reconhecidos em comum" (HABERMAS, 2015, p. 132).
Jürgen Habermas: "Quem recorre ao protesto dessa maneira se vê em uma
situação na qual só lhe restam, tratando-se de uma questão de consciência moral, os meios

78
drásticos, carregados de riscos pessoais, para despertar a disposição áe novamente
deliberar e formar a vontade a respeito de uma norma vigente ou de uma política decidida
com força de lei, dando impulso à revisão áe uma opinião da maioria. Quem se decide
pela desobediência civil não quer se dar por satisfeito com que estejam esgotadas as
possibilidades de revisão institucionalmente previstas, dado o alcance de uma
regulamentação considerada ilegítima. Por que a ação do que aceita o risco de uma
persecução penal por essas razões não iria poder se chamar resistência"?" (HABERMAS,
2015, p. 132).
FALE SOBRE O CONCEITO DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
Jürgen Habermas: "O filósofo moral norte-americano John Rawls propôs, em
sua conhecida obra Uma teoria da justiça, a seguinte definição: a desobediência civil se
manifesta em "uma ação pública, não violenta, determinada pela consciência moral, mas
contrária à lei, que deve suscitar de hábito uma modificação das leis ou da política
governamental" (HABERMAS, 2015, p. 133).
QUAIS SÃO, SEGUNDO RAWLS, AS TRÊS CONDIÇÕES DEVEM SER
SATISFEITAS PARA JUSTIFICAR A DESOBEDIÊNCIA CIVIL?
Jürgen Habermas: "o protesto tem de dirigir-se contra os casos bem
circunscritos de injustiça grave; as possibilidades de influências legais promissoras têm
de estar esgotadas; e as atividades da desobediência não podem assumir uma extensão
que ameace o funcionamento da ordem constitucional" (HABERMAS, 2015, p. 133).
A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS FICA RELEGADA ÀS NORMAS
JURÍDICAS?
Não! F.A. de Miranda Rosa: "Os costumes, as normas de natureza moral ou
religiosa, e outras formas normativas da vida social, conduzem também à acomodação
dos interesses conflitantes, de modo que no universo da interação social muitos
mecanismos, ou processos, atuam simultaneamente, compondo, acomodando ou
ajustando situações" (ROSA, 2004, p. 67-68).
O MECANISMO JUDICIAL É A MELHOR FORMA DE RESOLUÇÃO DOS
CONFLITOS SOCIAIS?
Não! "Alguns conflitos específicos não são resolvidos pela Justiça, pela
própria característica do conflito. Um exemplo pode ser o conflito socioambiental, muito
discutido atualmente. Esse conflito envolve diversos atores, grupos sociais diferentes,

79
com interesses diversos, políticos, trabalhadores rurais que enfrentam inúmeras
dificuldades quando buscam uma solução no Judiciário. Não é somente determinando o
que a norma estabelece que se resolve a questão. É necessário o diálogo com os diferentes
segmentos envolvidos, a solidariedade de todos, que deve ser resgatada para que, no fim,
um consenso aponte uma solução pacífica. O caminho da mediação é muito bem-visto
por todos como um viés de resolução alternativa para o tipo de questão envolvida. Não é
determinar uma resolução, mas mediar também é um processo de educação como
ferramenta capaz de alcançar a paz social" (SPAGNOL, 2012,p. 164).

REFERÊNCIAS
DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato
social. São Paulo: Atlas, 2009.
HABERMAS, Jürgen. Desobediência civil: a pedra de toque do Estado democrático de
direito. Um: _____. Nova Obscuridade: pequenos escritos políticos V; tradução Luiz
Repa. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
HONNETH, Axel. LUTA POR RECONHECIMENTO: A gramática moral dos conflitos
sociais. São Paulo: Tradução: Luiz Repa. Editora 34, 2003.
ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como
fato social. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa
do direito. 6. ed. rev., atua), e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e Jurídico: introdução ao estudo do direito,
instituições jurídicos, evolução e controle social. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SPAGNOL, Antonio Sérgio. Sociologia jurídica. In: Formação humanística em direito.
José Fábio Rodrigues Maciel (coord.). São Paulo: Saraiva, 2012.

COMENTÁRIO:
Dois pontos de destaque na sociologia do direito.
Os recentes episódios da justiça na mídia impõem uma análise do candidato a respeito da
relação existente entre Judiciário e mídia.
Em segundo lugar, deve-se considerar que o novo CPC incorporou ao sistema nacional o
que, na literatura estrangeira, denomina-se Justiça multiportas (Multidoor Dispute
Resolution). É um tema importantíssimo e de possível exigência em provas.
Tenham muita atenção.

80
B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA

1. Psicologia e Comunicação: relacionamento interpessoal, relacionamento


do magistrado com a sociedade e a mídia. (ver o item 3 de sociologia)
2. Problemas atuais da psicologia com reflexos no direito: assédio moral e
assédio sexual.

ABUSO DE PODER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO


(assédio sexual e assédio moral/psicológico)

ASSÉDIO MORAL
“No Brasil, Barreto (2003b) realizou uma pesquisa com
2072 trabalhadores de 97 empresas dos setores químico,
farmacêutico, plástico e similares em São Paulo. Utilizando
uma metodologia qualitativa, a autora estimou que 42% dos
trabalhadores apresentavam histórias de humilhações e
constrangimentos, o que evidencia o impacto do assédio
moral nas organizações brasileiras” (MACIEL, et. al., 2007,
p. 119).
“...a manipulação deliberada da ameaça, da chantagem, do
assédio tem sido utilizada como um método de
gerenciamento para desestabilizar, incitar o erro e permitir
o afastamento por uma falta ou incitar a demissão” (PEZÉ,
2004, p. 8).

Considerações iniciais

expressões utilizadas para designar o fenômeno (GUIMARAES e RIMOLI, 2006, p.


184).

França – Harcèlement moral (assédio moral)

Itália – molestie psicologiche

Inglaterra, Austrália e Irlanda - Bullying, Bossing, Harassment (tiranizar)

81
Estados Unidos, Países nórdicos, bálticos e da Europa Central – Mobbing (molestar)

Japão – Murahachibu (ostracismo social)

Portugal – Coacção moral

países hispânicos – Acoso moral, acoso psicológico ou psicoterrorismo

Brasil – Assédio moral, assédio psicológico, mobbing

A Dificuldade conceitual: “...é um tipo de violência moral, apenas recentemente,


estudada no ordenamento jurídico brasileiro, não por sua falta de incidência, mas pela
dificuldade de sua identificação” (THOMÉ, 2006, p. 13)

TENTATIVAS DE CONCEITUAR

A Organização Internacional do Trabalho - OIT - assume que o assédio moral


existe: "(...) quando uma pessoa se comporta com intenção de rebaixar o outro, mediante
meios vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes. Esses atos podem estar dirigidos
contra uma pessoa ou contra um grupo de trabalhadores. Trata-se de uma prática em que
as críticas ao outro são repetitivas, visando desqualificá-lo e menosprezá-lo, isolando-o
do contato com o grupo e difundindo falsas informações a respeito da pessoa"
(HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral nas relações sociais no
âmbito das instituições públicas. In: GEDIEL, José Antônio Peres; SILVA, Eduardo
Faria; ZANIN, Fernanda; MELLO, Lawrence Estivalet de (Org.). Estado, poder e
assédio: relações de trabalho na administração pública. Curitiba: Kairós, p. 145-162.
2015, p. 147).

"O assédio moral é definido como uma modalidade de agressão psicológica,


independente do meio utilizado (textos, postagens nas redes sociais, e-mails, gestos e
atitudes). No ambiente de trabalho, essa agressão, de caráter continuado, expõe o
indivíduo a situações humilhantes e, por isso, constrangedoras do ponto de vista social.
A iniciativa guarda, portanto, relação direta com o comportamento do indivíduo nas
organizações e estilo da gestão" (VASCONCELOS, Yumara Lúcia. Assédio moral nos

82
ambientes corporativos. Cadernos EBAPE.BR. Rio de Janeiro. vol.13 no.4 Rio de
Janeiro, p. 821-851, Oct./Dec. 2015).

Marie-France Hirigoyen: “toda e qualquer conduta abusiva, por sua


representação ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física
de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima do trabalho”
(HIRIGOYEN, 2006, p. 17)

Uma tentativa etimológica: “A junção do termo assédio - do latim obsidere,


pôr-se adiante, sitiar, atacar, que indica uma função comportamental com
desenvolvimento psicológico – à palavra moral – tão explorada pelo direito, originária do
latim mos ou mores, costume, no sentido de normas e regras adquiridas através de hábitos
– visa a compreender uma conduta abusiva (atitude, comportamento, gesto, palavra) que,
por sua repetição e sistematização, atenta contra a dignidade psíquica ou física de uma
pessoa, causando danos à integridade e colocando em risco o emprego ou degradando o
ambiente de trabalho” (TRINDADE, TRINDADE, MOLINARI, 2010, pp. 46/47).

“...é o resultado do abuso de poder, da permissividade de agressões no local


de trabalho e também da impunidade para atitudes dessa natureza, além de refletir o
autoritarismo e a forte hierarquização das organizações atuais, bem como da influência
da cultura nacional na sua forma de gerir pessoas” (AGUIAR, 2005, p. 30)

“Caracteriza-se pela conduta tendente a transformar a vítima em um robô,


como proibição de sorrir, conversar, levantar a cabeça, cumprimentar os colegas de
trabalho, etc.” (JESUS, 2009, pp. 755/756)

“O assédio moral é caracterizado por uma conduta abusiva, que pode ser do
empregador, que se utiliza da sua superioridade hierárquica para constranger os
subalternos (o chamado assédio vertical), mas que pode ser também dos trabalhadores
entre si, com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode ocorrer por
motivos de competição, inveja, ou mesmo por discriminação racial, sexual ou religiosa
(o chamado assédio moral horizontal)” (MOTHÉ, 2006, p. 13)

“...é tipicamente uma perseguição levada a cabo contra o empregado através


de atos aparentemente legais. Ninguém pode impedir que o empregador solicite ao
colaborador que refaça o seu trabalho, ou que formula algum comentário crítico em

83
relação a ele. Entretanto, quando isso ocorre repetidamente, sem uma razão objetiva, de
modo não construtivo, mas com o intuito humilhante, denota o assédio moral. É
justamente o caráter de perseguição que caracteriza o assédio moral” (TRINDADE,
2010, p. 446)

“...a deliberada degradação das condições de trabalho através do


estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela
repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou
colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de
miséria física, psicológica e social duradoura” (LEYMAN, apud FIORELLI; FIORELLI
e MALHADAS JUNIOR, 2007, p. 33).

Ainda no capítulo da conceituação, convém anotar a advertência no sentido


de deixar claras as diferenças entre o assédio moral outras condições, tais como
(TRINDADE; TRINDADE; MOLINARI, 2010, p. 47):

“situações conflitivas ou estressantes”

“más condições de trabalho e imposições profissionais que, embora gerem desgaste ao


trabalhador, não apresentam a má intenção do assediador para com o assediado”

“Outro diferencial significativo para a caracterização do assédio moral refere-se à


repetição das atitudes degradantes. Eventos isolados, desavenças esporádicas ou
agressões pontuais não chegam a configurar assédio moral”.

Assinale-se que essas diferenciações são necessárias não só no campo teórica, mas,
sobretudo, prático, pois evita “...a perda da credibilidade dos casos reais de assédio
moral”3.

Uma possível conclusão: “A tendência geral é considerar o assédio moral


como a ocorrência de atos repetitivos e duradouros que implicam em um desequilíbrio
das relações de poder entre a(s) vítima(s) e o(s) algoz(es) e inclui um elemento de
subjetividade por parte da vítima em termos de como ela percebe esses atos e seus efeitos
(Coyne, Craig & Chong, 2004)” (MACIEL, et. al., 2007, p. 118).

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS Conduta abusiva

3
LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual nas Relações do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, apud
TRINDADE; TRINDADE; MOLINARI, 2010, p. 47.

84
Intencionalidade

Repetição

Duração

Dano

FIGURAS CORRELATAS

perseguições coletivas
violência ligada ao trabalho em si
MOBBING:

Citando o Comitê Nacional inglês sobre o assédio, Maciel afirma que: "o termo
mobbing deveria ser reservado para caracterizar o assédio moral que ocorre no
trabalho, pois esse tipo de assédio envolve relações sutis entre o assediador e o
grupo ou equipe de trabalho e comportamentos sofisticados tais como o
isolamento da vítima, por exemplo, e raramente violência física" (MACIEL, et.
al., 2007, p. 118).

expressão mais ligada às relações comportamentais de natureza antissocial entre


crianças e adolescentes, notadamente no ambiente escolar
BULLYNG:

“...o termo bullying estaria mais relacionado a agressões físicas ou ameaças,


caracterizando situações de assédio entre escolares e crianças, como nos
estudos de Crothers e Levinson (2004), Nansel et al. (2001) e Natvig, Albrektsen
e Qvarnstrom (2001)” (MACIEL, et. al., 2007, p. 118).

Quatro categorias de assédio moral no trabalho (MACIEL, ET. al., 2007, p. 118):

ataques à tarefa: reter informação, monitoramento excessivo, exigência de tarefas


impossíveis e exigência de tarefas sem importância
ataques pessoais: comentários depreciativos, críticas persistentes, humilhações
públicas, rumores maliciosos
isolamento: ser ignorado pelos outros, ser separado dos outros
ataques verbais: gritos, abuso verbal, ameaças físicas

comportamentos comumente utilizados pelo agressor para com a vítima


(HIRIGOYEN, apud, TRINDADE; TRINDADE; MOLINARI, 2010, pp.50/51)

85
Recusar a comunicação direta: É uma atitude muito sutil que deixa a vítima sem saber
como reagir, principalmente por não explicitar abertamente o conflito. A vítima passa
a se sentir deslocada, mas muitas vezes não compreende a situação e, via de
consequência, não tem como reagir a ela.

Desqualificar: Esta ação pode ser realizada abertamente através de verbalizações


injustas, tais como: “você não sabe fazer nada, mesmo...”, “Até um asno sabe fazer
melhor...”, ou, ainda, de forma não verbal, através do desprezo, olhares de desdém e
suspiros. Se a vítima tenta se defender, o agressor tende a desqualificá-la ainda mais:
“só alguém que nem você não percebe que é brincadeira...”, “Já vai choramingar, não
sabe nem brincar...”, o que corrobora com a displicência dos colegas de trabalho na
percepção das agressões.

Desacreditar: O agressor constrói uma rede de intrigas, mal-entendidos, mentiras,


calúnias e difamações a respeito da vítima, tanto com o objetivo de humilhá-la perante
os demais, quanto com a intenção de colocar os outros contra a vítima. Novamente, a
conduta tem implicações significativas na isenção de uma atitude por parte dos demais,
uma vez que esses passam a ver as atitudes do agressor como merecidas pela vítima:
“mas também, olha o que ele fez...”.

Isolar: A vítima é excluída das atividades informais e até mesmo formais: passa a
almoçar sozinha ou deixa de ser convidada para os convívios. Essas atitudes fazem com
que a vítima se sinta insegura e fragilizada, não encontrando forças para se rebelar.

Constranger: Atitudes que colocam a vítima em situações delicadas, tais como,


obrigatoriedade de realizar trabalhos inúteis ou degradantes, ou, ainda, solicitar
atividades inviáveis com objetivos intangíveis e esperar que a vítima se sinta compelida
a tentar cumpri-las sem sucesso.

Provocar equívoco: Trata-se de estruturar estratégias para que a vítima realize seu
trabalho de forma inadequada, fazendo com que se considere realmente culpada pelo
equívoco. Tal comportamento, além de provocar uma diminuição da autoimagem da
vítima, repercute no círculo social, fazendo com que os demais desvalorizem as
qualificações da vítima.

AS CONSEQUÊNCIAS

Nada obstante as controvérsias acerca da definição, as consequências são


muito claras

Existem conseqüências sociais: a situação de assédio moral “reduz a saúde


psicológica e física de suas vítimas e afeta negativamente seu bem-estar e a eficiência de
outros trabalhadores, ao mesmo tempo em que instala a negligência, o absenteísmo e um

86
aumento expressivo do pedido de licenças médicas e afastamentos por doença”
(GUIMARAES e RIMOLI, 2006, p. 184).

A face mais sensível, entretanto, é a pessoal: “Os gestos de uma profissão são
a fonte fundamental de estabilização da economia psicossomática, oferecendo à
excitação pulsional uma saída socialmente positiva ao valor da sublimação. Tornar sua
execução aleatória, paradoxal, humilhante, dia após dia, tem efeitos traumáticos sobre
a psique. A subordinação própria à definição jurídica de contrato de trabalho prende o
assalariado numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o aparelho psíquico
só pode se afrontar a uma situação excessiva fonte de excitação graças a duas grandes
vias de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o ‘excesso’ intrapsíquico, o
movimento, que descarrega o corpo do excesso de tensão. Numa situação de assédio, a
repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as injunções paradoxais têm valor
de destruição psíquica e suspendem todo trabalho do pensamento. A impossibilidade de
demitir-se sob pena de perder seus direitos sociais barra a descarga sensório-motora. O
impasse criado nestas duas grandes vias de escoamento das excitações traumáticas
convoca fatalmente a ruína depressiva e a via somática mais ou menos a longo termo”
(PEZÉ, 2004, p. 07).

Caso específico da mulher: “Entre numerosas mulheres em situação de


assédio, a anamnese permite reencontrar problemas na esfera ginecológica: amenorréia,
metrorragias, ou ainda mais graves, como câncer do colo, do ovário e do útero” (PEZÉ,
2004, p. 12).

Uma atenção particular a respeito do isolamento e do dano causado: “A


cooperação necessita um ajustamento dos procedimentos singulares de execução da
tarefa, mas também uma confrontação de posições éticas de cada um, sobre a base de uma
confiança partilhada e, portanto, de uma cooperação possível. Uma análise aprofundada
da situação de impasse descrita pelos pacientes assediados coloca em evidência o
isolamento do sujeito. Isolamento de fato num posto sem equipe, isolamento subjetivo
num posto onde o coletivo de trabalho não existe verdadeiramente, onde falta cooperação,
e mais ainda a solidariedade. Suportar o trabalho deixa o sujeito sozinho com seus
mecanismos de defesa individuais, privando-o do recurso das estratégias coletivas de
defesa. Estas últimas, destinadas a fazer frente ao sofrimento no trabalho, são específicas
a cada local profissional, produzidas, estabilizadas e construídas coletivamente. Se o

87
sujeito isolado não pode beneficiar-se delas, ele pode ser atingido, ou servir, pelo seu
estado, de bode expiatório dos outros” (PEZÉ, 2004, pp. 7/8).

Como deveria ser? Como funcionamos em situações normais? “Namorado


não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao
lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não
precisa ser parruda, decidida, ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo
de aflição” – Namorado: Ter ou não ter, é uma questão, Carlos Drummond de Andrade –
grifei.

Depressão
Ansiedade
Sociofobia
principais conseqüências:
ataques de pânico
(MACIEL, et. al., 2007, p.
119) baixa auto-estima
desordens psicossomáticas tais como insônia,
melancolia, apatia, falta de concentração, sudorese,
tremores etc.

sintomas típicos associados à tensão: insônia, melancolia e apatia.


Estudos demonstram que 40% das vítimas pesquisadas informam que o
(GUIMARAES e RIMOLI, 2006, p. 188).

mobbing afetou sua saúde física e 43% sua saúde mental e, como
conseqüência destes, 26% e 92%, respectivamente, tinham procurado
tratamento médico, psiquiátrico ou outra ajuda profissional.
Efeitos Adversos à Saúde

Uma entre cinco pessoas relatou estar em uso de medicamentos como


conseqüência da experiência.
aumento de estresse e tensão e diminuição do bem-estar psicológico
efeitos adversos da violência psicológica na saúde: ansiedade, depressão,
sintomas psicossomáticos, agressividade, desconfiança, prejuízos
cognitivos, tais como, dificuldade de concentração ou de pensar claramente,
reduzida capacidade para a resolução de problemas, isolamento e solidão,
deterioração das relações interpessoais e transtorno por estresse pós-
traumático.
Alterações como o transtorno obsessivo, o transtorno bipolar, a depressão
e a ansiedade, também foram relatados.

TRÊS TIPOS DE ASSÉDIO (GUIMARAES e RIMOLI, 2006, p. 187).

88
Ascendente: Uma pessoa que pertence a um nível hierárquico superior da organização,
se vê agredida por um ou vários subordinados. Geralmente, o início se dá quando
alguém de fora é introduzido na empresa em um cargo superior, porque seus métodos
não são aceitos pelos trabalhadores que se encontram sobre seu comando ou porque
este cargo é desejado por algum deles. Outra modalidade seria aquela em que um(a)
trabalhador(a) é alçado(a) a um cargo de responsabilidades em virtude do qual se
outorga a capacidade de organizar e comandar seus antigos companheiros. A situação
se complica se, previamente, os demais trabalhadores não foram consultados e não
estão de acordo com a promoção, ou se o novo responsável não deixar claros os
objetivos do setor, ocasionando intromissões nas funções de alguma(s) pessoa(s). Em
menor proporção, o mobbing pode ser desencadeado contra aqueles chefes que se
mostram autoritários e arrogantes no contato interpessoal.

Horizontal: O comportamento dos grupos não é o resultado dos comportamentos


individuais das pessoas que os compõem, mas o grupo aparece com uma nova
identidade que tem seu próprio comportamento. Nesta direção, um trabalhador(a) se vê
assediado(a) por um companheiro com o mesmo nível hierárquico, embora seja
possível, se bem que não oficialmente, que tenha uma posição de fato, superior. O
ataque pode ocorrer por problemas puramente pessoais, ou porque alguns dos membros
do grupo não aceitam as normas de funcionamento tacitamente ou expressamente
aceitas pelos demais. Outra circunstância que dá lugar a este comportamento é a
existência de pessoas frágeis do ponto de vista físico e/ou psíquico ou diferentes, sendo
estas diferenças exploradas pelos demais simplesmente para passar o tempo ou
proporcionar aborrecimentos.

Descendente: Situação mais habitual. Trata-se de um comportamento no qual a pessoa


que detém o poder, através de depreciação, falsas acusações, insultos e ofensas, mina a
esfera psicológica do trabalhador assediado para se destacar frente a seus subordinados,
para manter sua posição hierárquica. Pode também tratar-se simplesmente de uma
estratégia empresarial cujo objetivo é forçar o abandono “voluntário” de uma
determinada pessoa sem recorrer à sua demissão legal, já que não haveria justificativa
objetiva para tal, o que acarretaria custos econômicos para a empresa.

89
90
Tabela confeccionada por Yumara Lúcia Vasconcelos (VASCONCELOS,
Yumara Lúcia. Assédio moral nos ambientes corporativos. Cadernos EBAPE.BR. Rio de
Janeiro. vol.13 no.4 Rio de Janeiro, p. 821-851, Oct./Dec. 2015).

Pergunta de sala de aula: quando nasce o direito subjetivo?

Sobre a percepção do dano: “Um traço cultural apontado nos estudos da


cultura organizacional de instituições brasileiras é que os trabalhadores tendem a
apresentar uma postura submissa nas relações de trabalho com os superiores
hierárquicos (Prates & Barros, 1997). Esse traço pode ser tão inflexível que impeça o
relato das situações constrangedoras ou amenize a percepção de sua importância e
gravidade” (MACIEL, et. al., 2007, p. 125).

“O assédio moral constitui um fenômeno essencialmente relacionado com as


percepções dos envolvidos, portanto um fenômeno psíquico, antes de mais nada, e que
pode, porém, manifestar-se no concreto. A maneira mais prudente de encará-lo é como
algo individual. Cada assédio possui o seu colorido; aquilo que humilha ou agride um
indivíduo, eventualmente passará desapercebido indivíduo, eventualmente passará
desapercebido por outras e pode ser até agradável desafiador para um terceiro...”
(FIORELLI, 2007, p. 22)

A noção subjetiva do assédio moral adquire objetividade na ação destrutiva:


HIRIGOYEN (2006, p. 58): “no assédio moral, o que é desestruturante, o que
enlouquece, é a perda do sentido. Uma pessoa é colocada à margem, maltratada ou
humilhada pelos colegas ou por um superior, sentir a possibilidade de entender os
motivos sem que lhe digam do que é acusada”

Diferenças entre o assédio moral e assédio sexual


(TRINDADE; TRINDADE; MOLINARI, 2010, p. 60)

ASSÉDIO MORAL ASSÉDIO SEXUAL


Objetiva a destruição da vítima; Não visa destruir a vítima, mas possuí-la;
Só acaba quando produz danos psíquicos Pode se extinguir com o próprio
na vítima; relacionamento das partes;

91
A vítima é chantageada e pode ser levada
Não oferece nenhum tipo de benefício
a acreditar que vai se "beneficiar" com a
para a vítima;
situação;
Necessita ser um comportamento
Pode ocorrer uma única vez;
recorrente;
É fruto da inveja; É fruto da paixão, do desejo;
Pode ou não haver diferença hierárquica. Pressupõe uma diferença hierárquica.

O que distingue o ASSÉDIO SEXUAL do ASSÉDIO MORAL?

"Não obstante haja certa similitude entre assédio sexual e assédio moral, os
fenômenos se distinguem, sendo importante esclarecer as diferenças entre os conceitos.

A princípio, no assédio sexual o agressor tem por escopo dominar a vítima


sexualmente, em geral por meio de chantagens, com o intuito de obter favorecimento
sexual, sendo referida conduta tipifica no art. 216-A do Código Penal.

O tipo penal mencionado traz três elementos básicos para a caracterização do


assédio sexual. O primeiro diz respeito ao constrangimento consciente e contrário ao
ordenamento jurídico, tendo em vista que impõe à vítima uma atitude contrária à sua
vontade. O segundo elemento se refere à finalidade de obtenção de vantagem ou
favorecimento sexual. Por fim, o terceiro requisito trata do abuso de poder hierárquico.

Em relação ao assédio moral, já se verificou que o objetivo do agressor é a


eliminação da vítima do ambiente de trabalho por intermédio do terror psicológico, além
do que inexiste em nosso ordenamento jurídico legislação (em âmbito federal) acerca do
fenômeno em questão" (CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Terror psicológico no
ambiente laboral e a dignidade da pessoa humana do trabalhador. Revista de direito do
trabalho. v. 38, n. 145, p. 165-182, jan./mar. 2012).

REFERÊNCIAS:

AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio moral: o direito à indenização pelos maus-tratos e
humilhações sofridos no ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

92
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade; tradução Sebastião
Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3: dos crimes contra . 8ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
DESOUZA, Eros; BALDWIN, John R. and ROSA, Francisco Heitor da. A construção
social dos papéis sexuais femininos. Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre, 2000,
vol.13, n.3, pp. 485-496 [online].
FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS Junior, Marcos Julio
Olivé. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.
FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio
Olivé. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 7ª ed. Niterói, RJ:
IMpetus, 2010.
GUIMARAES, Liliana Andolpho Magalhães; RIMOLI, Adriana Odalia. “Mobbing”
(assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional.
Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol. 22, n.2, pp. 183-191, 2006 [online].
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2002a.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral;
tradução Rejane Janowitzer. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MACIEL, Regina Heloisa et al. Auto relato de situações constrangedoras no trabalho e
assédio moral nos bancários: uma fotografia. Psicologia & Sociedade. Porto Alegre, v.
19, n. 3, pp. 117-128, 2007. Dec. 2007 [online].
MATTA, Roberto da. O que faz Brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal interpretado. 7ª ed.
São Paulo: Atlas, 2011.
PEZÉ, Marie-Grenier. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de
gênero. Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 [online].
TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica: para operadores do direito. 4ª. ed,
rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
TRINDADE, Jorge; TRINDADE, Elise Karam; MOLINARI, Fernanda. Psicologia
judiciária: para a carreira da magistratura. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.
O que distingue o ASSÉDIO SEXUAL do ASSÉDIO MORAL?

93
"Não obstante haja certa similitude entre assédio sexual e assédio moral, os
fenômenos se distinguem, sendo importante esclarecer as diferenças entre os conceitos.

A princípio, no assédio sexual o agressor tem por escopo dominar a vítima


sexualmente, em geral por meio de chantagens, com o intuito de obter favorecimento
sexual, sendo referida conduta tipifica no art. 216-A do Código Penal.

O tipo penal mencionado traz três elementos básicos para a caracterização do


assédio sexual. O primeiro diz respeito ao constrangimento consciente e contrário ao
ordenamento jurídico, tendo em vista que impõe à vítima uma atitude contrária à sua
vontade. O segundo elemento se refere à finalidade de obtenção de vantagem ou
favorecimento sexual. Por fim, o terceiro requisito trata do abuso de poder hierárquico.

Em relação ao assédio moral, já se verificou que o objetivo do agressor é a


eliminação da vítima do ambiente de trabalho por intermédio do terror psicológico, além
do que inexiste em nosso ordenamento jurídico legislação (em âmbito federal) acerca do
fenômeno em questão" (CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Terror psicológico no
ambiente laboral e a dignidade da pessoa humana do trabalhador. Revista de direito do
trabalho. v. 38, n. 145, p. 165-182, jan./mar. 2012).

ANEXO II

MECANISMOS DE DEFESA DO EGO4

O ego possui mecanismos inconscientes de defesa para proteger o


psiquismo, garantindo a homeostase da personalidade, pois existe uma tendência do
organismo para manter estáveis as suas condições através de processos de
autorregulação. De acordo com a teoria psicanalítica, mecanismos de defesa são
maneiras inconscientes utilizadas frente às diversas situações com vista a repelir ou a
reduzir a ansiedade, e manter o equilíbrio da personalidade. Cabe referir os seguintes
mecanismos de defesa do ego:

4
TRINDADE, 2010, pp. 70/72.

94
1. Repressão ou recalcamento: Freud (1969) considerou a repressão a rainha de
todas as defesas e a ela dedicou a maior parte de sua atenção. Consiste em expulsar da
consciência desejos, sentimentos, ideias, ou fantasias desprazerosos, que, em
permanecendo fora dela, não causam ansiedade. Embora seja utilizada por quase todos
os neuróticos, é bem característico da neurose histérica.

2. Regressão: mecanismo de defesa que se caracteriza pela retirada ou retorno a


uma fase anterior do desenvolvimento, adequada para evitar o desprazer e a frustração.
A criança em desenvolvimento passa pelas fases oral, anal e fálico-genital, em que o
prazer está associado a uma zona corporal. Quando ocorre um trauma ambiental,
constitucional ou ambos, a criança pode ter seu desenvolvimento aprisionado na zona
em que se encontra. Mais tarde, sob grande estresse, o adulto pode retomar a essa fase
do desenvolvimento manifestando a organização mental relativa a essa etapa.

3. Projeção: é uma defesa que consiste em atribuir aos outros os sentimentos ou


características não admitidos em si mesmo. Dessa forma, impulsos ou pensamentos
proibidos são atribuídos a outra pessoa e negados em relação a si próprio, com o
objetivo de afastar a ansiedade.

4. Introjeção: um objeto externo é simbolicamente internalizado, tomado e


assimilado como parte do indivíduo.

5. Identificação: é o mecanismo mais importante para o crescimento do ego. É


através dele que a criança interioriza características do objeto para desenvolver a
própria personalidade, moldando-se, geralmente, a partir do progenitor do mesmo sexo,
para vir a ser como ele.

6. Isolamento: trata-se de uma separação intrapsíquica entre o afeto e seu


conteúdo, evitando ou diminuindo a ansiedade. Desta forma uma memória traumática
pode ser facilmente recordada, porém, estará despida de qualquer sentimento intenso.

7. Anulação: é a realização de um ato determinado com o objetivo de apagar,


desfazer ou anular simbolicamente o ato anterior. Envolve, portanto, um pensamento
mágico. Está presente no Transtorno Obsessivo Compulsivo, no qual, por exemplo, o
sujeito pensa na morte da mãe e acredita que, se der três pulinhos, o ato irá se desfazer.

95
8. Negação: é o mecanismo por meio do qual a realidade externa é considerada
como não existente por ser desagradável ou penosa ao ego. O indivíduo reinterpreta
uma situação geradora de ansiedade, redefinindo-a como inocente.

9. Formação Reativa: este processo leva o ego a realizar o oposto do desejo.


Uma pulsão proibida é transformada no seu oposto. O ódio por um irmão pode,
reativamente, tomar a forma de um amor exagerado.

10. Racionalização: consiste em explicações baseadas na razão para um


comportamento que foi, na realidade, determinado por motivos não reconhecidos.
Assim, pensamentos ou pulsões inaceitáveis são reinterpretados em termos mais
aceitáveis e menos geradores de ansiedade.

11. Somatização: mecanismo pelo qual ocorre transferência de sentimentos


dolorosos para o corpo, com prejuízo orgânico. Somatizações intensas são frequentes
em indivíduos hiponcodríacos, na síndrome da dor sem causa orgânica, na anorexia, no
vitiligo e na psoríase.

12. Dissociação: por este mecanismo inconsciente, uma parcela da personalidade


geradora de ansiedade é eliminada através da divisão da consciência. As partes boas e
más, por exemplo, são separadas, e o sujeito não consegue perceber que os outros
podem ser bons e maus. Dessa forma, "fulano" será uma pessoa maravilhosa até que se
transforme numa pessoa terrível.

13. Sublimação: mecanismo de defesa pelo qual a energia psíquica retida no


material reprimido é canalizada a objetivos socialmente úteis e aceitáveis. Por exemplo,
uma agressividade excessiva é canalizada para uma carreira cirúrgica.

14. Intelectualização: mecanismo que articula uma teorização do afeto, o qual


passa a ser explicado para evitar a ansiedade, focalizando os aspectos objetivos, e não
emocionais de uma situação ameaçadora.

15. Deslocamento: processo através do qual os sentimentos ligados a uma fonte


são redirecionados a outra. Assim, o afeto de uma ideia ou objeto é transposto ou
deslocado para outro. É comum nas fobias, em que a ansiedade ligada a uma fonte

96
inconsciente é deslocada para uma consciente. Também é observado no sonho pela
substituição de uma figura emocionalmente carregada por uma neutra.

16. Conversão: é o deslocamento de uma conflitiva psíquica para o corpo, sem


prejuízo orgânico. Está presente na histeria, como no caso de paralisias corporais ou
desmaios.

LEI Nº 13.185, DE 6 DE NOVEMBRO DE 2015

Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).

Art. 1o Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em


todo o território nacional.

§ 1o No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying)


todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem
motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com
o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação
de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

§ 2o O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da


Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros
órgãos, aos quais a matéria diz respeito.

Art. 2o Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou


psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I - ataques físicos;

II - insultos pessoais;

III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;

IV - ameaças por quaisquer meios;

V - grafites depreciativos;

VI - expressões preconceituosas;

97
VII - isolamento social consciente e premeditado;

VIII - pilhérias.

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores


(cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar,
incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de
constrangimento psicossocial.

Art. 3o A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações


praticadas, como:

I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;

II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;

III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;

IV - social: ignorar, isolar e excluir;

V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular,


chantagear e infernizar;

VI - físico: socar, chutar, bater;

VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;

VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar


fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de
constrangimento psicológico e social.

Art. 4o Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1o:

I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a


sociedade;

II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de


discussão, prevenção, orientação e solução do problema;

III - implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;

IV - instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da


identificação de vítimas e agressores;
98
V - dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;

VI - integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como


forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-
lo;

VII - promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de


uma cultura de paz e tolerância mútua;

VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos
e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de
comportamento hostil;

IX - promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de


violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou
constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros
profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.

Art. 5o É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas


assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à
intimidação sistemática (bullying).

Art. 6o Serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de


intimidação sistemática (bullying) nos Estados e Municípios para planejamento das
ações.

Art. 7o Os entes federados poderão firmar convênios e estabelecer parcerias para a


implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa instituído por
esta Lei.

3. TEORIA DO CONFLITO E OS MECANISMOS


AUTOCOMPOSITIVOS. TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO E
MEDIAÇÃO. PROCEDIMENTOS, POSTURAS, CONDUTAS E
MECANISMOS APTOS A OBTER A SOLUÇÃO CONCILIADA DOS
CONFLITOS:

Mecanismos Autocompositivos
99
(TJ/DFT/Juiz/2013) Discorra sobre os mecanismos autocompositivos, com
foco nos fundamentos jurídicos da conciliação, nos princípios e estratégias da mediação
e na análise de técnicas, posturas, condutas e procedimentos aptos a facilitar a mediação
e a obter a solução conciliada dos conflitos.
Para responder a essa questão, sugere-se fortemente a leitura do Manual de
Mediação do TJDFT (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS. Manual de Mediação Judicial. organizador André Gomma de Azevedo.
5ª ed. Brasília, TJDFT, 2015).
A questão, realizada em 21 março 2014, lidava com o Código Processo Civil
de 1973. Como ideia principal da presente obra consiste na utilização dessas experiências
anteriores para provas futuras, a resposta será dada com base nos dispositivos do novo
CPC.
Como estratégia introdutória, pode-se elaborar um parágrafo que mencione a
mudança de paradigma ocorrida nos últimos anos e a positivação do tema no novo CPC.
O candidato estará no do contexto proposto (“discorra sobre”).
O tratamento adequado dos conflitos e a mudança de paradigma
O CPC/2015 incorporou ao processo brasileiro uma concepção de acesso à
justiça que já existia no Conselho Nacional de Justiça. Com efeito, a resolução CNJ
125/2010 já destacava ao Judiciário a incumbência de “estabelecer política pública de
tratamento adequado aos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem
em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não
somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-
lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais,
como a mediação e a conciliação”.
Em larga medida, o novo CPC adota a ideia de que, em alguns casos, a forma
jurisdicional pode não ser adequada para tratar um litígio. Diferentemente do CPC/73 que
não regulava a questão (limitava-se a utilizar a expressão “conciliadores” no seu art. 277,
§1.º, ao tratar da audiência do rito sumário), a Lei 13.105/2015 destina vários artigos à
disciplina desses meios consensuais de resolução de conflitos.
Ao lado da forma convencional de resolução jurisdicional, o novo CPC adota
mecanismos consensuais. Com efeito, já no artigo 3.º reconhece a arbitragem (§1.º) e

100
declara ser dever do Estado promover e estimular a solução consensual dos litígios (§§
2.º e 3.º). Outra constatação importante nesse diapasão diz respeito à inclusão, entre os
auxiliares de justiça, dos conciliadores e dos mediadores (art. 149).
O Brasil incorporou ao sistema nacional o que, na literatura estrangeira,
denomina-se Justiça multiportas (Miltidoor Dispute Resolution). A denominação
nacional foi “Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos” (art. 6º, VI, da
resolução CNJ 125/2010; art. 3º, §3º e 165 do CPC e art. 24 da lei 13.140/2015).
A nomenclatura do sistema é de suma importância, pois a doutrina atual se
distancia do conceito tradicionalmente construído, qual seja: métodos “alternativos” de
resolução de disputas. Assim como o examinador - quando trata do tema como
“mecanismos autocompositivos” –, o CPC/2015, claramente, não alude à arbitragem, à
conciliação e à mediação e a outros métodos como meios “alternativos”, como se
costumava fazer até bem pouco tempo.
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, tratando
da justiça multiportas, destacam esse aspecto: “Embora tenham nascido como meios
alternativos de solução de litígios (alternative dispute resolution), o certo é que o
paulatino reconhecimento desses métodos como os meios mais idôneos em determinadas
situações (como, por exemplo, a mediação para conflitos familiares, cuja maior
idoneidade é reconhecida pelo próprio legislador, no art. 694, CPC) fez com que se
reconhecesse a necessidade de alteração da terminologia para frisar semelhante
contingência. Em outras palavras: de métodos alternativos passaram a métodos
adequados, sendo daí oriunda a ideia de que o sistema encarregado de distribuir justiça
não constitui um sistema que comporta apenas uma porta, contando sim com várias portas
(multi-door dispute resolution), cada qual apropriada para um determinado tipo de litígio”
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo
Código de processo civil comentado. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016).
Nesse tema, João Luiz Lessa Neto destaca um desafio cultural do novo CPC
que remete a espectro demasiadamente amplo de enfoques, mas com dois vetores
especialmente preocupantes: (i) a noção de que a solução consensual é uma “justiça de
segunda linha”; (ii) a ideia de que os meios consensuais devem ser implantados para
ajudar a “desafogar” o Poder Judiciário (LESSA NETO, João Luiz. O novo CPC adotou

101
o modelo multiportas!!!: e agora?! Revista brasileira de direito processual. v. 23, n. 92, p.
97-109, out./dez. 2015).
Essa modificação de cultura, ao conferir maior autonomia às partes, pode ser
destacada já na abertura do CPC quando, por exemplo, manifesta estímulo para que o
resultado do processo seja fruto de um consenso entre as partes (art. 3º, §§2º e 3º e 3º). O
novo paradigma pode também ser encontrado “na possibilidade de estruturação contratual
de determinados aspectos do processo (negócios processuais, art. 190, CPC, e calendário
processual, art. 191, CPC)” (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016).
Essa postura é destacada no enunciado nº 187 do FPPC: “No emprego de
esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de
constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de
aconselhamento sobre o objeto da causa”.
Feita essa introdução, um outro aspecto a ser tratado na resposta consiste na
separação entre as figuras do conciliador e do mediador.

OBSERVAÇÃO RELEVANTE:
Existem ainda textos de dentro do direito que consideram a mediação como
alternativa à jurisdição atual. É o caso, por exemplo, de Fabiana Marion Spengler e
Giancarlo Montagner Copelli. Seria "um instrumento voltado não mais para o conflito,
mas para o tratamento deste, resgatando, no cidadão, a autonomia suprimida pelo Estado,
buscando não apenas apresentar resultados mais céleres, mas, sobretudo, mais eficazes
do ponto de vista dos conflitantes - e não mais do Estado, como é atualmente". (...) "...cabe
a proposta de alternativas que não apenas desafoguem o Judiciário, mas que, também,
possam tratar os conflitos de forma mais adequada, buscando, assim, melhorias tanto de
cunho quantitativo como, também, qualitativo" (SPENGLER, Fabiana Marion;
COPELLI, Giancarlo Montagner. A complexa sociedade líquida e as alternativas ao
sistema judiciário frente à ausência do Leviatã. Sequência (Florianópolis), Florianópolis,
n. 69, p. 235-253, jul./dec. 2014).
Contudo, no mesmo texto, há remissão a uma linguagem adequada ao usar a
expressão "tratamento" em vez de "resolução" de conflitos: “Os "conflitos sociais não são
"solucionados" pelo Judiciário no sentido de resolvê-los, suprimi-los, elucidá-los ou
esclarecê-los. Isso porque "[...] a supressão dos conflitos é relativamente rara. Assim
como relativamente rara é a plena resolução dos conflitos, isto é, a eliminação das causas,

102
das tensões, dos contrastes que os originaram (quase por definição, um conflito social não
pode ser "resolvido")". (BOBBIO; PASQUINO, 2004, p. 228). Por conseguinte, a
expressão "tratamento" torna-se mais adequada como ato ou efeito de tratar ou medida
terapêutica de discutir o conflito buscando uma resposta satisfativa" (SPENGLER,
Fabiana Marion; COPELLI, Giancarlo Montagner. A complexa sociedade líquida e as
alternativas ao sistema judiciário frente à ausência do Leviatã. Sequência (Florianópolis),
Florianópolis, n. 69, p. 235-253, jul./dec. 2014, nota de rodapé nº 1).
Distinções entre o conciliador e o mediador
O novo CPC (art. 165, §§2º e 3º) estabelece dois critérios distintivos entre as
as atividades a serem desempenhadas pelo conciliador e pelo mediador.
No primeiro critério, tem-se por base a existência ou inexistência de vínculo
anterior entre as partes. Com efeito, a partir dessa ótica, uma vez considerados aspectos
emocionais que emergem de relações duradouras (casamento, pai e filho, p.ex.), sempre
se menciona uma maior adequação da mediação a conflitos relacionados ao direito de
família. Contudo, José Miguel Medina adverte que a solução não pode ser generalizada a
esse ponto, pois “não raro herdeiros preocupam-se apenas com aspectos patrimoniais em
disputa, não se importando com – ou, às vezes, recusando terminantemente – um
restabelecimento em sua relação)” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de
processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4. ed., rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). De outro lado, a conciliação pode
ser solução satisfatória para eventos instantâneos. Instantâneo no sentido de ser “pontual,
episódico, e não decorrente de relação jurídica continuada” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. Breves comentários ao novo Código de processo civil. 3. ed., rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, comentário 4 ao art. 165). Normalmente, mencionam-
se os litígios relacionados à responsabilidade civil por ilícito extracontratual – acidente
de trânsito, p.ex.
O segundo critério refere-se aos limites e ao modo de atuação do conciliador
e do mediador. Enquanto o conciliador poderá “sugerir soluções para o litígio”, ao
mediador “cabe restabelecer o canal de comunicação entre as partes, a fim de facilitar
uma negociação entre elas, para que possam, por si sós, chegar a um acordo a ambas
favorável” (RUIZ, Ivan Aparecido. A Mediação e o direito de família. Revista de
Arbitragem e Mediação. v. 2, n. 6, p. 75-105, jul./set. 2005).
Fundamentos jurídicos e princípios

103
Sobre os fundamentos jurídicos da conciliação, assinale-se que o CPC impõe
ao juiz a direção do processo com a incumbência de promover, a qualquer tempo, a
autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais
(art. 139, V, CPC). Como já assinalado, os conciliadores e mediadores judiciais, a partir
do novo CPC, passaram à qualidade de auxiliares do juízo cujas atribuições estão
disciplinadas nos arts. 165 a 175, CPC. Convém também destacar que a Lei 13.140/2015
dispõe a respeito da mediação.
Além dessas regras, pode-se mencionar também o Código Civil (art. 840), a
Lei de arbitragem – 9.307/1995 (arts. 21, §4º e 28), o Código do Consumidor (arts. 5º,
IV, 6º, VII e 107) ou, ainda, a Lei 9.099/1995 dos Juizados Especiais, na qual se consagra
a conciliação e a transação como princípios jurídicos (art. 2º).
No que toca aos princípios, o Conselho Nacional de Justiça, ao instituir o
Código de Ética dos Conciliadores e mediadores (ANEXO III da Resolução CNJ
125/2010), enumerou, no art. 1º, os seguintes princípios fundamentais, que regem a
atuação de conciliadores e mediadores judiciais: “confidencialidade, decisão informada,
competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às
leis vigentes, empoderamento e validação”.
De seu turno, o art. 166 do novo CPC explicita os princípios que devem
nortear a atividade dos envolvidos na prática dos métodos de auto-imposição: “A
conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da
imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da
informalidade e da decisão informada”.
Além desses, a Lei nº 13.140/2015 2.º também indica como princípios da
mediação a isonomia entre as partes, a busca do consenso e a boa-fé.
José Miguel Garcia Medina assinala que esses princípios “ora encerram
verdadeiros deveres do conciliador e do mediador (por exemplo, de atuar com
imparcialidade, de guardar confidencialidade), ora garantias (v.g., independência), ora
objetivos a serem alcançados, através do procedimento. Algo semelhante é feito pela Lei
13.140/2015, em relação ao mediador (cf. art. 2.º, em geral, e, quanto à confidencialidade
e suas exceções, art. 30 da mesma Lei)” (MEDINA, 2016)
Estratégias da mediação
Não obstante haver padrões gerais, existem diversas variáveis que
influenciam os estágios da mediação. As variáveis apresentadas por Christopher W.

104
Moore, são as seguintes: “1. O nível de desenvolvimento do conflito e o momento da
entrada de um mediador. 2. A capacidade dos negociadores de resolver sua própria
disputa. 3. O equilíbrio de poder dos disputantes e o papel do mediador como um
equalizador e agente de poder. 4. Os procedimentos de negociação usados pelas partes.
5. A complexidade das questões negociadas. 6. O papel e as tarefas do mediador definidos
conjuntamente pelas partes e pelo interventor” (MOORE, Christopher W. O Processo de
mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. tradução Magda França
Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 68).
A partir da apresentação desses elementos, deve ser ressaltada a flexibilidade
procedimental do processo de mediação. Ressalte-se: “apensar de ser útil ter uma
estrutura a seguir, o mediador possui a liberdade de, em casos que demandem abordagens
específicas, flexibilizar o procedimento conforme o progresso das partes ou a sua forma
de atuar” (AZEVEDO, André Gomma de (org.) Manual de mediação judicial. Brasília:
Ministério da Justiça, 2010, p. 50).
Técnicas, posturas, condutas e procedimentos
Com o intuito de gerenciar emoções, o mediador pode, eventualmente, validar
sentimentos. O manual do TJDFT defende que a técnica “deve ser aplicada
principalmente em uma sessão individual para sentimentos que somente uma parte venha
a manifestar” (TJDFT, 2015, p. 237).
Para evitar uma percepção seletiva da realidade decorrente do estado de
ânimos em que a parte se encontra, o mediador pode fazer um teste de realidade. A
pergunta sobre a justiça de um valor monetário sugerido por uma das partes pode ser um
exemplo de teste de realidade.
Em relação às posturas, assinale-se que, para atingir seu objetivo, o mediador
deve ter controle sobre o processo. Nessa condução ativa do processo, deve impor o
equilíbrio da participação o que autoriza, em determinadas circunstâncias, a interrupção
das partes ou da própria sessão. Ao mesmo tempo, o mediador deve procurar criar relação
de empatia com o interlocutor, estabelecendo uma relação de confiança (“rapport”).
O Manual (TJDFT, 2015) destaca alguns elementos sobre a postura do
mediador para, por exemplo, estabelecer o diálogo: utilizar de um tom de voz eficiente,
estar atento à comunicação não verbal, evitar que as partes firmem posições em vez de
interesses e infundir confiança no processo. Para tanto, convém que o mediador possua
perfil de paciência de perseverança.

105
Ainda na análise da postura para facilitar a mediação, pode ser mencionada a
empatia do mediador e uso de linguagem apropriada ao nível sociocultural das partes. A
escuta ativa com o registro do que está sendo dito também é mencionado pela literatura
clássica de Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, pois “escutar permite que você
compreenda as percepções do outro, sinta suas emoções e ouça o que ele está tentando
dizer” (FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim:
negociação de acordos sem concessões. tradução: Vera Ribeiro, Ana Luiza Borges. 2ª.
ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 52).
Uma outra postura sempre mencionada ao processo de mediação consiste em
enfoque prospectivo. Diferentemente do processo judicial, voltado para um fato passado,
ao adotar um enfoque voltado para o futuro, o mediador estabelece “não mais um discurso
de ‘de quem é a culpa’, mas de ‘diante desse contexto concreto em que nos encontramos,
quais as soluções que melhor atendam às suas necessidades e interesses reais’” (TJDFT,
2015, p. 236).
Mencionem-se algumas técnicas de negociação sempre mencionadas: separar
as pessoas dos problemas, foco nos interesses, e não nas posições, geração de opções de
ganhos mútuos, utilização de critérios objetivos na condução dos debates.
Na construção de soluções, o manual de mediação judicial do TJDFT
menciona algumas ferramentas para provocar mudanças a fim de desarmar “as partes de
suas defesas e acusações, e buscar cooperação na busca de soluções práticas” (TJDFT,
2015, p. 230). Entre essas técnicas, tem-se, exemplificativamente: (a) a
recontextualização (= paráfrase), (b) a audição de propostas implícitas, (c) o afago (=
reforço positivo) e (d) o silêncio. Na inversão dos papéis, tem-se a possibilidade de
estimular a empatia entre as partes.
Por fim, um procedimento a ser utilizado na mediação consiste na realização
de sessões privadas ou individuais. Esse método possui diversas utilidades como, por
exemplo: “i) para permitir a expressão de fortes sentimentos sem aumentar o conflito; ii)
para eliminar comunicação improdutiva; iii) para disponibilizar uma oportunidade para
identificar e esclarecer questões; iv) como uma contramedida a fenómenos psicológicos
que impedem o alcance de acordos, tal como a reação desvalorizadora; v) para realizar
afagos; vi) para aplicar a técnica de inversão de papéis; vii) para evitar comprometimento
prematuro com propostas ou soluções; viii) para explorar possível desequilíbrio de poder;
ix) para trabalhar com táticas e/ou habilidades de negociação das partes; x) para

106
disponibilizar um ambiente propício para o exame de alternativas e opções; xi) para
quebrar um impasse; xii) para avaliar a durabilidade das propostas; xiii) nas situações em
que se perceberem riscos à ocorrência de atos de violência" (TJDFT, 2015, pp. 232/233).

4. O PROCESSO PSICOLÓGICO E A OBTENÇÃO DA VERDADE


JUDICIAL. O COMPORTAMENTO DE PARTES E TESTEMUNHAS:

PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO

O testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento está calcado
essencialmente no tripé: percepção, memória e expressão do fato” (Ambrosio, 2010, p.
396)

PERCEPÇÃO

O que é a percepção?
“A percepção é o processo que consiste em atribuir significado às
informações (experiências vividas) captadas pelo sistema sensorial que chegaram ao
córtex cerebral (ATKINSON et al., 2002). Trata-se de uma experiência psíquica
complexa e pessoal que sofre a influência de diversos fatores internos e externos ao
observador” (Ambrosio, 2010, p. 396).
Alguns dados sobre a percepção (MIRA Y LÓPEZ, apud, AMBROSIO,
2010, p. 397):
a) a capacidade de apreensão de estímulos é maior pela manhã do que à noite;
b) as mulheres percebem com mais exatidão os detalhes que os homens;
c) os acontecimentos iniciais e finais são melhor percebidos que os
intermediários;
d) o testemunho sobre dados qualitativos é mais preciso do que sobre dados
quantitativos;
e) as pessoas diferem entre si quanto à duração das vivências no tempo.
A percepção da realidade pode ser deformada?
Sim
O que pode deformar a percepção?

107
A) sugestão da espera:
“A percepção da realidade exterior é deformada pelas tendências afetivas de
cada pessoa, como o desejo que um acontecimento se realize ou não (‘sugestão da
espera’). No caso dessa sugestão da espera, a consciência considera acontecido algo que
ainda não ocorreu ou que ocorreu apenas em parte (MIRA Y LÓPEZ, 2009). Nesse
sentido, o testemunho pode sofrer tanto a deformação voluntária e consciente do
indivíduo como a distorção involuntária decorrente da afetividade própria da pessoa.
Ainda que queira, a testemunha não consegue fugir à influência deformante da percepção
dos fatos. Cada qual pode ver a realidade de modos diferentes, o que prova que o processo
perceptivo está intimamente ligado à tendência afetiva de cada indivíduo” (AMBROSIO,
2010, p. 397).
B) o hábito:
“A percepção é afetada também pelos automatismos mentais (hábito)
presentes em toda pessoa e que impedem a testemunha de depor sobre a presença ou
ausência de outros detalhes do fato que lhe passaram totalmente despercebidos (MIRA Y
LÓPEZ, 2009). Além disso, o hábito faz com que a testemunha descreva os fatos mais
como costumam acontecer do que como podem ter ocorrido na realidade. Por mais que
queiramos não podemos subtrair-nos à ação de nossos automatismos mentais e, em
virtude do hábito, completamos de tal modo as percepções da realidade exterior que basta
que se encontrem presentes alguns de seus elementos para que nosso juízo de realidade
se dê por satisfeito e aceite a presença do todo (MIRA Y LÓPEZ, 2009)” (AMBROSIO,
2010, pp. 397-398).
Na prática, o que esse automatismo mental pode gerar?
Ele “…faz com que as testemunhas tenham dificuldade para dizer a cor da
roupa ou do sapato do envolvido no fato, se a pessoa trazia um anel, se havia mancha na
roupa, se um objeto mudou de lugar, bem como se houve mudança de caráter ou de
conduta pelas pessoas com quem se convive habitualmente, pois a menos que se focalize
de forma intencional em uma determinada situação ou estímulo, a percepção tende a ser
efetuada pelas lembranças que armazenamos dos acontecimentos” (AMBROSIO, 2010,
p. 398).
C) O estresse elevado em situações de violência:

108
Eles tendem a diminuir a capacidade de captação das informações, pois a
pessoa estava com a atenção voltada à própria defesa, o que também pode prejudicar a
qualidade do testemunho” (AMBROSIO, 2010, p. 398).
D) Substâncias químicas:
Elas “afetam a consciência e, consequentemente, a apreensão da realidade”
(AMBROSIO, 2010, p. 398)”.
E) A intimidade com uma pessoa muda a percepção acerca de modificação
de caráter ou conduta
Essa mudança “…pode ser notada antes pelas pessoas que não têm intimidade
do que pelos parentes do indivíduo, uma vez que estes, por seu maior hábito em lidar com
ele, levarão mais tempo em desligar-se do conceito que dele formaram…” (AMBROSIO,
2010, p. 398).

MEMÓRIA

O que é a memória?
Consiste em “…mecanismos psíquicos responsáveis pelo armazenamento das
representações (de informações e experiências vividas), possibilitando sua fixação,
retenção e posterior evocação” (AMBROSIO, 2010, p. 398)
O que influencia o processo de armazenamento das informações?
As condições orgânicas” (AMBROSIO, 2010, p. 399). Convém afirmar ainda
que “…as informações e representações continuam a sofrer atuação de outros fatores,
como as crenças, padrões, experiências vividas, novas informações, dentre outros”
(AMBROSIO, 2010, p. 399).
O que influencia o processo de armazenamento das informações?
Ele é “profundamente influenciado pelas tendências afetivas” (AMBROSIO,
2010, p. 399).
O fator tempo na evocação das lembranças:
Obviamente, quanto maior o lapso temporal decorrido entre o fato e o
testemunho, verifica-se “uma diminuição no grau de retenção das informações à medida
que o tempo passa. Assim, quanto mais tempo transcorreu, menos preciso tende a ser o
testemunho” (AMBROSIO, 2010, p. 401).
Qual a influência da idade da testemunha?

109
“…nem as crianças, nem os velhos são testemunhas dignas de confiança
(MIRA Y LÓPEZ, 2009). As crianças são extremamente sugestionáveis e os idosos
tendem a se recordar mais facilmente do passado remoto do que do passado recente”
(AMBROSIO, 2010, p. 401).

110
A avaliação da credibilidade do testemunho constituiu nas últimas décadas
uma das áreas de maior interesse nas pesquisas sobre a memória do testemunho. Desde
cedo estas pesquisas apontaram para o facto de a memória ser muito propensa ao erro
em virtude da existência de vários fatores que contribuem para que ocorram as
denominadas falsas memórias, sendo a deterioração que se produz na mesma um dos
fatores mais conhecidos e estudados (Rodrigues & Albuquerque, 2007; Santos & Stein,
2008).
Contudo, pela sua importância em contexto criminal, uma parte
significativa da investigação sobre a inexatidão da memória tem vindo a dedicar-se ao
estudo do grau de confiança depositado pelos sujeitos no seu testemunho. De uma
revisão bibliográfica sobre esta matéria constatamos que os vários estudos, usando
como tarefa a identificação de pessoas (Deffenbacher, 1980; Leippe, Wells, & Ostrom,
1978; Weber & Brewer, 2006), não tiveram resultados consistentes.
As pesquisas já realizadas podem ser classificadas em dois polos opostos:
as que defendem que existe uma relação positiva entre confiança e exatidão (Brigham
& Bothwell, 1983; Nolan & Markham, 1998; Noon & Hollin, 1987; Odinot, Wolters,
& Giezen, 2013; Sporer, Penrod, Read, & Cutler, 1995) e as que referem que pouca ou
nenhuma relação existe entre confiança e exatidão (Ames, Kammrath, Suppes, &
Bolger, 2010; Kassin, Ellsworth, & Smith, 1989; Kassin, Tubb, Hosch, & Memon,
2001; Odinot, Wolters, & Koppen, 2009; Perfect, Watson, & Wagstalf, 1993). Porém,
apesar das muitas investigações já realizadas, continuamos a assistir a uma grande
divergência de opiniões entre os estudiosos do testemunho e os atores do processo
judicial.
Existe um número elevado de juízes que acreditam que a confiança que a
testemunha expressa no seu relato é um fator decisivo na apreciação que fazem do caso
e, por conseguinte, na credibilidade do testemunho (Leippe, Manion, & Romanazyk,
1992; Lindsay, Wells, & Reumpel, 1981). (Wise e Safer 2004), por exemplo,
entrevistaram juízes sobre este assunto e verificaram que 34% dos entrevistados
admitiram que, durante o julgamento, a confiança de uma testemunha é um bom
prenúncio da exatidão das suas declarações. (Levett e Kovera 2009) também referiram
que é frequente no meio forense acreditar-se que uma memória detalhada e segura dos
factos é mais credível.
Apesar dos muitos estudos já realizados podemos constatar que a
investigação sobre a relação C-E continua a suscitar interesse, nomeadamente no que
se refere ao papel das emoções nessa relação. Mas também a literatura revisitada sobre
o efeito de alerta na memória apresenta resultados mistos (Christianson, 1992;
Deffenbacher, 1983; Kensinger, 2004; Lindsay, 1994; Loftus, 1979, 2005; McNeely,
Dywan, & Segalowitz, 2004; Reisberg & Heuer, 2004) pois, dependendo da
intensidade da sua ativação e da forma como os sujeitos a vivenciam, as emoções
podem ter efeitos positivos ou negativos na memória.
As abordagens iniciais (Lei de Yerkes-Dodson, 1908) consideraram que
existe uma função em forma de U invertido entre desempenho e excitação, e, como tal,
baixos e altos níveis de excitação foram associados a efeitos prejudiciais na memória.
(Christianson 1992) veio rejeitar esta abordagem, tendo concluído que a memória para
os detalhes centrais é reforçada pelo aumento da emotividade, enquanto a memória para
os detalhes periféricos é prejudicada. Outras pesquisas (Yuille & Cutshall, 1986) têm
demostrado como o stresse, por exemplo, atua sobre a memória das testemunhas
oculares, tendo sido verificado, num estudo com testemunhas oculares de uma situação

111
de crime real, que as pessoas que sofreram mais stresse foram as que lembraram mais
detalhes, não obstante o estudo não referir a qualidade dessa evocação.
Embora sabendo que a ativação emocional é uma característica dos
acontecimentos reais, os estudos já realizados nas últimas três décadas pouco
conhecimento nos revelam sobre os efeitos da emoção na relação C-E, sobretudo
aquando da visualização de imagens reais com carga emocional. Com efeito, alguns
estudos sugerem que emoções como a tristeza ou o stresse provocam um maior número
de erros (Deffenbacher, Bornstein, Penrod, & McGorty, 2004) e que a precisão da
memória diminui com o aumento da excitação. Contudo, (Christianson 1992) obteve
conclusões diferentes, argumentando que não havia evidências para apoiar a noção de
que o stresse emocional debilita a memória da testemunha ocular. Além disso,
argumentou que a Lei de Yerkes-Dodson não é uma descrição adequada para a relação
entre o stresse emocional e a fidelidade da memória da testemunha ocular. Este autor
sugeriu que a memória para eventos emocionais negativos é melhor do que para eventos
neutros e que uma melhor memória para os detalhes centrais se deve ao facto de que os
acontecimentos com carga emocional negativa causam uma maior focalização da
atenção e, por conseguinte, um aumento dos detalhes dentro desse foco de atenção.
Estudos mais recentes (Sharot, Martorella, Delgado, & Phelps, 2007;
Talarico & Rubin, 2003) sugerem que a emoção aumenta a sensação subjetiva da
lembrança, isto é , o facto de se vivenciar um evento com carga emocional faz criar
uma sensação de confiança na exatidão da memória. De igual modo, alguns estudos
sobre as denominadas memórias cintilantes (flashbulb memories) sugerem que a
maioria das pessoas possui elevados níveis de confiança para este tipo de memórias
detalhadas de factos com carga emocional, embora os detalhes das suas memórias
sejam incorretos (Loftus & Bernstein, 2005; Talarico & Rubin, 2003). Estes autores
estudaram a memória que estudantes universitários tinham sobre o 11 de Setembro de
2001 e concluíram que não existia grande diferença entre a memória dos detalhes deste
acontecimento e dos de outro evento qualquer, apesar do stresse causado por aquele
acontecimento.
Também nos estudos sobre a modelação da memória para a informação
contextual provocada pela emoção (Mather, 2007) apresentaram resultados
inconsistentes. Referem que a emoção não faz aumentar a memória para os detalhes
contextuais, o que parece ser inconsistente com uma grande parte da literatura que
indica que a emoção aumenta a exatidão da memória. Vários pesquisadores defenderam
que as memórias para acontecimentos emocionais da vida das pessoas (casamento,
nascimento ou morte de um parente, uma doença, etc.) estavam imunes à contaminação
(Brown & Kulik, 1977). Contudo, passados 40 anos, os estudiosos da memória do
testemunho estão convictos que este tipo de memórias emocionais não são
impermeáveis à distorção e ao esquecimento quando se apela ao detalhe, sendo que
estudos mais recentes (Mather, 2007; Reisberg, & Heuer, 2004) têm sugerido que as
pessoas estão mais predispostas a lembrar detalhes visuais dos itens negativos
comparados com os neutros. Isto quer dizer que as emoções negativas aumentam mais
a exatidão da memória do que as emoções positivas, à semelhança dos achados de
(Rimmele et al. 2011). Estes pesquisadores apresentaram fortes evidências de que
estímulos negativos estão associados a lembranças mais confiantes que estímulos
neutros, mas com uma menor acurácia na lembrança do detalhe contextual.
Podemos, pois, concluir que não há consenso sobre a melhor forma de
caracterizar os tipos de informação incrementada pelas emoções, continuando a existir

112
discussão sobre o facto de as emoções melhorarem os detalhes a serem lembrados em
detrimento das memórias não emocionais (Denburg, Buchanan, Tranel, & Adolphs,
2003; Kensinger, Garoff-Eaton, & Schacter, 2007; Soleti, Curci, Bianco, & Lanciano,
2012). Estudos com neuro-imagem indicaram que os itens emocionais podem ser
associados a uma baixa atividade visual (Dolcos, LaBar, & Cabeza, 2005; Fenker,
Schott, Richardson-Klavehn, Heinze, & Duzel, 2005; Sharot, Delgado, & Phelps,
2004), havendo evidência de que as memórias emocionais não contêm o mesmo detalhe
percetual das não emocionais (Sharot et al., 2004). Também (Kensinger e Schacter
2006) concluíram que a emoção não tem qualquer efeito na habilidade dos sujeitos para
lembrarem, mas, por outro lado, (Soleti et al. 2012) mostraram que quando as
testemunhas vivenciam acontecimentos com carga emocional, esta carga emocional
pode, mais tarde, comprometer a exatidão do seu testemunho.
A literatura aqui revisitada mostra-nos que os estudiosos do testemunho
ainda têm uma visão pessimista da relação entre confiança e exatidão do testemunho
mas que, por outro lado, os operadores do sistema judiciário continuam a acreditar que
a confiança é um bom indicador da exatidão, ou seja, da qualidade do testemunho.
Tomando como ponto de partida esta dicotomia de posições, pretendemos
refletir sobre os seguintes pressupostos: que tipo de relação existe entre confiança e
exatidão durante um testemunho; qual o grau de confiança que os sujeitos depositam
na informação verdadeira e na informação falsa introduzida pós-evento e quais as
emoções que constituem um facilitador na recuperação correta da informação e na
confiança do sujeito (REIS; HORTA, 2015, pp. 231-232).

113
O que é uma amnésia emocional?
Ela decorre “de um profundo abalo emocional e que torna a pessoa incapaz
de se lembrar da situação perturbadora. Em geral, as pessoas tendem a esquecer
acontecimentos que estejam relacionados a emoções desagradáveis ou dolorosas (ódio,
horror, remorso, etc.), funcionando o esquecimento como defesa psíquica” (AMBROSIO,
2010, p. 399)
O que é a repressão?
Ela ocorre “…quando fatos e acontecimentos são expulsos da consciência.
Quando ocorre a repressão (processo inconsciente), a evocação das lembranças se faz de
maneira distorcida e incompleta, afastando em muito os fatos da realidade, pois a
tendência natural do indivíduo é complementar essas lembranças fragmentadas com
associações lógicas que já se encontram em seu psiquismo” (AMBROSIO, 2010, p. 399).
Nessas circunstâncias, qual deve ser a postura do Juiz?
“Em situações de emoção profunda de nada adianta o juiz forçar ou ameaçar
a testemunha para prestar esclarecimentos sobre determinados fatos, pois os detalhes
podem ter sido esquecidos involuntariamente. Acreditam os juízes que quanto mais
emotiva e intensa for a situação, mais a testemunha se recordará dos detalhes do fato, mas
o que ocorre é justamente o inverso, pois o que se observa é a atuação de mecanismos
psíquicos inconscientes do indivíduo que impõem o esquecimento de fatos traumáticos e
dolorosos. Nessas condições, quanto mais esforço fizer a testemunha para vencer esse
esquecimento, mais firme este se tornará” (AMBROSIO, 2010, p. 400).
Efeitos dos estados emocionais sobre a memória (AMBROSIO, 2010, pp.
400-401).
a) recuperação lacunar das informações (a mente elimina conteúdos que
trariam dor ou desconforto);
b) ampliação de atributos (recorda-se de algo ruim como pior do que
realmente foi e de algo de bom como extremamente melhor);
c) fixação das recordações nos aspectos desagradáveis dos acontecimentos;
d) distorção da interpretação dos acontecimentos, por omissão de aspectos
relevantes, ampliação de detalhes pouco significantes ou combinação desses elementos;
e) desvanecimento dos traços de memória com o passar do tempo;
f) interferências entre conteúdos, os relatos misturam eventos e suas
consequências;

114
g) incorporação de fantasias às recordações, particularmente nas narrativas de
graves conflitos que se prolongaram por muito tempo;
h) preenchimento de hiatos de memória com suposições plausíveis, fenômeno
corriqueiro mesmo em narrativas de incidentes sem maiores consequências.

Expressão do fato

Considerando que
a) “são raras as pessoas que conseguem observar com precisão os fatos,
mantê-los exatos em sua mente e reproduzi-los com fidelidade por meio do processo da
evocação voluntária” (AMBROSIO, 2010, p. 401);
b) que “os indivíduos não possuem inteligência verbal para exprimir de forma
exata suas vivências” (AMBROSIO, 2010, p. 401); e
c) que “são poucas as pessoas que conseguem descrever bem em palavras
tudo quanto perceberam da realidade exterior” (AMBROSIO, 2010, p. 401)
Qual deve ser a postura do magistrado?
“o julgador deve intervir o mínimo possível no depoimento da testemunha,
pois toda resposta ou é imantada pelas tendências afetivas do interrogado ou é produto de
lembranças fragmentadas, preenchidas por deduções lógicas do indivíduo, ou, ainda, é
equivocada em razão do medo sentido pela testemunha com a pergunta” (AMBROSIO,
2010, p. 401)”.
Quais são os fatores que afetam a expressão do fato?
A) o ambiente do interrogatório: “Se o ambiente da sala de audiências se
apresenta desagradável até para operadores do Direito, para aqueles que não estão
acostumados ao meio forense, esse ambiente se apresenta ainda mais ameaçador. Assim,
a qualidade do testemunho passa pela existência de um ambiente tranquilo, onde a
testemunha se sinta acolhida para relatar os fatos que presenciou” (AMBROSIO, 2010,
p. 402).
Além de compreender os interesses, intenções, sentimentos e processos
inconscientes que interferem no testemunho, o interrogador deve perceber que muitas
testemunhas necessitam se sentir protegidas no ambiente da sala de audiências, enquanto,
para outras, uma conversa prévia ao depoimento é suficiente para libertá-las de eventuais
medos e receios. A figura do juiz desperta no imaginário popular sentimentos de respeito,

115
receio e admiração, tal fato deve ser percebido pelo magistrado e utilizado, com outros
mecanismos psicológicos, para não aumentar ainda mais o desequilíbrio emocional da
testemunha” (AMBROSIO, 2010, p. 405).
B) os tipos de perguntas:
C) a linguagem usada entre interrogador e testemunha: “É comum a utilização
em interrogatórios de expressões e construções linguísticas próprias do Direito, mas tal
prática é desaconselhável, pois pode inibir ou confundir a testemunha. É recomendável a
utilização de expressões e palavras de fácil entendimento para a testemunha, estando o
interrogador sempre atento ao grau de maturidade e experiência da pessoa. Detalhes
técnicos devem ser exigidos apenas dos profissionais da área e jamais de pessoas leigas
no assunto, até porque aqueles têm mais facilidade de observar e reter detalhes atinentes
ao seu campo de especialização” (AMBROSIO, 2010, p. 402).
Essas advertências não são aplicáveis, entretanto, para o que Graziella
Ambrosio chama de “pessoas imorais ou amorais”, pois elas “não se intimidam com o
ambiente da sala de audiências ou com a forma como são elaboradas as perguntas, nem
com as características do interrogador. Mira y López (2009) esclarecem que as
testemunhas mais morais são precisamente as que costumam impressionar-se mais diante
das ameaças e da severidade e cerimonial que se desenvolvem durante o interrogatório,
ao passo que os imorais ou amorais não reagem nem pouco nem muito perante ele. Tais
indivíduos, segundo esses autores, não se impressionam diante de ameaças no
interrogatório, nem com o cerimonial do ambiente forense. Quanto a essas testemunhas
de pouca valia, é necessária a análise da linguagem não verbal, pois será muito difícil ao
interrogador identificar se o depoente está mentindo” (AMBROSIO, 2010, pp. 403-404).
Estratégias judiciais
a) “O desequilíbrio emocional acentua-se quando a testemunha não encontra
a melhor forma de se expressar, ou seja, não concatena as ideias ou as palavras lhe fogem
à mente. Uma testemunha desequilibrada e fragilizada é potencial vítima de manipulação
pela parte interessada, devendo o interrogador estar atento a esse fato e não permitir a
exploração do testemunho com vistas à distorção da realidade dos fatos pela pura emoção
do observador” (AMBROSIO, 2010, p. 402).
b) “Uma boa estratégia para o interrogador é valer-se do silêncio
(TRINDADE, 2009), aguardando que a própria testemunha inicie ou prossiga seu
depoimento, pois o relato espontâneo tende a ser menos deformado, tendo em vista que

116
gera menos conflito, além do que, normalmente, revela a linha de pensamento da
testemunha, permitindo ao interrogador descobrir o que está por trás de seu testemunho”
(AMBROSIO, 2010, p. 402).
A estratégia do silêncio é sempre positiva?
Não: “…o relato espontâneo tende a ser menos deformado que o obtido por
interrogatório, mas pode se apresentar, por outro lado, irregular ou incompleto e até
fornecer dados inúteis para o processo. Já o testemunho obtido por interrogatório costuma
fornecer dados mais concretos, porém menos exatos, via de regra, que os do relato
espontâneo, pois é o resultado do conflito entre o que o indivíduo sabe, de um lado, e o
que as perguntas que se lhe dirigem tendem a fazê-lo saber” (AMBROSIO, 2010, pp.
402-403).
c) “As perguntas que iniciam com pronomes interrogativos (ex: Como?
Quando? Onde? Quem? Por quê? O quê?) são as mais indicadas, pois são consideradas
imparciais (MIRA Y LÓPEZ, 2009). Perguntas que induzem a testemunha a responder
conforme esperado pelo interrogador, ou que partem do pressuposto que a testemunha já
conhece outros fatos ou, ainda, impõem ao depoente decidir entre duas opções com
exclusão de todas as outras, devem ser evitadas, pois acarretam maior inclinação para o
erro pela testemunha” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Quais as linguagens não verbais?
“…olhares, gestos, rubor da pele, suor, mãos trêmulas, movimento das pernas
e pés, postura, etc” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Qual a utilidade de estar atento à linguagem não verbal?
“Esses sinais externos da testemunha podem auxiliar o interrogador para
detectar se ela realmente conhece os fatos, se foi instruída a depor ou se está mentindo. A
fala e os gestos ainda podem denunciar crenças arraigadas e esquemas de pensamento
(ex: sindicalista não é confiável; empregador é desonesto; isso é coisa de mulher; todo
homem é safado) que afetam o testemunho do indivíduo, pois atuam diretamente na
interpretação dos fatos presenciados” (AMBROSIO, 2010, p. 403).
Advertências em relação às perguntas realizadas por terceiros:
a) “perguntas argumentativas, desacreditadoras, insinuadoras e sugestivas,
via de regra, devem ser indeferidas pelo interrogador, pois tencionam conduzir,
desqualificar ou desequilibrar emocionalmente a testemunha” (AMBROSIO, 2010, p.
403);

117
b) “questões confrontadoras podem ser indeferidas dependendo do tom ou do
modo em que forem feitas, ao passo que perguntas interpretativas, normalmente, não são
muito úteis ao deslinde da controvérsia e questionamentos exploratórios podem ser
necessários para aferir o grau de conhecimento da testemunha sobre o fato”
(AMBROSIO, 2010, p. 403).
A despeito da estratégia jurídica, a melhor forma de se aferir a imparcialidade
do testemunho “…é a análise prévia do tipo de personalidade e das relações afetivas da
testemunha…” (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Uma pergunta necessária: qual a intenção do testemunho? “Vingança,
compaixão, afeto, amizade, egoísmo”? (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Nesse contexto, a estratégia do interrogador consiste em evitar “de fazer
perguntas diretamente relacionadas ao acusado ou à conduta delituosa, limitando-se a
questionar sobre os chamados fatos secundários (método centrípeto), no intuito de
desvincular a testemunha de sua intenção nobre para com o acusado e, assim, obter um
caminho para o esclarecimento dos fatos principais”
A testemunha “boazinha”:
“Se a testemunha estiver imbuída de sentimentos nobres, como o afeto, a
generosidade ou a compaixão, deverá o interrogador criar nela a convicção de que um
depoimento parcial poderá prejudicar a pessoa a quem pretende beneficiar. Deve o
interrogador advertir que o melhor é dizer a verdade exata quando do esclarecimento dos
fatos, pois uma pequena mentira, proferida no afã altruísta, pode colocar em descrédito
toda a descrição verdadeira dos fatos” (AMBROSIO, 2010, p. 404).
Quais os erros que ocorrem no testemunho? (AMBROSIO, 2010, pp. 405-
406).
a) erro de percepção: decorrente de tendências afetivas, distorções psíquicas
involuntárias, automatismos mentais, estresse, violência;
b) erro de memória: decorrente de condições orgânicas, estado de espírito do
observador, crenças, novas informações, emoções dolorosas, repressão;
c) erro de expressão: decorrente de falta de inteligência verbal, do ambiente
da sala de audiência, dos tipos de perguntas, da linguagem usada entre interrogador e
testemunha.

118
REFERÊNCIAS
Ambrosio, Graziella. Psicologia do testemunho. Revista de Direito Econômico e
Socioambiental. Curitiba, v. 1, n. 2, p. 395-407, jul./dez. 2010.

BRITO, Leila Maria Torraca de. Anotações sobre a Psicologia jurídica. Psicologia:
Ciência e Profissão. Brasília , v. 32, n. spe, p. 194-205, 2012.

BUCHER-MALUSCHKE, Júlia Sursis Nobre Ferro. Revisitando questões sobre lei,


transgressão e família em suas interações com a psicologia, a psicanálise, o direito e a
interdisciplinaridade possível. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 23, n. spe, p. 89-
96, 2007.

GRANJEIRO, Ivonete Araújo Carvalho Lima; COSTA, Liana Fortunato. O estudo


psicossocial forense como subsídio para a decisão judicial na situação de abuso sexual.
Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 24, n. 2, p. 161-169, jun. 2008.

LAGO, Vivian de Medeiros et al. Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil e


seus campos de atuação. Estudos de Psicologia. Campinas. v. 26, n. 4, p. 483-491, Dec.
2009.

LAGO, Vivian de Medeiros; BANDEIRA, Denise Ruschel. A Psicologia e as demandas


atuais do Direito de família. Psicologia: Ciência e Profissão. Brasília, v. 29, nº. 2, p. 290-
305, 2009.

ORTIZ, Marta Cristina Meirelles. A constituição do perito psicólogo em varas de família


à luz da análise institucional de discurso. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 32, n.
4, p. 894-909, 2012

Perucchi, J.; Toneli, M. J. F. Aspectos políticos da normalização da paternidade pelo


discurso jurídico brasileiro. Revista Psicologia Política. 8(15), 139-156. 2008.

REIS, Maria Anabela Bento Marinho Nunes; HORTA, Maria Purificação. O papel das
emoções na relação confiança-exatidão do testemunho. Psicologia USP. São Paulo, v. 26,
n. 2, p. 231-239, ago. 2015.

SIGLER, Rosana et al. A escuta Psicanalítica em um contexto de atendimento


interdisciplinar. Psicologia: Ciência e Profissão. vol.31, nº 1 Brasília, 2011.

A ESCUTA PSICANALÍTICA:
“O objetivo desse atendimento – identificar a problemática inconsciente –
pode ser traduzido na busca pelo reconhecimento de fantasias, defesas e conflitos de
natureza inconsciente, sem uma limitação pré-estabelecida em torno de quaisquer
temáticas, nem mesmo a da guarda do filho. A supervisora do atendimento, outra autora
deste artigo, partiu do pressuposto de que a oferta de um espaço sigiloso e livre de

119
julgamentos e pedidos da equipe ou da estagiária para sua tomada de decisão facilitaria a
emergência dos conteúdos inconscientes e, em consequência, de posicionamentos e
desejos da usuária em relação a sua vida, de forma geral, inclusive com relação à guarda
do filho. No entanto, o objetivo do atendimento não foi, de modo algum, a busca por esse
posicionamento específico, pois essa busca, do ponto de vista psicanalítico,
comprometeria a natureza e os objetivos do atendimento, podendo enviesar os conteúdos
psíquicos emergentes.
Para identificar a problemática inconsciente, é preciso disponibilizar uma
forma especial de escuta. A escuta psicanalítica, pode-se dizer, está relacionada a um
funcionamento mental especial que foi definido por Freud em seus artigos sobre a técnica
(Freud, 1912/2010). Esse funcionamento mental mobiliza as funções da atenção e da
memória de um modo pouco usual: “Manter toda influência consciente longe de sua
capacidade de observação e entregar-se totalmente à sua ‘memória inconsciente', ou
expresso de maneira técnica: escutar e não se preocupar em notar alguma coisa” (p.150).
Esse funcionamento mental especial corresponde ao estado de atenção flutuante. Ainda
no mesmo artigo, Freud esclarece a respeito da técnica: “(que) Consiste apenas em não
querer notar nada em especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma atenção flutuante,
segundo a expressão que usei” (Freud, 1912/2010, p.149). A escuta psicanalítica envolve,
ainda, a capacidade de deixar que o analisando associe livremente, ou seja, que diga o
que lhe ocorre à mente, sem censura” (SIGLER, 2011, pp. 182).
A QUESTÃO DA VERDADE
PRESSUPOSTO:
O perito tem um papel importante na produção de provas e de verdade pela e
para a instituição judicial, justamente porque as produz por meio de procedimentos
alheios aos que são meramente jurídicos. Estes últimos, os procedimentos do perito,
exigem uma expertise em relação à qual os demais agentes da cena judicial, incluindo
juízes, promotores e advogados, são leigos. Ao mesmo tempo, ao introduzir outro saber
na cena judiciária, o perito pode produzir efeitos nesse contexto que, de outro modo, não
ocorreriam. Entre esses efeitos, citamos certa desordem na transferência processual, além
de um desarranjo na triangulação entre partes e juiz. É aí que o saber próprio da Psicologia
se torna potente e que a transferência processual pode ser apontada e elaborada” (ORTIZ,
2012, p. 906).
Sobre a verdade:

120
“A perícia, como prova judicial, afirma-se em uma certa vontade de verdade
característica da instituição jurídica e, ao mesmo tempo, na intenção do perito de, como
coadjuvante da cena processual, nela produzir efeitos singulares. É importante que a
tomada da palavra pelo perito na produção do laudo acentue que o que se está produzindo
não é a Verdade, mas uma verdade relativa, a atribuição de um sentido possível ao conflito
configurado no processo” (ORTIZ, 2012, p. 907).
O exame de DNA ocupa um lugar privilegiado no âmbito dos exercícios de
poder por parte do discurso jurídico exatamente por tornar visível e atribuir um estatuto
de verdade ao que era, até então, suposição. Os desdobramentos políticos do uso dessa
tecnologia na esfera jurídica são inúmeros e complexos. A tese, defendida enfaticamente
em alguns enunciados da jurisprudência, da eficácia do DNA tem conseguido, por
exemplo, corroborar ou refutar os testemunhos acerca da índole da vida sexual de uma
mulher envolvida como “pólo passivo”, ou seja, quando não é ela a autora do processo,
nas investigações de paternidade (Perucchi; Toneli, 2008, p. 146).

COMENTÁRIO:
Sobre a psicologia judiciária, repete-se a dica da sociologia do direito.
A recente midiatização judicial e a disciplina passa a ser um tema bastante
relevante e passível de cair na sua prova. ATENÇÃO!!
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015)
estabelece uma ponte firme entre a psicologia e o direito. Muito embora não lide com as
questões de assédio moral e assédio sexual, lida com um problemas atual "da psicologia
com reflexos no direito", qual seja a avaliação da deficiência que "quando necessária, será
biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar" art. 2º, §1º.
Por fim, dentro do capítulo do "processo psicológico e a obtenção da verdade
judicial" (item 4), pode-se incluir a psicologia do testemunho e o denominado
"Depoimento sem Dano" que recebeu recentíssimo regramento na LEI Nº 13.431, DE 4
DE ABRIL DE 2017 (VOCÊ DEVE LER ESSA LEI!!).

121
C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA
NACIONAL

3. CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL:

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA

(Publicado no DJ, páginas 1 e 2, do dia 18 de setembro de 2008)

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

(Aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do dia 06 de agosto


de 2008, nos autos do Processo nº 200820000007337)

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no exercício da competência que lhe


atribuíram a Constituição Federal (art. 103-B, § 4º, I e II), a Lei Orgânica da Magistratura
Nacional (art. 60 da LC nº 35/79) e seu Regimento Interno (art. 19, incisos I e II);

Considerando que a adoção de Código de Ética da Magistratura é instrumento essencial


para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral;
Considerando que o Código de Ética da Magistratura traduz compromisso institucional
com a excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça e, assim,
mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário;

Considerando que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos,


pois lhe cabe também função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais
grupos sociais;
Considerando que a Lei veda ao magistrado "procedimento incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro de suas funções" e comete-lhe o dever de "manter conduta
irrepreensível na vida pública e particular" (LC nº 35/79, arts. 35, inciso VIII, e 56, inciso
II); e

Considerando a necessidade de minudenciar os princípios erigidos nas aludidas normas


jurídicas;

RESOLVE aprovar e editar o presente CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA


NACIONAL, exortando todos os juízes brasileiros à sua fiel observância.

122
CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1ºO exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste
Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência,
da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do
segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal,
da dignidade, da honra e do decoro.
Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às
leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores
democráticos.
Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a
dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a
justiça na relação entre as pessoas.

CAPÍTULO II

INDEPENDÊNCIA
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de
qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas
legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem
receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar
para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua
independência.
Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de
atividade político-partidária.

CAPÍTULO III

IMPARCIALIDADE
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com

123
objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância
equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.
Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes
igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.
Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:
I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se
assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;
II - o tratamento diferenciado resultante de lei.

CAPÍTULO IV

TRANSPARÊNCIA
Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos,
sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua
publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.
Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou
mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de
forma útil, compreensível e clara.
Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social,
comportar-se de forma prudente e eqüitativa, e cuidar especialmente:
I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus
procuradores;
II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos
judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.
Art. 13.O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada
e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de
qualquer natureza.
Art. 14.Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os
órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional.

CAPÍTULO V

124
INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade
jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função,
cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências
pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de
empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência
funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens
públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa
surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação
econômico-patrimonial.

CAPÍTULO VI

DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO
Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a
máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um
prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé
processual.
Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem
ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as
acumulações permitidas constitucionalmente.
§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o
exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial,
dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.
§ 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua
condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e
a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão

125
necessariamente no respeito à função judicial.

CAPÍTULO VII

CORTESIA
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do
Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos
quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Parágrafo único.Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida,
respeitosa e compreensível.
Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem
infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.

CAPÍTULO VIII

PRUDÊNCIA
Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que
sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os
argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.
Art. 25.Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma
cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.
Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou
críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições
anteriormente assumidas nos processos em que atua.

CAPÍTULO IX
SIGILO PROFISSIONAL
Art. 27.O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e
privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício
de sua atividade.

Art. 28.Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos

126
que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento,
eventualmente, antes do julgamento.

CAPÍTULO X

conhecimento e capacitação
Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem
como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de
um serviço de qualidade na administração de Justiça.
Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as
capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.
Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias
especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que
possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.
Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade
especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à
máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores
constitucionais.
Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos
outros membros do órgão judicial.
Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as
atividades que conduzem à formação judicial.
Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos
teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.

Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte
ofereça os meios para que sua formação seja permanente.

CAPÍTULO XI

DIGNIDADE, HONRA E DECORO


Art. 37.Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e
o decoro de suas funções.

127
Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de
acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência.
Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do
magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária
de qualquer pessoa ou instituição.

CAPÍTULO XII

DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 40. Os preceitos do presente Código complementam os deveres funcionais dos
juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais
disposições legais.
Art. 41. Os Tribunais brasileiros, por ocasião da posse de todo Juiz, entregar-lhe-ão um
exemplar do Código de Ética da Magistratura Nacional, para fiel observância durante
todo o tempo de exercício da judicatura.
Art. 42. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data de sua
publicação, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça promover-lhe ampla divulgação.

6. ADMINISTRAÇÃO JUDICIAL. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO.


MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO.
Nesse tópico, há uma ligação imensa com o primeiro item de sociologia.

COMENTÁRIO:
O Código de Ética da Magistratura Nacional é leitura obrigatória não somente
para esse item, mas porque ele trata de temas que comunicam com diversos outros
assuntos do edital.
Outra leitura obrigatória consiste na leitura recomendada é a Estratégia
Nacional do Poder Judiciário 2015–2020 no portal do CNJ:

ESTRATÉGIA NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO 2015–2020

128
A Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2015–2020, formulada com a contribuição de
magistrados e servidores e instituída pela Resolução n. 198/2014, de 1º de julho de 2014,
reflete premissas importantes para o processo estratégico de todo o Poder Judiciário.

São componentes da Estratégia Nacional do Poder Judiciário:

Missão do Poder Judiciário – Realizar Justiça.

Descrição – Fortalecer o Estado Democrático e fomentar a construção de uma sociedade


livre, justa e solidária, por meio de uma efetiva prestação jurisdicional.

Visão do Poder Judiciário – Ser reconhecido pela sociedade como instrumento efetivo
de justiça, equidade e paz social.

Descrição – Ter credibilidade e ser reconhecido como um Poder célere, acessível,


responsável, imparcial, efetivo e justo, que busca o ideal democrático e promove a paz
social, garantindo o exercício pleno dos direitos de cidadania.

Atributos de valor para a sociedade

Credibilidade
Celeridade
Modernidade
Acessibilidade
Transparência e Controle Social
Responsabilidade Social e Ambiental
Imparcialidade
Ética
Probidade

Macrodesafios do Poder Judiciário

Efetividade na prestação jurisdicional


Garantia dos direitos de cidadania
Combate à corrupção e à improbidade administrativa
Celeridade e produtividade na prestação jurisdicional
Adoção de soluções alternativas de conflito
Gestão das demandas repetitivas e dos grandes litigantes

129
Impulso às execuções fiscais, cíveis e trabalhistas
Aprimoramento da gestão da justiça criminal
Fortalecimento da segurança do processo eleitoral
Melhoria da Gestão de Pessoas
Aperfeiçoamento da Gestão de Custos
Instituição da Governança Judiciária
Melhoria da Infraestrutura e Governança de TI

130
D) FILOSOFIA DO DIREITO

1. O conceito de Justiça. Sentido lato de Justiça, como valor universal. Sentido estrito
de Justiça, como valor jurídico-político. Divergências sobre o conteúdo do conceito.

CONCEITO DE JUSTIÇA

Casey Baumer
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Los Angeles, CA 94043

JUSTIÇA COMO RETRIBUIÇÃO

“A ideia de justiça é certamente o ponto de partida não apenas para a História


do Direito, como também para o despertar da reflexão ética, nos primeiros tempos da vida
histórica. Desde as sociedades mais primitivas, sempre houve a preocupação de instaurar
normas e fixar princípios que assegurassem não apenas a ordem, como também a
sobrevivência dos grupos humanos. Primeiro, os homens descobriram suas diferenças
individuais. Depois, notaram ser impossível fundar sobre essas diferenças suas normas de
conduta. E foi assim que chegaram a descobrir a necessidade de buscar um princípio que
ficasse acima dessas diferenças. Dessa forma, a noção de justiça surgiu da necessidade de
instaurar normas capazes não apenas de fixar os limites do uso da força e do exercício do
poder, como também de restabelecer o equilíbrio nas relações entre as pessoas.
(PISSARRA, Maria Constança Peres. Apresentação. In: PISSARRA, Maria Constança
Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atalas, 2007, p. vii).

“Desde Aristóteles, a justiça tem sido entendida como ordem universal, seja
mediante a comutação (as ações e reciprocidade e de equilíbrio equitativo), seja mediante
a redistribuição (as ações de proporcionalidade e do estabelecimento de méritos). No
sentido objetivo, sociopolítico, a ordem universal idealizada do que é justo é critério
superior do princípio normativo da ação individual, da ação dos grupos e da ação das

131
instituições, é um direito conforme uma norma, seja esta natural, divina ou positiva. No
sentido prático, o justo é o ideal equitativo dos direitos e dos deveres, da precisão e do
rigor, da justeza das ações. No sentido subjetivo, o justo é uma atividade moral, é o
proceder que não está baseado em uma inclinação (amor, amizade, benevolência,
simpatia), nem em uma obrigação para com o outro (virtude). É a medida de justificação
das regras de convivência. Uma norma ideal que aspira estabelecer ou restabelecer uma
ética. Resulta da crítica moral, que não se guia por nenhum rancor, por nenhum favor,
mas por princípios formais. É sobre essa última concepção, da justiça como fundamento
das regras de convivência, como norma fundada em princípios racionais, que Rawls erige
o seu edifício teórico. A justiça é uma invenção social que encerra um conceito, mas que
admite muitas interpretações de como esse conceito se aplica na prática. Por isso, carece
de uma teoria, de um processo lógico que estabeleça o conteúdo e a ordenação dos seus
princípios normativos” (THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a
economia moral da justiça. Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília
Sept./Dec. 2011).

I.SOBRE OS DIFERENTES ENFOQUES

I. Quem ler o conceito de justiça em “diferentes autores, provavelmente


perceberá um fato surpreendente apenas à primeira vista: por certo, todos falam de
questões de justiça, mas, ao mesmo tempo, referem-se a coisas diferentes entre si.
Poderíamos ter a sensação de estar presos num emaranhado semântico, que nos levaria a
pensar que o termo “justíça” tem vários significados incompatíveis entre si. E, por fim,
poderíamos considerar que quem estiver em busca de um percurso unitário e
razoavelmente coerente poderia simplesmente ser vítima de uma ilusão verbal.
Enganados pela identidade da palavra, iríamos, assim, procurar por conceitos que, ao
contrário da palavra, não possuem identidade entre si” Maffetone, Sebastiano; Veca,
Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão
da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. XV).

II. “Assim como a ideia de justiça fez parte da evolução histórica do


pensamento ocidental, também a história do pensamento ocidental passou por diversas
interpretações a seu respeito. Seria mesmo possível dizer que há uma história da noção

132
de justiça ao longo da história do mundo ocidental” (PISSARRA, Maria Constança Peres.
Apresentação. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento
(coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. viii).

NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO

1. Em algumas passagens do primeiro e do segundo livro da República, Platão


enfoca a natureza do problema, e formula indagações que, “doravante, destinam-
se a permanecer fundamentais e recorrentes para a pesquisa sobre a ideia de
justiça. O ambiente do diálogo platónico é célebre. A discussão trata da definição
do justo e da justiça e se desenvolve como uma longa e complexa confutacão da
tese de Trasímaco, segundo a qual a justiça consiste na vantagem do mais forte.
No decorrer do diálogo, toma forma uma segunda indagação, distinta, mas não
independente da primeira, que concerne à racionalidade da justiça: se e por que
devemos ser justos. A questão sobre a coerência entre interesse pessoal e prática
da justiça impõe uma terceira indagação, que se refere à natureza da justiça como
bem: que tipo de bem ela constitui e as razões que a tomam desejável” (Maffetone,
Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução
Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 3).

2. A resposta seria a construção do modelo da “ótima república”. Essa solução é


baseada no equilíbrio entre a dimensão pessoal (psique) e a interpessoal (polis):
“A leitura do texto pode sugerir a relevância, para uma teoria da justiça, da
conexão entre a estabilidade da vida coletiva e o senso de justiça dos indivíduos.
Uma sociedade bem-ordenada, em que é respeitado e preservado no tempo o
equilíbrio entre as classes sociais, pressupõe indivíduos que vivem
harmoniosamente e vice-versa” (Maffetone; Veca, 2005, p. 4).

3. “…a filosofia tem sua origem na reflexão sobre a justiça. Não foi por acaso que a
obra de Platão sobreviveu tantos séculos. Seu principal objetivo consistiu em
buscar nas raízes da natureza humana um fundamento pelo qual fosse possível
encontrar na justiça o sentido mais profundo da existência humana” (PISSARRA,
133
Maria Constança Peres. Apresentação. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. vii).

4. “A justiça ocupa um lugar especial no panteão das virtudes. Os antigos


frequentemente a concebiam como a virtude mestra, aquela que ordena todas as
outras. Para Platão, a justiça tinha exatamente esse estatuto abrangente. O
indivíduo justo, ele nos diz n'A república, é aquele em quem as três partes d'alma
- a racional, a irascível e a apetitiva - e as três virtudes correspondentes - sabedoria,
coragem e temperança - relacionam-se corretamente entre si. A justiça na cidade
é, precisamente, análoga à individual. Na cidade justa, cada classe efetua sua
virtude específica ao realizar a tarefa apropriada à sua natureza, sem interferir nas
demais. A parte racional e sábia desempenha a função do governo, a irascível e
corajosa encarrega-se da defesa, e o resto, os desprovidos de inteligência, porém
capazes de temperança, cultivam a terra e realizam trabalho manual. A justiça é o
equilíbrio harmonioso entre esses três elementos constituintes. A maioria dos
filósofos modernos rejeita os pormenores da visão platônica. Quase ninguém crê,
hoje em dia, que a cidade justa é rigidamente estratificada, com três classes
permanentes - a governante, a militar e a trabalhadora -, cujas vidas diferem entre
si de maneira gritante” (FRASER, Nancy. Sobre justiça: lições de Platão, Rawls
e Ishiguro. Revista Brasileira de Ciência Política. no.15 Brasília. p. 265-277.
Sep./Dec. 2014).

NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO

4. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetuer adipiscing elit

JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM ARISTÓTELES

I.Observações gerais

No livro V da Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta a célebre classificação dos


tipos de justiça e dos diferentes âmbitos a que eles se aplicam. Como se sabe, essa

134
classificacão exerceu uma influência permanente nas teorias da justica a partir de
então. Encontramos aqui, entre outras coisas, a distinção entre a justiça entendida
como respeito à lei e a justiça entendida como equidade. Esta última, por sua vez,
analisada nas diferentes esferas da distribuição, da retificacão ou regulação, e da
troca ou comutação. A leitura do texto de Aristóteles pode sugerir, em primeiro
lugar, a relevância, para uma teoria da justiça, da variedade de problemas que
podem ser discutidos sob o mesmo rótulo. A justiça na distribuição de honras e
ónus, de renda e status, é diferente da justiça como retificação jurídica nos casos
em que estão em jogo o dano e a vantagem. De resto, ambos diferem da justiça
que governa as transações econômicas entre indivíduos livres (por sua vez,
diferente, para Aristóteles, da justiça doméstica e despótica do pai e do patrão).
Se aceitarmos esse tipo de classificação, podemos ser induzidos a supor uma
correspondência justamente entre os modos e os objetos da justiça ou, em outros
termos, entre os diversos critérios que podemos aplicar nos diferentes âmbitos.
Isso, naturalmente, não apenas tem a ver com as distinções entre justiça
distributiva, reguladora e comutativa, mas também concerne à complexa relação
entre a estrutura da justiça e a virtude ética a ela correspondente. Para dar apenas
um exemplo, para Aristóteles, há correspondência entre a média da proporção
geométrica, em que se da a justiça distributiva, e o justo meio como disposição
moral típica. Nos termos do filósofo, a pesquisa sobre a justiça deve determinar
"qual justo meio constitui a justiça e de que extremos o justo é o meio" (Maffetone,
Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução
Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 4).

“…foi com Aristóteles que a noção de justiça se completou no mundo antigo, ao


introduzir a noção de igualdade como fundamento da justiça. A noção de justiça
como igualdade passou pêlos mais diversos estágios, ao longo da História do
Ocidente. As injustiças dos imperadores e dos que detiveram o poder serviram de
referência para novas leituras do pensamento de Platão e de Aristóteles a respeito
da justiça. O mundo medieval construiu uma noção da justiça a partir de uma visão
teológica das coletividades humanas na história, do mesmo modo que o mundo
moderno vem construindo uma noção da justiça a partir de uma visão científica e

135
tecnológica da vida coletiva” (PISSARRA, Maria Constança Peres. Apresentação.
In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento
(coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo:
Atlas, 2007, p. vii).

Sobre “ison”, equilíbrio, igualdade proporcional de Aristóteles e por ele vista


como o cerne da justiça: “Aristóteles via a justiça como virtude, portanto como
ação que aperfeiçoa a conduta (natural) do homem na busca do Bem que lhe é
próprio, em particular daqueles bens que têm a ver com a convivência e em que o
excesso (hybris) deve ser evitado. A justiça como virtude tem, pois, a ver com a
ação de retribuir e seus correlatos: atribuir, distribuir. A busca entre um, mais e
um menos é submetida ao critério da proporção (analogia) que vai ser buscado na
matemática, donde a distinção entre justiça comutativa (a dois termos que se
compensam, abstração feita dos sujeitos) e distributiva (a quatro termos,
comparando-se os objetos e os respectivos sujeitos). Nesta comparação aparecia
o conceito de valor (axion), substantivo que, por sua vez, decorria do movimento
da balança (agein como movimentar o contrapeso). Em Aristóteles prepondera,
sem dúvida, o modelo horizontal da retribuicão na determinação do equilíbrio. A
justiça tem, assim, ostensivamente, algo a ver com a "razão proporcional" (ratio,
logos) e exige deliberação, escolha deliberada. Sente o filósofo, contudo, a
dificuldade que surge no modo distributivo da justiça que pressupõe hierarquia e,
portanto, o reconhecimento de dignidades diferentes entre os cidadãos. A ordem
hierárquica traz para dentro da igualdade proporcional o modelo vertical da
retribuição. Mais ligado à emocão, este modelo perturba o equilíbrio
proporcionado pela retribuição horizontal. Proporciona, ao conceito de justiça, um
quid de irracionalidade” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Justiça como
retribuição: da razão e da emoção na construção do conceito de justiça. In:
PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.).
Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. 6).

O que é a justiça distributiva?

“Esta consiste na justa distribuição de riquezas ou honras aos cidadãos e, para que
essa distribuição seja justa, deve ser fiel a um critério de distribuição adequado ao
136
caso em questão, de maneira a estabelecer uma proporcionalidade entre aquilo a
ser distribuído e aqueles aos quais se distribui. Segundo Aristóteles, o problema
costuma apresentar-se com a segunda parte da proporção (as pessoas a quem serão
atribuídos os bens), pois não se é bom juiz em causa própria e se confunde a justiça
parcial com a justiça absoluta. "Com efeito, um dos lados pensa que se as pessoas
são desiguais sob alguns aspectos - na riqueza, por exemplo -, elas são desiguais
em tudo, e o outro lado pensa que, se elas são iguais sob alguns aspectos - na
liberdade, por exemplo -, elas são iguais em tudo. Mas o mais importante eles não
mencionam”. E Aristóteles mostra que "o mais importante" é que as distribuições
sejam feitas "de acordo com o mérito". Assim, se os homens se associassem na
comunidade política com a finalidade de enriquecer, o critério (seu mérito) a ser
considerado deveria ser o capital com o qual cada um contribuísse para essa
associação, e cada um deveria receber proporcionalmente a sua contribuição.13
Mas a finalidade da comunidade política, como deixou claro Aristóteles, e torna
a repetir, é a boa vida para todos, e não meramente enriquecer: "Uma cidade é
uma comunidade de clãs e povoados para uma vida perfeita e independente, e esta
em nossa opinião é a maneira feliz e nobilitante de viver. A comunidade política,
então, deve existir para a convivência. Portanto, aqueles que mais contribuem para
a existência de tal comunidade desempenham nela um papel mais importante que
o daqueles cuja liberdade e nobreza de nascimento é a mesma, ou até maior, mas
lhe são inferiores em qualidades políticas (…), ou que o daqueles cujas riquezas
são maiores, mas cujos méritos (…) são menores" (YAMIN, Ana Maria. A justiça
distributiva em Aristóteles e a escolha da melhor forma de governo. In:
PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.).
Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. 35).

JUSTIÇA DOS MODERNOS

I.INTRODUÇÃO

137
Hobbes, Locke, Hume, Rousseau e Kant. Todos esses filósofos dirigem sua
atenção para o problema fundamental da justificação da obrigação política,
embora o façam de modos diferentes, partindo de posições muitas vezes distantes
umas das outras e chegando a conclusões reciprocamente diversas, para não dizer
até contrapostas. Uma leitura comparada dos textos sugere a ideia de que as
diferenças entre suas teorias da justiça dependem do modo como cada um articula
a própria teoria política normativa de fundo.

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS (CONTEXTO)

“A partir do Renascimento, a transcendência não mais explicava satisfatoriamente


o mundo para o homem moderno que aí se gestava. E, com a noção de justiça, não
foi diferente. Também nela, buscava-se uma ordem racional que lhe servisse de
fundamento e que estivesse fundada no homem como ser de ação e de
pensamento. Para percorrer a reflexão de Hobbes e Rousseau sobre a noção de
justiça, é preciso partir das paixões para o primeiro e da afetividade, para o
segundo” (PISARA, Maria Constança Feres. Entre o Leviatã e a vontade geral:
uma reflexão sobre a noção de justiça no pensamento de Thomas Hobbes e de
Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI,
Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história
da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 59).

Esse grupo de autores se concentrou na identificação de arranjos sociais


perfeitamente justos: “considerando a caracterização das "instituições justas"
como a tarefa mais importante — e, frequentemente, como a única identificadora
— da teoria da justiça. Articuladas, de diferentes formas, em torno da ideia de um
"contrato social hipotético, importantes contribuições foram feitas, seguindo essa
abordagem, por Thomas Hobbes no século XVII e, mais tarde, por John Locke,
Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, entre outros. A abordagem contratualista
tem sido uma influência dominante na filosofia política contemporânea,
especialmente depois do artigo pioneiro de John Rawls, "Justice as fairness
[Justiça como equidade], de 1958, que precedeu a apresentação definitiva dessa
abordagem no seu clássico Uma teoria da justiça” (SEN, Amartya. A ideia de

138
justiça. tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 18).

Uma abordagem - iniciada por Thomas Hobbes no século XVII, e seguida, de


diferentes modos, por destacados pensadores, como Jean-Jacques Rousseau -
concentrou-se na identificação de arranjos institucionais justos para uma
sociedade. Essa abordagem, que pode ser chamada de "institucionalismo
transcendental", tem duas características distintas. Primeiro, concentra a atenção
no que identifica como a justiça perfeita, e não nas comparações relativas de
justiça e injustiça. Ela apenas busca identificar características sociais que não
podem ser transcendidas com relação à justiça; logo, seu foco não é a comparação
entre sociedades viáveis, todas podendo não alcançar os ideais de perfeição. A
investigação visa identificar a natureza do "justo", em vez de encontrar algum
critério para afirmar que uma alternativa é "menos injusta" do que outra.

Segundo, na busca da perfeição, o institucionalismo transcendental se concentra


antes de tudo em acertar as instituições, sem focalizar diretamente as sociedades
reais que, em última análise, poderiam surgir. É claro que a natureza da sociedade
que resultaria de determinado conjunto de instituições depende necessariamente
também de características não institucionais, tais como os comportamentos reais
das pessoas e suas interações sociais. No detalhamento das prováveis
consequências das instituições, se e somente se uma teoria institucionalista
transcendental as comentar, são feitas algumas pressuposições comportamentais
que ajudam na operação das instituições escolhidas.

Ambas as características se relacionam com o modo "contratualista" de pensar,


que Thomas Hobbes iniciou e que foi levado adiante por John Locke, Jean-
Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Um "contrato social” hipotético,
supostamente escolhido, claramente diz respeito a uma alternativa ideal para o
calque de outra forma caracterizaria uma sociedade, e os contratos que foram mais
discutidos por tais autores lidavam sobretudo com a escolha de instituições. O
resultado geral foi o desenvonvimento de teorias de justiça que enfocavam a
identificação transcendental da, instituições ideais” (SEN, Amartya. A ideia de
justiça. tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 36).
139
III. Observação sobre Hobbes e Rousseau

“Embora a justiça não seja o tema de nenhuma das obras escritas por Hobbes ou
Rousseau, ela ocupa no pensamento de ambos um lugar central. Para os dois, a
justiça decorre das leis estabelecidas na sociedade civil. Para o primeiro, foi a
fragilidade do estado de guerra e o desejo de paz que levaram os homens a querer
deixar aquele estado e a estabelecer um contrato que é o fundamento jurídico do
Estado, o que faz de toda obediência ao contrato uma ação justa. Já para Rousseau,
o verdadeiro contrato não é apenas a passagem do estado de guerra para o estado
de sociedade, mas o contrato social estabelecido entre cada um e todos e que dá
vida à autoridade civil fundadora do direito político; obedecê-lo é obedecer à
vontade geral e não a um soberano” (PISARA, Maria Constança Feres. Entre o
Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no pensamento
de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA, Maria
Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia:
a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 72).

IV. Thomas Hobbes

O pressuposto do raciocínio de Hobbes é o estado de natureza. Nele, não há


ofensa, pois tudo o que é feito para o exercício de um direito de usufruir de todas
as coisas e garantir a própria sobrevivência: “Se tudo é lícito, não há como
estabelecer o que é justo ou o injusto nesse estado, todos podem fazer tudo que
quiserem, não causando, portanto, qualquer benefício, pois terem todos os
mesmos direitos é o mesmo que não terem direito algum, ninguém pode "dizer,
de qualquer coisa, 'isto é meu” seu vizinho, tendo igual direito e igual poder, irá
pretender que é dele essa mesma coisa". A luta pela conservação, através do
confronto entre todos, gera a luta do mais forte contra o mais fraco, em que “nada
pode ser injusto. [...] Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não
há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais". Assim,
Hobbes poderá afirmar que também a justiça e a injustiça são invenções humanas

140
decorrentes das convenções que os homens estabelecem e não atribuições naturais
do nosso espírito. “A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo
ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que estivesse sozinho
no mundo do mesmo modo que seus sentidos e paixões. São qualidades que
pertencem aos homens em sociedade, não na solidão (PISARA, Maria Constança
Feres. Entre o Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no
pensamento de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA,
Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e
filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 60).

“Nos capítulos XIII-XV do Leviatã ("Estado natural e contrato social"), Hobbes


apresenta a célebre construção do pacto social de submissão ao soberano como
resposta ao conflito mortal, que caracteriza a sua interpretação do estado natural.
Como se sabe, nessa perspectiva é justamente a necessidade de superar o conflito
inerente ao estado natural que gera a exigência da ordem e o surgimento do
Estado. A partir desse ponto de vista, a peculiaridade mais evidente da teoria da
justiça de Hobbes consiste, com toda probabilidade, na sua completa dependência
da solução proposta ao problema da obrigação política. Com o rigor que lhe é
próprio, ele afirma que a noção de justiça é desprovida de sentido, caso não seja
considerada à luz da soberania. Usando suas palavras: "A justiça é querer
constantemente dar a cada um o que é seu; e, por isso, não existe uma coisa
própria, ou seja, uma propriedade, [...] onde não haja poder coercitivo e, portanto,
onde não há um Estado não há propriedade, e os homens têm direito a todas as
coisas." A leitura desse texto sugere a ideia de que a noção de justiça depende de
um acordo prioritário, destinado a vincular, no interesse de cada um, as ações de
indivíduos racionais e auto-interessados. Após Hobbes, quem recorresse ao
artifício expositivo do contrato social não poderia evitar refletir sobre essa
conclusão do "irmão gémeo do medo" (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore
(orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da
tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 87-88).

“A dessacralização da vontade livre, na Era Moderna, traz para o conceito de


justiça outros problemas. Assim, conquanto Hobbes veja na justiça uma virtude
ligada à ciência dos contratos, o seu exercício pressupõe a instituição da sociedade

141
civil. Sem o Leviathan não há lugar para as retribuições horizontais. Sem a lei não
há espaço para o justo e o injusto, cuja possibilidade de distinção dela decorre.
Conquanto a lei positiva encontre no direito racional regras de equilíbrio, a
retribuição vertical é decisiva. No Leviathan (Cap. XV), o fundamento da justiça
está na lei da natureza que obriga a cumprir o pactuado ("that men perform their
convenants made"). Só quando um pacto é celebrado há lugar para o justo e para
o injusto. Assim, a natureza da justiça consiste em manter o pactuado. Mas a
validade dos pactos só começa com a constituição de um poder civil suficiente
para compelir os homens a respeitá-los. Na verdade, se a justiça é a vontade
constante de dar a cada um o que é seu, este seu, isto é, a propriedade, precede o
justo e o injusto. A propriedade (de cada um) nasce com o pacto e onde não se
erigiu um poder coercivo não há propriedade. Hobbes percebe, na justiça, o
sentido da retribuição, quer na forma comutativa ("equality of value of things
contracted for") quer na distributiva ("equal benefit to men of equal merit")
Propriamente, no entanto, o valor de coisas contratadas (justiça comutativa) é
medido antes pelo apetite dos contratantes, donde o valor justo, de fato, depende
daquilo que eles estão dispostos a ceder. Do mesmo modo, o mérito não é devido
por justiça, mas por graça, donde a justiça retributiva é ato de definir o que é justo
(que Hobbes prefere chamar de “equity”). O modelo horizontal presente na
retribuição depende, portanto, do pacto e este só faz sentido na base de um poder
coercitivo. Em última análise, o modelo horizontal pressupõe a instituição de um
modelo vertical, que lhe dá sentido ” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Justiça
como retribuição: da razão e da emoção na construção do conceito de justiça. In:
PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.).
Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas,
2007, p. 10).

“Um ato é justo ou não quando um pacto é quebrado: "a questão moral de saber
se o comportamento foi justo ou injusto reduz-se à questão factual se sua prática
implica ou não a quebra de uma promessa ou de um pacto" (Leviatã, cap. XXIX).
Porque as normas que regulamentarão a vida dos indivíduos a partir do pacto
social não mais serão resultado da lei do mais forte, mas da lei civil, a única que
pode estabelecer princípios de convivência entre os componentes daquela

142
sociedade, não mais a natureza das coisas será a reveladora do bem e do mal, do
certo e do errado, do justo e do injusto, mas as leis do Estado. A justiça representa
o respeito a um direito fundamentado na legitimidade do pacto; inversamente, a
injustiça (iniuria, sine iure, injúria) representa o desrespeito a um direito garantido
por um pacto anterior. Para Hobbes, o Estado se identifica com a justiça, lei e
justiça são sinônimas e o soberano é a sua expressão. Essa é a ruptura principal
operada por Hobbes em relação aos autores da antiguidade...; não é em relação à
verdade que a lei deve ser definida, mas em relação ao soberano; como lembra no
Leviatã, é a autoridade e não a verdade que faz a lei (PISARA, Maria Constança
Feres. Entre o Leviatã e a vontade geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no
pensamento de Thomas Hobbes e de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA,
Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e
filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, pp.
66-67).

A ATUALIDADE DE HOBBES: “Numa observação memorável em Leviatã,


Thomas Hobbes notou que as vidas das pessoas eram "sórdidas, brutais e curtas".
Era um bom ponto de partida para uma teoria da justiça em 1651, e receio que
ainda o seja para uma teoria da justiça na atualidade, visto que as vidas de
inúmeras pessoas no mundo ainda têm exatamente essas características medonhas,
apesar do grande progresso material de outras. De fato, boa parte da teoria aqui
apresentada está diretamente relacionada com as vidas e as capacidades das
pessoas, e as privações e as repressões sofridas. Embora Hobbes tenha passado
dessa vigorosa caracterização da privação humana para a abordagem idealista de
um contrato social (cujas limitações tentei mostrar), não há muitas dúvidas sobre
as motivações de melhoria da vida que inspiraram Hobbes” (SEN, Amartya. A
ideia de justiça. tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São
Paulo: Companhia das letras, 2011, p. 447).

V. John Locke

A teoria liberal da justiça de Locke inverte a prioridade hobbesiana do Estado


em relação ao direito natural. Para Locke, de fato, todo título válido para um

143
bem deriva de um direito natural, anterior ao surgimento do Estado e
independente dele. No caso da propriedade, à qual se refere o capítulo V do
Segundo Tratado sobre o governo civil (“Uma teoria do título válido"), a
validade do título depende do fato de que cada um é proprietário da própria
pessoa. Essa inclui o trabalho que se tem condições de desenvolver, e a
propriedade, como exclusão do direito dos outros, deriva da aplicacão do
trabalho aos bens naturais, inicialmente comuns e indivisíveis. A instituição da
propriedade ocorre, mediante o trabalho, sem nenhuma necessidade de um
consenso político, apenas com o limite constituído pela capacidade de consumo
de quem adquire título sobre os bens”. A leitura do texto de Locke sugere a ideia
de que o contrato social não deve privar os indivíduos de todos os seus direitos
no estado natural. Mas que, por outro lado, sua força está justamente em
reconhecer alguns direitos fundamentais como o direito à vida e à propriedade,
dos quais pode depender uma ordem igualitária e eficiente da sociedade civil”.
(Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a
Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 88).

VI. David Hume

Para David Hume, o único autor antologiado nesta parte que rejeita o paradigma
contratualista, a justiça não depende de um acordo ordinário, que gera direitos e
deveres dos indivíduos. Nas páginas do Tratado sobre a natureza humana, que
aqui reproduzimos (“As circunstâncias de justiça”), a natureza artificial da virtude
da justiça deriva do axioma segundo o qual - para dizer com suas próprias palavras
"nenhuma ação pode ser virtuosa ou moralmente boa a me nos que, ao ser
produzida, não haja na natureza humana nenhum motivo diferente do sentido da
sua moralidade". Em outros termos, não pode haver um sentido de justiça
primitivo a instituir as normas que regulam a sociedade civil, pois o surgimento
do sentido de justiça, como de resto de toda forma de moralidade, depende
justamente da existência anterior de convenções duradouras e estáveis. Desse
modo, o interesse desloca-se para as circunstâncias, subjetiva e objetivas, que
permitem o desenvolvimento da virtude da justiça. A leitura do texto de Hume
pode sugerir a ideia de que, para compreender a natureza da justiça, teríamos de

144
prestar maior atenção tanto no contexto social quanto nas motivações individuais.
Em nome de uma maior sobriedade também metodológica, uma teoria da justiça
tenderia, desse modo, a ressaltar a importância da educação e do aprendizado
moral no processo de surgimento das normas” (Maffetone, Sebastiano; Veca,
Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ;
revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 88-
89).

VII. Jean-Jacques Rousseau

Conforme vimos, os autores incluídos nessa parte tendem a compartilhar um


princípio implícito, segundo o qual a passagem da sociedade natural para a
sociedade civil, com o surgimento da obrigação política e a consolidação das
instituições, tem valor intrinsecamente positivo, uma vez que uniu justiça e
estabilidade. Rousseau, por sua vez, como bem se vê a partir do trecho do Segundo
discurso, apresentado aqui (“Uma história conjectural das desigualdades"),
defende uma tese oposta. Com efeito, em sua opinião, a falsa necessidade da
justiça gera a exigência de um comportamento, intelectual e moral, crítico em
relação a essas instituições, pois, ao aderir a elas, usando suas palavras, "todos
correram para seus grilhões, acreditando que estavam garantindo sua própria
liberdade". Na fascinante história conjectural, imaginada por Rousseau, a
passagem da natureza para a cultura e do direito natural para o direito civil tem
em si os germes da decadência. A constituição da sociedade política, ligada à
perda da independência originária, gera, de fato, as maiores desigualdades dos
bens primários, como a riqueza, o status, o poder e o reconhecimento. A leitura
do texto de Rousseau sugere a ideia de uma teoria da justiça não pode apoiar-se
exclusivamente na necessidade de um acordo social, seja ele qual for. Ao
contraria, ela parece não poder renunciar a uma visão normativa e crítica da
existente, que vincule a aceitabilidade das instituições políticas e sociais ao fato
de que princípios de igualdade e liberdade sejam observados na formulação e na
vida efetiva do próprio contrato. (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.).

145
A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini; revisão da tradução:
Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 89-90).

“…Se a sociedade civil nasce com a propriedade (quando, pela primeira vez,
alguém diz: isto é meu) e com isto sobrevém a desigualdade, a justiça torna-se um
reequilíbrio por meio de retribuições horizontais. Sua possibilidade repousa no
Contrato Social, que encarna a vontade geral, que está, racionalmente, acima das
vontades individuais. A vontade geral tem por objeto o interesse comum,
enquanto as vontades individuais visam ao interesse privado, o mais e o menos
que se cancelam mutuamente. Entres estes, a justiça é retribuição horizontal.
Como a soma das diferenças entre os interesses individuais constitui a vontade
geral (O Contrato Social, II, cap. 3), a vontade geral coloca as vontades individuais
sob sua suprema direção. Entre ambas há um quid místico, que anuncia uma
hierarquia da Razão. Conquanto na vontade geral se observe uma distribuição
racional dos interesses comuns, que serve à igualdade civil e, portanto, se vale do
modelo horizontal, a relação dela com as retribuições privadas é hierárquica e não
admite resistência (Rousseau não aceita o direito de rebelião, pois a vontade geral
nunca erra). Assim, o modelo horizontal se deixa contaminar pelo vertical”
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Justiça como retribuição: da razão e da emoção na
construção do conceito de justiça. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 10).

Para Rousseau, a justiça não é anterior à lei. A lei fundamental da justiça só tem
sentido no Estado decorrente do contrato, posto que a vontade geral nasce do
contrato e ela é para todos os membros do Estado a regra do justo e do injusto.
Não se trata de uma oposição entre a justiça e o direito natural, mas da
convergência necessária, no estado de sociedade, entre o interesse particular e o
bem comum. A justiça não é mais uma relação entre indivíduos como ocorria no
estado de natureza, trata-se, agora, da participação de cada um na comunidade e
do respeito à ordem que se estabeleceu pelo contrato. E, apenas nesse momento,
o homem é livre. É da retidão da vontade geral que decorre a lei que vai garantir
o que é justo com vista ao bem comum. E, se a utilidade pública é a condição para
uma verdadeira justiça, como explicar que nem sempre ela é alcançada? Entre

146
querer o bem e de fato praticá-lo há uma diferença: muitas vezes o povo erra em
seus julgamentos ao pensar que está a fazer o bem. Logo, não é a vontade geral
que erra, o erro está no julgamento dos homens nem sempre esclarecido e é por
isso que a aspiração dos cidadãos à justiça precisa ser esclarecida e educada para
se tornar um dever, como afirma Rousseau em Do contrato social: “pode-se
afirmar que a vontade geral está sempre certa e tende sempre à utilidade pública;
mas não se pode dizer que as deliberações do povo tenham sempre a mesma
retidão. Sempre se deseja o próprio bem, mas nem sempre ele é encontrado: nunca
se corrompe o povo, mas frequentemente este é enganado, e somente então ele
parece querer o mal”. Mais do que um dever, a instituição política da justiça é um
dever sagrado” (PISARA, Maria Constança Feres. Entre o Leviatã e a vontade
geral: uma reflexão sobre a noção de justiça no pensamento de Thomas Hobbes e
de Jean-Jacques Rousseau. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI,
Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história
da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 71-72).

VIII. EXPLICAÇÃO

As duas questões centrais da ética moderna: JUSTIÇA x LIBERDADE:


“...examina-se o conflito entre liberdades, a minha e a dos outros, cuja
harmonização se chama justiça (fairness). A tensão entre as várias liberdades está
na baseada necessidade de se buscar um equilíbrio que contemple a satisfação,
pelo menos em parte, dos desejos de todos. (RAWLS, 1993) ” (BILHIM, João.
As práticas dos gestores públicos em Portugal e os códigos de ética. Sequência.
Florianópolis. n° 69. p. 61-82. Florianópolis July/Dec. 2014).

IX. Immanuel Kant

Kant é o único, dessa segunda parte, cujos trechos escolhidos foram extraídos de
dois textos diferentes, respectivamente da Fundamentação da metafísica dos
costumes e da "Doutrina do direito" da Metafísica dos costumes (“Autonomia
moral e liberdade jurídica”). Essa escolha resulta do fato de que, em ambos os
textos, ele parece apresentar, se não duas teorias da justiça, pelo menos dois

147
aspectos diferentes, e não facilmente conciliáveis, de uma concepção da justiça.
Na Fundamentação, noções famosas como aquela de autonomia constituem, com
a linguagem de Kant, “o princípio da dignidade da natureza humana e de toda
natureza razoável”. Desse modo, a fundamentação autónoma da moralidade
determina o cenário ético, imparcial e universalista da justiça. Por outro lado, na
Rechtslehre [doutrina do direito] o problema consiste em construir um conceito
geral de direito, de maneira que conforme escreve Kant – “o arbítrio de cada um
pode coexistir com o arbítrio do outro segundo uma lei universal". Nesse caso,
diferentemente da autonomia moral, confrontamo-nos com princípios jurídicos e
constitucionais, que regulam externamente a relação social na vida coletiva. A
feitura do texto de Kant pode sugerir a ideia de reunificação de ambos os aspectos
da teoria da justiça, que ele como vimos, separadamente. Desse modo uma teoria
política normativa, inspirada nos princípios do liberalismo/pode tentar conjugar
as razões morais da imparcialidade e da reciprocidade com a minimização da
coerção típica da filosofia do direito kantiana”(MAFFETONE, Sebastiano;
VECA, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina
Jannini; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. 90).

Kant distingue duas maneiras como a razão pode comandar a vontade, dois tipos
diferentes de imperativos. Um tipo de imperativo hipotético e condicional: se quer
X, então faça Y; e outro que é incondicional e, por isso, categórico. No caso de a
ação ser boa por causa de outra coisa trata-se do hipotético. Se a ação é
representada como boa em si mesma e, por conseguinte, necessária para uma
vontade conforme a razão, então o imperativo é categórico. Nesse sentido, ele
recomenda que se aja apenas segundo uma máxima, regra ou princípio tal que
possa ao mesmo tempo ser lei universal. Em concreto, está a afirmar que se deve
agir apenas segundo princípios que se poderia universalizar sem contestação, por
exemplo, se todos mentem nunca mais se poderá confiar em ninguém. Aliás essa
máxima facilmente se converte também em utilitarista na doutrina: não mintas
porque todos saem prejudicados. (STUART MILL, 2000, p. 182). A força moral
do imperativo categórico torna-se mais clara na formulação que visa "tratar as
pessoas como fins" e não meios e "fazê-lo como se fosse uma lei universal". O

148
"não faças aos outros o que não queres que façam a ti". O respeito kantiano é o
respeito pela humanidade como tal por uma capacidade racional que existe, sem
distinção em todos nós, ou seja, como "[...] seres humanos que é mais exigente do
que apenas com os mesmos direitos que nós. (KANT, apud ALMEIDA; BRÁS,
2012). Para Kant agir moralmente é agir por dever - por causa da lei moral. A lei
moral corresponde ao imperativo categórico, o princípio que exige que se tratem
as pessoas com respeito, como fins em si mesmas. Essa é a única maneira de ser
livre. Eu só ajo livremente quando atuo em conformidade com o imperativo
categórico. Quando a minha ação é comandada pelo imperativo hipotético não sou
verdadeiramente livre na medida em que me encontro condicionado por algum
interesse ou fim exterior a mim. Rawls (1993) parece-nos ter ido mais longe que
Kant. A partir de uma "posição original", a humanidade celebraria um acordo
sobre os princípios de um código ético para a humanidade, englobando, portanto,
todos os seres humanos. Todos nele participariam e delineariam em conjunto esse
código. Ora, por nunca saberem se aquela regra se lhes aplicaria, ter-se-ia o
cuidado de "maximizá-la". Imagine-se a cena doméstica entre dois filhos a querem
o mesmo bolo, em que o pai estabelece a regra de que quem cortar o bolo é o
último a servir-se. Quem cortar o bolo será certamente o mais justo que lhe for
possível. Aqui trata-se de elaborar um conjunto de princípios que qualquer
membro participante considere equitativamente justo. Depois de celebrar esse
acordo, passamos a ter princípios, alguns de caráter deontológico e outros de
carácter teleológico, em que a bondade ou a maldade de um ato é decidida
consoante os resultados esperados. (RAWLS, 1993). Em qualquer dos casos, há
um conjunto de valores que a modernidade nos legou e que em geral se aceita,
isto é, em ética há valores universais; o que não é universal é a sua aplicação, pois
ela depende dos contextos culturais, nomeadamente das diversas administrações
públicas. Os resultados das negociações de princípios podem variar entre culturas;
as aspirações humanas, porém, permanecem idênticas nas suas estruturas latentes”
(BILHIM, João. As práticas dos gestores públicos em Portugal e os códigos de
ética. Sequência. Florianópolis no.69. p. 61-82. Florianópolis July/Dec. 2014).

149
O PARADIGMA DA JUSTIÇA SOCIAL

I.INTRODUÇÃO

Os textos reunidos nesta terceira parte reformulam o conceito de justiça, tendo


como pano de fundo o surgimento da questão social. A partir do final do século
XVIII e durante todo o século seguinte, o principal interesse dos teóricos da justiça
parece deslocar-se do problema da boa ordem política e do propósito das
instituições para o âmbito das interações e das relações de conflito e cooperação
social. Enquanto para os pensadores clássicos da era moderna a figura central
continua sendo aquela da obrigação política, deixando em segundo plano as
relações sociais, aqui ocorre mais ou menos o contrário. Em primeiro plano,
delineia-se o espaço da sociedade civil, relegando as questões políticas e
institucionais ao segundo. Nesse sentido, pode-se dizer que a questão social
reorienta a busca dos princípios de justificação e tem como êxito paradigmático a
interpretação da justiça como justiça distributiva. Afirma-se, assim, o princípio de
que o significado e o valor de uma teoria da justiça resultam da capacidade de
satisfazer fins e expectativas sociais. As diversas teorias, no âmbito do paradigma
da justiça social, não apenas propõem diferentes critérios de justiça, mas também
implicam interpretações alternativas dos fins e das próprias expectativas. Pode-se
apresentar a hipótese de que o paradigma da justiça social assim entendido seja
aquele em que tomam forma os desenvolvimentos da teoria normativa da política
contemporânea (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça
de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini; revisão da tradução: Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 227).

OBS: “É preciso aqui anotar a diferença entre teorias de justiça categóricas, como,
por exemplo, a de Kant, quando a justiça é servida a despeito da utilidade das
consequências, e teorias consequencialistas, como o utilitarismo de Jeremy
Bentham, entre outros, onde a justiça é uma função da utilidade das
consequências”(FERES JUNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto. Liberalismo
igualitário e ação afirmativa: da teoria moral à política pública. Revista de
Sociologia e Política. Curitiba, v. 21, n. 48, p. 85-99, Dec. 2013, nota 2).

150
II. Jeremy Bentham

No texto de Bentham, extraído da Introdução aos princípios da moral e da


legislação ("Sobre o princípio de utilidade"), encontramos a primeira formulação
clássica do utilitarismo como teoria da justiça. Como se sabe, Bentham sustenta
que o único princípio racional de justiça é aquele baseado na nocão de utilidade,
individual e coletiva. Mais precisamente, toda questão de justiça social deve poder
ser reformulada em termos de maximização da utilidade coletiva. Desse modo,
Bentham tem o indubitável mérito de vincular a exigência da reforma social e
política com a "ciência moral". A leitura do texto pode sugerir a importância que
o princípio de utilidade, como bem-estar coletivo, tem para os fundamentos da
ciência social e para as teorias da justiça. Ainda que/ a partir de então, o
utilitarismo tenha sofrido muitas críticas, por vezes severas e eficazes, ele
continua sendo um programa de pesquisa, cuja análise se mostra imprescindível
para quem se ocupa com questões de justiça distributiva (Maffetone, Sebastiano;
Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina
Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes,
2005, p. 228).

III. John Stuart Mill

O programa de pesquisa utilitarista, inaugurado por Bentham, mede-se


explicitamente com os problemas levantados pelo conceito de justo no texto de
John Stuart Mill, extraído do seu célebre ensaio O utilitarismo ("Utilidade e
justiça”). Partindo do desafio tradicional que a justiça impõe à utilidade, ele
sustenta, à luz de uma complexa série de argumentos, não apenas a coerência entre
justiça e utilidade, mas também e sobretudo a dependência da primeira em relação
à segunda. Em suas palavras, “a justiça fundada na utilidade é o elemento
fundamental e indubitavelmente mais sagrado e vinculativo de toda a moral.
Justiça é o nome que se dá a algumas categorias de regras morais que, referindo-
se mais de perto à essência do bem-estar humano, são, portanto, mais vinculativas
do que qualquer outra regra para a conduta”. O texto de Mill prefigura, mesmo no
estilo argumentativo, uma tensão essencial e recorrente entre utilidade e direitos.

151
Esta última, como se sabe, coloca-se no centro da discussão contemporânea sobre
as teorias da justiça (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de
justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 228).

IV. Karl Marx

O trecho de Marx aqui antologiado, extraído da Crítica ao programa de Gotha


("Além da justiça"), é um dos poucos, para não dizer o único, em que o autor de
O capital aceita medir-se com critérios de justiça distributiva. Como se sabe, todo
o programa científico de Marx baseia-se na ideia segundo a qual qualquer
concepção da justiça nada mais é do que uma construção ideológica, gerada por
uma ordem particular das relações sociais de produção. Essa tese central exclui a
sensatez de incumbências normativas da teoria política e social. É controverso se
Marx consegue, como seria sua intencão, evitar o recurso a argumentos
normativos. Todavia, pelas páginas aqui apresentadas, percebe-se que o critério
de justiça de Marx é formulável somente na falta de circunstâncias de justiça, a
partir do vínculo humano da escassez moderada. Conforme escreve Mane "Depois
que, com o desenvolvimento unilateral dos indivíduos, cresceram também as
forças produtivas e todas as fontes da riqueza coletiva fluem em sua total
plenitude, somente então o limitado horizonte jurídico burguês pode ser superado,
e a sociedade pode escrever em suas bandeiras: de cada um segundo suas
capacidades; a cada um segundo suas necessidades!" Nesse sentido, a perspectiva
de Marx está claramente além da justiça. (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore
(orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da
tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 228-229).

AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS

I.HENRY SIDGWICK

152
As páginas de Sidgwick que constituem o quinto capítulo do clássico Os métodos
da ética (“Uma reavaliação do conceito de justiça"), apresentam uma tentativa
sistemática de analisar a natureza da justiça. Essa obra, pensada e escrita na era
vitoriana, exercerá um fascínio permanente para cientistas sociais (Sidgwick
também era economista) e filósofos da moral e políticos, sobretudo na cultura de
língua inglesa. No âmbito de uma ampla e refinada classifícação dos modos da
justiça, Sidgwick ressalta o papel central da justiça distributiva. Dessa forma, ele
desenvolve a perspectiva de John Stuart Mill, apresentada aqui em //Utilidade e
justiça", ligando a avaliação moral das instituições e das práticas sociais aos êxitos
da distribuição de vantagens e desvantagens entre os indivíduos. O problema
distributivo é, então, resolvido por Sidgwick numa perspectiva utilitarista original,
destinada, durante a primeira metade do século XX, a tornar-se uma referência
canónica (Maffetone, Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de
Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti.
São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 293-294).

II. HERBERT HART

...a exigência de uma teoria da justiça provém não apenas da análise moral da
distribuição económica, mas também da melhor filosofia jurídica. Nesse âmbito,
deve-se ler o texto de Herbert Hart, extraído do oitavo capítulo de O conceito de
direito (“A justiça entre moral e direito"). Ao discutir o clássico tema das relações
entre direito e moral, Hart ressalta a centralidade da noção de equidade para toda
concepção da justiça: “O princípio geral latente nessas diversas aplicações do
conceito de justiça é que os indivíduos, em suas relações recíprocas, têm direito a
certa posição relativa de igualdade ou desigualdade. Trata-se de algo que se deve
respeitar nos episódios da vida social, quando se devem distribuir os pesos e os
benefícios, bem como de algo que deve ser restabelecido quando perturbado”.
Desse modo, ao conceito de justiça distributiva convergem tanto a teoria do direito
quanto a teoria económica. O paradigma contemporâneo da justiça parece
encontrar, assim, uma colocação entre utilidades e direitos (Maffetone,
Sebastiano; Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução

153
Karina Jannini ; revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 294).

III. ERMINIO JUVALTA

A obra de Erminio Juvalta, publicada com o título Os limites do racionalismo


ético - da qual se extraíram as páginas do segundo capítulo, "Uma ciência pura da
justiça"-, mesmo sendo seguramente periférica no debate italiano de final de
século, constitui uma contribuição inovadora e importante para a visão
contemporânea da justiça. Na tentativa de aplicar o "método da economia pura" à
ética, Juvalta formula uma hipótese não-cognitivista e racionalista sobre as
condições da sociedade justa. Nesse âmbito, um dos pontos centrais consiste na
visão da sociedade justa como aquela em que "todos os sócios encontram nas
condições de existência da sociedade a mesma ou a equivalente possibilidade
exterior de orientar sua atividade para a busca de qualquer um dos fins, cuja
condição é a convivência e a cooperação social" (Maffetone, Sebastiano; Veca,
Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. tradução Karina Jannini ;
revisão da tradução: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp.
294-295).

IV. FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK

O texto de Hayek, extraído da obra Lei, legislação e liberdade (/“A miragem da


justiça social"), tem uma fisionomia peculiar, se comparado com os outros. A
complexa elaboração teórica que o sustenta precede a formação do paradigma de
Rawls sobre a justiça, tendo suas raízes na grande tradicão da escola austríaca. Ao
mesmo tempo, porém, permanece no pano de fundo de críticas contemporâneas à
ideia de justiça distributiva e contribuiu para significativos desenvolvimentos
teóricos posteriores. A tese de Hayek ataca duramente a própria ideia de justiça
social. Essa consiste, em sua opinião, na vontade de tratar os indivíduos com base
em méritos morais. Isso seria substancialmente impossível, pois o tratamento dos
indivíduos depende dos êxitos involuntários da troca económica. Mas, ainda que

154
fosse possível algo do tipo, seria totalmente indesejável, pois requereria um
sistema produtivo e distributivo alternativo ao mercado, do qual dependem,
segundo Hayek, o nosso bem-estar e, em última análise, a nossa liberdade.
Naturalmente, o valor da crítica radical de Hayek ao conceito de Justiça social
depende da"sua interpretação particular da conexão entre liberalismo e mercado.
Hoje parece óbvio que justamente essa conexão tornou-se problemática na
discussão sobre o liberalismo político, que seguiu a evolução crítica do paradigma
da justiça, inaugurado por Rawls”

V. HANS KELSEN

“…a única justiça passível de ser conhecida por parte da ciência do direito é
aquela que se expressa em termos de legalidade e, nessa perspectiva em que o
justo se identifica com o legal, o critério capaz de distinguir a justiça da injustiça
passa a consistir no fato de que "uma regra geral seja aplicada em todos os casos
em que, de acordo com seu conteúdo, esta regra deva ser aplicada". É, portanto, à
aplicação e não ao conteúdo de uma determinada ordem jurídica que a justiça se
refere. Trata-se da necessidade de regularidade lógica na aplicação de um conceito
abstraio a um fenómeno concreto, sem que nessa operação incida qualquer
valoração. A justiça perde o estatuto de valor fundador da validade do direito
positivo para remeter-se ao plano de sua aplicação. Trata-se de um deslocamento
conceitual bastante controverso, sobretudo porque retira da justiça o papel que lhe
foi tradicionalmente atribuído. Porém, como enfatiza Kelsen, "apenas com o
sentido de legalidade é que a justiça pode fazer parte de uma ciência do Direito".
Tudo o que se coloca para além disso seria ilusório” (BÔAS FILHO, Orlando
Villas. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas
Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI, Ricardo
Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da
filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 140-141).

VI. NIKLAS LUHMANN

155
Segundo Niklas Luhmann, a justiça, no contexto da sociedade moderna,
funcionalmente diferenciada, serviria de fórmula de contingência do subsistema
jurídico, cuja finalidade seria justamente fornecer um controle de consistência às
decisões jurídicas, permitindo-lhe, assim, superar tanto as teorias jusnaturalistas
quanto as positivistas. Essa superação seria obtida mediante a indicação de uma
forma de autocontrole do subsistema jurídico que, por um lado, não seria
identificável com a natureza, o que é inaceitável em função de sua fundamentação
metafísica, mas que, por outro, não se reduziria a simples decisão, que conduziria
ao decisionismo. Essa forma de autocontrole seria proporcionada justamente pelo
conceito de justiça que, para cumprir essa função, deve ser reelaborado” (BÔAS
FILHO, Orlando Villas. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans
Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres; FABBRINI,
Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história
da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 141).

O papel da igualdade nesse contexto: “…Luhmann ressalta que, em sua forma


mais geral, a justiça, enquanto fórmula de contingência, foi tradicionalmente, e
ainda hoje continua a sê-lo, identificada com a igualdade que, por sua vez,
expressa um elemento formal que consigna todos os conceitos de justiça, não
obstante signifique apenas regularidade e consistência. Assim sendo, a igualdade,
tal como ocorre com todas as fórmulas de contingência, é entendida como um
princípio que se autofundamenta. Vista nesses termos, a justiça deixa de ser
concebida como uma afirmação relativa à essência ou natureza do direito, um
princípio fundador da validade jurídica ou um valor que fizesse o direito parecer
algo digno de preferência. A justiça, enquanto fórmula de contigência
tradicionalmente e associada à igualdade, consistindo no tratamento igualitário e
sólido dos casos jurídicos, o que, em última instância, expressa a própria estrutura
do programa condicional ao qual se volta: “dado o fato 'x', ‘y’ é legal". Ou seja,
tal como já ressaltava Luhmann em sua Sociologia do direito, “a justiça torna-se
agora a implementação uniforme do direito, por causa de sua vigência”. Isso
significa que o que se pode reputar um direito justo consiste na aplicação universal
de critérios para a decisão, sem que haja a consideração das pessoas implicadas”
(BÔAS FILHO, Orlando Villas. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em

156
Hans Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARRA, Maria Constança Peres;
FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia: a noção de justiça
na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 145-146).

Dentro do subsistema do direito, a igualdade passa a funcionar como um


postulado regulador da congruência jurídica: “...os efeitos da generalização pela
igualdade revelam uma racionalidade sistémica que, por meio da validação
universal fornecida pelo princípio da igualdade, provoca uma restrição das
possibilidades decisórias do direito que corresponde a uma redução de
complexidade” (BÔAS FILHO, Orlando Villas. Da ilusão à fórmula de
contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARRA, Maria
Constança Peres; FABBRINI, Ricardo Nascimento (coords.). Direito e filosofia:
a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007, p. 146).

IV. JOHN RAWLS

Importância do pensador:

Ele é o “mais importante filósofo político de nossa época”(SEN, Amartya. A ideia


de justiça; tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 38).

“No segundo termo do século XX, o pensador norte-americano John Rawls (1921-
2002) provocou uma guinada nos estudos sobre a ética. Ao publicar, em 1971,
Uma teoria da justiça, ofereceu a possibilidade teórica de integrar o sentimento
moral com as liberdades públicas e individuais caras ao Ocidente” (THIRY-
CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a economia moral da justiça.
Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília Sept./Dec. 2011).

Como se sabe, o revival da filosofia política coincidiu nos últimos decénios com
a afirmação do paradigma inaugurado pela teoria da justiça, de John Rawls. Essa
é a razão pela qual o último capítulo do volume, "Justiça como equidade",
reproduz o capítulo inicial de Uma teoria da justiça. Nessas páginas, o filósofo de
Harvard descreve a traços largos a natureza e os objetivos da sua proposta,
baseando-se nas principais alternativas teóricas. A obra de Rawls produziu um
157
verdadeiro florescimento de hipóteses filosóficas no âmbito da teoria política
normativa, gerando um debate fecundo, cujas conclusões teóricas ainda hoje são
abertas e imprevisíveis. Quem quer que se interesse por tal discussão encontrará
nessa parte conclusiva do volume um significativo terminus a quo” (SEN,
Amartya. A ideia de justiça; tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli
Mendes. São Paulo: Companhia das letras, 2011).

O projeto dele: “Meu propósito é apresentar uma concepção de justiça que


generalize e leva a um nível maior de abstração a familiar teoria do contrato social
tal como encontrado em Locke, Rousseau e Kant” (Teoria da Justiça, p. 10)

O CONCEITO: “Aqui nos deparamos com uma situação em que o entendimento


da mensagem precisa estar atento às sutilezas linguísticas. A melhor tradução da
palavra fairness para o português é "justiça". Mas a melhor tradução da expressão
justice as fairness não pode ser "justiça como justiça", por razões óbvias. A
escolha da expressão "justiça como equidade", feita pelo tradutor de Rawls, não
resolve satisfatoriamente a questão, pois o termo equidade introduz problemas de
outra ordem, que tem a ver com a definição analiticamente imprecisa dessa
palavra e sua diferenciação com o termo "igualdade". A sugestão de que equidade
corresponderia à aplicação do princípio da justiça distributiva de Aristóteles –
tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais à medida de sua
desigualdade – é analiticamente pobre por duas razões. Primeiro, porque para
Aristóteles tal princípio comanda dar mais a quem mais contribui e menos a quem
menos contribui ao bem público, ou seja, ele é regressivo, ao contrário do que
imaginam muitas das pessoas que citam o filósofo como fonte. Segundo, porque
a interpretação de que os que têm menos devem receber mais, sugerida pela ideia
de equidade, parece advir mais de um sentimento de caridade pelos despossuídos
do que de um esquema contratualista, como o proposto por Rawls, onde as pessoas
adotam tal princípio guiados pela razão e com vistas ao benefício próprio. De
qualquer forma, a despeito da dura tarefa de encontrar-se uma tradução melhor
para a expressão, devemos sublinhar o sentido que o autor quis dar de uma justiça
que vá além do puramente formal, mitigando, ainda que por mecanismos
procedimentais, os fatores reais de desigualdade injustificável que assolam a
sociedade (FERES JUNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto. Liberalismo

158
igualitário e ação afirmativa: da teoria moral à política pública. Revista de
Sociologia e Política. Curitiba, v. 21, n. 48, p. 85-99, Dec. 2013, nota 3).

O contrato social hipotético:

Esse contrato não existe:

A maioria dos americanos nunca assinou um contrato social. Na verdade, as


únicas pessoas nos Estados Unidos que realmente se comprometem a obedecer à
Constituição (exceto as autoridades públicas) são os cidadãos naturalizados —
imigrantes que fazem um juramento de lealdade como condição para obter a
cidadania. Nunca se obrigou nem mesmo se solicitou aos demais cidadãos que
dessem seu consentimento. Então, por que somos obrigados a obedecer à lei? E
como podemos dizer que nosso governo baseia-se na aquiescência daqueles que
são governados? (SANDEL, Michael J. Justiça: que é fazer a coisa certa. tradução
3a ed. de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo. 3a ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011, p. 177).

Kant diz que há um consentimento hipotético: “Uma lei é justa quando tem a
aquiescência da população como um todo” (SANDEL, 2011, p. 177)

Logo, a pergunta remanesce: “Como pode um acordo hipotético desempenhar o


papel moral de um acordo real?” (SANDEL, 2011, p. 177)

Essa é a questão que Ralws tenta responder no livro Teoria da Justiça (1971).

IDEIA FUNDAMENTAL: A JUSTIÇA TEM DE SER VISTA COM


RELAÇÃO ÀS EXIGÊNCIAS DA EQUIDADE

A busca da justiça tem de estar ligada à ideia de equidade.

O que é então a equidade?

“Essa ideia fundamental pode ser conformada de várias maneiras, mas em seu
centro deve estar uma exigência de evitar vieses em nossas avaliações levando em
conta os interesses e as preocupações dos outros também e, em particular, a

159
necessidade de evitarmos ser influenciados por nossos respectivos interesses pelo
próprio benefício, ou por nossas prioridades pessoais ou excentricidades ou
preconceitos. Pode ser amplamente vista como uma exigência de imparcialidade.
A especificação de Rawls das exigências de imparcialidade é baseada em sua ideia
construtiva de posição original, que é central para sua teoria da "justiça como
equidade”. A posição original é uma situação imaginada de igualdade primordial,
em que as partes envolvidas não têm conhecimento de suas identidades pessoais,
ou de seus respectivos interesses pelo próprio benefício, dentro do grupo como
um todo. Seus representantes têm de escolher sob esse véu de ignorância, ou seja,
em um estado imaginado de ignorância seletiva (especialmente, ignorância sobre
os interesses pessoais característicos e concepções reais de uma vida boa —
conhecendo apenas o que Rawls chama de "preferências abrangentes"), e é nesse
estado de concebida ignorância que os princípios de justiça são escolhidos por
unanimidade. Os princípios da justiça, em uma formulação rawlsiana, determinam
as instituições sociais básicas que devem governar a sociedade que estão,
podemos imaginar, por ‘criar’” (SEN, Amartya. A ideia de justiça. Amartya Sen;
tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia
das letras, 2011, p. 84-85).

As deliberações nessa imaginada posição original sobre os princípios de justiça


exigem a imparcialidade necessária para a equidade. O próprio Rawls expõe a
ideia: “a posição original é o statu quo inicial apropriado que garante que os
acordos fundamentais nela alcançados sejam justos. Esse fato gera o nome "justiça
como equidade". É claro, então, que quero dizer que uma concepção de justiça é
mais razoável do que outra, ou justificável em comparação a outra, se pessoas
racionais, na situação inicial, escolhessem seus princípios em vez dos princípios
da outra concepção para o papel da justiça. As concepções de justiça devem ser
classificadas por sua aceitabilidade por parte de pessoas assim situadas” (theory
of justice, 1971, p. 17).

O véu da ignorância

160
“Esse "contrato ideal" seria a expressão de um acordo sobre os princípios
fundamentais da justiça, estabelecido em um ato coletivo, por agentes livres,
racionais e iguais, que abstraem sua posição socioeconômica particular. Pessoas,
que, ignorando o que o futuro possa lhes reservar e desejosas de favorecer os seus
próprios interesses, chegariam a um pacto fundado em preceitos necessariamente
justos.

Nessa formulação, Rawls reuniu uma série de conceitos de várias origens. A ideia
de estado da natureza da situação imaginária, do ser humano vivendo em estado
puro, pré-social, bem como o conceito do pacto ou do contrato (de que, para
escapar à barbárie, a humanidade teve que estabelecer um acordo político-social)
são contratualistas. A noção do "véu de ignorância", dos agentes que abstraem
tudo que não seja o conhecimento imediatamente disponível, inclusive as
condições econômicas, políticas e sociais e as antevisões sobre o futuro, é retirada
do idealismo (PL VIII § 4; 305). A concepção de que agentes racionais decidem
de acordo com os seus interesses se inspira francamente no utilitarismo.

Rawls pode sintetizar esses conceitos em um todo porque o sistema que elaborou
não se baseia em um critério, mas em um procedimento. Ele concebeu a tarefa da
ética não como sendo a de descobrir princípios, mas a da estabelecer princípios
mediante processos que permitissem alcançar um equilíbrio moral razoável.

A tese é a de que, sendo o procedimento racional e equitativo, o resultado desse


procedimento também o será. A sua teoria não procura resolver a integralidade do
problema da justiça absoluta, mas a dos princípios que regem a repartição
moralmente justificável das vantagens sociais” (THIRY-CHERQUES, Hermano
Roberto. John Rawls: a economia moral da justiça. Sociedade e Estado. vol.26
no.3. p. 551-564. Brasília Sept./Dec. 2011)

Por que os contratos têm um peso moral?

Porque eles concretizam dois ideais — autonomia e reciprocidade: "Como atos


voluntários, os contratos expressam nossa autonomia; as obrigações que eles
criam têm peso porque foram impostas por nós mesmos — nós as assumimos por

161
livre e espontânea vontade. Como instrumentos de benefício mútuo, os contratos
inspiram-se no ideal de reciprocidade; a obrigação de cumpri-los resulta da
obrigação de recompensar o outro pêlos benefícios que ele nos proporciona”
(SANDEL, 2011, p. 182).

Qual a utilidade do véu da ignorância?

Considerando a possibilidade de um contrato sem margem de coerção, engano ou


vantagens injustas, essa é a concepção de Rawls de um acordo hipotético baseado
na equanimidade:

“O "véu de ignorância" garante a equanimidade do poder e do conhecimento que


a posição original requer. Ao fazer com que as pessoas ignorem sua posição na
sociedade, suas forças e fraquezas, seus valores e objetivos, o véu de ignorância
garante que ninguém possa obter vantagens, ainda que involuntariamente,
valendo-se de uma posição favorável de barganha. ‘Se o conhecimento de
particularidades é permitido, o desfecho é prejudicado por contingências
arbitrárias (...) Se a posição original é chegar a acordos justos, as partes devem
estar situadas de forma justa e ser tratadas igualmente como pessoas morais. As
arbitrariedades do mundo devem ser corrigidas ajustando as circunstâncias da
situação contratual inicial’ (teoria da justiça, seção 24). A ironia é que um acordo
hipotético realizado sob úm «véu de ignorância" não é uma forma pálida de
contrato real e, portanto, moralmente mais fraca; ao contrário, é uma forma pura
de contrato real, portanto moralmente mais forte” (SANDEL, 2011, p. 182).

CRÍTICA À POSIÇÃO ORIGINAL

“Pode haver sérias diferenças entre princípios de justiça concorrente que


sobrevivam ao exame crítico e tenham pretensão de imparcialidade. Esse
problema é bastante sério, por exemplo, para a pressuposição feita por Rawls de
que haverá uma escolha unanime de um conjunto único de “dois princípios de
justiça” em uma situação hipotética de igualdade primordial (por ele chamada de
“posição original”), em que as pessoas não sabem quais são seus interesses pelo

162
próprio benefício. Isso pressupõe que existe fundamentalmente apenas um tipo de
argumento imparcial que satisfaça as exigências da justiça e do qual os interesses
pelo próprio benefício tenham sido aparados. Acredito

que isso possa ser um erro. Pode haver diferenças, por exemplo, nos pesos
comparativos exatos a serem dados à igualdade distribucional, por um lado, e na
melhoria geral ou agregada, por outro. Em sua identificação transcendental, John
Rawls especifica uma dessas fórmulas (a regra do maximin lexicográfico, a ser
discutida no capítulo 2), entre muitas outras disponíveis, sem apresentar
argumentos convincentes que eliminariam todas as outras alternativas que
poderiam concorrer pela atenção imparcial com essa sua fórmula bastante
especial. Pode haver muitas outras diferenças arrazoadas envolvendo as fórmulas
específicas sobre as quais Rawls se concentra em seus dois princípios de justiça,
sem nos mostrar por que outras alternativas não continuariam a merecer atenção
na atmosfera imparcial de sua posição original”(SEN, Amartya. A ideia de justiça.
Amartya Sen; tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo:
Companhia das letras, 2011, p. 40-41).

OS DOIS PRINCÍPIOS DETERMINADOS PELO ACORDO INICIAL

“A ideia é a de que, se alguém tem que escolher princípios, mas nada sabe sobre
a sua posição e sobre o seu futuro, não podendo determinar quais princípios
constitutivos da justiça poderiam ser vantajosos e quais poderiam ser
desvantajosos para ele, tenderá a escolher princípios "neutros", de interesse geral,
princípios que sejam bons para qualquer um e para todos. Sob essas condições, o
acordo inicial determinaria, necessariamente, dois princípios (TJ § 60-68; 245 e
ss.):

a) o da liberdade: cada pessoa deve ter direito igual ao mais amplo sistema de
liberdades básicas. A justiça é dada, antes de tudo, pela liberdade de opinião e de
consciência, igual para todos e que impera acima dos interesses econômicos, das
aspirações político-sociais e das convicções religiosas. A liberdade deve ser a
mais ampla, compatível com as liberdades alheias. Esse princípio é prioritário em
relação a todos os outros;

163
b) o da diferença: segundo o qual as desigualdades socioeconômicas só podem ser
consideradas justas se produzirem uma compensação, um reequilíbrio das
situações, em especial para os membros menos favorecidos da sociedade. De
modo que as desigualdades, para serem justas, obedecem a duas condições:
propiciar o maior benefício aos menos favorecidos e garantir o acesso a cargos e
posições em condições equitativas, isto é, em que as oportunidades e vantagens
sejam acessíveis a todos, igualando a atribuição de direitos e de deveres” THIRY-
CHERQUES, Hermano Roberto. John Rawls: a economia moral da justiça.
Sociedade e Estado. vol.26 no.3. p. 551-564. Brasília Sept./Dec. 2011).

ESTADO DE DIREITO E LIBERDADE

“Definitivamente, esses preceitos que definem o estado de direito na teoria


política de Rawls estão claramente em íntima conexão com a liberdade. Uma vez
que se entenda que a liberdade é um complexo de direitos e deveres definidos
pelas instituições, "As diversas liberdades especificam coisas que podemos optar
por fazer, se assim o desejarmos, e nas quais, quando a natureza da liberdade as
torna apropriadas, todos têm um dever de não interferir"[59]. Esse aspecto é
semelhante àquela caracterização da liberdade desenvolvida por Montesquieu
segundo a qual é permissível fazer tudo o que, dentro dos limites da lei, sob a
égide da não intervenção alheia e estatal, ela permitir que seja feito:

Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a liberdade não pode consistir
senão em poder fazer o que se deve querer e em não ser constrangido a fazer o
que não se deve desejar: "[...] A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis
permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais
liberdade, porque os outros também teriam tal poder"[60].

É nesse sentido que se entende a afirmação categórica de Rawls de que, uma vez
que não seja respeitado o preceito do estado de direito de que não há ofensa sem
lei através da imprecisão e vagueza das leis, o que se tem a liberdade de fazer, ou
não, fica igualmente vago e impreciso. Dito de outro modo, se uma lei for
imprecisa e incerta, esclarece Rawls, a liberdade para agir dentro da estrutura
básica da sociedade também será imprecisa e incerta, fincando limitado o

164
exercício da liberdade por um temos razoável, e, consequentemente, não haverá
meios que possibilitem a criação de uma base para expectativas legítimas.

Obviamente, a relação com a liberdade dá-se também com os outros preceitos do


estado de direito. Rawls indica que o mesmo tipo de consequência ocorre quando
os demais preceitos do estado de direito não são respeitados, de forma que o
exercício da liberdade fica comprometido e limitado. Assim "Resultam-nos
mesmos tipos de consequência os casos semelhantes que não são tratados de
maneira semelhante, se falta ao processo judicial a integridade essencial, se a lei
não reconhece a impossibilidade de cumprir o dever legal como uma defesa, e
assim por diante. O princípio da legalidade encontra, então, um fundamento firme
no acordo de pessoas racionais que querem instituir para si mesmas o grau
máximo de liberdade igual. Para terem confiança na posse e no exercício dessas
liberdades, os cidadãos de uma sociedade bem-ordenada normalmente desejarão
que se preserve o império da lei".

Uma discussão interessante, e, diga-se de passagem, relevante para a presente


temática, é indicada por Rawls numa nota, diz respeito à questão da liberdade e
do direito. Rawls traz essa discussão à tona quando afirma que se pode ventilar se
essa visão, que estabelece centrada na liberdade, vale para todos os direitos, como
aquele que menciona ao tratar do exemplo dado por Hart, qual seja, o direito de
se apropriar de alguma coisa que não foi reclamado por ninguém. No contexto
dessa discussão, Rawls não faz prolongamentos, mas toma a posição de que os
direitos especificados pela liberdade sejam suficientemente verdadeiros para o
que propõe” (BILHIM, João. As práticas dos gestores públicos em Portugal e os
códigos de ética. Sequência (Florianópolis) no.69. p. 61-82. Florianópolis
July/Dec. 2014).

“...muitos filósofos resguardaram a ideia platônica de que a justiça, longe de


ser simplesmente uma virtude dentre outras, desfruta de estatuto especial como virtude
mestra. Uma versão dessa concepção está presente no célebre livro de John Rawls, Uma
teoria da justiça, no qual o autor afirma que a "justiça é a virtude primeira das instituições
sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento" (Rawls, 2008, p. 4). Com

165
isso, Rawls não quis dizer que a justiça é a virtude mais alta, mas sim que ela é a virtude
fundamental, aquela que assegura a base para o desenvolvimento de tudo o mais. Em
princípio, as configurações sociais podem exibir um número qualquer de virtudes. Elas
podem ser, por exemplo, eficientes, ordenadas, harmoniosas, generosas ou
enobrecedoras. Mas a realização dessas possibilidades depende de uma condição anterior,
qual seja, a de que as configurações sociais em questão sejam justas. É nesse sentido,
pois, que a justiça é a virtude primeira: é apenas com a superação da injustiça
institucionalizada que conseguimos firmar o solo a partir do qual as demais virtudes, tanto
sociais quanto individuais, podem florescer. Se, como penso, Rawls está certo nesse
ponto, então, ao avaliar as configurações sociais, a primeira questão que devemos colocar
é: elas são justas? Para responder-lhe, podemos recorrer à outra tese sua: "o tema
primordial da justiça é a estrutura básica da sociedade." Essa afirmação conduz nossa
atenção, das várias características imediatamente acessíveis da vida social, à gramática
profunda que lhes subjaz, às regras básicas institucionalizadas que estabelecem os termos
elementares da interação social. Somente quando elas se ordenam de modo justo é que os
outros aspectos mais palpáveis da vida também podem ser justos. Certamente, os
pormenores da visão que Rawls tinha da justiça - como os de Platão - são problemáticos.
A ideia de que a justiça pode ser julgada exclusivamente em termos distributivos é muito
restrita, do mesmo modo como o é mecanismo da "posição original". Todavia, para os
propósitos deste ensaio, endossarei a ideia de Rawls de que o foco da reflexão sobre a
justiça deve ser a estrutura básica da sociedade” (FRASER, Nancy. Sobre justiça: lições
de Platão, Rawls e Ishiguro. Revista Brasileira de Ciência Política. no.15 Brasília. p. 265-
277. Sep./Dec. 2014).

166
2. O CONCEITO DE DIREITO. EQUIDADE. DIREITO E MORAL:

FILOSOFIA DO DIREITO

2 O conceito de Direito. Equidade. Direito e moral.

CONCEITO DE DIREITO

4. DIREITO MODERNO À LUZ DO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE


Miguel Reale, grande pensador e jurista brasileiro, ao buscar situar o Direito
Moderno ocidental e traçar suas características e influências, o dividiu em três fases
diferentes. Para tanto, levou em consideração quatro pontos de referência, que quando
alteradas em sua substância, daria início as fases seguintes. Os parâmetros por ele
utilizados dizem respeito à estrutura normativa, as fontes do Direito, a hermenêutica
jurídica e a questão da linguagem do direito.
A primeira fase do Direito Moderno, que parte da Revolução francesa em
1789, tem como grande referencial o Código Alemão de 1900 (BGB), que está recheado
de ideias individualistas, e que serviram também de influência para o revogado Código
brasileiro de 1916. Neste momento, pensar em costume jurídico como se pensava na Idade
Média, ou seja, como fonte de direito, era inadmissível. Foi na Revolução Francesa que
a burguesia liberal se consolidou, com base numa ordem econômica capitalista ainda
essencialmente agrícola, mas que já caminhava para uma sociedade industrial,
influenciando e trazendo profundas alterações no plano jurídico, que envolveram todas
as orientações político-econômicas que iriam se pulverizar nos anos seguintes e
influenciar todo o Direito Moderno, tais como o nacionalismo, liberalismo, socialismo,
estatismo, anarquismo e a própria democracia.
Neste momento e contexto histórico, da edição do Código Civil
(LGL\2002\400) francês de 1804 (Código Napoleônico) e da Escola da Exegese, a norma
positiva era a fonte jurídica por excelência, entendida como proposição imperativa e
coercitiva, numa plenitude do ordenamento legal, cuja missão do jurista seria
extremamente mecânica, enquadrando fatos com textos legais postos, sem imprimir
outros valores ou transcender qualquer fronteira, assim, funcionando a hermenêutica

167
jurídica para explicitar dados normativos, com preocupações puramente conceituais, e
com inegável categorização dos institutos jurídicos.

Este cenário foi balançado pelas proposições de Savigny, fundador da Escola


Histórica, que traria os valores do espírito do povo (volksgeist), como fonte material do
direito, o que sem dúvida traria mudanças nas próprias fontes formais do direito, a partir
da aceitação dos usos e costumes como fonte jurídica, já que emanadas pela vontade
popular, ou ainda, do direito científico, proveniente da comunidade dos juristas
(juristenrecht), surgindo a lei num terceiro momento, quando decorre justamente da
integração das outras duas manifestações da consciência jurídica (popular e científica).
Porém, a inovação de pensamentos e ideais trazidos pela Escola Histórica foi
perdendo força na medida em que o processo capitalista e industrial exigia certeza nas
relações econômicas que se multiplicavam, servindo a norma escrita posta como garantia
de direitos individuais dentro desta sociedade.
As preocupações da experiência histórica como fonte jurídica, passaria então
para o plano da hermenêutica, por meio da Escola dos Pandectistas, que viriam refletir
sobre a vontade do legislador ao proferir aquela norma, a partir de uma análise histórica,
e o que a Escola da Exegese não repudiou por completo.
Finalizando a análise que Miguel Reale fez acerca do da primeira fase do
Direito Moderno, ainda fez menção ao normativismo jurídico estatal nos países do
common law, deixando claro que tanto neste, como nos países do civil law, o topo da
pirâmide normativa será sempre composta por normas estatais e jurisdicionais. O que
ocorre é que, por mais que no common law as leis também prevaleçam, o espírito delas é
tão pronunciado que, via de regra, a referência é feita às sentenças que mandam aplicar o
texto de lei, e não a eles diretamente.
A segunda fase do Direito Moderno, considerada por Miguel Reale, a partir
da primeira década do século XX, contou com certo declínio daquele modelo jurídico
duro, que se preocupava muito mais com as normas jurídicas do que com a vida do direito.
Este era o momento histórico do capitalismo industrial, com evolução tecnológica, com
mobilidade social do proletariado, que agora, vinha participar da classe média.
Foi inicialmente com Jhering que determinados valores éticos e sociais
começaram a interagir na dogmática jurídica dominante, em detrimento do formalismo

168
jurídico da Escola da Exegese, sendo este conteúdo social sido reforçado com os
ensinamentos da sociologia jurídica, que passaram a se desenvolver.
Tais mudanças imprimiam conteúdo social do Direito, a tão desejada
socialidade, desencadeando um grande movimento contra o formalismo jurídico que
buscava afastar o direito como criação do Estado, resultando na sua superação e no
reconhecimento da presença de valores sociais, o que deu margem inclusive a se admitir
outras fontes de direito, passando-se a aceitar como tais o costume, a jurisprudência e a
doutrina para tanto. Mais que isso, segundo Miguel Reale, sucedia-se mesmo uma
mudança no próprio conceito de norma jurídica, que se distanciava da vontade estatal
para ser encarada como uma norma social, trazendo consigo duas importantes
consequências complementares, quais sejam, de ordem histórica com a superação da
dogmática jurídica romanística e a outra de ordem hermenêutica, pelo sucumbimento do
método dedutivo de interpretação.
É neste momento da segunda fase do Direito Moderno, que Miguel Reale
sentiu o espírito da dogmática jurídica de cunho social e a exemplificou quando aponta
para o reconhecimento da função social da propriedade e do contrato, que bem mais tarde
ganhariam status de princípio constitucional em nossa Carta Republicana e no nosso
próprio Código Civil (LGL\2002\400).
Como crítica a esta fase do Direito Moderno, o jurista em questão aponta a
inegável contradição que se formava, já que a desejada socialidade de então trouxe certa
estatalidade, especialmente em decorrência da primeira guerra mundial, já que a
consequência natural de um pós-guerra, seja ela qual for, traz inegável fortalecimento ao
poder do Estado, que passa a reconstruir os bens destruídos no conflito ou reorganizar a
economia, o que impulsionou naquele momento o próprio direito tributário e
administrativo.
Antes de passar a análise da terceira fase do Direito Moderno, Miguel Reale
ainda faz questão de destacar os feitos de Hans Kelsen, que se pôs a estudar aquela
mudança que ocorria no conceito de norma, instaurando a teoria do normativo como uma
teoria do dever ser, que abria campo de renovação no estudo da lógica jurídica,
desenvolvendo uma pesquisa acerca da evolução do conceito de norma na sua Teoria Pura
do Direito.
Apesar de fatores materiais não serem suficientes por si só para romperem ou
inaugurarem novo ciclo histórico, o fato é que Miguel Reale considera que a cibernética,

169
formada pelo avanço dos computadores e dos condutores de informação marcaram a
terceira fase do Direito Moderno, atingindo profundamente a experiência jurídica em
geral.
Neste contexto de evolução as decisões já poderiam estar armazenadas em
memórias eletrônicas de fácil acesso e organização, bem como o mapeamento de todo o
sistema para identificação de contradições ficava muito mais acessível e viável dentro do
sistema.
Convenceu-se ainda Miguel Reale, de que o revisionismo seria o sinal da
modernidade tanto no contexto político como jurídico, compreendendo esta nova fase do
Direito Moderno, permeada pela assimilação de termos axiológicos, por um entendimento
mais amplo e maleável da vida jurídica em sentido de integralidade, onde o papel que
desempenha os valores ganha imprescindibilidade, reconhecendo-se aquilo que foi
chamado por Lamartine de Jurisprudência de Valores.
Esta Jurisprudência de Valores, por ser natural, não estaria vinculada a um
conceito específico de valor, quando então Miguel Reale faz uma alusão até mesmo à
teoria finalística da ação de Welzel, uma vez que o valor seria imanente, radicado na
realidade. É claro que neste momento pode-se afirmar, ao meu ver, que todos os estudos
e entendimentos de Direito Natural ao longo da história contribuíram para formação
destes novos ideais.
Miguel Reale destaca a experiência jurídica como uma importantíssima
expressão da Jurisprudência de Valores, seja perante aqueles teóricos que concebem o
direito como experiência, seja para aqueles tenham maior simpatia pela concreção
jurídica, já que em ambos os casos o direito é compreendido como momento essencial da
vida cultural, com valores concretos e não imaginários ou transcendentais.
A presença da Jurisprudência de Valores nos textos de lei podem ser vistos
tanto na Constituição Federal de 1988, que, por exemplo, inverteu metodologicamente as
normas de organização do Estado com aquelas que tratam dos valores e garantias
individuais, como também no próprio Código Civil (LGL\2002\400) que a todo momento
se reporta a valores éticos e sociais para regular as relações civis, ou ainda a legislação
complementar, a exemplo do Estatuto do Idoso.
Neves, Karina Penna. Concepção integral do direito à luz do pensamento de
Alceu Amoroso Lima e o direito moderno à luz do pensamento de Miguel Reale. Revista
dos tribunais. São Paulo, v. 102, n. 932, p. 221-239, jun. 2013.

170
DIREITO E MORAL

(TJ/DFT/Juiz/2015) Explique o que se entende por “Teoria do Mínimo


Ético”, abordando especialmente os seguintes aspectos: a) Qual sua importância para a
filosofia do direito; b) Quais as principais críticas que se fazem a essa teoria; c) Qual ou
quais teorias representam alternativas viáveis à Teoria do Mínimo Ético e as razões pelas
quais dela se diferenciam. d) fazer opção crítica pela teoria que entende mais adequada,
explicitando os motivos que o levam a assim decidir.

VISÃO GERAL

Em relação à importância do tema, costuma-se afirmar que a diferenciação


entre direito e moral se consubstancia em “um dos problemas mais difíceis e também dos
mais belos da Filosofia Jurídica” (REALE, 2010, p. 41). Com efeito, Robert Alexy
qualifica a relação entre direito e moral como “o principal problema na polêmica do
conceito de direito” (ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009, p. 3).

Nesse contexto, apresenta-se algumas das doutrinas que, há mais de dois mil
anos, explicam o tema.

TESES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO MORAL

Como já relatado, o debate é bastante antigo.

Robert Alexy menciona um exemplo que data de dois mil anos: “...até hoje
são distintas as respostas que se dão à pergunta relatada por Xenofonte, feita por
Alcibíades a Péricles: ‘Então, quando um tirano apodera-se de um Estado e impõe aos
cidadãos o que eles devem fazer, isso também é uma lei?” (ALEXY, 2011, p. 3, nota de
rodapé nº 1).

Tomás de Aquino já tratava do conteúdo moral do direito em sua doutrina do


bem. Haveria uma separação entre o bem comum, espaço do direito, e o bem individual,

171
consistente no reino da moral. Aquino antecipava portanto a doutrina do foro interno e do
foro externo.

A partir do racionalismo dos séculos XVII e XVIII, Christian Thamasius e


Immanuel Kant avançaram a partir das correntes da filosofia medieval.

A partir desse relance, Thomasius, no início do século XVII, diferenciou os


preceitos jurídicos dos preceitos morais a partir de sua destinação: "os primeiros estariam
destinados a regular as relações do homem com seus semelhantes, os segundos, a definir
os deveres do indivíduo para consigo próprio" (COELHO, Luís Fernando. Teoria crítica
do direito. 3a. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 220).

Kant, na tentativa de descrever um imperativo que pudesse funcionar como


um imperativo categórico, diferenciou os motivos da ação do seu aspecto exterior: "A
moral se refere as ações internas e tem como fundamento o seguinte princípio: "age
sempre de modo tal que o motivo de sua ação possa valer em qualquer tempo com o
princípio de uma legislação universal. O direito refere-se ao espectro externo dos atos,
isto é, a conformidade da ação com a lei, e fundamenta-se no seguinte princípio: conduz-
te de modo tal que o teu arbítrio possa coexistir com arbítrio de todos, segundo uma lei
universal de liberdade. Tal é o enunciado do imperativo categórico, respectivamente, da
moral e do direito" (COELHO, 2003, p. 221).

Essas doutrinas de Thomasius e Kant da separação entre o fato externo e o


interno perderam força quando o direito passou a considerar essencial para a validade do
direito a intenção e a vontade sem vício ou erro.

MORAL COMO MÍNIMO ÉTICO

Miguel Reale conceitua a teoria dos círculos concêntricos como sendo a teoria
do mínimo ético.

A formulação pictográfica dessa doutrina é atribuída a Jeremy Bentham, que


recorreu à figura geométrica dos círculos.

Por esta teoria haveria dois círculos concêntricos. O círculo da moral possui
um raio mais longo, enquanto que o menor pertenceria ao Direito. Isso significa que a
moral é maior que o Direito, e que o Direito dela faz parte; e que o Direito se subordina
às regras morais.
172
Essa exposição de Bentham foi desenvolvida por outros autores.

O mais mencionado é o jurista alemão Georg Jellinek para quem o direito


seria uma parte da moral. Um conjunto de normas éticas necessários à vida social. É
dotado de algumas características formais definidas como mínimo de moralidade: “... o
Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade
possa sobreviver” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª. ed., ajustada ao
novo Código Civil, 6ª. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 42).

Na teoria do mínimo ético, o direito seria “o estritamente necessário para a


convivência social” (MONTORO, Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 126). Na relação direito moral, ambos “se acham
identificados em seus respectivos setores de incidência, sem se oporem e sem se tornarem
independentes um do outro” (COELHO, 2003, pp. 222-223).

Os adeptos dizem que a moral possui uma aceitação espontânea, mas como
as violações são inevitáveis “é indispensável que um mínimo ético seja declarado
obrigatório e armado de força para se fazer cumprir, impedindo assim a transgressão
daqueles dispositivos que a comunidade considerar necessários à paz social” (BETIOLI,
Antônio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 115).

Essa doutrina costuma ser reduzida à seguinte ideia: tudo o que é jurídico é
moral, nem tudo o que é moral é jurídico.: “O direito seria uma espécie dentro do gênero
moral” (COELHO, Luiz Fernando. Helênia e Devília - Civilização e barbárie na saga dos
direitos humanos. Curitiba: Bonijuris, 2014, p. 37).

A questão que se coloca é a seguinte: toda norma jurídica se contém no plano


moral?

A resposta é negativa, pois existem matérias positivadas que podem ser


consideradas como questões amorais (=indiferente à moral), tais como as regras de
trânsito (mão e contramão), prazos processuais. Portanto, o direito tutela muita coisa que
extrapola a moral. Em outros termos, nem tudo o que se passa no mundo jurídico é ditado
por motivos morais sendo certo que há casos de normas jurídicas imorais.

Nesse sentido, é a doutrina de Miguel Reale: “Existe (...) o desejo incoercível


de que o Direito tutela só o “lícto moral”, mas, por mais que os homens se esforcem nesse

173
sentido, apesar de todas as providências cabíveis, sempre permanece um resíduo de
imoral tutelado pelo Direito” (REALE, 2009, p. 43).

Uma conclusão parcial pode ser extraída dessa apresentação inicial para
contemplar a letra “c” da questão proposta. Pode-se apresentar as doutrinas de Kant e
Jellinek como situadas em dois extremos: “a separação absoluta entre a ordem ética e a
jurídica, e absorção total da segunda pela primeira" (COELHO, 2014, pp. 37-38).

Há ainda outras teorias a serem apresentadas.

IDENTIDADE

Existe uma coincidência entre os mandamentos jurídicos e morais. Essa tese


não diferencia o conceito da moral do conceito do direito: “Sustenta-se que existe um
único sistema de normas que regulamentam o comportamento social. Essa visão é
peculiar de sociedades antigas, principalmente de sociedades pequenas e pouco
diferenciadas" (DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito 7ª. ed.,
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 64).

TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES

Por essa teoria haveria dois círculos que se cruzam até um determinado ponto
apenas.

O Direito e a moral possuem um ponto comum, sobre o qual ambos têm


competência para atuar, mas deverá haver uma área delimitada e particular para cada um,
pois há assuntos que um não poderá interferir na esfera do outro.

A MORAL COMO MÍNÍMO JURÍDICO

Nessa teoria, as regras morais constituem o núcleo do direito que compreende


muitas normas moralmente indiferentes.

“A tese da moral como mínimo jurídico considera que os ordenamentos


jurídicos regulamentam os mais variados aspectos das relações humanas, incluindo
normas sobre assuntos que não interessam à moral ou regulamentam questões
moralmente controvertidas. Mesmo assim, no centro de todos os sistemas de normas

174
jurídicas encontram-se alguns princípios fundamentais que decorrem das convicções
morais que são aceitas pela sociedade inteira e norteiam o direito (dignidade humana,
respeito à vida, igualdade, cumprimento das promessas)” (DIMOULIS, 2016, p. 64).

O DEBATE ATUAL

Uma vez feito o histórico, convém assinalar que o debate atual cinge-se às
duas correntes que se seguem. Com efeito, os filósofos e teóricos do direito não debatem
mais essas teses apresentadas anteriormente: “A controvérsia concentra-se, atualmente,
entre os partidários da tese da conexão e os adeptos da tese da separação” (DIMOULIS,
2016, p. 65).

Na primeira, a tese da separação, postula-se a inexistência de qualquer


“conexão conceitualmente necessária entre o direito e a moral, entre aquilo que o direito
ordena e aquilo que a justiça exige, ou entre o direito como ele é e como ele deve ser”
(ALEXY, 2009, p. 3). Aqui pode ser mencionado os grandes positivistas: Herbert Hart e
Hans Kelsen.

Em contrapartida, todas as teorias não positivistas defendem a tese da


vinculação na qual: “o conceito de direito deve ser definido de modo que contenha
elementos morais" (ALEXY, 2009, p. 4).

TESE DA CONEXÃO

Essa tese da conexão é adotada pelos autores moralistas. Nessa abordagem,


pode-se mencionar Dworkin e Alexy.

Dimoulis apresenta duas variantes:

a) moralismo jurídico radical: "não é possível distinguir claramente entre o


direito e a moral. Quando o intérprete deseja entender e aplicar um texto legal deve
sempre levar em consideração as crenças morais de sua sociedade".

b) moralismo jurídico moderado: "o direito permanece aberto diante da moral,


cujos valores o influenciam”.

Essa abertura manifesta-se no aspecto (a) da validade do direito "Uma norma


jurídica é válida se respeitar os princípios básicos da moral (moralismo da validade)" e

175
(b) em relação à interpretação jurídica: "Devemos interpretar o direito em conformidade
com os preceitos morais (moralismo da interpretação)".

Em resumo, “Os autores moralistas concluem que o direito deve ser


obedecido pela população, já que seu conteúdo corresponde aos imperativos da moral,
sendo adequado e justo. Quando as normas escritas são pouco claras ou não satisfazem
os imperativos básicos da moralidade, devem ser corrigidas pelo intérprete. O operador
do direito deve tentar conseguir a máxima coerência entre preceitos morais e normas
jurídicas, já que o direito está vinculado a ideais superiores e a aplicação de normas
inadequadas ou mesmo injustas é uma traição aos ideais da profissão jurídica e das
expectativas da sociedade” (DIMOULIS, 2016, p. 65).

TESE DA SEPARAÇÃO

Para Hans Kelsen, o mais importante expoente da doutrina, o Direito é


autônomo e a validade de suas normas nada têm a ver com as regras morais. Para ele
haveria dois grandes círculos totalmente independentes um do outro. Paulo Nader,
apresentando o pensamento de Kelsen assinala a norma jurídica como “o único elemento
essencial ao Direito, cuja validade não depende de conteúdos morais” (NADER, Paulo.
Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 43).

Essa escola pode ser conceituada como positivista. A maioria dos adeptos "...
rejeita o dever de obediência da população e critica o moralismo como ideologia que
legitima o direito em vigor, porque impossibilita sua crítica. Na visão dos positivistas, o
operador jurídico deve limitar-se à interpretação das normas válidas, deixando as pessoas
livres para obedecer ou não às normas em vigor, segundo seus interesses e suas
convicções políticas" (DIMOULIS, 2016, p. 66).

Há dois argumentos fundamentais dessa posição:

A) segurança jurídica: Se o direito for relativizado pela moral, estabelece-se


um sistema de exceções no qual a previsibilidade das decisões jurídicas é suplantada pelos
"anseios" da moral. Como não existe uma única moral, a população se encontrará à mercê
de valores morais de quem exerce o poder e, principalmente, do Poder Judiciário: "...a
pluralidade dos sistemas morais em uma sociedade impossibilita as tentativas de
identificar regras morais aceitas por todos (...)" (DIMOULIS, 2016, p. 66);

176
B) "...o direito moderno é válido porque é posto em vigor pelas autoridades
competentes e não porque respeita a moral. Em conclusão, a forte relação entre o direito
e a moral não constitui motivo de validade nem motivo de interpretação das normas
jurídicas" (DIMOULIS, 2016, p. 66).

MORAL E DIREITO

2. Norma moral e norma jurídica


As normas jurídicas e as normas morais apresentam em comum o fato de
prescreverem o modo de comportamento dos indivíduos em sociedade. Distinguem-se
porém, através de características próprias que a Teoria Geral do Direito aponta, e que são,
na norma jurídica, a bilateralidade, a objetividade, a generalidade, a coercitividade e a
heteronomia e na norma moral, a unilateralidade, a subjetividade, a individualidade, a não
coercitividade e a autonomia.15
A norma jurídica é bilateral, no sentido de que atribui direito a um e dever a
outro sujeito, referente àquele direito. A norma moral é unilateral, visto que determina o
comportamento de um só indivíduo quando dispõe, por exemplo, “não matarás”, “não
roubarás”, etc.
A norma jurídica é objetiva no sentido de que existe fora do indivíduo; é
heterônoma. A norma moral é subjetiva, pois atua no foro íntimo da pessoa que a aceita
e a considera válida, é autônoma.
A norma jurídica é coercitiva, visto que as sanções jurídicas se encontram
previstas no sistema normativo que dispõe sobre as condições de sua aplicação e seus
efeitos, enquanto a norma moral dispõe de sanção interna, de foro íntimo, que se traduz
no remorso, no arrependimento.
Não obstante a diversidade de domínio da norma jurídica da norma moral, a
doutrina é pacífica no admitir que o direito e a moral coincidem em considerável medida.
Principalmente no Direito Privado, grande número de regras decorre da simples
honestidade. No Direito Penal, a maior parte dos crimes constitui também atos imorais.
No entanto, grande número de deveres permanecem fora do alcance da norma
jurídica, como o de praticar atos de caridade e o de falar a verdade. E, por outro lado,
existem normas jurídicas que são completamente independentes e estranhas à moral,
como ocorre com as normas jurídicas administrativas, as notariais, as processuais, normas

177
cuja finalidade é exclusivamente prática. Finalmente, cabe dizer que o campo de
incidência da norma moral é mais amplo que o da norma jurídica: non omne quod licet
honestum est.16

3. O caráter jurídico da regra moral. Colocação do problema


No antigo Direito romano, a palavra ius designava propriamente o costume,
herdado, nas suas estruturas fundamentais, dos vários povos (latinos, sabinos, etruscos)
que deram início ao Império Romano. Em seguida, essa palavra passou a ser usada
indiferentemente, tanto no sentido subjetivo como no objetivo, isto é, como direito em
geral. Para Celso, ius est ars boni et aequi. Para Ulpiano, Juris praecepta sunt ha ec: honest
vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere.
Da palavra ius deriva iustítia, a vontade firme e permanente de atribuir a cada
um o seu direito: iustitia est constant et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi,
segundo Ulpiano.
Do vocábulo ius-iure, do Direito romano, derivou o adjetivo jurídico, que
significa conforme aos princípios do Direito, obrigatório.
O problema que se coloca à investigação é saber se a norma moral é, ou pode
vir a ser, obrigatória. É sabido que a grande maioria dos dispositivos legais apresenta
grande influência dos princípios morais. Mas não é este o caso, visto que tais hipóteses já
se acham revestidas do caráter obrigatório decorrente de imposição legal. O que interessa
à investigação é verificar se, mesmo não constando, ou não estando contida em preceito
legal, o mandamento moral tem eficiência de lei, isto é, pode ser aplicado com eficácia.

II – Direito e moral. Retrospectiva histórica1. Grécia e Roma


Entre os povos primitivos, o Direito, a Moral e a Religião formavam um
conjunto homogêneo de normas, sem distinção. Dominavam os costumes,
indiferenciados, cuja severidade permitia obter aquilo a que, mais tarde, constituiria o fim
do Direito: a justiça e a ordem. Esse conjunto de regras de comportamento, normas
costumeiras, de caráter nitidamente religioso, imperava, com autoridade, sobre toda a
vida social. Esse aspecto manifesta-se nas primeiras codificações, como o

Código de Hamurabi ou a Lei Mosaica.

178
Entre os gregos, tampouco se encontra uma nítida separação entre Direito e
Moral. O indivíduo era absorvido pela cidade (hoje diríamos, pelo Estado), cujo interesse
era superior e dominante. O pensamento grego, com exceção dos sofistas, estava
impregnado do caráter sagrado das leis que, baseados nas mais antigas tradições,
apareciam rodeados de crença religiosa. Sócrates fazia do respeito à lei o fundamento
místico da moral cívica. Platão considerava a justiça, que é valor jurídico, no plano moral,
concebendo-a como virtude a todas superior. Aristóteles, por sua vez, sustentou que a
justiça era, em sentido amplo, o princípio de todas as virtudes, era o grande princípio da
moral religiosa, tendo elaborado célebre teoria que permaneceu no tempo. Ele distingue
na justiça dois aspectos: a justiça distributiva e a comutativa. A primeira refere-se às
relações entre a coletividade e os indivíduos; baseia-se na idéia de proporção; o que cada
um recebe, deve ser proporcional ao seu papel, a seus méritos ou à sua contribuição; o
dever de cada um é proporcional aos seus meios. A justiça comutativa diz respeito às
relações entre particulares, colocando-se sob o espírito da igualdade, igualdade nas trocas,
igualdade de reparação do dano causado.
Em Roma, já se verifica uma certa distinção entre o direito e a moral, se bem
que pouco nítida. Com o desenvolvimento do espírito individualista, os juristas começam
a tomar consciência dessa distinção, como demonstra a célebre frase de Paulo: non omme
quod licet honestum est.20
No entanto, noutras passagens, vemos ainda a identificação da moral com o
direito, como na de Celso: Ius est ars bani et aequi. A primeira parte (ars boni) referindo-
se à moral, a segunda (ars aequi), ao direito. A confusão permanece com Ulpiano ao
formular os seus três grandes princípios de Direito: Iuris praecepta sunt haec: honeste
vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. A separação do ius civile, Direito
Positivo aplicado somente aos cidadãos romanos, do ius gentium, aplicável aos
estrangeiros, é que tornou, posteriormente, mais nítido o dualismo existente, do Direito e
da Moral.
Com o Cristianismo, renovaram-se as concepções sobre o direito e a moral.
Uma passagem do Evangelho demonstra o pensamento característico: “Dai a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.23 A moral pertencia a Deus, o jurídico
ao Estado. Moral e Direito, cada um com sua própria esfera de ação.

2. Idade Média

179
Na Idade Média, a Igreja apresenta uma organização institucional, política e
jurídica, com poder espiritual e temporal. Ministrando justiça em seus feudos, a Igreja
intervinha, também nos estados cristãos, nos três fatos fundamentais da vida civil, o
nascimento, o casamento e a morte. O Direito Canônico dominava plenamente.
Dessa forma, nem na patrística nem na escolástica encontramos uma distinção
teórica entre o direito e a moral. Em vez de uma separação de esfera de influência, havia
uma tendência para a subordinação do direito à moral. Admitia-se, entretanto, que a moral
destinava-se ao bem do indivíduo, enquanto o direito destinava-se ao bem comum.
Com São Tomás de Aquino sistematizou-se a distinção entre a moral e o
direito. Em sua obra Fundamenta Iuris Naturae et Gentium, sustenta que a moral tem por
princípio o honestum e o direito o justum; a moral refere-se ao forum internum e o direito
ao forum externum, não se ocupando do pensamento. O Estado, órgão do Direito, não
pode penetrar no âmbito da consciência para impor determinadas crenças. Daí concluir-
se que a moral não é coercível, e tem por objetivo o aperfeiçoamento individual, enquanto
o direito dispõe de sanção e destina-se à disciplina da coexistência social. São Tomás,
que retomou algumas idéias essenciais de Aristóteles ao resolver o problema do
relacionamento Igreja-Estado, onde estabeleceu o primado de Deus, considerava a
existência de três leis fundamentais: a lei eterna que, baseava na razão divina, governa o
Universo; a lei natural que, reflexo da razão divina, submete os homens, e a lei humana
que aplica os princípios da lei natural às circunstâncias particulares de cada sociedade. A
lei humana deve ser conforme à lei natural: se aquela for injusta e quiser violar os
preceitos divinos, deve ser desobedecida, salvo se a resistência provocar escândalo ou
desordem.

3. Direito natural
Depois de São Tomás de Aquino encontramos a escola do Direito Natural.
Cabe preliminarmente distinguir, com R. Limongi França, a Escola Clássica
do Direito Natural e o Jusnaturalismo.25
A primeira, que se manifesta na filosofia clássica, greco-romana, no Direito
romano e no pensamento medieval de Sto. Agostinho, Sto. Isidoro e São Tomás de
Aquino, traduz-se na existência de um princípio único, imutável, superior a todas as
ordens jurídicas, mandando que se faça o bem e que se evite o mal. Esse princípio, de

180
ordem moral, supõe um “conhecimento objetivo e experimental da natureza humana” e
tem caráter permanente e variável conforme se trate desse princípio ou de sua aplicação.
O jusnaturalismo, por sua vez, que representa uma certa involução da idéia
do Direito Natural, e que tem como expoente Grotius, é um “sistema completo,
universalmente válido e imutável, deduzido de uma noção abstrata do homem e da sua
natureza, consagrando o predomínio dos direitos naturais subjetivos”.27

Grotius publicou em 1625 sua principal obra De Jure Belli ac Pacis cuja
primeira parte é dedicada a uma Teoria do Direito e da Sociedade. Para ele, o homem
caracteriza-se por sua natureza social e racional. Desse modo, são conformes à sua
natureza todas as regras da vida que, à luz da razão, aparecem como favoráveis à vida em
sociedade. Decorrem disso o dever de respeitar os bens dos outros, o de cumprir cada um
suas promessas, a obrigação de reparar o dano causado a outrem, a punição que deve ser
aplicada aos culpados, etc. Esses princípios formam a estrutura do Direito Natural, quer
dizer, um conjunto de regras universalmente necessárias à vida social e assim
reconhecidas como tal por todas as nações civilizadas. Esse Direito Natural resume-se,
em suma, à justiça e não se distingue da moral. É Deus que, criando a natureza, quis que
tais princípios existissem em nós; mas eles se manifestam através da natureza humana e
não resultam de uma revelação divina.
Embora com pontos de vista bastante diferentes, o filósofo inglês Hobbes,
contemporâneo de Grotius, chega a conclusões análogas às dele: a idéia de um Direito
Natural de caráter moral, concepção essa que se manifesta nos demais pensadores da
Escola do Direito Natural, mais propriamente jusnaturalismo, Puffendorf, com sua obra
Le Droit des Gens ou Systéme Général de la Morale, de la Jurisprudence et de la Politique,
Bulamarqui, Vattel e Wollf.
Embora não unânime entre os teóricos do Direito Natural, muitos deles
consideram este como parte da moral.
O Direito Natural representa para esses juristas, a categoria da regra moral.28
Direito Natural como Moral.A seguir, encontramos em Emmanuel Kant, nítida distinção
entre moral e direito. Para o filósofo de Koenisberg, são “naturais” as regras que a razão
reconhece a priori; são positivas as que emanam do legislador. Uma ação é moral se ela
tem por móvel a idéia do dever; ela é conforme ao direito, isto é, justa, se ela obedece à
regra exterior que harmoniza as liberdades individuais. Seguindo as idéias de São Tomás

181
de Aquino sobre o tema, Kant distingue a moral do direito baseando-se na diferença entre
os motivos da ação (ações internas) e o aspecto físico dessa (ação externa). A moral
refere-se a esses motivos, ao foro interno; o direito refere-se ao aspecto externo dos atos,
isto é, à conformidade da ação com a lei.29 A concepção kantiana encontra, porém,
limitado número de adeptos.
Hoje em dia os juristas estão geralmente de acordo em que o campo do direito
e o da moral coincidem em grande parte. Principalmente no Direito Privado, grande
número de regras são determinadas pelos princípios morais. A moral circula no interior
do Direito Positivo como o sangue no corpo.30 O Direito de Família determina o
cumprimento de deveres quais que são intrinsecamente deveres morais. No campo do
Direito das Obrigações e no dos Direitos Reais, o princípio da boa fé nada mais é que um
princípio moral.
A condenação ao abuso de direito é princípio moral. No entanto, certos
princípios morais permanecem estranhos ao direito, com os deveres para consigo mesmo,
o dever de caridade, o dever de não mentir, etc.

III – A regra moral no direito positivo brasileiro


1. No Direito Público
Como já exposto no item I, a grande maioria dos dispositivos legais que forma
o sistema de Direito Civil, em qualquer povo, revela a influência dos princípios morais.
As normas jurídicas são preceitos que materializam regras já existentes no universo
social; o legislador apenas constata-as e lhes dá forma de lei.
No Direito Positivo brasileiro a influência moral é uma constante, e sua
defesa uma preocupação.A Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do
Brasil, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, assegura aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
legalidade, à segurança e à propriedade.31 A manifestação de pensamento é livre, não
sendo permitidas, no entanto, as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos
bons costumes. Vê-se aqui, um dos mais importantes dispositivos da nossa Constituição,
que o exercício dos direitos individuais é condicionado aos princípios da moral vigente
em nossa sociedade, isto é, aos cânones que regulam o comportamento do indivíduo.
No Direito Penal encontramos normas que se destinavam à defesa dos
valores morais, como ocorre com os preceitos referentes aos crimes contra o sentimento

182
religioso e contra o respeito aos mortos (CP (LGL\1940\2), arts. 208 a 212), aos crimes
contra os costumes, referindo-se estes à moral pública sexual (arts. 213 a 234) e os
referentes aos crimes contra a família (arts. 235 a 249).
É porém no sistema do Direito Privado, mais propriamente no Direito Civil,
que a influência da moral se manifesta e no campo do Direito de Família onde mais
patente se torna a influência da moral social.

2. Na Parte Geral do Direito Civil


Na Parte Geral, no Livro dos Fatos Jurídicos, dispõe-se que a todo o direito
compreende uma ação que o assegura (art. 75) e que, “para propor, ou contestar uma ação,
é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral” (art. 76). Por interesse moral
compreende-se, aqui, tudo o que disser respeito à própria personalidade do indivíduo, à
sua honra, liberdade e profissão.32
Caímos aqui no domínio dos direitos da personalidade, entendendo-se como
tal o conjunto das faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria
pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos”33 compreendem o
direito à vida e aos alimentos, ao próprio corpo, ao nome e às produções do espírito.
Quanto aos defeitos dos atos jurídicos, a fraude é uma dos que os torna
anuláveis (art. 147). E no conceito de fraude, “artifício para prejudicar terceiro”,34 estão
contidos os elementos da má fé e do intuito de prejudicar terceiros. Ora esse intuito é
manifestamente imoral, e já os romanos o repudiavam com o alterum non laedere.
A simulação é também defeito do ato jurídico que o torna anulável (art. 147,
II). Simulação é a declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso
daquele aparentemente indicadomas o Código considera defeito apenas a simulação
maliciosa, em que existe má fé. Esta equivale ao dolo, artifício usado para induzir-se
alguém à prática de ato que o prejudica mas que aproveita ao autor do dolo ou de terceiro.
O dolo é pena que também incide sobre a manifestação de vontade do agente, anulando-
a. Ora, tanto a fraude, quanto a simulação e o dolo, são defeitos do ato jurídico que a
norma jurídica civil prevê por influência manifesta dos princípios morais e é
principalmente da teoria do dolo que se destaca o caráter moral da teoria dos vícios de
consentimento.36
No tocante à nulidade, pena mais grave que atinge o ato jurídico quando há
ofensa aos princípios básicos da ordem jurídica, essa ocorre nos casos previstos pelo art.

183
145 do CC. E uma das hipóteses é a ilicitude do objeto da manifestação de vontade do
agente. O caráter ilícito significa, precisamente, ser o ato contrário à moral e aos bons
costumes, o que o leva a ser contra a lei.
Saindo da teoria das nulidades do ato jurídico, e abordando a teoria dos atos
ilícitos, verificamos que os conceitos de lícito e ilícito, isto é, conforme a lei ou contra
ela, contidos no art. 159 do CC, e a obrigação de reparar o dano nele prevista, constituem
os fundamentos da responsabilidade civil. Esse artigo traduz, em linguagem moderna, a
regra moral elementar neminem laedere do Direito romano, já expressa na Lex Aquilia.

3. No Direito de Família
Entrando na Parte Especial do Código, encontramos o Direito de Família que
é, sem dúvida, o mais influenciado pela moral.
A Família é o agrupamento humano hierarquizado, composto dos cônjuges e
de sua prole, em sentido estrito; na acepção lata, compreende também os parentes, afins
e naturais.
Constituindo um dos mais importantes, se não o mais importante núcleo
social, a família é um dos centros produtores de relações jurídicas que mais preocupa ao
Direito. Sob o ponto de vista material, o Direito de Família formou-se nos
princípios morais e religiosos já vigentes à época romana, e que se transmitiram pelo
curso das gerações, sofrendo as inevitáveis alterações que a evolução social determina.
Sob o ponto de vista formal é objeto de norma de direito interno (CF (LGL\1988\3) art.
175 e Código Civil (LGL\2002\400), arts. 180 a 206) e de normas de Direito
Internacional, (Carta das Nações Unidas, art. XVI, n. 3).
Por ser um centro básico de relações sociais, a Família sempre mereceu da
Igreja atenção especial, manifestada quer nas regras de Direito Canônico propriamente
dito, quer nas manifestações do Santo Padre, entre as quais se destaca a Encíclica Casti
Conubii, de Pio XI, a 30.12.30.
O Direito de Família compreende as regras aplicáveis às relações entre as
pessoas ligadas pelo casamento ou pelo parentesco. Compreende normas sobre
casamento, relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges e entre pais e filhos, e vínculo
de parentesco influência da moral se manifesta em inúmeras regras, como as referentes
à constituição da família legítima pelo casamento, ou da família ilegítima pelo
concubinato, as referentes aos impedimentos matrimoniais, onde é notória a influência do

184
Direito Canônico, à celebração do matrimônio, seus efeitos jurídicos e dissolução.
Principalmente no campo dos impedimentos matrimoniais, a influência moral se torna
manifesta, levando o Código a declarar a nulidade do casamento celebrado entre parentes,
consangüíneos, afins ou por adoção, entre pessoas já casadas, entre um cônjuge adúltero
com o seu co-réu, entre o cônjuge sobrevivente com o condenado no homicídio ou
tentativa de homicídio, contra o seu consorte (CC, art. 143).

Também quanto aos efeitos do casamento, principalmente no tocante ao dever


de fidelidade, a influência dos princípios morais é manifesta. Quanto às regras da filiação
e dos alimentos, o mesmo se verifica.
Enfim, em todos os institutos do Direito de Família, casamento, filiação,
pátrio-poder, alimentos, ou, dizendo com o Prof. Limongi França, “em todas as normas
que regulam o casamento e as relações recíprocas, de ordem pessoal e econômica, entre
cônjuges, entre pais e filhos, e entre parentes”39 está presente a influência, maior ou
menor dos princípios morais que, desde a família pré-histórica, passando pela grega, pela
romana e pela germânica, até à de nossos dias, a influenciaram quer no aspecto social,
quer no jurídico.

4. No Direito das Obrigações


Na parte do Direito das Obrigações também se faz presente a influência da
regra moral, tanto na elaboração da regra jurídica como na sua aplicação.
Não permite o direito as convenções contrárias aos bons costumes referentes
à vida, à pessoa, à liberdade, ao casamento, ao concubinato, ao enriquecimento imoral
decorrente de jogo, às sociedade imorais, às cláusulas supressivas da responsabilidade
civil ou penal;40 as condições imorais, como modalidades do ato jurídico, são
consideradas defesas (CC, art. 115) ou inexistentes (CC, art. 116).
Contrato imoral é o que ofende os bons costumes, isto é, o conjunto de
princípios que, em determinado tempo e lugar, constituem as diretrizes do
comportamento social no quadro das exigências mínimas da moralidade média.
O contrato é ofensivo aos bons costumes quando tem causa turpis.
A imoralidade pode estar no conteúdo, nos motivos e nos fins. Pode também
a imoralidade residir no comportamento de um dos contratantes contra o outro. Como
ensina

185
Ennecerus-Nipperdey, são imorais os contratos:43
a) que significam estímulo ou realização do que é proibido pelos bons
costumes, como a promessa de recompensa para a prática de atos imorais;
b) que visam a dificultar o que determina a moral, como a promessa de
infringir um contrato;

c) que obrigam à prática de um ato que deve ser livre de toda coação jurídica,
como o compromisso de adotar alguém como filho;
d) que menosprezem excessivamente a liberdade do indivíduo, como a
proibição contratual de estabelecer domicílio;
e) que fazem depender de dinheiro ou de valor pecuniário o que, segundo os
bons costumes, não deve ficar nessa dependência, como a abstenção de um delito;
f) que significam exploração de uma parte pela outra, como a venda a preço
extorsivo;
g) que configurem usura, como nos contratos em que se exijam juros além
da taxa legal, ou razoável.
Também nos contratos de adesão, em que as condições contratuais são
estipuladas apenas por uma das partes, aderindo a outra aos termos já estabelecidos,
eliminando-se a discussão prévia que normalmente precede à formação dos contratos,
incide a regra moral. Nesta espécie contratual existe o monopólio de fato ou de direito de
uma das partes; a outra limita-se a concordar com o já decidido. São contratos de adesão,
o de seguro, o de transporte, o de fornecimento de luz, força, gás e água, a prestação de
serviços de telefones e telégrafos, determinados contratos bancários, contratos de direito
marítimo, venda de certas mercadorias, o contrato de trabalho em empresas de grandes
dimensões e muitas outras espécies que a atividade negocial moderna enseja.
A regra moral também incide no problema da resolução contratual por
onerosidade excessiva. É o domínio da cláusula rebus sic stantibus ou da teoria da
imprevisão. Nos contratos comutativos, permite o Direito moderno que, sendo excessiva
a diferença de valor do objeto da prestação entre o momento de sua perfeição e o da
execução, o contrato se extinga. É a tese da resolução do contrato por onerosidade
excessiva, que, a partir da 1.ª Guerra Mundial começou a seduzir os juristas.
No Direito romano, contractus qui habente tractum sucessivum et
dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur. Com o desequilíbrio social

186
causado pela 1.ª Guerra Mundial, viram-se os juristas obrigados a rever suas posições
quanto ao cumprimento rigoroso das cláusulas contratuais, que pressupunham, à época
da execução, o mesmo equilíbrio fixado à época da celebração. Surgiu assim a tese de
que, nos contratos comutativos, o surgimento de fatos extraordinários e imprevisíveis,
alterando drasticamente o equilíbrio existente ao realizar-se o contrato, permite sua
resolução. É a chamada Teoria da Imprevisão, hoje pacífica em nossos
Tribunais, embora não inserta em nosso Código Civil (LGL\2002\400).46

Ainda no campo obrigacional, encontramos o tema da responsabilidade civil


como suporte fático da regra moral. Responsabilidade civil é a obrigatoriedade de pagar
o dano, entendendo-se este como a diminuição ou subtração causada por outrem, de um
bem jurídico.47
Seu princípio básico em nosso Direito está contido no art. 159 do CC que
dispõe: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação de culpa
e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a
1.532 e 1.537 a 1.553”. Além desse dispositivo, inúmeros diplomas legais versam o
assunto, contemplando hipóteses específicas, o que dá à matéria caráter fragmentário.48
A regra moral incide nesse campo particular, dispondo que existe uma
obrigação moral que proíbe causar-se dano injusto a outrem. Sancionado pela decisão
judiciária, o dever moral torna-se obrigação jurídica, quer a obrigação de reparar o dano
decorra de fato humano ou de coisa.
Temos ainda a considerar o problema da obrigação natural, entendida como
a que não possibilita ao credor o recurso à ordem jurídica para a prestação de seu crédito.
É um dever jurídico cujo cumprimento não pode ser exigido, mas cuja execução
voluntária tem o mesmo valor e produz os mesmos efeitos de uma obrigação civil.50
A obrigação natural em nosso Direito tem como principal característica o
fato de não contar com a proteção do art. 75 do CC (a cada direito corresponde uma ação).
É um gênero intermediário entre a moral e o direito. É mais que um dever moral e menos
que uma obrigação civil.51 Tendo nascido da análise dos deveres de consciência feita
pelo Direito Canônico, a obrigação moral, que não se confunde com o dever de
consciência, reflete, porém a grande força moral que manda pagar o que é devido e proíbe
a lesão de direito de outrem.

187
5. No Direito das Coisas
Quanto ao Direito das Coisas, encontramos no capítulo da posse o setor onde
se pode considerar incidente a regra moral.
Quando o Código Civil (LGL\2002\400), no art. 489, se refere à posse justa
e à injusta, mantendo a noção romana de posse nec vim, nec clam, nec precaria, quer dizer
posse que não é violenta, clandestina ou precária. Posse violenta é a que se adquire pela
força; posse clandestina é a que se estabelece às ocultas dos que têm interesse em
conhecê-la;52 posse precária é a que se origina de abuso de confiança, por parte daquele
que recebeu a coisa para restituí-la.
Além disso, refere-se ao art. 490 à posse de boa fé, quando o possuidor ignora
o vício ou o obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído. Se o
possuidor não ignora o vício da posse, isto é, a circunstância que a desvia das prescrições
legais, se tem conhecimento da ilegitimidade dela e a conserva, ocorre a má fé. A regra
moral, orientando o significado de boa fé e má fé, de justiça e injustiça, constitui a matéria
em que se baseiam os referidos dispositivos do Código.
Quanto à propriedade, direito excludente de outrem que, dentro dos limites
do interesse público e social, submete juridicamente a coisa corpórea, em todas as suas
relações (substância, acidentes e acessórios) ao poder da vontade do sujeito, mesmo
quando, injustamente, esteja sob a detenção física de outrem53 assistimos atualmente à
mudança das concepções que, sobre a matéria, presidiram à elaboração do Código Civil
(LGL\2002\400).
O Direito de Propriedade, sob a influência das condições sociais e morais
vigentes, vem gradativamente perdendo o caráter individualístico de que se revestia até
aos meados deste século. É direito cujo exercício se pretende condicionar não só à vontade
do proprietário como também ao bem-estar social. De cunho eminentemente individual,
o Direito de Propriedade que era absoluto, exclusivo e perpétuo, e que era o sustentáculo
do sistema capitalista, sofre grandes mudanças em sua concepção, passando a ter função
social. A propriedade passa a condicionar-se ao bem-estar social e ao interesse dos que
nela exercem sua atividade. A função social da propriedade é princípio constitucional (CF
(LGL\1988\3), art. 160, III).

6. No Direito das Sucessões

188
No Direito das Sucessões, ou Direito das Heranças,54 em que se disciplina a
transferência de um patrimônio pela morte de seu titular, a influência da regra moral se
faz sentir, por ser este ramo do Direito ligado ao interesse da manutenção da propriedade
no seio da mesma Família.
Acerca da evolução histórica da propriedade encontramos duas teses
distintas: a “concepção clássica” que faz da propriedade um direito natural, um atributo
inerente à pessoa individual, e que triunfa na Declaração dos Direitos do Homem, e a tese
do chamado “comunismo primitivo” de Summer Maine, Lewis Morgan, Engels.
Segundo esta, em todos os povos, a propriedade da terra foi, em seu princípio,
coletiva, tendo-se feito individual muito mais tarde à medida que o cultivo se fazia mais
intensivo. Esta concepção foi vivamente combatida por certos historiadores,
principalmente Foustel de Coulanges, sendo hoje opinião dominante que ambas as formas
de propriedade conviveram nos primórdios.
O importante é destacar-se que a propriedade adquiriu caráter familiar,
levando à idéia de continuação do novo chefe do grupo nos bens que se achavam sob a
direção do chefe pré-morto. E com o caráter privado da propriedade que marcou o
individualismo romano, a idéia de sucessão firmou-se. Além disso, sendo correlatas as
idéias de família e culto, a concepção religiosa exigia que o falecido tivesse um
continuador de seu culto.
Por isso, o fundamento da sucessão é religioso e econômico. Religioso,
porque os bens se transmitiam aos herdeiros para proporcionar se mantivesse o culto aos
deuses domésticos, continuando-se na descendência a religião dos antepassados.
Econômico, porque o desejo de segurança da família levou também à transmissão. E
como a noção de riqueza social é conseqüência da de riqueza individual, a conservação e
transferência hereditária passou a interessar, ao mesmo tempo, ao indivíduo, a sua família,
e à sociedade.
A influência da moral manifesta-se principalmente nas regras concernentes
a questões da indignidade e ao problema da deserdação.
A indignidade é a privação do direito hereditário imposta pela lei a quem
cometeu certos atos ofensivos à pessoa, à honra e aos interesses do hereditando. São
excluídos da sucessão todos os herdeiros ou legatários que houverem sido autores ou
cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja
sucessão se tratar; que a acusaram, caluniosamente, em juízo, ou incorreram em crime

189
contra a sua honra; que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor de seus
bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade
(CC, art. 1.595).
A deserdação é o ato pelo qual se priva a herdeiro necessário de sua legítima,
ficando excluído da sucessão. É instituição remota, encontrando-se já no Código de
Hammurabi; a legislação moderna deriva do Direito romano, principalmente da Novela
Os ascendentes podem deserdar os descendentes, além das razões da
indignidade supramencionadas, por ofensas físicas, injúria grave, desonestidade da filha
que vive na casa paterna, relações ilícitas com a madastra ou o padastro, desamparo do
ascendente em alienação mental ou grave enfermidade (CC, art. 1.744).
A indignidade baseia-se em princípio ético segundo o qual ninguém pode
extrair vantagem do patrimônio da pessoa a quem ofendeu. A deserdação, instituto afim
à indignidade, encontra fundamento no mesmo princípio. Suas causas estão taxativamente
indicadas no Código Civil (LGL\2002\400), e representam os motivos que o legislador
considerou repugnantes à moral, pelo que foram traduzidos em norma legal. Além do
princípio ético de não se obter vantagem patrimonial da pessoa a que se ofendeu, no caso
da deserdação, questões de particular gravidade, e sumamente atentatórias aos princípios
morais, como a prática de incesto e adultério, tornam-na particularmente grave, pelo que
é ordenada em testamento com expressa declaração de causa e fundada nos taxativos
artigos de lei.
São estes os aspectos mais relevantes da incidência da regra moral no campo
do Direito das Sucessões.

AMARAL NETO, Francisco dos Santos. O caráter jurídico da regra moral. Revista de
direito civil, imobiliário, agrário e empresarial. v. 7, n. 26, p. 49-63, out./dez. 1983.

Em tese apresentada à IX Conferência da OAB, em Florianópolis-SC, em


5.5.82, ao tratar do direito natural e da eqüidade, Haroldo Valladão defende que o
Direito Positivo não se basta a si próprio:

190
"Uma outra fórmula, unindo os princípios do Direito Natural à consideração
cuidada das circunstâncias do caso, vem do Código da Austria (art. 7.°), seguido pelo de
Portugal (art. 16), mas substituído Direito Natural por princípios gerais de Direito, do
Código da Argentina (art. 16) e do antigo México (art. 20). Em preceito direto foi a
eqüidade prevista no Código do Montenegro, de 1887 arts. 3.° e 782), e da Suíça (art.
4.°). Ultimamente, o Código do Egito, de 1948, mantém a eqüidade e o Direito Natural,
ao prescrever, no art. 4.°, que o juiz aplicará “os princípios de justiça natural e as regras
da eqüidade”, enquanto o das Filipinas, de 1951, fala, no art. 10, em “Direito e justiça”.
O Direito Natural paira acima de todas as fontes; é freqüentemente invocado
através dos princípios gerais de Direito e eqüidade, que estão acima do Estado, de
regimes, de políticas, porém a verdade é que o Direito Natural está presente sempre, na
sua função grandiosa de farol inapagável da justiça.
Já o dissemos: “Mas, acima de tudo, e inspirando legisladores, cientistas e,
sobretudo, os juízes, nas horas tão freqüentes em que falham as diversas fontes, em que
todas as luzes se apagam, está o Direito Natural, que é como a luz e o calor artificiais”
(Haroldo Valladão, in Revista da Faculdade de Direito de Pelotas IX/44, e Paz, Direito,
Técnica, pp. 97 e 295).
Entre decisões dos Tribunais brasileiros invocando o Direito Natural
destacamos o acórdão da Corte de Apelação do antigo Distrito Federal (Revista de Direito
46/462 – Bento de Fari), inicial da jurisprudência que estabeleceu, contra a letra do art.
8.° da Introdução, a comunhão de bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges, com
base em notabilíssimo parecer de Clóvis Bevilaqua (Revista de Direito 46/497), que citara
princípio fundamental de Direito, de eqüidade e de moral, que não permite se locuplete
alguém com o alheio. E, aplicando-o, realmente, notável acórdão do STF, de lavra do
eminente Chief Justice Laudo de Camargo, amparando um direito humano, apesar de
ordem jurídico-positiva contrária, dando, em pleno regime discricionário, habeas corpus,
vedado, por decreto do ditador, a estrangeiro expulso, para não ser embarcado em navio
do Estado de sua nacionalidade, em viagem direta para o mesmo Estado, onde estava
sendo procurado para ser processado por crime político, passível de pena de morte (Ac.
de 25.7.32, HC 24.637, in Jurisprudência 6/1, 1934, e DJU 10.1.34, p. 1; v., ainda,
Haroldo Valladão, Paz, Direito, Técnica, pp. 116-118).
Ainda recentissimamente, René David, na própria França conservadora,
mostrou que o apelo aos princípios gerais do Direito, na jurisprudência administrativa, e

191
os recursos à eqüidade, à ordem pública e aos bons costumes, na jurisprudência civil,
punham em evidência que o Direito Positivo “ne se suffit pas a luimême et la valeur
fondamentale de ce que certains appelleront les conceptions sociologiques, dominantes
et d’autres le Droit Naturel” (René David, Le Droit Français, vol. 1/18, 1960).

Haroldo Valladão. JUSTIÇA SOCIAL E INTERPRETAÇÃO. Doutrinas


Essenciais de Direito Civil | vol. 1 | p. 1273 | Out / 2010

2. Sobre o conceito de direito subjetivo


A dicotomia "direito objetivo - direito subjetivo", sobretudo em sua
conformação atual, tem origens na Era Moderna e sua concepção de liberdade como "não-
impedimento". Ferraz Jr. explica que "com base no livre arbítrio, na liberdade como não
impedimento, constrói-se um conceito positivo de liberdade", 5 sobre o qual foi edificada
a noção de direito subjetivo.
Peces-Barba, Fernández e Asís, 6 de igual modo, afirmam que a concepção
de direito subjetivo pressupõe uma concepção individualista de homem, inexistente na
Antigüidade caracterizada pela concepção comunitária de homem. Antes, encontrar-se-
iam no ideário de Duns Scoto e Guilherme de Occam os primeiros rasgos dessa categoria.
Em oposição ao conceito de direito objetivo - entendido como o conjunto de
normas formalmente válidas positivadas pelo Estado 7 - surge a noção de direito
subjetivo, por meio da qual se designa a posição em que se encontra uma pessoa ou um
conjunto de pessoas em relação ao direito objetivo, 8posição esta assumida para os fins
propostos neste ensaio.
A concepção jusnaturalista considera direitos subjetivos as faculdades e
poderes inatos aos homens (direito à vida, à liberdade, à integridade corporal, à
propriedade, à eleição, etc.), os quais o direito positivo - se pretender ser direito - deve
reconhecer, regulamentar e, sobretudo, proteger. Esse entendimento não é refutado pelo
positivismo, 9 mas este, ao reconhecer ou aceitar a possibilidade da haver direitos com a
mencionada característica, admite-os simplesmente morais e não jurídicos.
Na evolução do conceito de direito subjetivo é possível surpreender várias
teorias, dentre as quais destacaremos três: a) Teoria da Vontade; b) Teoria do Interesse;
c) Teoria Eclética.

192
A primeira delas, Teoria da Vontade, foi sustentada por autores da alçada de
Savigny, Windscheid, Puchta e Del Vecchio, tendo definido o direito subjetivo como um
poder ou senhorio da vontade reconhecido pelo ordenamento jurídico como uma vontade
juridicamente protegida. 10 Dois eram os aspectos vislumbrados no referido poder: a
faculdade de exigir um comportamento das pessoas que se encontravam frente ao titular
ou titulares do direito subjetivo e a vontade que dá origem ao nascimento, extinção ou
modificação de direitos ou faculdades.
A Teoria do Interesse, formulada por Ihering, afirmou serem os direitos
subjetivos interesses juridicamente protegidos, ou seja, bens - materiais ou ideais - sobre
os quais recai a atenção do homem e que do direito recebem proteção por meio de uma
ação judicial. Dois, pois, os aspectos essenciais: o interesse e o procedimento jurídico de
defesa do interesse. Jellinek buscou compor os postulados das teorias anteriores, dando
origem à denominada Teoria Eclética ou Mista. Para esse autor, direito subjetivo seria um
interesse tutelado pela lei mediante o reconhecimento da vontade individual. 11
No ideário de Kelsen, o estudo dos direitos subjetivos integra a denominada
"Estática Jurídica", que compõe o Capítulo IV de sua Teoria Pura do Direito. 12 Ali,
Kelsen examina, um a um, os conceitos jurídicos básicos ou fundamentais. Dizem-se
básicos esses conceitos porquanto constituem a base teórica para a edificação de diversos
outros conceitos jurídicos: "o caráter básico destes conceitos faz com que sejam
empregados em quase todas as explicações que se desenvolvem nos distintos ramos do
Direito. Se distinguem, assim, de expressões que têm um uso mais circunscrito, como
'defraudação', 'sociedade anônima', 'hipoteca', 'matrimônio', 'seguro', etc.". 13
Kelsen busca novamente no seu sistema de normas a solução para a definição
dos direitos subjetivos: "falar em termos de direitos subjetivos jurídicos não é mais que
descrever a relação que têm o ordenamento jurídico com uma pessoa determinada". O
direito subjetivo seria, pois, mero reflexo do dever jurídico. Kelsen, inclusive, vai mais
além ao propor a eliminação do dualismo entre direito objetivo e subjetivo.
Santiago Nino segue com Kelsen no exame dos diversos sentidos de "direito
subjetivo", sendo certo que "em todos estes casos de diretos subjetivos, se descreve o fato
de que a vontade dos particulares é considerada por determinadas normas como condição
de certos efeitos jurídicos":
a) Direito como equivalente a não proibido: de acordo com Kelsen,
expressões como "tenho direito a me vestir do modo que desejo" poderiam encontrar

193
sentido tanto na ausência de norma que previsse sanção para a ação de que se trata (no
caso, de vestir-se da forma desejada) quanto na ausência de norma de competência que
autorizasse, em determinado contexto imaginário, fosse estabelecida a proibição.
b) Direito como equivalente a autorização: ainda que contra o seu sistema -
ou admitindo ser ele insuficiente, Kelsen aceita na última versão de sua Teoria Pura a
existência de normas permissivas, que acolheriam, por exemplo, o sentido de autorização
em expressões como "o professor nos deu direito a interromper a aula".
c) Direito como correlato de uma obrigação ativa: nessa acepção vê Kelsen
tão-somente uma alteração no enfoque ou na descrição de uma única relação jurídica. Ao
afirmar-se, v.g., que "A tem direito a que B lhe pague", acentua-se a situação do
beneficiário do dever jurídico e não na situação do sujeito obrigado (B deve pagar
a A).
d) Direito como correlato de uma obrigação passiva: trata-se da situação
anterior, com a diferença de que aqui se fala de um dever jurídico de abstenção.
e) Direito como ação processual: surge aqui figura nova, consistente na
possibilidade de recorrer ao Estado para a imposição da sanção prevista para o
descumprimento da obrigação. Essa acepção recebeu de Hans Kelsen a denominação de
direito em sentido técnico ou estrito, já que corresponderia a uma noção autônoma.
f) Direito político: ao falar de direitos subjetivos na acepção de direitos
políticos, refere-se Kelsen tanto à possibilidade que têm os cidadãos de participar da
criação das normas gerais quanto à proteção - também por meio da ação processual - dos
chamados direitos e garantias fundamentais.
É na obra de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, contudo, que se
encontra uma análise mais cuidadosa das diversas posições adotadas por Hans Kelsen em
suas sucessivas publicações, inclusive sua obra póstuma Algemeine Theorie der Normen.
Esclarece a douta autora, em sua elucidação das relações entre direito e força
a partir da obra do mestre austríaco, que seu o tratamento do direito subjetivo suportou
notáveis ampliações no curso dos anos, ainda que a definição básica, constante da
primeira edição da Teoria Pura do Direito, tenha permanecido praticamente intocada.
O ponto de partida é a noção de direito subjetivo em sentido técnico (teoria
processual do direito subjetivo), definido, segundo a relembrada lição de Bobbio, como
"o efeito de uma autorização (Berechtigung) com a qual o ordenamento jurídico 'inclui
entre as condições da conseqüência do ilícito uma manifestação de vontade por parte de

194
quem é lesado nos seus interesses'". 18 O ordenamento jurídico, dessa forma, asseguraria
ao particular, mediante o exercício de sua vontade, mecanismo para a criação da norma
(concreta e individual).
É possível perceber na obra de Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado,
a insistência no tema da criação do direito como ambiente onde melhor foi tratada a
questão do direito subjetivo, embora já ligeiramente ampliada a discussão:
"Insistindo na definição de direito subjetivo em sentido estrito e técnico,
chamamos a atenção sobre o fato de que por direito subjetivo, a teoria normativa do
direito entende alguma coisa mais específica que a situação subjetiva correlativa ao dever
de um outro indivíduo: o direito de um indivíduo como situação correlativa ao dever de
um outro indivíduo não constitui uma situação específica, e naturalmente, não retira nada
à tese da primazia do dever. Que exista um direito precedente ao dever, independente do
dever, é uma tese jusnaturalista que uma teoria positiva do direito, como a teoria pura,
não pode aceitar.
Pelo que diz respeito à terminologia, para definir o direito subjetivo em
sentido técnico Kelsen utiliza, como vimos, a palavra "possibilidade" e em outro lugar
"capacidade", por exemplo na frase: "ter um direito significa ter a capacidade jurídica de
participar da criação de uma norma individual, etc.". Ainda não o termo
"Poder". Com isso não queremos dizer que o termo não seja amplamente uti-
lizado, mas que isso acontece em contextos diversos, em, todos aqueles contextos nos
quais o problema da relação entre direito e força [em inglês "right" e "might" - direito e
força (como poder)] surgem.
Para encontrarmos um contexto no qual o termo "Poder" é utilizado num
significado que antecipa aquele das duas últimas obras e que possamos chamar de
definitivo, é preciso dirigirmo-nos às páginas dedicadas à teoria do ordenamento jurídico
como ordenamento dinâmico. Aqui lemos que "a norma fundamental põe uma dada
autoridade, a qual por sua vez pode muito bem atribuir a uma outra autoridade o poder de
criar normas" e um pouco mais adiante "o poder de criar normas é delegado de uma
autoridade a uma outra; a primeira é a autoridade superior, a segunda é a inferior". Destes
passos resulta que a área em que aparece a noção de "Poder" é a dos conceitos ligados ao'
tema da criação do direito. Trata-se da mesma área à qual, como vimos, pertence a teoria
do direito subjetivo em sentido técnico." 19

195
Somente na segunda edição da Teoria Pura do Direito, entretanto, se
aperfeiçoa, se estreita, no surgimento de uma teoria do poder jurídico como "capacidade
de criar e aplicar normas jurídicas", a ligação entre o direito subjetivo em sentido técnico
e o referido poder jurídico. A partir dessa construção científica, pôde finalmente Kelsen
"estabelecer as premissas para distinguir os vários significados do direito em sentido
subjetivo", 20 mais acima apreciados.
Kelsen não aceita exatamente, porém, a categoria dos direitos subjetivos (ou,
quando menos, a independência dessa categoria). Ao discutir o tema, mostra-se
consciente da primazia que o direito subjetivo tem, tradicionalmente, em face do dever
jurídico, a ponto de que, "na descrição do Direito, o direito (subjectivo) avulta tanto no
primeiro plano que o dever quase desaparece por detrás dele e aquele - na linguagem
alemã e francesa - é mesmo designado pela própria palavra com que se designa o sistema
de normas que forma a ordem jurídica: pela palavra «Recht» (direito), «droit». Para se
distinguir deste, tem o direito ( Berechtigung), como direito «subjectivo» (ou seja, pois,
o direito de um determinado sujeito) de ser distinguido da ordem jurídica, como Direito
«objectivo»". 21
E, após relacionar os diversos sentidos que à expressão "direito subjetivo" se
pode conceder, ainda insiste Kelsen que, posta à parte a questão dos direitos naturais, vale
dizer, assumindo como direitos somente aqueles postos pela ordem jurídica positiva,
verifica-se que um direito subjetivo não somente pressupõe o correspondente dever
jurídico, mas é esse mesmo dever jurídico. Enfaticamente, assim se expressa o professor
de Viena e Colônia:
"Em resumo, pode dizer-se: o direito subjectivo de um indivíduo ou é um
simples direito reflexo, isto é, o reflexo de um dever jurídico existente em face desse
indivíduo; ou um direito privado subjectivo em sentido técnico, isto é, o poder jurídico
conferido a um indivíduo de fazer valer o não cumprimento de um dever jurídico, em face
dele existente, através da acção judicial, o poder jurídico de intervir na produção da norma
individual através da qual é imposta a sanção ligada ao não cumprimento; ou um direito
político, isto é, o poder jurídico conferido a um indivíduo de intervir, já directamente,
como membro da assembléia popular legislativa, na produção das normas jurídicas gerais
a que chamamos leis, já indirectamente, como titular de um direito de eleger para o
parlamento ou para a administração, na produção das normas jurídicas que o órgão eleito
tem competência para produzir; ou é, como direito ou liberdade fundamental garantida

196
constitucionalmente, o poder de intervir na produção da norma através da qual a vlidade
da lei inconstitucional que violar a igualdade ou liberdade garantidas é anulada, quer por
uma forma geral, isto é, para todos os casos, quer apenas individualmente, isto é, somente
para o caso concreto. Finalmente, também pode designar-se como direito subjetivo a
permissão positiva de uma autoridade." 22
Uma outra concepção a respeito dos direitos subjetivos, igualmente digna de
nota, é a que fornece W. N. Hohfeld, posteriormente reformulada por Alf Ross, e
consistente na redefinição de quatro conceitos jurídicos fundamentais (pretensão,
potestade, liberdade e imunidade) de forma a distinguir as diferentes categorias jurídicas
incluídas no mesmo rótulo de direito subjetivo. 23

Cada um desses conceitos se define por referência a um conceito correlativo


e a outro conceito oposto, seguindo-se a seguinte representação:

Situações vantajosas Situações correlativas Situações opostas

Pretensão Dever Não-direito


Liberdade Não-direito Dever
Potestade Sujeição Incompetência
Imunidade Incompetência Sujeição
Situações desvantajosas Situações correlativas Situações opostas
Dever Pretensão Liberdade
Não-direito Liberdade Pretensão
Sujeição Potestade Imunidade
Incompetência Imunidade Potestade
Assim sucintamente apreciados os vários sentidos que se emprestaram à
expressão "direito subjetivo", cumpre verificar como é que, ao longo dos séculos, se
pretendeu justificar o emprego do poder punitivo como um direito subjetivo do Estado.

ALMEIDA, André Vinícius de. Direito de punir e poder de punir : uma análise a partir
da doutrina dos direitos subjetivos. Ciências Penais: Revista da Associação Brasileira de
Ciências Penais, v. 2, n. 2, p. 196-215, jan./jun. 2005.

197
.........................................................................................................................................
....

198
3. A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO:

MÉTODOS HERMENÊUTICOS

⇒ métodos de interpretação
⇒ técnicas que orientam as decisões
⇒ O direito não se resume a normas
⇒ É um sistema: os elementos interligados e ordenados
⇒ Essas regras só podem ser entendidas e aplicadas se se combinarem entre si
⇒ Para entender o direito dessa forma, deve-se efetuar uma INTERPRETAÇÃO:
captar o sentido da norma editada pelo legislador
⇒ INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: determinação do sentido dos enunciados
normativos jurídicos
⇒ atribuições de sentido aos enunciados normativos jurídicos
⇒ FINALIDADE constatar a vontade do autor da norma
⇒ Esse movimento deve ser realizado da forma mais fiel possível
⇒ Isso se deve à separação de poderes garantido pela CF
⇒ legislador cria normas gerais e obrigatórias
⇒ democracia: poder legitimado pelo voto popular
⇒ Os principais instrumentos que possui o operador do direito para resolver os
problemas de interpretação são os seguintes

Interpretação Gramatical
⇒ primeiro passo: buscar o sentido dos vocábulos
⇒ exemplos: 105, I, “g” - “ambos os braços” - impeachment da Dilma
⇒ 1) Existem termos que só servem ao direito: mandado de segurança, agravo de
instrumento, revisão criminal
⇒ 2) Existem termos que são técnicos e vêm de outras áreas do conhecimento: CF
21, XXIII, b;
⇒ para o caso 2, deve procurar a literatura especializada/bibliografia da área
⇒ nem sempre o elemento vernacular é suficiente para traduzir o sentido buscado
pelo legislador

199
⇒ quando se sai dos valores linguísticos e se passa para o conjunto do sistema,
passa-se à interpretação lógico-sistemática
⇒ cláusulas abertas

Interpretação Sistemática
⇒ ideias: COERÊNCIA, HARMONIA, CONJUNTO DO SISTEMA,
CORRELAÇÃO, ORGANICIDADE
⇒ integrar as normas jurídicas: elas formam um conjunto harmônico
⇒ estabelece as conexões sistemáticas existentes entre as normas
⇒ A norma deve ser vista no contexto da regulamentação legal
⇒ Relações lógicas e hierárquicas entre elas
⇒ A combinação de disposições legais soluciona dúvidas de interpretação.
⇒ um subcapítulo é a da ordenação interna da norma (sistema menor interno)
⇒ 1)artigos, incisos, parágrafos, caput
⇒ 2) artigos lidos na seção ou capítulo que estão inseridos – EX: CPC: 598 - 34 –
475-R. Código Penal: 12 – 35 - 51

Interpretação Histórica (teológica subjetiva)


⇒ vontade do legislador histórico
⇒ intenção quando ele estabeleceu a regra
⇒ circunstâncias fáticas que a precederam que lhe deram origem

Interpretação teleológica: teológica objetiva/sociológica


⇒ a vontade do legislador atualmente
⇒ a época em que se situa o intérprete
⇒ Miguel Reale compreensão progressiva
⇒ a finalidade: justiça

200
A superação dos métodos de interpretação mediante puro raciocínio lógico-
dedutivo. O método de interpretação pela lógica do razoável

A lógica do razoável

QUESTÃO: (TJ/DFT/Juiz/2012) Explicar o que se entende por "Lógica do Razoável",


abordando, especialmente, os seguintes tópicos: (a) Os principais elementos que a
diferenciam da lógica formal ou matemática, aplicada ao direito; (b) Qual sua
importância, se alguma, para o trabalho do Julgador?
A questão proposta visa a analisar a familiaridade do candidato com o
pensamento de Luís Recaséns Siches, para quem “os produtos humanos não podem ser
equiparados com os meros fenômenos da natureza física ou biológica” (RECASENS
SICHES, , Luis. Interpretación jurídica por médio del ‘logos de lo humano’ o de lo
‘razonable’. In: _____. Antologia: 1922-1974. México, DF: Fondo de Cultura
Econômica, 1976, p. 194). Nesse sentido, a virada teórica ocorre no arrefecimento da
lógica tradicional para se ter em consideração, também, "el logos de lo humano” ou o
“logos del razonable” de que fala Recasens Siches.
A proposição válida acerca da teoria de Luís Recaséns Siches pode ser
formulada no sentido de que o juiz, ao decidir um caso concreto, deverá aplicar a
conclusão mais justa. Para Recasens Siches, o juiz tem que desempenhar, sempre, em
todos os casos, função valoradora, cujo alcance e amplitude variam conforme os diversos
tipos de casos (cf Recasens Siches, Luis. Bosquejo de la lógica de lo razonable. In: _____.
Nueva filosofia de la interpretacion del derecho. 2ª. ed. Copiosamente Aum. Mexico:
Porrua, 1973, p. 211-259). Para o filósofo do Direito comentado, “quando o raciocínio
jurídico, empreendido a partir da lógica formal, conduz a uma conclusão injusta, irritante,
agressiva aos valores prestigiados pelo Direito, o intérprete sente que há razões
consistentes para o afastamento de tal resultado”.
Contudo, antes de alcançar essa conclusão, convém fazer alguns comentários
a partir das leituras fundamentais do tema:

201
A) RECASENS SICHES, Luis. Interpretación jurídica por médio del ‘logos
de lo humano’ o de lo ‘razonable’. In: _____. Antologia: 1922-1974. México, DF: Fondo
de Cultura Econômica, 1976.
B) RECASENS SICHES, Luis. Bosquejo de la lógica de lo razonable. In:
_____. Nueva filosofia de la interpretacion del derecho. 2ª. ed. Copiosamente Aum.
Mexico: Porrua, 1973.
Como a proposta avaliativa impõe uma análise relacional, inicialmente,
aborda-se a realidade contraposta à lógica do razoável. Em seguida, destaca-se a crítica
Luís Recaséns Siches para, ao final, traçar uma advertência realizada pelo próprio autor,
qual seja: a de que sua teoria não significa abandono das regras previstas no ordenamento
jurídico.
A LÓGICA FORMAL
Em larga medida, a lógica do razoável contrapõe-se a uma visão do
positivismo jurídico no sentido formal. Ressalte-se que essa ideia do positivismo jurídico,
muito embora muito difundida desse modo, nunca foi essa. É o que se extrai de
doutrinadores contemporâneos: “O positivismo jurídico também não pode ser
identificado como o formalismo. Os principais positivistas contemporâneos, como Hart,
Carrió, Raz, Alchourron e Bulygin, se destacam justamente por explicitarem as
insuficiências do sistema jurídico (mostrando a existência indelével de imprecisões
linguísticas e antinomias do direito) e a necessidade de se recorrer, e, certos casos, a
critérios que estão fora do direito (critérios que não contam como direito válido) para
justificar decisões jurídicas” (STRUCHINER, Noel. Algumas "proposições fulcrais"
acerca do direito: o debate jusnaturalismo vs. Juspositivismo. In: perspectivas atuais da
filosofia do direito. Rio de Janeiro: lumes júris, 2005, p. 409).
Uma das possibilidades de encarar o positivismo jurídico consiste na
descrição da composição e estrutura do ordenamento jurídico. Para uma compreensão
mais alargada da consolidação do juspositivismo, convém assinalar o pensamento de
Jürgen Habermas: "O positivismo jurídico pretende (...) fazer jus à função da
estabilização de expectativas, sem ser obrigado a apoiar a legitimidade da decisão jurídica
na autoridade impugnável de tradições éticas. Ao contrário das escolas realistas, os
teóricos Hans Kelsen e H. L. A. Hart elaboram o sentido normativo próprio das
proposições jurídicas e a construção sistemática de um sistema de regras destinado a
garantir a consistência de decisões ligadas a regras e tornar o direito independente da

202
política. Ao contrário dos hermeneutas, eles sublinham o fechamento e a autonomia de
um sistema de direitos, opaco em relação a princípios não-jurídicos. Com isso, o problema
da racionalidade é decidido a favor da primazia de uma história institucional reduzida,
purificada de todos os fundamentos de validade suprapositivos. Ora, uma regra básica, ou
regra de conhecimento, de acordo com a qual pode ser decidido quais normas pertencem
ou não ao direito vigente, permite subordinações precisas" (HABERMAS, HABERMAS,
Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I; tradução: Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 250).
Contudo, em síntese simplificadora, existem algumas características
principais do juspositivismo, quais sejam: esse possui (a) caráter científico, (b) pretensão
de completude, (c) pureza científica, (d) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete.
Entre essas características, uma que sobressai é o emprego da lógica formal (BARROSO,
Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais
e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 264).
Essa é a visão do positivismo meramente formal.
Nessa vertente, há reflexo claro na atividade jurisdicional, pois a aplicação
das leis passa a ser meramente lógica: “…toda decisão pode ser deduzida de regras
previamente emitidas pelo soberano, sem referência aos fins sociais ou às regras morais”
(ARCELO, Adalberto Antonio. Condições de possibilidades do discurso do positivismo
jurídico no paradigma do Estado democrático de direito. In: Teoria do direito
neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico?. Dimitri Dimoulis,
Écio Oto Duarte, coordenadores. São Paulo: Método, 2008, p. 21). Esse foi o movimento
idealizado por Montesquieu, para quem os julgamentos deveriam ser fixos "...a tal ponto
que nunca [fossem] mais do que um texto exato da lei. Se fosse uma opinião particular
do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são
assumidos" (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de La Brède ET de. O
espírito das leis. (livro XI) Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins
Rodrigues. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995., p. 120).
Norberto Bobbio, considerando como o maior intérprete do positivismo (ou
quem o sintetizou de melhor forma no encontro das estrelas em Bellagio), descreve uma
interpretação mecanicista para o positivismo jurídico: “na atividade do jurista faz
prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito” (BOBBIO,
Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello

203
Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo:
Icone, 1995, p. 133). A decisão judicial se assemelha à construção de um mero silogismo.
A lei seria a premissa maior. O caso apresentado, a premissa menor. A conclusão é a
própria sentença.
É contra essa espécie de interpretação que se contrapõe a lógica do razoável
a ser extraído do pensamento de Siches. Com efeito, Adolfo Mamoru Nishiyama assinala
que “a lógica tradicional é meramente enunciativa do ser e do não ser, não contendo
pontos de vista de valor, nem estimativas sobre a correção dos fins, nem sobre a
congruência entre os meios e os fins, nem sobre a eficácia dos meios em relação com um
determinado fim” (Nishiyama, Adolfo Mamoru. A recusa à perícia médica ordenada pelo
juiz e a presunção de paternidade: aspectos constitucionais do art.232 do novo código
civil. Revista de direito privado, n. 20, p. 33-52, out./dez. 2004, p. 40).
Ainda sob a ótica da lógica do razoável, Alípio Silveira destaca: “Na
aplicação do Direito, não há a uniformidade lógica do raciocínio matemático, e sim a
flexibilidade do entendimento razoável do preceito” (SILVEIRA, Alípio. O Papel do Juiz
na Aplicação da Lei, Ed. Universitária, 1977, p. 46).
Essa apresentação prévia é fiel à ideia do autor comentado como se passa a
demonstrar.
A LÓGICA DO RAZOÁVEL
O intelectual guatemalteco, ao defender a insuficiência da lógica tradicional
para aplicação do Direito, assinala que se o emprego dessa lógica não é, simplesmente,
inútil. Ela pode também levar “a resultados insensatos e monstruosos”. Deveras, em
determinados casos, é notório que a interpretação meramente lógica pode timbrar-se pela
falta de razoabilidade.
Em seus termos, “a lógica formal clássica, a moderna e a contemporânea, é
dizer, a lógica do racional, a lógica que é chamada físico matemática, não é o instrumento
apto nem para explicação nem para a solução dos problemas humanos práticos como são,
por exemplo, os problemas políticos e jurídicos” (RECASENS SICHES, 1973, p. 278).
Nesse tocante, é bem expressivo o célebre exemplo veiculado pelo próprio
Recasens Siches a respeito. Em uma estação ferroviária há o aviso: "é proibida a entrada
de cães”. Chega um homem com um urso e insiste em entrar porque a proibição se refere
à entrada de "cães" e o animal que ele conduz não é um cão, mas um urso. Se o guarda
de estação lhe disser que o caso do urso é semelhante e até mais grave, o interessado

204
poderá alegar que, em Direito Penal, não cabe analogia, e exigir a entrada, ou, então, o
preceito constitucional de que "o que não está juridicamente proibido está licitamente
permitido”. Esse famoso exemplo foi mencionado pelo STF no julgamento do MS 28.447
(j. 25/8/2011).
O sentido da razoabilidade coincide, portanto, com o sentido do aceitável.
Pode-se qualificar a ideia de Recasens Siches como um contraponto à solução absurda. O
que é inaceitável e absurdo não é razoável. É esse o sentido da razoabilidade.
Pressupõe-se, pois, um caso concreto para a aplicação do “logos del
razonable”, proposta pelo gênio de Recasens Siches: "em face de qualquer caso, o
aplicador da lei há de proceder 'razoavelmente', investigando a realidade e o sentido dos
fatos, indagando dos fatos, indagando dos juízos de valor em que se inspira a ordem
jurídica em vigor, para que se encontre a solução satisfatória, entendendo-se esta em
função do que a ordem jurídica considera como sentido de justiça” (RECASENS
SICHES, 1973, p. 268).
Saulo Ramos, partindo desse pressuposto interpretativo, assinala que, na
senhoria de tal aplicação, deve o intérprete "dar ao caso concreto a solução mais justa
possível" (RAMOS, J. Saulo. Descabimento do direito de recesso. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 5. p. 239, mai. 1999).
Atualmente, essa lógica ganha novos ares, quando, por exemplo, Humberto
Ávila trata da incidência da aplicabilidade das normas. Em um capítulo importante de sua
teoria, Ávila assinala que nem toda norma é aplicável.
Com efeito, tendo em conta um determinado dispositivo normativo, não a
simples realização da hipótese fática (=suporte fático) que autoriza a aplicação da parte
dispositiva (=consequência jurídica de sua ocorrência) da regra. Deve-se, sempre,
harmonizar o geral com o particular.
Nesse aspecto, Humberto Ávila assinala que nem toda norma é aplicável: “É
preciso diferenciar a aplicabilidade de uma regra de satisfação das condições previstas
em sua hipótese. Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em
sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é aplicável a um caso se, e somente se, suas
condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria
regra ou pela existência de um princípio que institua uma razão contrária. Nessas
hipóteses as condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim,

205
não é aplicada” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 166/167).
No que diz respeito aos resultados concretos dessas ofensivas contra a lógica
tradicional e o reconhecimento das novas dimensões do Direito a partir da lógica do
razoável, são mencionados três aspectos fundamentais.
O primeiro deles consiste em uma “nova” orientação na interpretação, qual
seja, a interpretação teleológica: “A reação contra a submissão ao Direito codificado
produziu a interpretação finalística, voltada para os fins visados pelo texto. Assim, não é
a letra da lei que indica o seu sentido, mas este deve ser determinado em função de seus
fins” (BITTAR, Carlos Alberto. Interpretação no direito em geral. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 65, n. 493, p. 24-31, nov. 1976).
Outra vertente a ser destacada consiste no acolhimento da tendência
hermenêutica preconizada por Recaséns Siches por parte do legislador brasileiro (nesse
sentido, a doutrina de Alípio Silveira. BEVILAQUA e a hermenêutica contemporânea.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 391/417, mai., 1968). O art. 5.º da Lei da Introdução
às Normas do direito Brasileiro assim determina: “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Por fim, a doutrina aponta para uma aproximação de Luis Recaséns Siches ao
princípio da razoabilidade norte-americana e da proporcionalidade do direito alemão (cf.
NISHIYAMA, 2004).
Pode-se concluir esse capítulo, dessarte, faixando de modo claro que,
diversamente da neutra e meramente explicativa lógica tradicional Siches objetiva
compreender os sentidos e nexos entre as significações dos problemas humanos, e
portanto, dos políticos e jurídicos, assim como realiza operações de valoração e estabelece
finalidades ou propósitos (RECASÉNS SICHES, 1973, p. 281)
A lógica do razoável não conduz a soluções contra legem
Uma advertência final se faz necessária, qual seja: a incapacidade dos
métodos da lógica tradicional de conferir uma solução correta a um problema jurídico
(=levando a um resultado inadmissível) não autoriza um ato de arbitrariedade ou um ato
de capricho (essas são expressões utilizadas por Luís Recaséns Siches). Na verdade, a
proposta é uma razão de tipo diferente (RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de
la Interpretación del Derecho, México-Buenos Aires, Fonde de Cultura Económica, 1956,
pp. 129-130).

206
Com efeito, o primoroso capítulo do direito inaugurado a partir dos elementos
apresentados por Luis Recasens Siches - que abandona o modo mecanicista de
interpretação - não pode ser interpretado de forma a autorizar uma “função sempre e
necessariamente criadora do juiz” (LOMAR, Paulo José Villela. Usucapião coletivo e
habitação popular. Revista de Direito Imobiliário. v. 24, n. 51, p. 133-149, jul./dez. 2001,
nota de rodapé nº 08).
Em verdade, o movimento é inverso.
O aplicador do direito, em sua função de criar normas individuais - as
sentenças e os atos administrativos - ficam ligados ao ordenamento jurídico.
Nesse ponto reside a chave da compreensão do “logos del ranonable” de que
fala Recansens Siches: “O juiz é muito mais fiel à vontade do legislador, e à finalidade a
que este se propôs, quando interpreta as leis […] precisamente de tal maneira que a
aplicação delas aos casos singulares resulte o mais acorde possível com a justiça, do que
quando as interpreta de uma maneira literal, ou reconstruindo imaginativamente a vontade
autêntica do legislador, se esses métodos aplicados ao caso apresentado produzem uma
solução menos justa” (RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del
derecho. 9. ed. México: Porrua, 1986, p. 660-661).
Nesse sentido é a doutrina de Roy Reis Friede: “Recásens Siches estabeleceu
a seguinte regra, a ser observada na busca da justiça: ‘O juiz deve interpretar sempre a lei
de modo e segundo método que leve à solução mais justa dentre todas as possíveis (e
admitidas pelo ordenamento jurídico vigente) inclusive quando o legislador ordene
determinado método de interpretação’” (FRIEDE, Roy Reis. Direito alternativo sob as
óticas filosófica e jurídica. Defesa nacional: revista de assuntos militares e estudo de
problemas brasileiros, v. 82, n. 771, p. 132-135, jan./mar. 1996, p. 133, sem o grifo no
original - nesse mesmo sentido, cf Schnaid, David. A Interpretação jurídica constitucional
(e legal). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 85, n. 733, p. 24-52, nov. 1996).
Em conclusão à ideia, o próprio Siches elucida que: “Incluso la norma en
apariencia más clara necesita una interpretación, en virtud de la cual se establezcan las
consecuencias concretas a que da lugar su aplicación a un caso determinado. Pues bien,
hay un criterio universalmente válido de interpretación, a saber: que la interpretación debe
hacerse en el sentido que produzca las consecuencias más justas, las consecuencias que
estén más de acuerdo cun los principios axiológicos que inspiran el ordenamiento
positivo. Siguiendo ese criterio se cumple precisamente con el propósito primordial del

207
Derecho positivo, propósito que consiste precisamente en realizar lo mejor que se pueda
las exigencias de la justicia. Claro que en el exercicio de la función interpretativa el jurista
no está autorizado a saltar por encima de las normas vigentes; por el contrario, tiene la
obligación de ser fiel a dichas normas; pero dentro del marco establecido por éstas debe
dirigir la interpretación de las mismas en sentido de la mayor justicia posible.”
(RECASÉNS SICHES, Luis. “Prólogo al Estudio del Derecho”, no “Boletín
Bibliográfico Mexicano”, março-abril de 1953, p. 18).

COMENTÁRIO:
Um tema da filosofia do direito sempre exigida consiste nas idéias da justiça,
mas não será surpresa no aparecimento dos demais temas.

208
E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA

1. Direito objetivo e direito subjetivo:

DIREITO OBJETIVO e DIREITO SUBJETIVO

Problema da aula

"Em várias oportunidades tivemos ocasião de dizer que o Direito positivo é um sistema orgânico
de preceitos ou disposições que se destinam aos membros de uma convivência visando à realização
de suas finalidades comuns fundamentais. Existindo um complexo de normas destinadas aos que
compõem a sociedade, existe, evidentemente, um problema que se consubstancia nesta pergunta:
como se situam os sujeitos em face do sistema das normas jurídicas? ou, por outras palavras, que
é que cabe aos membros da comunidade perante as regras de direito e em razão delas? As regras
jurídicas têm, como seus destinatários, sempre as pessoas que compõem a sociedade. Resta, agora,
esclarecer em que consiste essa possibilidade que têm as pessoas físicas e jurídicas de ser, de
pretender, ou de agir com referência ao sistema de regras jurídicas em um determinado País. É este
o problema do direito subjetivo, ou, mais amplamente, das situações subjetivas” (REALE, 2010,
p. 249)

Justificativa do capítulo

1 – Tércio Sampaio insere a discussão no capítulo das grandes dicotomias (Norberto


Bobbio) do sistema estático de normas

DIREI Público Objetivo


DIREITO
TO Privado Subjetivo

“A segunda grande dicotomia de que devemos tratar é entre direito objetivo


e subjetivo. A distinção parece exigida pela ambiguidade da palavra direito, o que já foi
discutido anteriormente. A dicotomia pretende realçar que o direito é um fenómeno
objetivo, que não pertence a ninguém socialmente, que é um dado cultural, composto de
normas, instituições, mas que, de outro lado, é também um fenómeno subjetivo, visto que
faz, dos sujeitos, titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles

209
relações. Assim, quando falamos no direito das sucessões, significamos algo objetivo,
quando mencionamos o direito à sucessão de um herdeiro, mencionamos algo que lhe
pertence. Para clarificar, lembramos que o inglês tem duas palavras diferentes para
enunciar os dois termos: law (direito objetivo) e right (direito subjetivo)” (FERRAZ
JÚNIOR, 2015, p. 112)

2 – Dimoulis defende ser necessária a distinção “em português, como em muitos outros
idiomas, nos quais não há termos diferentes para indicar essas realidades diversas”
(DIMOULIS, 2007, p.274)

DIREITO SUBJETIVO Right berechtigung


inglês Alemão
DIREITO OBJETIVO Law recht

3 – Ainda se discute hoje o conceito de direito subjetivo.

“O direito subjetivo consiste em um dos conceitos mais elementares da teoria


do direito, o que em nada diminui sua complexidade sendo um dos temas mais polêmicos
já desenvolvidos” (ABBOUD e CARNIO, 2012).

Nesse mesmo sentido, José Renato Nalini: "Em sua monografia Contributo
ad una Teoria dell'Interesse Legittimo net Diritto Privato, a mestra da Universidade de
Pisa, Lina Bigliazzi Geri assevera que o problema da identificação da natureza e da
essência jurídica do Direito Subjetivo é um dos mais tormentosos...” (NALINI, 1985 –
grifei).
Mas: qual a importância prática do estudo do direito subjetivo?
ético-filosóficas
Alexy: as questões normativas distinguem-se questões
jurídico-dogmáticas

A) Do ponto de vista ético-filosófico, pergunta-se por que os indivíduos têm direito e que
direitos são esses.

A questão enfrentada por Karl Larenz: “Nós entendemos que a relação


jurídica fundamental é o direito de alguém a ser respeitado por todos como pessoa e, ao

210
mesmo tempo, o seu dever, em relação aos outros, de respeitá-los como pessoas (...).
Nessa relação, o ‘direito’ de uma pessoa é aquilo que lhe cabe ou lhe é devido enquanto
pessoa, e aquilo que os outros são obrigados ou vinculados a lhe garantir ou a respeitar”
(LARENZ, apud ALEXY, 2008, p. 181)

É o tipo de questão que pode ser suscitada independentemente da existência


ou da validade do sistema jurídico.

B) De outro lado, a questão jurídico-filosófica diz respeito àquilo que é válido no sistema
jurídico
Uma mesma situação sob duas óticas.
SITUAÇÃO: uma norma (N) e um caso (a)
1ª ótica: é duvidoso, diante de um caso concreto, se (N) é aplicável a (a) – a resposta à “questão
envolve um problema corriqueiro de interpretação” (ALEXY, 2008, p. 182)
2ª ótica: não havendo dúvidas de que (N) é aplicável ao caso (a), (N) garante um direito subjetivo
ao envolvido?
EXEMPLOS NEGATIVOS DA 2ª ÓTICA
a) “Não há que se falar em direito subjetivo do réu à substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos” – STF-HC 107771, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,
julgado em 07/06/2011.
b) A Lei orçamentária não cria direito subjetivo: “Como se sabe, a lei orçamentária possui ‘o
claro objetivo de limitar o orçamento à sua função formal de ato governamental, cujo propósito
é autorizar as despesas a serem realizadas no ano seguinte e calcular os recursos prováveis
com que tais gastos poderão ser realizados, mas não cria direitos subjetivos’” (Luiz Emydio F.
da Rosa Jr., 'Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário', 10ª edição, Renovar, p. 80).

Advertência de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “Tratando-se de lugares


comuns, essas noções não são logicamente rigorosas, são apenas pontos de orientação e
organização coerentes da matéria, que envolvem, por isso mesmo, disputas permanentes,
suscitando teorias dogmáticas diversas, cujo intuito é conseguir o domínio mais
abrangente e coerente possível dos problemas” (FERRAZ JÚNIOR, 2008, p 105).

Na mesma obra, em edições mais recentes, Tercio Sampaio Ferraz Junior


destaca de forma menos radical:
211
“O que se observa, diante do esforço teórico da dogmática, é que a dicotomia
(direito objetivo/subjetivo) tem antes um caráter tópico (isto é, é um lugar comum
retórico). A expressão direito subjetivo cobre diversas situações, difíceis de serem
trazidas a um denominador comum (...). Não é necessário, como fizeram alguns autores
- por exemplo Duguit ou Lundstedt -, chegar à posição radical de dizer que não existem
direitos subjetivos por ser impossível demonstrar o que seja a vontade, o poder ou a
liberdade. Esses autores confundem o ponto de vista sociológico (zetético) com o jurídico
(dogmático) e acabam por ignorar as vantagens práticas (tópica) dos conceitos. O que é
preciso é analisar os diferentes usos dogmáticos da expressão, verificando as diversas
situações ali imbricadas" (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 115/116).

Procurando fixar as grandes linhas que se apresentam no debate da matéria,


André Franco Montoro (2016, p. 496) examina:
a) as doutrinas negadoras do direito subjetivo, como as de Duguit e Kelsen;
b) a doutrina da vontade, formulada por Windscheid, e considerada clássica, por alguns
autores;
c) a doutrina do interesse ou do interesse protegido, proposta por Ihering;
d) as doutrinas mistas ou ecléticas, que procuram explicar o direito subjetivo pela
combinação dos dois elementos "vontade" e "interesse" como fazem Jellinek, Michoud,
Ferrara e outros.

Principais teorias sobre a natureza do direito subjetivo

212
● TEORIA DA VONTADE – BERNARD WINDSCHEID (1817/1892)5

Teoria subjetiva: “é o poder ou o senhorio da vontade reconhecida pela ordem jurídica”


“Segundo Windscheid, o direito subjetivo é "um poder ou um domínio da vontade,
outorgado pelo ordenamento jurídico" (Bernhard Windscheid, Lehrbuch des
Pandektenrechts, p. 156)” (ALEXY, 2008, p. 186, nota nº 20).
Em seus termos:
“De direito como faculdade (direito em sentido subjetivo) fala-se em dois sentidos: 1) direito a
um determinado comportamento, ato ou omissão de outrem. Tendo ocorrido certo fato, o
ordenamento jurídico determina certo comportamento, colocando o preceito na livre disposição
daquele em cujo favor foi editado. O preceito, que era do ordenamento, faz-se preceito do
favorecido. Torna-se direito dele. 2) A palavra 'direito' não tem este sentido, quando, por
exemplo, diz-se que o proprietário tem o direito de alienar a coisa ou que o credor tem o direito
de ceder o seu crédito. Nesses casos e, em outros similares, com a palavra direito indica-se que
a vontade do titular é decisiva para o nascimento de direitos da primeira espécie, ou para a
extinção ou modificação dos já nascidos. Atribui-se ao titular uma vontade, que é decisiva, não
já para a atuação, mas para a existência dos preceitos da ordem jurídica. Ambas as espécies
de direitos subjetivos estão compreendidas na definição: direito é um poder ou uma senhoria
de vontade concedida pela ordem jurídica. Que o ordenamento jurídico assegure ao titular
meios coativos para a atuação da vontade que lhe concedeu, não pertence ao conceito de
direito. Um direito desprovido de meios coativos é um direito imperfeito, mas nem por isso deixa
de ser direito” (WINDSCHEID, apud TESHEINER, 2002)
Portanto, o direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida
A base da teoria está no facultas agendi: “reflete a ideia do direito natural”
(POLETTI, 2010, p. 272)

5
Nota de Alexy a respeito da controvérsia: “No mundo anglo-saxão a controvérsia entre Jhering e
Windscheid encontra seu contraponto nas posições de Bentham (teoria do interesse) e Austin (teoria da
vontade). Cf., de um lado, Jeremy Bentham, An lntroduction to the Principles 01 Morals and Legislation
(ed. J. H. BumslH. L. A. Hart), London: Athlone, 1970, p. 206 (cf., a respeito, H. L. A. Hart, "Bentham on
legal rights", p. 177) e, de outro lado, John Austin, Lectures on Jurisprudence, 4ª ed., v. 1, London: Murray,
1873, p. 410. Recentemente a polêmica entre as teorias da vontade e do interesse voltou a se inflamar. Do
lado da teoria da vontade está Hart (H. L. A. Hart, "Bentham on legal rights", pp. 183 e ss.); do lado da
teoria do interesse estão MacCormick e Lyons (Neil MacCormick, "Rights in legislation", in Peter M. S.
Hacker/Joseph Raz (eds.), Law, Morality and Society: Essays in Honour 01 H. L. A. Hart, Oxford:
Clarendon, 1977, pp. 189 e ss.; David Lyons, "Rights, claimants and beneficiaries", American
Philosophical Quarterly 6 (1969), pp. 173 e ss.)”.

213
A existência do direito subjetivo depende da vontade do titular: “a vontade
do sujeito é vista como imprescindível à aplicação da norma, em que repousa o direito”
(HERKENHOFF, 2006, p. 248).

ATENÇÃO: Dimitri Dimoulis refere Savigny: “A teoria da vontade, associada a


Savigny, considera importante o conteúdo do direito subjetivo e o define como "poder
para manifestar sua vontade" em relação ao destino de pessoas e coisas, podendo impedir
a interferência dos demais (Willensmacht). Nessa perspectiva, o direito subjetivo consiste
na capacidade do indivíduo de impor determinada norma ou decisão” (DIMOULIS,
Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 232).

CRÍTICAS À TEORIA DA VONTADE

Para Goffredo Telles Júnior, o direito subjetivo não é o poder da vontade


CLÓVIS BEVILÁQUA:
“Não era difficil combater o conceito de WINDSCHEID, pois, elle mesmo,
apesar de mante-lo nas ultimas edições, reconhece que as críticas que YHERING, THON
e outros são impressionantes e o deixavam abalado. Com razão irretorquível se
observou, contra esse eminente jurisconsulto, que o infante, o louco e o ausente,
desprovidos de vontade, são sujeitos de direito e, mais ainda, que se adquirem direitos
sem acto algum do titular.
Teve elle de acceitara explicação de THON, que lhe destróe a doutrina: a
vontade imperante no direito subjectivo é, somente, a vontade da ordem jurídica, não do
titular.
Se há uma vontade da ordem jurídica, nessa è que se acha a essência do
direito subjectivo, em verdade este não existe; tudo se reduz ao direito objectivo, à norma,
ou, o que importa no mesmo, á absorpção do individuo na collectividade, que è quem
cria a norma”. (BEVILÁQUA, apud TESHEINER, 2002)

a) há direitos nos quais não há vontade do titular:


incapaz (loucos, menores, ausentes) eles têm direitos (podem ser proprietários/herdar),
mas não possuem vontade em sentido jurídico próprio Karl Larenz questiona: "Na

214
verdade, também um incapaz pode ser titular de um direito subjectivo, como se pode ter
um direito sem se ter disso consciência" (LARENZ, 1997, p. 38). o nascituro tem direito
à vida, ao nome, à sucessão mesmo que o empregado renuncie às férias anuais
remuneradas, o ato não tem efeito jurídico O direito do nascituro desde a concepção
Não possuem vontade no sentido psicológico
AUSENTES
Possuem direitos subjetivos e exercem pelos representantes legais

b) o direito subjetivo não depende da vontade do titular, pode existir sem fundamento
nela o direito de cobrar um débito pode ser desprezado pelo credor; o de propriedade pode
surgir sem que o proprietário o deseje: A transferência causa mortis – mesmo que
ignorem a ocorrência do óbito, uma vez verificado o falecimento, opera-se a transferência
dos bens

c) há uma confusão entre o direito e o seu exercício:


só para o exercício do direito é que a vontade do sujeito é indispensável

Windscheid reconhece a procedência da crítica de Kelsen


Ao se defender disse que a vontade é da LEI
A defesa de Windscheid citada por Alexy: “Ainda nesse âmbito podem ser incluídas
diferenciações, como a proposta por Windscheid, entre casos nos quais a vontade do
titular do direito é ‘determinante para a exigibilidade da ordem emanada pelo
ordenamento jurídico’ e os casos nos quais essa vontade é ‘determinante (...) para o
surgimento de direitos (...) ou para sua extinção ou modificação’”6.
Mesmo assim, os críticos permanecem insistindo: “Suponho que com essa retificação de
Windscheid não salvou sua teoria. Substituir a vontade do titular pela vontade da lei,
como requisito da existência do direito subjetivo, implica em identificar direito subjetivo
e normas jurídicas em identificar direito subjetivo e norma jurídica, identificação que
tem como consequência a própria supressão do direito subjetivo” (HERKENHOFF,
2006, p. 248/249)

6
Citação de Alexy: Bernhard Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, v. 1, p. 156.

215
DEL VECCHIO também inclui o elemento vontade (querer) na sua definição: “a
faculdade de querer e de pretender atribuída a um sujeito, à qual corresponde uma
obrigação por parte dos outros” (DEL VECCHIO, apud NADER, 2009, p. 309)

● TEORIA DO INTERESSE – RUDOLF VON IHERING (1818-1892)

Teoria objetiva: O direito subjetivo não é a vontade, mas é definida como o


interesse juridicamente protegido: “segundo Jhering, direitos subjetivos são ‘interesses
juridicamente protegidos’ (Rudolf v. Jhering, Geist des romischen Rechts, Parte 3, p.
339)” (ALEXY, 2008, p. 186, nota nº 20 – grifei).
Dimitri Dimoulis, quando compara as duas teorias: “Consideramos que a
primeira definição [teoria da vontade] é mais adequada porque indica a função jurídica
do direito subjetivo, que dá o poder ao indivíduo de impor sua decisão, vencendo a
eventual resistência dos demais. Já a definição de Jhering examina a origem e a
justificativa social do direito subjetivo e, por isso, diz respeito à filosofia e à sociologia
do direito e não à dogmática jurídica. Além disso, a definição de Jhering é restritiva. A
pessoa perde o direito se não demonstrar "interesse"? Se as autoridades estatais podem
impedir o exercício de direitos em caso de falta de "interesse" ou de finalidade
"existencial", os indivíduos serão submetidos a uma tutela do Estado” (DIMOULIS,
2016, p. 232).

“Dois elementos constituem o princípio do direito: um substancial, que reside no fim


prático do direito, produzindo a utilidade, as vantagens e os lucros que asseguram; outro formal,
referente a esse fim, unicamente como meio, a saber: proteção do direito, ação da justiça. (...) A
segurança jurídica do gozo é a base jurídica do direito. Os direitos são interesses juridicamente
protegidos”;
“A ação é, pois, a verdadeira pedra de toque dos direitos privados. Onde não há lugar
para a ação, o direito civil deixa de proteger os interesses, e a administração ocupa o seu posto”
(IHERING, apud TESHEINER, 2002)

O Direito Subjetivo abrangeria um elemento MATERIAL: interesse

216
FORMAL: a proteção desse interesse pelo direito

Resumo de Ihering
DIREITO OBJETIVO: “soma dos princípios jurídicos aplicados pelo Estado, a ordem legal da
vida”
DIREITO SUBJETIVO: “a transfusão da regra abstrata no direito concreto da pessoa
interessada”

Antonio Bento Betioli, apresentando o direito subjetivo enquanto "interesse enquanto


protegido”, aponta a presença de dois elementos no direito subjetivo:
1°) O elemento interno, no qual está o interesse, ou seja, algo que interessa ao
indivíduo.
2°) O elemento externo, no qual está a proteção do direito, ou seja, os remédios
jurídicos que o Estado confere a todos para a defesa do que lhes é próprio.
"Dois são os momentos que constituem o conceito de direito: um
substancial, no qual reside a finalidade prática do próprio direito, a saber, a utilidade, a
vantagem, o lucro, a qual deve ser garantida pelo direito; e um formal, o qual se
relaciona com aquela finalidade apenas como meio, a saber, a proteção jurídica, a ação
judicial" (O espírito do direito romano). (BETIOLI, 2015, p. 372, nota 2).

OBJEÇÕES À TEORIA

O sentido da crítica de Kelsen é: essas duas teorias levam ao entendimento de


que o indivíduo possuiria direitos imanentes ou naturais e, mais, que seriam impostos ao
Estado
“A definição de Jhering preocupa-se mais com a origem e a justificativa
social do direito subjetivo e, por isto, interessa à filosofia e à sociologia do direito e não
à dogmática” (DIMOULIS, 2007, p.275)

a) há interesses protegidos pela lei que não constituem direitos subjetivos

217
proteção aduaneira à indústria nacional: o interesse dos produtores nacionais não são
direito subjetivo à tributação

b) há hipóteses de direitos subjetivos em que não há interesse da parte do titular


os direitos do tutor são instituídos em benefício dos menores e não do titular

c) os interesses ou bens não constituem direito subjetivo: são objetos em razão dos quais
o direito subjetivo não existe Aquilo que interessa (utilidades, vantagens, proveito) não
são direitos – são objetos de direitos (bens)
“a permissão para utilizar um bem é que constitui o Direito Subjetivo” (TELLES
JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 264)
a interessa
O direito objetivo permite que a pessoa faça ou tenha aquilo que
não interessa
UTILIDADE
O direito assegura o Logo, não tem sentido dizer que o direito subjetivo é
VANTAGEM
interesse objeto que interessa
PROVEITO

Quando se inclui a categoria interesse no aspecto psicológico, as críticas são


repetidas: quem não compreende as coisas não pode ter interesse, mas goza de direitos
subjetivos
Quando se retira esse caráter subjetivo (o pensamento da “pessoa”) e se
encerra no aspecto objetivo, a ideia perde a vulnerabilidade Seria o interesse considerado
não como “meu” ou “seu”

● TEORIA DE HANS KELSEN

Dimitri Dimoulis:
O conceito de direito subjetivo recebeu várias críticas. A mais conhecida é a
de Kelsen. O jurista advertiu que sua utilização pode levar ao equivocado entendimento
de que o indivíduo possui direitos inatos ou naturais que seriam impostos ao Estado. Na
realidade, o direito subjetivo não indica uma qualidade ou um poder do indivíduo que lhe

218
permite contrariar o direito objetivo. Só o direito objetivo cria os direitos subjetivos e
pode extingui-los ou modificá-los, se o considerar conveniente.
Isso significa que o direito subjetivo depende plenamente do direito objetivo.
Nada mais é do que uma faculdade que o legislador confere a determinadas pessoas em
determinadas situações, estabelecendo quem será titular de direitos subjetivos (pessoa
física e/ou jurídica, grupo ou categoria de pessoas), qual o alcance desses direitos e os
requisitos para o seu exercício (DIMOULIS, 2016, pp. 232-233).

Hans Kelsen define o direito subjetivo como simples reflexo do dever jurídico
O problema é visto em termos formais
O direito subjetivo decorre da norma
“A essência do direito subjetivo no sentido técnico específico, direito subjetivo esse característico
do direito privado, reside, pois, no fato de a ordem jurídica conferira um indivíduo não
qualificado como 'órgão' da comunidade, designado na teoria tradicional como 'pessoa privada'
- normalmente ao indivíduo em face do qual um outro é obrigado a uma determinada conduta -
o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento deste dever, quer dizer,
deparem movimento o processo que leva ao estabelecimento da decisão judicial em que se estatui
uma sanção concreta como reação contra a violação do dever”.
“A estatuição de tais direitos subjetivos não é - como a estatuição de deveres jurídicos - uma
função essencial do Direito objetivo. Ela apenas representa uma conformação possível, mas não
necessária, do conteúdo do Direito objetivo, uma técnica particular de que o Direito se pode
servir, mas de que não tem necessariamente de servir-se. É a técnica específica da ordem jurídica
capitalista, na medida em que esta garante a instituição da propriedade privada e, por isso, toma
particularmente em consideração o interesse individual. É, de resto, uma técnica que não domina
sequer todas as partes da ordem jurídica capitalista e que, plenamente desenvolvida, só aparece
no domínio do chamado Direito privado e em certas partes do Direito administrativo. Já o
moderno Direito penal não se serve dela ou apenas excepcionalmente se serve dela. Não só no
caso de homicídio, em que o indivíduo em face do qual a conduta jurídica-penalmente proibida
leve lugar deixou de existir e em que, portanto, este não pode instaurar qualquer ação, mas
também na generalidade das outras hipóteses de conduta jurídico-penalmente proibida, surge
no lugar deste indivíduo um órgão estadual que, como parte autora ou acusadora por dever de
ofício, põe em movimento o processo que leva a execução da sanção”.

219
Segundo KELSEN, é supérflua a noção de direito subjetivo, fora dos casos em que a aplicação
da sanção depende da vontade do interessado. A simples situação de favorecido pelo
cumprimento de um dever não constitui direito subjetivo. Diz:
“Se, neste caso, se fala de um direito subjetivo ou de uma pretensão de um indivíduo, como se
este direito ou esta pretensão fosse algo diverso do dever do outro (ou dos outros), cria-se a
aparência de duas situações juridicamente relevantes onde uma só existe. A situação em questão
é esgotantemente descrita como o dever jurídico do indivíduo (ou dos indivíduos) de se conduzir
por determinada maneira em face de um outro indivíduo”.
“Este conceito de um direito subjetivo que apenas é o simples reflexo de um dever jurídico, isto
é, o conceito de um direito reflexo, pode, como conceito auxiliar, facilitar a representação da
situação jurídica. É, no entanto, supérfluo do ponto de vista uma descrição cientificamente exata
da situação jurídica”.
“Visto que o direito reflexo se identifica com o dever jurídico, o indivíduo em face do qual existe
este dever não é tomado juridicamente em consideração como 'sujeito', pois ele não é sujeito
deste dever. O homem em face do qual deve ter lugar a conduta conforme ao dever é apenas
objeto desta conduta, tal como o animal, a planta ou o objeto inanimado em face do qual os
indivíduos estão obrigados a conduzirem-se por determinada maneira”.
Há direito subjetivo, em sentido técnico, se a sanção depende da ação material do interessado e,
portanto, de sua vontade.
“Uma 'pretensão' a ser sustentada num ato jurídico apenas existe quando o não cumprimento do
dever se possa valer através de uma situação judicial”.
“Quando o indivíduo em face do qual um outro está obrigado a uma determinada conduta não
tem o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento desse dever, o ato
no qual ele exige o cumprimento do mesmo dever não tem qualquer efeito jurídico específico, é
- á parte o não ser juridicamente proibido -juridicamente irrelevante. Por isso apenas existe uma
'pretensão' como ato juridicamente eficaz quando exista um direito subjetivo em sentido técnico,
quer dizer, o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento de um dever
jurídico em face dele existente".
“(...) a essência do direito subjetivo, que é mais do que o simples reflexo de um dever jurídico,
reside em que uma norma confere a um indivíduo o poder jurídico de fazer valer, através de uma
ação, o não-cumprimento de um dever jurídico”.

220
“O credor é pela ordem jurídica autorizado a intervir, isto é, ele tem o poder jurídico de intervir
na produção da norma jurídica individual da decisão judicial através da instauração de um
processo, para assim fazer valer o não cumprimento do dever jurídico que o devedor tem de lhe
fazer uma determinada prestação”.
“o direito subjetivo não é algo distinto do direito objetivo; é o direito objetivo mesmo, de vez que
quando se dirige, com a consequência jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto,
impõe um dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma faculdade” (Teoria
Pura)
Citação de Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Kelsen afirma que na noção de direito subjetivo aparecem duas tendências opostas: a subjetivista-
individualista e a objetivista-universalista, as quais resumiriam o interesse individual subjetivo
ou o coletivo objetivo a ser protegido. Para ele, caso se introduza na teoria do direito subjetivo a
tendência universalista ou coletivista, rompe-se integralmente a noção. Por outro lado, não há
como imaginar-se manter uma tendência subjetivista-individualista a preponderar, com
exclusividade, em determinado instituto ou instituição. Daí por que, para Kelsen, caso se queira
manter a noção de direito subjetivo, faz-se mister mudar-lhe o conceito tradicionalmente
acolhido. Segundo aquele autor, "a distinção feita entre o direito objetivo e o direito subjetivo e
compreendido como uma distinção entre a norma geral e a investidura" não exprime a relação
entre os dois institutos, excluindo-se uma à outra e não se ligando elas a qualquer noção superior
comum. "O que se chama de direito subjetivo como investidura é somente um aspecto do direito
objetivo; ele é mesmo, a norma" (KELSEN, Teoria do Estado, p. 55)" - (ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes. O Princípio constitucional da função social da propriedade. Revista Latino-americana
de Estudos Constitucionais. n. 2, p. 543-594, jul./dez. 2003).

PLÁGIO?
André Franco Montoro:
“Para ele [Kelsen], o direito subjetivo nada mais é do que "o próprio direito
objetivo, isto é, a norma jurídica, em sua relação com o sujeito, de cuja declaração de
vontade depende a aplicação do ato coativo estatal, estabelecido pela norma".
Quando posso dizer que o direito objetivo passou a ser meu direito subjetivo?
pergunta Kelsen. Ele mesmo responde: o direito objetivo transforma-se em direito
subjetivo, quando está à disposição de uma pessoa, isto é, quando a norma faz depender
de uma declaração da vontade dessa pessoa a aplicação do ato coativo estatal.

221
Assim, o preceito de que o locador pode requerer o despejo do inquilino, por
falta de pagamento do aluguel, é norma legal e, portanto, direito objetivo.
Mas passa a constituir direito subjetivo do locador, na medida em que faz
depender da vontade deste a aplicação da medida coativa do despejo, estabelecido na lei”
(MONTORO, 2016, p. 498)
Antonio Bento Betioli: “Assim, o direito subjetivo não seria senão a norma
mesma enquanto atribui a alguém o poder jurídico correspondente ao dever que nela se
contém. Converte-se num simples reflexo do dever jurídico, ou num modo de ser da
norma jurídica. Quando, então, o direito objetivo passa a ser meu direito subjetivo? O
próprio Kelsen responde: quando o direito objetivo está à disposição de uma pessoa, isto
é, quando a norma faz depender de uma declaração da vontade dessa pessoa a aplicação
do ato coativo estatal. Por exemplo, o preceito de que o locador pode requerer o despejo
do inquilino, por falta de pagamento do aluguel, é norma legal e direito objetivo. Passa a
constituir direito subjetivo do locador, na medida em que faz depender da vontade deste
a aplicação da medida coativa do despejo, estabelecido na lei; fora dos casos em que a
aplicação da depende da vontade do interessado, é supérflua a noção de direito subjetivo,
segundo Kelsen” (BETIOLI, 2015, p. 374).

222
● TENTATIVA CONCLUSIVA 1

Diante dessa imensa controvérsia, é possível concluir que as teorias partem


das formulações clássicas de Windscheid e Jhering, principalmente.

Entretanto, essa discussão conduziu à “inúmeras teorias combinadas (cf.,


sobre isso, Ludwig Enneccerus/Hans C. Nipperdey, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen
Rechts, 15" ed., t. 1, Tübingen: Mohr, 1959, pp. 428-429: ‘Conceitualmente, o direito
subjetivo é um poder jurídico, conferido ao indivíduo pelo ordenamento jurídico, cuja
finalidade é ser um meio para a satisfação de interesses humanos’; e Georg Jellinek,
System der subjektiven offentlichen Rechte, 2ª ed., Tübingen: Mohr, 1905, p. 44: ‘O
direito subjetivo é, portanto, um poder da vontade humana, reconhecido e protegido pelo
ordenamento jurídico e dirigido a um bem ou interesse’)” (ALEXY, 2008, p. 186, nota
nº 20 – grifei)

No mundo civilizado, o "ter" e o "poder" decorrem de direitos subjetivos


constituídos à luz do ordenamento jurídico

“O significado dos direitos subjetivos é tão amplo que se pode dizer, ainda,
que o próprio Direito Positivo é instituído para defini-los e para determinar a sua forma

223
de aquisição e tutela. Esta é a dimensão de importância do presente capítulo de estudo”
(NADER, 2009, p 308).

● CONCEITOS ATUAIS

“O direito subjetivo indica uma situação particular da pessoa em relação ao


ordenamento jurídico que lhe confere um direito, o faz titular de um direito” (DIMOULIS,
2016, p. 232).

“direito subjetivo é aquilo que um determinado sujeito, individual ou


coletivamente, pode exigir do Estado e/ou de particulares; posição jurídica é a faculdade
do sujeito de um direito subjetivo de exigir esse direito em face de outrem” (Alves,
Henrique Napoleão. Segurança jurídica e a teoria do direito subjetivo à justiça fiscal (Tese
vencedora do concurso de teses do XIII congresso da Abradt – 2009). in: DERZI, Misabel
de Abreu Machado (coord.) Separação de poderes e efetividade do sistema tributário.
Belo Horizonte: Del Rey, pp. 519-538, 2010).

“o direito objetivo é sempre um conjunto de normas impostas ao


comportamento humano, autorizando o indivíduo a fazer ou a não fazer algo. Estando,
portanto, fora do homem, indicando-lhe o caminho a seguir, prescrevendo medidas
repressivas em caso de violação de normas” – “Direito subjetivo é sempre a permissão
que tem o ser humano de agir conforme o direito objetivo. Um não pode existir sem o
outro. O direito objetivo existe em razão do subjetivo, para revelar a permissão de
praticar atos. O direito subjetivo, por sua vez, constitui-se de permissões dadas por meio
do direito objetivo” (DINIZ, 2009, p. 251).

“o que constitui o Direito Subjetivo é a permissão dada por meio do Direito


Objetivo: é a autorização outorgada por meio da norma jurídica. Toda e qualquer
permissão dada por meio do Direito Objetivo é Direito Subjetivo” (TELLES JÚNIOR,
2001, p. 265)

“Direito subjetivo é o poder conferido pela norma jurídica para que o titular
do direito o exerça de acordo com as leis, invocando a proteção do Estado, quando algum
obstáculo se apresenta ao gozo e reconhecimento desse direito” (LIMA, 1977)

“Direito subjetivo é a faculdade que todo indivíduo, em princípio, tem de,


segundo normas preestabelecidas pelo poder público competente, reclamar ao Estado a

224
proteção de interesses violados ou ameaçados e a recomposição dos danos ilicitamente
ocasionados” (CARREIRO, 1976)

Baseado em Hans Kelsen, Miguel Reale assinala: “O direito subjetivo não


pode ser concebido (...) sem correspondência com o direito objetivo, com o qual forma
uma díade inseparável...” – “Direito subjetivo é a possibilidade de exigir, de maneira
garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio” (REALE,
2010, p. 260).

IMPORTANTE: subentende-se a rejeição da “tese jusnaturalista de um


direito natural subjetivo, independente do ordenamento jurídico positivo” (REALE,
2010, p. 257)

NOTA DE ATUALIZAÇÃO

Mais recentemente, o conceito de direito subjetivo vem sendo construído fora


do Estado.

Questiona-se a concepção de direito subjetivo como sendo uma concessão do


poder público (Estado).

Defende-se a preexistência do direito subjetivo ao próprio Estado:

“Nesse ponto, é importante salientar que o fato de o direito subjetivo


preexistir ao Estado, não se está afirmando sua natureza jusnatural como concessão
divina, e.g., o que se pretende afirmar, com fundamento em Massimo La Torre, é que
antes do nível normativo fixado pelo Estado, existe um nível normativo difuso da
sociedade, afinal, ela é formada por seres humanos que possuem capacidade jurídica para
realizar atos intencionais" (ABBOUD e CARNIO, 2012).

● TENTATIVA CONCLUSIVA 2:

No direito subjetivo devemos distinguir, portanto (Montoro, André Franco.


Introdução à ciência do direito. 31. ed. rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014, p. 506):

a) um direito-interesse, que é na realidade o objeto do direito: "No direito


subjetivo há sempre um bem ou interesse, mas o direito não "é" esse bem ou interesse;
225
não se confunde com ele. No direito à vida, no direito de propriedade, no direito de
legislar, o direito não consiste propriamente na vida, na propriedade ou na legislação,
objetivamente considerados, mas numa relação entre esses bens e a pessoa. O bem ou
interesse - isto é, a vida, as coisas ou o ato de legislar - são o "objeto" do direito subjetivo".

b) um direito-poder, ou poder da vontade, que é a prerrogativa do sujeito em


relação ao objeto: "Da mesma forma, há normalmente no direito subjetivo um poder (ou
vontade) que o efetiva. Mas o direito não é essa vontade ou poder, que muitas vezes,
como vimos, pode até faltar".

c) um direito-relação, que é a dependência do objeto ao sujeito — e a


appartenance dos franceses, o meum ou suum dos romanos —, e nessa dependência que
consiste essencialmente o direito subjetivo: O direito é essencialmente a dependência
(appartenancé) de um objeto a um sujeito. Dessa dependência decorre o poder do sujeito
em relação a esse objeto"

Para Max Weber, as disposições jurídicas de um direito moderno consistem


em “normas abstratas com o conteúdo de que determinada situação, de fato, deve ter
determinadas consequências jurídicas” (WEBER, 1999, p. 14)
Divisão das Direito subjetivo correspondente: “A este poder juridicamente
“disposições garantido e limitado sobre as ações dos outros correspondem
jurídicas” (WEBER) sociologicamente as seguintes expectativas” (WEBER, 1999, p. 15)
(a) normas Que outras pessoas façam determinada coisa
imperativas
(b) normas Que deixem de fazer determinada coisa – (a) e (b) formas de
proibitivas “pretensões”
(c) normas Que uma pessoa pode fazer ou, se quiser, deixar de fazer
permissivas determinada coisa sem intervenção de terceiros: “autorizações”
“Todo direito subjetivo é uma fonte de poder que, no caso concreto, devido à existência da
respectiva disposição jurídica, pode também ser concedida a alguém que sem esta disposição
seria totalmente impotente” (WEBER, 1999, p. 15).

● Relação entre o direito subjetivo e o “facultas agendi”


Doutrina tradicional

226
DIREITO OBJETIVO norma agendi: conjunto de preceitos que organizam a sociedade
DIREITO SUBJETIVO facultas agendi: faculdade de agir garantida pelas regras jurídicas

DIREITO OBJETIVO: “é o complexo de normas jurídicas que regem o


comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est
norma agendi)” (DINIZ, 2009. p. 246). Direito Objetivo é, portanto, a NORMA AGENDI

O Direito Subjetivo é normalmente designado por FACULTAS AGENDI

OBSERVAÇÃO a expressão FACULTAS AGENDI sofre questionamentos

A esse respeito, ver os §§s 113 e 114 de livro de Goffredo Telles Júnior (2001)

Com base na filosofia, ele conclui que a famosa facultas agendi é anterior ao
Direito Subjetivo

Em primeiro lugar, divisa-se a faculdade de agir

Depois aparece a permissão ou o direito de usar a faculdade: “Não se diga,


portanto, que o Direito Subjetivo é ‘facultas agendi’, a faculdade de agir. O Direito
Subjetivo é, apenas, a permissão dada pela norma jurídica para o uso dessa faculdade”
(TELLES JÚNIOR, 2001, p. 263)

“Modernamente, com a distinção que se faz entre direito subjetivo e faculdade


jurídica, tal colocação já se acha superada, mas conservando a virtude de indicar o
direito objetivo e subjetivo 'de maneira complementar, um impensável sem o outro'
(Miguel Reale)” (NADER, 2009, p. 306).
Não são direitos
As faculdades humanas São qualidades humanas
Independem da norma jurídica para existir
A norma jurídica ordena essas faculdades
O direito subjetivo é a permissão para o uso das faculdades humanas
A “facultas agendi” é anterior ao direito PRIMEIRO: a faculdade de agir
subjetivo DEPOIS: a permissão de usar essa aptidão

DIREITO SUBJETIVO é a permissão


A norma jurídica válida PERMITE Fazer ou não fazer algo

227
Ter ou não ter algo
O cumprimento da norma infringida
Autoriza exigir
A reparação do mal sofrido

A norma de direito menciona expressamente a permissão:


Explícita
CC art. 5º e 1639, caput
A permissão pode ser A norma não menciona o direito de modo expresso - Só
Implícita regula o uso
A permissão de casar 1517 a 1564 e 70 a 78 do CC

Todas as permissões, sejam explícitas ou implícitas, decorrem do princípio da legalidade


(CF/88 – art. 5ª, II)

● Classificações doutrinárias
Aquisição
Cada categoria possui peculiaridades no seu modo de Extinção
Tutela jurídica

ESPÉCIES DE DIREITO SUBJETIVO


Permissão sem violar preceito normativo
COMUM DA EXISTÊNCIA
Nome, domicílio, ir e vir
DEFENDER DIREITOS resistir contra a ilegalidade
proteger o direito comum da existência o lesado pela fazer cessar o ato ilícito
ou violação da norma reclamar a reparação do dano
autorização de assegurar o uso do direito está autorizado a processar criminosos impondo-
subjetivo lhes a pena
Essas autorizações são permissões concedidas pela coletividade, por meio de normas de garantia,
que são as normas jurídicas

Classificação de Dimoulis
Privado
Público Direitos fundamentais (DIMOULIS, 2007, p.276)

228
CF Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação
básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (...) §1º O acesso
ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
Personalíssimos: direito ao nome
Não patrimoniais Pessoais: “relacionados com as relações no âmbito da família”
(DIMOULIS, 2007, p.276)
Reais
Patrimoniais: bens econômicos
Obrigacionais
(direito civil e comercial)
De crédito

Georges Abboud e Henrique Garbellini Carnio separam os direitos subjetivos (e obrigações)


em dois tipos:
decorrentes de relações incluem os relativos ao casamento, ao pátrio poder e à tutela e
familiares curatela
"direitos que conferem um poder absoluto sobre as coisas do mundo
externo. Sua característica essencial é valerem erga omnes: “contra
direitos
decorrentes todos”. O comportamento alheio que o titular do direito subjetivo
reais
de relações pode exigir é o de todos, que são obrigados a respeitar o exercício
patrimoniais de seu direito (poder) absoluto sobre a coisa"
"existem tão somente entre pessoas determinadas e vinculam uma
obrigações
(o devedor) à outra (o credor)"

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini. Direito subjetivo I: conceito, teoria


geral e aspectos constitucionais. Revista de Direito Privado. vol. 52, ano 13. p. 11.
out./dez. 2012.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008.
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica
tridimensional. São Paulo: Saraiva, 2015.

229
CARREIRO, C. H. Porto. Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1976.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 2ª. ed., rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito: introdução à teoria
geral do Direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica: norma
jurídica e aplicação do Direito. 20ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 6ª. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e
dominação. 8. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2015.
HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao direito: abertura para o mundo do direito,
síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Thex, 2006.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3ª. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977.
MONTORO, Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31ª. ed., rev. e atual., de acordo com o
Código civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
NALINI, José Renato. Direito subjetivo, interesse simples, interesse legítimo. Revista de
processo. v. 10, n. 38, p. 240-250, abr./jun. 1985.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. 9ª tiragem. São Paulo: Saraiva,
2010.
POLETTI, Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001.
TESHEINER, José Maria Rosa. Ação e direito subjetivo. Genesis: revista de direito
processual civil, v. 7, n. 24, p. 297-311, abr./jun. 2002.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
Volume 2; Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; revisão técnica de
Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1999.

230
CASOS CONCRETOS DE DIREITOS SUBJETIVOS

CONCURSO PÚBLICO

Súmula 15/STF: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato


aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da
classificação - Data de Aprovação: Sessão Plenária de 13/12/1963
A postulação para ingresso nos quadros funcionais do Estado diz respeito ao
direito de acesso aos cargos, empregos e funções de natureza pública. Direito
expressamente assegurado pelo inciso II do art. 37 da Constituição Federal e consistente
na instauração de vínculo jurídico até então inexistente. Direito, portanto, à formação de
um liame jurídico a que o Poder Público, no caso, resiste. Já os demais direitos subjetivos,
versados na ADC 4, esses dizem respeito a relação jurídica preexistente, ou, se se prefere,
dizem respeito a institutos jurídicos que têm por pressuposto de incidência uma anterior
relação jurídica entre o servidor público e a pessoa do Estado. Relação jurídica em
nenhum momento posta em causa quanto à juridicidade de sua formação, ou de sua
continuidade – Rcl 9270 AgR, Relator: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado
em 24/03/2011.
"1. A contratação precária para o exercício de atribuições de cargo efetivo
durante o prazo de validade do concurso público respectivo traduz preterição dos
candidatos aprovados e confere a esses últimos direito subjetivo à nomeação.
Precedentes: ARE 692.368-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe
4/10/2012, e AI 788.628-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe
8/10/2012. 2. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: “Mandado de
segurança. Concurso público. Contratação de empresa terceirizada. Preterição de
candidato. Direito subjetivo à nomeação. Segurança concedida. A contratação
emergencial de empresa terceirizada para realização do serviço a que se destinaria o
candidato aprovado em concurso público, confere a este o direito subjetivo líquido e certo
à nomeação para o cargo que concorreu" - STF - AG.REG. NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO ARE 806277 RO - publicação: 21/08/2014

Direito de não ser preso preventivamente antes do trânsito em julgado da sentença

231
3. Em matéria de prisão provisória, a garantia da fundamentação importa o
dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos
um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão
da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é
de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por
isso mesmo foi que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.078, entendeu,
por maioria, inconstitucional a execução provisória da pena. Na oportunidade, assentou-
se que o cumprimento antecipado da sanção penal ofende o direito constitucional à
presunção de não-culpabilidade. Direito subjetivo do indivíduo que tem a sua força
quebrantada numa única passagem da Constituição Federal. Leia-se: “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei” (inciso LXI do art. 5º) - HC 102424, Relator: Min. AYRES BRITTO,
Segunda Turma, julgado em 14/12/2010

Suspensão condicional do processo não é direito subjetivo


"A suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu.
Precedentes. Foram apresentados elementos concretos idôneos para motivar a negativa
de suspensão condicional do processo" STF - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS RHC 115997 PA - publicação: 19/11/2013

não há direito subjetivo do réu em ser transferido de unidade prisional. deve-se


observar a conveniência e interesse da segurança pública
"Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. A Corte
Estadual concluiu que prevalece o interesse público (a manutenção da segurança pública)
sobre o particular (o direito subjetivo do sentenciado à assistência social e familiar), tese
que se coaduna com o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal" - STJ -
HABEAS CORPUS HC 228156 SP 2011/0300778-3 - publicação: 19/12/2013

a empregada gestante possui direito subjetivo de estabilidade provisória


O legislador constituinte, consciente das responsabilidades assumidas pelo
Estado brasileiro no plano internacional (Convenção OIT nº 103/1952, Artigo VI) e tendo
presente a necessidade de dispensar efetiva proteção à maternidade e ao nascituro,

232
estabeleceu, em favor da empregada gestante, expressiva garantia de caráter social,
consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade provisória (ADCT, art. 10, II,
“b”). - A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no
art. 10, II, “b”, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia
social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez,
independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-
se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo
quando pactuada em sede de negociação coletiva - AI 448572 ED, Relator: Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/11/2010.

Independentemente da gravidade do crime, o acusado possui direito subjetivo à


razoável duração do processo:
2. A Constituição Federal determina, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, que
"a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". 3. O Supremo Tribunal
Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso
concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando. 4. No
caso, a custódia instrumental do paciente já beira 2 (dois) anos, sem que o processo tenha
retomado sua marcha validamente. Prazo alongado que não é de ser debitado
decisivamente à defesa. 5. A gravidade da increpação não obsta o direito subjetivo à
razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF) -HC 104667, Relator:
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/10/2010.

Não existe direito subjetivo do substituto se efetivar em cargo vago de titular de


Serventia Extrajudicial
O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de
provas e títulos, não podendo nela ser efetivado quem, sem concurso, foi designado
substituto no ano de 2007 - MS 28081 AgR, Relator: Min. CEZAR PELUSO
(PRESIDENTE), Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2010.

o direito subjetivo à legislação


1 - "...para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de
injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição

233
constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público
subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-
constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar
comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional” –
MI 463/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 542/SP.
2 - mandado de injunção (...) servidor público – direito público subjetivo à
aposentadoria especial (CF, ART. 40, §4º) – injusta frustração desse direito em
decorrência de inconstitucional, prolongada e lesiva omissão imputável a órgãos estatais
da união federal – correlação entre a imposição constitucional de legislar e o
reconhecimento do direito subjetivo à legislação – descumprimento de imposição
constitucional legiferante e desvalorização funcional da constituição escrita – a inércia do
poder público como elemento revelador do desrespeito estatal ao dever de legislar
imposto pela constituição – omissões normativas inconstitucionais: uma prática
governamental que só faz revelar o desprezo das instituições oficiais pela autoridade
suprema da lei fundamental do estado – a colmatação jurisdicional de omissões
inconstitucionais: um gesto de fidelidade, por parte do poder judiciário, à supremacia
hierárquico-normativa da constituição da república – a vocação protetiva do mandado de
injunção – legitimidade dos processos de integração normativa (dentre eles, o recurso à
analogia) como forma de suplementação da “inertia agendi vel deliberandi” – MI 1841
AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013,
acórdão eletrônico DJe-049 DIVULG 13-03-2013.

Direito subjetivo à constituição de família:


“se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia entre casais
heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de sentido se
desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família,
constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e
durabilidade (CF, art. 226, § 3º: 'Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento')" voto do relator da ADI 4277 e ADPF 132, MIN. AYRES
BRITTO, julgadas em 05/05/2011; até o dia 28.06.2011, acórdão ainda não publicado
direito subjetivo à promoção de servidor público não depende do juízo de conveniência
da Administração: "...preenchidos os requisitos, os servidores públicos têm direito à

234
promoção legalmente prevista, não constituindo este ato discricionariedade da
Administração, que se encontra submetida ao princípio da legalidade" - AI 817221/RS,
Relator: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 14/06/2011.

Os direitos fundamentais são direitos subjetivos:


"Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretação
constitucional, são gravados pela eficácia imediata. A Lei Maior, no que diz com os
direitos fundamentais, deixa de ser mero repositório de promessas, carta de intenções ou
recomendações; houve a conferência de direitos subjetivos ao cidadão e à coletividade,
que se veem amparados juridicamente a obter a sua efetividade, a realização em concreto
da prescrição constitucional" - tese mantida pelo STF no RE 559073/RS, Relator: Min.
JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 10/06/2011

Direito subjetivo da vítima na instauração de inquérito policial:


"a instauração do inquérito policial é um direito subjetivo do ofendido ou de
quem tiver a qualidade de representá-lo (art. 5º, inc. II do CPP), inerente ao direito
constitucional de petição (art. 5º, inc. XXIV, letra 'a', da CF/88), não consistindo ato
ilícito, para fins de responsabilidade civil, se for exercido regularmente (art. 160, inc. I
CC) e não sendo tal responsabilidade imputável ao Estado, se este apenas informou acerca
das investigações realizadas em inquérito policial" - AI 808327/PR, Relatora: Min.
CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 09/06/2011

Sobre o conceito de direito subjetivo

A dicotomia "direito objetivo - direito subjetivo", sobretudo em sua conformação atual,


tem origens na Era Moderna e sua concepção de liberdade como "não-impedimento". Ferraz Jr.
explica que "com base no livre arbítrio, na liberdade como não impedimento, constrói-se um
conceito positivo de liberdade", 5 sobre o qual foi edificada a noção de direito subjetivo.
Peces-Barba, Fernández e Asís, 6 de igual modo, afirmam que a concepção de direito
subjetivo pressupõe uma concepção individualista de homem, inexistente na Antiguidade
caracterizada pela concepção comunitária de homem. Antes, encontrar-se-iam no ideário de Duns
Scoto e Guilherme de Occam os primeiros rasgos dessa categoria.

235
Em oposição ao conceito de direito objetivo - entendido como o conjunto de normas
formalmente válidas positivadas pelo Estado 7 - surge a noção de direito subjetivo, por meio da
qual se designa a posição em que se encontra uma pessoa ou um conjunto de pessoas em relação
ao direito objetivo, 8posição esta assumida para os fins propostos neste ensaio.
A concepção jusnaturalista considera direitos subjetivos as faculdades e poderes inatos
aos homens (direito à vida, à liberdade, à integridade corporal, à propriedade, à eleição, etc.), os
quais o direito positivo - se pretender ser direito - deve reconhecer, regulamentar e, sobretudo,
proteger.
Esse entendimento não é refutado pelo positivismo, 9 mas este, ao reconhecer ou
aceitar a possibilidade de haver direitos com a mencionada característica, admite-os simplesmente
morais e não jurídicos.
Na evolução do conceito de direito subjetivo é possível surpreender várias teorias,
dentre as quais destacaremos três: a) Teoria da Vontade; b) Teoria do Interesse; c) Teoria Eclética.
A primeira delas, Teoria da Vontade, foi sustentada por autores da alçada de Savigny,
Windscheid, Puchta e Del Vecchio, tendo definido o direito subjetivo como um poder ou senhorio
da vontade reconhecido pelo ordenamento jurídico como uma vontade juridicamente protegida. 10
Dois eram os aspectos vislumbrados no referido poder: a faculdade de exigir um comportamento
das pessoas que se encontravam frente ao titular ou titulares do direito subjetivo e a vontade que
dá origem ao nascimento, extinção ou modificação de direitos ou faculdades.
A Teoria do Interesse, formulada por Ihering, afirmou serem os direitos subjetivos
interesses juridicamente protegidos, ou seja, bens - materiais ou ideais - sobre os quais recai a
atenção do homem e que do direito recebem proteção por meio de uma ação judicial. Dois, pois,
os aspectos essenciais: o interesse e o procedimento jurídico de defesa do interesse.
Jellinek buscou compor os postulados das teorias anteriores, dando origem à
denominada Teoria Eclética ou Mista. Para esse autor, direito subjetivo seria um interesse tutelado
pela lei mediante o reconhecimento da vontade individual. 11
No ideário de Kelsen, o estudo dos direitos subjetivos integra a denominada "Estática
Jurídica", que compõe o Capítulo IV de sua Teoria Pura do Direito. 12 Ali, Kelsen examina, um a
um, os conceitos jurídicos básicos ou fundamentais. Dizem-se básicos esses conceitos porquanto
constituem a base teórica para a edificação de diversos outros conceitos jurídicos: "o caráter básico
destes conceitos faz com que sejam empregados em quase todas as explicações que se desenvolvem

236
nos distintos ramos do Direito. Se distinguem, assim, de expressões que têm um uso mais
circunscrito, como 'defraudação', 'sociedade anônima', 'hipoteca', 'matrimônio', 'seguro', etc.". 13
Kelsen busca novamente no seu sistema de normas a solução para a definição dos
direitos subjetivos: "falar em termos de direitos subjetivos jurídicos não é mais que descrever a
relação que têm o ordenamento jurídico com uma pessoa determinada". 14 O direito subjetivo
seria, pois, mero reflexo do dever jurídico. Kelsen, inclusive, vai mais além ao propor a eliminação
do dualismo entre direito objetivo e subjetivo.
Santiago Nino segue com Kelsen no exame dos diversos sentidos de "direito
subjetivo", sendo certo que "em todos estes casos de diretos subjetivos, se descreve o fato de que
a vontade dos particulares é considerada por determinadas normas como condição de certos efeitos
jurídicos": 16
a) Direito como equivalente a não proibido: de acordo com Kelsen, expressões como
"tenho direito a me vestir do modo que desejo" poderiam encontrar sentido tanto na ausência de
norma que previsse sanção para a ação de que se trata (no caso, de vestir-se da forma desejada)
quanto na ausência de norma de competência que autorizasse, em determinado contexto
imaginário, fosse estabelecida a proibição.
b) Direito como equivalente a autorização: ainda que contra o seu sistema - ou
admitindo ser ele insuficiente, Kelsen aceita na última versão de sua Teoria Pura a existência de
normas permissivas, que acolheriam, por exemplo, o sentido de autorização em expressões como
"o professor nos deu direito a interromper a aula".
c) Direito como correlato de uma obrigação ativa: nessa acepção vê Kelsen tão-
somente uma alteração no enfoque ou na descrição de uma única relação jurídica. Ao afirmar-se,
v.g., que "A tem direito a que B lhe pague", acentua-se a situação do beneficiário do dever jurídico
e não na situação do sujeito obrigado (B deve pagar a A).
d) Direito como correlato de uma obrigação passiva: trata-se da situação anterior, com
a diferença de que aqui se fala de um dever jurídico de abstenção.
e) Direito como ação processual: surge aqui figura nova, consistente na possibilidade
de recorrer ao Estado para a imposição da sanção prevista para o descumprimento da obrigação.
Essa acepção recebeu de Hans Kelsen a denominação de direito em sentido técnico ou estrito, já
que corresponderia a uma noção autônoma.
f) Direito político: ao falar de direitos subjetivos na acepção de direitos políticos,
refere-se Kelsen tanto à possibilidade que têm os cidadãos de participar da criação das normas

237
gerais quanto à proteção - também por meio da ação processual - dos chamados direitos e garantias
fundamentais.
É na obra de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, contudo, que se encontra uma
análise mais cuidadosa das diversas posições adotadas por Hans Kelsen em suas sucessivas
publicações, inclusive sua obra póstuma Algemeine Theorie der Normen.
Esclarece a douta autora, em sua elucidação das relações entre direito e força a partir
da obra do mestre austríaco, que seu o tratamento do direito subjetivo suportou notáveis ampliações
no curso dos anos, ainda que a definição básica, constante da primeira edição da Teoria Pura do
Direito, tenha permanecido praticamente intocada.
O ponto de partida é a noção de direito subjetivo em sentido técnico (teoria processual
do direito subjetivo), definido, segundo a relembrada lição de Bobbio, como "o efeito de uma
autorização (Berechtigung) com a qual o ordenamento jurídico 'inclui entre as condições da
consequência do ilícito uma manifestação de vontade por parte de quem é lesado nos seus
interesses'". 18 O ordenamento jurídico, dessa forma, asseguraria ao particular, mediante o
exercício de sua vontade, mecanismo para a criação da norma (concreta e individual).
É possível perceber na obra de Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, a
insistência no tema da criação do direito como ambiente onde melhor foi tratada a questão do
direito subjetivo, embora já ligeiramente ampliada a discussão:
"Insistindo na definição de direito subjetivo em sentido estrito e técnico, chamamos a
atenção sobre o fato de que por direito subjetivo, a teoria normativa do direito entende alguma
coisa mais específica que a situação subjetiva correlativa ao dever de um outro indivíduo: o direito
de um indivíduo como situação correlativa ao dever de um outro indivíduo não constitui uma
situação específica, e naturalmente, não retira nada à tese da primazia do dever. Que exista um
direito precedente ao dever, independente do dever, é uma tese jusnaturalista que uma teoria
positiva do direito, como a teoria pura, não pode aceitar.
Pelo que diz respeito à terminologia, para definir o direito sub-jetivo em sentido técnico
Kelsen utiliza, como vimos, a palavra "possibilidade" e em outro lugar "capacidade", por exemplo
na frase: "ter um direito significa ter a capacidade jurídica de participar da criação de uma norma
individual, etc.". Ainda não o termo "Poder". Com isso não queremos dizer que o termo não seja
amplamente uti-lizado, mas que isso acontece em contextos diversos, em, todos aqueles contextos
nos quais o problema da relação entre direito e força [em inglês "right" e "might" - direito e força
(como poder)] surgem.

238
Para encontrarmos um contexto no qual o termo "Poder" é utilizado num significado
que antecipa aquele das duas últimas obras e que possamos chamar de definitivo, é preciso
dirigirmo-nos às páginas dedicadas à teoria do ordenamento jurídico como ordenamento dinâmico.
Aqui lemos que "a norma fundamental põe uma dada autoridade, a qual por sua vez pode muito
bem atribuir a uma outra autoridade o poder de criar normas" e um pouco mais adiante "o poder
de criar normas é delegado de uma autoridade a uma outra; a primeira é a autoridade superior, a
segunda é a inferior". Destes passos resulta que a área em que aparece a noção de "Poder" é a dos
conceitos ligados ao' tema da criação do direito. Trata-se da mesma área à qual, como vimos,
pertence a teoria do direito subjetivo em sentido técnico." 19
Somente na segunda edição da Teoria Pura do Direito, entretanto, se aperfeiçoa, se
estreita, no surgimento de uma teoria do poder jurídico como "capacidade de criar e aplicar normas
jurídicas", a ligação entre o direito subjetivo em sentido técnico e o referido poder jurídico. A partir
dessa construção científica, pôde finalmente Kelsen "estabelecer as premissas para distinguir os
vários significados do direito em sentido subjetivo", 20 mais acima apreciados.
Kelsen não aceita exatamente, porém, a categoria dos direitos subjetivos (ou, quando
menos, a independência dessa categoria). Ao discutir o tema, mostra-se consciente da primazia que
o direito subjetivo tem, tradicionalmente, em face do dever jurídico, a ponto de que, "na descrição
do Direito, o direito (subjectivo) avulta tanto no primeiro plano que o dever quase desaparece por
detrás dele e aquele - na linguagem alemã e francesa - é mesmo designado pela própria palavra
com que se designa o sistema de normas que forma a ordem jurídica: pela palavra «Recht» (direito),
«droit». Para se distinguir deste, tem o direito (Berechtigung), como direito «subjectivo» (ou seja,
pois, o direito de um determinado sujeito) de ser distinguido da ordem jurídica, como Direito
«objectivo»". 21
E, após relacionar os diversos sentidos que à expressão "direito subjetivo" se pode
conceder, ainda insiste Kelsen que, posta à parte a questão dos direitos naturais, vale dizer,
assumindo como direitos somente aqueles postos pela ordem jurídica positiva, verifica-se que um
direito subjetivo não somente pressupõe o correspondente dever jurídico, mas é esse mesmo dever
jurídico. Enfaticamente, assim se expressa o professor de Viena e Colônia:
"Em resumo, pode dizer-se: o direito subjectivo de um indivíduo ou é um simples
direito reflexo, isto é, o reflexo de um dever jurídico existente em face desse indivíduo; ou um
direito privado subjectivo em sentido técnico, isto é, o poder jurídico conferido a um indivíduo de
fazer valer o não cumprimento de um dever jurídico, em face dele existente, através da acção

239
judicial, o poder jurídico de intervir na produção da norma individual através da qual é imposta a
sanção ligada ao não cumprimento; ou um direito político, isto é, o poder jurídico conferido a um
indivíduo de intervir, já directamente, como membro da assembleia popular legislativa, na
produção das normas jurídicas gerais a que chamamos leis, já indirectamente, como titular de um
direito de eleger para o parlamento ou para a administração, na produção das normas jurídicas que
o órgão eleito tem competência para produzir; ou é, como direito ou liberdade fundamental
garantida constitucionalmente, o poder de intervir na produção da norma através da qual a validade
da lei inconstitucional que violar a igualdade ou liberdade garantidas é anulada, quer por uma forma
geral, isto é, para todos os casos, quer apenas individualmente, isto é, somente para o caso concreto.
Finalmente, também pode designar-se como direito subjetivo a permissão positiva de uma
autoridade." 22
Uma outra concepção a respeito dos direitos subjetivos, igualmente digna de nota, é a
que fornece W. N. Hohfeld, posteriormente reformulada por Alf Ross, e consistente na redefinição
de quatro conceitos jurídicos fundamentais (pretensão, potestade, liberdade e imunidade) de forma
a distinguir as diferentes categorias jurídicas incluídas no mesmo rótulo de direito subjetivo. 23
(...)
Assim sucintamente apreciados os vários sentidos que se emprestaram à expressão
"direito subjetivo", cumpre verificar como é que, ao longo dos séculos, se pretendeu justificar o
emprego do poder punitivo como um direito subjetivo do Estado.

ALMEIDA, André Vinícius de. Direito de punir e poder de punir: uma análise a partir da doutrina
dos direitos subjetivos. Ciências Penais: Revista da Associação Brasileira de Ciências Penais. v. 2,
n. 2, p. 196-215, jan./jun. 2005.

240
2. FONTES DO DIREITO OBJETIVO:

FONTES DO DIREITO

CONCEITUAÇÃO

 “...origem, berço ou nascedouro do Direito. Procurar uma fonte de uma regra é buscar
o ponto onde ela brotou para a vida social” (VENOSA, 2010, p. 116).
 De onde vem o direito?
 Onde podemos encontrá-lo?
 Onde está escrito?
 para Reale, FONTE DO DIREITO é designado como sendo: “os processos ou meios
em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória,
isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa” (REALE,
2002, p. 140)
 “O problema das fontes de direito se confundem com o das formas de produção de
regras de direito vigente e eficaz, podendo ser elas genéricas ou não” (REALE, 2002,
p. 140)
 Reale diz que fonte de regra OBRIGATÓRIA deve provir de um PODER

Luiz Legaz & Lacambra apresenta sete significados assumidos pela palavra fonte (apud
Heck, 1992):

a) fonte do conhecimento do que historicamente é ou tem sido o direito ( v.g., antigos


documentos, coleções legislativas, etc.);
b) força criadora do direito como fato da vida social ( v.g., natureza humana, o sentido
jurídico, a economia, etc.);
c) autoridade criadora do direito histórico ou atualmente vigente ( v.g., Estado, povo,
etc.);
d) ato concreto criador do direito ( v.g., legislação, costume, decisões judiciais, etc.);
e) fundamento de validade jurídica de uma norma concreta de Direito;
f) forma de manifestar-se da norma jurídica ( v.g., lei, decreto, regulamento, costume);
e
g) fundamento de um direito subjetivo.

241
Abelardo Torre arrola nove designações afetas à palavra fonte (apud Heck, 1992):

a) as chamadas mais propriamente fontes de conhecimento ou históricas, tais como


documentos (inscrições, papiros, livros, coleções legislativas, etc.) que contêm o texto
da lei ou um conjunto de leis;
b) designa as fontes de produção;
c) sob o ponto de vista geral e filosófico - no rastro de Del Vecchio - é o espírito humano
a fonte primária e inesgotável;
d) para significar a autoridade criadora do direito. Assim, se diz que o Congresso é a
fonte das leis, o Poder Constituinte a fonte da Constituição;
e) o ato criador do direito, como, por exemplo, o costume, tido por fato social, o ato
legislativo etc.;
f) refere-se à fonte do conteúdo das normas, ou seja, às fontes materiais ou reais,
entendidas estas como sendo os fatores e elementos que determinam o conteúdo de uma
norma. Esses fatores denotam as necessidades ou problemas (econômicos, culturais, de
grupos, etc.) que o legislador deve resolver, como também os valores a serem, por ele,
realizados.
g) o sentido de fontes formais, quer dizer: a referência às várias formas de manifestação
das normas (lei, jurisprudência, contrato, etc.);
h) o autor cita Gurvitch que, com sua teoria das fontes pluralistas do direito, elenca
nada menos que dez fontes do direito: costume, estatuto autônomo, lei estatal e decreto
administrativo, prática dos tribunais, prática de outros organismos que não sejam os
tribunais, doutrina, convenções, declarações sociais (programas, promessas), etc.; e
i) designa, por fim, o que mais propriamente se deve chamar de fonte de validez.

Filosofia do direito:

 Giorgio Del Vecchio afirma "fonte do direito in genere é a natureza humana, ou seja,
o espírito que reluz na consciência individual... Desta fonte se deduzem os princípios
da justiça ou do Direito Natural" (apud Heck, 1992) – ver o item “c” acima.

242
De outro lado Luis Recaséns Siches divide a problemática do estudo das fontes em
quatro pontos (apud Heck, 1992):

a) qual é a razão de validez jurídica (ou fonte) de todas as normas que compõem um
determinado sistema de direito positivo?
b) quais são, dentro da realidade social, as instâncias produtoras de normas jurídicas?
c) quais são as instâncias produtoras das normas jurídicas, num determinado momento
histórico, de um sistema jurídico específico? E
d) consideração estimativa ou política: dentro da teoria valorativa do direito, tem mais
valor a lei ou o costume? A autonomia da vontade é restrita ou mais livre? As
corporações produzem regras jurídicas?

Para Tercio Sampaio Ferraz Junior, o capítulo das fontes do direito consiste em uma teoria
a serviço da racionalização do estado liberal. Diz ele: "A questão da consistência
(antinomias) e da completude (lacunas) do ordenamento visto como sistema aponta para
o problema dos centros produtores de normas e sua unidade ou pluralidade. Se, num
sistema, podem surgir conflitos normativos, temos que admitir que as normas entram no
sistema a partir de diferentes canais, que, com relativa independência, estabelecem suas
prescrições. Se são admitidas lacunas, é porque se aceita que o sistema, a partir de um
centro produtor unificado, não cobre o universo dos comportamentos, exigindo-se outros
centros produtores. São essas suposições que estão por detrás das discussões em torno
das chamadas fontes do direito" (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 190).

Teoria Geral do Direito


Norberto Bobbio distingue quatro tipos de fontes:

a) fontes diretas;
b) fontes indiretas, que se subdividem em fontes reconhecidas e fontes delegadas. As
fontes reconhecidas referem-se ao que Bobbio denomina de "la recepción de normas
ya formuladas, producto de ordenamientos diversos e procedentes"; as fontes delegadas
Bobbio relaciona com "la delegación del poder de producir normas jurídicas en poderes
u órganos inferiores";
c) poder negocial: esse poder é fonte de normas provenientes dos atos dos particulares
quando regulam voluntariamente os seus próprios interesses; e

243
d) a fonte das fontes: por ela entende Bobbio o Poder Originário, jurídica, mas não
historicamente (apud Heck, 1992).

Sociologia do direito

 Niklas Luhmann defende a tese de que o direito não é criado pelo legislador e nem
pelo juiz: “O direito não se origina da pena do legislador. A decisão do legislador (e
o mesmo é válido, como hoje se reconhece, para a decisão do juiz) se confronta com
uma multiplicidade de projeções normativas já existentes, entre as quais ele opta com
um grau maior ou menor de liberdade. Eles apenas selecionam, dignificando em
normas o direito vinculativo. O direito "resulta de estruturas sistêmicas que permitem
o desenvolvimento de possibilidades e sua redução a uma decisão, consistindo na
atribuição de vigência jurídica a tais decisões" (LUHMANN, 1985, p. 8).

A TEORIA DAS FONTES DO DIREITO VISTA COMO HERANÇA DO

POSITIVISMO JURÍDICO DO SÉCULO XIX:

“a teoria das fontes, em suas origens modernas, reporta-se à tomada de consciência


de que o Direito não é essencialmente um dado, mas uma construção elaborada no
interior da cultura humana. Ela desenvolveu-se, pois, desde o momento em que a
Ciência Jurídica percebe seu objeto (o Direito) como um produto cultural, e não mais
como um dado da Natureza ou sagrado” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 223)

"No Estado Pré-Moderno, a formação do Direito não era legislativa, mas


jurisprudencial e doutrinária. Não havia um sistema unitário e formal de fontes, mas
uma multiplicidade de ordenamentos, provenientes de instituições concorrentes: o
Império, a Igreja, o Príncipe, os Feudos, os Municípios e as Corporações. O direito
‘comum’ era assegurado pelo desenvolvimento e atualização da velha tradição
romanística e tinha sua validade fundada na intrínseca racionalidade ou na justiça do

244
seu conteúdo. Veritas, non auctoritas facit legem é a fórmula que expressa o
fundamento jusnaturalista de validade do direito pré-moderno (...). “O Estado de
Direito Moderno, assinala ainda Ferrajoli, nasce sob a forma de Estado Legislativo de
Direito. Graças ao princípio da legalidade e às codificações que lhe deram realização,
uma norma jurídica não é válida por ser justa, mas por haver sido ‘posta’ por uma
autoridade dotada de competência normativa. Auctoritas, non veritas facit legem: este
é o princípio convencional do Positivismo Jurídico. Com a afirmação do princípio da
legalidade como norma de reconhecimento do Direito existente, a Ciência Jurídica
deixa de ser uma Ciência imediatamente normativa para converter-se em uma
disciplina cognoscitiva, explicativa do direito positivo, autônomo e separado em
relação a ela. A jurisdição, por sua vez, deixa de ser produção jurisprudencial do
Direito e se submete à lei como única fonte de legitimação” (BARROSO, Luís
Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de, e
SARMENTO, Daniel (orgs.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos
Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro, Lumen Juris (pp. 203-249), 2007,
p. 204-205, notas 4 e 6).

O DEBATE MAIS RECENTE SOBRE FONTES:

 "Não obstante o esforço dos positivistas para identificar com clareza as fontes do
direito, parece-nos que nenhuma das duas concepções tradicionais é adequada para
uma teoria jurídica que pretenda ser capaz de entender a força das fontes do direito na
argumentação jurídica e os modos por meio dos quais essas fontes interagem com as
demais razões que podem eventualmente ser empregadas como fundamento de uma
decisão judicial. Ademais, este tipo de teoria parece artificialmente presumir que as
questões problemáticas na argumentação jurídica se resumem a identificar as normas
que provêm das denominadas “fontes do direito”, como se a recondução de uma
norma a uma fonte específica do direito resolvesse definitivamente a questão de saber
se esta norma é juridicamente vinculante no caso concreto. Uma teoria jurídica que
pretenda ser relevante para a prática, a fim de esclarecer os fatores que determinam o
peso dos argumentos jurídicos em cada caso concreto, deve superar as deficiências do

245
Positivismo, e em especial sua insuficiência em fixar critérios para entender qual tipo
de argumentos e razões deve contar na justificação de uma decisão jurídica"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 304).
 O que se discute hoje é que as concepções formais e as concepções materiais de fontes
do Direito não são mais apropriadas: "A concepção formal é insuficiente porque nem
todas as razões que contam no discurso jurídico derivam de um ato normativo
institucionalmente regulado; e a concepção material é insuficiente porque não há uma
causalidade ou implicação estrita entre os fatores extrajurídicos que geram o Direito
e o conteúdo das decisões individuais que resultam da sua aplicação. O Direito é algo
construído por meio de uma prática social, não um mero reflexo de uma lei natural
(como um platonista iria sustentar) ou uma mera superestrutura imposta por uma
classe dominante (como um marxista iria sugerir)" (BUSTAMENTE, 2013, p. 306).

 CONCLUSÃO IMPORTANTE: Bustamante propõe substituir essas concepções


por um conceito argumentativo de fontes do direito que compreende como fontes
quaisquer razões que podem ser empregadas no discurso jurídico:

 "As ‘fontes do direito’ já não configuram uma resposta inequívoca sobre a força e a
obrigatoriedade do direito a partir do momento em que se reconhece a natureza
argumentativa do direito e a relativa insegurança de suas normas. As fontes do direito
devem ser redefinidas, portanto, como as razões que podem ser empregadas pelos
juristas na formulação das normas gerais e individuais que são construídas na
aplicação do direito" (BUSTAMANTE, 2013, p. 322).
 A) "É melhor adotarmos, portanto, um conceito argumentativo de fontes do Direito,
como o de Aulis Aarnio, para quem se deve utilizar a referida locução para 'toda razão
que – de acordo com as regras geralmente aceitas na comunidade jurídica – pode ser
usada como base justificatória da interpretação jurídica'". B) "Ao lado desse conceito
amplo de ‘fontes do Direito’, Peczenik propõe também um conceito mais estrito:
‘Todas as razões jurídicas são fontes do Direito no seu sentido mais amplo. Todos os
textos, práticas etc. que um jurista está obrigado a, deve ou pode proferir como razões

246
de autoridade são fontes do Direito em um sentido estrito, adotado neste trabalho’"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 310)

CLASSIFICAÇÃO

TIPOLOGIA DAS FONTES (DIMOULIS, 2007, p. 234)


Fontes materiais Fontes formais (no direito federal brasileiro)
•Valores sociais DIRETAS INDIRETAS
• Necessidades
ESCRITAS NÃO-ESCRITAS
humanas
• Elementos • Constituição • Costumes
culturais
•Vontade do povo •Emenda à • Princípios gerais
Constituição de direito
• Vontade de • Lei no sentido • Vontade dos
certas classes estrito particulares
sociais
•Vontade dos • Medida provisória
Doutrina
grupos de poder • Decreto
legislativo
• Resolução
•Decreto e
regulamento
• Instrução
• Portaria
• Circular
•Ordem de serviço
•Jurisprudência

 Fontes formais e materiais: meios pelos quais o direito se manifesta no ordenamento


jurídico

247
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DE DIREITO (DINIZ, 2009, pp. 286-287)
Lei
Legislativas Decreto
Regulamento
ESTATAIS Sentença
Jurisprudenciais
Súmula
FORMAIS
Convenções
Convencionais
internacionais
Direito consuetudinário Costume jurídico
NÃO-ESTATAIS Direito científico Doutrina
Negócios jurídicos
Histórico

Religiosos (feriados no Brasil)

Naturais (clima, solo, raça, natureza,


Fatores sociais que geográfica do território, constituição anatômica
inspiram o e psicológica do homem)
ordenamento
Demográficos
jurídico:
Condicionam o Higiênicos (meio ambiente)
aparecimento e as
Políticos (vontades do povo, de grupos de
MATERIAIS transformações das
poder e de certas classes sociais)
/ REAIS normas jurídicas
Econômicos

Morais (honestidade, decoro, decência,


fidelidade, respeito ao próximo)

Ordem

Segurança
Valores
Paz social

Justiça

248
IMPORTANTE: seja qual for a concepção de FONTE que se adote: “...estaremos
perante um dos temas centrais da ciência jurídica. A teoria das fontes não se exaure por
si, devendo ser complementada pela interpretação das normas jurídicas, pela
hermenêutica, ciência da interpretação” (VENOSA, 2010, p. 116).

 As fontes formais do direito indicam os lugares onde se encontram o direito em vigor


 Fontes formais: Sílvio de Salvo Venosa: “...modos, meios, instrumentos ou formas
pelas quais o Direito se manifesta perante a sociedade, tal como a lei e o costume. São
meios de expressão do Direito. Criam o Direito, isto é, introduzem no ordenamento
novas formas jurídicas” (VENOSA, 2010, p. 115).
 A fonte formal "significa 'qualquer ato ou fato não meramente produtor de normas,
mas legalmente autorizado a produzir normas', qualquer que seja o conteúdo ou o
resultado delas. Nessa segunda concepção a palavra 'fonte' refere-se não mais aos
motivos da legislação, mas às condutas e aos procedimentos que formalmente
produzem normas jurídicas. Aqui, busca-se englobar 'qualquer ato ou fato jurídico
cujo resultado é a criação de normas'" (BUSTAMENTE, 2013, p. 303).
 A fonte formal dá forma à fonte material: “fazendo referência aos modos de
manifestação das normas jurídicas, demonstrando quais os meios empregados pelo
jurista para conhecer o direito, ao indicar os documentos que revelam o direito
vigente, possibilitando sua aplicação a casos concretos, apresentando-se, portanto,
como fonte de cognição. As fontes formais são os modos de manifestação do direito
mediante os quais o jurista conhece e descreve o fenômeno jurídico. Logo, quem
quiser conhecer o direito deverá buscar a informação desejada nas suas fontes formais,
ou seja, na lei, nos arquivos de jurisprudência, nos tratados doutrinários. O órgão
aplicador, por sua vez, também recorre a elas, invocando-as como justificação da sua
norma individual” (DINIZ, 2009, p. 285).
 DIVERGÊNCIA NO CONCEITO: "Uns fazem referência aos “processos ou meios
em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória”;
outros, mais alinhados à teoria jurídica de Kelsen, às “normas positivas, de qualquer
tipo, que podem ser invocadas por um órgão como fundamento de validade da norma
que [esse órgão] estatui” (BUSTAMANTE, 2013, p. 303).

249
 CONCLUSÃO POSSÍVEL: "...a noção formal de fontes do Direito apresenta sempre
uma estrutura auto referencial: apenas atos, fatos, procedimentos ou normas
juridicamente institucionalizados é que podem gerar normas jurídicas. Como
recentemente sintetizou um importante teórico positivista da atualidade:
‘Aprendemos com Kelsen que o Direito regula a sua própria criação’”
(BUSTAMANTE, 2013, p. 303).

Franco Montoro menciona duas espécies de fonte material (apud Heck, 1992):
a) a realidade social, ou seja, o conjunto dos fatos sociais responsáveis pela formação
conteudística do direito; e
b) os valores que o direito tenta realizar, máxime os de justiça.

Observação importante sobre as fontes materiais

 Fontes materiais: Sílvio de Salvo Venosa: “...são as instituições ou grupos sociais que
possuem capacidade de editar normas, como o Congresso Nacional, as assembleias
legislativas estaduais ou o Poder Executivo em determinadas hipóteses. Sob esse
sentido, fonte é vista sob o prisma da autoridade que pode emitir legitimamente o
Direito” (VENOSA, 2010, p. 116).
 Fontes materiais são, segundo Aftalion, Olano e Vilanova, "ciertos datos o hechos de
la vida social (standards axiológicos, convicciones, movimientos de opinión,
declaraciones partidarias, etc.) que contribuirían a determinar el contenido de las
normas jurídicas" (apud Heck, 1992).
 As fontes materiais "são os motivos ou razões que determinam o conteúdo do direito
positivo, ou seja, qualquer ato ou fato que gere normas jurídicas. Esta concepção é
ampla o suficiente para abarcar tanto os fatos sociais, políticos e econômicos que
influenciam a produção do Direito quanto as ideias e os valores que constituem
motivos para a legislação, como a justiça, a equidade e a segurança. As fontes, nessa
primeira concepção, nunca são atos jurídicos, mas eventos ou fatos pré-jurídicos que
podem contar como uma causa – uma causa social – para o nascimento de uma norma
jurídica" (BUSTAMANTE, 2013, p. 302).

250
 Para Miguel Reale, o problema das fontes materiais está ligado ao “problema da
justiça, da liberdade, da segurança e da ordem” (REALE, 2002, p. 140)
 Pergunta-se “se uma lei é devida a fatores econômicos permanentes ou transitórios,
ou se ela é decorrência de exigências demográficas, geográficas, raciais, higiênicas e
assim por diante”
 Reale não nega a influência determinante “de um complexo de fatores que a Filosofia
e a Sociologia estudam” São questões que se situam fora do campo da ciência do
direito; (REALE, 2002, p. 140).
 No mesmo sentido, segue Dimitri Dimoulis: “Consideramos que a verdadeira fonte
do direito é indicada pelas teorias do conflito social. O direito não se cria com base
em valores, ideias ou necessidades da sociedade em geral. O direito é um fenômeno
histórico, que exprime a vontade política dominante em determinado momento. Não
cabe aqui o aprofundamento da questão. O estudo das fontes materiais é objeto da
sociologia do direito e, em parte, da teoria do Estado e da ciência política. O operador
jurídico que deseje identificar e interpretar o direito em vigor não deve se
preocupar, na sua prática cotidiana, com a pesquisa das fontes materiais”
(DIMOULIS, 2007, p. 202 – sem o grifo no original).

QUAIS SÃO AS FONTES MATERIAIS DESSES DISPOSITIVOS?

Constituição Federal - art. 5º, II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.

Decreto-Lei nº 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece.

251
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.

Lei nº 5.869/1973 - Código de Processo Civil:

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Art. 127. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

NOVO CPC: Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou
obscuridade do ordenamento jurídico.

Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

DUAS TRADIÇÕES JURÍDICAS

 Em razão das modificações do sistema, essa antiga distinção se tornou um debate


atual
 Conferir três textos recentes sobre o tema:
 WAMBIER, 2009; MARINONI, 2009 e THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA,
2010.

2) ANGLO SAXÔNICA - COMMOM LAW

 Força vinculante dos precedentes jurisprudenciais


 Os casos (reports) foram se aperfeiçoando o que criou uma homogênea hierarquia
judiciária
 Elemento fundamental: os tribunais inferiores são obrigados a seguir as decisões dos
superiores

252
 No sistema da common law, o objetivo de previsibilidade é atingido pelo respeito aos
precedentes
 O comportamento dos cidadãos deve se conformar às decisões judiciais
 Para Teresa Arruda Alvim Wambier, uma característica sempre se fez presente nos
sistemas da common Law: “casos concretos são considerados fontes do direito”
(WAMBIER, 2009, p. 123).
 A previsibilidade é inerente ao Estado de Direito

Estabilidade

Uniformidade Previsibilidade

Solidez

 A igualdade é assegurada
 Selecionam-se aspectos relevantes do caso para que seja considerado semelhante a
outros a mesma solução decidido da mesma forma
 Na common law, quem cria o direito é o Juiz
 No sistema de precedentes vinculantes, o juiz atua em duas dimensões: PASSADO:
resolvem conflitos; FUTURO: faz o direito
 Na Inglaterra, esse sistema de precedentes vinculantes é aplicada na sua versão mais
rígida: “Precedentes devem ser seguidos, se não houver nenhuma razão séria para que
sejam abandonados. É comum que o juiz, mesmo não concordando intimamente com
a regra constante do precedente, decida de acordo com ele, por apego à necessidade
de preservar a igualdade” (WAMBIER, 2009, p. 131).
 sistema norte-americano - doutrina do stare decisis7
 Segundo Toni M. Fine, “a doutrina do stare decisis é firmemente estabelecida no
sistema legal norte-americano. Tal doutrina, também conhecida como aplicação do
precedente, estipula que, uma vez que um tribunal tenha decidido uma questão legal,
os casos subsequentes que apresentarem fatos semelhantes devem ser decididos de
maneira consentânea com a decisão anterior” (FINE, Toni M. "O uso do precedente

7
Martha Helena de Lima Borges e Isabela Esteves Cury Coutinho: “A expressão completa quer dizer stare
decisis et non quieta movere, ou seja, ficar como está decidido e não mover o que está em repouso. Ou
seja, as decisões produzem precedentes e vinculam as que irão ser prolatadas, em caso de identidade de
casos” (PORTO, apud BORGES, COUTINHO, 2011, p. 237, nota 12).

253
e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal norte-americano", (apud
ROSSI, 2001).
 Qual o princípio que governa o sistema do stare decisis? “...um tribunal é uma
instituição requisitada a aplicar um corpo de leis, e não um mero grupo de juízes
proferindo decisões isoladas nos casos a eles submetidos. Assim sendo, as regras de
direito não devem mudar caso a caso ou de juiz a juiz” (Idem, ibidem, p. 95)
 A distinção entre as famílias8: "Nas palavras de Jorge Iván Hübner Gallo, a distinção
entre os ordenamentos está ligada diretamente às influências agregadas por cada
nação, e afirma que “el valor que se atribuya a las sentencias judiciales como forma
de expresión del derecho depende fundamentalmente del sistema juridico vigente em
cada país” (HÜBNER GALLO, Jorge Iván. Introducción al derecho. Chile: Jurídica
de Chile, 1966. p. 196, apud ROSSI, 2001).

ROMANÍSTICA - CIVIL LAW

 PRESSUPOSTO DO RACIOCÍNIO:
 VER A AULA SOBRE O POSITIVISMO: "Uma das promessas do positivismo em
geral sempre foi a objetividade do conhecimento científico do direito, de modo que
seria possível, com um raciocínio puramente empírico ou analítico, determinar as
consequências que se seguem dos comandos normativos. O “direito válido” aparece
como algo que pode ser definido ex ante e conhecido, ou descoberto, objetivamente
pelo intérprete. “O” Direito era visto como algo que tem um sentido unívoco e que
pode ser conhecido de sorte que o intérprete não participa da constituição do
significado do direito" (BUSTAMANTE, 2013, p. 322).
 Quase que inteiramente baseado na lei
 Precedentes não são vinculantes, ou seja, não é obrigatório decidir conforme o
precedente
 Razões históricas para essa opção – revolução francesa
 Desconfiança da figura do Magistrado como pertencente ao Ancièn Regime

8
Sálvio de Figueiredo Teixeira destaca 3 grandes famílias, a saber: a) romano-germânica; b) do common
law; c) dos “direitos socialistas”.

254
 O direito pós-revolucionário limitou-lhes o poder: o juiz limita-se a aplicar a lei: nada
mais
 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS:

A) juízes inferiores não se vinculam aos tribunais superiores


B) um juiz não vincula suas decisões à dos outros juízes de mesma hierarquia
C) nem mesmo o tribunal se vincula às próprias decisões – podem mudar de
orientação
D) princípio da independência da magistratura: o juiz deve julgar segundo a lei e sua
consciência (?) 9 - vide aula sobre o pós-positivismo

 o juiz somente cria o direito com base em conceitos vagos (ex: a família para o bem
impenhorável); em princípios jurídicos (ex: a desconsideração da pessoa jurídica foi
criada judicialmente com base em princípios jurídicos e direito comparado)

TRANSFORMAÇÕES:

 PRESSUPOSTO TEÓRICO: "A constatação posterior de que, em primeiro lugar, o


direito possui um caráter argumentativo, e, em segundo lugar, de que o intérprete
participa da construção do sentido das normas jurídicas, penetrando na perspectiva
interna e rompendo as fronteiras rígidas entre a criação do direito e a sua descrição,
leva a uma crítica das premissas metodológicas subjacentes ao argumento
desenvolvido pelo positivismo que foi dominante no século XX (nas figuras de Kelsen
e Hart)" (BUSTAMANTE, 2013, p. 322).
 A rigidez esperada no sistema da civil Law (uma de suas principais características)
passa a ter um contrapeso e que pode gerar desequilíbrio: o juiz pode decidir de acordo
com suas próprias opiniões a respeito do sentido da lei
 Demais, a rigidez do texto da lei é suavizada por técnicas empregadas na redação das
leis: incluem-se conceitos vagos, indeterminados, abertos: cláusulas gerais

9
Teresa Wambier critica a liberdade de o juiz decidir conforme sua convicção que, segundo ela, “tem sido
levada às últimas conseqüências”. Luiz Marinoni demonstra a necessidade de se render respeito aos
precedentes no direito brasileiro. Por seu turno, Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre
Bahia, após constatar a padronização dos julgamentos das demandas repetitivas, questionam o uso de
precedentes como ferramenta na resolução de conflitos. Sobre esse polêmico tema, veja a obra do professor
Lenio Luiz Streck: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme minha consciência? 2ª. ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010.

255
 Além disso, os princípios jurídicos acabam por integrar o raciocínio jurídico
 Por consequência, os parâmetros judiciais/decisórios, mesmo considerado o sistema
da civil Law, são menos seguros e mais flexíveis do que na era
moderna/revolucionária
 Trata-se de uma tática da civil Law para o direito absorver e neutralizar a
complexidade das sociedades pós-modernas

“Por isso, hoje se compreende o princípio da legalidade não mais como sendo um
excessivo apego à letra da lei. Entende-se, atualmente, que a lei vincula, do modo como
é vista através dos olhos da doutrina e da jurisprudência predominante. Isto quer dizer
que a lei não precisa ser sempre compreendida e obedecida em seu sentido literal”.
(WAMBIER, 2009, p. 137)

 A) “No Brasil, aparentemente, caminhamos para tudo ter efeito vinculante, menos a
lei” (ABBOUD, 2013).

 B) "...se em terrae brasilis a lei e a Constituição não vinculam; a súmula, sim!"


(NOGUEIRA, 2009).

 O juiz é chamado a aplicar o direito ao caso concreto – dirimir conflitos sociais.


Nesses mister, em tese, o tribunal aplica a lei e revela o direito sempre através da lei.
 Nessa aplicação, o Juiz, antes, interpreta a lei
 REALE: não se trata, portanto, de uma atitude passiva: implica notável margem de
poder criador.

MODIFICAÇÕES DO SISTEMA

“O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do


legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com
situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão
interpretativa corretiva da lei (ADIn 2405 -RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ
17.02.2006; ADIn 1344 - ES, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.04.1996; RP 1417 -DF,
Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.04.1988).

256
Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível
verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos,
entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto
e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo
legislador (ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946, ADI 2209, ADI 2596, ADI
2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI 1344, ADI 2405, ADI 1105,
ADI 1127).

No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127, ambas de relatoria do Min.
Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários
dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), acabou adicionando-lhes
novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação
corretiva da lei.

Em outros vários casos mais antigos (ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946,
ADI 2209, ADI 2596, ADI 2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI
1344, ADI 2405, ADI 1105, ADI 1127), também é possível verificar que o Tribunal, a
pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos,
acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte
Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos
aditivos.

Tais sentenças de perfil aditivo foram proferidas por esta Corte nos recentes
julgamentos dos MS n°s 26.602, Rel. Min Eros Grau, 26.603, Rel. Min. Celso de Mello
e 26.604, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que afirmamos o valor da fidelidade partidária;
assim como no também recente julgamento a respeito do direito fundamental de greve
dos servidores públicos (MI n° 708, de minha relatoria; MI n°s 607 e 712, Rel. Min.
Eros Grau). Outra não foi a fórmula encontrada pelo Tribunal para solver a questão da
inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira instituída pelo art. 13 da Lei
n° 9.096, no julgamento das ADI n°s 1.351 e 1.354, Rel. Min. Marco Aurélio.

"...vale assinalar a arguição de descumprimento de preceito fundamental n.º 54, que


versou sobre o tema do aborto de feto anencefálico. Na oportunidade, o tribunal deu
interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, incisos I e
II, do Código Penal, para o fim de autorizar a interrupção da gravidez no caso de feto

257
portador de anencefalia (ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, DJe 30/04/2013). Nessa
perspectiva, sob a ótica da interpretação do artigo 128, incisos I e II, do Código Penal,
o tribunal acabou por proferir uma decisão com perfil aditivo, na medida em que
acrescentou outra hipótese de excludente de ilicitude" (ISRAEL, 2014, p. 46).

ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012: "O Plenário, por maioria,
julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito
fundamental ajuizada, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
- CNTS, a fim de declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos
124, 126 e 128, I e II, do CP" (Informativo STF Nº 661 - Brasília, 9 a 13 de abril
de 2012 - ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo - 1)

 Sobretudo nos dias atuais, nos quais, o legislador vem optando por modelos
normativos abertos (Standards) – normas genéricas ou tipológicas.
 Se isso acontece quando existe uma lei, nem se mencione o caso de lacunas
 “...em termos estritamente políticos não há vácuo de poder” (ROCHA, 2009, p. 209)
 Da inanição institucional dos poderes acarreta a substituição funcional a favor do
Poder Judiciário – no vazio político, ele ocupa.

A RELAÇÃO COM O PÓS-POSITIVISMO: "Uma teoria do direito adequada deve


ser capaz de formular respostas para as indagações que são formuladas pelos próprios
usuários da teoria, quando refletem acerca do conceito de direito a partir do ponto de
vista interno. Quando consideram os problemas fundamentais da teoria do direito a
partir do ponto de vista interno, os juristas não se contentam mais em descrever um fato
social que se encontra no passado; pelo contrário, eles buscam encontrar uma
justificação adequada para as pretensões de juridicidade que eles pretendem
fundamentar em suas argumentações. É justamente neste momento que o positivismo,
enquanto teoria geral do direito, se mostra inadequado, pois ele despreza a dimensão
argumentativa ou reflexiva do direito e concebe o sistema jurídico como um conjunto
previamente dado de normas jurídicas que podem ser inteiramente identificadas a partir
da referência a suas fontes. Como salienta Raz (1994, p. 210), para os positivistas “todo
o direito está baseado em certas fontes” (“all law is sourcebased”). Isso implica, a meu

258
ver, que a tese central do positivismo já não é mais a tese da separabilidade entre o
direito e a moral, mas a tese das fontes sociais, isto é, a tese de que basta se identificar
uma “fonte” jurídica para se identificar o Direito. Por pós-positivismo, portanto,
entendemos todas as teorias que não se contentam com a tese das fontes sociais do
direito, e que se preocupam fundamentalmente com o caráter argumentativo do Direito,
vendo o conteúdo das normas jurídicas mais como o resultado de uma argumentação a
partir dos materiais emanados dos órgãos dotados de competências para criar normas
jurídicas gerais do que como uma simples decisão ou um simples fato social"
(BUSTAMANTE, 2013, p. 310, nota nº 28 – grifei).

DIÁLOGO CF X NOVO CPC

1. PRINCÍPIOS DO PROCESSO QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS

a) devido processo legal (inciso LIV do artigo 5º);

b) contraditório e da ampla defesa (inciso LV, do artigo 5º);

c) juiz natural (inciso XXXVII e LIII do artigo 5º);

d) acesso à justiça (inciso XXXV do artigo 5º);

e) publicidade dos atos processuais (inciso LX do artigo 5º e inciso IX e X do artigo 93);

f) proibição da prova ilícita (inciso LVI do artigo 5º);

g) razoável duração do processo (inciso LXXVIII do artigo 5º);

h) motivação das decisões judiciais, (inciso LX do artigo 5º e inciso IX do artigo 93).

2. REFERÊNCIAS EXPRESSAS

CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;

259
CPC/2016, Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a
direito.

CF, art. 5º, LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

CPC/2016, art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral
do mérito, incluída a atividade satisfativa.

CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei..."

CPC/2016, art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao


exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos
deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo
contraditório.

CF, art. 1º A República Federativa do Brasil, (...) tem como fundamentos: III - a
dignidade da pessoa humana;

CPC/2016, art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e
às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.

CF, art. 93, IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)

CPC/2016, art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

260
CF, art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...

CPC/2016, art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e
às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.

DISTINÇÃO VALOR X PRINCÍPIO

CPC art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os


valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

IMPORTANTE: princípios não seriam valores, mas manifestações jurídico-positivadas


desses valores.

A distinção feita por Habermas (1997, p. 316-317):

(i) normas são deontológicas; valores, teleológicos;

(ii) as normas obrigam igualmente a todos; os valores não;

(iii) normas têm pretensão de validade binária; valores, pretensão de uma gradual
atratividade;

(iv) as normas indicam o que é bom para todos; os valores, o que é bom para nós (ou
para mim);

(v) normas não podem ser contraditórias; valores sim.

261
Em seus termos: "Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro
lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em
segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;
em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar,
através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve
satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser
aplicados da mesma maneira (HABERMAS, 1997, p. 317).

Obs: Aqui um capítulo importante na crítica habermasiana à jurisdição constitucional:


“Tal jurisprudência de valores levanta realmente o problema da legitimidade, que Maus
e Böckenförde analisam, tomando como referência a prática de decisão do Tribunal
Constitucional Federal. Pois ela implica um tipo de concretização de normas que coloca
a jurisprudência constitucional no estado de uma legislação concorrente. [...] Ao deixar-
se conduzir pela ideia da realização de valores materiais, dados preliminarmente no
direito constitucional, o Tribunal constitucional transforma-se numa instância
autoritária. No caso de uma colisão, todas as razões podem assumir o caráter de
argumentos de colocação de objetivos, o que faz ruir a viga mestra introduzida no
discurso jurídico pela compreensão deontológica de normas e princípios do direito. [...]
Na medida em que um tribunal constitucional adota a doutrina da ordem de valores e a
toma como base de sua prática de decisão, cresce o perigo dos juízos irracionais, porque,
neste caso, os argumentos funcionalistas prevalecem sobre os normativos”
(HABERMAS, 1997, 320-2 - grifei).

"Logo se vê que os princípios, embora relacionados a valores, não se


confundem com eles. Os princípios relacionam-se a valores na medida em que o
estabelecimento de fins implica qualificação positiva de um estado de coisas que se quer
promover. No entanto, os princípios afastam-se dos valores porque, enquanto os
princípios se situam no plano deontológico e, por via de consequência, estabelecem a
obrigação de adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas,
os valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleológico e, por isso, apenas
atribuem uma qualidade positiva a determinado elemento (ÁVILA, 2005, p. 72).

"...os princípios jurídicos não se identificam com valores, na medida em que


eles não determinam o que deve ser, mas o que é melhor. Da mesma forma, no caso de

262
uma colisão entre valores, a solução não determina o que é devido, apenas indica o que é
melhor. Em vez do caráter deontológico dos princípios, os valores possuem tão-só o
axiológico" (ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
dever de proporcionalidade. Revista de direito administrativo. n. 215, p. 151-179,
jan./mar. 1999).

Valores não são normas. As normas têm caráter deontológico, enquanto


valores ostentam caráter axiológico (ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos
precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015, n. 3.2.3.6, p. 306-308).

As normas podem ser reduzidas a um conceito deôntico básico, que é o de


dever ou de dever-ser, os valores reduzem-se ao conceito de bom (ALEXY, Robert.
Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 144-153).

A NECESSIDADE DE REDUZIR A COMPLEXIDADE: Os valores que


eventualmente norteiam o sistema jurídico só têm significado prático se forem
incorporados seletivamente a normas jurídicas, transformando-se a complexidade
indeterminada (valorativa) em complexidade determinada (programada) (NEVES, 2013,
p. 40-41).

ESSA ABORDAGEM EXIGE RESGUARDAR A SEGURANÇA


JURÍDICA: Em segundo lugar, é preciso estabelecer uma coexistência harmônica entre
princípios e regras, com vistas a garantir a segurança que se espera das decisões judiciais.
Nesse sentido, o CPC/2015 positivou princípios, mas impôs ao juiz observar as regras.
Nesse cenário, o papel da jurisprudência será decisivo para dar previsibilidade aos
julgamentos, passando confiança aos jurisdicionados (THEODORO JÚNIOR, 2015, item
1.1.4).

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Crítica à jurisprudência do STF em matéria de controle de


constitucionalidade. Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 409-426, jan. 2013.

263
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. O direito e a incerteza de suas fontes: um problema
em aberto para a dogmática jurídica contemporânea. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. n. especial [2], p. 299-325 2013.

DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 2ª. ed., rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito: introdução à teoria


geral do Direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica: norma
jurídica e aplicação do Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,


dominação. 6. ed. - 4. reimpr. - São Paulo: Atlas, 2012, p. 190.

HECK, Luís Afonso. As fontes do direito. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 81, n. 677,
p. 59-81, mar. 1992.

ISRAEL, LUCAS NOGUEIRA. A legitimidade das sentenças manipulativas com efeitos


aditivos no controle judicial de constitucionalidade: entre a supremacia judicial e a
supremacia parlamentar. Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito
como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, Estado e
Constituição pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. UnB. Orientador:
Gilmar Ferreira Mendes. Brasília, 2014.

LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. vol. II. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985.

MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de


common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil = Critical proximity
between civil law and common law and the need of respect to precedents in Brazil.
Revista de processo. v. 34, n. 172, p. 175-232, jun. 2009.

NOGUEIRA, Gustavo Santana; MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. A súmula vinculante


10: tautologia ou inovação?. Revista de processo. v. 34, n. 173, p. 232-259, jul. 2009.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROSSI, Fernando F. Jurisprudência. Revista dos Tribunais, vol. 793, p. 743, nov. 2001.

264
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves
considerações sobre a politização do judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito
brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da
padronização decisória. Revista de processo. v. 35, n. 189, p. 9-52, nov. 2010.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3ª ed. São
Paulo: Atlas, 2010.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do


direito: civil law e common law. Revista de processo. v. 34, n. 172, p. 121-174, jun. 2009.

265
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO:

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Justificativa inicial

Os princípios, normalmente, são estudados no capítulo das fontes do direito.

Antigo art. 126 do CPC:

O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou


obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as
havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Art. 140 do novo CPC:

O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do


ordenamento jurídico.

Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

Veja também o atual art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro10: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

QUESTÃO COM MÚLTIPLAS REDAÇÕES:

1) PELA NOVA REDAÇÃO DO PROCESSO CIVIL OS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS NÃO ESTÃO SUBMETIDOS ÀS NORMAS
INFRACONSTITUCIONAIS?? QUAL O LUGAR DOS PRINCÍPIOS GERAIS
NA ESCALA DAS NORMAS?? QUAL O LUGAR DOS PRINCÍPIOS GERAIS NA
HIERARQUIA DAS NORMAS??

10
Antiga Lei de Introdução ao Código Civil. Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.

266
Para a completa compreensão do capítulo, deve-se saber a autoridade reconhecida aos
princípios gerais do direito diante do Juiz, administrador e do legislador

Contextualização histórica

Quanto aos momentos históricos de elaboração dos princípios, Marcus


Firmino Santiago faz as seguintes observações acerca do caminho dos princípios até
chegar ao “patamar de força incontestável” (SANTIAGO, 2008, p. 226)

O direito Natural tem raízes na Grécia Clássica, resistiu na Idade Média e se


difundiu entre os séculos XVII e XVIII

O jusnaturalismo reconhece um sistema de normas diverso daquele ditado


pelo Estado

DIREITO NATURAL: “O jusnaturalismo reconhece a existência de um


sistema de normas de conduta diverso daquele ditado pelo Estado. Estas normas
compõem um direito natural, metafísico, extra-histórico, eterno imutável, que encontra
em si mesmo seu fundamento de validade, posto que anterior e superior ao Direito
Positivo. Posiciona-se lógica e eticamente acima do direito posto pelo legislador,
impondo-lhe limites que, caso ultrapassado pelas leis dos homens, gravam-na de
ilegitimidade” (SANTIAGO, 2008, pp.226/227).

Direito Natural

Metafísico

As normas compõem um Extra-histórico

Eterno

Imutável

É anterior e superior ao Direito Positivo (lógica e eticamente)

Caso estas normas fossem contrariadas pelas leis dos homens a situação se
tornava ilegítima (SANTIAGO, 2008, p. 227)

267
Neste quadro, bastante aceitável a confusão entre Princípios Gerais do Direito
e Direito Natural – ver, a seguir, o quadro de Maria Helena Diniz

A partir da Código Napoleônico de 1804, a sociedade passa a não mais


admitir outro Direito que não o abstraído das fontes positivadas

Os Princípios Gerais do Direito se tornam ilegítimos mesmo para a


colmatação de lacunas

Referência a justiça: no plano do

O ideário do Positivismo Jurídico rejeitava direito


qualquer Menção a valores: no campo
filosófico

Época da ciência objetiva e impessoal

É o postulado da unicidade das fontes do Direito: ele somente é gerado pelo


trabalho do Estado e “realizado por legisladores para este fim constituídos”
(SANTIAGO, 2008, p. 227)

Uma mudança na ótica puramente jurídica: “De início expurgados de


referências a conceitos que pudessem soar vagos, aparentemente incapazes de fornecer
resposta prontas, gradualmente foram os códigos permeados com princípios de Direito,
que vieram a compor estes arcabouços legais na condição de fontes subsidiárias,
verdadeiras válvulas de segurança destinadas a suprir, em derradeira instância, as
lacunas da lei” (SANTIAGO, 2008, p. 227)

Ver art. 4º LICC e 126 CPC

Transição do Estado Liberal para o Estado Social/Democrático

Por força de pressões sociais visando a um modelo muito atento às demandas


judiciais

Direito, antes, baseado no Positivismo Jurídico, muda o seu paradigma para


voltar-se à sua função social

Aproxima-se o corpo de normas jurídicas dos valores morais, éticos, políticos


ou humanos

268
O caminho trilhado para chegar a esse objetivo é a consagração dos Princípios
Gerais do Direito

Consagrou-se sua natureza normativa por dois motivos

1 – “graças ao labor dos pensadores da atual jusfilosofia”

2 – “pela inscrição nos textos constitucionais atuais” (SANTIAGO, 2008, p. 224)

A dogmática principiológica ganha vulto

Elaboração
Os princípios gerais do direito indicam as premissas das normas quanto
Interpretação
a sua
Aplicação

Miguel Reale: “princípios gerais de direito são enunciações normativas de


valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico,
quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”
(Lições, 18ª Ed., 1991, p. 300)

BERGEL denomina esse fenômeno de FUNÇÃO FUNDAMENTAL

Se os princípios gerais do direito constituem a base da construção jurídica,


“as regras de direito não podem ser promulgadas e evoluis senão consoante princípios
gerais aos quais devem amoldar-se ou que, às vezes, podem derrogar” (BERGEL, 2006,
p.118)

Interpretação da lei
Desempenha importante papel na
Colmatação de lacunas

Logo, é peça fundamental para a evolução Servindo de sustentação para novas


do sistema jurídico (BOULANGER, apud construções jurídicas
BERGEL, 2006, p.120) Participando da criação de novas regras

269
Nesse sentido, grandes revoluções políticas, econômicas e sociais suscitam
princípios novos e atingem princípios tradicionais

regras de direito passam por profundas mudanças

por outro lado, ocorre uma

simples evolução no equilíbrio dos diversos princípios jurídicos

De fato, a evolução de uma lei possui, por assim dizer, um caráter episódico

Ao passo que a eliminação ou a subversão de um princípio “apresenta o risco


de causar um profundo transtorno no ordenamento jurídico, porque a sorte de numerosas
regras jurídicas está em jogo” (J. BOULANGER, apud BERGEL, 2006, p.121)

Uma outra explicação possível: sociológica – aula sobre FONTES DO


DIREITO

Essa inscrição dos princípios gerais do direito no atual patamar criou


problemas para serem resolvidos, dentre eles

A) delimitação da sua natureza normativa

B) mecanismos para concretizá-los

A atual dogmática está pautada na valorização dos princípios, o que

A) provocou profunda renovação na Teoria Jurídica

B) redefiniu “as noções vigentes acerca das Fontes do Direito e de sua estrutura
normativa” (SANTIAGO, 2008, p. 233)

Esse movimento histórico desemboca no novo CPC

O antigo art. 108 do projeto do CPC (essa redação não passou para a
versão final):
270
O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei,
cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito.

Veja a crítica de Lenio Luiz Streck ao dispositivo (reitere-se: o dispositivo


não ingressou no novo CPC):

“É espantoso vermos colocados lado a lado os princípios constitucionais e


os velhos princípios gerais do direito. É como se não tivéssemos aprendido nada nesses
duzentos anos de teoria do direito. Ora, há um sério equívoco neste tipo de incorporação
legislativa, visto que, como demonstrei em meu Verdade e Consenso - não há como
afinnar, simultaneamente, a existência de princípios constitucionais (cujo conteúdo
deôntico é fortíssimo) com os princípios gerais do direito, que nada mais são do que
instrumentos matematizantes de composição das falhas do sistema. Vale dizer, os
princípios gerais do direito não possuem força deôntica, mas são acionados apenas em
casos de "lacunas" ou de obscuridade da previsão legislativa (esses dois fatores -lacuna
e obscuridade - decorrem muito mais da situação hermenêutica do intérprete do que
exatamente da legislação propriamente dita). São axiomas criados para resolver os
problemas decorrentes das insuficiências ônticas dos textos jurídicos. Os autores do
projeto, dessa forma, não compreende(ra)m que os princípios constitucionais - na senda
da revolução copernicana do direito público efetuada pelo constitucionalismo do
segundo pós-guerra – representam uma ruptura com relação aos velhos princípios gerais
do direito. Essa ruptura implica superar a velha metodologia privativista e introduzir um
novo modelo de pensamento da ideia de princípios”11.

CONCEITO

Sobre a dificuldade de conceituação dos princípios gerais do direito Alice


Almeida Ferreira pontua: “Não é unívoco o seu significado. Há autores que rejeitam a

11
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme minha consciência?. 2ª. ed. rev. e ampl. Porto
Alegre: Livr. do Advogado, 2010, p. 94.

271
sua existência, outros os vêem como fontes interpretativas ou como espaços abertos à
discricionariedade judicial. Alguns a identificam como o Direito Natural, como se fossem
imanentes à própria sociedade. Parte da doutrina os conecta à noção de equidade. É
possível compreendê-los como de caráter universal e produto da evolução histórica da
própria Ciência Jurídica”12.

“Embora haja referência corrente aos ‘princípios gerais do direito’, essa


noção permanece obscura e sua natureza incerta em razão da própria incerteza de suas
fontes” (BERGEL, 2006, p. 105)

Maria Helena Diniz13 fez um catálogo das várias escolas jurídicas que buscam
o sentido do vocábulo sintetizado no quadro abaixo

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO – escolas sobre o conceito

a) meros expedientes para liberação das passagens legais


que não mais atendem a opinião dominante (Unger);
1) A que combate a
concepção dos b) permissões para livre criação do direito por parte do
princípios gerais, sem os magistrado (Hoffman, Pfaff e Ehrenzweig);
negar, considerando-os, c) impossíveis de determinação, ante o caráter variável da
enquanto mecanismos de razão humana; e
suprimento, como:
d) simples fontes interpretativas e integrantes de normas
legais, sem qualquer força criadora

a) como razão natural, de modo que as normas do


2) Aquela que identifica os
direito natural são dogmas obtidos pela razão, dela
princípios gerais de direito com
derivando (Del Vecchio);
as normas do direito natural
(Laun, Brunetti, Gény, Espínola, b) como natureza das coisas (Legaz y Lacambra,
Manresa, Schuster, Nippel, Del Gény)

12
FERREIRA, Alice Almeida. Hermenêutica jurídica nos conflitos de direito internacional convencional
submetidos à jurisdição nacional. Revista de direito constitucional e internacional. v. 18, n. 73, p. 265-302,
out./dez. 2010, p. 278.
13
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código civil brasileiro interpretada. 15ª. ed., rev. e atual. de
acordo com a Lei nº 12.036/2009. São Paulo: Saraiva, 2010.

272
Vecchio, Legaz y Lacambra, c) como verdades, objetivamente derivadas da lei
Winiwarter, Recaséns Siches, divina, de um sistema superior plantado por Deus
Zeiller). no coração dos homens (Diez-Picazo)

3) Aquela que entende serem os princípios gerais normas inspiradas no sentimento de


equidade, sendo, então, a própria equidade (Maggiore, Osilia, Giorgio Giorgi, Borsari,
Tripicione, Scialoja). García Máynez manifesta-se a favor da opinião que considera a
equidade um princípio geral de direito, já que serve de base a todos os princípios.

4) A que considera os princípios gerais como tendo caráter universal, ditados pela
ciência e pela filosofia do direito (Bianchi, Clóvis Beviláqua, Pacchioni)

a) princípios historicamente contingentes e variáveis, que estão na

5) A que, em base do direito legislado, que o antecedem, constituindo os


virtude de sua parâmetros fundamentais da norma jurídica, inspirando a formação
direção de cada legislação, uma vez que se trata de orientações culturais ou

positivista, os políticas da ordem jurídica (Savigny);


caracteriza b) princípios norteadores extraídos das diversas normas do
como: ordenamento jurídico (Coviello, Fadda e Bensa, Carnelutti,
Boulanger, Barassi, Ruggiero, Esser).

6) A que adota uma posição eclética, procurando conciliar essas posições, isto é, os
princípios sistemáticos com o direito científico ou com os imperativos da consciência
social, ou os princípios sistemáticos com a concepção da escola livre. Condena o
extremismo dos positivistas em querer submeter os princípios gerais do direito à regra
de que só poderão ter lugar depois de esgotados todos os recursos no sentido de extrair
a norma positiva, e assim mesmo não se poderá contradizer às ideias fundamentais da
lei, dos costumes ou da doutrina. Argumenta que o mais perigoso seria forçar o
magistrado a obter do direito positivo uma solução que este não pode ter.

Analisando a jurisprudência constitucional francesa, Bergel constata a existência de duas


ou três categorias de princípios gerais

Distinção entre Princípios gerais

273
Princípios constitucionais

Princípios fundamentais

Com valor constitucional Impõe-se ao próprio legislador e, a


fortiori, ao poder regulamentar
(ou mesmo com caráter fundamental)

Princípios gerais simples Impõe-se ao poder regulamementar, mas


não ao legislador

Conclusão: “...todo princípio fundamental é, em mais forte razão, ao mesmo tempo um


princípio geral, mas que, inversamente, nem todo principio geral é, por isso mesmo,
um princípio fundamental” (BERGER, 2006, p. 114)

Os princípios gerais do direito não estão fora da ordem jurídica positiva:


fazem parte dela: “Sua consagração é, porém, relativamente recente” (BERGUEL, 2006,
p. 101)

Uma peça mestra da construção jurídica de diferentes sistemas de direito


consiste na hierarquia das normas

Kelsen descreve a ordem jurídica como uma pirâmide de regras


hierarquizadas

Cada regra tira sua força obrigatória apenas de sua conformidade com a
norma imediatamente superior

Costumeiramente, a hierarquia das normas é considerada somente em relação


a problemas de VALIDADE

Não é norma de direito escrito


1) Ocorre que o costume
Não resulta de um ato jurídico determinado

Por este motivo, o costume não integra a escala hierárquica de validade

Não se controla a validade do costume

2) Em segundo lugar, o poder regulamentar é oriundo da Constituição e não da Lei

274
Por estes dois motivos, o que marca a hierarquia é a força jurídica de uma norma em
comparação a uma outra

“Ao invés de deduzir de uma hierarquia rígida a validade de cada norma, é


preferível, pois, tirar essa hierarquia da autoridade de uma norma sobre a outra. Atinge-
se assim um hierarquia material das normas em vez de se contentar com uma hierarquia
simplesmente formal” (BERGUEL, 2006, p. 104)

A LEI E O REGULAMENTO DEVEM SER CONFORME OS PRINCÍPIOS


GERAIS DO DIREITO OU PODEM DERROGÁ-LOS??

O QUE EXPLICA A GENERALIDADE, A PERMANÊNCIA E A


TRANSCENDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E LHES
DEFINE O CONTEÚDO??

O Código Civil comporta referências aos princípios sobre determinadas


matérias

Enumeração de Maria Helena Diniz

Jean-Louis Bergel cita jurisprudência francesa a respeito do tema

Princípio de equidade para vedar o enriquecimento sem causa

Princípios gerais: ninguém deve causar aos outros transtornos que excedam
os inconvenientes normais de vizinhança

Os princípios gerais do direito podem Expressamente na lei


existir
Na ausência de texto

Explicações insuficientes sobre a origem dos princípios gerais do direito para Bergel

1) têm Na formulação de regras contidas implicitamente no conjunto normativo


início: Na síntese de textos normativos esparsos

275
Na interpretação da vontade difusa do legislador

Os princípios, em resumo, seriam extraídos da lei “por indução amplificadora, pois a


jurisprudência utiliza a sistematização operada pela doutrina e as idéias mestras que
ela discerniu dos textos” (J. GHESTIN e G. GOUBEAUX, apud BERGER, 2006, p.
108)

Para Berger, em alguns casos, “a vontade do legislador é incerta e maleável demais


para fornecer um suporte suficiente ao juiz” (BERGER, 2006, p. 108)

2) Os princípios gerais do direito têm origem na tradição

A autoridade dos princípios gerais do direito se alimentam no costume

Existem princípios expressos por regras ou máximas tradicionais

Outras não: são apenas idéias difusas e o Juiz é que formula claramente

O costume existe e se impõe ao juiz

Os princípios gerais do direito não têm existência própria por si sós

Compete ao juiz dar força e vida aos princípios gerais do direito

Parêntesis sobre a indução amplificadora:

O professor Ingo Wolfgang Sarlet14, muito embora não se refira


especificamente ao tema de princípios gerais, menciona um exemplo (em outro
contexto, reitere-se) que ilustra a possibilidade de extrair um princípio que, nada
obstante não ser radicado de nenhum dispositivo constitucional “é, porém, da essência
do próprio Direito, notadamente de um Estado democrático de Direito, de tal sorte que
faz parte do sistema constitucional como um todo” (MELLO, 2003, p. 112).

A Constituição Federal, em nenhum momento, referiu expressamente sobre


o valor: SEGURANÇA JURÍDICA

14
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa
humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista
latino-americana de estudos constitucionais, n. 4, p. 317-366, jul./dez. 2004.

276
No preâmbulo, os representantes do povo brasileiro noticiam a reunião em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático destinado a
assegurar a SEGURANÇA

O art. 5º caput garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade do direito à segurança

Entretanto, Ingo Wolfgang Sarlet opina que a SEGURANÇA JURÍDICA é


contemplada:

no princípio da legalidade – 5º, II

Do direito adquirido
Na proteção
Da coisa julgada
(5º, XXXVI)
Do ato jurídico perfeito

Legalidade e anterioridade em matéria penal – 5º, XXXIX

Irretroatividade da lei penal desfavorável – 5º, XL

Individualização/limitação das penas – 5º, XLV

Garantias processuais Restrições à extradição – 5º, LI e LII

(Penais e civis) Devido processo legal – 5º, LIV

Contraditório/ampla defesa – 5º, LV

Ver a modulação dos efeitos da decisão proferida na ADI

Esse é um exemplo de “regeneração do direito” – F. Gény

1 – pega-se um texto ou um conjunto de textos

2 – extrai-se deles um princípio

3 – deduzem-se desses princípios uma nova aplicação concreta

277
4 – consagram-se essas soluções em novas regras de direito

ENTÃO: QUAL A FONTE DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO??

O juiz não tem a liberdade de criar tampouco rejeitar um princípio geral

Os princípios gerais do direito são “fruto de aspirações latentes do corpo


social ou a expressão do ‘espírito das leis’. Portanto, impõe-se ao juiz que se limita a
extraí-los do vão filosófico, moral e jurídico existente. É o que explica a generalidade, a
permanência e a transcendência dos princípios gerais do direito e lhes define o conteúdo”
(BERGEL, 2006, p. 109)

O que caracteriza os princípios gerais do direito é a aplicação deles pela


jurisprudência

É muito raro o legislador proclamá-los

Só ocorre diante de grandes mudanças políticas e sociais – Declaração dos


Direitos do Homem

Advertência final

Existe ainda um tema muito importante e atual que diz respeito à delimitação
da normatividade do princípio. Normalmente a diferenciação entre norma e princípio é
estudado no Direito Constitucional

1. A esse respeito, a leitura obrigatória é: o debate entre Ronald Dworkin15 e Robert


Alexy16. Além disso existe um debate de altíssimo nível entre Humberto Ávila17
e Virgílio Afonso da Silva18.

15
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.tradução: Nelson Boeira. 3ª. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.
16
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.
17
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª. ed.,
ampl. São Paulo: Malheiros, 2011.
18
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista
Latino-americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 607-630, jan./jun. 2003.

278
2. Para quem se interessa pelo tema na ótica constitucinal, um excelente livro de
Emerson Garcia19, sobretudo as páginas 247 e seguintes.
3. Para um mapeamento do debate: artigo de Marcus Firmino Santiago20.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios


jurídicos. 12ª. ed., ampl. São Paulo: Malheiros, 2011.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3ª. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SANTIAGO, Marcus Firmino. Dos códigos para as constituições: breve discussão sobre
os princípios gerais de direito e a nova hermenêutica jurídica. Revista de direito
constitucional e internacional, v. 16, n. 64, p. 223-244, jul./set. 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica:


dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no
direito constitucional brasileiro. Revista latino-americana de estudos constitucionais, n.
4, p. 317-366, jul./dez. 2004.

SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 607-630,
jan./jun. 2003.

19
GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
20
SANTIAGO, Marcus Firmino. Dos códigos para as constituições: breve discussão sobre os princípios
gerais de direito e a nova hermenêutica jurídica. Revista de direito constitucional e internacional, v. 16, n.
64, p. 223-244, jul./set. 2008.

279
Regra ou princípio: Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência - Lenio
Luiz Streck

publicado no site Conjur:

Na esteira da construção dessa busca pela determinação do conceito de


princípio, deparei-me, mormente nos anos mais recentes, com situações inusitadas.
Certamente, a mais pitoresca de todas é aquela que nomeei (em diversos textos, e
especialmente, em Verdade e Consenso) de panprincipiologismo, uma espécie de
patologia especialmente ligada às práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso
desmedido de standards argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para
driblar aquilo que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da
legislação (constitucionalmente adequada). É como se ocorresse uma espécie de
“hiperestesia” nos juristas que os levassem a descobrir por meio da sensibilidade (o senso
de justiça, no mais das vezes, sempre é um álibi teórico da realização dos “valores” que
subjazem o “Direito”), à melhor solução para os casos jurisdicionalizados.

Pois bem. No julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF


parece ter inaugurado uma forma nova desse fenômeno se manifestar. Com efeito, ao lado
do uso inflacionado do conceito de princípio (por exemplo, o panprincipialismo é,
corretamente, denunciado pelo Ministro Tóffoli em vários votos, inclusive fazendo alusão
ao meu Verdade e Consenso, op.cit.), o voto que até o momento foi apresentado nesses
julgamentos (Lei do “Ficha Limpa) produz uma espécie de retração que, mais do que
representar uma contenção ao panprincipiologismo, manifesta-se como um subproduto
deste mesmo fenômeno. Trata-se de uma espécie de “uso hipossuficiente” do conceito de
princípio. Já não se sabe o que é mais grave: o panprincipialismo ou a hipossuficiência
principiológica.

O que seria esse “uso hipossuficiente do conceito de princípio”? Explico: ao


invés de nomear qualquer standard argumentativo ou qualquer enunciado performático
de princípio, o Judiciário passa a negar densidade normativa de princípio àquilo que é,
efetivamente, um princípio, verdadeiramente um princípio, anunciando-o como uma
regra. Aliás, nega-se a qualidade de princípio àquilo que está nominado como princípio
pela Constituição...!

280
O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei
Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste
momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com a Teoria
do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata de uma questão
cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se retiram as condições para
construir bons argumentos e fundamentar adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-
se a discutir o que foi feito da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a
questão do conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter
muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:

“A presunção de inocência consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição


deve ser reconhecida, segundo lição de Humberto Ávila, como uma regra, ou seja, como
uma norma de previsão de conduta, em especial de proibir a imposição de penalidade ou
de efeitos da condenação penal até que transitada em julgado decisão penal condenatória.
Concessa venia, não se vislumbra a existência de um conteúdo principiológico no
indigitado enunciado normativo”.

Não se vislumbra no enunciado normativo (presunção da inocência) um


conteúdo principiológico? Concessa venia, Ministro Fux. A posição exarada por Vossa
Excelência sugere claramente uma passagem ao largo de toda a discussão a travar-se no
âmbito teórico para saber o que é, efetivamente, um princípio. E o faz com apelo a um
argumento de autoridade, baseado numa concepção isolada, no contexto global da teoria
do direito e da filosofia do direito, a qual não pode ser tida como dominante. Aliás, a
vingar a tese do ilustre jurista citado pelo Ministro, a igualdade – virtude soberana de
qualquer democracia, como aparece em Dworkin e, numa perspectiva mais clássica, no
testemunho de Alexis de Tocqueville sobre a democracia americana – não seria uma
princípio, mas sim um simples postulado! Na verdade, não sei se o próprio Prof. Ávila
concorda com a tese apresentada no aludido voto. Não sei se ele nega(ria) densidade de
princípio à presunção da inocência.

A afirmação de que a presunção de inocência seria uma regra (sic) e não um


princípio é tão temerária que uniria dois autores completamente antagônicos, como são
Robert Alexy e Ronald Dworkin, na mesma trincheira de combate. Ou seja, ambos se
uniriam para destruir tal afirmação. Isso porque a grande novidade das teorias
contemporâneas sobre os princípios jurídicos foi demonstrar que, mais do que simples
281
fatores de colmatação das lacunas (como ocorria nas posturas metodológicas derivadas
do privativismo novecentista), eles são, hoje, normas jurídicas vinculantes, presentes em
todo momento no contexto de uma comunidade política. Tanto para Dworkin quanto para
Alexy – que, certamente, são os autores que mais representativamente se debruçaram
sobre o problema do conceito de princípio – existe uma diferença entre a regra (que,
evidentemente, também é norma) e os princípios. Só para lembrar: cada um dos autores
(Dworkin e Alexy) construirá sua posição sob pressupostos metodológicos diferentes que
os levarão, no mais das vezes, a identificar pontos distintos para realizar essa
diferenciação. No caso de Alexy, sua distinção será estrutural, de natureza semântica; ao
passo que Dworkin realiza uma distinção de natureza mais fenomenológica.

De todo modo, tanto as posições de Dworkin quanto as de Alexy concordam


que um dos fatores a diferenciar os princípios das regras diz respeito ao fato de que sua
não-incidência (ou aplicação) em um determinado caso concreto não exclui a
possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto fático-existêncial seja diferente
daquele que originou seu afastamento. As regras, por outro lado, se afastadas de um caso,
devem, necessariamente, ser afastadas de todos os outros futuros; exigência decorrente
de um PRINCÍPIO, que é a igualdade de tratamento. Isso mesmo: a igualdade, que não é
uma regra e, sim, um princípio).

Para Dworkin, os princípios representam uma comunidade, vale dizer: uma


comunidade política se articula a partir de um conjunto coerente de princípios que
justifica e legitima sua ação política. Por isso o direito pós-bélico (Losano) – o que surge
depois da Segunda Guerra - é um novo paradigma. Só não entende isso quem deseja
retornar ao século XIX, ao tempo do “império das regras”; aliás, ao tempo do positivismo
primitivo-exegético-sintático.

Ora, os princípios possuem uma “dimensão de peso” (como aparece em


Levando os Direitos a Sério), o que significa dizer que, em determinados casos, um
princípio terá uma incidência mais forte do que noutro (ou noutros). Isso não impede que,
num outro caso com circunstâncias distintas de aplicação, aquele princípio – afastado
anteriormente – volte com maior força, dependendo da construção que se faz, com base
na reconstrução da cadeia da integridade do direito. É o que tenho chamado de DNA do
direito.

282
Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer
mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas, sendo,
portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e menos ainda
compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre regras e princípios, os
princípios valem prima facie de forma ampla (mandados de otimização). Circunstâncias
concretas podem fazer com que seu âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios –
que, em algumas passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara
com os próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os critérios
de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa aparente contradição,
fazendo com que, em um caso específico, um deles prevaleça. Lembre-se o resultado da
ponderação dos princípios colidentes é uma regra que Alexy chama de “norma de direito
fundamental adscripta” (que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz).
E lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir para resolver
casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos princípios colidentes. Aqui, uma
pausa: será que algum juiz ou tribunal no Brasil já se preocupou em determinar a regra
de direito fundamental adscripta quando opera com a ponderação? Será que qualquer um
deles já aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um caso a
retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção. É uma máscara para
esconder a subjetividade do julgador.

De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até
Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da aplicação em um caso
específico, podem voltar com densidade normativa forte em outros casos futuros. As
regras a terem como modo de aplicação a subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas
de um caso DEVEM SER, necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.

Desse modo, fica clara a fragilidade do argumento exposto pelo caríssimo


Min. Fux, a quem tomo a liberdade de indagar o seguinte, e a partir da breve exposição
sobre o melhor da doutrina mundial a respeito de regras e princípios; doutrina
recepcionada no Brasil por tantos juristas e tribunais: 1 - se a presunção de inocência é
mesmo uma regra, como é possível dizer que ela pode ter sua aplicação restringida no
caso de condenações confirmadas pelo Tribunal (e os casos de competência originária,
seriam o quê?) e, ao mesmo tempo, valer para aqueles que foram condenados pelo juiz

283
singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria então também ser afastada nesses
casos?

Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a
presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição no caso de
condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia intacta sua aplicação
no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em que foi formulado no voto, como
pode uma regra valer num caso e não valer no outro? Haveria ponderação entre regras,
como querem – de forma equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à
condição de regra, a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação?
E disso exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?

Mais: afinal, se a ponderação é a forma de realização dos princípios e a


subsunção é a forma de realização das regras (isso está em Alexy, com todos os problemas
teoréticos que isso acarreta), falar em ponderação de regras não é acabar com a própria
distinção entre regras e princípios tornando-os, novamente, indistintos? Parece-me que o
imbróglio teórico gerado pelo voto do Ministro Fux bem representa um verdadeiro
“leviatã hermenêutico”, isto é, uma guerra constante de todas as correntes de aplicação,
estudos, e interpretação do Direito entre si, a gerar uma confusão sem precedentes, onde
cada um aplica e interpreta como quer o Direito, desatentos ao fato de que todo problema
de constitucionalidade é um problema de poder constituinte. No fundo, mais uma vez
venceu o pragmati(ci)smo, derrotando a Teoria do Direito.

Ainda, numa palavra, várias perguntas: a) se a presunção de inocência não é


um princípio, o devido processo legal também não o é? b) E a igualdade? Seria ela uma
regra? c) Na medida em que o cada juiz deve obedecer a “regra” da coerência em seus
julgamentos, isso quer dizer que, daqui para frente, nos julgamentos do Min. Fux, a
“regra” (sic) da presunção da inocência pode, em um conflito com um princípio, ou até
mesmo com uma regra, soçobrar? d) Uma outra regra pode vir a “derrubar” a presunção
da inocência? E) E o que dirão os processualistas-penais de terrae brasilis, quando
confrontados com essa “hipossuficientização” do princípio da presunção da inocência,
conquista da democracia?

Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao mérito
do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as possibilidades de restrição

284
ou não do direito fundamental à presunção de inocência. A questão é simbólica
(lembremos de Cornelius Castoriadis). O que representa, no plano do futuro do direito
em terrae brasilis, o exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos
simbólicos disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de
violência simbólica dos discursos.

Nada se deve objetar a que algumas teses sejam construídas de forma


pragmati(ci)sta. Essas teses podem fazer sucesso no mundo jurídico. Mas não hão de
subjugar décadas de discussões e avanços produzidos na Teoria do Direito. Talvez a
maior conquista nesse (e desse) direito pós-Auschwitz tenha sido, efetivamente, a
principiologia constitucional, pela qual ingressa o mundo prático no direito, com a
institucionalização da moral no direito (não esqueçamos de Habermas). Por isso, não se
pode vir a dizer que a presunção da inocência não seja um princípio. Por mais “valor”
pragmático que isso possa vir a ter. O direito não sobrevive de pragmati(ci)smos. Direito
não é um conjunto de casos isolados. Portanto, o “problema” não é a decisão de um
determinado caso, mas, sim, como se decidirão os próximos. Definitivamente, não há
grau zero de sentido!'

_________________________________________________________

José Miguel Garcia Medina

Caríssimos,

Sobre o instigante texto publicado pelo Prof. Streck, gostaria de comentar o


seguinte (não sobre o texto em si, mas sobre o tema de que trata o texto):

Tenho participado de várias bancas de mestrado/doutorado. Todas as


dissertações/teses, hoje, citam Alexy, Dworkin, Habermas etc. ... Mas - convenhamos -
poucos se ocupam em tentar entender, de fato, como se deve aplicar o direito, quando a
solução jurídica deve ser extraída de princípio(s) jurídico(s), com tudo o que isso
representa.

Penso, porém, que a culpa é de... nós mesmos! Se nem os autores citados
concordam em tudo sobre o assunto, nós, que temos o dever de tentar esclarecer isso (em
terrae brasilis, como diria o Prof.Streck) nos limitamos a reproduzir o que está escrito lá

285
fora. Entre os autores brasileiros, tampouco há qualquer unanimidade (v., p.ex.,
divergências entre Virgílio Afonso da Silva e Ávila sobre o pensamento de Alexy, e, para
mencionar uma opinião dissonante da do Prof. Streck, v. este texto:
http://direitosfundamentais.net/2011/05/24/jurisprudencia-arco-iris/).

Outro problema: para muitos, essa questão interessa "apenas" à teoria geral
do direito, ou à teoria dos direitos fundamentais... assunto "téorico", portanto, para muita
gente. Esquecem-se de que, no fundo, no fundo, o direito processual civil é um capítulo
da teoria ("geral"?) geral do direito. O que está em jogo, enfim, é a APLICAÇÃO do
direito (e a que serve o processo civil, senão a isso???).

Há um oceano entre constitucionalistas e processualistas. É passado o


momento de unir os continentes, ou esclarecer que, desde sempre, esses "continentes"
nunca estiveram separados, a não ser no imaginário dos juristas.

Abraços a todos.

medina

Comentários de leitores:

23/11/2011 16:00 Henrique A. (Advogado Autônomo)

Demonstrando o argumento

Com a devida vênia, as críticas opostas ao artigo do prof. Streck em alguns


comentários desta página não procedem, como irei demonstrar.

O Ministro Fux está certo ao dizer que a presunção de inocência é REGRA e


não PRINCÍPIO? O Prof. Streck está equivocado em sua crítica quanto a esta questão?

Vamos partir do princípio que sim - que Fux está certo. Acompanhem um
breve raciocínio:

a) Se a presunção de inocência é REGRA, então é regra prevista na


Constituição Federal, lei maior do ordenamento, correto?

286
b) Se é regra, não pode ser objeto de um processo de "sopesamento de regras"
(o que sequer faz sentido), mas sim tão somente ter sua aplicação prejudicada em face de
outra regra de hierarquia privilegiada.

c) Como a presunção de inocência não apenas seria regra, mas regra


CONSTITUCIONAL, jamais teria sua aplicabilidade afastada por regra hierarquicamente
superior.

d) Tampouco a "regra" da presunção de inocência estaria sujeita a "exame de


caso", pois seria uma regra de PRESUNÇÃO, ou seja, NECESSARIAMENTE
APRIORÍSTICA.

e) Logo, se a presunção de inocência é REGRA, ela precisa ser aplicada


sempre e automaticamente. Ora, mas é isso o que ocorre na prática? A resposta, todos
sabemos, é "não". No entanto, o simples fato de que a presunção de inocência é sempre
resultado de ponderação no caso concreto é a prova de que se trata de PRINCÍPIO, e não
de regra. Fosse regra, não poderia ser sopesada (vide item "c") e nem ser objeto de
considerações em relação aos fatos do caso concreto (vide item "d").

Resta demonstrado, assim, o equívoco do entendimento do Ministro Fux.

22/11/2011 21:34 Leitor1

Verdade e finitude...

Rafa, o direito trata da generalidade. Mesmo quem defenda a Tópica, deve


pressupor uma 'normalização'. Quando alguém defende que haja respostas JURÍDICAS
corretas, isso pressupõe a viabilidade de que o intérprete solucione corretamente o
conflito de interesses presente no caso concreto (conflito que não pode ser eliminado,
pelas contingências e vicissitudes da vida). Defender a existência de RESPOSTAS
CORRETAS é, portanto, defender a viabilidade de se identificar a VERDADEIRA
SOLUÇÃO DO CASO. Ora, o conceito de finitude não envolve o DASEIN 'lato senso':
atinge cada humano, na sua singularidade. Cada caso é um caso. Porém, supor que haja
uma RESPOSTA CORRETA, ÚNICA, PARA CADA CASO cai no arbítrio que alguém
já denunciou linhas antes. A RESPOSTA CORRETA NÃO PODE SER A CORRETA
PARA APENAS AQUELE CASO: deve ser a correta para casos que, conquanto únicos

287
(e, portanto, não totalmente coincidentes), possam ser reconduzidos a categorias comuns.
E é aqui que a hermenêutica defendida falha: supõe que haja respostas corretas - ainda
que possam 'evoluir'- mas não explica como é que tais respostas podem ser obtidas:
desconsidera a volatilidade dos valores. Veja só: com que argumentos (para além da
simples questão semântica, que um Kelsen já resolvia) Streck tenta defender que
determinada interpretação da Constituição seria a correta? Argumento de valores? (os
valores que ele supõe existentes na comunidade política?); argumentos de autoridade
(alguém já havia dito isso e aquilo?). Enfim: temo que essa argumentação recaia em um
conteúdo meio que religioso: encontrei a aletheia, fuiu iluminado e, portanto, digo qual a
verdadeira solução do caso... Reafirmo que, para mim, o problema está nessa dificuldade
de se escalonar valores, em sociedades plurais...

JURISPRUDÊNCIA:

CONCEITO

Três designações mais comuns (MONTORO, André Franco. Introdução à


ciência do direito. 20ª. ed. São Paulo: Ed. RT, 1991. p. 352). André Franco Montoro acusa
três designações em busca dos significados do tema. Assim, demonstra o autor que, em
primeiro lugar, pode ser indicado como

a) "ciência do direito, em sentido estrito, também denominada dogmática


jurídica ou jurisprudência";

“...entre os alemães passou a simbolizar o conjunto das ciências do direito, o


que significa compreender o estudo da jurisprudência como o estudo dos diversos ramos
do conhecimento jurídico. A comunidade jurídica anglo-americana, por sua vez, a usa no
sentido de ‘disciplina jurídica mais geral’, o que corresponderia, em linhas gerais, à
Teoria Geral do Direito, como a esta conhecemos” (TEIXEIRA, 1981).

b) "em segundo lugar, pode referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais,


em sentido amplo, e abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória";

288
Para os mais puristas: "...é comum deparar-se no cotidiano com inúmeras
petições abarrotadas por citações de casos individuais e isolados sob o argumento de se
tratar de uma 'jurisprudência'. Percebe-se claramente que na maioria desses casos esta
pseudojurisprudência sugere tão-somente a coleta desorganizada e confusa de sentenças
isoladas pelo peticionário no afã da busca do melhor convencimento dirigido ao proveito
de seu objetivo, ou seja, a vitória de uma demanda, o que, lamentavelmente, demonstra
grande falta de técnica pelo operador do direito" (ROSSI, 2001).

c) "numa terceira denotação, em sentido estrito, "jurisprudência" é apenas o


conjunto de sentenças uniformes".

Maria Helena Diniz "...o conjunto de decisões uniformes e constantes dos


tribunais, resultantes da aplicação de normas a casos semelhantes, constituindo uma
norma geral aplicável a todas as hipóteses similares ou idênticas. É o conjunto de normas
emanadas dos juízes em sua atividade jurisdicional"(...) "jurisprudência é, portanto, nas
expressivas palavras de Miguel Reale, a forma de revelação do direito que se processa
através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões
dos tribunais" (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 265 e 266).

Sálvio de Figueiredo Teixeira: “Etimologicamente, jurisdição vem de


jurisdictio, dizer o direito. Conceitualmente, no entanto, no superior magistério de
Amílcar de Castro, é o poder-dever do Estado de aplicar o direito em um caso concreto,
o que implica afirmar ser ela una, indivisível, e ter como característica essencial a
substituição das partes pelo juiz na solução dos conflitos de interesse” (TEIXEIRA,
1981).

Jurisprudência é fonte?

André Franco Montoro: “a jurisprudência propriamente dita, isto é, os


julgados uniformes dos tribunais, é incontestável que, de fato, eles atuam como norma
aplicável aos demais casos, enquanto não houver nova lei ou modificação na
jurisprudência” (apud ROSSI, 2001).

289
“...havendo um conjunto de decisões vindas dos tribunais com o mesmo teor,
abrangendo fatos iguais, integrando as lacunas e suplementando o ordenamento legal,
impossível não tê-las como fontes geradoras do direito” (ROSSI, 2001).

“No Brasil a jurisprudência tem assumido papel fundamental num exercício


exegético favorável à segurança jurídica, sobretudo em matérias polêmicas cuja atuação
do legislador não foi suficientemente clara” (MACIEL DA SILVA, 2011, p. 362).

“Sabemos que há muito a Jurisprudência e as Súmulas (mesmo não


vinculantes) deixaram de ser apenas fonte secundária do direito e passaram ao primeiro
plano no direito processual” (BAHIA, 2012).

Eduardo Ribeiro Moreira, ao tratar da jurisprudência constitucional, defende que ela

"…emana como fonte do direito. Em uma classificação positivista, como


a encontrada no art. 4.º, da LICC, a jurisprudência não seria verdadeira fonte do
direito; entretanto os costumes e a analogia, práticas bem diminutas na nossa
tradição jurídica, seriam fontes secundárias estabelecidas em lei.

As fontes do direito atreladas às práticas constitucionais ficam mais bem


disciplinadas sob uma teoria do direito útil e integradora. Ao falarmos em
jurisprudência e fontes do direito, caminhamos para um sentido da globalização que
tardou a chegar ao direito: a fusão de horizontes. O modelo norte-americano, de
estudo de casos e força dos precedentes e de mecanismos jurídicos efetivos, de
primazia da Suprema Corte, une-se ao sistema europeu-continental, de previsão de
um catálogo de direitos fundamentais, de constitucionalismo forte e rígido e de
controle de constitucionalidade abstrato das leis. No momento em que o direito, na
prática, reuniu todas essas características, começamos a dar forma a uma teoria do
direito que serve de proposta para os países ocidentais democráticos.

No espaço geográfico não se trata de uma teoria geral – como fora


concebido o positivismo jurídico – mas, sim, de uma teoria adequada às
democracias ocidentais com pressupostos encontrados na dita fusão de horizontes
(defesa dos direitos fundamentais, constituição rígida, mecanismos de separação de
poderes e de freios e contra-pesos etc.). Estes podem ser lidos como pressupostos

290
do neoconstitucionalismo que aparece, com força e definição neste início de século,
o seu marco temporal. É bem verdade que os seus pressupostos apareceram no pós-
2ª Guerra Mundial, porém eles vieram se desenvolvendo desde então, até
germinarem no neoconstitucionalismo, assim batizado por diversas publicações no
início do século XXI" (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo e
teoria da interpretação. Revista de direito constitucional e internacional. v. 16, n.
63, p. 64-80, abr./jun. 2008).

4. A jurisprudência como fonte do direito no sistema do common Law (Sálvio de


Figueiredo Teixeira)

Enquanto a "família" dos "direitos socialistas", vinculada ao marxismo-leninismo,


apresenta maior identidade com a romano-germânica, da qual se diferencia pela
orientação de que a sociedade do futuro deve prescindir do Estado e do próprio direito,
bem diversas são as características da "família" do common law, que se distinguem de
forma nítida e acentuada das demais, e por uma série de razões, calcadas principalmente
na história e na formação cultural de seus povos.

(...)

Ao escrever sobre esse sistema, tive oportunidade de assinalar (RF 264/83) que, no
plano histórico, a separação do direito inglês do direito romano encontra suas raízes na
ocupação da Inglaterra pelos bárbaros. Destruídos os traços do domínio romano de
quatro séculos, consolidou-se com o passar do tempo o sistema implantado, conhecido
como common law, calcado no precedente judicial e nos costumes, em contrapartida
ao romano, igualmente conhecido como civil law, fundado no direito escrito e
codificado.

O common law, também denominado case law, é um corpo de princípios, precedentes


e regras, que busca sustentação não em regras fixas, mas em princípios voltados para a
justiça, a razão e o bom senso, determinados pelas necessidades da comunidade e pelas
transformações sociais, partindo-se do pressuposto de que tais princípios devem ser
suscetíveis de adaptação às novas condições, interesses, relações e usos impostos
requeridos pelo progresso da sociedade.

291
Lord Leslie Scarman (English law - the new dimension, 1974, traduzido por S. A.
Fabris, 1977), após dizer do pouco conhecimento que se tem do nascimento do common
law, que eclodiu espontaneamente, sem prévia formulação, preleciona que esse sistema
"é um direito consuetudinário (costumary law) desenvolvido, modificado e às vezes
fundamentalmente reorganizado pelos juízes e tribunais que atuam através dos
tribunais".

Esse direito consuetudinário inglês, segundo Jean Cruet (A vida do direito e a


inutilidade das leis, Progresso, 1956), alicerçou-se, na Idade Média, "sob a forma de
regras fragmentárias, correspondendo às idéias e às necessidades do meio feudal", e
que ainda hoje regem a Inglaterra.

Por outro lado, para suprir eventuais falhas das Cortes, desenvolveu-se,
paralelamente, naquele país, equity, pretexto de completar o common law, o que
representou novo marco na evolução do povo inglês.

Como salienta Roberto Rosas, em seus escólios à lei processual codificada, outra é a
feição da jurisprudência nos países de common law, uma vez que, neste, "a decisão
judicial em determinado feito constitui um preceito erga omnes, que se impõe aos
demais casos. É o chamado precedente, que tem força de lei". Sistema viável, em seu
entendimento, em países sem oscilações políticas e sociais.

No common law a regra é a criação do direito pelos tribunais, sob o comando do


direito costumeiro, através do judge-made-law ou case-made-law, em que tem vigorosa
aplicação o chamado binding precedent (precedente obrigatório) e efetiva presença o
instituto da equity.

A par de uma cada vez maior penetração de normas escritas, e sem embargo da crítica
que ao juiz inglês fez Jean Cruet, para quem o mesmo é a um só tempo prisioneiro dos
precedentes judiciários e dos textos legislativos, em dupla negação da vida espontânea
do direito, não se pode negar que nesse sistema, de marcante presença no mundo dos
nossos dias, a jurisprudência, como fonte de direito, suplanta as nossas formulações
pretorianas - TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito
e o aprimoramento da magistratura. In: O Juiz: seleção e formação do magistrado no
mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 141-155.

292
CONCLUSÃO IMPORTANTE: "Dizer que o precedente vale como fonte do Direito
ainda deixa em aberto muitos problemas para a argumentação judicial. Revela-se
importante, então, uma sistematização dos fatores que aumentam ou diminuem a força de
uma norma adscrita a partir de um precedente judicial. É pela ponderação desses fatores
que se poderá, em cada caso concreto, determinar em qual desses níveis se encontra a
força de um dado precedente judicial" (BUSTAMANTE, 2013, p. 321).

GRAU DE VINCULATIVIDADE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS (PECZENIK,


apud BUSTAMENTE, 2013, pp. 319/320):

(a) vinculatividade formal não submetida a overruling


1 VINCULATIVIDADE
– (i) ‘estritamente vinculante’ (strictly binding), quando
FORMAL (formal deve ser aplicado em qualquer caso; (ii) vinculante pro
bindingness) – um julgamento
tanto (defeasibly binding), quando deve ser aplicado em
que não respeite a todos os casos, a não ser que se apliquem razões
vinculatividade do precedente
excepcionais (exceções podem estar bem definidas ou
não está conforme ao Direito não);
e, portanto, deve ser revertido
(b) vinculatividade formal (com ou sem exceções) – que
em apelação.
está submetida a overruling ou modificação.

2 NÃO FORMALMENTE (a) força superável (defeasible force) – deve ser


VINCULANTE MAS aplicado a não ser que exceções entrem em ação
DOTADO DE FORÇA (Not (exceções podem ou não estar bem definidas);
formally binding but having a
force) – quando um
julgamento que não respeite a (b) outweighable force – deve ser aplicado a não ser que
força do precedente, embora razões concorrentes se apliquem.
conforme ao Direito, está
sujeito a críticas por essa

293
razão, e pode ser revertido por
isso.

3 NÃO FORMALMENTE VINCULANTES E DESPIDOS DE FORÇA JURÍDICA


(tal como definido em 2), mas dando suporte adicional à decisão (Not formally binding and
not having force (as defined in 2) but providing further support) – um julgamento em que
falta menção ao precedente é ainda conforme ao Direito e pode ainda ser justificado, mas
não tão bem justificado quando iria estar se o precedente tivesse sido invocado, por
exemplo, para mostrar que a decisão alcançada se harmoniza com o precedente.

4 VALOR MERAMENTE ILUSTRATIVO (mere illustrativeness or other value).

COMPARAÇÕES POSSÍVEIS:

1 – SÚMULA VINCULANTE

2 – RECURSO REPETITIVO

3 – SÚMULA

4 – JURISPRUDÊNCIA

CIRCULAÇÃO DE MODELOS

Sobre essa a adoção brasileira do sistema norte-americano e do nome do


fenômeno: “circulação de modelos” ver: (TARUFFO, apud THEODORO JÚNIOR,
NUNES, BAHIA, 2010, p. 14.

René David, estudioso do tema, observa que "a common law conserva hoje a
sua estrutura, muito diferente da dos direitos romano-germânicos, mas o papel
desempenhado pela lei foi aí aumentando e os métodos usados nos dois sistemas tendem
a aproximar-se; sobretudo a regra de direito tende, cada vez mais, a ser concebida nos
países de common law como o é nos países da família romano-germânica. Quanto à
substância, soluções muito próximas, inspiradas por uma mesma ideia de justiça, são
muitas vezes dadas às questões pelo direito nas duas famílias de direito" (DAVID, René.
Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26).

294
A convergência de sistemas é um fenômeno inegável:

INSTITUTOS QUE SE AFIGURAM OU PRECEDENTES VINCULANTES,


OU RELATIVAMENTE VINCULANTES

(a) Permissão para que o Relator de Recurso Especial e Recurso Extraordinário, no STJ
e STF, respectivamente, julgue monocraticamente, quando o acórdão recorrido
contrariar a jurisprudência dominante da Corte – art. 38 da Lei 8.038, de 28.05.1990;

(b) Atribuição de efeitos vinculantes à decisão proferida em Ação Declaratória de


Constitucionalidade – art. 102, § 2.º, da CF/1988, acrescentado pela EC 3/1993;

(c) Julgamento monocrático pelo Relator, quanto à inadmissibilidade, provimento ou


desprovimento de recurso, quando encontrar fundamento em súmula ou jurisprudência
dominante do STJ ou STF – art. 557 do CPC, com as alterações da Lei 9.139, de
30.11.1995 e da Lei 9.756, de 17.12.1998;

(d) Julgamento monocrático pelo Relator no STJ e STF, para, em agravo de


instrumento, dar provimento ao Recurso Especial ou Recurso Extraordinário
inadmitido, quando o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou
jurisprudência dominante dessas Cortes – art. 544, §3.º, com redação data pela Lei
9.756, de 17.12.1998;

(e) Julgamento monocrático pelo Relator do Conflito de Competência, quando houver


jurisprudência dominante do tribunal sobre a matéria – art. 120, parágrafo único,
acrescentado pela Lei 9.756, de 17.12.1998;

(f) Dispensa da reserva do Plenário, quanto à arguição de inconstitucionalidade, quando


já houver decisão do plenário ou órgão especial do próprio Tribunal ou do Plenário do
STF – art. 481, parágrafo único, do CPC, acrescentado pela Lei 9.756/98;

(g) Efeitos vinculantes da Declaração de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade


– art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868 de 10.11.1999;

(h) Efeito vinculante na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – art.


10, §3.º, da Lei 9.882, de 03.12.1999;

295
(i) Afetação de julgamento a órgão indicado pelo regimento interno – art. 555, § 1.º, do
CPC, Acrescentado pela Lei 10.352, de 26.12.2001;

(j) Súmula vinculante – art. 103-A acrescentado pela EC 45/2004; Lei 11.417, de
16.12.2006;

(k) Súmula impeditiva de recurso – art. 518, §1.º, do CPC, acrescentado pela Lei
11.276, de 07.02.2006;

(l) SENTEÇA TIPO21 - Art. 285-A, DO CPC, acrescentado pela LEI Nº 11.277, de
07.02.2006;

(m) Repercussão geral no Recurso Extraordinário – art. 102, §3.º, da CF/1988,


acrescentado pela EC 45/2004; art. 543-A, acrescentado pela Lei 11.418, de
19.12.2006;

(n) Julgamento por amostragem dos recursos extraordinário e especial – arts. 543-B e
543-C do CPC, acrescentados pela Lei 11.418, de 19.12.2006, DOU 20.12.2006;

(o) Recursos repetitivos no STJ - Art. 543-C, do CPC - Lei nº 11.672, DE 08.05.2008

(p) NOVO CPC

CRÍTICAS

A) Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia criticam o


que eles denominam de “mecanismos de padronização decisória para a resolução
quantitativa das demandas seriais” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA, 2010, p.
30).

B) O CUSTO DA ESTABILIDADE:

21
PERGUNTAS: E se o juiz adotar entendimento contrário àquele exarado pelo STJ e STF? O juiz passa
a ser um super juiz? Resposta: Não! “A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e
economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o
entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo junto ao Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal” - REsp 1109398/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/08/2011 – link para inteiro teor (com doutrina)

296
A fórmula dos precedentes pode, em certas circunstâncias, se traduzir em uma
“fórmula da perpetuação do erro” (WHITTAKER, apud THEODORO JÚNIOR,
NUNES, BAHIA, 2010, p. 28).

“Parte da doutrina observa que, muitas vezes, o desejo de se tratarem os


jurisdicionados de forma idêntica, acaba sendo realizado por um preço muito alto, pois se
o tribunal cometeu um erro julgando o caso A, considera-se que o mesmo erro deve ser
repetido no caso B” (WAMBIER, 2009, p. 134).

DOIS PROBLEMAS

a) uso dos precedentes errados

Exemplo 1:

Ver artigo de Andre Vasconcelos Roque sobre a importância do


distinguishing no uso dos precedentes jurisprudenciais -

Analisando um julgado do STJ (AgRg no AREsp 96.048-PI, veiculada no


Informativo nº 502), ele critica “a inadequada operacionalização de precedentes
jurisprudenciais no Brasil”: “A detida análise dos julgados citados revela uma constatação
absolutamente preocupante, qual seja, a absoluta disparidade de fundamentos invocados
nos precedentes que, longe de traduzir uma ratio decidendi minimamente consistente,
constituem verdadeira idiossincrasia pretoriana, incapazes, em seu conjunto, de produzir
jurisprudência”.

Exemplo 2: a compensação da requisição de pequeno valor (RPV)

A 1ª Turma Cível do TJDFT, nos autos do agravo de instrumento nº 2011 00


2 004151-522, suscitou incidente de uniformização de jurisprudência -. O tema consiste
na possibilidade ou não de compensar, nos autos de requisição de pequeno valor (RPV),

22
Acórdão n. 514315, 20110020041515AGI, 1ª Turma Cível, julgado em 15/06/2011, DJ 27/06/2011 p.
48.

297
débitos líquidos e certos, inscritos ou não na dívida pública, do credor da Fazenda Pública,
com base no §9º do artigo 100 da Constituição Federal, que apenas se refere a precatórios.

O Conselho Especial, entretanto, considerou não se mostrar conveniente que


se proceda a uniformização, "já que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça
pacificou o entendimento acerca da matéria, por ocasião do julgamento do Resp
1114404/MG23, sob o regime do art. 543-C do CPC, entendendo caber ao credor
contribuinte optar pela compensação ou não do seu crédito tributário" (Acórdão n.
573474, 20110020128019PET, Conselho Especial, julgado em 13/03/2012, DJ
26/03/2012 p. 55)

Quando do retorno do AGI para julgamento do mérito24, fez-se o seguinte


distinguishing:

Não olvido que o incidente de uniformização de jurisprudência, apreciado


pelo Conselho Especial desta e. Corte de Justiça nos presentes autos, restou inadmitido
em razão do Resp n.1.114.404/MG, julgado sob o regime do art. 543-C do Código de
Processo Civil, que culminou com a edição do seu Enunciado Sumular n.461, no qual
o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “a opção entre a compensação e o
recebimento do crédito por precatório ou requisição de pequeno valor cabe ao
contribuinte credor pelo indébito tributário, haja vista que constituem, todas as
modalidades, formas de execução do julgado colocadas à disposição da parte quando
procedente a ação que teve a eficácia de declarar o indébito”.

Entretanto, entendo que o supracitado Recurso Especial não possui relação


com a questão em debate nos autos. Esta cinge-se à interpretação da compensação
prevista no art. 100, §§9º e 10, da Constituição Federal, referente ao caso em que o
cidadão tem um crédito executivo de natureza não tributária a ser pago por meio de
RPV. Aquele julgado tange outro módulo de compensação, insculpido nos art.165,
inciso I, do Código Tributário Nacional, art.66, §2º, da Lei n. 8.383/97, e art.890, §2º,
do Decreto n. 3.000/99, atinente à situação em que o contribuinte é cobrado

23
Esse precedente é um dos fundamentos da Súmula STJ nº 461 com o seguinte enunciado: “O contribuinte
pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por
sentença declaratória transitada em julgado”.
24
Acórdão n. 603045, 20110020041515AGI, 1ª Turma Cível, julgado em 11/07/2012, DJ 19/07/2012.

298
indevidamente um tributo, passando a ter o direito de optar entre o recebimento do
crédito via requisição ou via compensação.

Tratam-se, pois, de institutos de compensação distintos, o que fica


evidenciado no voto do e. Min. Relator Mauro Campbell Marques, uma vez que os
dispositivos constitucionais, objeto desta presente discussão, sequer são mencionados.
Confira-se:

“Devidamente prequestionadas, ainda que implicitamente, as teses que


gravitam em torno dos dispositivos legais invocados, conheço do recurso especial pela
apontada violação aos artigos 165, I, do CTN, art. 66, §2º, da Lei n. 8.383/97, e art.
890, §2º, do Decreto n. 3.000/99. Com efeito, todos os dispositivos normativos citados
fazem menção aos pedidos de restituição e/ou de compensação de tributos nos casos de
pagamento indevido. [...] Quanto ao mérito, esclareço que o tema ‘possibilidade de
escolha do contribuinte pela compensação ou pela repetição de indébito via precatório
ou requisição de pequeno valor quando da execução de julgado que reconheceu seu
indébito tributário’ já é de conhecimento desta Corte, tendo sido por inúmeras vezes
aqui julgado. Trago aos autos a experiência colhida por esta Primeira Seção por ocasião
do julgamento do REsp.796.064 - RJ, do EREsp. Nº 502.618 - RS, e do EREsp. Nº
609.266 - RS, in litteris [...]:A respeito da posição suso defendida, transcrevo as lúcidas
lições do Ministro Teori Albino Zavascki, quando do julgamento do REsp n.
614.577⁄SC. In verbis: [...] Os julgados citados clarificam a posição desta Casa no
sentido de que a opção entre a compensação e o recebimento do crédito por precatório
ou requisição de pequeno valor cabe ao contribuinte credor pelo indébito tributário,
haja vista que constituem, todas as modalidades, formas de execução do julgado
colocadas à disposição da parte quando procedente a ação que teve a eficácia de
declarar o indébito.

“Obviamente que os precedentes precisam ser levados em conta para


formulação da decisão. Ocorre que o precedente não se aplica sozinho. No Brasil,
aplicam-se simples enunciados – as súmulas que obviamente não são precedentes – como
se eles sozinhos pudessem fundamentar o caso concreto” (ABBOUD, Georges. Crítica à

299
jurisprudência do STF em matéria de controle de constitucionalidade. Revista de
processo. v. 38, n. 215, p. 409-426, jan. 2013).

b) a criação apressada de padrões

Manifestação do Ministro Herman Benjamin no Recurso Especial nº


911802/RS25,

1. Uma perplexidade político-processual inicial: a solução de conflitos


coletivos pela via de ação civil individual e a mutilação reflexa do direito de acesso
à justiça de milhões de consumidores

A colenda Primeira Turma decidiu, em 24.4.2007 (fl. 186), afetar esta


demanda à Primeira Seção. Até aí, nada de incomum, pois frequentemente questões
complexas ou repetitivas são levadas ao colegiado de dez Membros, para que possam
os seus integrantes decidi-las de maneira uniforme, evitando assim entendimentos
divergentes entre as duas Turmas.

Aqui, contudo, afloram peculiaridades que desaconselhariam tal


"afetação", na forma e no momento em que foi feita, quase que automaticamente,
sem qualquer discussão prévia e amadurecimento, no âmbito interno de ambas as
Turmas, das múltiplas questões novas e controvertidas que acompanham esta
demanda.

Os pontos complexos que este processo envolve - e são tantos, como


veremos no decorrer deste Voto - não se submeteram ao crivo de debates
anteriores entre os Membros das Turmas, debates esses necessários para
identificar e esclarecer as principais divergências e controvérsias de conflito desse
porte, que, embora veiculado por ação individual (e formalmente refira-se com

25
REsp 911802/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2007, DJe
01/09/2008.

300
exclusividade a uma única consumidora), afeta, de maneira direta, mais de 30
milhões de assinantes (rectius, consumidores).

Difícil negar que, no âmbito do STJ, a demanda não estava madura


para, de cara, prolatar-se decisão unificadora e uniformizadora a orientar a
Seção, suas duas Turmas e todos os Tribunais e juízos do Brasil. Em litígios dessa
envergadura, que envolvem milhões de jurisdicionados, é indispensável a
preservação do espaço técnico-retórico para exposição ampla, investigação
criteriosa e dissecação minuciosa dos temas ora levantados ou que venham a ser
levantados. Do contrário, restringir-se-á o salutar debate e tolher-se-á o
contraditório, tão necessários ao embasamento de uma boa e segura decisão do
Colegiado dos Dez.

É bem verdade que o Regimento Interno prevê a "afetação" de processos à


Seção "em razão da relevância da questão jurídica, ou da necessidade de prevenir
divergências entre as Turmas" (art. 127). Contudo, escolheu-se exatamente uma ação
individual, de uma contratante do Rio Grande do Sul, triplamente vulnerável na
acepção do modelo constitucional welfarista de 1988 - consumidora, pobre e negra
-, para se fixar o precedente uniformizador, mesmo sabendo-se da existência de
várias ações civis públicas, sobre a mesma matéria, que tramitam pelo País afora.
Ou seja, inverteu-se a lógica do processo civil coletivo: em vez da ação civil pública
fazer coisa julgada erga omnes, é a ação individual que, por um expediente interno
do Tribunal, de natureza pragmática, de fato transforma-se, em consequência da
eficácia uniformizadora da decisão colegiada, em instrumento de solução de
conflitos coletivos e massificados.

Não se resiste aqui à tentação de apontar o paradoxo. Enquanto o


ordenamento jurídico nacional nega ao consumidor-indivíduo, sujeito vulnerável,
legitimação para a propositura de ação civil pública (Lei 7347⁄1985 e CDC), o STJ,
pela porta dos fundos, aceita que uma demanda individual - ambiente jurídico-
processual mais favorável à prevalência dos interesses do sujeito hiperpoderoso (in
casu o fornecedor de serviço de telefonia) - venha a cumprir o papel de ação civil
pública às avessas, pois o provimento em favor da empresa servirá para matar na
origem milhares de demandas assemelhadas - individuais e coletivas. Aliás, em

301
seus Memoriais, foi precisamente esse um dos argumentos (a avalanche de ações
individuais) utilizado pela concessionária para justificar uma imediata intervenção da
Seção.

Finalmente, elegeu-se exatamente a demanda de uma consumidora


pobre e negra (como dissemos acima, triplamente vulnerável), destituída de recursos
financeiros para se fazer presente fisicamente no STJ, por meio de apresentação
de memoriais, audiências com os Ministros e sustentação oral.

Como juiz, mas também como cidadão, não posso deixar de lamentar
que, na argumentação(?) oral perante a Seção e também em visitas aos Gabinetes,
verdadeiro monólogo dos maiores e melhores escritórios de advocacia do País, a
voz dos consumidores não se tenha feito ouvir. Não lastimo somente o silêncio de
D. Camila Mendes Soares, mas sobretudo a ausência, em sustentação oral, de
representantes dos interesses dos litigantes-sombra, todos aqueles que serão
diretamente afetados pela decisão desta demanda, uma gigantesca multidão de
brasileiros (mais de 30 milhões de assinantes) que, por bem ou por mal, pagam a
conta bilionária da assinatura-básica (lembro que só a recorrente, Brasil Telecom,
arrecada, anualmente, cerca de três bilhões e meio de reais com a cobrança dessa tarifa
- cfr. www.agenciabrasil.gov.br, notícia publicada em 8.6.2007).

Curvo-me à decisão técnica dos meus ilustres Pares, posição essa que
também é político-pragmática. O bom juiz tem sempre um tanto de pragmaticus legum,
posição totalmente compreensível em um cenário de enxurrada de Recursos Especiais
relativos à assinatura básica (fala-se em dezenas de milhares de ações em todo o País),
o que por certo estimulou os e. Ministros a não esperarem por precedentes nas duas
Turmas.

Não obstante esse reconhecimento que faço das razões nobres que levaram
meus Pares a encurtar um debate judicial que deveria ser o mais rico, amplo e profundo
possível, não tenho como esconder que me sinto inescapavelmente prisioneiro do feixe
de objetivos e princípios sociais dos dois microssistemas normativos (consumidor e
telecomunicações) em questão (philosophus legum!), o que me força a homenageá-los,
mesmo que sob o risco de ser arrastado a um poço inesgotável de Recursos Especiais.

302
Como minoria que sou neste julgamento, mantenho a esperança de
que, no futuro, a hoje Maioria - ou, quem sabe, uma outra Maioria - aperfeiçoe
sua forma de pensar. E se assim não for, que o legislador, observador atento das
perplexidades da prática judicial, possa fazer as alterações legislativas pertinentes
a uma adequada, eficaz e justa proteção dos sujeitos vulneráveis: in casu, os
consumidores de telefonia fixa.

Em síntese, a vitória das empresas de telefonia, que hoje se prenuncia,


não é exclusivamente de mérito; é, antes de tudo, o sucesso de uma estratégia
judicial, legal na forma, mas que, na substância, arranha o precioso princípio do
acesso à justiça, uma vez que, intencionalmente ou não, inviabiliza o debate
judicial e o efetivo contraditório, rasgando a ratio essendi do sistema de processo
civil coletivo em vigor (Lei 7347⁄85 e CDC).

Esse precedente é um dos fundamentos da Súmula nº 356: “É legítima a


cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.

A esse respeito: "Essa tendência de hipertrofia jurisprudencial, tal como se


encontra, configura-se patológica, encaminhando-se por um viés antidemocrático. A
construção do direito, sob essa perspectiva, passa a ter uma concepção restrita, concebida
e aprisionada pelos tribunais, que ofertam um direito contaminado por um peculiar
protagonismo judicial, portador de um deficit participativo das partes e da doutrina, essa
última, como instância de iniciação e sustentação do debate crítico" (NUNES, Dierle;
ALMEIDA, Helen; REZENDE, Marcos. A contribuição da doutrina na (con)formação
do direito jurisprudencial: uma provocação essencial. Revista de Processo. vol. 232, p.
327, jun. 2014 – grifei).

O diagnóstico de Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia sobre


o uso dos precedentes no Brasil

a) há uma utilização mecânica sem a reconstrução do histórico de aplicação decisória

b) não se discute a adptabilidade

c) a aplicação da igualdade é usada de forma “tacanha”

303
Se o modelo se limita a aumentar a eficiência

a) fomenta a previsibilidade pelo engessamento dos posicionamentos

b) favorece uma concepção hierárquica de Poder

c) desestimula o acesso à justiça

PORTANTO, DOIS PONTOS SÃO IMPRESCINDÍVEIS:

A) É NECESSÁRIO CONSOLIDAR UMA TEORIA DOS PRECEDENTES NO


BRASIL

A1) CONCEITOS IMPORTANTES

Proposição jurídica considerada

Ratio decidendi necessária para a decisão

O raciocínio nuclear do precedente

A “ratio decidendi” é definida pelos juristas anglo-americanos como o princípio geral


que justifica aquele caso: pois todo o precedente é visto como a concretização de um
princípio. Se foi à luz de um princípio que o tribunal chegou àquela decisão, é esse
princípio que deve ser determinado antes de mais, para se verificar a sua validade em
casos semelhantes. Há pois que abstrair, a partir de cada caso, o princípio geral ínsito
na decisão (ASCENÇÃO, 2010).

Para morrer

Obter dicta: literalmente o que é dito Por nada

Inutilmente

Tudo o que é dito na decisão que não é ratio decidendi

Possui peso meramente persuasivo

304
Com a “ratio” não se confunde o “dictum”. Na sentença podem fazer-se e fazem-se
“numerosas observações interlocutórias ou que visam a pontos relacionados. Desde que
se não reconduzam ao princípio segundo o qual se decidiu o caso, são “dictum” e não
“ratio”. Têm sem dúvida uma certa autoridade, e por vezes é até muito difícil distinguir
o que é “ratio” e o que é “dictum”34. Mas todos concordam que o “dictum” não
participa da especial força vinculativa que caracteriza o precedente (ASCENÇÃO,
2010).

A regra (rule – o cerne ou o núcleo do precedente) é equivalente à ratio decidendi


(WAMBIER, 2009, p. 132)

Dierle Nunes, Helen Almeida, Marcos Rezende: "A ratio decidendi relaciona as
proposições jurídicas discutidas no julgamento aos fatos do case com as alegações das
partes. Essa relação determina os limites da força obrigatória da decisão. As
declarações da corte na decisão que não fazem parte da ratio decidendi, denominadas
obiter dicta, não têm, em regra, caráter vinculante, embora possam criar"autoridade
persuasiva" para outros julgamentos. Outro elemento importante na teoria do
precedente é a hierarquia entre as cortes. A corte hierarquicamente inferior obriga-se a
seguir os cases anteriormente decididos por uma corte de instância superior" (NUNES;
ALMEIDA; REZENDE, 2014).

A2) TÉCNICAS IMPORTANTES

A) overruling – Método da superação dos precedentes:

“...os demandantes podem postular, junto à Corte que emitiu o precedente (ou esta pode
fazê-lo, de ofício), a abolição/releitura do antigo precedente mostrando a alteração nas
hipóteses fáticas/jurídicas que lhes deram origem” (THEODORO JÚNIOR, NUNES,
BAHIA, 2010, p. 42)

“Overruling é o afastamento do precedente e a declaração de que este precedente foi


superado. O overruling, porém, também pode ser implícito. Quando ocorre o
overruling, uma nova regra é criada para os casos subsequentes”. Ele ocorre quando
“(a) se considera agora, a norma errada; ou porque (b) se considera agora a norma
errada, embora ela não estivesse errada, quando foi criada” (WAMBIER, 2009, p. 136).

305
“A técnica do overruling diz respeito à pretensão de superação dos precedentes: os
demandantes podem postular, junto à Corte que emitiu o precedente (ou esta pode fazê-
lo, de ofício), a abolição/releitura do antigo precedente mostrando a alteração nas
hipóteses fáticas/jurídicas que lhes deram origem” (BAHIA, 2012).

B) distinguishing:

“pode-se mostrar que o caso possui particularidades que o diferenciam, isto é, para
além das similaridades, advoga-se para que o Tribunal julgue o caso em razão de novas
questões jurídicas (ou de particularidades fáticas) não pensadas/discutidas no
precedente)” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA, 2010, p. 42).

Para casos distintos, portanto, o juiz não precisa decidir de acordo com o tribunal
superior ou em conformidade com decisão que anteriormente proferiu. “Cabe-lhe, nesta
situação, realizar o que o common law conhece por distinguished, isto é, a diferenciação
do caso que está para julgamento. Do mesmo modo, o juiz pode deixar de decidir de
acordo com decisão que já prolatou, ainda que diante de caso similar, quando tem
justificativa para tanto e desde que procedendo à devida fundamentação do motivo pelo
qual está alterando a sua primitiva decisão” (MARINONI, 2009, p. 207).

A técnica do distinguishing: “permite que a regra sobreviva, embora seu sentido se


torne menos abrangente. O tribunal faz referência ao precedente e diz que este seria
literalmente aplicável ao caso que deve ser julgado. Entretanto, por causa de uma
peculiaridade que existe neste caso e não existia no outro, a regra deve ser reformulada
para se adaptar a esta circunstância” (WAMBIER, 2009, p. 136).

“...tem-se uma forma da parte escapar do rigor dos precedentes: pode-se mostrar que
o caso possui particularidades que o diferenciam do precedente” (BAHIA, 2012).

B) A JURISPRUDÊNCIA PRECISA SER RESPEITADA

Vide doutrina já mencionada na aula sobre o positivismo

 Em homenagem ao princípio da igualdade, é necessário haver uma mesma pauta de


conduta para os jurisdicionados
 Essa pauta de conduta é a lei da forma compreendida pela doutrina e pelos tribunais:

306
PROBLEMAS NA VARIAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Efeito surpresa!!

Uma vez posicionada (“positivada”?) a jurisprudência e definida a “regra”


para o caso, deve haver um movimento da jurisprudência para seguir a mesma solução.

Corre-se o risco de se ter uma só lei com diversas interpretações = existência


de diversas leis disciplinando a mesma situação

Súmulas do STJ modificadas:

Súmula nº 263 do STJ: A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o


contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação

Órgão Julgador: SEGUNDA SEÇÃO

Data do Julgamento: 08/05/2002

Súmula 293 do STJ: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.

Órgão Julgador: CORTE ESPECIAL

Data do Julgamento: 05/05/2004

O voto "BANANA-BOAT"26

link

"Nos últimos tempos, entretanto, temos demonstrado profunda e constante


insegurança.

Vejam a situação em que nos encontramos: se perguntarem a algum dos


integrantes desta Seção, especializada em Direito Tributário, qual é o termo inicial para
a prescrição da ação de repetição de indébito nos casos de empréstimo compulsório

26
Voto-vista do Ministro Humberto Gomes de Barros no AgRg no Recurso Especial nº 382.736.

307
sobre aquisição de veículo ou combustível, cada um haverá de dizer que não sabe,
apesar de já existirem dezenas, até centenas, de precedentes. Há dez anos que o
Tribunal vem afirmando que o prazo é decenal (cinco mais cinco anos). Hoje, ninguém
sabe mais.

Dizíamos, até pouco tempo, que cabia mandado de segurança para determinar
que o TDA fosse corrigido. De repente, começamos a dizer o contrário. Dizíamos que
éramos competentes para julgar a questão da anistia. Repentinamente, dizemos que já
não somos competentes e que sentimos muito.

O Superior Tribunal de Justiça existe e foi criado para dizer o que é a lei
infraconstitucional. Ele foi concebido como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em
matéria tributária, como condutor daqueles que pagam, dos contribuintes.

(...)

Dissemos sempre que sociedade de prestação de serviço não paga a contribuição.


Essas sociedades, confiando na Súmula nº 276 do Superior Tribunal de Justiça,
programaram-se para não pagar esse tributo. Crentes na súmula elas fizeram gastos
maiores, e planejaram suas vidas de determinada forma. Fizeram seu projeto de
viabilidade econômica com base nessa decisão. De repente, vem o STJ e diz o
contrário: esqueçam o que eu disse; agora vão pagar com multa, correção monetária
etc., porque nós, o Superior Tribunal de Justiça, tomamos a lição de um mestre e esse
mestre nos disse que estávamos errados. Por isso, voltamos atrás.

Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os


próprios Ministros não respeitam - sinto-me, triste. Como contribuinte, que também
sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele voo trágico em que o
piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a
esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente
descobriram que estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está
extremamente perdido. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de
um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo
que essa Súmula não devia ter sido feita assim.

308
Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma
enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto
dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da boia. Para tanto,
a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa
graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da boia estão dentro do
mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso
papel tem sido derrubar os jurisdicionados".

 É necessário, para dar estabilidade ao sistema, respeitar a jurisprudência firmada

EXEMPLO NESSE SENTIDO:

O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a


aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre,
é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente.

Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é


sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso
com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das
convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós –
os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos
dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que,
em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la.

(AgRg nos EREsp 228432/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,


CORTE ESPECIAL, julgado em 01/02/2002, DJ 18/03/2002 p. 163)

Manifestação do relator: “O engano em que incidi é resultado da irracional


carga de trabalho a que se encontram submetidos os Ministros integrantes da Primeira
Seção. Tal carga, de sua vez, é resultado da baixíssima eficácia de nossas decisões.
Delas, o Estado brasileiro faz absoluta tabula rasa: simplesmente as desconhece. Veja-
se, como exemplo, o que ocorre em relação ao índice de reajuste do FGTS: embora tal

309
índice seja necessariamente um só, somos obrigados a defini-lo para cada uma das
milhões de cotas que o compõem”27.

O “efeito surpresa” é atenuado ou chega a desaparecer quando a inovação


passa a ser adotada pela jurisprudência e os tribunais decidem aquele caso da mesma
forma.

REFLEXOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

TÍTULO I

DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA


ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

SEGURANÇA Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e


JURÍDICA mantê-la estável, íntegra e coerente.

§1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no


regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula
correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se


Ratio decidendi às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua
criação.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:


de modelos
Circulação

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de


constitucionalidade;

27

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=23492&nreg=200000492370&dt=2002031
8&formato=PDF

310
II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de


demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria


constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem


vinculados.

§1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 28 e no art. 489,


§1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em


julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e
da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a
rediscussão da tese.

§3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo


overruling

Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento


de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no
interesse social e no da segurança jurídica.

§4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou


de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da
segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

28
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício.

311
§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja
ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato


normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
Ratio
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
decidendi
motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra


decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo


capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem


Ratio
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
decidendi
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou


distinguishing precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e


os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
IMPORTANTE
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão.

REFERÊNCIAS

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. As súmulas vinculantes e a nova escola da


exegese. Revista de Processo. vol. 206, p. 359, abr. 2012.

312
BORGES, Martha Helena de Lima; COUTINHO, Isabela Esteves Cury Coutinho. A
objetivação do controle difuso de constitucionalidade: análise da súmula vinculante.
Revista de direito constitucional e internacional, v. 19, n. 77, p. 231-251, out./dez. 2011.

MACIEL DA SILVA, Emanoel. O problema da tendência uniformizadora das decisões


judiciais diante da força descentralizadora do federalismo. Revista de direito
constitucional e internacional, v. 19, n. 75, p. 359-378, abr./jun. 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de


common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil = Critical proximity
between civil law and common law and the need of respect to precedents in Brazil.
Revista de processo. v. 34, n. 172, p. 175-232, jun. 2009.

ROSSI, Fernando F. Jurisprudência. Revista dos Tribunais, vol. 793, p. 743, nov. 2001.

SILVA, Virgílio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional.


In: Macedo Jr., Ronaldo Porto e Barbieri, Catarina Helena Cortada (orgs.). Direito e
interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Saraiva: FGV, 2011.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito e o


aprimoramento da magistratura. Revista de processo, v. 6, n. 24, p. 99-109, out./dez.
1981.

THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle e BAHIA, Alexandre. Breves


considerações sobre a politização do judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito
brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da
padronização decisória. Revista de processo. v. 35, n. 189, p. 9-52, nov. 2010.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do


direito: civil law e common law. Revista de processo, v. 34, n. 172, p. 121-174, jun. 2009.

313
314
SÚMULA VINCULANTE:

SÚMULA VINCULANTE

CONTORNOS GERAIS

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder
à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas


determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre
esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou
cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação
direta de inconstitucionalidade.

§3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,
julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial
reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula,
conforme o caso.

NOVO CPC

TÍTULO III

DA TUTELA DA EVIDÊNCIA

315
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório


da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese


firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do


contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado,
sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos
do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de


constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: IV -


garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em
julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

VALORES QUE JUSTIFICAM

ISONOMIA E EFICIÊNCIA: valores que representam o horizonte justificador do


instituto

“Nestes termos, o que se tenta operar com a súmula vinculante é a produção


nas instâncias jurisdicionais e na Administração Pública do respeito aos entendimentos
da Corte Suprema acerca de tema já por ela legitimamente editado em súmula com
eficácia vinculante, decorrendo de tal respeito, em sentido lógico, a promoção de valores
como a isonomia e eficiência na prestação jurisdicional do serviço público da Justiça”
(GAIO JÚNIOR, 2012).
316
MARINONI: “o juiz de primeiro grau diverge de entendimento contido em
súmula do Tribunal, a parte que sustenta a tese consagrada na súmula é obrigada a
recorrer. No caso de demandas múltiplas, isto pode significar milhares de recursos. O que
significa, entretanto, milhares de recursos? Significa, antes de mais nada, retardo na
prestação jurisdicional e, portanto, prejuízo à parte que tem razão. Significa, ainda, mais
custos e, também, um acúmulo intolerável de processos em segundo grau de jurisdição.
Ora, é óbvio que a interposição exagerada de recursos resulta na lentidão do serviço
jurisdicional e, portanto, aprofunda a crise do Poder Judiciário, que tem o grave
compromisso de atender ao direito constitucional de todo cidadão a uma resposta
jurisdicional tempestiva” (apud GAIO JÚNIOR, 2012).

"...a utilização do precedente permite, em uma sociedade de massa, o


asseguramento da igualdade de tratamento; é dizer, para hipóteses iguais, submetidas à
apreciação do Poder Judiciário, tem-se resultados iguais, de tal sorte que, inúmeras
pessoas, ao levarem suas pretensões para decisão, terão, então, a certeza de que receberão,
também, respostas iguais do poder público. Daí poder explicar que o outro requisito para
a elaboração da súmula vinculante é a relevante multiplicação de processos sobre
questões idênticas (art. 103-A, § 1.º, da CF/1988 e art. 2.º, § 1.º, da Lei 11.417/2006)"
(CAMBI, BRITO, 2009).

“Nota-se, por isso, uma preocupação do legislador não somente com a


razoável duração do processo, direito fundamental assegurado pelo inc. LXXVIII inserido
no art.5.º da Carta Maior e parte componente de um ‘processo justo’, como também o
efetivo estabelecimento da segurança jurídica das decisões da Corte Constitucional,
diante de um complexo sistema jurisdicional onde, inegavelmente, por circunstâncias de
um tecido social largo e complexo e de disparidades notórias em país de dimensões
continentais como o é o Brasil, crescente se encontra uma multiplicidade de questões
relevantes e que ficam ao largo de demandas judiciais sobre pontos idênticos e que, por
isso, merecem um posicionamento consensual ou unívoco do Poder Judiciário” (GAIO
JÚNIOR, 2012).

• QUESTÃO SOBRE O USO DA RECLAMAÇÃO QUE AFOGARIA O STF


COM OUTROS PROCESSOS:

317
Objetivos da reclamação: (a) preservar a competência desta Suprema Corte e
garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do art. 102, I, alínea l; e especialmente, (b)
salvaguardar o estrito cumprimento das súmulas vinculantes, nos termos do art. 103-A, §
3º, da CF.

Decisão monocrática do Ministro LUIZ FUX: "reconheço que a


jurisprudência desta Suprema Corte estabeleceu diversos condicionantes para a utilização
da via reclamatória, de sorte a evitar o uso promíscuo do referido instrumento processual.
Disso resulta (i) a impossibilidade de utilizar per saltum a Reclamação, suprimindo graus
de jurisdição, (ii) a impossibilidade de se proceder a um elastério hermenêutico da
competência desta Corte, por estarem definidas em um rol numerus clausus, e, ao que
interessa ao presente caso, (iii) a observância da estrita aderência da controvérsia contida
no ato reclamado e o conteúdo dos acórdãos desta Suprema Corte apontados como
paradigma" (Rcl 15887, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 19/06/2013).

Sobre o uso da reclamação em que se alega ofensa à autoridade das decisões


do STF, afirmou o Ministro Gilmar Mendes: "Todavia, seria recomendável conferir
interpretação estrita a essa competência. Sob esse aspecto, a reclamação não poderia ser
utilizada como inadmissível atalho processual destinado a permitir, por motivos
pragmáticos, a submissão imediata do litígio ao exame direto desta Corte". Rcl 4335/AC,
rel. Min. Gilmar Mendes, 20.3.2014.

NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE

a) natureza jurisdicional:

A primeira corrente sustenta que a súmula vinculante tem natureza


jurisdicional, já que emanado do STF, que é um órgão de cúpula do Poder Judiciário,
além de ser o resultado de reiteradas decisões proferidas pela Suprema Corte sobre
matéria constitucional. Logo, teria uma natureza jurisdicional.

b) natureza legislativa:

318
Nelson Nery Jr.: “A súmula vinculante, da mesma forma que o antigo assento
português, se desvincula dos julgados que a formaram e passa a ter autonomia. Súmula
vinculante e assento são ‘o preceito que coroa a decisão do caso concreto com força
genérica’. Não são a própria decisão do caso concreto ou o conteúdo normativo casuístico
dessa decisão. (…) A súmula vinculante, por sua vez, tem alcance maior que o da própria
lei, porquanto vincula os órgãos do Poder Judiciário e a administração pública, direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CF/1988). A súmula
vinculante é instituto de natureza legislativa, tem eficácia erga omnes, seu enunciado é
geral e abstrato formulado para solucionar casos futuros e, ainda, desvincula-se do(s)
caso(s) que a originaram. Assim sendo, os assentos (e a nossa súmula vinculante) são
prescrição jurídica imperativa ou critério normativo-jurídico obrigatório, que se constitui
no modo de norma geral e abstrata, proposta à pré-determinação normativa de uma
aplicação futura, suscetível de garantir a segurança e a igualdade jurídicas, e que não só
se impõe com a força ou eficácia de uma vinculação normativa universal” (NERY
JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e
legislação constitucional. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 532).

“Tal súmula apresenta atributos análogos aos da norma legal (geral, abstrata,
impessoal, obrigatória, projetando efeitos diretos e também reflexos), mas vai ainda além,
porque, enquanto a norma vocaciona-se a ser interpretada, podendo levar a um
entendimento, já a súmula vinculante beneficia de uma sorte de interpretação presumida,
implícita, autopoiética, dado que ela representa o extrato de muitos julgamentos
consonantes sobre o tema afinal sumulado, antes exaustivamente debatido. Não seria um
excesso ou exagero tivesse o constituinte revisor acrescido ao art. 5.º, II, da CF/1988
(princípio da reserva legal), o apêndice ‘(…) ou de súmula vinculante do STF’.
Parece-nos que a filiação jurídica do Brasil tornou-se híbrida ou eclética, a meio caminho
entre a common law (o binding precedent, sistema do stare decisis) e a civil law (direito
codicístico), ou seja, a fonte de direitos e obrigações entre nós deixou de ser apenas a
norma, para também incluir a súmula vinculante” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo.
Questões controvertidas sobre a súmula vinculante. In: Medina, José Miguel Garcia;
Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo; Cerqueira, Luís Otávio Sequeira de; Gomes Junior,
Luiz Manoel (coords.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais – Estudos

319
em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Ed. RT, 2008.
p. 1192 – grifei).

"Diante de todo o exposto, podemos concluir que a súmula vinculante possui


uma natureza legislativa, posto que ela se desvincula dos precedentes que lhe deram
origem, possuindo autonomia, abstração e aplicação para os casos futuros. Ademais,
assim como o texto de lei, a súmula vinculante não pode ser vista como uma norma pronta
e acabada, pois sua aplicação depende do processo interpretativo, levando-se em
consideração as especificidades do caso concreto, evitando-se, com isto, que o juiz seja
um mero carimbador, ou, como disse Kaufmann, um “juiz-computador”" (CARREIRA,
Guilherme Sarri. Algumas questões a respeito da súmula vinculante e precedente judicial.
Revista de processo. v. 36, n. 199, p. 213-245, set. 2011).

"Resta evidente a natureza de disposição legislativa que possuem as súmulas


vinculantes, na medida em que são prescrições literais, a serem aplicadas no futuro, vez
que não solucionam um caso concreto mais estabelecem um critério a ser aplicado a todos
os demais casos que pela súmula possam ser compreendidos" (ABBOUD, Georges.
Súmula vinculante versus precedentes: notas para evitar alguns enganos. Revista de
processo. v. 33, n. 165, p. 218-230, nov. 2008).

c) tertium genus – entre o abstrato do legislativo e o concreto dos atos jurisdicionais.

Para essa corrente, a súmula vinculante estaria entre o abstrato dos atos
legislativos e o concreto dos atos jurisdicionais: "Trata-se de um entendimento que se
vale dos argumentos das duas outras correntes, já que enxerga na súmula vinculante uma
natureza jurisdicional, pois decorre do Poder Judiciário, bem como uma natureza
legislativa, tendo em vista os seus efeitos" (CARREIRA, Guilherme Sarri. Algumas
questões a respeito da súmula vinculante e precedente judicial. Revista de processo. v.
36, n. 199, p. 213-245, set. 2011).

REQUISITOS E PROCESSAMENTO

▪ Matéria constitucional

320
▪ “controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração
pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica” – 103-A, §1º, CF e art. 2º, §2º, da Lei
11.417/2006
Sobre a expressão “controvérsia atual”, após mencionar que a redação do
artigo não é "das mais felizes", Rodrigo Jansen opina: "Afirma-se, por outro lado, que a
divergência ou a controvérsia há de ser atual, contudo, se há divergência jurisprudencial
ou controvérsia entre Judiciário e Administração Pública é porque a matéria ainda não foi
pacificada e permanece atual, isto é, não há divergência ou controvérsia ultrapassada,
pois, se ultrapassadas, não mais existirão" (JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como
norma jurídica. Revista da PGT / Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro, n. 1, p. 112-151, nov. 2005).

▪ podem ser editadas, revisadas e mesmo canceladas por decisão de dois terços dos
Ministros do STF – portanto, oito Ministros
▪ legitimados
▪ Presidente da República;
▪ Mesa do Senado Federal;
▪ Mesa da Câmara dos Deputados;
▪ Procurador-Geral da República;
▪ Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
▪ Defensor Público-Geral da União;
▪ Partido político com representação no Congresso Nacional;
▪ Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
▪ Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
▪ Governador de Estado ou do Distrito Federal;
▪ Tribunais Superiores;
▪ Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios;
▪ Tribunais Regionais Federais;
▪ Tribunais Regionais do Trabalho;
autônomos

▪ Tribunais Regionais Eleitorais; e


▪ Tribunais Militares.

321
Município – art. 3º, §1º, da Lei 11.417/2006: O Município poderá propor,
incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a
incidental
revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não
autoriza a suspensão do processo.

“...nem a Constituição Federal de 1988 nem mesmo a Lei 11.417/2006


optaram por prever que o processo deveria estar em trâmite no STF para oportunizar a
propositura de dita edição, revisão ou mesmo cancelamento do enunciado de súmula
vinculante, o que, portanto, bem autoriza a que o próprio Município, incidentalmente, no
curso de eventual processo, possa provocar tal propositura, não gerando, inclusive,
possível atraso no transcorrer da discussão principal do processo, dado não causar a sua
suspensão” (GAIO JÚNIOR, 2012).

PERTINÊNCIA TEMÁTICA

Decisão do Ministro Gilmar Mendes na Proposta de Súmula Vinculante nº


11: "A Associação Nacional dos Procuradores do Banco Central do Brasil, de acordo com
seu Estatuto (fls. 12-31), busca, essencialmente, defender direitos, garantias,
prerrogativas, interesses, reivindicações e autonomia da carreira de Procurador do Banco
Central do Brasil, bem como de seus membros ativos e inativos. No presente caso,
todavia, busca a entidade associativa, nesta Suprema Corte, a edição de súmula vinculante
em matéria de único e exclusivo interesse do próprio Banco Central do Brasil. Como se
vê, é manifesta a ausência de interseção do tema apontado na presente proposta – índice
de correção monetária para os depósitos bancários bloqueados pelo Plano Collor I – com
as finalidades institucionais da entidade classista ora proponente. 4. Ausente, dessa forma,
a pertinência temática apontada – requisito implícito de legitimação da entidade de classe
requerente –, manifesta-se esta Comissão de Jurisprudência pelo imediato arquivamento
desta proposta externa de edição de súmula vinculante. Ante o exposto, acolho o parecer
da Comissão de Jurisprudência e determino o arquivamento desta proposta de edição de
súmula vinculante" - PSV 11, Presidente Min. GILMAR MENDES, julgado em
28/05/2009 - grifei;

322
Decisão do Ministro Cesar Peluso na Proposta de Súmula Vinculante nº 53:
"2. Assiste razão à Comissão de Jurisprudência. É que, como bem salientou a Comissão,
inobstante a proponente figure no rol dos legitimados à proposição de súmula vinculante,
é requisito necessário a configuração de pertinência temática entre os objetivos e
finalidades da entidade proponente e o tema proposto, o que não se observa no caso. 3.
Ante o exposto, acolho o parecer da Comissão de Jurisprudência e determino o
arquivamento desta proposta de edição de súmula vinculante" -PSV 53, Relator: Min.
Cesar Peluso, julgado em 24/02/2012 – grifei.

MODULAÇÃO DOS EFEITOS

▪ Art. 4º, da Lei 11.417/2006: A súmula com efeito vinculante tem eficácia
imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos
seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha
eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse público.

REVOGAÇÃO DA LEI

▪ Art. 5º, da Lei 11.417/2006: Revogada ou modificada a lei em que se fundou a


edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício
ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

A) LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 - Institui a Lei de Execução Penal

Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo
remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.

B) Súmula Vinculante 9 - Data de Aprovação: Sessão Plenária de 12/06/2008

323
O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido
pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto
no caput do artigo 5829.

C) Nova redação da Lei de Execução Penal dada pela Lei nº 12.433, de 2011: Art. 127.
Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido,
observado o disposto no art. 5730, recomeçando a contagem a partir da data da infração
disciplinar.

EFEITOS DA SÚMULA

▪ a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação


aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal – 103-A, CF e art. 2º, da Lei 11.417/2006
▪ AUTORIDADE ADMINISTRATIVA: a desconsideração do que foi
estabelecido na Súmula Vinculante gera a responsabilização pessoal (cível,
administrativa e penal) do gestor público: art. 64-B da Lei que Regula o processo
administrativo: "Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada
em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade
prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão
adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de
responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.
▪ MAGISTRADOS: “No que diz respeito aos magistrados, a Lei não
consubstanciou nenhuma sanção” (BORGES, COUTINHO, 2011, p. 241).
▪ ENTRETANTO, em sentido contrário: "Com a edição de uma súmula vinculante
sobre a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar civis denunciados
pelo crime de falsificação da carteira de habilitação naval (CIR) ou habilitação de
arrais-amador, os ministros esperam por um fim a essa situação. 'Até porque o
descumprimento de uma súmula vinculante de forma infundada e sem justificação

29
Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada
a hipótese do regime disciplinar diferenciado - Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003
30
Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão - Redação
dada pela Lei nº 10.792, de 2003.

324
pode ensejar a responsabilização do magistrado, porque é um ato de
insubordinação' (destaquei), lembrou o ministro Ricardo Lewandowski"31.

CRÍTICAS GERAIS

DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

“Aos tribunais de exceção - instituídos para contingências particulares -


contrapõem-se o juiz natural, pré-constituído pela Constituição e por lei.

Nessa primeira acepção, o princípio do juiz natural apresenta duplo


significado: no primeiro consagra a norma de que só é juiz o órgão investido de jurisdição
(afastando-se, desse modo, a possibilidade de o legislador julgar, impondo sanções penais
sem processo prévio, através de leis votadas pelo Parlamento, muito em voga no antigo
direito inglês, através do bill of attainder); no segundo impede a criação de tribunais ad
hoc e de exceção, para o julgamento de causas penais ou civis.

Mas as modernas tendências sobre o princípio do juiz natural nele englobam


a proibição de subtrair o juiz constitucionalmente competente. Desse modo, a garantia
desdobra-se em três conceitos: (a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela
Constituição; (b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do
fato; (c) entre os juízes vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer
alternativa deferida à discricionaridade de quem quer que seja” – CINTRA,
DINAMARCO, GRINOVER, 1995, p. 52.

POSSÍVEIS RESPOSTAS EM SENTIDO CONTRÁRIO

31
O caso: "Os ministros que compõem a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sugeriram,
na sessão de hoje (13), que o decano, ministro Celso de Mello, elabore uma Proposta de Súmula Vinculante
(PSV) que reflita a jurisprudência da Corte a respeito da incompetência da Justiça Militar para processar e
julgar civis denunciados pelo crime de falsificação da carteira de habilitação naval (CIR) ou habilitação de
arrais-amador. A competência para processar e julgar o delito é da Justiça Federal, segundo o STF" ("Turma
propõe súmula para que STM aplique jurisprudência do STF" Notícias STF, Terça-feira, 13 de setembro
de 2011 - link).

325
a) só o STF pode editar súmulas vinculantes;

b) da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula


vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, caberá reclamação ao STF
(art. 103-A, §3.º, da CF/1988 e art. 7.º, caput, da Lei 11.417/2006);

c) a reclamação não impede a utilização dos recursos ou dos outros meios de impugnação
(art. 7.º, caput, da Lei 11.417/2006);

d) julgando-se procedente à reclamação, o STF anulará o ato administrativo ou cessará a


decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação
da súmula conforme o caso (art. 103-A, §3.º, da CF/1988) e art. 7.º, § 2.º, da Lei
11.417/2006).

INADEQUAÇÃO SV COM O SISTEMA CIVILÍSTICO E SEPARAÇÃO DE


PODERES

Lenio Luiz Streck: "Dos traços gerais que foram colacionados acima, a súmula apresenta
profundas dessemelhanças com os precedentes: (a) O efeito vinculante está prescrito em
um texto normativo (arts. 102, §2.º e 103-A da CF); (b) a instituição do efeito vinculante
tem como finalidade barrar novas discussões sobre a matéria (e não atender à solução de
uma demanda entre as partes); (c) A aplicação do precedente dotado de efeito vinculante
se dá de forma descontextualizada, dedutivista e reveste a decisão/súmula com ares de
regra geral e abstrata, infligindo área de competência do legislador (art. 5.º, II, da
CF/1988). Este último fator demonstra a incompatibilidade genética entre a regra do
precedente e o sistema romano-germânico, visto que sempre a súmula ou decisão
revestida de efeito vinculante será dotada de generalidade e abstração própria da lei"
(STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes em terrae brasilias: necessitamos de uma
"teoria para a elaboração de precedentes"?. Revista brasileira de ciências criminais. v.
17, n. 78, p. 284-319, mai./jun. 2009).

CONTRA

326
"...por obra do Poder Constituinte Originário, os três Poderes são dotados de
funções atípicas, o que significa que não há uma rigorosa separação entre as funções; pelo
contrário, elas se interpenetram, como reflexo da pretendida harmonia entre eles.
Atualmente, inclusive, as fronteiras que os separam carecem de uma releitura, à luz das
necessidades sentidas do povo, em consonância com os ditames constitucionais"
(CAMBI, Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de. Precedentes vinculantes.
Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013).

PARA OS QUE DEFENDEM A QUADRA NEOCONSTITUCIONALISTA: Gilmar


Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco destacam:
“(…) o princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, para ser compreendido de
modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz das diferentes
realidades constitucionais, num círculo hermenêutico em que a teoria da Constituição e a
experiência constitucional mutuamente se completam, se esclarecem e se fecundam.
Nesse contexto de ‘modernização’, esse velho dogma da sabedoria política teve de
flexibilizar-se dentro da necessidade imperiosa de ceder espaço para a legislação emanada
do Poder Executivo, como as nossas medidas provisórias – que são editadas com força
de lei – bem assim para a legislação judicial, fruto da inevitável criatividade de juízes e
tribunais, sobretudo das Cortes constitucionais, onde é frequente a criação de normas de
caráter geral, como as chamadas sentenças aditivas proferidas por esses supertribunais
em sede de controle de constitucionalidade” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 156).

PETRIFICAÇÃO DO DIREITO

Luiz Flávio Gomes: "É indiscutível que a súmula vinculante aniquila a


criatividade do juiz. É uma camisa-de-força, tal qual o famoso leito de Procusto, que
produz a cristalização ou petrificação ou ainda a ossificação do Direito. A pretensão de
'engessar' ou 'amordaçar' o juiz ignora o quanto já fizeram esses operadores jurídicos em
termos de 'criação normativa' benéfica para a sociedade. Os direitos decorrentes do
concubinato, em primeiro lugar, foram reconhecidos pelos juízes, mesmo sem lei
expressa. O mesmo pode ser dito da correção monetária nos débitos judiciais, da prisão-

327
albergue etc. Na época do plano Collor, foram os juízes de primeiro grau que
corajosamente reconheceram a inconstitucionalidade dos atos ditatoriais baixados.
Súmula vinculante é sinônimo de centralização, de visão panóptica, de risco de controle
tirânico. É ao mesmo tempo o estancamento da atividade judicial, sua robotização, seu
garroteamento, sua esterilização, fossilização ou coisa que o valha. Em poucas palavras:
em Direito brasileiro, é o retorno aos provectos 'assentos' da Casa de Suplicação. Em
termos internacionais, é a adesão ao sistema cubano da 'práctica judicial uniforme en la
interpretación y aplicación de la ley.' (...)" (apud CAMBI, BRITO, 2009).

CONTRA

Alexandre de Moraes questiona a ideia de que a edição da súmula vinculante


acarreta o engessamento ou paralisia na evolução e interpretação do direito: "A própria
história do estare decisis afasta essas alegações, pois, entre todos os tribunais, nenhum se
notabilizou tanto pela defesa intransigente, polêmica, construtiva e evolutiva dos direitos
fundamentais como a Suprema Corte americana, mesmo adotando o mecanismo de
vinculação, não podendo, porém, ser acusada de imutabilidade interpretativa"
(MORAES, 2012, p. 832).

Nobre Júnior: “(...) risível o raciocínio de que o efeito vinculante petrificaria


o direito. Quando se pretende adotar a vinculação dos precedentes, parcela do momento
vivenciado pelo fetichismo reformador que impregna o país, não se quer dizer que tais
decisões permaneçam, pela eternidade, imutáveis. (...) O modelo haverá de tomar cautelas
para que, em caso de injustiça, ou de sensível mutação nas exigências da vida coletiva,
possam os tribunais perfilhar orientação mais consentânea com a atualidade. Idem quando
o mesmo assunto é novamente submetido à apreciação do tribunal sob outros
fundamentos” (apud CAMBI, BRITO, 2009).

Miguel Reale: “Se as súmulas, em suma, forem permanentemente revistas, à


vista do progresso da doutrina e do trabalho dos operadores do Direito, não haverá com
elas estancamento da experiência jurídica, mas sim a sua dinâmica e prudente concreção”
(apud CAMBI, BRITO, 2009).

328
Eduardo Cambi e Thiago Baldani Gomes De Filippo: "Entendemos que, de
forma alguma, a existência de súmulas vinculantes significará na supressão da liberdade
de pensar o direito, conferida a todos os magistrados. Conforme já expusemos, o julgador
deverá realizar juízo crítico sobre essas orientações, podendo deixar de aplicá-las se
entender que elas não se adequam ao caso, em virtude de suas peculiaridades, ou se, em
virtude das transformações sociais, elas se tornaram obsoletas, ainda que assim não tenha
reconhecido o Tribunal que a editou. Em todos os casos, deverá fazê-lo
fundamentadamente" (CAMBI, Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de.
Precedentes vinculantes. Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013).

EXEMPLO CONCRETO 1: SÚMULA VINCULANTE Nº 3: Nos processos perante o


Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da
decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de
aposentadoria, reforma e pensão - Data de Aprovação: Sessão Plenária de 30/05/2007.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de


Segurança nºs. 25.116 e MS 25.403, conferindo nova interpretação à parte final da
Súmula Vinculante nº 3, mitigando-a, firmou entendimento no sentido de que o TCU, nos
processos de registro de aposentadoria, reforma e pensão, deve oferecer oportunidade de
defesa e contraditório à parte interessada somente caso seja ultrapassado o lapso
quinquenal para o julgamento do respectivo ato de concessão (a partir da entrada do ato
no Tribunal): "5. O prazo de cinco anos é de ser aplicado aos processos de contas que
tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias,
reformas e pensões. Transcorrido in albis o interregno quinquenal, a contar da
aposentadoria, é de se convocar os particulares para participarem do processo de seu
interesse, a fim de desfrutar das garantias constitucionais do contraditório e da ampla
defesa (inciso LV do art. 5º)" (MS 25116, Relator: Min. AYRES BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 08/09/2010).

EXEMPLO CONCRETO 2: SÚMULA VINCULANTE 5: “A falta de defesa técnica


por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição” - Data
de Aprovação: Sessão Plenária de 07/05/2008.
Limitação da incidência: “A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de
que a Súmula Vinculante 5 não é aplicável em procedimentos administrativos para
329
apuração de falta grave em estabelecimentos prisionais” (Rcl 9340 AgR, Relator: Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014).

ACESSO À JUSTIÇA E DEVIDO PROCESSO LEGAL

Martha Helena de Lima Borges e Isabela Esteves Cury Coutinho destacam:


“’o advento de institutos eminentemente pragmáticos, como a súmula vinculante,
colocam em segundo plano o efetivo acesso à justiça, levando-se a que os fins justifiquem
os meios’. Isto é, a mitigação dos meios de discussão da causa encontra azo na garantia
de celeridade processual, o que, no caso do processo penal, por exemplo, pertencendo tal
direito tanto à vítima quanto ao réu, representa uma ‘verdadeira antecipação da pena’,
visto que prejudica o contraditório. Ressaltam os autores que o estabelecimento de
‘metas’ de tempo desvirtua o sentido da garantia constitucional, que é de se evitar
excessos, não se desvencilhando, contudo, do processo justo” (BORGES, COUTINHO,
2011, p. 243).

RESPOSTA: NECESSIDADE DE AMADURECIMENTO DA QUESTÃO:

Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia adverte: “Pelo caput do art. 103-A da
CF/1988 percebe-se que, para que haja aprovação de Súmula Vinculante, faz-se
necessária a verificação de que há “reiteradas decisões” sobre o tema. A ideia é de que a
edição de uma Súmula, ainda mais de uma Súmula Vinculante, seja o produto de um
longo caminho de amadurecimento no STF quanto a certa questão e, uma vez solidificada
a jurisprudência, o Tribunal siga o caminho “natural” de editar uma Súmula. De forma
que o § 1.º daquele artigo, deve ser interpretado a partir do caput a que pertence: é dizer,
quando o parágrafo diz que a Súmula deve ser feita quando haja “controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança
jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”, não é apenas esta
situação que pode ensejar uma Súmula Vinculante, mas se deve somar a isto a constatação
de já ter havido várias decisões, de maneira tal que se já vislumbre jurisprudência
assentada quanto à matéria” (BAHIA, 2012).

330
"Frise-se que, de qualquer forma, pensado é que a edição de uma súmula
vinculante, indubitavelmente, deverá ser oriunda de reiteradas decisões da própria Corte
Suprema acerca de questões de natureza constitucional relevante e palco de controvérsias
no âmbito dos Tribunais e mesmo entre estes e a Administração Pública" - NOTA DE
RODAPÉ: "O pensamento afinado com a ideia de que determinadas matérias, até pelo
grau com que emergem importantes complexidades, devem receber da Corte Suprema
efetivo amadurecimento até o seu julgamento definitivo é de prática comum no sistema
norte-americano, tendo a própria Corte Constitucional se valido do requisito de
admissibilidade (ripeness) no destacado mecanismo de acesso ao Tribunal (writ of
certionari). Cf. entre outros, Nowak, John; Rotunda, Ronald. Constitutional law. 5. ed. St.
Paul: West Publishing, 2000. p. 90" (GAIO JÚNIOR, 2012).

"...a edição de súmulas vinculantes não deve recair sobre normas cujo sentido
a ser atribuído pelo STF ainda não esteja maduro, tais como conceitos jurídicos
considerados vagos ou indeterminados (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM
WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova
sistemática processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, vol. 3, p. 269) que ainda requerem
sedimentação política, social, econômica, científica ou cultural. Tais expressões
genéricas, os princípios e as cláusulas gerais, pela sua amplitude e abstração,
propositadamente, estão predispostas à interpretações mais divergentes e
cambiantes"(CAMBI, BRITO, 2009).

COMPROMETIMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

"[as súmulas vinculantes] Poderiam, quando muito, servir de subsídio


interpretativo e como fonte de consulta na estruturação e consolidação do sistema
jurídico, mas não cercear a livre convicção do juízo inferior, nem de engessamento da
evolução exegética resultante da dinâmica da própria vida. Não se pode falar em regime
democrático sem que o juiz tenha liberdade de consciência e de julgamento” (Súmula
vinculante. In: Arruda Alvim Wambier, Teresa et al (coords.). Reforma do Judiciário:
primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 761 –
grifei).

331
Lenio Luiz Streck: "Outro problema reside no fato de que a experiência das
súmulas possibilita que o STF seja ao mesmo tempo o criador do texto e seu
aplicador/concretizador no momento em que julga as reclamações em virtude da não-
aplicação do texto sumular pelos tribunais inferiores. Talvez por isso as Súmulas
vinculantes representem uma contradição do e no sistema: o STF é, ao mesmo tempo, o
criador do texto e seu aplicador no momento em que julga as reclamações em virtude da
não-aplicação das súmulas vinculantes. São, pois, "quase ordenanças" com valor de lei.
Sendo mais claro: a súmula vinculante está para o judiciário assim como a medida
provisória está para o executivo. Essa afirmação pode parecer um tanto quanto
provocativa - num primeiro momento - mas merece ser enfrentada para sabermos até que
ponto a súmula pode comprometer as instituições democráticas criadas pela Constituição
de 1988" (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes em terrae brasilias: necessitamos
de uma "teoria para a elaboração de precedentes"?. Revista brasileira de ciências
criminais. v. 17, n. 78, p. 284-319, mai./jun. 2009).

"...se mostra equivocada e perigosa a instituição da súmula vinculante nos


moldes em que adotamos, ou, ao menos, como vem sendo implementada pelo STF. O uso
indiscriminado da súmula vinculante, muitas vezes totalmente descontextualizadas dos
precedentes que a motivaram, fazem do Supremo verdadeiro legislador,7 o que não é
desejoso em tempos de implementação de um Estado Democrático de Direito"
(NOGUEIRA, Gustavo Santana; MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. A súmula
vinculante 10: tautologia ou inovação?. Revista de processo. v. 34, n. 173, p. 232-259,
jul. 2009).

CRÍTICAS ESPECÍFICAS

Súmula Vinculante 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo


administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

"Dentre os precedentes listados, há casos que não trataram de processo


administrativo disciplinar, como o AI-AgR n. 207.197, sobre ausência de advogado no
julgamento de recurso administrativo fiscal, e o MS n. 24.961, que trata de Tomada de
Conta Especial pelo Tribunal de Contas da União. Além do julgado que realmente levou

332
à edição da súmula, o RE n. 434.059, apenas mais um precedente se refere a processo
administrativo disciplinar, o RE-AgR n. 244.027, em que a decisão mantida pelo STF não
envolvia uma sanção grave como a demissão, mas apenas o desligamento de policial
militar de Curso de Formação de Oficiais" (MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os
precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 8, n. 2, p.
587-623, jul./dez 2012, p. 620, nota nº 7 – grifei).

VIOLAÇÃO AO PACTO FEDERATIVO: “...o debate em torno do acórdão


originário da súmula circunscreveu-se à disciplina da Lei 8.112/90 (artigo 156), que é
norma eminentemente federal, aplicável apenas aos servidores públicos da União. Já o
texto sumular é mais abrangente, sugerindo transcendência automática aos âmbitos dos
processos disciplinares estaduais e municipais, sem discernimento ao que disciplinam as
legislações respectivas. Com efeito, é possível que a legislação estadual ou municipal
disponha (diferentemente da Lei 8.112/90) que a defesa técnica por procurador habilitado
(advogado) é obrigatória nos processos administrativos disciplinares. E não haveria
nenhuma impropriedade nisso, porquanto a competência legislativa quanto ao tema
pertence a cada unidade federativa — a Constituição, em matéria de processo
administrativo, “não fixa competência legislativa privativa da União, mas permite que
cada ente crie seu regramento básico ou essencial, tendo em vista sua
autonomia”[NOHARA, Irene Patrícia. MARRARA, Thiago. Processo Administrativo –
Lei 9.784/99 Comentada, São Paulo: Atlas, 2009. p. 28]”. (Luciano Ferraz. Súmula
Vinculante 5 do Supremo deveria, no mínimo, ser revista. CONJUR. 30 de março de 2017
[http://www.conjur.com.br/2017-mar-30/interesse-publico-sumula-vinculante-supremo-
deveria-minimo-revista#_ftn7])

SÚMULA VINCULANTE Nº 12: A cobrança de taxa de matrícula nas


universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.

MINISTRO EROS GRAU - Mas não é isso, Senhor Presidente. Quero fazer
uma observação do ponto de vista da minha posição na Corte. É breve. Hoje fico muito
preocupado com o fato de da repercussão geral chegarmos diretamente à súmula. Porque
há casos e casos. E hoje julgamos uma porção de recursos extraordinários, entre os quais
seguramente há casos inteiramente distintos um do outro. Só queria anotar essa minha

333
preocupação (...) A Constituição diz “... após reiteradas decisões ...” (DEBATES E
APROVAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 12 – grifei).

SÚMULA VINCULANTE Nº 10: viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo


97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,
afasta sua incidência, no todo ou em parte

"Dentre outros requisitos exigem-se decisões reiteradas sobre o tema,


controvérsia atual, grave e que provoque insegurança jurídica e relevante multiplicação
de processos, requisitos que se não estão ausentes na aprovação da Súmula Vinculante 10
do STF, pelo menos não estão claramente presentes. Um bom e seguro indicativo da
presença dos requisitos são os precedentes invocados pelo STF para a aprovação da
súmula, e neste caso vemos que apenas 4 precedentes são citados, além do próprio caso
concreto que conduziu o Tribunal à aprovação da súmula (RE 482.090)" (NOGUEIRA,
Gustavo Santana; MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. A súmula vinculante 10: tautologia
ou inovação?. Revista de processo. v. 34, n. 173, p. 232-259, jul. 2009, nota nº 5 – grifei).

Súmula Vinculante 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de


fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte
do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade
da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil
do Estado.

Precedentes mencionados: RHC 56465 (Publicação: DJ de 6/10/1978); HC


71195 (Publicação: DJ de 4/8/1995); HC 89429 (Publicação: DJ de 2/2/2007); HC 91952
(Publicação: DJe nº 241, em 19/12/2008)

primeiro: acórdão que nega provimento ao Recurso de Habeas Corpus


impetrado por Newton Azevedo em 1978 (RHC 56.465), com o argumento: “Não
constitui constrangimento ilegal o uso de algemas por parte do acusado, durante a

334
instrução criminal, se necessário a ordem dos trabalhos e à segurança das testemunhas e
como meio de prevenir a fuga do preso”.

segundo: refere-se a outro acórdão que também indefere o habeas corpus


impetrado por Adalton Pereira Novaes em 1994 (HC 71.195), “o uso de algemas durante
o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial a ordem dos trabalhos e a
segurança dos presentes”.

Gustavo Santana Nogueira e Marcus Vinícius Lopes Montez, após analisar os


precedentes da súmula, mencionam: "Em outras palavras, quem decide se a algema é ou
não necessária é o juiz, e não a súmula. Ademais, todos os precedentes tratam de uso de
algemas por acusados durante atos processuais praticados em juízo ou transferência do
estabelecimento prisional até a sede do juízo e não pela polícia, no calor do caso concreto.
Enfim, a súmula é um desastre" (NOGUEIRA, Gustavo Santana; MONTEZ, Marcus
Vinícius Lopes. A súmula vinculante 10: tautologia ou inovação?. Revista de processo.
v. 34, n. 173, p. 232-259, jul. 2009, nota nº 5 – grifei).

OUTRA CRÍTICA: REDAÇÃO

A) "Porque produzida a partir do caso concreto, a ratio decidendi não pode ter algumas
características que normalmente aparecem no Direito Legislado. Por exemplo: não
há razão para que, na formulação da ratio decidendi, se ponham termos de sentido
vago. A vagueza na proposição normativa jurisprudencial é um contra-senso:
nascida a partir da necessidade de dar concretude aos termos vagos, abertos, gerais
e abstratos do Direito Legislado, a ratio decidendi deve ser formulada com termos
de acepção precisa, para que não crie dúvidas quanto à sua aplicação em casos
futuros. Um exemplo pode vir a calhar (...). Infelizmente, essa técnica de
elaboração do precedente judicial não foi observada pelo STF, ao editar o n. 11 da
sua súmula vinculante (...) Esse enunciado é tão extenso, e composto de termos de
acepção tão vaga ('fundado receio de fuga', 'perigo à integridade física própria ou
alheia', 'justificada a excepcionalidade por escrito' etc.), que mais parece texto
legislativo. As dificuldades de sua aplicação serão tantas, que certamente deverão
surgir outras súmulas concretizando o disposto no enunciado n. 11" (Fredie Didier,
site www.frediedidier.com.br - editorial n. 49).

335
B) "Ora, as expressões fundado receito e perigo encerram conteúdo demasiadamente
amplo, aberto. Isto é próprio das leis. As leis são ordens gerais e abstratas. Por seu
turno, as súmulas devem ser ordens gerais e, na medida do possível, concretas. O
enunciado da Súmula 11 seria oportuno, então, para um artigo de lei; nunca uma
súmula. Para que esta seja tecnicamente editada pelos Tribunais, sua redação deve
ser clara o suficiente para que se compreenda, na melhor medida possível, quais os
casos idênticos ou muito semelhantes que a ela devam se subsumir" (CAMBI,
Eduardo; FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de. Precedentes vinculantes. Revista
de processo. v. 38, n. 215, p. 207-246, jan. 2013 – grifei).

SÚMULA VINCULANTE Nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente


em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade
nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção,
chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer
dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a constituição federal.

Igualmente, a redação extensa atesta a dificuldade enfrentada para editar um


enunciado compatível com seus precedentes: "Dentre os precedentes citados, um deles
tratava da vedação do nepotismo somente até o segundo grau (ADIn n. 1521) e outro não
se referia ao chamado nepotismo cruzado (MS n. 23.780)" (MAUÉS, Antonio Moreira.
Jogando com os precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, São
Paulo, vol. 8, n. 2, p. 587-623, jul./dez 2012, p. 620, nota nº 11).

RESPOSTA (ou hipótese): Possibilidade de controle difuso de constitucionalidade:

“Haverá súmulas erradas? Talvez. Haverá súmulas inconstitucionais? É


provável. Ao juiz caberá não aplicá-las, se demonstrar que a situação de fato em que
incide aquela súmula não é igual à dos autos; ao juiz também caberá recusar seu
cumprimento, se a entender inconstitucional. Isto já ocorre hoje com textos de lei
infraconstitucionais” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso
extraordinário e ação rescisória. 2. ed. ref. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 240).

336
Georges Abboud: “Não admitir o controle de constitucionalidade das súmulas
vinculantes é algo desarrazoado, porque num sistema que admite o controle difuso de
constitucionalidade das leis, passaria a proibir o controle difuso de constitucionalidade
das súmulas vinculantes, que não poderiam ser afastadas no caso concreto de nenhuma
maneira, mesmo que sua aplicação acarrete inconstitucionalidades para o caso a ser
decidido, logo, não seria nenhum exagero parafrasear a máxima hobbesiana e afirmar que
diante do atual modelo, ‘Autoritas non Veritais, facit Summula’.” (ABBOUD, Georges.
Sentenças interpretativas, coisa julgada e súmula vinculante: alcance e limites dos efeitos
vinculante e erga omnes na jurisdição constitucional. Tese de Mestrado, São Paulo, PUC,
2009. pp. 247-248).

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Em razão da natureza
legislativa da súmula vinculante, como o juiz pode controlar, in concreto, a
constitucionalidade de lei, complementar ou ordinária, ou de ato normativo contestado
em face da CF, a ele é possível, também, fazer o controle da constitucionalidade de
verbete de súmula do STF, que tem caráter geral e normativo. Conforme expusemos
acima, no regime do stare decisis a vinculação por precedentes possui grande
maleabilidade, podendo o juiz lançar mão do distinguishing e do overrruling para afastar
a incidência do precedente diante do caso concreto. Esse procedimento do common law
é assemelhado, mutatis mutandis, ao controle concreto de constitucionalidade da súmula
vinculante no direito brasileiro” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 532).

De acordo com o entendimento do Ministério Público de Minas Gerais, no 3º


Simpósio dos Promotores e Procuradores de Justiça da Área Criminal – Tribunal do Júri:
“A Súmula Vinculante 11 do STF é formal e materialmente inconstitucional em razão de
não haver resultado de reintegração de decisões sobre o tema, bem como por violar o
princípio da legalidade, tanto ao estabelecer à autoridade pública dever não previsto em
lei quanto ao determinar responsabilidade penal por comportamento não tipificado”
(MINAS GERAIS. Ministério Público. Ementas – 3º Simpósio dos Promotores e
Procuradores de Justiça da Área Criminal).

Implicitamente, Lenio Luiz Streck defende o mesmo ao mencionar uma


inconstitucionalidade formal: "Além do quórum de dois terços, cabe ao STF justificar o
337
entendimento jurisdicional sobre determinado tema a partir da jurisprudência consolidada
do tribunal, algo que não se mede numericamente, 10, 20, 30 decisões a favor ou contra
um entendimento X ou Y. É dessa reconstrução institucional que o STF deve fazer -
condição de possibilidade para a edição de uma súmula - que exsurgirão as possibilidades
para a aferição do DNA de cada enunciado. Portanto, se os requisitos previstos na EC
45/2004 não estiverem presentes, antes de qualquer outro exame a súmula vinculante será
inconstitucional. E não esqueçamos: se a súmula vinculante é um ato normativo, sobre
ela cabe o controle de constitucionalidade. Ou a súmula vinculante estaria blindada à
jurisdição constitucional?" (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes em terrae
brasilias: necessitamos de uma "teoria para a elaboração de precedentes"?. Revista
brasileira de ciências criminais. v. 17, n. 78, p. 284-319, mai./jun. 2009, nota nº 26).

MAIOR ABRANGÊNCIA DA LEI 11.417/2006

A) ampliou o rol dos legitimados ativos para incluir:

1. no art. 3.º, VI, da Lei 11.417/2006, o Defensor Público-Geral da União;

2. no art. 3.º, XI, da Lei 11.417/2006, os Tribunais Superiores, os Tribunais


de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais
Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os
Tribunais Militares;

B) no art. 7.º, admitiu que outros recursos e meios de impugnação, além da


reclamação, fossem admitidos.

LEI Nº 11.417, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006

Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de


janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de
súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências - link.

Art. 1º Esta Lei disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula


vinculante pelo Supremo Tribunal Federal e dá outras providências.

338
Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

§1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de


normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

§2º O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado,


manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de
súmula vinculante.

§3º A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante


dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária.

§4º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado
de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção
especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.
Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado
de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;

339
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal


e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os
Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

§1º O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja


parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que
não autoriza a suspensão do processo.

§2º No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula


vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de
terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 4º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal
Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos
vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Art. 5º Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de


súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação,
procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

Art. 6º A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula


vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.

Art. 7º Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula


vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de
impugnação.

§1º Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será


admitido após esgotamento das vias administrativas.

340
§2º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja
proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

Art. 8º O art. 56 da Lei nº 9.78432, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescido


do seguinte §3º:

“Art. 56. ............................

........................................

§3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula


vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar,
explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da
aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.” (NR)

Art. 9º A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes
arts. 64-A e 64-B:

“Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão


competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou
inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”

“Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em


violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e
ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras
decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal
nas esferas cível, administrativa e penal.”

Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula


com efeito vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal.

32
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

341
PROCEDIMENTO

Regimento Interno do STF

Título XIII

DA SÚMULA VINCULANTE

Art. 354-A. Recebendo proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula


vinculante, a Secretaria Judiciária a autuará e registrará ao Presidente, para apreciação,
no prazo de cinco dias, quanto à adequação formal da proposta.

Art. 354-B. Verificado o atendimento dos requisitos formais, a Secretaria Judiciária


publicará edital no sítio do Tribunal e no Diário da Justiça Eletrônico, para ciência e
manifestação de interessados no prazo de cinco dias, encaminhando a seguir os autos
ao Procurador-Geral da República.

Art. 354-C. Devolvidos os autos com a manifestação do Procurador-Geral da


República, o Presidente submeterá as manifestações e a proposta de edição, revisão ou
cancelamento de súmula aos Ministros da Comissão de Jurisprudência, em meio
eletrônico, para que se manifestem no prazo comum de quinze dias; decorrido o prazo,
a proposta, com ou sem manifestação, será submetida, também por meio eletrônico,
aos demais Ministros, pelo mesmo prazo comum.

Art. 354-D. Decorrido o prazo do art. 354-C, o Presidente submeterá a proposta à


deliberação do Tribunal Pleno, mediante inclusão em pauta.

Art. 354-E.A proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante poderá


versar sobre questão com repercussão geral reconhecida, caso em que poderá ser
apresentada por qualquer Ministro logo após o julgamento de mérito do processo, para
deliberação imediata do Tribunal Pleno na mesma sessão.

Art. 354-F. O teor da proposta de súmula aprovada, que deve constar do acórdão,
conterá cópia dos debates que lhe deram origem, integrando-o, e constarão das
publicações dos julgamentos no Diário da Justiça Eletrônico.

342
Art. 354-G. A proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula tramitará sob a
forma eletrônica, e as informações correspondentes ficarão disponíveis aos
interessados no sítio do STF.

REFERÊNCIAS

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. As súmulas vinculantes e a nova escola da


exegese. Revista de processo, v. 37, n. 206, p. 359-379, abr. 2012.

CAMBI, Eduardo. BRITO, Jaime Domingues. Súmulas vinculantes. Revista de processo.


v. 34, n. 168, p. 143-160, fev. 2009.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER,


Ada Pellegrini. Teoria geral do processo; prefácio do prof. Luis Eulálio de Bueno Vidigal.
11ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 52.

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Predicados da súmula vinculante: objeto, eficácia e


outros desdobramentos. Revista de processo. v. 37, n. 207, p. 25-42, maio 2012.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed., rev. e atual. até a EC nº 68/11 e
Súmula vinculante 31. São Paulo: Atlas, 2012.

343
3. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITO DE NORMAS
JURÍDICAS NO TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO:

EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO

“um dos mais graves danos que o Estado


pode infligir aos seus cidadãos é submetê-
los a vidas de perpétua incerteza”33

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada.
§1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em
que se efetuou.
§2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle,
possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou
condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recurso.

POLÊMICA DO TEMA

“Os conflitos da lei no tempo são de árdua solução, como observam os


entendidos, e quando o ‘imbróglio’ é apreciado por quem não tem autoridade própria para
dirimir as dúvidas, como, sem falsa modéstia, conosco acontece, não há outras
alternativas além da invocação das lições dos mestres e subsídios da jurisprudência para
solver as controvérsias” (PORTO, Mario Moacyr. O princípio da não retroatividade da
lei. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 81, n. 684, p. 247-251, out. 1992).

33
KAY, Richard S.. American Constitutionalism. In: Constitutionalism: Philosophical Foundations.
Ed. Larry Alexander. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 22. Citado por Luiz Fux em seu
voto-vista no RE nº 363.889/DF.

344
“O Direito Intertemporal é constituído pelo conjunto de normas e princípios
jurídicos que têm por finalidade resolver as questões suscitadas pela sucessão de duas leis
no tempo, relacionadas com a determinação do regime jurídico aplicável às situações
jurídicas que estejam pendentes no momento da substituição de uma lei por outra. São
problemas de elevado interesse prático, mas que infelizmente são complexos"
(NORONHA, 2005).

Até hoje não se conseguiu encontrar “uma fórmula única e geral aplicável a
todos os aspectos do conflito de lei no tempo” (Vicente Ráo, apud, NADER, 2009, p.
252).

A aplicação de leis novas às relações já estabelecidas é um tema polêmico:


“É possível que a aplicação da lei no tempo continue a ser um dos temas mais
controvertidos do Direito hodierno” (MENDES, 2013, p. 352)

Introdução e localização do tema


Sucessão (ou aplicação) de leis no tempo
Conflitos de leis no tempo
Outros
Retroatividade da lei nova
nomes
Direito intertemporal (ou transitório)
Estabilidade dos direitos subjetivos

Eliane Barbosa de Souza Del Nero: “O estudo da teoria da situação jurídica tem
relevância prática no direito pátrio, porque contribui para solucionar questões relativas ao
conflito de leis no tempo. A doutrina denomina esse estudo de direito intertemporal ou
direito transitório. Este estudo decorre da necessidade de se modificar as leis adequando-
as às transformações políticas, sociais, econômicas, dentre outras, ocorridas na sociedade
ao longo do tempo. Porém, existe, também, a necessidade de se garantir a estabilidade da
ordem jurídica e social, através da obediência aos princípios da segurança e da certeza
jurídica, da irretroatividade das leis e do direito adquirido, como forma de se perpetuar a
lei no tempo” (NERO, Eliane Barbosa de Souza Del. Situação jurídica subjetiva
relacional. Revista tributária e de finanças públicas. v. 13, n. 61, p. 20-41, mar./abr. 2005,
p. 20).

345
Segurança jurídica: deve-se evitar a incerteza e os riscos de alterações futuras
versus
Possibilidade/necessidade de mudança: “a lei nova deve representar a melhor
maneira de regular determinada situação; é razoável, por isso, que ela se aplique a
todos os casos, inclusive retroativamente” (MONTORO, 2014, p. 447)

DUAS CONCEPÇÕES DE RETROATIVIDADE:

A) Primeira (genérica) norma que se aplica a qualquer situação jurídica


anterior, seja com simples expectativa de direito, seja com direito já adquirido e
consolidado;

B) Segundo, em sentido restrito, e mais frequente, "considera-se retroativa, e,


portanto, condenável, a lei unicamente quando desrespeita, posterga, atropela ou destrói
uma situação jurídica concreta (isto é, quando atinge direito adquirido) e jamais quando
elimina situações abstratas" (expectativas do direito), na lição de Cunha Gonçalves,
reproduzida por Carlos Maximiliano" (MONTORO, 2014, p. 447).

PERGUNTA DA AULA: “A norma mais recente só tem vigor para o futuro ou regula
situações anteriormente constituídas? A nova norma repercute sobre a antiga atingindo
os fatos pretéritos já consumados sob a égide da norma revogada, afetando os efeitos
produzidos de situações já passadas ou incidindo sobre efeitos presentes ou futuros de
situações pretéritas?” (DINIZ, 2009, p. 36).

POSSÍVEIS RESPOSTAS:

• A regra é: a norma jurídica vige no presente em direção ao futuro: “Uma lei é feita
para vigorar e produzir seus efeitos para o futuro” (SILVA, 2008, p. 433).

• Entretanto, a eficácia (possibilidade de produção de efeitos) e a incidência


(concreta produção de efeitos criados na realidade social) concreta podem voltar
para o passado.

• “A Lei, por ser obrigatória e de ação imediata e geral, aplica-se, como regra, tanto
em relação ao futuro como em relação às situações jurídicas constituídas sob o
império da lei anterior, excetuadas as hipóteses em que a sua aplicação lesar

346
direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (PORTO, Mario Moacyr.
O princípio da não retroatividade da lei. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 81,
n. 684, p. 247-251, out. 1992).

• “A novel lei só deverá incidir sobre os fatos que ocorrerem durante sua vigência,
pois não haverá como compreender que possa atingir efeitos já produzidos por
relações jurídicas resultantes de fatos anteriores à sua entrada em vigor” (DINIZ,
2010, p. 206).

IMPORTÂNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA


Se projeta para o passado: irretroatividade das leis e das emendas à
A segurança
Constituição
jurídica
Se lança para o futuro: pretensão de estabilidade mínima do Direito e com
(TAVARES,
seus institutos destinados a alcançar esta finalidade, como cláusulas pétreas,
2012, p. 765)
usucapião, etc

José Afonso da Silva lê, na Constituição Federal, QUATRO tipos de


segurança jurídica:

1) SEGURANÇA COMO GARANTIA


a) inviolabilidade do direito à segurança – art. 5º, caput
b) segurança do domicílio – art. 5º, XI
c) segurança das comunicações pessoais – art. 5º, XII
d) segurança em matéria tributária – art. 150
d.1) legalidade – inciso I
d.2) igualdade entre contribuintes – inciso II
d.3) anterioridade – inciso III, “a” e “b”
d.4.) proibição do confisco – inciso IV

2) SEGURANÇA POR MEIO DO DIREITO


a) segurança do Estado – defesa do Estado
a.1) defesa do território contra invasão estrangeira – art. 34, II e 137, II
a.2) defesa da soberania nacional – 91

347
a.3) defesa da Pátria – 142
b) segurança pessoal
b.1) técnica de segurança pública – art. 144
b.2) garantias penais – art. 5º, XXXVIII e XLVII e LXXV

3) SEGURANÇA COMO DIREITO SOCIAL


a) ações dos Poderes Públicos relativos à saúde, à previdência e à assistência social –
art. 194
b) seguro social de filiação obrigatória: previdência – art. 201

4) por último SEGURANÇA COMO PROTEÇÃO AOS DIREITOS SUBJETIVOS


QUE É O TEMA DA AULA

“A segurança jurídica dos direitos subjetivos consiste no ‘conjunto de


condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das
consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma
importante condição da segurança jurídica, neste caso, está na relativa certeza de que
as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal
norma seja substituída” (SILVA, 2004, p. 19).

Relação com o Estado Democrático de Direito:

há de se assegurar a segurança jurídica dos direitos subjetivos, sua proteção


diante de mutações formais do direito positivado, proteger a “relativa certeza de que as
relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma
seja substituída”, sob pena de desrespeito ao princípio da segurança das relações
jurídicas.

“A segurança jurídica decorre diretamente do Estado Constitucional de


Direito” (TAVARES, 2012, p. 765)

348
“Sob o fundamento de que a lei nova traduz os novos anseios sociais, é
fórmula aperfeiçoada de justiça, alguns já defenderam a tese de que a lei nova deveria
ter aplicação retroativa, isto é, não apenas ser aplicada ao presente, mas igualmente aos
fatos pretéritos. Quando estudamos os princípios de segurança jurídica, verificamos que
a irretroatividade da lei é fator de grande importância na proteção do indivíduo; que é
uma garantia contra a arbitrariedade; que é um princípio de natureza moral. Se fosse
admitida a retroatividade como princípio absoluto, não haveria Estado de Direito, mas
o império da desordem” (NADER, 2009, p, 252).

“Certo é que, havendo, ou não, menção expressa a um direito à segurança


jurídica, de há muito, pelo menos no âmbito do pensamento constitucional
contemporâneo, se enraizou a ideia de que um autêntico Estado de Direito é sempre
também – pelo menos em princípio e num certo sentido – um Estado de segurança
jurídica, já que, do contrário, também o ‘governo das leis’ (até pelo fato de serem
expressão da vontade política de um grupo poderá resultar em despotismo e toda a sorte
de iniquidades” (SARLET, 2004. p. 90).

Nota 6, do autor: “Não é por nada que o Tribunal Constitucional Federal da


Alemanha, em recentíssimo julgado, reiterou o seu já consagrado entendimento
sufragando a ideia de que a segurança jurídica constitui um dos elementos nucleares do
princípio do Estado de Direito, no sentido de que o particular encontra-se protegido
contra leis retroativas, que afetem os seus direitos adquiridos, evitando assim que venha
a ter frustrada a sua confiança na ordem jurídica, já que segurança jurídica significa,
em primeira linha, proteção de confiança, que, por sua vez, possui hierarquia
constitucional (BverfGE = Coletânea Oficial das Decisões do Tribunal Constitucional
Federal, v. 105, 2002, p. 57)” (SARLET, 2004. p. 90).

O direito à segurança jurídica abrange (TAVARES, 2012, p. 766)


i) a garantia do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada;
ii) a garantia contra restrições legislativas dos direitos fundamentais
(proporcionalidade) e, em particular, contra a retroatividade de leis punitivas;
iii) o devido processo legal e o juiz natural;
iv) a garantia contra a incidência do poder reformador da Constituição em cláusulas
essenciais;

349
v) o direito contra a violação de direitos;
vi) o direito à efetividade dos direitos previstos e declarados solenemente;
vii) o direito contra medidas de cunho retrocessivo (redução ou supressão de posições
jurídicas já implementadas);
viii) a proibição do retrocesso em matéria de implementação de direitos fundamentais;
ix) o direito à proteção da segurança pessoal, social e coletiva;
x) o direito à estabilidade máxima da ordem jurídica e da ordem constitucional

A densificação do princípio (TAVARES, 2012, p. 765)


A) a necessidade de certeza, de conhecimento do Direito vigente, e de acesso ao
conteúdo desse Direito
B) a calculabilidade, quer dizer, a possibilidade de conhecer, de antemão, as
consequências pelas atividades e pelos atos adotados
C) a estabilidade da ordem jurídica: existência de cláusulas de eternidade na
Constituição dotadas de supremacia

CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e
cinco dias depois de oficialmente publicada.
§1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se
inicia três meses depois de oficialmente publicada.
§3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada
a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova
publicação.
§4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior.

350
§3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.

ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA (NORONHA, 2005)


parte da norma que descreve fatos, situações ou circunstâncias que
podem vir a ocorrer;
Fatispécie34
costuma ser chamada também de pressuposto, pressuposto normado ou
legal, suporte fático, fato-tipo, hipótese legal e previsão legal.
aponta as consequências que os fatos, quando ocorrem, produzem.
Estatuição35 parte prescritiva, estatuição normativa, ou legal, dispositivo, dispositivo
legal, preceito, efeito jurídico, ou ainda consequência jurídica.

estrutura binária das regras prescritivas


“predicado factual”: especifica o âmbito da regra, as condições factuais que
propiciam sua aplicação, podendo ser formulado como uma hipótese do tipo “se X”,
onde X é uma sentença cuja verdade é condição necessária e suficiente para a
aplicação da regra
“consequente”: prescreve o que vai acontecer caso se verifiquem as condições
especificadas no predicado factual (MAUÉS, Antônio Moreira. Jogando com os
precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 8, n. 2,
p. 587-623, jul./dez 2012).

OUTRA CLASIFICAÇÃO

34
"Suporte fático e fato-tipo são também boas designações (são as adotadas respectivamente por Pontes de
Miranda e Miguel Reale, traduzindo a expressão alemã Tatbestand), mas elas fazem crer que a parte
descritiva da norma é composta somente por matéria fática, quando na maioria das vezes contém fatos já
juridicizados, ou seja, que já são objeto de tratamento jurídico por outras normas" (NORONHA, 2005, nota
nº 5).
35
"Para a parte prescritiva da norma, que preferimos chamar de estatuição, ou dispositivo, são também boas
as designações de efeito jurídico e consequência jurídica. Esta parte dispositiva também é às vezes
designada por ‘preceito’, mas é denominação desaconselhável: ‘preceito jurídico’ é expressão comumente
usada como sinônima de norma jurídica" (NORONHA, 2005, nota nº 6).

351
Fernando Noronha (NORONHA, Fernando. Indispensável reequacionamento
das questões fundamentais de direito intertemporal. Revista dos tribunais. São Paulo, v.
94, n. 837, p. 55-78, jul. 2005) classifica as leis, para efeitos de sua aplicação no tempo,
em quatro categorias - "quatro hipóteses possíveis":

com fatispécie atual (totalmente ocorrida ao tempo da lei vigente) e com


a prospectividade
estatuição também de harmonia com a lei atual;
"com fatispécie passada (anterior à nova lei) e com estatuição ditada pela
a retroatividade,
nova lei, sendo esta, portanto, válida para o passado";
"sempre que a lei nova considerar fatos ocorridos ao tempo da anterior,
para determinar consequências que sejam válidas somente no seu novo
tempo"
"daquela combinação de fatos ocorridos no decurso do tempo de vigência
das duas leis, seleciona-se como sendo mais relevante um fato ocorrido
ao tempo da lei nova e, por isso, será esta a aplicável, mas deixando
a retrospectividade intocado o tratamento jurídico que a lei revogada tinha dado aos fatos
(ou imediatidade, anteriores"
retroprospectividade, "das quatro figuras de aplicação da lei no tempo é sem dúvida a mais
ou ainda eficácia complexa e mais importante no Direito Intertemporal"
imediata) "a lei nova limita-se a estatuir uma regulamentação válida só para o
presente, ainda que aplicável a fatos que vêm do passado";
"é como se nela se dispusesse: 'a partir desta data os novos efeitos
jurídicos que serão produzidos passarão a ser os seguintes'".
"com fatispécie combinando elementos passados e presentes e com
estatuição ditada pela nova lei, mas que é válida somente a partir da data
de vigência desta";
"quando for a lei velha que deve continuar regendo as novas
consequências, a serem produzidas no domínio da lei posterior"
"tem-se como mais relevante um fato verificado no passado (ou mesmo
pós-atividade toda uma situação jurídica já completada ao tempo da lei anterior) e, em
consequência, será a lei passada que deverá continuar regendo os fatos
supervenientes, isto é, ocorridos ao tempo da lei nova, ainda que com
ligações ao fato passado".

352
"com fatispécie também composta por uma combinação de elementos
passados e presentes, mas em que a estatuição é estabelecida pela lei
antiga (e neste caso, se olharmos a situação a partir desta lei, a fatispécie
em causa será futura)"

Exemplos: "0s efeitos produzidos antes de entrar em vigor a nova lei não podem por ela

ser atingidos; dar-se-ia retroatividade. Os efeitos não são todavia contínuos no tempo, de

modo que pode ser dividido o tempo em que se lhes verifica a produção. Algo de lineal

em vez de punctual. Temos, pois, pontos às extremidades da existência das relações

jurídicas, e linha, entre o nascimento e a extinção, a que correspondem aqueles pontos.

Todavia, nem sequer o ponto em que a relação se constitui é independente de fatos

anteriores, de lapsos de tempo, de linhas (prescrição aquisitiva, vitaliciedade de cargos

públicos, ações dependentes de certo tempo direitos decorrentes do correr de certos prazos

processuais ou de certa atividade contínua). Digamos o mesmo quanto à extinção

(prescrição extintiva, expiração de prazos, aposentadoria compulsória de funcionários).

Outras relações só se estabelecem mediante o concurso de dois fatos sucessivos, mais ou

menos distantes um do outro (sucessão testamentária = testamento + morte do testador;

casamento = publicação + celebração; promessa ao público = publicação + execução do

ato a ser recompensado) (Pontes de Miranda, Comentários à Constituição da República

dos Estados Unidos do Brasil. Tomo II, p. 81-137, Rio, 1957, pp. 124-125)"

OS TRÊS SISTEMAS SOBRE O DIREITO TRANSITÓRIO

Existem três sistemas no direito comparado que pretendem solucionar as questões


relacionadas ao direito transitório.

sistema germânico:
Nele, não existe previsão no Código Civil para a solução dos conflitos intertemporais de leis.

353
Essa tarefa deverá ser desenvolvida pelo aplicador do direito, que investigará a vontade
legislativa, concluindo se houve ou não intenção do legislador de estabelecer a retroatividade de
uma determinada lei.
segundo sistema:
adotado na França (art. 2º), Itália (art. 11), Espanha (art. 3º) e Argentina (art. 3º);
prevê o princípio da irretroatividade no próprio Código Civil, sendo uma regra geral;
o magistrado fica impedido de aplicar o Código Civil retroativamente, mas nada impede a criação
de outras leis que sejam retroativas.
sistema brasileiro
"o princípio da não-retroatividade é assentado com caráter mais rijo do que uma simples medida
de política legislativa, pois assume o sentido de uma norma e natureza constitucional" (Caio Mário
da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. vol. 1, p. 144, apud, AZEVEDO, Fábio de Oliveira.
Direito civil: introdução e teoria geral. 3ª. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.
70)

Não se pode concluir, a partir da leitura do dispositivo constitucional que a


Lei somente alcança validamente os fatos que ocorrem posteriormente à data da sua
vigência: “...as leis podem em princípio retroagir, deixando resguardadas desta ação todas
a realidades mencionadas no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, como também
podem em princípio não retroagir, deixando ao abrigo de uma excepcional ação retroativa
estas mesmas realidades. Nada predetermina, pois, a nossa Constituição, acerca da
matéria” (José Eduardo Martins Cardozo, apud TAVARES, 2012, p. 767).

“A Constituição não determina, com efeito, que a lei não deve ser retroativa.
O que ela prescreve é que a lei não poderá retroagir em prejuízo de direito adquirido, ato
jurídico perfeito ou coisa julgada” (Francisco Campos. Direito Administrativo, vol. II,
Freitas Bastos S/A, Rio de Janeiro, 1958, p. 12 - citado pelo Ministro Eros Grau na ADI
3105, fl. 254 do acórdão).

A grande questão é, então: sobrevindo lei nova revogando aquela sob cujo
império se formara o direito subjetivo, quais os efeitos dessa nova lei sobre o referido

354
direito subjetivo? “Prevalece a situação subjetiva constituída sob o império da lei velha,
ou, ao contrário, fica ela subordinada aos ditames da lei nova?” (SILVA, 2008, p. 434)

O direito intertemporal trata da situação jurídica intermediária entre (NORONHA,


2005):
a) fatos passados que estiverem definitivamente extintos, não sendo mais possível
alterar sequer as consequências jurídicas que tiverem produzido
b) situações jurídicas e os fatos que surgirem somente após a lei nova, sem nenhum
ponto de contato com situações e fatos anteriores.

DOIS SÃO OS CRITÉRIOS PARA SOLUCIONAR A QUESTÃO (DINIZ, 2009, pp.


36-37).

A) DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Elaboradas pelo legislador

Concilia a nova norma com as relações jurídicas já estabelecidas

“São disposições que têm vigência temporária, com o objetivo de resolver e


evitar os conflitos ou lesões que emergem da nova lei em confronto com a antiga”
(DINIZ, 2009, p. 37).

Caso 1: Lei nº 8.245/1991 - Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e


os procedimentos a elas pertinentes - Art. 76. Não se aplicam as disposições desta lei aos
processos em curso.

Caso 2: Lei nº 9.656/1998- Dispõe sobre os planos e seguros privados de


assistência à saúde - art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos
celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos
anteriores, bem como àqueles com contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1o
de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.

355
Caso 3: Código Civil - art. 2.028 do Código Civil. Serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

• Novo CPC (material a parte)


Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos
processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo
aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
§1o As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao
procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-
se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código.

CLÁUSULAS DE TRANSIÇÃO – a insuficiência do binômio direito


adquirido/expectativa de direito
ESQUEMA (BARROSO, 2004, p. 151)
A) expectativa de direito: o fato aquisitivo teve início, mas não se completou: “A
expectativa não passa de uma esperança, como Merlin situou, de se adquirir um direito
caso venha a realizar-se um acontecimento futuro, que lhe dará efetividade. E a situação
em que se encontra uma pessoa, por exemplo, em relação à herança de um parente
próximo, tendo em vista o que dispõe a legislação vigente. Diante da circunstância da
época, não há que se falar ainda de direito sucessório, mas apenas expectativa que se
transformará em direito caso não haja alteração na ordem sucessória e o fato venha a se
consumar” (NADER, 2009, p. 253).
B) direito adquirido: o fato aquisitivo já se completou, mas o efeito jurídico previsto na
norma ainda não se produziu: Segundo Merlin, “direitos adquiridos são aqueles que
entraram em nosso domínio e, em consequência, formam parte dele e não podem ser
desfeitos...” (apud NADER, 2009, p. 253).
C) direito consumado: o fato aquisitivo já se completou e o efeito previsto na norma já
se produziu integralmente.

356
Em decorrência do princípio da segurança jurídica, Gilmar Mendes defende a adoção de
cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto
jurídico. Por várias vezes, ele denunciou “alguma pobreza nesse modelo binário: direito
adquirido/expectativa de direito”. Foi o que afirmou no seu pronunciamento na ADI 3104
que recebeu a seguinte ementa:

O CASO DA APOSENTADORIA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ART.


2º E EXPRESSÃO '8º' DO ART. 10, AMBOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.
41/2003. APOSENTADORIA. TEMPUS REGIT ACTUM. REGIME JURÍDICO.
DIREITO ADQUIRIDO: NÃO-OCORRÊNCIA. 1. A aposentadoria é direito
constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no
momento de sua formalização pela entidade competente. 2. Em questões previdenciárias,
aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a
inatividade. 3. Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos
na Emenda Constitucional 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas,
poderiam reclamar a aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da
Emenda Constitucional 41/2003. 4. Os servidores públicos, que não tinham completado
os requisitos para a aposentadoria quando do advento das novas normas constitucionais,
passaram a ser regidos pelo regime previdenciário estatuído na Emenda Constitucional n.
41/2003, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional n. 47/2005. 5. Ação Direta
de Inconstitucionalidade julgada improcedente – ADI 3104, Relatora: Min. CÁRMEN
LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 26/09/2007.

Ele acompanhou a Relatora, mas assinalou: “em se tratando da chamada não-existência


de direito adquirido a um dado regime jurídico, podemos ter abusos notórios. Em regime
de aposentadoria, é muito fácil imaginar. O indivíduo que esteja a inaugurar a sua vida
funcional, se se altera o regime jurídico, pouco se lhe dá. Isso não tem nenhum reflexo
em nenhum aspecto do seu patrimônio sequer afetivo. Outra é a situação para aquele que
está em fim de carreira e, eventualmente, esperando cumprir os últimos dias, quando se
dá a mudança do regime, eventualmente, acrescentando dez novos anos”.

Seu posicionamento jurisdicional é coerente com sua doutrina. Gilmar Mendes afirma:
“Assim, ainda que se não possa invocar a ideia de direito adquirido para a proteção das
chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido a um
instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o

357
princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas
ao longo do tempo” (MENDES, 2013, pp. 380).

RECONHECIMENTO DA FALIBILIDADE DO QUE SE TEM HOJE: “o evento pode


ser doloroso, mas não tem proteção contra a lei nova (é por isso que em casos de alterações
de leis desse tipo – aposentadoria adquirida por tempo de serviço – a boa técnica manda
que se coloque a lei nova em vigor somente após alguns anos ou que a lei nova assegure
certos direitos – proporcionais, por exemplo – para aqueles que ainda estavam na
expectativa” (NUNES, 2009, p. 244).

B) PRINCÍPIOS DA RETROATIVIDADE E DA IRRETROATIVIDADE

É o tema da aula

Usado na ausência de norma transitória

Norma Atinge os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império


Retroativa
(DINIZ, da revogada
2009, p. Não se aplica a qualquer situação jurídica constituída
Irretroativa
37) anteriormente

“A retroatividade das leis desmente a confiança que se teria de depositar no


ordenamento jurídico, sendo causadora direta de grave insegurança jurídica”
(TAVARES, 2012, p. 767)

DUAS DOUTRINAS PRINCIPAIS SOBRE O DIREITO TRANSITÓRIO

TEORIA SUBJETIVA (direito adquirido)

Idealizada pelo italiano Carlo Francesco Gabba, que ganhou a rubrica teoria
subjetiva

pretende diferenciar o direito adquirido, as expectativas de direito e as


faculdades jurídicas abstratas

358
usa o direito adquirido para estabelecer os limites para incidência da lei nova

Caio Mário da Silva Pereira: Gabba traça a "a distinção entre o direito
adquirido e as meras expectativas de direito, por um lado, e as faculdades jurídicas
abstratas, por outro lado", sustentando que as leis novas não podem atingir o direito
adquirido, embora, "ao revés, as leis que dizem respeito à existência dos direitos, à sua
não existência, ou ao seu modo de ser, têm aplicação retroativa, porque não afetam os
direitos adquiridos" (apud AZEVEDO, 2011)

Gabba. Teoria della Retroattività delle Leggi, 1868, p. 191: “É adquirido todo
direito que: A) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo
no qual o fato se realizou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado
antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, e que B) nos termos da lei sobre
o império da qual se verificou o fato de onde se origina, passou imediatamente a fazer
parte do patrimônio de quem o adquiriu” (apud, BARROSO, 2004, p. 150, nota nº 41).

A orientação de Gabba para os elementos caracterizadores

1) ter sido produzido por um fato idôneo para a sua produção

2) ter se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular

A retroatividade justa e a retroatividade injusta: “Quando, ao executar-se uma


lei nova qualquer, depara-se um direito adquirido que possa ser lesado, a lei não tem
applicação ao caso, porque a retroactividade seria injusta. Quando não se encontra direito
adquirido, applica-se a lei, mesmo retroactivamente, porque a retroactividade é justa”
(REYNALDO PORCHAT. Da retroactividade das leis civis, Duprat & Comp., São Paulo,
1909, p. 8 - citado pelo Ministro Eros Grau na ADI 3105, fl. 255 do acórdão).

TEORIA OBJETIVA (fato passado ou fato realizado)

"Em suma, a lei nova opera livremente sobre a situação em curso, com a única
condição de respeitar os elementos jurídicos anteriores que tenham um valor próprio em
suas condições de validade e nos efeitos que anteriormente produziram, pouco
importando que se trate de elementos propriamente constitutivos ou de elementos que
criam obstáculos à constituição, desde que esteja em curso.

359
Pode haver, porém, dificuldade em definir em que caso um elemento dessa
constituição tem valor jurídico próprio. Suponhamos que se trate do prazo de prescrição
e que a lei nova se proponha modificá-lo. Certos autores estimaram que para fixar
exatamente o domínio da lei antiga e o da lei nova, devia fazer-se um cálculo de proporção
dos dois prazos; a lei antiga exigia vinte anos e a lei nova limita o prazo a dez anos; àquele
que já houvesse prescrito quatorze anos seriam contados sete nas condições da nova lei,
que reduziu o prazo de metade.
Esta opinião nos parece insustentável, porque tende a considerar que o prazo
consumado sob a antiga lei, ainda que insuficiente para prescrever segundo esta lei, já
tinha um valor jurídico próprio, que a lei nova deveria respeitar; ora, há nisso um êrro,
porque a prescrição, se houvesse deixado de correr aos quatorze anos, sob o império da
lei anterior, não teria mais valor do que se tivesse sido suspensa no primeiro ano. Na
duração do prazo, só há um momento que conta do ponto de vista do direito, é o da sua
terminação; logo, enquanto não terminado, a lei nova pode modificá-lo à vontade..." (Paul
Roubier, in Les Conflits de Lois Dans Le Temps (Théorie Dite De La Non-Rétroactivité
Des Lois), Recueil Sirey, Paris, 1929, t. 1º, pp. 390/1) - Retirado do RE 656125, Relator:
Min. LUIZ FUX, julgado em 18/03/2013.

A segunda teoria (objetiva), de Roubier, opõe-se à teorização em torno do


direito adquirido.

prefere discorrer sobre as situações jurídicas

traça uma distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei

A lei é retroativa quando tiver que ser aplicada ao passado.

A lei é de efeito imediato quando tiver de ser aplicada ao presente.

Para descobrir qual dos efeitos que uma lei tem em relação a um fato, esse
deve ser classificado em:

• fato passado (facta praeterita),

• fato pendente ou situação em curso (facta pendentia),

• ou fato futuro (facta futura).

360
E ainda, nas situações pendentes, diferencia as partes anteriores e as partes
posteriores à nova lei.

com isso, pode a nova lei ser aplicada às situações em curso posteriores a
nova lei, o que não seria retroatividade, mas sim aplicação imediata.

A lei seria retroativa se se aplicasse aos fatos passados e, em relação às


situações em curso, é necessário distinguir as partes anteriores à lei nova e as posteriores,
pois aquelas seriam atingidas com retroatividade e estas apenas com efeito imediato
(ROUBIER, Paul. Le droit transitoire. Paris: Dalloz/Sirey, 1960. p. 177). O efeito
imediato para Roubier constitui o efeito comum das leis que deveriam apenas se aplicar
aos fatos posteriores à sua vigência e o efeito retroativo, excepcional, em virtude da
vedação prescrita pelo art. 2.º do Código Civil francês" (BIZARRIA, 2008).

PLANIOL: "(...) a lei é retroativa quando ela se volta para o passado, seja
para apreciar as 'condições de legalidade de um ato', seja para modificar ou suprimir os
'efeitos de um direito já realizado'. Fora daí, não há retroatividade, e a lei pode modificar
os 'efeitos futuros' de fatos ou atos anteriores, sem ser retroativa" ("(...) la loi est
rétroactive quand elle revient sur le passe soit pour aprécier lês 'conditions de légalité
d'um acte', soit pour modifier ou supprimer lês 'effets d'un droit déjà réalisés'. Hors de là
il n'y a pás de rétroactivité, et la loi peut modifier lês 'effets futurs' de faits ou d'actes
mêmes antérieurs, sans êtres rétroactive"). ("Traité Élémentaire de Droit Civil", vol. I, 4ª
ed., nº 243, Paris, Libraire Générale de Droit & de Jurisprudence, 1906, p. 95).

RUBENS LIMONGI FRANÇA diferenciando os efeitos retroativo e


imediato das leis: "Conforme já se examinou em outra parte, segundo o mestre francês,
'a base fundamental da ciência do conflito das leis, no tempo, é a distinção entre efeito
retroativo e efeito imediato', acrescentando, a seguir, que o primeiro 'é a aplicação no
passado' e outro 'aplicação no presente'. A questão coloca-se sobretudo à face dos 'facta
pendentia', pois com relação aos 'facta praeterita' sempre haveria retroatividade, ao passo
que relativamente aos 'facta futura' não há retroatividade possível. Ora, quanto aos
primeiros,'é preciso estabelecer uma separação entre as partes anteriores à data da
mudança da legislação, que não poderia ser atingida sem retroatividade, e as partes
posteriores, em relação às quais a lei nova, se se lhes deve aplicar, não terá senão um
efeito imediato'. Portanto, quando o Legislador declara que a lei em vigor 'terá efeito

361
imediato', com isso determina que a lei nova, em princípio, se aplica tanto aos 'facta
futura', como ás 'partes posteriores' dos 'facta pendentia'." (in "A Irretroatividade das Leis
e o Direito Adquirido", 6ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, p. 209).

ROUBIER: "Se a lei pretende aplicar-se aos fatos realizados ('facta


praeterita'), é ela retroativa, se pretende aplicar-se a situações em curso ('facta pendentia'),
convirá estabelecer uma separação entre as partes anteriores à data da modificação da
legislação, que não poderão ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, para
as quais a lei nova, se ela deve aplicar-se, não terá senão efeito imediato; enfim, diante
dos fatos a ocorrer ('facta futura'), é claro que a lei não pode jamais ser retroativa" ("Si la
loi prétend s'appliquer à des faits accomplis ('facta praeterita'), elle est rétroactive; si elle
prétend s'appliquer à des situations em cours ('facta pendentia'), il faudra établir une
séparation entre les parties antérieures à la date du changement de législation, qui ne
pourraient être atteintes sans rétroactivité, et lês partis postérieures, pour lesquelles la loi
nouvelle, si elle doit s'appliquer, n'aura jamais qu'um effet imédiat; enfin, vis-à-vis des
faits à venir ('facta futura'), il est clair que la loi ne peut jamais être rétroactive')." ("Lê
Droit Transitoire – Conflits des Lois dans le Temps", 2ª ed., nº 38, Éditions Dalloz et
Sirey, 1960, p. 177)

o próprio Roubier propõe uma ressalva à sua teoria no caso dos contratos:
eles devem ser regidos pela lei que vigorava quando da sua constituição, salvo se a nova
lei afirmar expressamente a sua aplicação, ou quando a nova lei for de ordem pública.

RESUMO DAS DUAS TEORIAS: "a doutrina dos direitos adquiridos e


doutrina do facto passado. Resumidamente, para a primeira doutrina seria retroactiva toda
a lei que violasse direitos já constitutídos (adquiridos); para a segunda seria retroactiva
toda lei que se aplicasse a factos passados antes de seu início de vigência. Para a primeira
a Lei nova deveria respeitar os direitos adquiridos, sob pena de retroatividade; para a
segunda a lei nova não se aplicaria (sob pena de retroatividade) a fatos passados e aos
seus efeitos (só se aplicaria a factos futuros)" (Machado, João Baptista. Introdução ao
Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1983, p. 232.

APLICAÇÃO DA TEORIA PELA JURISPRUDÊNCIA: Com a entrada


em vigor da Lei n. 12.760/12, aplicam-se imediatamente todos os seus dispositivos de
matéria processual, em observância ao princípio do efeito imediato, expressamente

362
previsto no art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, nos termos de
sua redação atual, de 1942, que adotou a solução híbrida, na qual são mescladas as teorias
de Paul Roubier e de Gabba. Vem ainda expressa no art. 2º do CPP36, ademais, a
aplicabilidade imediata. Assim ocorre com a produção de prova que, neste caso, pode ser
produzida por meio de “teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova
testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos”. O exame clínico, ainda que
realizado antes do advento da referida lei, deverá ser, assim, considerado para a
averiguação da tipicidade e materialidade do delito de embriaguez ao volante” (TJ-SP -
Recurso em Sentido Estrito: RSE 00582043820108260050 SP 0058204-
38.2010.8.26.0050 - Orgão Julgador 7ª Câmara de Direito Criminal -
Publicação23/09/2013 - Julgamento19 de Setembro de 2013 - Relator: Grassi Neto).

GRAUS DE RETROATIVIDADE

ARNOLD WALD: "A doutrina fez uma distinção fecunda entre a


retroatividade máxima, que alcança o direito adquirido e afeta negócios jurídicos findos;
a retroatividade média, que alcança direitos já existentes, mas ainda não integrados no
patrimônio do titular e a retroatividade mínima, que se confunde com o efeito imediato
da lei e só implica sujeitar à lei nova consequências a ela posteriores de atos jurídicos
praticados na vigência da lei anterior." (in "Curso de Direito Civil Brasileiro", 5ª ed., vol.
I, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,1987, p. 82).

Exemplo de Fábio de Oliveira Azevedo: Duas pessoas firmam um contrato (ato jurídico perfeito)
prevendo multa de 10%. O contrato foi assinado em 1991 com base no CDC (art. 52 §1º). O
dispositivo é alterado posteriormente pela Lei nº 9.268/96, sendo o percentual reduzido para 2%.
A pergunta de direito intertemporal é: qual a norma que incidirá em um atraso ocorrido hoje? Do
contrato? Da lei?
retroatividade máxima (restitutória)
quando a lei nova abrange a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados
(transação, pagamento, prescrição)

36 CPP- art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a
vigência da lei anterior.

363
alcança o direito adquirido e afeta os negócios jurídicos findos
A retroatividade operava radicalmente no passado, até a data referida, refazendo mesmo as
partilhas definitivamente julgadas.
alcança os fatos consumados no passado
A) Tal é a decretal de Alexandre III que, em ódio à usura, mandou os credores restituírem os juros
recebidos (PEIXOTO, 1948).
B) À mesma categoria pertence a citada lei francesa de 2 de Novembro de 1793 (12 brumário do
ano II), na parte em que anulou e mandou refazer as partilhas já julgadas, para os filhos naturais
serem admitidos à herança dos pais, desde 14 de Julho de 1789 (PEIXOTO, 1948).
C) A carta de 10 de Novembro de 1937, art. 95, parágrafo único, hoje felizmente revogado, previa
a aplicação da retroatividade máxima, porquanto dava ao Parlamento a atribuição de rever decisões
judiciais, sem excetuar as passadas em julgado, que declarassem inconstitucional uma lei
(PEIXOTO, 1948)
PARA O CASO: O atraso ocorreu em 1995 e a prestação foi paga com a multa prevista no contrato
(10%)
Caso o devedor pretenda receber de volta a diferença de 8% com base na redução promovida pela
nova lei, estará buscando uma retroatividade em grau máximo.

retroatividade média
quando a lei nova atinge os direitos exigíveis, mas não realizados antes da sua vigência
quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico verificados antes dela
alcança os direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio do titular
não alcança os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas
Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de juros e se aplicasse aos já vencidos, mas não pagos.
o decreto n. 22.626, de 7 de Abril de 1933 (lei da usura), o qual limitou a taxa de juros e se aplicou
aos contratos existentes, inclusive os ajuizados (PEIXOTO, 1948)
Atraso ocorrido em 1995, mas o pagamento ainda não foi feito. Só em 1996, quando já esta em
Vigor a lei nova, e que resolve o devedor pagar a sua dívida.
Como o atraso é fato anterior e o pagamento é evento posterior.
Aplicar a lei nova (2%) e não a do contrato (10%) implica em retroagir em grau médio

retroatividade mínima (temperada ou mitigada):

364
vigência imediata da lei alcançando os efeitos futuros de fatos passados
quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela
entra em vigor
a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em
vigor
confunde com o efeito imediato da lei e só implica sujeitar à lei novas consequências a ela
posteriores de atos jurídicos praticados na vigência da lei anterior
Tal é, no direito romano, a lei de Justiniano (C. 4, 32 27 pr.), que, corroborando disposições
legislativas anteriores, reduziu a taxa dos juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade
(PEIXOTO, 1948)
em 2008 ocorre o atraso no pagamento.
Se for aplicado o percentual de 2% para esse atraso posterior à lei nova haverá uma retroatividade
em grau mínimo.

• Fábio de Oliveira Azevedo explica o seu próprio exemplo


• Há um ponto em comum entre os graus de retroatividade máxima e média: Nos
dois casos, a lei nova está sendo aplicada a um fato (atraso ocorrido em 1995) que
é anterior à sua vigência, e por isso é incontroversa a impossibilidade de aplicação
desses graus de retroatividade.
• na retroatividade mínima, a lei nova está sendo aplicada a um fato posterior à sua
vigência.
• muitos autores não enxergam retroatividade neste último exemplo, mas uma
simples aplicação imediata da nova lei.
• Sobre a retroatividade mínima, há dois posicionamentos doutrinários

• POSICIONAMENTOS
PRIMEIRO
• Acompanham a teoria objetiva de Roubier: é o entendimento majoritário entre os
civilistas: "afirma que a retroatividade mínima é compatível com o sistema
brasileiro, por representar, em sentido técnico, não uma retroatividade, mas uma
aplicação imediata da lei nova aos fatos posteriores à sua vigência, só havendo

365
retroatividade quando a aplicação incidir nos acontecimentos anteriores"
(AZEVEDO, 2011, p. 74)
• “…de há muito afastou-se o ordenamento brasileiro da influência da Carlo
Francesco Gabba. Omissa que fora a Constituição de 1937 quanto a garantir a
irretroatividade − muito ao contrário, anulando a em certos casos (cf. art. 96,
parágrafo único),− a Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei 4.657/42,
consagrava a doutrina vinda a lume em 1890 na “Teoria della Retroattività delle
Leggi”. O art. 6.º dispunha que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral” e,
ainda, que “não atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as
situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico
perfeito.” Consagrou-se aqui, como regra geral, a impossibilidade de
retroatividade em qualquer grau. Todavia, o dispositivo foi alterado pela Lei
3.238/57, a qual, introduzindo os três parágrafos, deu ao caput dicção no sentido
de que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” É o mesmo que dizer, como
disseram as Constituições Federais de 1946 (art. 141, §3.º), de 1967 (art. 150, §3.º)
e de 1969 (art. 153, §3.º), e como diz a atual (art. 5.º, XXXVI): “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” Há uma
diferença fundamental, sutil na forma, mas retumbante no conteúdo, porque isso
não é o mesmo do que dispor que ela “não atingirá (...) as situações jurídicas
definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito” Noutras
palavras, inclinou-se o direito brasileiro pela doutrina bem mais recente de Paul
Roubier: quando não se tratar de lei supressiva de direitos, mas modificativa de
institutos, a execução do ato jurídico perfeito pode, sim, sofrer a atuação da lei
posterior. A questão é, afastada a retroatividade máxima, optar por uma que seja
média ou mínima. A jurisprudência volta-se como mais frequência para esta
última” (TJ-RJ - AI: 58334820108190000 RJ 0005833-48.2010.8.19.0000,
Relator: DES. FERNANDO FOCH LEMOS, Data de Julgamento: 11/02/2010,
TERCEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 19/02/2010) – ATENÇÃO:
ver o posicionamento do STF na ADI 493 abaixo.
• José Maria Leoni: "além disso, entendemos que no caso de retroatividade em grau
mínimo, não lemos retroatividade propriamente dita. Realmente, neste caso a lei
nova se aplica às relações jurídicas construídas anteriormente à sua vigência,

366
limitando-se aos efeitos que se produzirem após a sua vigência; na verdade o
fenômeno que ocorre é o da aplicação imediata da lei nova..." - "o que é vedado é
que a lei nova atinja efeitos já constituídos e acabados sob a vigência da lei
anterior" - J.M. Leoni Lopes de Oliveira. Introdução ao Direito, p. 300).
• Sobre a alteração do regime de bens de casamento celebrado sob a égide do
CC/16:" A interpretação conjugada dos arts. 1.639, §2º, 2.035 e 2.039, do CC/02,
admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde
que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos
cônjuges para tal pedido. Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime
anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia,
serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa
o CC/02 a reger a nova relação do casal. Por isso, não há se falar em retroatividade
da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma
geral com efeitos imediatos" (REsp 821.807/PR, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 13/11/2006, p.
261).
• IMPORTANTE: Voto do Ministro Humberto Gomes de Barros no REsp 809329
/ RJ: "No caso, a aplicação imediata do Estatuto do Idoso atingiria o ato jurídico
perfeito, porque o contrato de cobertura de assistência médica e hospitalar já se
havia consumado segundo a lei vigente ao tempo da pactuação. Seria, em
substância, uma incidência retroativa. Inclusive os efeitos futuros do pacto estão
a salvo das disposições impositivas do Estatuto do Idoso, pois a chamada
‘retroatividade mínima’, que decorre da aplicação imediata das leis, prejudica o
ato jurídico perfeito ao tangenciar efeitos futuros advindos de contratação
consumada segundo a vigência de outra lei" - REsp 809329/RJ, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008.
• ENTRETANTO: “Incidência do Estatuto do Idoso aos contratos anteriores à sua
vigência. O direito à vida, à dignidade e ao bem-estar das pessoas idosas encontra
especial proteção na Constituição da República de 1988 (artigo 230), tendo
culminado na edição do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), norma cogente
(imperativa e de ordem pública), cujo interesse social subjacente exige sua
aplicação imediata sobre todas as relações jurídicas de trato sucessivo, a exemplo

367
do plano de assistência à saúde. Precedente" (REsp 1280211/SP, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 04/09/2014).

O CASO DAS COTAS CONDOMINIAIS EM ATRASO.


• Para o STJ, os encargos de inadimplência referentes às despesas condominiais
devem ser reguladas pela Lei 4.591/64 até 10 de janeiro de 2003 e, a partir dessa
data, pelo Código Civil/02.
• ART. 12, §3º, DA LEI N. 4.591/64: O condômino que não pagar a sua
contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1%
ao mês, e multa de até 20% sôbre o débito, que será atualizado, se o estipular a
Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo
Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior
a seis meses.
• Art. 1336, §1º, do Código Civil de 2002: O condômino que não pagar a sua
contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo
previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
• "A partir da entrada em vigor do Novo Código Civil, por força do disposto em seu
art. 1.336, a multa moratória por atraso sobre parcelas condominiais vencidas deve
vir à ordem de 2% sobre o valor em atraso" (AgRg no AREsp 599.528/SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/11/2014, DJe 02/12/2014).
• "Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, incide multa moratória de 2%
sobre os débitos condominiais vencidos após a entrada em vigor do Código
Civil/02, conforme disposto nos seus arts. 1.336, I, § 1º, e 2.035" (AgRg no Ag
1073441/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,
julgado em 20/11/2014, DJe 04/12/2014).
• "A multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite
legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, parágrafo 3º, da Lei n.
4.591/64, vale para as prestações vencidas na vigência do diploma que lhe dava
respaldo, sofrendo automática modificação, no entanto, a partir da revogação
daquele teto pelo art. 1.336, parágrafo 1º, em relação às cotas vencidas sob a égide

368
do Código Civil atual" (REsp 746.589/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 18/09/2006, p. 327).
• Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Multa moratória. Direito
intertemporal. A norma que prevê o teto de 2% a título de multa por atraso no
pagamento das despesas condominiais incide nas obrigações vencidas a partir de
12.1.2003, data da entrada em vigor do CC (v. coment. CC 2044). Dívidas que se
venceram antes dessa data estão sujeitas ao sistema anterior, que previa a
possibilidade de a convenção condominial estabelecer multa moratória de até 20%
(LCI 12 §3.º). As novas regras sobre multa moratória (teto de 2%), por serem de
ordem pública, são limitadoras da autonomia privada, de sorte que incidem não
apenas para os condomínios criados a partir da vigência do CC (12.1.2003), mas
para todos os casos, inclusive para os condomínios instituídos antes de 12.1.2003
(ultratividade da lei nova)” (NERY Junior, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014).

SEGUNDO
• Compreensão do STF – O Supremo rejeita a retroatividade em grau mínimo se
a aplicação da lei nova a fatos posteriores violar a sua causa, isto é: ato jurídico
perfeito, direito adquirido ou a coisa julgada anterior.
• Para o Ministro Moreira Alves, domina, na nossa tradição, a teoria subjetiva do
direito adquirido: “Por fim, há de salientar-se que as nossas Constituições, a partir
de 1934, e com exceção de 1937, adotaram desenganadamente, em matéria de
direito intertemporal, a teoria subjetiva dos direitos adquiridos e não a teoria
objetiva da situação jurídica, que é a teoria de ROUBIER. Por isso mesmo, a Lei
de Introdução ao Código Civil, de 1942, tendo em vista que a Constituição de
1937 não continha preceito da vedação da aplicação da lei nova em prejuízo do
direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, modificando a
anterior promulgada com o Código Civil, seguiu em parte a teoria de ROUBIER,
e admitiu que a lei nova, desde que expressa nesse sentido, pudesse retroagir. Com
efeito, o artigo 6º rezava: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá,
entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas
definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito". Com o retorno,
na Constituição de 1946, do princípio da irretroatividade no tocante ao direito
369
adquirido, o texto da nova Lei de Introdução se tornou parcialmente incompatível
com ela, razão por que a Lei nº 3.238/57 o alterou para reintroduzir nesse artigo
6º a regra tradicional em nosso direito de que ‘a lei em vigor terá efeito imediato
e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada’.
Como as soluções, em matéria de direito intertemporal, nem sempre são
coincidentes, conforme a teoria adotada, e não sendo, a que ora está vigente em
nosso sistema jurídico a teoria objetiva de ROUBIER, é preciso ter cuidado com
a utilização indiscriminada dos critérios por estes usados para resolver as
diferentes questões de direito intertemporal" (ADI 493, Relator Ministro Moreira
Alves, p. 724 (750).
• A resposta do STJ quanto à multa é prevista no enunciado da Súmula nº 285:
"Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide
a multa moratória nele prevista" - data do Julgamento: 28/04/2004.
• O enunciado é utilizado até hoje: "...o único encargo discutido nos presentes autos
foi a multa moratória (fl. 522), a qual foi reduzida de 10% para 2%. A partir do
advento da Lei 9.298, de 1º.8.1996, que no particular alterou o CDC, contudo, tal
possibilidade somente alcança os contratos celebrados após sua vigência,
conforme orientação contida no enunciado 285 da Súmula do STJ. Na espécie, o
pacto é anterior à entrada em vigor da citada legislação (fl. 2), datando de
22.2.1996, devendo ser mantida a convenção específica" (Decisão da Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 31.10.2014).
• Roberto Senise Lisboa: "A lei nova não incide sobre o negócio jurídico celebrado
anteriormente à sua entrada em vigor, nem alcança os seus efeitos futuros, pois o
ordenamento não prevê a retroatividade mínima da lei nova, isto é, não se admite
que esta venha a alcançar a causa pela qual se deu o fato no passado. Exemplo: a
lei nova não atinge o contrato celebrado sob o império da lei velha, porque ele é
ato jurídico perfeito" – LISBOA, Roberto Senise. Manual de direto civil. 5ª. ed.
reform. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1, p. 120.
• Para Fábio de Oliveira Azevedo este seria o posicionamento que nos parece
compatível com o sistema adotado pelo legislador constituinte originário: "parece
falsa a afirmação de que a aplicação da lei nova imediatamente não implica em
retroatividade, pois, no exemplo que examinamos, só está o devedor vinculado ao
pagamento da sua prestação, com a conseqüente aplicação da "multa", porque o
370
contrato que assinou assim estabelece. Aplicar o percentual da lei nova de 2% ao
atraso ocorrido posteriormente à sua vigência, realmente faz incidir a lei nova
(eficácia imediata) a um acontecimento posterior a ela (atraso). Mas só até aqui
podemos concordar com essa posição dominante. Ao aplicar esse percentual ao
atraso futuro, atinge-se indiretamente a causa para esse pagamento, que é um
acontecimento ocorrido anteriormente à mora (o contrato e a sua cláusula penal).
Daí haver retroatividade" (AZEVEDO, 2011, p, 75)
• OBS: Maria Helena Diniz: “A Lei de Introdução adotou o critério de Roubier ao
prescrever que a lei em vigor terá efeito imediato geral atingindo os fatos futuros
(facta futura), não abrangendo os fatos pretéritos (facta praeterita). Em relação
aos facta pendentia, nas partes anteriores à data da mudança da lei não haveria
retroatividade; nas posteriores a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato. Nos
contratos em curso há uma zona intermediária, em que são excluídos os efeitos
imediatos e retroativos. Os contratos em curso, como os de execução continuada,
apanhados por uma lei nova, são regidos pela lei sob cuja vigência foram
estabelecidos (tempus regit actum), embora tenham havido julgados entendendo
constitucionais normas de emergência, em matéria de locação, atingindo contratos
feitos anteriormente” (DINIZ, 2010, p. 210 – grifei).

DUAS QUESTÕES IMPORTANTES ANTES DE TRATAR DOS CONCEITOS


EM SI

I - A ADOÇÃO DO CONCEITO TRÍPLICE

Existem doutrinadores que entendem ser suficiente a referência ao direito


adquirido – o ato jurídico perfeito e a coisa julgada estariam inseridas nele.

Por exemplo

Clóvis BEVILÁQUA, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pp. 26/27: “Em
rigor, tudo se reduz ao respeito assegurado aos direitos adquiridos; mas, como no ato
jurídico perfeito e na coisa julgada se apresentam momentos distintos, aspectos
particulares do direito adquirido, foi de vantagem, para esclarecimento da doutrina, que

371
se destacassem esses casos particulares e deles se desse a justa noção” (apud,
BARROSO, 2004, p. 155, nota nº 57 - grifei).

“o ‘ato jurídico perfeito’ e a ‘coisa julgada’ são, a rigor, dois casos especiais
de ‘direitos adquiridos’; e, por isso, são geralmente estudados pela doutrina sob essa
denominação” (MONTORO, 2014, p. 449).

Para André Ramos Tavares “o direito adquirido é uma decorrência da


preservação do ato jurídico perfeito” (TAVARES, 2012, p. 769)

“A coisa julgada é, em certo sentido, um ato jurídico perfeito; assim já estaria


contemplada na proteção deste, mas o constituinte a destacou como um instituto de
enorme relevância na teoria da segurança jurídica” (SILVA, 2004, p. 22).

Entretanto:

A tripartição conceitual possui vantagens (MENDES, 2013, p. 355)

A referência tríplice possui objetivo didático e simplificador (BARROSO,


2004, p. 155):

Dadas situações jurídicas que produzem efeitos no futuro, eventualmente no


regime de nova lei, a referência ao ato jurídico perfeito permite definir o fato com maior
clareza

Exs: capacidade para a prática de ato jurídico – forma adotada para a prática
de determinados atos: exigência de escritura pública para elaborar testamento.

II - COMPETÊNCIA (?)

NO STJ: "É pacífica a orientação do STJ no sentido de que os princípios


contidos na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) - direito adquirido, ato jurídico
perfeito e coisa julgada -, apesar de previstos em norma infraconstitucional, não podem
ser analisados em Recurso Especial, pois são institutos de natureza eminentemente
constitucional" (AgRg no AREsp 189.013/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe
27/8/2012).

372
NO STF:

A) "...a questão referente ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa


julgada encontram proteção em dois níveis: em nível infraconstitucional, na LICC, art.
6º, e em nível constitucional, art. 5º, XXXVI, C.F. Todavia, o conceito de tais institutos
não se encontra na Constituição, art. 5º, XXXVI, mas na LICC, art. 6º da LICC. Assim,
a decisão que dá pela ocorrência, ou não, no caso concreto, de tais institutos, situa-se no
contencioso de direito comum, que não autoriza a admissão do recurso extraordinário. No
mesmo sentido: AI 135.632-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello; AAII 437.139-AgR/RJ,
418.766-AgR/GO e 430.042-AgR/SP, esses últimos de minha relatoria" (AR 1882,
Relator: Min. CELSO DE MELLO, julgado em 31/10/2014).

B) "...este Supremo Tribunal assentou que a alegação de contrariedade ao art.


5º, inc. XXXVI, da Constituição da República, se dependente do exame da legislação
infraconstitucional (no caso, Código de Defesa do Consumidor, Código de Processo Civil
e Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), poderia configurar, se fosse o caso,
ofensa constitucional indireta..." (ARE 800453, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA,
julgado em 15/04/2014).

ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO NO NOVO CPC:


Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial
versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que
o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão
constitucional.
Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o
recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá
devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à
Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da
interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça
para julgamento como recurso especial.

373
III - IRRELEVÂNCIA DA NOÇÃO DE LEI DE ORDEM PÚBLICA

Considerando a diferença constitucional do direito adquirido, não é possível


acionar uma “regra de ordem pública” para excepcionar o instituto

“Qualquer que seja a lei, seja qual for o adjetivo que se lhe vier a agregar,
está obrigada a respeitar essas garantias, mesmo porque nenhum sentido haveria em
admitir-se que a lei, conferindo a si própria determinada qualificação, pudesse afastar a
garantia constitucional” (BARROSO, 2004, p. 147)

“...a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um motivo de


ordem pública não basta para justificar a ofensa a direito adquirido cuja inviolabilidade,
no dizer de Gabba, é também um forte motivo de interesse público” (Reynaldo Porchat,
apud MENDES, 2013, p. 353).

Caio Mário da Silva Pereira: “costuma-se dizer que as leis de ordem pública
retroagem. Há uma distorção de princípio nesta afirmativa. Quando a regra da não-
retroatividade é de mera política legislativa, sem fundamento constitucional, o legislador,
que tem o poder de votar leis retroativas, não encontra limites ultralegais à sua ação, e,
portanto, tem a liberdade de estatuir efeito retrooperante para a norma de ordem pública,
sob o fundamento de que esta se sobrepõe ao interesse individual, Mas, quando o
princípio da não-retroatividade é dirigido ao próprio legislador, marcando os confins da
atividade legislativa, é atentatória da Constituição a lei que venha ferir direitos adquiridos,
ainda que sob inspiração da ordem pública, A tese contrária encontra-se defendida por
escritores franceses ou italianos, precisamente porque, naqueles sistemas jurídicos, o
princípio da irretroatividade é dirigido ao juiz e não ao legislador” (apud AZEVEDO,
2011, p. 75).

Reynaldo Porchat: "Uma das doutrinas mais generalizadas e que de longo


tempo vem conquistando foros de verdade, é a que sustenta que são retroativas as "leis de
ordem pública" ou as "leis de direito público". Esse critério é, porém, inteiramente falso,
tendo sido causa das maiores confusões na solução das questões de retroatividade. Antes
de tudo, cumpre ponderar que é dificílimo discriminar nitidamente aquilo que é de ordem
pública e aquilo que é de ordem privada. No parágrafo referente ao estudo do direito

374
público e do direito privado, já salientamos essa dificuldade, recordando o aforisma de
Bacon "jus privatum sub tutela juris publici latet". O interesse público e o interesse
privado se entrelaçam de tal forma, que as mais das vezes não é possível separá-los. E
seria altamente perigoso proclamar como verdade que as leis de ordem pública ou de
direito público têm efeito retroativo, porque mesmo diante dessas leis aparecem algumas
vezes direitos adquiridos, que a justiça não permite que sejam desconhecidos e apagados.
O que convém ao aplicador de uma nova lei de ordem pública ou de direito público, é
verificar se, nas relações jurídicas já existentes, há ou não direitos adquiridos. No caso
afirmativo a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um motivo de ordem
pública não basta para justificar a ofensa ao direito adquirido, cuja inviolabilidade, no
dizer de Gabba, também um forte motivo de interesse público" (Porchat, Reynaldo. Curso
Elementar de Direito Romano, valo I, 2 a ed., nº 528, São Paulo: Melhoramentos, São
Paulo, 1937, págs. 338/339).

Pontes de Miranda: "A regra jurídica de garantia é, todavia, comum ao direito


privado e ao direito público. Quer se trate de direito público, quer se trate de direito
privado, a lei nova não pode ter efeitos retroativos (critério objetivo), nem ferir direitos
adquiridos (critério subjetivo), conforme seja o sistema adotado pelo legislador
constituinte. Se não existe regra jurídica constitucional de garantia, e sim, tão-só, regra
dirigida aos juízes, só a cláusula de exclusão pode conferir efeitos retroativos, ou
ofensivos dos direitos adquiridos, a qualquer lei" (Pontes de Miranda. Comentários à
Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, Tomo V, 2ª ed., 2ª tiragem, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1974, pág. 99).

“O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e


qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei
de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva” – ADI 493, Relator:
Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/1992.
Daí concluir Moreira Alves que o princípio do direito adquirido ‘se aplica
a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito
público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva’ (ADI
493).
Nesse sentido é o voto por ele proferido na Representação de
Inconstitucionalidade nº 1.451, verbis: "Aliás, no Brasil, sendo o princípio do respeito

375
ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza
constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não
tem sentido a afirmação de muitos - apegados ao direito de países em que o preceito é
de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato
alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, e isso porque,
se se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causar O que
é vedado constitucionalmente" – voto do Ministro Eros Grau na ADI 3105 – fls.
301/303.

DIREITO ADQUIRIDO

CONCEITO

• “A doutrina ainda não fixou com precisão o conceito de direito adquirido”


(SILVA, 2008, p. 434);

• “É de difícil concretização a noção de direito adquirido” (TAVARES, 2012, p.


769)

• “Não obstante as definições legais, os conceitos envolvem dificuldades


interpretativas que a dogmática enfrenta em face da decidibilidade de conflitos.
Por exemplo (...) se um trabalhador, quite com suas obrigações previdenciárias,
solicita sua aposentadoria por tempo de serviço e, nesse interregno entre o ato
de concessão e o pedido, sobrevém uma nova lei que altera o tempo de 30 para
35 anos ou que acaba com este tipo de aposentadoria, teria ele já um direito
adquirido? Se a resposta for afirmativa no sentido de que ele já tinha preenchido
o requisito da lei antiga (30 anos), qual a diferença em face do trabalhador para
o qual faltava apenas um dia para cumprir o requisito? Teríamos nesse caso mera
expectativa de direito que não estaria protegida pelo princípio do direito
adquirido?” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, 2012, p. 217).

• “Direito adquirido, como o nome sugere, é o que já se incorporou definitivamente


ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito de direito. Em outros termos, o
direito torna-se adquirido por consequência concreta e direta da norma jurídica

376
ou pela ocorrência, em conexão com a imputação normativa, de fato idôneo, que
gera a incorporação ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito” (NUNES,
2009, pp. 242/243)

Direito adquirido é (RE 226855 – voto em preliminar):


- o que se adquire em virtude da incidência de normas existentes no tempo em
que ocorreu o fato;
- a norma dá nascimento ao direito adquirido em favor de alguém;
- só tem relevo quando aplicado em relação jurídica em que se discute direito
intertemporal;
- impede que a lei nova prejudique direito que se conseguiu com base em direito
anterior.

• Rubens Limongi França: o direito adquirido "é a consequência de uma lei, por via
direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a
integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da
vigência da lei nova sobre o mesmo objeto" (França, Rubens Limongi. A
Irretroatividade das leis e o direito adquirido. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1982, p. 208).

• José Afonso da Silva: "Para compreendermos melhor o que seja direito adquirido,
cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito
exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu
exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito
é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada
(direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o
fundamentava ... Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova,
transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à
vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando
lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato do titular não o ter
exercido antes" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 6.ª ed., 2.ª tir., São
Paulo: RT, 1990, p. 374).

377
• Luiz Alberto Gurgel de Faria: "Em resumo, direito adquirido é aquele que, já
integrante do patrimônio de seu titular, pode ser exercido a qualquer momento,
não podendo lei posterior, que tenha disciplinado a matéria de modo diferente,
causar-lhe prejuízo" (FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. O direito adquirido e as
emendas constitucionais. Revista de direito do trabalho. v. 31, n. 117, p. 137-148,
jan./mar. 2005)

• Não se pode olvidar que o legislador também cuidou da questão, no § 2.º, art. 6.º,
da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro37: "Consideram-se
adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

PORCHAT, Reynado. Da retroactividade das Leis Civis, 190938, p. 32:


“Direitos adquiridos são conseqüências de factos jurídicos passados, mas consequencias
ainda não realisadas, que ainda não se tornaram de todo effectivas. Direito adquirido é,
pois, todo o direito fundado sobre um facto juridico que já succedeu, mas que ainda não
foi feito valer” (apud, BARROSO, 2004, p. 150, nota nº 41).

Algo que já se incorporou ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito de


direitos sob o império de uma lei

Cria-se uma situação jurídica subjetiva – um direito subjetivo.

DIREITO SUBJETIVO
“...direito exercitável segundo a vontade de seu titular e exigível na via jurisdicional quando seu
exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente... Se o direito subjetivo
não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito
exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser
exercido quando conviesse ao seu titular. A lei nova (incluindo-se emendas constitucionais) não
pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes” (SILVA, 2008, p. 21).

37
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.
38
Note a data da obra para compreender as normas gramaticais da época, pois a transcrição é
original.

378
Se a lei revogada produziu efeitos em favor de um sujeito, diz-se que ela criou
uma situação jurídica subjetiva

É garantido jurisdicionalmente
É um direito exigível na via jurisdicional
DIREITO
Recebe proteção direta
SUBJETIVO
O “titular fica dotado do poder de exigir uma prestação positiva ou negativa”
(SILVA, 2008, p. 433)

Se o direito subjetivo não foi exercido, ele se transforma em direito adquirido


após a lei nova, pois

a) era direito exercitável e exigido à vontade do titular


b) incorporou-se ao patrimônio do titular, para ser exercido quando convier

IMPORTANTE: “...o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem
alterar as bases normativas sob as quais foi constituído” (SILVA, 2008, p. 435).

Em resumo: uma vez adquirido o direito, não pode ser atingido pela norma
nova;

EXEMPLO: Confira o conteúdo do art. 2º da Resolução Administrativa nº 1.046/2005


do Tribunal Superior do Trabalho, que deu nova redação à Resolução Administrativa
907/2000, estabelecendo os critérios definidores da atividade jurídica, a que se refere
o art. 93, I, da Carta Magna: "A exigência de 3(três) anos de atividade jurídica para
ingresso na magistratura tem aplicação a partir de 31/12/2004, inclusive aos concursos
realizados antes dessa data, como também àqueles iniciados anteriormente e ainda não
encerrados"39.

39
A discussão perde o sentido em 05 de outubro de 2006, quando o Tribunal Superior do Trabalho editou
a Resolução Administrativa nº 1.172/2006, limitando a exigência de 3 (três) anos de prática jurídica, aos
concursos para Juiz do Trabalho Substituto com editais publicados após 03.02.2006.

379
Já no caso de expectativa de direitos (mera possibilidade de aquisição de
direitos) ainda dependendo da implementação de algumas circunstâncias – não se
consumou o direito

Se não for direito subjetivo, a lei nova “corta” a situação jurídica no seu iter
(SILVA, 2008, p. 435).

CASO CONCRETO:

O caso:
Uma lei (L1), publicada em novembro 2007, concedida um aumento de vinte
e cinco por cento aos servidores.
O aumento passaria a valer a partir de 1º de janeiro de 2008.
O art. 7º da L1 possui a seguinte redação: “Esta Lei entra em vigor na data de
sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 2008”.
Uma outra lei (L2), de dezembro de 2007, revogava a L1 e concedia um
aumento menor.
O fundamento do pedido (na parte que aqui interessa) é que a revogação do
aumento remuneratório afrontaria a cláusula do direito adquirido (art. 5º, XXXVI,
CF/88).
Qual a parte técnica que precisa ser resolvida?
O Ministro Dias Toffoli assim resumiu o debate: "é essencial restar
plenamente esclarecido qual seria o momento em que as normas revogadas passariam a
vigorar e a produzir efeitos" (p. 2 do voto-vista do Ministro Dias Toffoli – VVDT).

Resumo da tramitação:
Em 09.06.2010, a Ministra Cármen Lúcia (Relatora), que conhecia em parte
do pedido e, na parte conhecida, julgava procedente a ação direta, pois quando a L2 foi
editada, os servidores já tinham direito adquirido ao reajuste.
A Min. Cármen Lúcia assinalou que a L1 era taxativa no sentido de que a lei
entraria em vigor na data de sua publicação e que somente "os efeitos financeiros relativos
à aplicação dessas leis, isto é, o pagamento dos valores correspondentes ao reajuste dos

380
subsídios previstos, é que ocorreriam a partir de 1º.1.2008. Assim, desde a entrada em
vigor das leis que estabeleceram o aumento daqueles subsídios dos servidores, com a
publicação delas, a melhoria concedida fora incorporada ao patrimônio jurídico dos
agentes públicos. Assim, o termo 1º.1.2008 não suspendera a eficácia do direito, e sim o
seu exercício, não havendo confusão entre vigência de leis e efeitos financeiros
decorrentes do que nelas disposto" (informativos 819 e 590).
A Ministra Cármen Lúcia considerou a L2 inconstitucional "uma vez que a
revogação dos aumentos ter-se-ia operado quando o direito já havia sido
adquirido/titularizado pelos servidores. Segundo a Relatora, as leis nas quais eram fixados
os novos patamares de remuneração seriam vigentes ao tempo de sua publicação e
somente os efeitos financeiros decorrentes tiveram o termo inicial postergado para 1º de
janeiro de 2008, ocasião em que já estavam incorporados ao patrimônio dos beneficiados"
(p. 2 do voto-vista do Ministro Dias Toffoli).
No mesmo sentido votaram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de
Mello e a ministra Rosa Weber.
Em 11.02.2015, o Ministro Dias Toffoli (DT) proferiu seu voto-vista julgando
improcedente o pedido da ação direta.
DT disse: “Como se vê, os artigos respectivos expressamente determinaram
a vigência futura dos anexos, nos quais eram discriminados os novos valores
remuneratórios, a partir de 1º de janeiro de 2008. A expressão ‘passa a vigorar’, constante
dos preceitos destacados, não deixa margem de dúvida (...) tiveram sua vigência
deslocada para 1º de janeiro de 2008" (p. 4 VVDT).
Ele diz: "Aqui não se trata de postergação apenas dos efeitos financeiros
decorrentes da aplicação da lei, mas de adiamento da própria vigência das normas" (p. 5
DT).
A conclusão dele é a de "que as modificações perpetradas foram feitas no
período de vacatio legis das previsões de aumento remuneratório, cuja exigibilidade
sequer havia ocorrido, porque revogadas antes de sua vigência" (p. 5 DT).
Nesse contexto, ele menciona "que a elevação original da remuneração dos
servidores, prevista [na L1], nem chegou a viger, na medida que as modificações
perpetradas posteriormente foram feitas no período de vacatio legis das previsões de
aumento remuneratório, e, portanto, a exigibilidade de cumprimento dessas normas

381
sequer havia ocorrido, porque os dispositivos foram revogados antes de sua vigência" (p.
9 DT).
Logo, se o aumento de remuneração somente teria vigência no futuro, "não
chegou a ter eficácia jurídico-patrimonial, nem foi incorporado ao patrimônio jurídico
dos servidores" (p. 9 DT).
"Por ser a norma, antes da vigência, inerte e insuscetível de reger as relações
sociais, não gera obrigações, tampouco direitos, não havendo como falar em aquisição de
direito se a norma sequer incidiu ou foi considerada exigível. Não se está, nesse caso,
diante de um direito propriamente dito" (p. 9 DT).
"No caso em análise, os servidores detinham apenas uma simples expectativa
de direito de ter modificado o valor dos seus subsídios a partir de 1º de janeiro de 2008;
não eram ainda detentores do direito subjetivo de percebê-los. O aumento ainda não fazia
parte da esfera jurídica dos servidores, pois ainda não era vigente" (p. 9 DT).
CONCLUSÃO DO VOTO DE DT: "as legislações alteradoras fizeram
retroagir os seus efeitos a período no qual as novas fórmulas remuneratórias ainda não
haviam incidido, apanhando a norma revogada ainda no período de vacatio legis, não
vislumbro a presença de inconstitucionalidade por ofensa à cláusulas do direito adquirido
e, por conseguinte, da irredutibilidade de vencimentos, pois ausente a incorporação de
direitos ao patrimônio jurídico dos servidores abrangidos" (p. 14 DT).
Ele foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki e
Ricardo Lewandowski.

"O Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar a divergência, equacionou que


seria necessário perquirir se o direito ao aumento remuneratório fora adquirido no
momento da vigência ou da eficácia da norma revogada. Entendeu que os efeitos se
produziriam somente a partir de 1º.1.2008, sem que se pudesse falar em direito adquirido
antes da eficácia. No caso, eventual direito a acréscimo na remuneração apenas seria
consumado se os servidores já tivessem recebido o aumento, o que não ocorrera. O
Ministro Teori Zavascki, ao votar nesse mesmo sentido, ressaltou que a questão principal
diria respeito a examinar a cláusula constitucional que limita o poder do legislador,
restrito à observância do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. De
acordo com a LINDB, no que diz respeito a direito adquirido, haveria duas situações: a)
a que considera direito adquirido aquele que pode ser exercido, ainda que esse exercício

382
não tenha havido; e b) a que trata dos direitos cujo exercício está condicionado. Eles são
existentes, diferentes, portanto, de mera expectativa de direito, em que não há sequer a
existência do direito. No caso, os servidores adquiririam direito a aumento remuneratório,
em janeiro de 2008, somente quando houvesse prestação de serviço naquele mês. Antes
disso haveria promessa de vencimento, regime estatutário a prever aumento futuro, e não
haveria direito à manutenção desse estatuto. Assim, o direito adquirido suporia a
ocorrência de elemento fático componente do fato gerador. Enquanto não houvesse fato
gerador, seria possível falar apenas em expectativa de direito. Existiria regime jurídico,
mas não direito subjetivo. Por isso, a jurisprudência da Corte permitiria a modificação
legislativa enquanto não implementado o suporte fático necessário para a incidência da
norma" (informativo 774).
Em 20.05.2015, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência
(julgando improcedente).
Diante do placar (com cinco votos pela procedência e cinco pela
improcedência do pedido), o julgamento foi suspenso para colher o voto de desempate do
então ministro a ser empossado Luiz Edson Fachin.
Em 31.03.2016, "o ministro Edson Fachin acompanhou na íntegra o voto
proferido pela relatora e desempatou o julgamento. De acordo com o ministro, as novas
leis esvaziaram o que havia sido anteriormente concedido aos servidores e violaram o
princípio da irredutibilidade de vencimentos. Ele explicou que foi concedido aumento
salarial cuja implantação deveria ser realizada em período posterior, contudo, antes da
ocorrência do prazo, nova lei foi editada e esvaziou o conteúdo das disposições anteriores.
'Há um ingresso na esfera jurídica dos servidores e que, portanto, nesta medida, a
dimensão dos direitos colocados a termo está apenas no plano da eficácia e não no plano
da validade', afirmou" (Notícias. Quinta-feira, 31 de março de 2016 "STF reconhece
direito adquirido em reajuste concedido a servidores do Tocantins").
O Plenário assentou que "os efeitos financeiros relativos à aplicação dessas
leis, isto é, o pagamento dos valores correspondentes ao reajuste dos subsídios previstos,
é que ocorreriam a partir de 1º.1.2008. Assim, desde a entrada em vigor das leis que
estabeleceram o aumento daqueles subsídios dos servidores, com a publicação delas, a
melhoria concedida fora incorporada ao patrimônio jurídico dos agentes públicos. Assim,
o termo 1º.1.2008 não suspendera a eficácia do direito, e sim o seu exercício, não havendo

383
confusão entre vigência de leis e efeitos financeiros decorrentes do que nelas disposto"
(Informativo 819).
O Ministro Marco Aurélio, na sessão do dia 31.03.2016, fez um aparte nos
seguintes termos: "Para ter uma ótica civilista, o termo inicial impede a execução, mas
não afasta a aquisição do direito".

precedentes
“...a lei nova, com vigência e eficácia a partir de 15.01.89, não mexeu com os
salários do período aquisitivo do mês em curso de janeiro de 1989, mas a partir de
fevereiro de 1989. Em consequência, os salários do mês de fevereiro de 1989, que iriam
ser reajustados em 26,05%, tal como ocorreu em dezembro e janeiro, não sofreram o
reajuste previsto, porque a lei que o previa foi revogada antes do início do mês do período
aquisitivo, portanto, antes de se iniciar a constituição do direito aos salários do referido
mês. E antes do início do mês em que deveria ser aplicado o reajuste, os servidores não
tinham qualquer direito, ainda que subordinado a termo ou condição, porque a lei nova
fulminou o próprio direito. (...)” (ADI 726/SP, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 11/11/94).
"A disciplina da L. 38/89 teve vigência até a edição da L. 117/90, cuja
superveniência não poderia ter o condão de elidir a majoração remuneratória consumada,
conforme a lei distrital anterior, sob pena de violação do princípio constitucional da
irredutibilidade de vencimentos" (RE 394494, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Primeira Turma, julgado em 06/03/2007).

Ver qual é o caso em:


a) “Reajuste trimestral de vencimentos pela variação do IPC (84,32%).
Revogação por norma superveniente, que precedeu à aquisição do direito e ao exercício
desse. Direito adquirido inexistente. Recurso extraordinário conhecido e parcialmente
provido” (RE 192.600/PA, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14/11/96).
b) "Irredutibilidade de vencimentos: violação por lei cuja aplicação implicaria
reduzir vencimentos já reajustados conforme a legislação anterior incidente na data a
partir da qual se prescreveu a aplicabilidade retroativa da lei nova" (RE 298694, Relator:
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2003).

Voto Dias Toffoli:

384
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4013.pdf
Nesse caso, uma lei distrital que previa reajustes trimestrais foi revogada por
lei posterior: "Recurso extraordinário: cabimento: direito intertemporal. Não inviabiliza
o recurso extraordinário o caráter local das leis distritais pertinentes, dado cuidar-se de
questão de direito intertemporal a ser resolvida à luz da Constituição da República" (RE
394494, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em
06/03/2007).

A boa técnica recomenda que, para os casos de mudanças bruscas, a vacatio legis
seja longa.

Pronunciamentos relevantes sobre direito adquirido

a) (...) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece aos aposentados “direito


adquirido aos proventos conforme a lei regente ao tempo da reunião dos requisitos da
inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável”40;

b) “Conversão de licença-prêmio não gozada em tempo de serviço. Direito adquirido antes da


vigência da emenda constitucional 20/98. Conversão de licença-prêmio em tempo de serviço:
direito adquirido na forma da lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos necessários para a
conversão”41;

c) igualmente pacífico é o reconhecimento quanto ao direito à irredutibilidade de vencimentos


como manifestação de um direito adquirido qualificado. Afirma-se que “dada a garantia de
irredutibilidade, da alteração do regime legal de cálculo ou reajuste de vencimentos ou
vantagens funcionais jamais poderá ocorrer a diminuição do quanto já percebido conforme o
regime anterior, não obstante a ausência de direito adquirido à sua preservação”42;

d) “não fere direito adquirido decisão que, no curso de processamento de pedido de licença de
construção em projeto de loteamento, estabelece novas regras de ocupação do solo”43;

40
RE-AgR 269.407, Relator Carlos Velloso, DJ 2.8.2002; RE 243.415, Relator Sepúlveda Pertence,
DJ 11.2.2000; Súmula/STF n. 359.
41
RE-AgR 394.661, Relator Carlos Velloso, DJ 14.10.2005.

42
RE-AgR 191.476, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 30.6.2006; RE 226.462, Relator Sepúlveda
Pertence, DJ 25.5.2001.

43
RE 212.780, Relator Ilmar Galvão, DJ 25.6.1999; RE 85.002/SP, Relator Moreira Alves, RTJ v.
79, p. 1016.

385
e) o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, ao contrário do que sucede com as
cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e
por ela ser disciplinado. Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido
de que não há direito adquirido a regime jurídico. Quanto à atualização dos saldos do FGTS
relativos aos Planos Verão e Collor I (este no que diz respeito ao mês de abril de 1990), não há
questão de direito adquirido a ser examinada, situando-se a matéria exclusivamente no terreno
legal infraconstitucional”44

f) "No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à
condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito
subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à
incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição
previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida
que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as
pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade
do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento" (ementa
da ADI 3105).

"Concluindo pretenderem os autores a imutabilidade de um certo regime jurídico, afirma que a


eleição por um novo modelo, implementado por emenda constitucional, implicou na alteração do
regime jurídico previdenciário, contra o qual não pode ser invocado direito adquirido, segundo a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" (voto do Ministro Peluso na ADI 3105 - fl. 128 do
acórdão).

g) “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 10.826/2003. Estatuto do Desarmamento. O direito


do proprietário à percepção de justa e adequada indenização, reconhecida no diploma legal
impugnado, afasta a alegada violação ao art. 5º, XXII, da CF, bem como ao ato jurídico perfeito
e ao direito adquirido” (ADI 3.112, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-5-2007,
Plenário, DJ de 26-10-2007.)

h) Fórmula de composição da remuneração – (...) 1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não
substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/2003, não
seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos

44
RE 226.855, Relator Moreira Alves, DJ 13.10.2000.

386
submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegurou diretamente o direito
à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às
emendas constitucionais mesmas. 2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer
dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma
expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9º da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se
reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu
e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é
mais que duvidosa a sua compatibilidade com a "cláusula pétrea" de indenidade dos direitos e
garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte
originário. 3. Os impetrantes - sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm
direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja
absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal. (MS 24875,
Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2006)

i) Benefícios da relação previdenciária –"1. No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS


desde 04/10/1994, recebendo através do benefício nº 055.419.615-8, aproximadamente o valor
de R$ 948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por morte,
com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência
geral, a partir da vigência da Lei no 9.032/1995. 2. Concessão do referido benefício ocorrida em
momento anterior à edição da Lei no 9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão,
incidia a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991(...) 8. Levantamento da jurisprudência do STF
quanto à aplicação da lei previdenciária no tempo. Consagração da aplicação do princípio tempus
regit actum quanto ao momento de referência para a concessão de benefícios nas relações
previdenciárias. (...) 9. Na espécie, ao reconhecer a configuração de direito adquirido, o acórdão
recorrido violou frontalmente a Constituição, fazendo má aplicação dessa garantia (CF, art. 5º,
XXXVI), conforme consolidado por esta Corte em diversos julgados" - RE 415454, Relator(a):
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2007.

j) Transporte gratuito de policiais – Policiais civis do Estado do Espírito Santo alegavam que
determinada norma ofendia direito adquirido da categoria, pois, desde 1953, utilizavam
gratuitamente os serviços de transporte municipal e intermunicipal. Entretanto, o STF afirmou:
"Servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico" – ADI 2349, Relator: Min.
EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005.

387
k) Aposentadoria especial – Comprovado o exercício de atividade considerada insalubre, perigosa
ou penosa, pela legislação à época aplicável, o trabalhador possui o direito à contagem especial
deste tempo de serviço. Seguindo essa orientação, a Turma negou provimento a recurso
extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em que se alegava
ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF, ao argumento de inexistência de direito adquirido à conversão
do tempo de serviço especial para comum, em face do exercício de atividade insalubre elencada
nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Entendeu-se que o tempo de serviço deveria ser contado de
acordo com o art. 57, § 3º, da Lei 8.213/91 (“O tempo de serviço exercido alternadamente em
atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas
prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, seguindo
critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para
efeito de qualquer benefício.”), vigente à época da prestação dos serviços, e não pela Lei 9.032/95
que, alterando o citado parágrafo, exigiu, expressamente, a comprovação de efetiva exposição
aos agentes nocivos através de laudo técnico. Precedentes citados: RE 367314/SC (DJU de
14.5.2004) e RE 352322/SC (DJU de 19.9.2003)" – RE 392559, Relator: Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, julgado em 07/02/2006. Informativo 415 (Brasília, 6 a 10 de
fevereiro de 2006) - TÍTULO: Direito Adquirido e Aposentadoria Especial

l) Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. - Em nosso sistema jurídico, a regra
de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por
estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo,
portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para
alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique
retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova
para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das
referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez
que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito,
modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é
infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão
recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos
posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1.989, prejudicando, assim,
ato jurídico perfeito - RE 188366, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado
em 19/10/1999

388
m) Benefício previdenciário inconstitucional: “1. O óbito do instituidor é o marco temporal para
definição do regime jurídico a que está sujeita a concessão do benefício: MS 21.540/RJ, rel. Min.
Octávio Gallotti, DJ 14.05.96. 2. Inexistência de preterição a direito adquirido da autora de
receber benefício com base em normas não recepcionadas pelo atual sistema constitucional: ADI
762/RJ, da minha relatoria, DJ 14.05.2004. 3. Agravo regimental improvido” (RE 436995 AgR,
Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 11/11/2008).

n) Norma constitucional originária: “Se, como tem entendido o STF (ADIn MC 1.264), o instituto
da estabilidade financeira não é incompatível com a atual Constituição, é inútil opor à
questionável afirmação de direito adquirido do servidor a tal vantagem a tese da inexistência de
direito adquirido contra a Constituição” (AI 159587 AgR, Relator: Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 17/03/1998)

o) Supremacia de normas constitucionais: “A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta


Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto
constitucional, que contra elas seja invocado o direito adquirido. Doutrina e jurisprudência” (ADI
248, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 18/11/1993).

p) Direito adquirido a recurso judicial – “Para a aferição da possibilidade de utilização de


recurso suprimido ou cujas hipóteses de admissibilidade foram restringidas, a lei a ser aplicada
é aquela vigente quando surge para a parte o direito subjetivo ao recurso, ou seja, a partir da
emissão do provimento judicial a ser impugnado” - STJ - AgRg no AgRg no AgRg nos EREsp
1114110 SC 2010/0040898-9 - publicação: 08/04/2014.

"Sobre a admissibilidade dos recursos, eles são regidos pela lei do tempo em que a decisão foi
proferida e o procedimento adotado. Se a lei nova adotou diverso procedimento, e,
consequentemente, outro recurso, com prazo diferente, não se aplicará a nova regra, mesmo
porque não se adota outro rito quando já estabelecida a relação processual com a citação (RE
82.600). Portanto, frise-se o recurso cabível regula-se pela norma legal da época do ato recorrível
(RE 83.169)" (ROSAS, Roberto. Direito intertemporal processual. Revista jurídica Lemi. v. 15,
n. 172, p. 19-25, mar. 1982).

STF – RE 78057 – 85815 – ADI 1591

EFEITOS DO RECURSO: LEI VIGENTE NA INTERPOSIÇÃO – RE 82902 ADI 1591

389
INSUFICIÊNCIA DA DOUTRINA DO DIREITO ADQUIRIDO

“O estudo da doutrina do direito adquirido é também o estudo de suas


limitações para atender às diversas demandas concernentes à proteção das situações
jurídicas constituídas ou em via de consolidação” (MENDES, 2013, p. 380)

“a história brasileira também ilustra a necessidade de rejeitar-se uma visão


absolutista do direito adquirido. Basta recordar a abolição da escravatura, realizada
sob a égide da Constituição de 1824, que previa o princípio da irretroatividade da lei.
Por mais importante que seja a garantia do direito adquirido, ninguém com um mínimo
senso ético defenderia a validade da sua invocação pelos senhores de escravos diante da
lei emancipadora!” (Daniel Sarmento, citado pelo Ministro Joaquim Barbosa na ADI
3105 fl. 168 do acórdão).

Alterações estatutárias
A doutrina do direito adquirido não prescreve as posições
Revisões/supressão de institutos
pessoais contra
jurídicos

LIMITE 1 - NORMAS CONSTITUCIONAIS

ENTENDIMENTO ANTIGO: “Não há direito adquirido contra texto


constitucional, resulte ele do poder constituinte originário, ou do poder constituinte
derivado” - RE 94414, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em
13/02/1985.

RETROATIVIDADE NÃO É VEDADA À NORMA CONSTITUCIONAL ORIUNDA


DO PODER ORIGINÁRIO:

• Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "... mas a retroatividade não é vedada à norma
constitucional oriunda do Poder originário. Com efeito, dada a sua inicialidade,
ou melhor, dada a inexistência de limitação jurídica que a proíba, pode ela colher
fatos a ela anteriores. Em consequência, pode dar-lhes caráter (lícito ou ilícito)
diferente do que tinham na ordem jurídica anterior. Igualmente pode pôr termo a

390
direitos adquiridos" (In Revista dos Tribunais, Doutrina Civil, São Paulo: RT, vol.
745, 1997, p. 21 – grifei).

• Ivo Dantas: "Já dissemos que um texto constitucional é resultado de um hiato


constitucional, vale dizer, de um processo revolucionário. Não se vincula a
nenhum preceito jurídico-positivo que lhe seja anterior, muito embora, também
nesta hipótese, os valores sociais e o Direito natural funcionem como limitações
ao exercício do Poder Constituinte. Por isto, e em consequência, poderia a nova
Constituição desconstituir direitos adquiridos tal como aconteceu com a atual
Constituição de 1988. Entretanto, neste caso - e já o dissemos -, há um pressuposto
de ordem formal: a ressalva do não respeito aos direitos adquiridos com
fundamento na Constituição anterior terá que vir expressa, não podendo ser objeto
de meras deduções interpretativas" (Dantas, Ivo. Direito Adquirido, Emendas
Constitucionais e Controle da Constitucionalidade, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1997, p. 5).

• Raul Machado Horta: "A Constituição, por decisão soberana do constituinte


originário, poderá revogar o direito adquirido, da mesma forma que revoga as leis
anteriores incompatíveis. Como a sucessão constitucional do Brasil não se opera
por mudanças violentas e se faz acompanhar da continuidade no tempo das leis
anteriores, os casos de conflito entre a Constituição e o direito adquirido serão
reduzidos, quando não raros. Em nosso sistema, a Constituição é fonte protetora
do direito adquirido, sobrepondo-o à lei" (Estudos de Direito Constitucional, Belo
Horizonte: Del Rey Editora, 1995, pp. 274/276).

No entanto, àquela época, o direito do apelante já estava consolidado em


relação à gratificação, passando a integrar o seu patrimônio jurídico, razão pela qual as
normas ora introduzidas pela Emenda Constitucional n° 41/03 não os alcançam. Ainda que
de outra forma fosse, a despeito da norma do art. 9° da Emenda Constitucional n° 41/03, é
cabível a invocação de direito adquirido em face de Emenda Constitucional, garantia
individual que não pode ser ignorada, por compreender cláusula pétrea, insuscetível, por
esse aspecto, de novas reformulações.

391
A propósito, o art. 60, §4°, IV, da Constituição da República, não admite que
seja objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias
individuais.
Nesse sentido, a garantia constitucional impede que o legislador constituinte
derivado edite norma desconsiderando o direito adquirido, conforme o magistério do
professor Ivo Dantas [nota de rodapé 2 do original: ‘Direito Adquirido, Emendas
Constitucionais e Controle da Constitucionalidade - A Intangibilidade do Direito
Adquirido face às Emendas Constitucionais, Revista de Direito Administrativo - FGV,
out/dez - 1996, n° 206, p. 111], in verbis: “(...) se não nos bastasse a natureza constitucional
do instituto a partir da Constituição Federal de 05.10.88, o Direito Adquirido assume novo
contorno, tornando-se portador da característica da Imutabilidade, em razão do que
prescreve o art. 60 em seu parágrafo 4°, ao fixar os Limites materiais do Poder Constituído
de Reforma”.
Desta opção no sentido da Intangibilidade do Direito Adquirido decorre a
consequência de que só um processo revolucionário (no sentido Jurídico-Constitucional)
do qual resultasse nova Constituição, poderia restringir ou até mesmo excluir a garantia do
Direito Adquirido (entre nós, alçada à mesma categoria do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada) ou qualquer outro daqueles incisos apontados no referido parágrafo 4° (...)
O ilustre professor, em sua obra, invoca, ainda, o posicionamento do Ministro
Néri da Silveira [nota de rodapé 3 do original: “op. cit., p. 121”]: “(...) outra significativa
questão poderia se destacar, nesta definição do âmbito das cláusulas pétreas. Refiro-me ao
direito adquirido previsto no art. 5°, XXXVI, da Constituição. No dispositivo, estipula-se
que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Decerto, emenda à Constituição não pode excluir de seu texto o inciso XXXVI do seu art.
5°, diante da cláusula posta no art. 60, § 4°, IV, por versar regra de garantia.
(...)
Na mesma linha de raciocínio, é o posicionamento do Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso:
‘Registre-se, a propósito, que as emendas constitucionais, sabemos todos, não
são produto do poder constituinte originário. As emendas à constituição são elaboradas
pelo constituinte derivado, instituído ou de segundo grau. Esse poder constituinte derivado

392
é limitado pela criatura do poder constituinte originário, assim pela constituição’ - Decisão
da Ministra Rosa Weber no Agravo de Instrumento nº 742070, proferida em 18/09/2012.

“Somente pela ação do poder constituinte originário cujo processo não é


deflagrado apenas pela eventual vontade de um governante ou de um grupo que chegue
ao poder - se podem desfazer situações constituídas, solapar direitos anteriormente aceitos
como coerentes com os princípios e valores antes acatados. Somente pela atuação do
poder constituinte originário se podem desconstituir o direito adquirido, a coisa julgada e
o ato jurídico perfeito, nos termos do sistema constitucional vigente (art. 5º XXXVI, da
Lei Fundamental da República). O mais, é fraude à Constituição, é destruição da
Constituição em seus esteios-mestres. Quando, por meio de uma reforma constitucional,
se investem contra situações firmadas em condições jurídicas pretéritas sobre as quais
retroagem as novas normas, não se tem como prejudicado apenas o princípio do direito
adquirido, mas também o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Carmen Lúcia Antunes
Rocha, "Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos", São Paulo, Saraiva, 1999,
p. 109 - citado pela Ministra Ellen Gracie na ADI 3105 fl. 137 do acórdão).

HÁ DIREITO ADQUIRIDO EM RELAÇÃO À EMENDA CONSTITUCIONAL:

• Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho: "Em síntese, a norma constitucional
veiculadora da intocabilidade do direito adquirido é norma de bloqueio de toda
função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se
integram no 'processo legislativo', sem exclusão das emendas" (apud GURGEL
DE FARIA, 2006).

• Sobre o veículo normativo LEI: “Quando a Constituição emite o discurso de que


‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’
(art. 5º, XXXVI), ela está dizendo direito/lei, qualquer ato da ordem normativa
constante do art. 59 da Constituição. A emenda está ali, prefigurada. Então,
entendo que as emendas estão proibidas de ofender as três emblemáticas e
estelares figuras: o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”
(voto do Ministro Carlos Brito na ADI 3105, fl. 184 do acórdão).

393
• Sérgio de Andréa Ferreira: "Foi a própria CF de 1988 que, quando quis
excepcionar, teve de fazê-lo expressamente, ao estatuir, no art. 17 do ADCT, que
não se admitia, no caso nele previsto, invocação de direito adquirido. Se isso
ocorresse, não haveria necessidade de ressalva. Mas essa exclusão, questionável
mesmo em uma nova Constituição, é intolerável em se tratando de mera emenda
constitucional" (apud GURGEL DE FARIA, 2006)

• Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "ninguém negará ser a norma constante do art.
5.º, XXXVI, da Constituição uma garantia, garantia essa da segurança das
relações jurídicas. Consequentemente ela não poderá ser abolida pelo Poder
Constituinte Derivado (poder de reforma)" (apud GURGEL DE FARIA, 2006).

• Carlos Mário da Silva Velloso: "... um direito adquirido por força da Constituição,
obra do Poder Constituinte Originário, há de ser respeitado pela reforma
constitucional, produto do Poder Constituinte instituído, ou de 2.º grau, vez que
este é limitado, explícita e implicitamente, pela Constituição"(apud GURGEL DE
FARIA, 2006).

• Raul Machado Horta: "Ao incluir no rol da matéria vedada ao poder constituinte
de revisão a emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, a
Constituição transformou o Título II da Constituição, que abrange os direitos e
garantias individuais e coletivos (art. 5.º, I a LXXVII) no seu núcleo irreformável
e, por isso, inatingível pelo Poder de Emenda. Nessa irreformalidade, encontra-se
o princípio de que a lei não prejudicará o direito adquirido (art. 5.º, XXXVI). O
Poder Constituinte Originário poderá, em tese, suprimir o direito adquirido, de
modo geral, incluindo nessa supressão a regra que veda a lei prejudicial de direito
adquirido. No caso do poder constituinte de revisão, será questionável a emenda
que propuser a supressão do direito adquirido assegurado pelo Constituinte
Originário. A emenda ficará exposta a arguição de inconstitucionalidade"(apud
GURGEL DE FARIA, 2006)

• Ivo Dantas: "quando se fala em emenda constitucional, esta é manifestação de um


Poder Constituído - poder de reforma -, integrando, nos termos do art. 59 (CF/88),
o processo legislativo e, como tal, encontra-se obrigada a render homenagens ao
texto da Constituição, conclusão a que se chega não por mero exercício exegético,

394
mas, inclusive, por determinação expressa deste mesmo texto (art. 60, §4º)" (apud
GURGEL DE FARIA, 2006)

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: EM REGRA, A RETROATIVIDADE DO


PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO É MÍNIMA

• "Pensões especiais vinculadas a salário mínimo. Aplicação imediata a elas da


vedação da parte final do inciso IV do artigo 7º. da Constituição de 1988. - Já se
firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos
constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos
passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em contrário – e a
Constituição pode fazê-lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado
nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas (retroatividades máxima e
media)" - RE 140499, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma,
julgado em 12/04/1994.

• "6. É irrelevante o confronto entre a "adoção simples" levada a efeito na vigência


do Código Civil de 1916 e os demais diplomas posteriores, como o ECA e o
Código Civil de 2002, mesmo para regular os efeitos futuros do ato praticado no
passado, tendo em vista não ser admitida a retroatividade da lei em nenhuma
intensidade (mínima, média ou máxima), sob pena de atingir o ato jurídico
perfeito. Precedentes do STF e do STJ. 7. A celeuma hospeda-se, portanto, no
chamado direito constitucional intertemporal, que possui feição distinta do direito
intertemporal comum, e consiste em saber se a Constituição Federal, ao
estabelecer, de forma inovadora e mais que acertada, a isonomia entre os filhos
biológicos e adotivos, manteve-se fiel aqueloutro princípio igualmente
importante, relativo à proteção do ato jurídico perfeito, ou se, ao reverso,
derramou retroativamente esse novo valor doravante abraçado (isonomia entre
filhos adotivos e biológicos) em situações jurídicas concretizadas na ordem
jurídica superada. 8. Em direito constitucional intertemporal, adota-se a tese
segundo a qual a Constituição Federal, por obra do poder constituinte originário,
em regra, possui retroatividade mínima, apanhando apenas os efeitos futuros do
ato praticado no passado com ela incompatível, exceto se fizer ressalva quanto a

395
isso, dependendo igualmente de previsão explícita a eventual retroatividade média
e máxima" - (REsp 1292620/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/06/2013, DJe 13/09/2013)

• "Em suma, a norma superveniente do poder constituinte originário, a não ser


quando diz o contrário, tem aplicação sobre situações constituídas antes da sua
vigência, exatamente sobre os efeitos que o ato praticado no passado tenderia a
produzir sob a vigência da nova norma constitucional. Reconhece-se, assim, como
típico das normas do poder constituinte originário serem dotadas de eficácia
retroativa mínima, já que se entende como próprio dessas normas atingir efeitos
futuros de fatos passados. As normas do poder constituinte originário podem,
excepcionalmente, ter eficácia retroativa média (alcançar prestações vencidas
anteriormente a essas normas e não pagas) ou máxima (alcançar fatos consumados
no passado), mas para que opere com a retroatividade média ou máxima, o
propósito do constituinte deve ser expresso. É nesse sentido que se diz, hoje, que
não há direito adquirido contra a Constituição" (MENDES, Gilmar Ferreira [et.
al.]. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 201).

LIMITE 2 - REGIME JURÍDICO

“Situação jurídica, como a toma LAUBADERE (Traité élémentaire de droit


administratif, 4éme. ed. LGDJ, Paris, 1967, p. 17) - inspirado em DUGUIT (Traité de
droit constitutionnel, 2éme edition, t. l, Ancienne Librairie Fontemoing & Cie., Paris,
1921, p. 254-255) - é o conjunto de direitos e obrigações de que uma pessoa pode ser
titular. Elas podem ser de dois tipos:
[i] as situações jurídicas gerais e impessoais por vezes denominadas
estatutárias ou objetivas, legais ou regulamentares cujo conteúdo é necessariamente o
mesmo para todos os indivíduos que dela são titulares;
[ii] situações individuais ou subjetivas, cujo conteúdo é individualmente
determinado e pode variar de um para outro titular; aí o caso, v.g., de um credor, um
devedor, um locatário, em que o conteúdo da situação é específico para cada qual,

396
modelando-se pelo ato individual” - voto do Ministro Eros Grau na ADI 3105, fl. 259 do
acórdão).

Com base nessa distinção, Eros Grau defende a tese da imediata alterabilidade
das situações gerais e a intangibilidade das situações individuais.

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: "Teria sentido alguém


pretender se opor à alteração das regras do imposto de renda, arguindo direito adquirido
àquelas normas que vigiam à época em que se tornou contribuinte pela primeira vez?
Teria sentido invocar direito adquirido para obstar a aplicação de novas regras
concernentes ao serviço militar, argumentando que o regime vigorante era mais suave
quando o convocado completou 18 anos? Acaso poderia um funcionário, em nome do
direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, garantir para si a sobrevivência das regras
funcionais vigentes ao tempo em que ingressou no serviço público, quais as concernentes
às licenças, adicionais etc.? Seria viável alguém invocar direito adquirido a divorciar-se,
se a legislação posterior a seu casamento viesse a extinguir este instituto jurídico? Ou,
reversamente, teria direito adquirido à indissolubilidade de vínculo se lei nova estabelecer
o divórcio? (...) É nítido o discrímen entre ambas as espécies de situações jurídicas e
igualmente nítida a imediata aplicação das modificações que incidam sobre as situações
gerais, ao contrário do que se passa com as subjetivas"- voto do Ministro Eros Grau na
ADI 3105, fls. 261/262 do acórdão).

O Supremo Tribunal Federal possui firme entendimento no sentido de


que não há direito adquirido a regime jurídico, sendo assegurada somente a
irredutibilidade de vencimentos.

REPERCUSSÃO GERAL Tema 41 - Direito adquirido à forma de cálculo de


parcelas incorporadas à remuneração - Tese fixada “Não há direito adquirido a regime
jurídico, desde que respeitado o princípio constitucional da irredutibilidade de
vencimentos”: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA
REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA
IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI

397
COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE:
CONSTITUCIONALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua
jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre
a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n.
203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de
gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos,
não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da
irredutibilidade da remuneração” (RE 563965, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA,
Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO).

“SERVIDOR PÚBLICO. TRANSPOSIÇÃO DE REGIME CELETISTA


PARA ESTATUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME
JURÍDICO. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no
sentido de que servidores públicos que migraram do regime celetista para o estatutário
não têm direito adquirido às vantagens do regime anterior. Precedentes” (AI 828830 ED,
Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 31/03/2017)

Logo, se não houver redução dos vencimentos, incide a lei nova: DIREITO
ADMINISTRATIVO. POLICIAL CIVIL. REESTRUTURAÇÃO REMUNERATÓRIA.
LEI Nº 17.170/2012 DO ESTADO DO PARANÁ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO 1. O entendimento da Corte de origem, nos moldes
do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no Supremo
Tribunal Federal, no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, bem como
ausente ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos quando preservado seu
valor nominal” (RE 998073 AgR, Relatora: Min. ROSA WEBER, Primeira Turma,
julgado em 07/03/2017)

“Militar. Adicional de inatividade. Extinção pela MP nº 2.215-10/01. Direito


adquirido a regime jurídico. Inexistência. Violação do princípio da irredutibilidade de
vencimentos. Não ocorrência. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes. 1.
É pacífica a jurisprudência da Corte de que não há direito adquirido à manutenção da
forma de cálculo da remuneração do servidor, o que importaria em direito adquirido a
regime jurídico, ficando assegurada, entretanto, a irredutibilidade de vencimentos. 2. A

398
Corte de origem consignou expressamente que “não houve redução dos proventos dos
servidores públicos”. Para se concluir de modo diverso, seria necessário reexaminar o
conjunto-fático probatório da causa. Incidência da Súmula nº 279/STF” (ARE 989660
AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 16/12/2016)
Por isso que a jurisprudência do STF não reconhece direito adquirido a regime
jurídico.

“A construção da ideia de regime jurídico representa, na verdade, uma


tentativa de delimitar – fora das hipóteses em que se cuide de ato jurídico perfeito e de
coisa julgada – as situações que geram direito adquirido e as que não geram. Nada
obstante, a definição do que é e do que não é regime jurídico tem sido resolvida
casuisticamente pela jurisprudência, e até o momento não se produziram parâmetros
claros, capazes de definir esses espaços” (BARROSO, 2004, p. 153).

Baseado em Luis Roberto Barroso, José Tarcízio de Almeida Melo assinala:


“Luís Roberto Barroso ensina que o regime jurídico não garante direito adquirido à
permanência indefinida de certa disciplina legal sobre determinada matéria. Dá o exemplo
do divórcio. Ninguém poderá invocar a indissolubilidade do casamento por ter-se casado
numa época em que o casamento era indissolúvel, pretendendo ter direito adquirido à
permanência daquele regime jurídico. Oferece, como exemplo mais típico, no Direito
Constitucional e Administrativo, o da relação entre o servidor e a entidade estatal à qual
se vincula. Por haver ingressado no sérvio público sob a vigência de determinadas regras,
não é assegurado ao servidor direito á sua imutabilidade. Embora a jurisprudência e,
consequentemente, não há direito adquirido quando determinada relação decorre da lei e
não de um ato de vontade das partes, a exemplo de um contrato” (MELO, José Tarcízio
de Almeida. Direito constitucional do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 357).

Exemplo sobre ausência de direito adquirido a regime jurídico: "Assim, por


exemplo, quando a Lei nº 9.527/1997 extinguiu a licença-prêmio por assiduidade, os
servidores que ainda possuíam períodos de licença não gozados continuaram a tê-los, mas
não puderam invocar direito adquirido às regras de aquisição da licença para continuar
conquistando outros períodos" (CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Direito
Constitucional Objetivo: Teoria e Questões. 2ª ed. rev. e atual. Alumnus, 2013).

399
Empregam-se duas formulações para identificar o que seria um regime jurídico:
A) há regime jurídico quando a relação decorre da lei e não de um acordo de vontade das partes
B) há regime jurídico quando não se trate de uma relação contratual

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que


o servidor público não tem direito adquirido à manutenção de regime de composição de
vencimentos ou proventos, pois o que a Constituição lhe assegura é a irredutibilidade de
vencimentos” – AI 721110 AgR, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,
julgado em 24/05/2011.

“A jurisprudência desta Corte é no sentido de que não existe direito adquirido


à manutenção de regime jurídico de imunidade tributária” - RMS 27977 AgR, Relator:
Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011.

ENTRETANTO A NOVA NORMA NÃO RETROAGE:

Para José Tarcízio de Almeida Melo, "A existência de relação estatutária, ou


de regime jurídico, é secundária, pois não se trata de exercer direito contra a modificação
do regime jurídico. O Estado assegurou, conforme o regime jurídico, determinado direito.
Ainda que, em tese, o servidor público não tenha direito à manutenção do regime jurídico,
para não engessar ou estagnar o interesse público, possuirá, entretanto, outro direito - o
de preservar a aquisição feita com base na lei antiga" (MELO, José Tarcízio de Almeida.
Direito constitucional do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 374).

No mesmo sentido, José Adércio Leite Sampaio que, após mencionar as


teorias e repercussões sobre a "inexistência de direito adquirido à permanência das
condições e vantagens existentes ao tempo do ingresso do servidor nos quadros da
Administração" conclui: "...embora devam ser respeitados os direitos que já se tenham
definitivamente incorporados no patrimônio do servidor, vale dizer, cujas condições ou
exigências necessárias à sua aquisição se tenham realizado inteira e tempestivamente"
(SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito adquirido e expectativa de direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 97).

TESE DE DEFESA

400
Dada a insuficiência do princípio do direito adquirido para preservar posições
pessoais, a técnica se encaminha para:
- Aciona-se o próprio direito destinado a resguardar a posição afetada – ex:
direito de propriedade/liberdade de associação, etc

- parte-se para “uma ideia menos precisa e, por isso mesmo, mais abrangente,
que é o princípio da segurança jurídica enquanto postulado do Estado de Direito”
(MENDES, 2013, p. 380 – grifei

Última observação quanto à categoria direito adquirido – DIREITOS


ORIGINÁRIOS

12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras


que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não
simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza
declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica
ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários",
a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre
pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou
títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria
Constituição declarou corno "nulos e extintos" (§6º do art. 231 da CF), página 8 do
acórdão na Pet 3388.
"VI - os rizicultores privados, que passaram a explorar as terras indígenas
somente a partir de 1992 (após a promulgação da Lei Fundamental de 1988, destarte),
não têm qualquer direito adquirido à respectiva posse. Em primeiro lugar, porque as
posses antigas, que supostamente lhes serviram de ponto de partida, são, na verdade, o
resultado de inescondível esbulho. Como sobejamente demonstrado no laudo e parecer
antropológicos, os índios foram de lá empurrados, enxotados, escorraçados. Não sem
antes opor notória resistência, fato que perdura até hoje. Em segundo lugar, porque a
presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensas áreas de solo fértil, imprescindíveis
às suas (dos autóctones) atividades produtivas, impede o acesso das comunidades
indígenas aos rios Surumu e Tacutu e degrada os recursos ambientais necessários ao
bem-estar de todos eles, nativos da região" (fls. 341/342 do acórdão).

401
DALMO DE ABREU DALLARI ("O que são Direitos das pessoas", p.
54/55, 1984, Brasiliense): " ( ... ) ninguém pode tornar-se dono de uma terra ocupada
por índios. Todas as terras ocupadas por indígenas pertencem à união, mas os índios
têm direito à posse permanente dessas terras e a usar e consumir com exclusividade
todas as riquezas que existem nelas. Quem tiver adquirido, a qualquer tempo, mediante
compra, herança, doação ou algum outro título, uma terra ocupada por índios, na
realidade não adquiriu coisa alguma, pois estas terras pertencem à União e não podem
ser negociadas. Os títulos antigos perderam todo o valor, dispondo a Constituição que
os antigos titulares ou seus sucessores não terão direito a qualquer indenização” (citado
pelo Ministro Celso de Mello na Petição 3388 - fl. 729 do acórdão)

ATO JURÍDICO PREFEITO

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro45, art. 6º, §1º: “Reputa-se


ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.

Elival da Silva Ramos: “são os negócios jurídicos, vale dizer, atos


voluntários, lícitos, que consubstanciam declaração expressa de vontade do agente ou dos
agentes, a que o ordenamento atribuiu os efeitos por meio dela pretendidos, que se
aperfeiçoaram, isto é, cuja constituição se completou inteiramente, ao tempo da vigência
da lei antiga, substituída por um novo diploma que não os pode, todavia, afetar” (apud
TAVARES, 2012, p. 769).

Uma questão de lógica em sua justificativa: “Se o simples direito adquirido


(isto é, direito que já integra o patrimônio mais ainda não foi exercido) é protegido
contra a interferência da lei nova, mais ainda o é o direito adquirido já consumado”
(SILVA, 2008, p. 435).

Ato praticado num momento de acordo com as normas jurídicas vigentes

Situação consumada ou direito consumado – direito efetivamente exercido.

45
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.

402
É mais do que adquirido – é direito esgotado.

Qual a diferença entre ato jurídico perfeito e direito adquirido? “A diferença


entre direito adquirido e ato jurídico perfeito está em que aquele emana da lei em favor
de um titular, enquanto o segundo é negócio fundado na lei” (SILVA, 2004, p. 21).

Pronunciamentos relevantes sobre ato jurídico perfeito


a) “O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica também, conforme é
o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o acórdão recorrido ao
julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com relação à caderneta
de poupança, há contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento financeiro, não
podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a aquisição da correção monetária
mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o índice dessa correção”46;
b) o caso da TR:“Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a
ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato
ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica
a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei
de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.
Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não é índice de
correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos
a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso,
não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de
correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de
contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna.
Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de
reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência
Salarial por Categoria Profissional (PES/CP)”47;

46
RE 202.584, Relator Moreira Alves, DJ 14.11.1996; RE 209.519/SC, Relator Celso de Mello, DJ
29.8.1997.
47
ADI 493, Relator Moreira Alves, DJ 4. 9.1992.

403
c) “Correção das contas vinculadas do FGTS. Desconsideração do acordo firmado pelo
trabalhador. Vício de procedimento. Acesso ao colegiado. Superação da preliminar de vício
procedimental ante a peculiaridade do caso: matéria de fundo que se reproduz em incontáveis
feitos idênticos e que na origem (Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária
do Rio de Janeiro) já se encontra sumulada. Inconstitucionalidade do Enunciado nº 21 das
Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que preconiza a desconsideração de
acordo firmado pelo trabalhador e previsto na Lei Complementar nº 110/2001. Caracterização
de afastamento, de ofício, de ato jurídico perfeito e acabado. Ofensa ao princípio inscrito no art.
5º, XXXVI, do Texto Constitucional”48 – vide súmula vinculante nº 1;
d) “Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação aos processos em curso,
desconstituindo penhoras anteriores, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito:
precedentes”49.
É POSSÍVEL REVISAR O CONTRATO PARA EVITAR O ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA – AI AGR 580966
ATO DE APOSENTADORIA – MS 26085

COISA JULGADA

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro50, art. 6º, §3º “Chama-se


coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Esta definição encontra-se superada, pois a garantia diz respeito à coisa


julgada material. O que prevalece hoje é o art. 467 do CPC: “Denomina-se coisa julgada
material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a
recurso ordinário ou extraordinário”.

48
RE 418.918, Relatora Ellen Gracie, DJ 1.7.2005; AC 272-MC, voto da Ministra Ellen Gracie, DJ
25.2.2005.
49
RE 224.659, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 8.5.1998; RE 136.753, Relator Carlos Velloso, DJ
25.4.1997.
50
Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.

404
“A coisa julgada é o corolário do princípio da segurança jurídica e
estabilidade das relações sociais transportada para o campo judicial” (TAVARES, 2012,
p. 770)

Qualidade atribuída aos efeitos da decisão judicial definitiva – decisão contra


a qual não cabe mais recurso: “...o que se protege é a prestação jurisdicional
definitivamente outorgada” (SILVA, 2004, p. 22).

Em alguma medida é um caso especial de direito adquirido: “caso coroado


pelo exame definitivo efetivado pelo órgão máximo nesse assunto, o Poder Judiciário,
em relação a uma controvérsia” (RIZZATO, 2009, p. 246).

A IMUTABILIDADE DA COISA JULGADA (qualidade da sentença)


PODE EXISTIR

A) FORA DO PROCESSO:

Impede que a lei prejudique ou que o juiz julgue novamente o feito (coisa
julgada material)

B) DENTRO DO PROCESSO

Preclusão máxima: “decisão colocada ao abrigo dos recursos definitivamente


preclusos (coisa julgada formal)

Limite subjetivo: alcança somente as partes – não prejudica nem beneficia


terceiros

ASPECTO LIBERAL/INDIVIDUALISTA DO CPC

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E COISA JULGADA

O STF, no julgamento de mérito do RE 363.889 (rel. min. Dias Toffoli, Plenário, DJe
de 16.12.2011), reconheceu a possibilidade de ajuizamento de nova ação de
paternidade, com a relativização da coisa julgada, em razão do surgimento de meio de
prova mais moderno, como o exame de DNA, em respeito ao princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana.

405
INFORMATIVO Nº 629 DO STF - PROCESSO RE - 540829

Em conclusão, o Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário em que discutida


a possibilidade, ou não, de superação da coisa julgada em ação de investigação de
paternidade cuja sentença tenha decretado a extinção do processo, sem julgamento do
mérito, por insuficiência probatória — v. Informativo 622. Decretou-se a extinção do
processo original sem julgamento do mérito e permitiu-se o trâmite da atual ação de
investigação de paternidade. Prevaleceu o voto proferido pelo Min. Dias Toffoli. Para
ele, dever-se-ia ressaltar a evolução dos meios de prova para aferição da paternidade
— culminada com o advento do exame de DNA — e a prevalência da busca da verdade
real sobre a coisa julgada, visto estar em jogo o direito à personalidade. Ressaltou que
este direito teria sido obstaculizado, no caso, pelo fato de o Estado haver faltado com
seu dever de assistência jurídica, uma vez que não custeara o exame à época da ação
anterior. Os demais Ministros que deram provimento ao recurso ressaltaram que a
espécie envolveria o cotejo entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa
humana, consubstanciado no direito à informação genética. O Min.Luiz Fux destacou
a existência de corrente doutrinária que flexibilizaria o prazo para ajuizamento de ação
rescisória nas hipóteses de ação de investigação de paternidade julgada improcedente
por ausência de provas, o que corroboraria a superação da coisa julgada. Vencidos os
Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, Presidente, que desproviam o recurso. O Min.
Marco Aurélio apontou que o réu, na ação em comento, não poderia ser obrigado a
fazer o exame de DNA. Isso, entretanto, não implicaria presunção absoluta de
paternidade, mas apenas relativa, a ser confrontada com as provas trazidas ao processo.
Asseverou que o ordenamento traria exceções à imutabilidade da coisa julgada, a
exemplo da ação rescisória, limitada ao prazo de 2 anos após o trânsito em julgado da
ação de origem. Como, na situação em tela, haveria lapso de mais de 10 anos, a aludida
exceção não seria aplicável. Destacou, ainda, a probabilidade de o interesse do autor
ser patrimonial, e não relativo à sua identidade genética. O Presidente, por sua vez,
afirmou que o princípio da coisa julgada seria o postulado da certeza, a própria ética
do direito. A respeito, assinalou que o direito não estaria na verdade, mas na segurança.
Reputou que a relativização desse princípio em face da dignidade da pessoa humana
poderia justificar, de igual modo, a prevalência do direito fundamental à liberdade, por
exemplo, de maneira que nenhuma sentença penal condenatória seria definitiva.

406
Salientou que, hoje em dia, o Estado seria obrigado a custear o exame de DNA do autor
carente, de forma que a decisão da Corte teria pouca aplicabilidade prática. Por fim,
frisou que a questão envolveria também a dignidade humana do réu, não apenas do
autor, visto que uma nova ação de investigação de paternidade teria profunda
repercussão na vida familiar daquele. RE 363889/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 2.6.2011.
(RE-363889)
LEI Nº 5.478/1968 - Dispõe sobre ação de alimentos:
art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer
tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
LEI No 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985 - Disciplina a ação civil pública:
art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

a coisa julgada secundum eventum litis


ela depende do resultado do processo
havendo procedência da demanda ou face à improcedência fundada em provas
suficientes, operar-se-á coisa julgada;
caso contrário, havendo improcedência por falta de provas, poderá ser proposta nova
ação, com base em prova nova
Código de defesa do consumidor
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico
fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do
art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência
por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese
prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as
vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

407
§1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses
e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os
interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão
propor ação de indenização a título individual.
Lei nº 4.717, DE 29 DE JUNHO DE 1965: Regula a ação popular
art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso
de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso,
qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: poderes do legislador e do juiz: A


proteção constitucional tutela a “atuação direta do legislador, contra ataque direto da
lei” (SILVA, 2008, p. 437). Contudo, a lei pode preordenar licitamente regras de
rescindibilidade da coisa julgada por meio de ação rescisória – art. 485 do CPC.

Para Maria Helena Diniz, a autoridade da coisa julgada “requer por parte dos
três Poderes o seu respeito e o reconhecimento do direito subjetivo por ela garantido,
exceto se contiver vício de anulabilidade, caso em que será cabível sua rescindibilidade
no modus procedendi previsto legalmente (CPC arts. 485 a 495)” (DINIZ, 2010, p. 223)

O caso da coisa julgada inconstitucional

a declaração de inconstitucionalidade alcança sentenças judiciais transitadas em julgado?

ato inexistente – sem efeito – pode ser desconstituído a qualquer tempo – tema polêmico.

CPC ANTIGO:

Art. 475-L do CPC: A impugnação somente poderá versar sobre: (...) II – inexigibilidade
do título; §1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se
também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatíveis com a Constituição Federal.

408
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
(Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) II - inexigibilidade do título; Parágrafo único.
Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível
o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato
normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição
Federal. (Redação pela Lei nº 11.232, de 2005)

CPC 2016:

ART. 525, § 12. Para efeito do disposto no inciso III do §1º deste artigo [III -
inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação], considera-se também
inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato
normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal
como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade
concentrado ou difuso.

ART. 535, §5o Para efeito do disposto no inciso III [III - inexequibilidade do título ou
inexigibilidade da obrigação] do caput deste artigo, considera-se também inexigível a
obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade
concentrado ou difuso.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Julgamento. Sentença de mérito.


Oponibilidade erga omnes e força vinculante. Efeito ex tunc. Ofensa à sua autoridade.
Caracterização. Acórdão em sentido contrário, em ação rescisória. Prolação durante a vigência e
nos termos de liminar expedida na ação direta de inconstitucionalidade. Irrelevância. Eficácia
retroativa da decisão de mérito da ADI. Aplicação do princípio da máxima efetividade das normas
constitucionais. Liminar concedida em reclamação, para suspender os efeitos do acórdão
impugnado. Agravo improvido. Voto vencido. Reputa-se ofensivo à autoridade de sentença de

409
mérito proferida em ação direta de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, o acórdão que,
julgando improcedente ação rescisória, adotou entendimento contrário, ainda que na vigência e
nos termos de liminar concedida na mesma ação direta de inconstitucionalidade - Rcl 2600 AgR,
Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/09/2006.

ENTRETANTO: COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL. INDISCUTIBILIDADE,


IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM
OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL – PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA
JULGADA – EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS – VALORES
FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – EFICÁCIA
PRECLUSIVA DA “RES JUDICATA”(...) IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE
CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AINDA
QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO
DO ART. 741 DO CPC E DO §5º, DO ART. 884 DA CLT: "A superveniência de decisão do
Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado
como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc” –
como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização
concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) –, não se revela apta, só por si, a
desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite
insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da
Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. - O significado do instituto da coisa julgada material como
expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à
existência do Estado Democrático de Direito" (ARE 662597 AgR-terceiro, Relator: Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/10/2014)

IMPORTANTE: Caso 2: “1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a


constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do
ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida
norma do sistema de direito. 2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente
em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes
atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se,
tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da

410
Carta Constitucional. 3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da
norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no
Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos
administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que
formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional. 4. Afirma-se,
portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando
a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática
reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para
que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura
da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo
decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da
ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso
concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. 5. No caso, mais de dois anos se passaram
entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a
constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C
na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a
inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é
insuscetível de rescisão (RE 730462, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado
em 28/05/2015).

Caso 1: "Possui repercussão geral a questão constitucional atinente à compatibilidade entre a


garantia constitucional da coisa julgada e o parágrafo único do art. 741 do Código de Processo
Civil" (RE 611503 RG, Relator: Min. AYRES BRITTO, julgado em 16/12/2010). Decisão em
18.09.2014: Adiado para julgar conjuntamente com a ADI nº 2418, a ADI nº 3.740 e o RE
590.880. Andamento atualizado em 07MAI2017:

(a) O pedido da ADI nº 2418 foi julgado improcedente. Acórdão abaixo;

(b) A ADI 3740 está conclusa com o relator (Gilmar Mendes) desde 13.04.2016;

(c) O RE 590880: No dia 01.06.2016, o Ministro Ricardo Lewandowski, como Presidente,


indicou adiamento para proferir o voto de desempate após melhor exame da matéria.

(d) O RE 611503: No dia 01.06.2016, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski.

“São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º


do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art.

411
525, §1º, III e §§12 e 14, o art. 535, §5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia
da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro
um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade
qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada
em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por
aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda
tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer
dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido
de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda”
(ADI 2418, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2016).

Sobre a progressividade dos 3 institutos:

"Em livro recentemente publicado pela Editora Forense, sob o título "Teoria
da Constituição" 112/113, escrevi: '(...) se um determinado funcionário alcança o tempo
mínimo de 35 anos de contribuição previdenciária, ele ganha o direito à aposentadoria
com proventos integrais, e esse direito, por fluir direta e exclusivamente de uma norma
geral, se categoriza como adquirido. Contudo, se o funcionário formaliza o seu pedido de
aposentação e a Administração Pública. expede o respectivo ato, com sequenciada
aprovação pelo Tribunal de Contas, o direito subjetivo, que era do tipo adquirido, passa
a se chamar ato jurídico perfeito. E se alguém impugna em Juízo a validade de tal
aposentadoria, vindo o Judiciário a definitivamente confirmar, não a impugnação, mas o
ato executiva da aposentação, o direito subjetivo, que já teve a sua fase de direito
adquirido e o seu estágio de ato jurídico perfeito, agora muda outra vez de nome e passa
a se chamar coisa julgada ( ... )" (voto do Ministro Carlos Brito na ADI 3105, fl. 180 do
acórdão)

DISTINÇÃO:

"Ao cuidar do ato jurídico perfeito, o preceito constitucional está a referir


situações existentes e válidas [mesmo que ainda não eficazes] --- exemplificando: o
testamento formalizado no regime da lei anterior, enquanto vivo o testador, e, de forma

412
geral, os negócios jurídicos sujeitos a condição suspensiva. Nesses casos, verificados
os pressupostos da existência e os elementos da validade, as situações mantêm-se
íntegras, a salvo de eventuais modificações, no direito positivo, que incidam sobre tais
pressupostos e elementos. Não se trata, então, de direito adquirido, mas de ato jurídico
perfeito os contemplados pelo testamento feito no regime da lei anterior [enquanto vivo
o testador], ou os contratantes que se vincularam sob condição suspensiva [enquanto
esta não se verifica], não são titulares de "direito adquirido". Resulta nítida, destarte, a
distinção entre direito adquirido e ato jurídico perfeito, o que evita a confusão entre
ambos, quando o primeiro é submetido ao segundo e vice-versa. Pois é certo existir
direito adquirido que não se funda em ato jurídico perfeito [os direitos do nascituro,
v.g.] e ato jurídico perfeito que não implica direito adquirido [justamente os negócios
sujeitos a condição suspensiva e o testamento, em ambos os casos enquanto,
respectivamente, não verificada a condição, ou vivo o testador]" - voto do Ministro
Eros Grau na ADI 3105, fls. 256/257 do acórdão - nota nº 13).
Pronunciamentos relevantes
a) “Inquérito policial: arquivamento com base na atipicidade do fato: eficácia de coisa julgada
material. A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido
do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão, produz
coisa julgada material, que — ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente
incompetente —, impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio”51;
b) “Constitucional. Servidor público. Vantagem deferida por sentença judicial transitada em
julgado. Tribunal de Contas: determinação no sentido da exclusão da vantagem. Coisa julgada:
ofensa. CF, art. 5º, XXXVI. Vantagem pecuniária incorporada aos proventos de aposentadoria de
servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de
Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica
coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória.”52

51
HC 80.560, Relator Sepúlveda Pertence, RTJ 179, t. 2, p. 755; Inq 1.538, Relator Sepúlveda
Pertence, RTJ 178, t. 3, p. 1090; Inq 2.044-QO, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 28.10.2004; HC
75.907, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 9.4.1999; HC 80.263, Relator Ilmar Galvão, RTJ 186, t. 3, p
1040; HC 83.346, Relator Sepúlveda Pertence, DJ 19.8.2005.

52
MS 25.460, Relator Carlos Velloso, DJ 10.2.2006.

413
c) Em 02.06.2011, o Pleno do STF, por maioria de votos (vencidos Marco Aurélio e Cezar Peluso),
no RE 363.889, “afastou a coisa julgada material, formada sobre decisão de improcedência por
falta de provas, em demandas que envolvam relação de filiação, quando for alegada a viabilidade
de produção de prova técnica capaz de reverter a conclusão do julgamento anterior, cuja
realização só tenha se mostrado possível, do ponto de vista prático, pelo avanço tecnológico
superveniente, somado à inadequação do regime da assistência jurídica aos necessitados,
respeitado, em qualquer caso, o prazo de dois anos para o ajuizamento de nova demanda, que flui,
por presunção iuris tantum, a contar do trânsito em julgado da demanda anterior, salvo nas
hipóteses excepcionais em que restar também excepcionalmente demonstrado que apenas
posteriormente se tornou viável, do ponto de vista prático, o acesso ao exame de DNA, cabendo
ao demandante o ônus do afastamento da referida presunção”53.

COISA JULGADA ADMINISTRATIVA

Ação rescisória. Recurso extraordinário. Alegação de ofensa a coisa julgada


administrativa e a direito adquirido. - A coisa julgada a que se refere o artigo 5º, XXXVI,
da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código
Civil, a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada coisa julgada
administrativa" - RE 144996, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma,
julgado em 29/04/1997.

APOSENTADORIA - ATO ADMINISTRATIVO DO CONSELHO DA


MAGISTRATURA - NATUREZA - COISA JULGADA ADMINISTRATIVA -
INEXISTÊNCIA. O ato de aposentadoria exsurge complexo, somente se aperfeiçoando
com o registro perante a Corte de Contas. Insubsistência de decisão judicial na qual
assentada, como óbice ao exame da legalidade, a coisa julgada administrativa" RE
195861, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 26/08/1997.

Admite-se a retroatividade da lei (NADER, 2009, pp. 252-253):

53
Trecho do voto-vista do Min. Luiz Fux no RE 363889 Relator: MIN. DIAS TOFFOLI, acórdão
pendente de julgamento. Voto do relator.

414
a) no Direito Penal, quando as disposições novas beneficiam aos réus na exclusão do caráter
delituoso do ato ou no sentido de minorarem a penalidade;
b) no tocante às leis interpretativas
c) quanto às leis abolitivas, que extinguem instituições sociais ou jurídicas, incompatíveis com o
novo sentimento ético da sociedade, como ocorreu com a abolição da escravatura
Admite-se o efeito imediato da nova lei:
a) em relação às normas processuais
b) quanto às normas cogentes ou taxativas, como as de Direito de Família
c) quanto às normas de ordem pública (ver observação acima!!!!)
d) quanto ao Direito das Obrigações, no tocante às regras imperativas (ver observação acima!!!!)
No direito das sucessões, prevalece a norma vigente no momento da abertura da sucessão
No tocante ao testamento, prevalece a norma da época em que foi passado

REFERÊNCIAS

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Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito


intertemporal e o novo Código Civil. in: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (coord.)
Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada:
estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

BIZARRIA, Juliana Carolina Frutuoso. Direito adquirido e situações contratuais: uma


análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Privado. vol.
33. jan., 2008.

DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

_____. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretado. 15ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.

FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. O efeito repristinatório na declaração de


inconstitucinalidade. In: Marcelo Novelino Camargo; André Ramos Tavares ... [et al.]

415
(orgs.) Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade
e hermenêutica constitucional. 2. ed., rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2008.
GURGEL DE FARIA, Luiz Alberto. Revista de Direito do Trabalho. vol. 117, p. 137.
jan. 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito


constitucional. 8ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31ª ed., rev. e atual., de acordo com o
Código civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

NORONHA, Fernando. Indispensável reequacionamento das questões fundamentais de


direito intertemporal. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 94, n. 837, p. 55-78, jul. 2005.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com


exercícios para sala de aula e lições de casa. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

PEIXOTO, J. C. Matos. Limite temporal da lei. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 37,
n. 173, p. 459-485, jun. 1948.

SARLET, Ingo Wolfgang. "A Eficácia Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da


Pessoa Humana. Direitos Fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no Direito
Constitucional Brasileiro. in: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (coord.) Constituição e
segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em
homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

SILVA, José Afonso da. “Constituição e Segurança Jurídica”. in: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes (coord.) Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito
e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo
Horizonte: Fórum, 2004.

_____. Curso de direito constitucional positivo. 30ª. ed., rev. e atual. até a Emenda
Constitucional n. 56, de 20.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2012.

416
Voto do Ministro Celso de Melo no RE 415.454, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 8-2-2007:

"Esse entendimento que emana, diretamente, do postulado constitucional da


segurança jurídica - desautoriza, ainda que se trate de diploma legislativo de ordem
pública, a projeção imediata de lei nova (como a Lei n 2 9.032/95) sobre os efeitos futuros
resultantes de causa a ela anterior, sob pena de se configurar situação caracterizadora de
retroatividade mínima, vedada pela cláusula inscrita no inciso XXXVI do art. 52 da
Constituição da República, como o evidenciam decisões deste Tribunal proferidas a
propósito da inaplicabilidade de lei nova a benefícios de caráter previdenciário
anteriormente deferidos, como a aposentadoria [...]

Não custa assinalar, neste ponto, essa diretriz jurisprudencial - de que


constitui significativa expressão a Súmula 359/STF - nada mais reflete senão o
entendimento de autorizado magistério doutrinário (...), valendo referir, ante a extrema
pertinência de que se reveste, a lição de MATOS PEIXOTO ("Limite Temporal da Lei",
"in" Revista dos Tribunais, vol. 173/459, 468): “( ... ) A lei que cancela tais efeitos
repercute no fato jurígeno anterior e a sua ação pode ser imediata no sentido de que se
exerce imediatamente, mas nem por isso deixa de ser retroativa por alterar, após a sua
vigência, as consequências de fatos pretéritos.

14. É essa a forma mais branda da retroatividade, mas há outras em que ela
atua mais intensamente. Sob esse ponto de vista, cumpre distinguir, em matéria civil, três
espécies de retroatividade: máxima, média e mínima.

Dá-se a retroatividade máxima (também chamada restitutória, porque em


geral restitui as partes ao 'statu quo ante'), quando a lei nova ataca a coisa julgada e os
fatos consumados (transação, pagamento, prescrição). ( ... ).

A retroatividade é média quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato


jurídico verificados antes dela (...).

Enfim, a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada),


quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em
que ela entra em vigor (...).

15. A classificação da retroatividade, nessas três espécies (máxima, média e


mínima), baseia-se na maior ou menor lesão ao patrimônio, tomada esta palavra no

417
sentido amplo que Gabba lhe atribui. Por isso tais espécies englobam-se sob uma
denominação comum: retroatividade injusta. Contrapõe-se-lhe a retroatividade justa, que
não causa dano ao patrimônio."

Perfilha igual orientação J. M. OTHON SIDOU ("O Direito Legal" , p.


228/229, item XIII, 1985, Forense) , para quem, considerada a concepção vigente no
sistema normativo brasileiro pertinente à resolução do conflito intertemporal de leis, "A
Lei nova não atinge consequências que, segundo a lei anterior, deviam derivar da
existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, isto é, que se unem à sua causa
como um corolário necessário e útil", enfatizando, a esse propósito, que: "Retroativa e,
portanto, condenável (...) é não somente a regra positiva que contrasta com as
consequências, já realizadas, do fato consumado, mas também a que impede as
consequências futuras do mesmo fato, por uma razão relativa só a ele'"

RETROATIVIDADE MÁXIMA, MÉDIA E MÍNIMA

VOTO do MINISTRO GILMAR MENDES na AÇÃO DECLARATÓRIA DE


CONSTITUCIONALIDADE nº 29
É, ainda hoje, multiplamente referida a lição de Moreira Alves (relatório/voto na ADI
493, julgada em 25.6.1992), citando José Carlos de Matos Peixoto, o Professor Matos Peixoto, no
Curso de Direito Romano:
"Normalmente as leis dispõem para o futuro, não olham para o passado. Em
consequência, os atos anteriores à vigência da lei nova, regulam-se não por ela, mas pela lei do
tempo em que foram praticados – tempus regit actum.
Entretanto, algumas leis afastam-se, excepcionalmente, dessa regra e retrocedem no
tempo, alcançando fatos pretéritos ou os seus efeitos. Tais leis chamam-se retroativas. Mas a força
retroativa da lei não tem sempre a mesma intensidade. Desse ponto de vista, distinguem-se, em
direito civil – dizia Matos Peixoto, citado por Moreira Alves – três graus de retroatividade:
máxima, média e mínima.
Dá-se retroatividade máxima, também chamada restitutória, quando a lei nova abrange
a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados. Está nesse caso, por
exemplo, a lei canônica que aboliu a usura e obrigava o credor solvável a restituir ao devedor, aos

418
seus herdeiros ou, na falta destes, aos pobres, os juros já recebidos. Também o era a lei francesa
de 12 de brumário, do ano II (3 de novembro de 1793), que admitiu esses naturais à sucessão
paterna e materna em igualdade de condições com os filhos legítimos, desde 14 de julho de 1789,
data em que, segundo as leis revolucionárias da época, les droits de la nature ont repris leur empire.
A retroatividade operava radicalmente no passado, até a data referida, refazendo mesmo as
partilhas definitivamente julgadas. A retroatividade é média, quando a lei nova atinge os direitos
exigíveis, mas não realizados antes da sua vigência. Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de
juros e se aplicasse aos já vencidos, mas não pagos.
Enfim, a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando
a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em
vigor. Tal é a Constituição de Justiniano que limitou a seis por cento, em geral, após sua vigência,
a taxa de juros dos contratos anteriores. No mesmo caso está o Decreto n. 22.626, de 07 de abril
de 1933, Lei de Usura, que reduziu a doze por cento, em geral, as taxas dos juros vencidos após a
data da sua obrigatoriedade”.
E prosseguia, então, o Ministro Moreira Alves:
“Como assinala Arnold Wald, 'a doutrina fez uma distinção fecunda entre a
retroatividade máxima, que alcança o direito adquirido e afeta os negócios jurídicos findos; a
retroatividade média, que alcança os direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio
do titular e a retroatividade mínima, que confunde com o efeito imediato da lei e só implica sujeitar
à lei novas consequências a ela posteriores de atos jurídicos praticados na vigência da lei anterior.
Nesse sentido, por igual, a lição de Caio Mário da Silva Pereira – dizia então Moreira
Alves:
‘Quando uma lei atinge os efeitos dos atos jurídicos praticados ou as situações jurídicas
constituídas, os direitos subjetivos adquiridos sobre o império da lei caduca, diz-se que é retroativa.
Os princípios de direito intertemporal têm por escopo indagar em que casos ocorre a retroatividade
da lei, e formular as regras, segundo as quais o aplicador se informa de quando o efeito imediato
da lei não envolve uma atuação retro-operante. Noutros termos, sob a rubrica Direito Intertemporal,
a Ciência Jurídica formula os princípios que devem nortear o intérprete na conciliação daqueles
dois cânones fundamentais do ordenamento jurídico, que são a lei do progresso e o conceito de
estabilidade das relações humanas’”.
E ele dizia ainda mais – o Min. Moreira Alves –, citando agora um dos nossos clássicos
do Direito Civil; nada mais, nada menos do que Serpa Lopes:

419
“Se esse fato foi inteiramente exaurido na lei pretérita, a nenhum conflito dará lugar,
pois se trata de uma situação consumada, inteiramente indiferente à nova lei superveniente.
Também nenhum conflito pode gerar os novos fatos supervenientes e surgidos e consumados
inteiramente sob a vigência da nova lei, pois esta tem, necessariamente, sobre eles um império
absoluto. O grande problema assenta em relação àqueles fatos ou àquelas situações jurídicas que,
nascidas no regime da lei ab-rogada, prosseguem em trânsito até serem apanhados pela nova lei
revogadora”.
E, mais adiante, – diz Moreira Alves – refutando a tese de que a aplicação imediata é
inconfundível com o efeito retroativo, completa Serpa Lopes:
“O argumento em geral não nos parece procedente. A lei pretérita teve vigência num
determinado espaço de tempo e os fatos jurídicos então ocorridos muitas vezes não se paralisam
igualmente com a cessação da lei. Pelo contrário. Muitos deles se projetam durante largo tempo,
em etapas continuadas, como num filme cinematográfico.
A controvérsia gira, precisamente, em torno de se saber até que ponto deve chegar o
respeito aos efeitos da lei pretérita.
O argumento de que a lei pretérita só pode ser tomada em consideração, pelo juiz, tanto
quanto lhe autorize ou lhe dê força a lei vigente e obrigatória, é possível em países onde a
irretroatividade da lei não for princípio. Mas que, como acontece entre nós, a irretroatividade
constituir um princípio constitucional, a lei pretérita tem força de aplicação em se cogitando de um
direito adquirido, ou de uma situação jurídica definitivamente constituída, ou de um julgado de que
não caiba mais recurso”.
A doutrina portuguesa moderna também adota a distinção da retroatividade em três
graus:
a) A retroatividade de grau máximo seria aquela em que a lei nova nem sequer
respeitasse as situações definitivamente decididas por sentença transitada em julgado ou por
qualquer outro título equivalente (sentença arbitral homologada, transação etc.) ou aquelas causas
em que o direito de ação já havia caducado (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao
discurso legitimador, 12. reimpr., Coimbra, 2000, p. 226). Ou seja, não seriam respeitadas as
causae finitae.
b) Na lição de Baptista de Machado, o segundo caso, que podemos chamar de
retroatividade média, está representado por aquela situação que, “respeitando embora as causae
finitae, não se detém sequer perante efeitos jurídicos já produzidos no passado, mas que não

420
chegaram a ser objecto de uma decisão judicial, nem foram cobertos ou consolidados por um título
equivalente”; nesse sentido, observa-se que tal retroatividade viria a se verificar se, v. g., uma lei
nova viesse a reduzir a taxa legal de juros máximos e estabelecesse a sua aplicação retroativa em
termos de obrigar a restituir os próprios juros vencidos sob a lei anterior (e em face desta
perfeitamente legais) (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador,
12. reimpr., Coimbra, 2000, p. 226).
c) Finalmente, mencione-se a também chamada retroatividade mínima ou normal, que
respeita os efeitos de direito já produzidos pela situação jurídica sob a lei anterior; seria o caso se
lei nova viesse a estabelecer prazo mínimo mais longo para arrendamento rural e mandasse aplicar
esse prazo aos contratos em curso no momento do início de vigência ou, ainda, se a lei nova viesse
reduzir o máximo da taxa legal de juros e se declarasse aplicável aos juros dos contratos de mútuo
em curso no momento do seu início de vigência, relativamente aos juros que viessem a vencer no
futuro (Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, 12. reimpr.,
Coimbra, 2000, p. 226).

Perguntas:
01 - O que é Direito Intertemporal?
02 - O que é situação jurídica?
03 - Quais as situações jurídicas possíveis? Explique-as.
04 - Quais os critérios para solucionar os conflitos de lei no tempo? Explique as
doutrinas.
05 - Existe uniformidade teórica no STJ e no STF sobre o assunto?
06 - Quais os graus de retroatividade existentes? Explique-as.
07 - Conceitue o direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada.
08 - Qual a relação entre direito adquirido e direito subjetivo?
09 - Direto adquirido é absoluto? Explique.
10 - O que é coisa julgada secundum eventum litis?
11 - O que é coisa julgada inconstitucional? Qual a posição do STF a esse respeito?

421
EXEMPLOS

Informativo STF Nº 783 Brasília, 27 de abril a 1º de maio de 2015 - Plano


Real: contrato de locação comercial - 5
O Plenário destacou, por fim, que as normas sobre correção monetária
editadas no âmbito de planos econômicos, como no caso, teriam, de modo geral, a
importante e necessária função de manter o equilíbrio da equação financeira das
obrigações pecuniárias legais e contratuais nascidas anteriormente. Essas obrigações,
formadas em época de profunda crise inflacionária, sofreriam, com a edição desses
planos, o impacto de uma nova realidade, que seria a estabilização — ou, pelo menos, a
brusca desaceleração — dos preços, imposta por congelamento ou por outros mecanismos
com função semelhante. Portanto, considerando que as normas em questão — constantes
do art. 21 da Lei 9.069/1995 — editadas no âmbito da implantação de novo sistema
monetário, chamado Plano Real, teriam natureza institucional ou estatutária, não haveria
inconstitucionalidade em sua aplicação imediata — que não se confundiria com aplicação
retroativa —, para disciplinar as cláusulas de correção monetária de contratos em curso.
Vencidos — no RE 211.304/RJ, no RE 222.140/SP e no RE 268.652/RJ —, os Ministros
Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski (Presidente), e — no RE 212.609/SP e
no RE 215.016/SP —, os Ministros Carlos Velloso (relator) e Marco Aurélio, que davam
provimento aos recursos, porquanto entendiam estar configurada a ofensa ao art. 5º,
XXXVI, da CF.

"A mera prorrogação, pela EC 42/2003, da alíquota majorada da CPMF,


estipulada em 0,38%, não se sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal, inscrito
no art. 195, §6º, da Constituição Federal. Orientação firmada no RE 566.032 RG.
“Impenhorabilidade da pequena propriedade rural de exploração familiar
(CF, art. 5º, XXVI): aplicação imediata. A norma que torna impenhorável determinado
bem desconstitui a penhora anteriormente efetivada, sem ofensa de ato jurídico perfeito
ou de direito adquirido do credor: precedentes sobre hipótese similar. A falta de lei
anterior ou posterior necessária à aplicabilidade de regra constitucional – sobretudo
quando criadora de direito ou garantia fundamental – pode ser suprida por analogia:
donde, a validade da utilização, para viabilizar a aplicação do art. 5º, XXVI, CF, do
conceito de 'propriedade familiar' do Estatuto da Terra.” (RE 136.753, Rel. Min.

422
Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2-1997, Plenário, DJ de 25-4-1997)

NORMA DE APLICAÇÃO DE CRITÉRIO DE DESEMPATE ENTRE


MAGISTRADOS PARA AFERIÇÃO DE ANTIGUIDADE NA CARREIRA.
SEGURANÇA JURÍDICA
"2. A novel alteração do Regimento aplica-se aos empossados em período
ulterior à reforma da norma secundária. 3. A republicação da lista a cada ano tem o escopo
de apurar eventual alteração ocorrida, mas não o de alterar, pela aplicação de outros
critérios, o desempate já definido, desde a classificação inicial, entre os que se encontram
com o tempo idêntico na mesma classe" - STF - RECURSO ORD. EM MANDADO DE
SEGURANÇA RMS 26079 SC - publicação: 19/04/2012

AÇÃO MONITÓRIA de nota promissória. PRESCRIÇÃO


"Nos termos do artigo 2.028, do vigente Código Civil, quando reduzidos os
prazos prescricionais, serão os da lei anterior os prazos e se na entrada em vigor do novo
Código, já houver transcorrido mais da metade do prazo prescricional estabelecido no
Código Civil de 1916. No caso, o título data de 2001, aplicando-se o novo regramento
que estabelece o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, com termo inicial na data de
entrada em vigor do novo Código (12/01/2003). Ação ajuizada em 2011. Pretensão
atingida pela prescrição" - Apelação Cível Nº 70059747485, Décima Segunda Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 25/09/2014

Segue outra jurisprudência correlata, extraída do site Ponto dos Concursos.


fonte:
http://www.pontodosconcursos.com.br/artigos3.asp?prof=4&art=7901&idpag=1
06/03/2012): Mudança de edital de concurso em andamento motivada por
legislação superveniente
Hoje vou comentar, em breves linhas, um entendimento que já está
consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e que, a meu ver, não é lá muito
intuitivo.
A questão que foi discutida por nossa Corte Máxima, e já está pacificada, é,
essencialmente, a seguinte: pode a administração pública modificar o edital de um
concurso público no transcurso do certame?

423
Reparem que não se está falando de correções de pequenos erros no edital,
que não afetem as condições do concurso.
Também não se está cogitando a correção de erros relevantes no edital, mas
feita antes da data de realização das primeiras provas. Nesse caso – correção de erros
importantes, antes de iniciado o concurso –, a correção é possível, com a republicação do
edital, desde que se adie a data originalmente prevista para as provas, de sorte a
possibilitar que os candidatos tenham tempo de se readequar, tendo em conta as condições
estabelecidas no novo edital.
A discussão que hoje me traz a este espaço é sobre a possibilidade de
modificações do edital que alterem substancialmente as condições de realização do
concurso, com o certame já em andamento.
A resposta intuitiva é: claro que a administração não pode fazer isso!
E está correta…
Porém, no direito, quase tudo tem a “famosa” exceção. Inclusive aquela
“resposta intuitiva”.
De fato, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, várias vezes, que, embora o
edital seja a “lei do concurso” – portanto, de observância obrigatória para todas as partes
envolvidas –, é legítimo que a administração pública modifique condições de um
concurso, já em andamento, que estivessem originalmente previstas no respectivo edital,
quando isso for necessário para adequação a eventuais novidades surgidas na legislação
posteriormente à publicação do edital, contanto que o concurso público ainda não esteja
concluído e homologado. Vejam, como exemplos, o RE 318.106/RN, rel. Min. Ellen
Gracie, julgado em 18.10.2005; e os MS 26.668/DF, 26.673/DF e 26.810/DF, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgados em 15.04.2009.
Dessa forma, exemplificando, imaginem que um determinado município
estivesse realizando um concurso público para o cargo “W” em que houvesse uma
segunda etapa consistente em um “curso de formação”, meramente classificatório, com
duração, prevista originalmente no edital, de dois meses. Suponha-se que, logo depois de
concluída a primeira etapa, o mesmo município editasse uma lei exigindo que, para o
cargo “W”, o concurso público fosse integrado por uma etapa de “curso de formação”,
eliminatório e classificatório, com duração mínima de três meses. Nessa hipótese, a
administração pública municipal teria que modificar o edital para adaptá-lo à nova lei
(porque o concurso ainda não estava concluído e homologado) e todos os candidatos que

424
tivessem passado pela primeira etapa estariam sujeitos ao “curso de formação”,
eliminatório e classificatório, com duração de três meses.
Observem que a situação é realmente excepcional, e muito restrita. O único
motivo que autoriza (ou determina) a modificação das regras do concurso pela
administração, depois de publicado o edital e já iniciado o certame, é: a superveniência
de alteração na legislação pertinente. Com efeito, nas literais palavras do Supremo
Tribunal Federal, “após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a
alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a
respectiva carreira” (MS 27.160/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 18.12.2008).
Além disso, notem que, mesmo nessa hipótese excepcional de legislação
superveniente ao edital, a alteração das condições do concurso não será possível se ele já
estiver concluído e homologado (eu sei que é um tanto óbvio, mas nunca se sabe, é sempre
bom frisar).
Até a próxima.

425
4. O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO:

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA

O conceito de política. Política e direito.


Políticas públicas e o papel do Juiz.

● POLÍTICA

⇒ Substantivo: “o termo política geralmente designa a ação política propriamente


dita”;
⇒ Adjetivo: “político(a) serve para qualificar um conteúdo (poder político,
instituições políticas, etc)”
⇒ SIGNIFICADO CLÁSSICO
⇒ Deriva do adjetivo originado de polis (politikós) (BOBBIO, 2000, p. 159)
Cidade
Urbano
Tudo o que se refere Civil
à Público
Sociável/socia
l

POLÍTICA – ARISTÓTELES
Natureza/função e divisão de
Primeiro tratado
poderes
sobre
Formas de governo
⇒ “o termos política foi usado durante séculos para designar principalmente obras
dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum modo
às coisas do Estado” (BOBBIO, 1991, p. 954)
Ciência do Estado
O termo “política” foi substituído por outras Doutrina do
expressões Estado
Ciência política

426
Filosofia política
⇒ A professora Maria Francisca Pinheiro Coelho, em um texto em que demonstra o
gosto dos brasileiros pela política “e o desgosto com os políticos” possui ideia semelhante
ao assinalar: “Mudanças semânticas ocorreram no termo e hoje se identifica política quase
que exclusivamente com a ação do Estado” (COELHO, 2000, p. 62).
⇒ Em seu texto, sugere “que, embora haja uma tendência natural de identificar a
política com a ação do Estado, há uma enorme diferença entre a política como uma
atividade profissional e a política como aquilo que se refere à polis, isto é, a política como
uma atividade que envolve o processo de formação de opinião sobre o que é comum a
todos na sociedade” (COELHO, 2000, p. 67 – grifo no original).
⇒ Eurico Santos, igualmente, entende por política “aquela dimensão da vida social
em que são travadas as discussões e as disputas em torno de decisões capazes de afetar o
‘bem viver’ de uma sociedade e dos indivíduos membros dessa sociedade. Trata-se da
‘preocupação com o mundo’ como sentido último da política, conforme pretende Hannah
Arendt. Sociologicamente falando, isso engloba instituições, leis, fatores históricos e
econômicos, bem como valores, crenças das mais variadas naturezas, costumes
irrefletidos e hábitos arraigados” (SANTOS, 2000, p. 89).
⇒ Os principais atores do processo político – Estado, governos e partidos –,
exatamente para manter um estilo de dominação viciosa – a sociedade esperando um
Estado protetor e os governantes atuando nesse papel – reforçam a representação “de uma
sociedade acomodada e a visão da política como proteção e assistência, retirando-lhe o
seu conteúdo de persuasão e de convencimento. Com a produção e a reprodução dessa
imagem, quando o Estado não é protetor, gera frustração e descrença. O significado da
política foi substituído pelo de assistencialismo. A política como ação plural está na
sociedade, mas, não, no Estado. Nele a noção de política foi identificada com a questão
social, que envolve a satisfação de necessidades básicas” (PINHEIRO, 2000, p. 68 – grifo
no original).

CARACTERÍSTICAS (SÁNCHEZ AGESTA, 1987, p. 922).


Considerada a política como forma de conduta humana livre e polêmica que se projeta
como poder sobre a ordem vinculadora de uma comunidade para realizar o bem público,
podem ser identificadas as seguintes características:
a) é uma atividade livre, não sujeita a normas jurídicas. Na vida social há atos cuja

427
realização e eficácia estão previstos em uma norma jurídica. A ação política, ao contrário,
não se desenvolve de acordo com uma norma; ela é criadora, fonte de mudanças, de
inovações e de imprevisto. O cidadão que vota, a imprensa que comenta, os grupos que
pressionam, o governante que propõe uma lei realizam, neste sentido, uma atividade
política – ATENÇÃO - objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil!!
b) É uma atividade polêmica, ou uma decisão que concilia posições conflitantes. Esse
caráter decorre da mesma liberdade com que se realiza a atividade política. A ordem
jurídica é o já decidido. A ação política pugna por novas decisões, ou as impõe.
c) É união que se manifesta como poder normativo. Quando se apresenta como uma ação
interna do poder organizado, possui um valor de configuração da ordem que se chama
vinculadora; quando se traduz numa ação externa, em relação ao poder organizado que
aspira a influir sobre a ordem, ela cria, desenvolve e exerce um poder social para exercer
influência nas decisões desse poder.
d) Essa atividade política se projeta como poder sobre uma ordem vinculadora que se
formaliza através das normas jurídicas. É essencial a essa ordem uma distribuição de
bens e valores, ao mesmo tempo em que ela define situações jurídicas ou de poder dentro
da comunidade. Como ordem distributiva fundamenta-se em princípios que lhes servem
de critérios. Um liberal e um socialista têm conceitos diferentes de ordem, pois partem
de critérios diversos para realizar essa distribuição de bens e valores
e) Orientação para a realização de fins e para a seleção dos meios adequados. Os anglo-
saxões denominam esse conteúdo específico de policy, diferençando-o de politics, que
compreende a ação polêmica do poder, ou sobre o poder, para a tomada de uma decisão
relativa à ordem

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE – POLICY E POLITICS


⇒ “O uso político e social mais comum do termo política (policy, em inglês) refere-
se a um curso de ação, real ou pretendido, concebido e deliberadamente selecionado após
uma revisão das alternativas possíveis, adotadas ou que se pretenda adotar” (HARRISON,
1987, p. 921 – grifo no original)
⇒ “Política é a projeção de um programa de metas que incluem valores e práticas: o
processo de geração de políticas se constitui na formulação, promulgação e aplicação de
identificações, demandas e expectativas” (H. D. Lasswell e A. Kaplan, apud HARRISON,
1987, p. 921)

428
⇒ Tradutor do Dworkin: “Policy – traduzimos na maior parte dos casos por ‘política’
(e eventualmente por ‘política pública’). Refere-se tanto aos princípios gerais que
orientam um governo na condução dos assuntos públicos, como aos programas e ações
governamentais orientadas por esses princípios. Neste último caso, fala-se, por exemplo,
de política econômica, social, trabalhista, etc” (DWORKIN, 2007, p. XVI, nota de
rodapé).
⇒ O próprio Dworkin: “Denomino ‘política’ aquele tipo de padrão que estabelece
um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico,
político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de
estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas)”
(DWORKIN, 2007, p. 36).
⇒ Ex: "...o padrão que estabelece que os acidentes automobilísticos devem ser
reduzidos é uma política..." (DWORKIN, 2007, p. 36)
Seja qual for a concepção, indicava “a atividade ou conjunto de atividades que, de
alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado” (BOBBIO,
1991, p. 954)
- ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para
todos os membros de um determinado grupo social
pólis enquanto
- exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado
SUJEITO – atos
território
como
- legislar através de normas válidas erga omnes
- tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros
Conquista
Manutenção
Defesa
pólis enquando objeto – ações como Ampliação Do poder estatal
Robustecimento
Derrubada
Destruição
⇒ “O conceito de Política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana,
está estreitamente ligado ao de poder” (BOBBIO, 1991, p. 954).
PODER Hobbes: meios adequados à obtenção de qualquer vantagem

429
Russel: conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos
desejados

PODER POLÍTICO
- a possibilidade de recorrer à força é o elemento que distingue o poder político das
outras formas de poder
Nesse sentido é o conceito de Estado para Max Weber: “Hoje, o Estado é aquela
comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o ‘território’, faz parte
da qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física
legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas
individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o
Estado o permita. Este é considerado a única fonte do ‘direito’ de exercer coação”
(WEBER, 1999, pp. 525-526).
Esse conceito weberiano é comumente aceito pela literatura: “Estamos de acordo com
Max Weber em que é a força física legítima que constitui o fio condutor da ação do
sistema político, ou seja, lhe confere sua particular qualidade e importância, assim como
sua coerência como sistema. As autoridades políticas, e somente elas, possuem o direito,
tido como predominante, de usar a coerção e de impor a obediência apoiados nela...
quando falamos de sistema político, referimo-nos também a todas as interações
respeitantes ao uso ou à ameaça de uso de coerção física legítima” (G. A. Almond e G.
B. Powell, apud BOBBIO, 1991, p. 957).
- o uso da força é condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder
político
“O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso da força em relação à
totalidade dos grupos que atuam num determinado contexto social, exclusividade que é
o resultado de um processo que se desenvolve em toda sociedade organizada, no sentido
da monopolização da posse uso dos meios com que se pode exercer a coação física. Este
processo de monopolização acompanha pari passu o processo de incriminação e punição
de todos os atos de violência que não sejam executados por pessoas autorizadas pelos
detentores e beneficiários de tal monopólio” (BOBBIO, 1991, p. 956).
Código Penal - Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima,
salvo quando a lei o permite:

430
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à
violência.
Constituição Federal - princípio da inafastabilidade da jurisdição
Art. 5º XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
⇒ A hipótese hobbesiana que serve de fundamento à teoria moderna de Estado
⇒ “...os indivíduos renunciam ao direito de usar cada um a própria força, que os
tornava iguais no estado de natureza, para o confiar a uma única pessoa, ou a único corpo,
que doravante será o único autorizado a usar a força contra eles” (BOBBIO, 1991, p. 956).

Como consequência dessa monopolização, são citadas algumas características do poder


político que o distinguem de outras formas de poder (BOBBIO, 1991, p. 957)
tendência revelada pelos detentores do poder político ao não permitirem,
no âmbito de seu domínio, a formação de grupos armados independentes
Exclusividad
e ao debelarem ou dispersarem os que porventura se vierem formando,
e
assim como ao iludirem as infiltrações, as ingerências ou as agressões
de grupos políticos do exterior
capacidade que têm os detentores do poder político, e eles sós, de tomar
Universalida decisões legítimas e verdadeiramente eficazes para toda a coletividade,
de no concernente à distribuição e destinação dos recursos (não apenas
econômicos)
possibilidade de intervir, de modo imperativo, em todas as esferas
possíveis da atividade dos membros do grupo e de encaminhar tal
atividade ao fim desejado ou de a desviar de um fim não desejado, por
Inclusividad
meio de instrumentos de ordenamento jurídico, isto é, de um conjunto
e
de normas primária destinadas aos membros do grupo e de normas
secundárias destinadas a funcionários especializados, com autoridade
para intervir em caso de violação daquelas

⇒ Uma definição geral: “pode-se definir como políticos os processos, atos ou


instituições que definem polemicamente uma ordem vinculadora da convivência que
realize o bem público”

431
O que caracteriza a política são três ideias fundamentais. Esses elementos devem ser
vistos em equilíbrio
a) sentido finalista do bem público ou comum, que implica uma distribuição dos bens da
comunidade
b) caráter polêmico ou conflituoso dos atos que visam a realização do bem comum –
implica liberdade na decisão
c) poder, que pressupõe a qualificação dessa ordem como vinculadora, isto é, como uma
ordem que o poder público vai promover e respaldar

UMA TENTATIVA DE CONCLUSÃO (MIGUEL, 2007, p. 7)

“Como costuma acontecer com categorias tão básicas, é difícil produzir um conceito
conciso, inequívoco e satisfatório de política. Ela envolve a obtenção e a distribuição de
poder e de autoridade, a produção e a imposição das normas que regem a vida em
sociedade e também as decisões vinculadas ao futuro comum de seus integrantes”

TÁTICA PARA A PROVA

“Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica a palavra ‘política’, uma delas goza
de indiscutível unanimidade: a referência ao poder político, à esfera da política
institucional” (MAAR, 1994, p. 9)

⇒ A imprescindível comunicação entre as disciplinas tratada por Cândido Rangel


Dinamarco: “Sociólogos e politicólogos pouco ou nada se interessam pelo processo
jurisdicional e não têm o hábito de enquadrá-lo no contexto do exercício do poder; aliás,
não têm a inteira percepção das diferenças entre o poder, em si mesmo, e o exercício
organizado. Por outro lado, os processualistas, juristas que são, permanecem
habitualmente mais ou menos presos à dogmática jurídica e, ainda que implicitamente,
negam-se a ir além do círculo do direito” (DINAMARCO, 2008, p. 163).
⇒ Entretanto, em um texto de 1997, Marcos Faro de Castro afirma que uma das
abordagens das Ciências Sociais da dimensão política da atuação das cortes judiciais
“procura avaliar especificamente como (A) o processo judicial interage com o sistema
político democrático, especialmente os poderes executivo e legislativo, e (B) quais os
seus efeitos em termos de formulação e implementação de políticas públicas” (CASTRO,

432
1997). Especificamente para a Ciência Política, o autor afirma, no tocante ao
funcionamento das cortes judiciais e seu papel na democracia: “é fácil perceber que a
atuação de juízes, advogados privados e do setor público (procuradores e promotores) é
um componente essencial do processo político da democracia” (CASTRO, 1997).
⇒ Portanto, a aula será dividida segundo a sugestão do Professor Marcos Faro de
Castro.

a) Como se dá a interação da atividade jurisdicional com o sistema político


democrático?

b) Qual o efeito dessa relação na formulação e na implementação de políticas


públicas?

● ATIVISMO JUDICIAL

RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E DIREITO – CONCEPÇÃO TRADICIONAL


Luís Roberto Barroso descreve uma divisão tradicional entre o espaço da política e o
espaço do direito:

A) No plano de sua criação, não há como o direito ser separado da política, na medida
em que é produto do processo constituinte ou do processo legislativo, isto é, da vontade
das maiorias. O direito é, na verdade, um dos principais produtos da política, o troféu
pelo qual muitas batalhas são disputadas. Em um Estado de direito, a Constituição e as
leis, a um só tempo, legitimam e limitam o poder político.

B) Já no plano da aplicação do direito, sua separação da política é tida como possível e


desejável. Tal pretensão se realiza, sobretudo, por mecanismos destinados a evitar a
ingerência do poder político sobre a atuação judicial. Isso inclui limitações ao próprio
legislador, que não pode editar leis retroativas, destinadas a atingir situações concretas.
Essa separação é potencializada por uma visão tradicional e formalista do fenômeno
jurídico. Nela se cultivam crenças como a da neutralidade científica, da completude do
direito e a da interpretação judicial como um processo puramente mecânico de
concretização das normas jurídicas, em valorações estritamente técnicas (BARROSO,
2010, p. 17)

⇒ Sílvio de Salvo Venosa também ajuda a esclarecer a relação entre Direito e Política:

433
“O aplicador do Direito utiliza-se de leis elaboradas pelo Poder Legislativo e, por
vezes, excepcionalmente, no Estado de Direito, pelo Poder Executivo. Nesse sentido,
não pode ser esquecido que o Direito é um produto da Política. O operador do Direito
também exerce uma função política. O Direito é, na verdade, um limitador da vontade
política, pois, ao ser aplicado ao caso concreto, cerceia e limita a atividade política”
(VENOSA, 2008, p. 235)
⇒ Mais adiante menciona: “O Direito é um instrumento da Política. No Direito existe
uma área técnica e uma área política. A Política escolhe um caminho e o Direito
instrumentaliza esse caminho possibilitando a consecução das diretrizes políticas.
Nesse sentido, é possível dizer que existe o Direito da Política. A Política vale-se do
Direito para a consecução de seus fins” (VENOSA, 2008, p. 235)
⇒ No mesmo sentido, Jose Eduardo Faria: “Talvez tenha sido Weber que nos conduziu
àquela ideia de mandato que, se de um lado permite passar do nível externo da
violência para o nível interno da obediência, de outro assenta-se na probabilidade de
encontrar os meios necessários de imposição, que torne possível não apenas a
transição entre a Ciência Política clássica e a contemporânea, como, igualmente, a
preocupação em reaproximar a análise conjunta da Política e do Direito. Afinal, como
se verá ao longo da unidade, o que é a norma se não a integração de fatos e valores,
que encontra seu momento culminante num ato de escolha e prescrição, no qual se
insere o poder político? Assim, se a política é a luta que os diferentes segmentos
sociais desenvolvem com o objetivo de participar do poder, e se os sistemas políticos
são aqueles que, graças ao monopólio da violência, impõem autoritariamente valores,
o conteúdo dos textos normativos está condicionado à pauta política dos grupos que
estão nos cargos de comando” (FARIA, José Eduardo. Legalidade e legitimidade.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 14 – sem o destaque no original).

RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E DIREITO – CONCEPÇÃO ATUAL

CONCEITUAÇÕES IMPORTANTES:
⇒ A) Segundo Tate e Vallinder, o ativismo judicial constitui uma atitude ou
comportamento dos juízes no sentido de “participar da elaboração de políticas que
poderiam ser deixadas ao arbítrio de outras instituições mais ou menos hábeis [...] e,

434
por vezes, substituir decisões políticas deles derivadas por aquelas derivadas de outras
instituições” (GARRIDO, 2008c, p. 104).
⇒ Comentário sobre os autores: “No modelo proposto por Tate e Vallinder (1995), o
ativismo é uma das condições para a judicialização da política, e é definido como a
orientação do juiz para contrariar a política majoritária. O tema da judicialização da
política foi proposto para um seminário internacional em 1992, publicado em uma
revista (IPSR, 1994) e, em seguida, no livro organizado por Tate e Vallinder. Ele se
tornou central no debate de política comparada, ciência política e direito
constitucional em outras partes do mundo, incluindo o Brasil” (KOERNER, Andrei.
O ATIVISMO JUDICIAL COMO PROBLEMA INTELECTUAL E POLÍTICO
NOS ESTADOS UNIDOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política, São Paulo , n. 99, p. 233-255, Sept./Dec. 2016).
⇒ B) “Utiliza-se a expressão ‘ativismo judicial’ em um sentido amplo: compreende o
papel ativo do STF na determinação do significado do texto constitucional e a sua
atuação não puramente técnica, mas também política, que envolve, em outras
palavras, a judicialização da política”. (GARAPON, A. O juiz e a democracia: o
guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999).

OUTRAS TENTATIVAS CONCEITUAIS:


⇒ “Por ativismo judicial, deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além
dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao
Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de
interesses) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Essa
ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional se faz em detrimento,
particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício desabrido da
legiferação (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da
função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de
funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes” (Elival da Silva Ramos,
Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos, 309, Saraiva, Sáo Paulo, 2010)
⇒ “O ativismo judicial é, então, percebido como uma atitude – entenda-se uma decisão,
um comportamento – dos magistrados para revisar temas e questões prima facie, de
competência de outras instituições. Por sua vez, a judicialização da política, mais
ampla e estrutural, cuidaria de condições jurídicas, políticas e institucionais que

435
favoreceriam a transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo
para o Judiciário” (GARRIDO et al., 2008c, p. 104).
⇒ “Na ciência política, os estudos sobre as relações das instituições judiciais com as
instituições políticas têm utilizado uma expressão que determina o enfoque e orienta
o debate: a judicialização da política” (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 113).
⇒ Uma primeira acepção: o ativismo judicial será medido pela frequência com que um
determinado magistrado ou tribunal invalida as ações (normas e atos normativos) de
outros poderes de Estado, especialmente do Poder Legislativo. Em outros termos:
com que frequência os tribunais “retiram a decisão das mãos dos eleitores”
(SUNSTEIN, Cass. Radicals in robes: why extreme right-wing courts are wrong for
America. New York: Basic Books, 2005, p. 41-44).
⇒ judicialização da política, “concebida, em breve síntese, como um processo de
expansão decisória do Poder Judiciário em direção a áreas de competência
tradicionalmente exercidas pelo Poder Executivo e Legislativo” (GARRIDO, 2008b,
p. 38).
⇒ É também considerado ativista o magistrado ou tribunal que procura suprir omissões
(reais ou aparentes) dos demais poderes com suas decisões, como, por exemplo, no
tocante à definição ou concretização de políticas públicas ou regulamentação das
regras do jogo democrático.
⇒ O CASO DA OMISSÃO: "Convém, no entanto, demarcar os sentidos dos termos.
Qual será o sentido do termo "ativismo judicial" para este artigo? Para nós o ativismo
judicial significa a atribuição constitucional que possui o Poder Judiciário de
viabilizar o exercício de direitos constitucionalmente assegurados, mas que estejam
sendo inviabilizados por injustificadas omissões inconstitucionais normativas ou
governamentais do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. Ou seja, para nós, o
ativismo judicial somente deve surgir diante da injustificada omissão normativa
inconstitucional. A Constituição concede o direito, mas a inaceitável inércia
inconstitucional do legislador ou do administrador inviabiliza o gozo do direito
constitucionalmente concedido” (MARTINS ALYES, Luís Carlos. O ATIVISMO
JUDICIAL DA "REPÚBLICA TOGADA" E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NA
"DEMOCRACIA PARLAMENTAR". International Law: Rev. Colomb. Derecho
Int., Bogotá , n. 27, p. 167-198, July/Dec. 2015).
⇒ OBS: Especificamente sobre a omissão inconstitucional, confira a lista de decisões

436
em que se declarou a mora do Poder Legislativo e cuja matéria ainda se encontra
pendentes de disciplina.
⇒ “De acordo com José Eisenberg (2002), a judicialização da política é um processo
complexo composto por dois movimentos distintos: ‘1) refere-se a um processo de
expansão dos poderes de legislar e executar leis do sistema judiciário, representando
uma transferência do poder decisório do Poder Executivo e do Poder Legislativo
para os juízes e tribunais – isto é, uma politização do judiciário; 2) a disseminação
de métodos de tomada de decisão típicos do Poder Judiciário nos outros Poderes.
Em nosso juízo, este segundo movimento é mais bem descrito como uma
tribunalização da política, em oposição à judicialização representada pelo primeiro
movimento’ (EISENBERG, J. Pragmatismo, direito reflexivo e judicialização da
política. In: VIANNA, L. W. (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. 2002,
p. 47)” (GARRIDO et al., 2008, p. 52, nota nº 38).
⇒ Ran Hirschl (2004) define esse processo como “juristocracia (juristocracy), ou seja,
a progressiva transferência de poderes decisórios das instituições representativas
para o Judiciário” (HIRSCHL, R. Towards juristocracy: the origins and
consequences of the new constitutionalism. Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 2004, apud GARRIDO et al., 2008b, p. 52, notas nºs 36 e 39).
⇒ Para Marcos Faro de Castro, a literatura expõe dois componentes do conceito
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:
⇒ um novo “ativismo judicial”, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no
sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos
jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao
tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo);
⇒ o interesse de políticos é autoridades administrativas em adotar
o procedimentos semelhantes aos processo judicial e
o parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações (muitas vezes, o
judiciário é politicamente provocado a fornecer esses parâmetros).

ESQUEMA

437
COMPORTAMENTO DECISÓRIO – JUSTIÇA E DA POLÍTICA
Tate e Vallinder apud GARRIDO, 2008c, p. 104
MAGISTRATURA LEGISLATURA
1. presença de duas partes e um juiz; 1. presença de várias partes;
2. audição aberta e balanço dos 2. barganhas e compromissos a portas
argumentos; fechadas;
3. decisão de um juiz imparcial; 3. princípio da maioria;
4. sentenças de casos individuais
4. regras gerais, como as leis e orçamentos
(conforme precedentes, especialmente nos
que orientam a policy making;
casos de revisão judicial);
5. verificação de fatos e de regra relevante 5. alocação de valores econômicos e
(aplicada como a “única solução correta”). políticos para a “solução política possível”.

CONDIÇÕES DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

A “expansão” do poder das cortes judiciais é o resultado de diversas


características do desenvolvimento histórico de instituições e de renovação conceitual em
disciplinas acadêmicas.

Esse conjunto de condições estruturais tornam mais claro o conceito de


judicialização da política em suas diferentes manifestações.

FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA O DESENVOLVIMENTO DA


JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA - Vallinder54

a) a reação democrática em favor da proteção de direitos e contra as práticas populistas


e totalitárias da II Guerra Mundial na Europa, que deu origem, por exemplo, à adoção de
uma ampla carta de direitos na Grundgesetz alemã;

b) a preocupação das esquerdas com a defesa de “direitos” contra “oligopolistas e


oligarcas”, como no caso do trabalhismo inglês (anos 50) ou sueco (anos 70);

c) o resgate intelectual e acadêmico de teorias de “direitos liberais”, presente em autores

54 VALLINDER, T. (1994), “The judicialization of politics – a world-wide phenomenon: introduction”.


International Political Science Review, 15, 2,: 91-9.

438
como Kant, Locke, Rawls e Dworkin e o concomitante desprestígio de autores como
Hume e Bentham;

d) a influência da atuação da Suprema Corte americana (especialmente a chamada


Warren Court, nos anos 50-60) – para maiores informações clique aqui;

e) a tradição européia (kelseniana) de controle da constitucionalidade das leis;

f) os esforços de organizações internacionais de proteção de direitos humanos, sobretudo


a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948;

g) Marcos Faro acrescenta ainda outro fator determinante da judicialização da política,


qual seja: o declínio da eficácia da política macroeconômica a partir do final dos anos
60.

Uma primeira conclusão a partir das considerações acima: o fenômeno não


é invenção ou privilégio nacional.

Oscar Vilhena Vieira, em artigo denominado SUPREMOCRACIA, afirma:


“A expansão da autoridade do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais em geral não
é, no entanto, um fenômeno estritamente brasileiro. Há, hoje, uma vasta literatura que
busca compreender este fenômeno de avanço do direito em detrimento da política e
consequente ampliação da esfera de autoridade dos tribunais em detrimento dos
parlamentos” (VIEIRA, 2008, 442).

O caso brasileiro

Alexandre Garrido, et. al., entretanto, defendem que, no Brasil há um


fenômeno inverso que merece atenção especial por sua singularidade:

“As condições estruturais estão presentes formalmente no nosso sistema


político-jurídico desde a promulgação da Constituição de 1988, mas apenas
recentemente a temática ganhou o destaque dos meios de comunicação de massas e o
interesse generalizado de juristas e cientistas sociais. Tal fato revela a precedência, no
caso brasileiro, do ativismo judicial do STF [veja o questionamento abaixo] sobre o
fenômeno de judicialização da política, revelando-se como condição subjetiva – ou seja,

439
como uma atitude assumida pelos magistrados em relação às decisões e omissões dos
demais poderes – indispensável para se identificar o processo de judicialização da
política no sistema político brasileiro” (GARRIDO, et al., 2008c, p. 105).

Ernani Rodrigues de Carvalho possui uma proposta apontando para a


necessidade de “estruturarem-se melhor os indícios de uma possível judicialização da
política no Brasil" (CARVALHO, 2004, p. 115).

PARA O CASO BRASILEIRO:


CONDIÇÕES POLÍTICAS PARA SURGIMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO
(CARVALHO, 2004)
DEMOCRACIA

Condição necessária, porém não suficiente para o surgimento da judicialização.

Não é possível compatibilizar governos autoritários e a expansão do poder judicial.

No caso do Brasil, a história do STF está repleta de exemplos que comprovam a


impossibilidade de existir um processo de expansão do poder judicial na fase autoritária.

Um tema paralelo pode ser mencionado aqui. Ao tratar das mudanças importantes
associadas ao neoconstitucionalismo, Daniel Sarmento afirma: “Estas novas ideias já
reverberam fortemente na jurisprudência nacional, sobretudo do Supremo Tribunal
Federal, que, nos últimos tempos, tem cada vez mais invocado princípios abertos nos
seus julgamentos, recorrido à ponderação de interesses e ao princípio da
proporcionalidade com frequência e até se valido de referências filosóficas na
fundamentação de decisões. Aliás, é digna de nota a influência da doutrina constitucional
na atuação do Supremo Tribunal Federal. O fenômeno é relativamente recente, uma vez
que, logo após a promulgação da Constituição de 88, havia um profundo hiato entre o
campo doutrinário, que cobrava a efetivação da Constituição pela via judicial, e a
jurisprudência do STF, tímida e reticente diante dos valores e das inovações da nova
Carta - v.g. orientação então adotada pela Corte em relação ao mandado de injunção e
ao controle judicial das medidas provisórias. Aquele quadro podia em parte ser debitado
à duvidosa opção do constituinte originário de manter no STF os ministros nomeados
durante o governo militar, que não tinham sintonia político-ideológica nem boa vontade
diante do novo sistema constitucional, e que por isso se apegavam a visões e

440
interpretações assentadas durante o regime pretérito, muitas delas francamente
incompatíveis com a nova ordem. Mas hoje, após a completa renovação do STF,
constata-se um quadro radicalmente diferente: a maioria dos ministros do STF é
composta por professores de Direito Constitucional, de grande reputação acadêmica,
que, até pela origem, têm mais contato com a produção intelectual de ponta na área e são
mais suscetíveis à influência das novas correntes de pensamento” (SARMENTO, Daniel.
O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009 – grifei).
SEPARAÇÃO DOS PODERES

A liberdade política, para Montesquieu, somente pode existir quando não se abusa do
poder. Diz ele: "... a experiência eterna mostra que todo homem que tem poder é tentado
a abusar dele; vai até onde encontra limites. Quem diria! A própria virtude tem
necessidade de limites" (MONTESQUIEU, 1995, p. 118 - LIVRO XI, CAPÍTULO IV).

Ele menciona que "Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de
executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos
indivíduos" (MONTESQUIEU, 1995, p. 119 - LIVRO XI, CAPÍTULO VI). O ideal,
portanto, é distribuir os "três poderes e daí calcular os graus de liberdade que cada um
pode fruir" (MONTESQUIEU, 1995, p. 138 - LIVRO XI, CAPÍTULO XX).

A história do Brasil mostra que o dispositivo constitucional da separação dos poderes,


tal qual a democracia brasileira, pouco ou de nada valeu antes da Constituição de 1988.

Depois do golpe de 1964, o Legislativo e o Judiciário sofreram profundas alterações.

Apesar da assimetria entre os poderes persistir ainda hoje, após a Constituição de 1988
as competências dos três ramos de poder parecem estar mais cristalizadas do que antes.
DIREITOS POLÍTICOS

A existência de direitos políticos formalmente reconhecidos por uma Constituição

Advertência: muitas vezes a existência de direitos formalmente estabelecidos não


significa sua aplicação pelas autoridades competentes.

Entretanto, desde 1988, pode-se detectar um nível aceitável de obediência à lei por parte
da alta hierarquia governamental, pelo menos no que diz respeito aos direitos individuais.

441
UM DEBATE JURÍDICO DECORRENTE
Para a professora Gisele Cittadino, existem algumas consequências para o ativismo
judicial:
a) transforma em questão problemática os princípios da separação dos poderes e da
neutralidade política do Poder Judiciário;
b) inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições
político-representativas.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

Oswaldo Canela Junior: "Para o Estado social atingir esses objetivos, faz-se necessária
a realização de metas, ou programas, que implicam o estabelecimento de funções aos
Poderes Públicos, para a consecução dos objetivos predeterminados pelas Constituições
e pelas leis. Desse modo, formulado o comando constitucional ou legal, impõe-se ao
Estado promover as ações necessárias para a implementação dos objetivos fundamentais.
E o poder do Estado, embora uno, é exercido segundo especialização de atividades: a
estrutura normativa da Constituição dispõe sobre suas três formas de expressão: a
atividade legislativa, executiva e judiciária" (apud GRINOVER, 2010, pp. 12-13)

A separação de poderes ganha outra feição (ver aula de fontes do direito)

"o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce ele seu poder por meio de formas de expressão
(ou Poderes). Para racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder
estatal exerce atividade específica, destacada pela Constituição. No exercício de tais
funções é vedada às formas de expressão do poder estatal interferência recíproca: é este
o sentido da independência dos poderes" (Oswaldo Canela Junior, apud GRINOVER,
2010, p. 13)

“...mesmo sob o fundamento da divisão de poderes utilizada pelos procedimentalistas,


no sentido de compreender ilegítima a atuação dos juízes em sede de políticas públicas,
a teoria dos freios e contrapesos obriga a uma compreensão mais ampla sobre os poderes

442
do Estado, uma vez que devem fiscalizar-se mutuamente, com vista à tutela dos direitos
fundamentais, e, neste sentido, o Poder Judiciário poderia agir como promotor de tais
políticas” (Leal, João Carlos Júnior; Shimamura, Emilim. Sobre procedimentalismo e
substancialismo na promoção de políticas públicas na área de saúde. Revista CEJ, v. 15,
n. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011, p. 16).

DEBATE CONSTITUCIONAL: substancialismo X procedimentalismo

OS DOIS POSICIONAMENTOS CONTRAPOSTOS: Reserva do Possível e a Teoria


da Máxima Efetividade pelo Estado do Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais: “A
teoria substancialista, assim, defende a presença do Judiciário como ferramenta para
garantir que grupos hipossuficientes tenham uma oportunidade para consecução de suas
expectativas e direitos em um processo judicial. A teoria procedimentalista, de seu turno,
refuta as alegações da anterior, tendo posição antagônica. Duas teses centrais, portanto,
contrapõem-se: a Teoria da Reserva do Possível e a Teoria da Máxima Efetividade pelo
Estado do Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais” (Leal, João Carlos Júnior;
Shimamura, Emilim. Sobre procedimentalismo e substancialismo na promoção de
políticas públicas na área de saúde. Revista CEJ, v. 15, n. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011,
p. 16).

A harmonia entre os poderes deve ocorrer para que os objetivos fundamentais do Estado
sejam alcançados

Considerada essa premissa, o Poder Judiciário fica autorizado a analisar o fundamento


de todos os atos estatais a partir dos objetivos fundamentais inseridos na Constituição

O controle constitucional de políticas públicas por parte do Judiciário não ocorre


somente diante de violação frontal à Constituição, mas também quando os atos do Poder
Público não respeitam os fins do Estado: "...contando com o juiz como co-autor das
políticas públicas, fica claro que sempre que os demais poderes comprometerem a
integridade e a eficácia dos fins do Estado - incluindo as dos direitos fundamentais,
individuais ou coletivos - o Poder Judiciário deve atuar na sua função de controle"
(Oswaldo Canela Junior, apud GRINOVER, 2010, p. 14)

Nesse espírito (mas referindo-se especificamente ao controle de constitucionalidade),


Humberto Ávila o argumento “simplista” de que o Poder Judiciário não poderia controlar
outro Poder em razão do princípio da separação de Poderes: “O princípio democrático

443
só será realizado se o Poder Legislativo escolher premissas concretas que levem à
realização dos direitos fundamentais e das finalidades estatais. Os direitos fundamentais,
quanto mais forem restringidos e mais importantes forem na ordem constitucional, mais
devem ter sua realização controlada. A tese da insindicabilidade das decisões do Poder
Legislativo, sustentada de modo simplista, é uma monstruosidade que viola a função de
guardião da Constituição atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a plena realização do
princípio democrático e dos direitos fundamentais bem como a concretização do
princípio da universalidade da jurisdição” (ÁVILA, 2011, p. 189).

passsagem do Estado liberal para o estado democrático de direito


DECISÃO EMBLEMÁTICA
PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS
FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER
PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO
DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA
CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À
VIDA.
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de
maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar -
políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive
àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência
farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional
de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se
indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por

444
destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196)
e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à
vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não
ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade - RE 271286
AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000 -

Nesse sentido, Gisele Cittadino menciona que o processo de “judicialização da política”


não pode ser compreendido fora do movimento de decadência do constitucionalismo
liberal, marcado pelo positivismo: “O crescente processo de ‘juridificação’ das diversas
esferas da vida social só é compatível com uma filosofia constitucional comprometida
com o ideal da igualdade-dignidade humanas e com a participação político-jurídica da
comunidade” (CITTADINO, 2004, p. 106).
O USO DOS TRIBUNAIS PELOS GRUPOS DE INTERESSE

“A politização desta esfera de jurisdição do Tribunal foi expandida em relação ao


período constitucional anterior, na medida em que a legitimidade para a proposição de
ações diretas foi conferida a novos atores políticos e sociais, conforme disposto pelo
artigo 103 da Constituição Federal superando a fase em que as chaves de acesso ao
controle direto de constitucionalidade pelo Supremo só eram conferidas ao Procurador
Geral da República” (VIEIRA, 2008, pp. 447/448).

A judicialização da política é um processo que se alimenta dos interesses econômicos e


sociais centrais, que por sua vez estruturam o sistema político.

O desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos direitos políticos,
foram mais propriamente obra de pressões e lutas das organizações sociais, sejam elas

445
movimentos sociais ou grupos de interesse, do que obra de devoção de atores altruístas.

“À medida que os grupos descobrem a utilidade dos tribunais para alcançar os seus
objetivos, eles progressivamente ampliam a concepção de direito, eis que seus interesses
passam a fazer parte de uma espécie de carta formal de direitos” (TATE e VALINDER,
apud PEREIRA, 2011, p. 31)

Daniel Sarmento afirma que a sistemática de jurisdição constitucional de 88 "favoreceu,


em larga medida, o processo de judicialização da política, na medida em que conferiu a
qualquer partido político com representação no Congresso, às representações nacionais
da sociedade civil organizada e às principais instituições dos Estados-membros, dentre
outras entidades, o poder de provocar o STF" (SARMENTO, Daniel. O
neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais – RBEC. v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).

Tomando como base analítica as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o estudo


constata que, das 2.813 ações diretas impetradas até 26.06.2003, um total de 740 (ou
26,31%) foram impetradas por confederações sindicais ou entidades de classe.

INTERESSE LEGÍTIMO – A esse respeito, confira os votos sobre o reconhecimento da


união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar: Ayres Britto, Luiz Fux,
Cármen Lúcia, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio - ADI 4277,
Relator: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011

UM USO ESTRATÉGICO/POLÍTICO: O caso do Mandado de Segurança da tramitação


das MPs: Veja decisão cautelar, de 27.03.200955, do Ministro Celso de Mello Relator do
Mandado de Segurança nº 27.931, a respeito do art. 62, §6º, da Constituição, na redação
dada pela EC 32/2001: “Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e
cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência,
subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando
sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da
Casa em que estiver tramitando”.
TRECHO: “Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar,
impetrado por ilustres membros do Congresso Nacional contra decisão do Senhor

55 Andamento em 15.05.2017 – O Min. Barroso devolveu os autos para julgamento em 31.08.2015..

446
Presidente da Câmara dos Deputados que ‘(...) formalizou, perante o Plenário da
Câmara dos Deputados, seu entendimento no sentido de que o sobrestamento das
deliberações legislativas - previsto no §6º do art. 62 da Constituição Federal - só se
aplicaria, supostamente, aos projetos de lei ordinária’. (...) Mais do que isso, a decisão
em causa teria a virtude de devolver, à Câmara dos Deputados, o poder de agenda, que
representa prerrogativa institucional das mais relevantes, capaz de permitir, a essa
Casa do Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo
inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política,
social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará – na visão e
na perspectiva do Poder Legislativo (e não nas do Presidente da República) – a
formulação e a concretização, pela instância parlamentar, de uma pauta temática
própria, sem prejuízo da observância do bloqueio procedimental a que se refere o §6º
do art. 62 da Constituição, considerada, quanto a essa obstrução ritual, a interpretação
que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados”.

O USO DOS TRIBUNAIS PELA OPOSIÇÃO

Os partidos de oposição, quando não conseguem barrar as alterações realizadas pela


maioria, utilizam-se dos tribunais para frear, obstaculizar e até mesmo inviabilizar as
alterações em curso.

A abertura do Supremo Tribunal Federal a outros atores políticos “...tem transformado


o Tribunal, em muitas circunstâncias, em uma câmara de revisão de decisões
majoritárias, a partir da reclamação daqueles que foram derrotados na arena
representativa” (VIEIRA, 2008, p. 448).

Sobre o crescimento da importância política do Poder Judiciário, prescreve Daniel


Sarmento: “Com frequência cada vez maior, questões polêmicas e relevantes para a
sociedade passaram a ser decididas por magistrados, e sobretudo por cortes
constitucionais, muitas vezes em razão de ações propostas pelo grupo político ou social
que fora perdedor na arena legislativa (Cf. Martin Shapiro; Alec Stone Sweet. On Law,
Politics and Judicialization. New York: Oxford University Press. p. 136-208). De poder
quase "nulo", mera "boca que pronuncia as palavras da lei", como lhe chamara
Montesquieu, o Poder Judiciário se viu alçado a uma posição muito mais importante no
desenho institucional do Estado contemporâneo” (SARMENTO, Daniel. O

447
neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).

A utilização das ADINs como instrumento de contestação de políticas tornou-se um


recurso freqüente.

Os trabalhos de Werneck Vianna56 e Carvalho57 demonstram, com clareza, que a maioria


das ações foram propostas por partidos de oposição. De 1988 até 1998, tivemos 74% das
ADINs impetradas oriundas de partidos de oposição.

Esses dados demonstram que o uso dos tribunais pela oposição é um fato consumado no
Brasil. Mesmo, mais recentemente: “...é curioso notar que o partido político que mais
trazia casos ao Supremo no período Fernando Henrique Cardoso era o Partido dos
Trabalhadores (PT) e, agora, na gestão Lula, o Partido dos Democratas (DEM) passou
a ocupar a primeira posição entre os usuários do Tribunal, seguido de perto pelo
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)” (VIEIRA, 2008, p. 448).

DIAGNÓSTICO FEITO POR UM MINISTRO:


Min. Gilmar Mendes: “Assim, alternando momentos de maior e menor ativismo judicial,
o STF, ao longo de sua história, tem entendido que a discricionariedade das medidas
políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos
assegurados pela Constituição. Mantendo essa postura, o STF, na última década, tem
atuado ativamente no tocante ao controle judicial das questões políticas, nas quais observa
violação à Constituição. Os diversos casos levados recentemente ao Tribunal envolvendo
atos das Comissões Parlamentares de Inquérito corroboram essa afirmação” MEDIDA
CAUTELAR NO MANDADO DE SEGURANÇA 26915 - ofensa ao devido processo
legislativo constitucional: escolha de relator de PEC

EXEMPLOS (SARMENTO, 2009).


Mudança de paradigma refletida na jurisprudência do STF:

56 WERNECK VIANNA, L. 1999. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan
57 CARVALHO, E. R. 2000. Sua Majestade, o Presidente da República: estudo de caso do controle de

constitucionalidade dos atos do Executivo (1994-1998). Recife. Dissertação (Mestrado em Ciência


Política). Universidade Federal de Pernambuco.

448
a alteração da posição da Corte em relação aos direitos sociais, antes tratados como
"normas programáticas", e hoje submetidos a uma intensa proteção judicial:
Petição 1.246 MS/SC, julgada em 31/01/1997 (obrigação do Estado de realizar
transplante de células mioblásticas para salvar a vida de criança);
Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 271.286/RS, DJU, 24 nov. 2000
(entrega de medicamentos para portadores de HIV);
Agravo de Instrumento do Recurso Extraordinário nº 410.715-5, julgado em 22/11/2005
(obrigação de fornecimento de vagas para educação infantil pelo município, com
atendimento em creches e pré-escola).
reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais: Recursos
Extraordinários nºs. 158.215-4/RS, 161.243-6/DF, 201.819/RJ
mutação do entendimento do Tribunal em relação às potencialidades do mandado de
injunção: Cf. Mandado de Injunção 670/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
25.10.2007, em que o STF, revendo orientação anterior, deu eficácia normativa à
sentença proferida no mandado de injunção. No caso, decidiu-se que, até o advento de
lei regulamentadora sobre a greve no serviço público, o direito de greve poderia ser
exercido, obedecendo-se os limites impostos pela Lei 7.783/89, que trata dos
movimentos paredistas em serviços essenciais no setor privado.
progressiva superação da visão clássica kelseniana da jurisdição constitucional, que a
equiparava ao "legislador negativo", com a admissão de técnicas decisórias mais
heterodoxas,94 como as declarações de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade
e as sentenças aditivas.
E para completar o quadro, deve-se acrescentar as mudanças acarretadas por algumas
inovações processuais recentes na nossa jurisdição constitucional, que permitiram a
participação dos amici curiae, bem como a realização de audiências públicas no âmbito
do processo constitucional, ampliando a possibilidade de atuação da sociedade civil
organizada no STF.

A MODIFICAÇÃO DA AGENDA
a nova postura de ativismo judicial do STF estimula as forças sociais a procurá-lo com
mais frequência e contribui para uma significativa alteração na agenda da Corte.
Atualmente, ao lado das questões mais tradicionais de Direito Público, o STF tem se

449
defrontado com novos temas fortemente impregnados de conteúdo moral, como:
as discussões sobre a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias: ADIN
3.510/DF, Relator Ministro Carlos Ayres Britto. A ação, proposta contra o art. 5º da Lei
de Biossegurança, impugnava a autorização de pesquisas com embriões humanos
resultantes de fertilização in vitro que fossem inviáveis ou estivessem congelados há
mais de três anos. A ação foi julgada totalmente improcedente, por 6 votos a 5.
aborto de feto anencefálico: ADPF 54
união entre pessoas do mesmo sexo: ADPF 132

NOVA CONFIGURAÇÃO DA RELAÇAO ENTRE OS PODERES


o Tribunal passou a intervir de forma muito mais ativa no processo político, adotando
decisões que se refletem de forma direta e profunda sobre a atuação dos demais poderes
do Estado. Para citar apenas alguns casos, pode-se falar:
da decisão que assentou que a mudança de partido implica, salvo determinadas exceções,
perda de mandato parlamentar: Mandados de Segurança 26.602/DF, 26.603/DF e
26.604/DF. Informativo STF, n. 482.
da que estabeleceu critérios rígidos para a fixação do número de vereadores de acordo
com a respectiva população: Recurso Extraordinário 197.917/SP, Rel. p/ acórdão, Min.
César Peluso, DJU, 18 fev. 2005.
da intensificação do controle jurisdicional dos atos das CPIs, bem como dos pressupostos
de edição das medidas provisórias.
IMPORTANTE

Convém perguntar se o movimento inverso é possível, ou seja:

SE É POSSÍVEL A PASSAGEM DA ARENA REPRESENTATIVA


PARA A JUDICIÁRIA, DADO O ESPECTRO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO, EXISTE ALGUMA POSSIBILIDADE DE O LEGISLATIVO
CORRIGIR A JURISPRUDÊNCIA?
A respeito do tema veja o texto de Gustavo da Gama Vital de Oliveira.
O trabalho investiga as alternativas legislativas que o Congresso pode adotar
com a intenção de corrigir as decisões do STF. Sua hipótese é: “A correção legislativa

450
da jurisprudência pode preencher importante papel na democracia, pois representa a
possibilidade de uma troca de experiências entre os poderes do Estado e permite que
interesses derrotados na esfera judicial possam apresentar novos argumentos em esfera
diversa”.

EMENDAS CONSTITUCIONAIS COM PROPÓSITO DE SUPERAR A


JURISPRUDÊNCIA

CASO 1 - RE 197917, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado


em 06.06.2002 – “Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em
11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600
habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança
jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais
efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência
do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à
declaração incidental de inconstitucionalidade”.

RESOLUÇÃO TSE Nº 21.702, de 02.04.2004 - PETIÇÃO Nº 1.442 - Relator: Ministro


Sepúlveda Pertence. “Art. 1º Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número
de vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do RE nº 197.917, conforme as tabelas anexas".

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 58, DE 23.09.2009: O inciso IV do caput do art. 29


da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 29.(...) IV - para a
composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de:(...) b) 11
(onze) Vereadores, nos Municípios de mais de 15.000(quinze mil) habitantes e de até
30.000 (trinta mil) habitantes;

CASO 2: RE 166.772, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em


12/05/1994: “A relação jurídica mantida com administradores e autônomos não
resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste formalizado à luz da Consolidação
das Leis do Trabalho. Daí a impossibilidade de se dizer que o tomador dos serviços
qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido ocorra via folha de
salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal,
exsurge a desvalia constitucional da norma ordinária disciplinadora da matéria. A

451
referencia contida no §4º do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I do artigo 154
nela insculpido, impõe a observância de veículo próprio - a lei complementar.
Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3º da Lei nº 7.787/89, no que abrangido o que
pago a administradores e autônomos. Declaração de inconstitucionalidade limitada pela
controvérsia dos autos, no que não envolvidos pagamentos a avulsos”.

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998: A Constituição Federal passa a


vigorar com as seguintes alterações: “Art. 195 - A seguridade social será financiada por
toda a sociedade, (...) mediante recursos provenientes (...) das seguintes contribuições
sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício;"

CASO 3: RESOLUÇÃO TSE N° 21.002, de 26.02.2002 CONSULTA N° 715 Relator:


Ministro Garcia Vieira: “Os partidos políticos que ajustarem coligação para eleição de
presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador de
estado ou do Distrito Federal, senador, deputado federal e deputado estadual ou
distrital com outros partidos políticos que tenham, isoladamente ou em aliança diversa,
lançado candidato à eleição presidencial”.

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 52, de 08.03.2006: o Art. 1º O § 1º do art. 17 da


Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “§1º É assegurada aos
partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e
funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações
eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas
de disciplina e fidelidade partidária”.

OBS: Na ADI 3685 (Relatora a Min. ELLEN GRACIE), julgado em 22.03.2006, o STF
declarou que as regras da EC 52/2006 somente podem ser aplicadas “após decorrido um
ano da data de sua vigência”.

Caso 4: ADI 2240, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007:
O CASO DO MUNICÍPIO DE LUÍS EDUARDO MAGALHÃES: “Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo

452
prazo de 24 meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia” e ADI
3689, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2007: O CASO
DO MUNICIPIO DE OURILÂNDIA DO NORTE/PA: “Declaração de
inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta
julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a
nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n. 6.066, de 14 de agosto de 1.997, do Estado
do Pará”.

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 57, DE 18.12.2008: O Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 96: “Art. 96.
Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de
Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os
requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”.

A QUESTÃO QUE SE COLOCA É A SEGUINTE: É possível concluir que uma


vertente é melhor que a outra??

RESPOSTA DO PODER JUDICIÁRIO:

1 - O ministro Moreira Alves no Mandado de Segurança 20257 – caso de controle de


constitucionalidade preventivo feito pelo Judiciário –, julgado em 8 de outubro de 1980,
afirmou que o Poder Judiciário encontra-se “acima dos demais Poderes, não havendo,
pois, que falar-se, a esse respeito, em independência de Poderes”.

2 – “Confirma-se hoje que a Constituição Federal é o que o Supremo diz que ela é” Voto
Ministro Marco Aurélio, MS 26602 - caso da fidelidade partidária.

3 – Ministro Gilmar Ferreira Mendes, quando do julgamento da ação proposta pela AMB
sobre os candidatos ficha suja, afirmou: “cada vez nós sabemos mais que o Direito deve
ser achado na lei e não na rua”58

INDAGAÇÕES SÃO FEITAS POR ANA PAULA DE BARCELLOS:

Naõ seria paternalista e presunçoso imaginar que os juristas, e os juízes, tomariam

58 “críticos enxergam ataque ao princípio da ‘presunção de inocência’”, Jornal do Brasil, país, p. A12,
04.10.2009.

453
melhores decisões em matéria de políticas públicas que os agentes públicos encarregados
dessa função?

Seriam os juristas mais sábios, teriam um acesso diferenciado ao conhecimento do que


é bom ou adequado nesse particular?

Seriam mais éticos ou mais comprometidos com o interesse público?

“A prática jurídica mostra que magistrados ativistas podem tanto adotar um


posicionamento progressista quanto uma decisão conservadora. Ao mesmo tempo, não é
possível afirmar, de antemão, que uma atitude ativista seja sempre a atitude correta ou
incorreta diante de todos os casos jurídicos possíveis, especialmente em casos difíceis”
(GARRIDO, 2008b, pp. 54/55).

EXEMPLO HISTÓRICO

A professora de ciência política, Ingeborg Maus, no clássico texto “Judiciário


como superego da sociedade” examinou “a tradição da jurisprudência constitucional
alemã a fim de demonstrar que por trás de generosas ideias de garantia judicial de
liberdades e da principiologia da interpretação constitucional podem esconder-se a
vontade de domínio, a irracionalidade e o arbítrio cerceador da autonomia dos indivíduos
e da soberania popular, constituindo-se como obstáculo a uma política constitucional
libertadora” (MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da
atividade jurisprudencial na ‘sociedade orfã’. Tradução do alemão: Martonio Lima e
Paulo Albuquerque. Novos Estudos Cebrap. n. 58, p. 183-202, nov. 2000, p. 183).

RESPOSTAS CIENTÍFICAS:

DANIEL SARMENTO: “...vejo com reticências a sedimentação, na nossa cultura


jurídica, da visão de que o grande – senão o único – intérprete da Constituição seria o
Poder Judiciário59. Esta leitura descarta a autocontenção judicial bem como tende a
desprezar a possibilidade de que sejam travados construtivos diálogos interinstitucionais
entre diversos órgãos estatais para a definição da melhor interpretação dos ditames

59 Um exemplo extremado deste posicionamento está na argumentação adotada pelo STF no julgamento

da ADI 2.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, em que se reconheceu a inconstitucionalidade formal de lei
que pretendia interpretar a Constituição. Para o STF, “não pode a lei ordinária pretender impor, como seu
objeto imediato, uma interpretação a Constituição; a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a
toda norma da gradação inferior que se proponha a ditar interpretação de norma superior (...)”

454
constitucionais60” (SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e
possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. v. 3, n. 9, p. 95-133,
jan./mar. 2009).

MARCELO NEVES: “os diversos procedimentos estruturados circularmente, permitem


que os valores e interesses presentes na esfera pública, assim como as exigências de
esferas autônomas da sociedade, tenham sempre meios de acesso ao Estado de Direito.
O controle recíproco entre os procedimentos impede uma decisão definitiva excludente.
Seja em outro momento procedimental ou em outro tipo de procedimento (por exemplo,
a declaração de inconstitucionalidade proposta por uma minoria parlamentar), os
interesses, valores e exigências provisoriamente excluídos podem ressurgir como
vitoriosos, exceto nos casos em que se pretende destruir a própria ordem da pluralidade
procedimental” (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 195/196, apud OLIVEIRA, 2010, p.164).

GUSTAVO DA GAMA VITAL DE OLIVEIRA comenta esse trecho de Marcelo Neves:


“A noção desenvolvida por Marcelo Neves nos parece plenamente aplicável ao figurino
da correção legislativa da jurisprudência, que se caracteriza perfeitamente como um dos
instrumentos do processo de circularidade dos procedimentos democráticos no âmbito
do Estado de Direito mencionado pelo autor, impedindo a configuração de uma decisão
definitiva excludente. Em outros termos, determinado interesse que tenha sido
contrariado pela formação de entendimento jurisprudencial (procedimento jurisdicional)
pode buscar sua afirmação no âmbito de outro procedimento – no caso, a correção
legislativa da jurisprudência, por meio do procedimento legislativo-parlamentar”
(OLIVEIRA, 2010, p. 164).

CLÁUSULA “NÃO OBSTANTE”

QUESTÃO DE PROVA (59º Concurso Público para Promotor de Justiça Substituto do


MPGO): Por meio da cláusula “não obstante” (notwithstand clause), o Parlamento pode,

60 Existe hoje uma fecunda produção acadêmica no cenário anglo-saxão sobre as vantagens de modelos
teóricos que favoreçam diálogos entre diversos órgãos e instituições na interpretação constitucional, ao
invés de afirmarem a exclusividade ou mesmo a supremacia do Judiciário nesta seara. Veja-se, a
propósito, Laurence G. Sager. Justice in Plainclothes: A Theory of American Constitutional Practice. New
haven: Yale University Press, 2004; Mark Tushnet. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social
Welfare Rights in Comparative Constitutional Law. Princeton: Princeton University Press, 2008; Mark C.
Miller; Jeb Barnes (Ed.). Making Police, Making Law: An Interbranch Perspective. Washington D.C:
Georgetown University Press, 2004.

455
formalmente, superar decisão da Corte Constitucional que reconheça a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Muito embora tal instrumento não esteja
compreendido entre as atribuições do Congresso Nacional, há aceso debate a respeito da
superação de decisões do Supremo Tribunal Federal por meio de emendas constitucionais
ou maioria legislativas simples. Dito isso, discorra, em até duas laudas, a respeito do
assunto, abordando em especial as eventuais respostas legislativas às decisões do
Supremo Tribunal Federal, assim como a reação do Pretório Excelso acerca da
constitucionalidade dessas respostas, de acordo com a espécie normativa pela qual foram
veiculadas.

“EFEITO BACKLASH”

George Marmelstein: “(1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o


Judiciário profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa
dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada,
a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de
falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à
decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as
escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que
aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo,
muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder
político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam
à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do
Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se
um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e
ao cabo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda
pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que,
supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.” (Disponível em:
https://direitosfundamentais.net/2015/09/05/efeito-backlash-da-jurisdicao-
constitucional-reacoes-politicas-a-atuacao-judicial/).

456
UM OUTRO ENFOQUE SOBRE A FOSSILIZAÇÃO
O problema da limitação do legislador atual pelas decisões do constituinte, adotadas
no passado, envolve a problemática da partilha intergeracional de poder, bem explicitada
na fala de Jefferson, que defendia que, a cada 19 anos, deveria ser elaborada uma nova
Constituição nos Estados Unidos, para que a Lei Maior daquele país não se tornasse um
mecanismo de "governo dos mortos sobre os vivos". Em síntese apertada, há, na teoria
política contemporânea, duas linhas principais de justificativa para a legitimidade destas
restrições.
Uma é a teoria da democracia dualista, defendida por Bruce Ackerman, que sustenta
que as decisões adotadas pelo próprio povo, em contextos de grande mobilização cívica,
devem ser protegidas do alcance da vontade dos representantes do povo, formada em
momentos em que a cidadania não esteja intensamente envolvida. Esta teoria distingue
a política extraordinária, correspondente àqueles "momentos constitucionais", da política
ordinária, que se realiza através das deliberações do dia a dia dos órgãos representativos.
Para a perspectiva ackermaniana, a política extraordinária - que não exige,
necessariamente, formalização procedimental através de assembleia constituinte ou de
emenda constitucional - se situa em patamar superior à política ordinária, e pode
legitimamente impor limites a esta (cf. Bruce Ackerman. We the people: Foundations.
Cambridge: The Belknap Press, 1991. p. 03-33).
Outra teoria é a do pré-compromisso, que já foi advogada por Jon Elster. Segundo
ela, é legítimo subtrair do alcance das maiorias determinadas questões fundamentais, que
expressam princípios fundamentais de justiça política, ou garantam os pressupostos da
própria democracia, tendo em vista o risco de que, no processo político majoritário, em
momentos de irracionalidade, o povo possa ser vítima de suas próprias fraquezas ou
paixões momentâneas, atentando contra tais princípios (cf. Ulisses and Sirens.
Cambridge: Cambridge University Press, 1979).
Ambas as concepções – a primeira mais próxima ao republicanismo e a segunda de
viés mais liberal –, têm a sua dose de procedência, mas ensejam críticas importantes.
Todavia, foge a escopo do presente trabalho analisar esta questão, que é uma das mais
complexas da Filosofia Política moderna e contemporânea. Para uma visão geral sobre
o tema na literatura em língua portuguesa, veja-se Oscar Vilhena Vieira. A Constituição
e sua reserva de justiça. Op. cit; Miguel Nogueira de Brito. A Constituição constituinte:

457
ensaio sobre o poder de revisão da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2000; Samantha
Chantal Dobrowolski. Op. cit; p. 265-312; Rodrigo Brandão. Direitos fundamentais,
democracia e cláusulas pétreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 59-112.
(SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades.
Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009, nota
de rodapé nº 107).

Nessa análise, É “POLITICAMENTE CORRETA” A SÚMULA VINCULANTE


Constituição Federal, art. 103-A: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
Lei nº 11.417, DE 19.12.2006 – Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal
Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua
publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
prevista nesta Lei.
(...)
Art. 5º Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de
súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação,
procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

Outros casos de correção legislativa ou tentativas:

O Supremo Tribunal Federal editou, em 24.09.03, a Súmula nº 622/STF,


vedando a interposição do recurso para o combate de decisão monocrática do relator que
concede ou indefere medida liminar em Mandado de Segurança de competência
originária: “não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou
indefere liminar em mandado de segurança”.

458
LEI Nº 12.016, DE 07.08.2009 (nova disciplina do mandado de segurança),
art. 16, Parágrafo único: “Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida
liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre”.

“A nova lei do mandado de segurança - Lei nº 12.016/2009, art. 16,


parágrafo único - derrogou o enunciado da Súmula nº 622/STF (“não cabe agravo
regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de
segurança”) – STF: MS 28177 MC-AgR. Logo, é adequada a interposição agravo
regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de
segurança” - 20100020001696MSG, Relator FLAVIO ROSTIROLA, Conselho
Especial, julgado em 02/02/2010.
PROJETO DE LEI 4367/200861, da Deputada Elcione Barbalho –
PMDB/PA – Estabelece que o namoro configura relação íntima de afeto para os efeitos
da Lei 11.340, de 7 de Agosto de 2006 – Lei Maria da Penha.
“...a despeito de sua inequívoca importância para o enfrentamento da
violência doméstica, a Lei Maria da Penha não tem sido aplicada pelo Poder Judiciário
de acordo com a vontade do Legislador. A jurisprudência tem entendido que as
agressões cometidas por ex-namorado não se enquadram na lei Maria da Penha.
Desafortunadamente, o julgador não percebeu a realidade que cerca as
mulheres brasileiras. A leitura da decisão do Conflito de Competência 91.980-MG do
STJ revela uma grave forma de discriminação contra a mulher:
(...)
Ora, o Legislativo não pode se quedar inerte diante dessa interpretação da
lei, que beneficia determinado grupo de agressores, qual seja: namorados e ex-
namorados. Não há razões nem premissas que justifiquem tal hermenêutica.
Portanto, em razão desse contexto, apresento esta proposição cujo
desiderato é garantir a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de agressões contra
mulheres perpetradas por namorados e ex-namorados”.
ATENÇÃO: o próprio STJ passou a admitir a Lei Maria da Penha no
namoro: "Nos termos do artigo 5º, inciso III, da Lei 11.340/2006, é perfeitamente

61 Andamento em 15.05.2017 - No senado, o projeto recebeu o número SF PLC 16/2011 de 25/11/2008.


Desde 01.10.2015, está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com a relatoria do Senador
Magno Malta. - link

459
possível a prática de violência doméstica e familiar nas relações entre namorados,
ainda que não tenham coabitado, exigindo-se, contudo, que os fatos tenham sido
praticados em razão da relação de intimidade e afeto existente entre o agressor e a
vítima. Precedentes" (HC 357.885/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 31/08/2016).

Lei Distrital nº 540, DE 21.09.1993: Art. 1º Fica criada a Gratificação de Ensino


Especial – GATE destinada aos servidores das Carreiras Magistério Público e
Assistência à Educação da Fundação Educacional do Distrito Federal que atendam a
alunos portadores de necessidades educativas ou situação de risco e
vulnerabilidade, em unidades especializadas de ensino da rede pública ou conveniadas.

“A legislação até a entrada em vigor da Lei n.º 4.075/2007, não limita a concessão da
GATE aos professores que lecionem em instituições destinadas unicamente a educar
alunos especiais ou em classe composta exclusivamente de referidos alunos. Classe
especial é aquela que possui em seus quadros alunos com necessidades especiais, em
qualquer número” - 20080111195164EIC, Relator CARMELITA BRASIL, 2ª Câmara
Cível, julgado em 08/08/2011.

Lei Distrital nº 4.075, DE 28.12.2007 - art. 21, §3º, I: “A Gratificação de Atividade de


Ensino Especial concedida aos professores do DF que atendam exclusivamente a
alunos portadores de necessidades educativas ou em situações de risco e
vulnerabilidade...”.

VAQUEJADA

É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.


Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta prática sofrem tratamento cruel,
razão pela qual esta atividade contraria o art. 225, §1º, VII, da CF/88. A crueldade
provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não
possa ser permitida. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de
direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não
prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, que
veda práticas que submetam os animais à crueldade. STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel.

460
Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016.

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 96
Acrescenta § 7º ao art. 225 da Constituição Federal para determinar que práticas
desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, nas condições que
especifica.
"Art. 225, §7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não
se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam
manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal,
registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro,
devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais
envolvidos" (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 06.06.2017).

O ATIVISMO USADO COMO AVANÇO SOCIAL:


"...o ativismo judicial pode, em certos contextos, atuar em sinergia com a mobilização
social na esfera pública. Isto ocorreu, por exemplo, no movimento dos direitos civis
nos Estados Unidos dos anos 50 e 60, que foi aquecido pelas respostas positivas
obtidos na Suprema Corte, no período da Corte de Warren (Cf. Charles R. Epp. The
Rights Revolution. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. p. 26-70; Owen
Fiss. The Law as It Could Be. New York: New York University Press, 2003. p. 244-
249)" (SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e
possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-
133, jan./mar. 2009).

O ATIVISMO É SEMPRE PROGRESSISTA?


NÃO!!:
1 – “...Muitas vezes, o Poder Judiciário pode atuar bloqueando mudanças importantes
promovidas pelos outros poderes em favor dos excluídos, defendendo o statu quo. E
esta defesa pode ocorrer inclusive através do uso da retórica dos direitos fundamentais.
Isso se deu, por exemplo, nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século passado,
em período que ficou conhecido como Era de Lochner, quando a Suprema Corte
impediu sistematicamente a edição de legislação trabalhista e de outras medidas que
implicavam em interferência na esfera econômica em proveito das classes

461
desfavorecidas, com base numa leitura substantiva da cláusula do devido processo
legal. No cenário contemporâneo, Ran Hirshl sustenta que o processo de judicialização
da política que vem ocorrendo nos últimos anos em diversos países do mundo - ele fez
um atento, ainda que controvertido, estudo dos casos do Canadá, Israel, África do Sul
e Nova Zelândia -, teria como pano de fundo uma tentativa das elites econômicas e
culturais, que perderam espaço na política majoritária, de manterem o seu poder,
reforçando no arranjo institucional do Estado o peso do Judiciário, no qual elas ainda
têm hegemonia. E, aqui no Brasil, será que a proteção absoluta que vem sendo
conferida ao direito adquirido – inclusive o de furar teto salarial do funcionalismo
fixado por emenda à Constituição – e o "ultra-garantismo" penal nos crimes do
colarinho branco não seriam exemplos deste mesmo fenômeno?" (SARMENTO,
Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira
de Estudos Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).

VER O CASO DO RESP 911802 – UM DOS PRECEDENTES USADOS NA


FORMULAÇÃO DA SÚMULA 356 STJ – AULA DE JURISPRUDÊNCIA

2 – “Não esqueçamos (...) que ativismo judicial nos Estados Unidos foi feito às avessas
num primeiro momento (de modo que não se pode considerar que o ativismo seja
sempre algo positivo). O típico caso de um ativismo às avessas foi a postura da
Suprema Corte estadunidense com relação ao new deal, que, aferrada aos postulados
de um liberalismo económico do tipo laissez faire, barrava, por inconstitucional idade,
as medidas intervencionistas estabelecidas pelo governo Roosevelt. As atitudes
intervencionistas a favor dos direitos humanos fundamentais ocorrem em um contexto
que dependia muito mais da ação individual de uma maioria estabelecida, do que pelo
resultado de um imaginário propriamente ativista. O caso da Corte Warren, por
exemplo, foi resultante da concepção pessoal de certo número de juízes e não o
resultado de um sentimento constitucional acerca desta problemática. E essas
circunstâncias não podem ser ignoradas" (STRECK, 2010, p. 23)

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL É ATIVISTA?

Débora Alves Maciel e Andrei Koerner declaram que a pretensão dos

462
primeiros autores de dar estatuto conceitual à expressão “judicialização da política” foi
questionada: “Em suas análises de ações de insconstitucionalidade no STF eles já
apontavam a inadequação do conceito, dado o pouco ativismo dos ministros” (MACIEL
e KOERNER, 2002 – grifei).

A esse respeito, confira um trecho dos comentários finais de Marcos Faro62:

“O STF tem feito uso parcimonioso de garantias constitucionais de amplo


alcance, limitando as medidas de impacto político mais visível a decisões liminares.
Contudo, a análise dos acórdãos do tribunal revela que também a produção
jurisprudencial rotineira do STF tem uma direção marcante na proteção de interesses
privados e, portanto, de impacto negativo sobre a implementação de políticas públicas.
Isso se dá, porém, de maneira concentrada nos processos em que se discute o pagamento
de exações fiscais (tributos e contribuições).
Portanto, uma conclusão feral que se pode extrair das análises acima, é que,
com exceção da política tributária, o STF preponderantemente não tem desenvolvido
jurisprudência em proteção a direitos individuais e em contraposição às políticas
governamentais” (CASTRO, 1997).

Em trabalhos mais atuais, ao que tudo indica, o quadro não se modificou. O


grupo de pesquisa “ativismo judicial”: verso e reverso: a judicialização da política e o
ativismo judicial no Brasil, após definir os vetores de judicialização da política e sua
distinção em referência do ativismo judicial, a reflexão desenvolvida pontua para a
especificidade do caso brasileiro: “encontra-se um verso de ativismo de natureza formal
ou jurisdicional (Marshall) por parte do Supremo Tribunal Federal e um reverso devido
às fortes demandas sociais na primeira instância” (Fórum..., 2009, p. 60).

SE O SUPREMO É (FOSSE) ATIVISTA, É POSSÍVEL DIZER EM QUE


SENTIDO?

Um comentário acadêmico sobre os trabalhos organizados por Neal Tate e T.


Vallinder: O Cientista Político Ernani Rodrigues de Carvalho aborda os motivos da
chamada “expansão do poder judicial” – ver abaixo – e ele diz que os livros/textos de

62Somente para delimitar historicamente a ideia: A metodologia empregada pelo pesquisador foi a de
análise de conteúdo de uma amostra de ementas de acórdãos do STF, publicadas no Diário Oficial da
União durante o primeiro semestre de 1994. Foram analisadas 1.240 ementas.

463
Tate e Vallinder “introduzido[s] no Brasil por Castro (1997)” teriam norteado “o debate
acadêmico na Ciência Política em torno da judicialização no Brasil” (CARVALHO,
2004, p. 116). Entretanto, para Ernani Rodrigues de Carvalho, o uso desse modelos na
explicação do comportamento julgador não elucida algumas questões, entre elas:
1. Quais as forças políticas envolvidas ou em disputa?
2. Em que condições as decisões são tomadas (conjuntura política)?
3. Ocorre influência e/ou pressão externa?
4. Essa pressão surtiu efeito?
5. Os juízes atuam ideologicamente?
6. Ocorreu interferência na aplicação de políticas públicas?

Ao que tudo indica, portanto, não existe um estudo conclusivo que vislumbre
interesses corporativos ou particulares inscritos em uma opção por um arranjo legal-
institucional mais ou menos favorável à “juristocracia” ou à “supremocracia”. Existem,
entretanto, teses conspiratórias (???) a esse respeito. Esta é a hipótese explicativa
desenvolvida por Ran Hirschl:
“O poder judicial não cai do céu; ele é politicamente construído. Acredito
que a constitucionalização dos direitos e o fortalecimento do controle de
constitucionalidade das leis resultam de um pacto estratégico liderado por elites políticas
hegemônicas continuamente ameaçadas, que buscam isolar suas preferências políticas
contra mudanças em razão da política democrática, em associação com elites
econômicas e jurídicas que possuem interesses compatíveis” HIRSCHL, R. Towards
juristocracy: the origins and consequences of the new constitutionalism. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 2004, p. 49.

● POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICA ESTATAL
“Por política estatal - ou políticas públicas - entende-se o conjunto de
atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-
se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões
(Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado.
Como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e

464
pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário
analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que se convencionou chamar de
'atos de governo' ou 'questões políticas', sob o prisma do atendimento aos fins do Estado
(art. 3º da CF), ou seja, em última análise à sua constitucionalidade” (Oswaldo Canela
Junior, apud GRINOVER, 2010, p. 14)

CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE POLÍTICA PÚBLICA (HOWLETT, 2000)


CONSTRUÇÃO DA AGENDA
Processo pelo qual os problemas chegam à atenção do governo
Surgem as demandas por uma política
É a compreensão de como Elas são articuladas por atores específicos
Emergem na agenda do governo
Campanha de petições
Redações de cartas
Exemplos Grupo de trabalho sobre questões específicas
Mobilização de piquetes protestos
Outras formas de desobediência civil pacífica ou violenta

O tema central para entender a representação política é entender a relação


entre o comportamento da elite política e preferências gerais da população
Após as modernas pesquisas de opinião, o político pode identificar o desejo
popular e responder
Quem comanda o processo?
1) o interesse público define a agenda?
2) a opinião pública é o reflexo de ações anteriores?
3) pode-se considerar um feedback recíproco?
De outra forma: quais as interrelações causais entre a ação do executivo,
comportamento do legislativo e opinião pública?
Conclusão de Howlett: “...quaisquer que sejam os efeitos da opinião pública
sobre as políticas públicas, eles não são diretos” (HOWLETT, 2000, p. 172)
Em um estudo (PEREIRA, POWER e RENNO, 2005), sugere-se a conclusão
de “que a opinião da população parece ser mais reativa do que proativa” (p. 418)

465
Em um excelente texto, Michael Howlett (A dialética da Opinião Pública)
critica os trabalhos acadêmicos que consideram a relação entre a opinião pública e a
formação de políticas públicas como simples, direta e linear
Desde Rousseau se discute a dificuldade de agregar o murmúrio da vontade
coletiva em prescrições políticas universalmente endossadas
O caminho que sentimentos públicos trilham para chegar de forma
consistente ao formador de políticas
PROBLEMAS
Processos que estabelecem as agendas governamentais e as opções
para formular políticas
“Frustração democrática”: o sistema de políticas não atende de maneira
adequada ao sistema democrático (BROOKS, apud HOWLLET, 2000, pp. 168/169)
A situação na qual o comportamento da elite está isolado das reações da
opinião pública é descrita por O’DONNELL como democracia delegativa (apud
PEREIRA, POWER e RENNO, 2005).
Os freios e contrapesos são frágeis
Democracia delegativa Os eleitores não conseguem responsabilizar os
representantes pelo desempenho no cargo

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO (um capítulo a parte no curso)


Desempenha papel ativo e continuado
Influencia a construção da agenda
Geram a atenção do público e, por conseguinte, a pressão política
Não só aumenta a percepção/atenção públicas, mas pode construir
LIMITAÇÕES
A mídia pode, em alguns casos, ser um agente mediador imperfeito para a OP
Existem questões crônicas que permanecem sem ser noticiados
O caso do juiz que descumpriu a decisão do STF sobre a união homoafetiva e a manchete
do dia seguintes. Por que o destaque?

FORMULAÇÃO DA POLÍTICA
Processo pelo qual as opções por políticas são desenvolvidas dentro do governo
O público não é representado diretamente nos subsistemas das políticas setoriais

466
É lenta a absorção dos inputs nas democracias: "Em regimes democráticos, existem
numerosas instituições intermediárias que filtram as demandas e muitas dessas
instituições operam em condições de alta viscosidade" (PEREIRA, POWER e RENNO,
2005, p. 402)
Há uma representação indireta: grupos de interesse
Sobre a formação científica/educação técnica: “A participação na formulação de
políticas requer que os membros do público de uma questão sejam capazes de no
mínimo construir a questão como problemática, e tenham informação suficiente para
buscar soluções potenciais para o problema. Em muitos casos, só os especialistas têm
essa capacidade” (HOWLETT, 2000, p. 177).
Veremos essa questão especificamente no direito – Pierre Bourdieu
Mais importante no estágio de formulação de Grupos de interesse
políticas é a existência de instituições organizadas Partidos políticos
Os caroneiros
Problemas
A governabilidade brasileira: os aliados
TOMADA DE DECISÃO
Processo pelo qual os governos adotam um curso particular de ação ou não ação
À medida que o processamento das PP caminha, o número de atores políticos relevantes
diminui
Construção da agenda: ampla variedade de atores estatais e sociais
Formulação de políticas: o número de atores ainda é grande, mas é reduzida as que foram
algum subsistema de política setorial
Com O estágio de tomada de decisão envolve menos atores
exceção Políticos
dos (raros) Funcionários autorizados
Somente participam desse estágio do
referendos Juízes – OBS: CNJ
ciclo da política
e
plebiscitos
Existem regras definindo – vício de iniciativa de Lei, p. ex.
“tais regras de procedimento fornecem ‘canais de ação’ aos tomadores de decisão”
(HOWLETT, 2000, p. 179)
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

467
Processo pelo qual os governos põem as políticas em execução
Os atores centrais em processos políticos são os burocratas especialistas com tempo e
especialização
O poder e a influência depende da amplitude dos recursos politicamente relevantes
O corpo burocrático possui autonomia, mas não pode ser isolado da pressão pública de
forma exagerada
Ao tratar “de questões semelhantes em base continuada dota-os (os burocratas) de
percepção única dos problemas” (HOWLETT, 2000, p. 180)
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS
Processos pelos quais os resultados das políticas são monitorados pelos atores estatais e
societais, e cujo resultado pode ser a reformulação dos problemas e soluções
Partidos e candidatos oferecem pacotes de políticas que atraem os eleitores
O voto é concebido como avaliação de políticas
Eleitores individuais julgam as políticas de um governo
O sistema eleitoral não permite a escolha de políticas específicas
A avaliação das políticas específicas é feita por servidores ou membros do judiciário
que, por sua vez, são isolados da opinião e da pressão públicas

PROBLEMA: se o legislador não ouve a sociedade, como o Poder Judiciário tem agido
na sua relação com a sociedade-VER a “representatividade adequada”

● TRÊS CORRENTES

segundo Rafael Barreto Garcia, a doutrina e a jurisprudência relacionam três


possibilidades na relação DIREITO X POLÍTICA

1) EXTREMA IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NAS


POLÍTICAS PÚBLICAS
teses:
⇒ separação de poderes
⇒ déficit democrático - o juiz não é eleito
⇒ a implementação da política pública é complexa: "o juiz não tem como fazer uma
investigação completa com todo o tempo necessário sobre o assunto, muito menos levar
468
a cabo um planejamento global da atuação dos Poderes Públicos" (GARCIA, 2009)
⇒ serão deslocados "recursos de políticas públicas gerais para demandas específicas
de quem possui capacidade de informação e organização" (GARCIA, 2009)
⇒ "...não há como o direito substituir a política. Não tendo o próprio constituinte
resolvido os problemas dos referidos direitos de uma só vez, não há como obrigar
qualquer dos Poderes constituídos a resolvê-los - igualmente - de uma só vez" (GARCIA,
2009)
⇒ A doutrina constitucional moderna na Alemanha, "ao criticar a reserva do
possível, ressalta que são os próprios cidadãos quem acabam por pagar os custos advindos
das prestações dos direitos sociais aos outros, numa relação de oposição entre si"
(GARCIA, 2009)
⇒ Nesse sentido de autocontenção, Daniel Sarmento: “...em outros campos, pode ser
mais recomendável uma postura de autocontenção judicial, seja por respeito às
deliberações majoritárias adotadas no espaço político63, seja pelo reconhecimento da falta
de expertise do Judiciário para tomar decisões que promovam eficientemente os valores
constitucionais em jogo, em áreas que demandem profundos conhecimentos técnicos fora
do Direito – como Economia, políticas públicas e regulação64. Nestes casos, deve-se
reconhecer que outros órgãos do Estado estão mais habilitados para assumirem uma
posição de protagonismo na implementação da vontade constitucional” (SARMENTO,
Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de
Estudos Constitucionais – RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).

2) EXISTE A POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NAS


POLÍTICAS PÚBLICAS QUANDO ENVOLVEM PRESTAÇÕES POSITIVAS

63 Neste ponto, entendo que um standard importante que deveria ser adotado para controle de
constitucionalidade é o de que quanto maiores forem as credencias democráticas de um ato normativo,
mais autocontido deve ser o Poder Judiciário ao avaliar a sua constitucionalidade. Na minha opinião, estas
credencias democráticas devem ser aferidas tanto por critérios qualitativos - e.g. grau de participação
social no processo legislativo, qualidade do processo deliberativo que a antecedeu - como por critérios
quantitativos - percentual de votos favoráveis à medida. Em sentido semelhante, veja-se Cláudio Ari
Mello. Democracia e direitos fundamentais. Op. cit., p. 298.
64 Em sentido próximo apontam as lições de Gustavo Binenbojm e Humberto Ávila. O primeiro, tratando

do controle judicial dos atos administrativos, averbou que "quanto maior for o grau de tecnicidade da
matéria, objeto de decisão por órgãos dotados de expertise e experiência, menos intenso deve ser o grau
de controle judicial" (Uma teoria do direito administrativo.... Op. cit., p. 236). Já o segundo salientou que
"o âmbito de controle pelo Judiciário deverá ser tanto menor quanto mais... difícil e técnico for o juízo
exigido para o tratamento da matéria" (Teoria dos princípios.... Op. cit., p. 126).

469
DO ESTADO EM CASOS EXTREMOS
⇒ "...havendo previsão de políticas públicas no plano plurianual, com dotação
orçamentária anual, porém, não realizada ou efetivada, haveria - apesar da não-
obrigatoriedade da realização da despesa prevista no orçamento anual - possibilidade de
o juiz, comprovada a necessidade fática, obrigar sua realização" (GARCIA, 2009)
⇒ o autor da ação deverá observar dois pressupostos
⇒ - indicação da fonte do financiamento do programa social
⇒ - respeito à lei orçamentária anual enquanto princípio da reserva da atividade
legislativa

3) EXISTE A POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NAS


POLÍTICAS PÚBLICAS SEMPRE QUE HOUVER VIOLAÇÃO DE DIREITO
FUNDAMENTAL
⇒ Min. Celso de Mello: “A colmatação de omissões inconstitucionais: um gesto de
respeito pela autoridade da Constituição da República. Nem se alegue, finalmente, no
caso ora em exame, a ocorrência de eventual ativismo judicial exercido pelo STF,
especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento
afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do
direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da
República, muitas vezes transgredida e desrespeitada, como na espécie, por pura e simples
omissão dos poderes públicos. Na realidade, o STF, ao suprir omissões inconstitucionais
dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada
pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir sua missão
constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela
autoridade da Lei Fundamental da República” ADI 4277 - o caso da união homoafetiva.
⇒ Sobre o tema Daniel Sarmento: "Estou convencido de que o Poder Judiciário tem
um papel essencial na concretização da Constituição brasileira. Em face do quadro de
sistemática violação de direitos de certos segmentos da população, do arranjo
institucional desenhado pela Carta de 88, e da séria crise de representatividade do Poder
Legislativo, entendo que o ativismo judicial se justifica no Brasil, pelo menos em certas
searas, como a tutela de direitos fundamentais, a proteção das minorias e a garantia do
funcionamento da própria democracia. O maior insulamento judicial diante da pressão

470
das maiorias, bem como um certo ethos profissional de valorização dos direitos humanos,
que começa a se instalar na nossa magistratura, conferem ao Judiciário uma capacidade
institucional privilegiada para atuar nestas áreas" (SARMENTO, Daniel. O
neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar. 2009).

● PARÊMTROS PARA O CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS


VER O ANEXO I
⇒ Ada Pellegrini Grinover indica limites suficientes e imprescindíveis para impedir
excessos

a) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão;


⇒ é necessário formular uma política pública para implementar os direitos cuja
observância constitui objetivo fundamental do Estado – art. 3º CF
⇒ esses direitos apresentam um núcleo central “que assegura um mínimo existencial
necessário a garantir a dignidade humana” (GRINOVER, 2010, p. 18)
⇒ “A dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder
aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os dentes mentais e os indigentes
podem ser privados” (TORRES, apud GRINOVER, 2010, p. 18)
⇒ Apoiada em Ana Paula Barcelos, Ada Pellegrini afirma: “...o mínimo existencial é
formado pelas condições básicas para a existência e corresponde à parte do princípio
da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer eficácia jurídica e simétrica,
podendo ser exigida judicialmente em caso de inobservância” (GRINOVER, 2010, p.
18)

Exemplos (ROCHA JUNIOR, APUD


GRINOVER, 2010, p. 18)
Direito à educação fundamental
Direito à saúde básica
Saneamento básico
Concessão de assistência social

471
Tutela do ambiente
Acesso à justiça

b) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as


prestações positivas dele reclamadas.
⇒ A defesa do Estado mais comum é a ausência de verba
⇒ Com efeito, “a implementação de uma política pública depende de disponibilidade
financeira – a chamada reserva do possível” (GRINOVER, 2010, p. 24)
⇒ “Segundo Robert Alexy (apud WANG, 2008, p. 540), a reserva do possível seria tudo
aquilo que o indivíduo pode exigir, de modo razoável, do Estado. Isto significa que
os direitos devem ser ponderados, inclusive os direitos sociais, que, por não terem
caráter absoluto, devem estar delimitados pela colisão de valores verificados no caso
concreto. Assim, para os defensores da corrente procedimentalista, a reserva do
possível deve estar amparada por três pilares: a) efetiva existência de recursos para a
efetivação dos direitos fundamentais; b) disponibilidade jurídica em dispor destes
recursos em razão da distribuição de receitas e competências; c) razoabilidade daquilo
que está sendo pedido (WANG, 2008, p. 541). Segundo o entendimento de Canotilho
(apud HERRERA, 2009, p. 84), a limitação dos recursos públicos é um verdadeiro
limite fático para efetivação dos direitos sociais, de modo que devem ser observadas
as disponibilidades orçamentárias do Estado para que ocorra o gasto público. Nas
palavras de Herrera (2009, p. 84): De fato, a Constituição Federal (Art. 165 e
seguintes) ordena que o orçamento público deve ser previsto em leis – plano
plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais. Assim,
inquestionavelmente, impõem-se certo limite à atuação judicial, uma vez que se alega
que o Judiciário não pode obrigar a Administração Pública a agir em desconformidade
com a determinação constitucional, pois, não havendo previsão orçamentária para
executar a assistência à saúde, não haverá, por conseguinte, capacidade jurídica de
dispor do recurso. Cabe notar que, segundo Sarlet e Figueiredo (apud WANG, 2008,
p. 540), a reserva do possível não impede o Poder Judiciário de zelar pela efetivação
de direitos sociais, mas deve fazê-lo com cautela e responsabilidade, consciente do
problema da escassez dos recursos” (Leal, João Carlos Júnior; Shimamura, Emilim.
Sobre procedimentalismo e substancialismo na promoção de políticas públicas na área
de saúde. Revista CEJ, v. 15, n. 52, p. 12-22, jan./mar. 2011, p. 16).

472
⇒ IMPORTANTE: A mera alegação não é suficiente para isentar o poder público
⇒ Deve haver prova
⇒ Ada Pellegrini, inclusive, defende a aplicabilidade “quer a regra da inversão do ônus
da prova (art. 6º, VII, do Código de Defesa do Consumidor), aplicável por analogia,
quer a regra da distribuição dinâmica do ônus da prova, que flexibiliza o art. 333 CPC,
para atribuir a carga da prova à parte que estiver mais próxima dos fatos e tiver mais
facilidade de prová-los” (GRINOVER, 2010, p. 24)
⇒ Uma vez provada a ausência de recursos, a reserva do possível pode ensejar uma
condenação em duas etapas
1º - inclusão no orçamento da verba necessária ao adimplemento da obrigação;
2º - em seguida à inclusão, à obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da
obrigação – a segunda condenação justifica-se, pois a lei orçamentária não é vinculante

c) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público


e a irrazoabilidade da escolha do agente público;
⇒ Para Ada Pellegrini, “a intervenção judicial nas políticas públicas só poderá ocorrer
em situações em que ficar demonstrada a irrazoabilidade do ato discricionário
praticado pelo poder público, devendo o juiz pautar sua análise em atenção ao
princípio da proporcionalidade” (GRINOVER, 2010, p. 24)
⇒ VER O DEBATE PROPORCIONAL E RAZOÁVEL
⇒ O CASO DA SAÚDE: “Tome-se o exemplo da saúde: uma política pública razoável
(e, portanto, adequada) deve propiciar o atendimento ao maior número de pessoas
com o mesmo volume de recursos. Merecem críticas, portanto – por não atender ao
requisito da razoabilidade –, alguns julgados, em demandas individuais que concedem
ao autor tratamentos caríssimos no exterior, ou a aquisição de remédios experimentais
que sequer foram liberados no Brasil. Não se trata, nesses casos, de corrigir uma
política pública de saúde que esteja equivocada. E não se pode onerar o erário público
sem observância da reserva do possível” (GRINOVER, 2010, p. 25).
⇒ O STF está debatendo nos Recursos Extraordinários 566471 e 657718, com
repercussão geral reconhecida: fornecimento de remédios de alto custo não
disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não
registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Andamento em
15.05.2017: Ministro Marco Aurélio desprove o recurso; Roberto Barroso: parcial

473
provimento; Edson Fachin: provimento integral, pediu vista Teori Zavascki.
⇒ Dentro desse debate, quanto à intensidade do controle dos outros Poderes pelo Poder
Judiciário, Humberto Ávila assinala:
⇒ “uma das grandes dúvidas concernentes à aplicação do postulado da
proporcionalidade é a relativa intensidade do controle a ser exercido pelo Poder
Judiciário sobre os atos dos Poderes Executivo e Legislativo

o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigência de justificação da restrição a um


direito fundamental deverá ser (ÁVILA, 2011, pp. 186/187)
(1) a condição para que o Poder Judiciário construa um juízo seguro a
respeito da matéria tratada pelo Poder Legislativo;
(2) a evidência de equívoco da premissa escolhida pelo Poder Legislativo
tanto
como justificativa para a restrição do direito fundamental;
MAIOR
(3) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido;
quanto maior
(4) a importância do bem jurídico constitucionalmente protegido, a ser
for:
aferida pelo seu caráter fundante ou função de suporte relativamente a
outros bens (por exemplo, vida e igualdade) e pela sua hierarquia sintática
no ordenamento constitucional (por exemplo, princípios fundamentais).
Partindo dessa premissa, o controle pelo Poder Judiciário ser maior, pois "o Poder
Legislativo só irá realizar ao máximo o princípio democrático se escolher a premissa
concreta que melhor promova a finalidade pública que motivou sua ação ou se tiver uma
razão justificadora para ter se afastado da escolha da melhor premissa. Se o Poder
Legislativo podia ter avaliado melhor, sem aumento de gastos, a sua competência não foi
exercida em consonância com o princípio democrático, que lhe incumbe realizar ao
máximo".
(1) duvidoso for o efeito futuro da lei;
tanto
(2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento da matéria;
MENOR,
(3) aberta for a prerrogativa de ponderação atribuída ao Poder Legislativo
quanto mais:
pela Constituição.
Presentes esses fatores, menor deverá ser o controle exercido pelo Poder Judiciário, já que
se toma mais difícil uma decisão autônoma desse Poder.

474
● POSSIBILIDADES DE SENTENÇA
ASPECTOS BÁSICOS QUE PODERIAM SER OBJETO DE CONTROLE
(GARCIA, 2009):
a) a fixação de metas e prioridades, por parte do Poder Público, em matéria de direitos
fundamentais;
b) o resultado final esperado das políticas públicas;
c) a quantidade de recursos a ser investida em políticas públicas vinculadas à realização
de direitos fundamentais;
d) a constatação do alcance (ou não) das metas fixadas pelo próprio Poder Público; e
e) a eficiência mínima na aplicação dos recursos públicos destinados a determinada
finalidade.

CASOS PRÁTICOS DE POLÍTICAS DO CNJ

DOAR É LEGAL: O programa, coordenado nacionalmente pelo Conselho


Nacional de Justiça (CNJ) e executado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
(TJRS), visa conscientizar pessoas a se tornar doadoras de órgãos e divulgar a informação
para seus familiares.
COMEÇAR DE NOVO: O Começar de Novo visa à sensibilização de órgãos
públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de
capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do
programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes.
CIDADANIA NOS PRESÍDIOS: É uma iniciativa do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) pelo reconhecimento e pela valorização de direitos, em sentido amplo.
Discutir-se nova dinâmica e metodologia para o sistema de execução e fiscalização das
penas, revendo o funcionamento das varas de execução penal e a superocupação dos
presídios, com o reforço da interlocução e interação de todos aqueles que intervêm no
processo e nas rotinas da execução penal, têm aptidão para tornar o sistema de justiça
“mais humano, aproximando o juiz e a sociedade do jurisdicionado”.
PAI PRESENTE: Com base em dados do Censo de 2010 apontando que
várias pessoas não possuíam registro de nascimento ou não tinham o nome do pai no
documento de identidade "a Corregedoria Nacional de Justiça colocou em prática, nos
últimos dois anos, ações que buscam fomentar o registro civil de nascimento e o
475
reconhecimento de paternidade, ainda que tardios. Com o Programa Pai Presente, o
Judiciário brasileiro mobilizou todo o Brasil e possibilitou a inclusão do nome do pai na
certidão de nascimento de mais de 14 mil pessoas.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: Além disso, a Comissão de Acesso à
Justiça e Cidadania tem coordenado movimento permanente de combate à violência
doméstica e familiar contra a mulher. Neste sentido, recentemente, foi criado grupo de
trabalho (Portaria n. 54/2016), presidido pela conselheira Daldice Maria de Almeida, para
realizar estudos que visem à criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em
Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos
estados e do Distrito Federal, conforme disposto na Resolução n. 128/20016.

Existem outras políticas com o intuito, por exemplo, de “contornar o grave problema da
superlotação dos presídios, a inclusão das pessoas portadoras de deficiências nas
carreiras públicas, além de aperfeiçoar os sistemas de acesso à justiça, de adoção de
menores e, inclusive, de ações voltadas à proteção do meio-ambiente, entre outros temas
de alta relevância” (GARCIA, 2009).

● MODOS DE IMPLEMENTAR A ORDEM CONCEDIDA

a) Multa: astreintes ou por ato atentatório ao exercício da jurisdição


⇒ "Esta Corte Superior de Justiça possui já entendimento de que, em se tratando de
obrigação de fazer, é permitida ao Juízo a imposição de multa cominatória ao devedor,
mesmo que seja contra a Fazenda Pública. Precedentes" - AgRg no REsp
1129903/GO, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 28/09/2010, DJe 24/11/2010
⇒ FORNECIMENTO DE REMÉDIOS - "1. As medidas previstas no §5º do art. 461 do
CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não-
exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do
magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem com as peculiaridades
de cada caso concreto. 2. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação
de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de
medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar
coisa, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC" – AgRg no REsp 1046283/RS,

476
Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe
06/08/2008
⇒ Trecho de decisão, proferida pelo Ministro Humberto Martins, em 01.08.2012 no
Recurso Especial nº 1.277.871 - Data da Publicação: 06/08/2012: "Há muito se
encontra pacificado em ambas as Turmas julgadoras que compõem a Primeira Seção
desta Corte Superior o cabimento de bloqueio de verbas públicas, mormente como se
dá na espécie, em que a municipalidade foi obrigada judicialmente ao fornecimento
de medicamentos".
⇒ OBSERVAÇÃO SOBRE A APLICAÇÃO DE ASTREINTES NO MANDADO DE
SEGURANÇA EM QUE SE DESCUMPRE DA DECISÃO: “Para caso de
descumprimento da decisão proferida no mandado de segurança, a providência é a
prevista no art. 26 da L. 12.016/09, e não fixar multa (astreintes), que não conta com
previsão nessa lei. Embargos acolhidos”. (Acórdão n.741515, 20130020223129EME,
Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Relator Designado: JAIR SOARES, Conselho
Especial, Data de Julgamento: 26/11/2013, Publicado no DJE: 06/12/2013.

Inconveniências
- em primeiro lugar, pode-se penalizar a própria sociedade: “não se pode esquecer o fato
de que a multa diária recairá, diretamente, no patrimônio público, bem de todos. E que,
por isso, os efeitos de uma multa aplicada ao setor particular e ao setor público podem
ser completamente diversos. [...] A imposição de multa diária só tem efeito quando recai
no patrimônio particular do administrador público, pois, de contrário, onerar-se-ia ainda
mais o erário” (Eurico Ferraresi, apud GRINOVER, 2010, p. 26).
- para o caso de execução, em certos casos, exige-se nova demanda
- o rito do precatório

b) Responsabilização por ato de improbidade administrativa


⇒ A conduta do agente que descumpre decisão judicial subsume-se ao inc. II do art. 11
da Lei nº 8429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – que afirma constituir ato de
improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública ‘retardar ou
deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício’”

c) INTERVENÇÃO
477
⇒ "A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em julgado
traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação de poderes e
fundada nos postulados que informam, em nosso sistema jurídico, a própria
concepção de Estado Democrático de Direito. O dever de cumprir as decisões
emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos em que a condenação judicial
tem por destinatário o próprio Poder Público, muito mais do que simples incumbência
de ordem processual, representa uma incontornável obrigação institucional a que não
se pode subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República. A desobediência a
ordem ou a decisão judicial pode gerar, em nosso sistema jurídico, gravíssimas
consequências, quer no plano penal, quer no âmbito político-administrativo
(possibilidade de impeachment), quer, ainda, na esfera institucional
(decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou em Municípios
situados em Território Federal, ou de intervenção estadual nos Municípios)" - IF
590 QO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/1998.

d) CRIME DE RESPONSABILIDADE / DESOBEDIÊNCIA


⇒ "Constitui crime de responsabilidade dos Prefeitos Municipais o não cumprimento de
ordem judicial, sem que seja dado o motivo da recusa ou da impossibilidade, por
escrito, à autoridade competente (Art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei 201/67)" REsp
546249/PB, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
04/03/2004, DJ 31/05/2004, p. 350
⇒ ENTRETANTO, prefeito conseguindo demonstrar a impossibilidade de utilização de
verba pública por indisponibilidade no orçamento conseguiu o trancamento de ação
penal: "2. Inexistente o dolo, elemento subjetivo do tipo penal inscrito no art. 1º,
inciso XIV, do Decreto-lei 201/67, resulta atípica a conduta imputada ao paciente. 3.
Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal originária
36608/2005" - HC 64478/MT, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2008, DJe 12/05/2008)

⇒ "1. Consoante firme jurisprudência desta Corte, para a configuração do delito de


desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de
natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir

478
expressamente a referida cumulação.

⇒ No mesmo sentido: “2. Se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança,


cujo descumprimento justificou o oferecimento da denúncia, previu multa diária pelo
seu descumprimento, não há que se falar em crime, merecendo ser trancada a Ação
Penal, por atipicidade da conduta" - HC 92655/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008,
p. 352

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Para saber mais:

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ANEXO I

Decisão do Min. Celso de Mello na Medida Cautelar em Argüição de


Descumprimento de Preceito Fundamental nº 4565
É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de
implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina,
Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo

65 Para Ada Pellegrini Grinover, o precedente mais representativo em favor da intervenção do Poder
Judiciário no controle de políticas públicas consiste na decisão monocrática do Ministro Celso de Mello
proferida na ADPF 45 - ADPF 45 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado
em DJ 04/05/2004 - link.

482
e Executivo.
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático.
Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte –
que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”
(RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao
tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN,
“The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e
implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,
prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou
coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-
se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de
um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do
Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-
financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta
Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar
obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar,
de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos

483
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado,
com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação
ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica
dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação
de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá
levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como
o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado.
Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para,
em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra
política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser
resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida
está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção
dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os
elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão
estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de
atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que
outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao
estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com
a reserva do possível.”
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”,
ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre
onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade
da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a
existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações
positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a

484
aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do
mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do
Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa
ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade
estatal de realização prática de tais direitos.
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções
políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em
mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a
liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e
culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador
de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e
essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como
precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo
ético-jurídico –, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a
viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada
pelo Estado.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece haver um núcleo de direitos invioláveis


essenciais à dignidade da pessoa humana, que constitui fundamento do Estado
Democrático de Direito. Direitos fundamentais correlatos às liberdades civis e aos
direitos prestacionais essenciais garantidores da própria vida não podem ser desprezados
pelo Poder Judiciário: "a partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a
função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente
legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de
transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu
a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins
constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de
atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos
constitucionais" – Resp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,

485
DJe 16.9.2009 - link

O direito à saúde constitui faceta do princípio da dignidade humana que se insere entre
os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de estabelecer uma
sociedade livre, justa e solidária, tendo em vista a realização da justiça social. Postas tais
premissas, não prosperam as alegações de violação aos princípios da separação dos
poderes e da reserva do possível. Por último, quanto ao excessivo ativismo judicial no
âmbito das políticas públicas de saúde, não custa insistir que o maior requisito para a
concessão da liminar é a própria gravidade da doença do impetrante. Privilegiam-se,
pois, a vida e o amplo acesso à saúde – Acórdão n.469720, 20100020047789MSG,
Relator: WALDIR LEONCIO LOPES JUNIOR, Conselho Especial, Publicado no DJE:
16/12/2010. Pág.: 38

ANEXO II

SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA nº 175

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes menciona a realização de audiência pública


sobre a saúde, ocorrida em abril de 2009. “Após ouvir os depoimentos prestados por
representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se
redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil, isso porque na
maioria dos casos a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta
em matéria de políticas públicas voltadas à produção do direito à saúde, mas tendo em
vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já
estabelecidas”.
O Ministro tentou construir "um critério ou parâmetro para a decisão em casos como
este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder
Judiciário na esfera dos outros Poderes".
PARÂMETROS
PRMEIRO DADO "o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de
política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte".
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é

486
imprescindível distinguir se a não prestação decorre de:
(1) uma omissão legislativa ou administrativa,
"no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples,
de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em
matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a
determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes".
2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou
3) de uma vedação legal a sua dispensação.
o registro na ANVISA é condição necessária66 para atestar a segurança e o benefício
do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa
considerar sua incorporação.
SEGUNDO DADO "O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação
para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS".
Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações:
1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente;
A "obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se
ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção,
proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à
corrente da “Medicina com base em evidências” - "deverá ser privilegiado o tratamento
fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que
não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".
2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.
"a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio
da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos
usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a
omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de
impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é
imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que
poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".

66 Essa não é uma regra absoluta: “Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado
poderá ser autorizada pela ANVISA. A Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), permite que ela dispense de “registro” medicamentos adquiridos por intermédio de organismos
multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde”.

487
488
5. IDEOLOGIAS:

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA

9. IDEOLOGIAS
15. Teorias do Direito. Direito e ideologia

“...uma definição rigorosa de Ideologia se torna,


praticamente, impossível. No entanto, não se trata de
nenhum conceito vazio"(M. Antunes. Verbete
IDEOLOGIA. In: Logos: enciclopédia Luso-Brasileira de
Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo,
reimpressão, 1999, p. 1285).

"Ninguém propôs ainda uma definição única e adequada de


ideologia, e este livro não será uma exceção"
(EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução; tradução
Luiz Carlos Borges, Silvana Vieira. São Paulo, Boitempo
Unesp, 1997, p. 15).

"a história do conceito de ideologia é entremeada de


mudanças e ambiguidades - "um terreno minado"
(Guareschi, 1996a, p. 82) -, algumas das quais procuramos
referir nesta breve e incompleta revisão. A formulação de
ideologia proposta por Thompson é a que mais riqueza e
propriedade aponta aos estudos em uma forma específica da
Psicologia Social, da qual trataremos a seguir"
(GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON,
Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da
categoria analítica "ideologia" na psicologia social.
Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-
561, sep./dec. 2016).

489
Pressuposto básico
"Ao longo da história das ideias, o conceito de ideologia não percorreu um
caminho linear. Sua elaboração, compreensão e uso como categoria analítica da sociedade
passaram por muitas mudanças tanto no que se refere ao conteúdo ao qual alude, quanto
no que se refere à valoração positiva, neutra ou negativa. É uma história de
transformações permeada por diferenças e controvérsias entre autores e disciplinas do
conhecimento" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A
atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na
psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561,
sep./dec. 2016).

Conceituação inicial e a transformação


“Vocábulo forjado durante a Revolução Francesa por um grupo de filósofos
(...) entre os quais emerge, principalmente, Destutt de Tracy67, designando, segundo eles,
«a ciência das ideias». Daí passou, com grande facilidade, a significar um programa de
reforma política que essa «ciência» apoiava e justificava” (M. Antunes. Verbete
IDEOLOGIA. In: Logos: enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial
verbo. Lisboa/São Paulo, reimpressão, 1999, p. 1283).

"De acordo com Löwy (1985) e Thompson (1995), o conceito de ideologia


tem sua origem no tratado do filósofo francês Destutt de Tracy, no final do século XVII,
início do século XVIII, quando foi definida como o estudo das ideias e sensações. Sendo
estas oriundas dos sentidos e percepção sensorial, e resultantes da interação dos seres
vivos com o meio ambiente, a ideologia era classificada como parte da zoologia, campo
que trata do comportamento de organismos vivos. Ele argumentou que não era possível
conhecer as coisas diretamente, mas apenas através das ideias formadas a partir das
sensações. Ideologia era entendida como o estudo sistemático das ideias e sensações que
fundamentariam o conhecimento científico e as conclusões práticas dele decorrentes.
Ideologia era, assim, a ciência das ideias e estaria na base de todas as outras; levaria ao

67
No mesmo sentido o Dicionário de Ciências Sociais: “O termo parece ter sido primeiramente usado, no
seu sentido básico de estudo das ideias, por D. de Tracy, em fins do sec. XVIII. Nessa acepção, segundo
mostra A. Lalande (Vocabulairetechnique et critique de laphilosophie. Paris, Alcan, 1926. v. I, p. 336), foi
empregado por vários escritores franceses do sec. XIX”J. Gould. Verbete ideologia (ideology). Dicionário
de ciencias sociais. Benedicto Silva (CoordenaçãoGeral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, pp. 570).

490
conhecimento da natureza humana e, portanto, daria diretrizes para a ordem social e
política. O filósofo e seu grupo foram atacados por Napoleão como ideólogos, noção que
aludia aos que viviam em mundo abstrato e especulativo, longe da realidade, distante do
poder político. O sentido neutro atribuído por Destutt de Tracy foi destituído em favor da
conotação napoleônica negativa. Não era mais a ciência das ideias, mas as ideias mesmas,
sendo estas distantes da realidade, ilusórias e desprezíveis, devendo ser combatidas"
(GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias
críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia
& Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).

IDEOLOGIA MARXISTA:
“A partir do momento crucial da sua criação e primeira séria contestação, o
destino do vocábulo quase só tem sofrido na distinção de contornos e na clareza de linhas.
Sobretudo desde Marx e Engels que, constituindo embora a fonte e a origem principal da
sua enorme expansão actual, lhe imprimiram um sentido de ambiguidade, positivo e
negativo, que ele nunca mais perdeu” (M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos:
enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo,
reimpressão, 1999, p. 1283).

"Ao ser retomado por Marx, o conceito de ideologia mudou o sentido, ligou-
se a um referencial teórico e a um programa político. A concepção de ideologia em Marx,
contudo, não é clara e tampouco coerente ao longo de sua obra. Um dos sentidos
assemelha-se ao utilizado por Napoleão: algo equivocado, valorização exacerbada das
ideias, concepções e pensamentos em detrimento das condições da vida sócio-histórica
que os originaram. Na época de sua formulação, este sentido implicava uma crítica aos
jovens hegelianos, cuja dialética tinha como proposição opor ideias a ideias. Thompson
(1995) refere-se a esta formulação como concepção "polêmica" da ideologia (p. 50). Em
diferenciação a ela, há em Marx a noção de ideologia relacionada à consciência de classe,
que Thompson (1995) chamou de "epifenomênica" (p. 54). Esta concerne a um sistema
de ideias - tais como religião, moral, doutrinas políticas -, atreladas a interesses da classe
dominante, que representam uma deformação da realidade e geram ilusão, deturpação,
falsa consciência e intenção de manter dominação. Há, ainda, outro sentido de ideologia

491
em Marx, que Thompson (1995) identifica como "latente" (p. 57). Este diz respeito a um
sistema de representações, construções simbólicas, valores, costumes e tradições, crenças
e opiniões presentes na vida social, que sustentam relações de dominação mediante o
desvio da orientação das pessoas para o passado, do obscurecimento das relações de
classe e do propósito de mudança social. Todas as três noções de ideologia em Marx são
carregadas do sentido negativo e crítico que havia na forma como Napoleão empregava
o termo. O conteúdo da ideologia era formado por representações inadequadas,
equivocadas e ilusórias, com o objetivo de expressar interesses das classes dominantes e
manter a ordem estabelecida; estas falsas representações poderiam ser desmascaradas
pela análise científica, pela atividade crítica da reflexão sobre as condições materiais de
produção e da reflexão acerca da mudança social" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO,
Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria
analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28,
n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).

As concepções de ideologia de Marx tiveram grande influência em


diversos pensadores europeus, com Gramsci, Mannheim e Althusser.

GRAMSCI:

"Gramsci via ideologia como hegemonia, isto é, uma liderança moral e


intelectual. A luta ideológica se dava na apropriação ou reapropriação de determinados
elementos, mais do que na confrontação de paradigmas opostos. A luta ideológica era
uma luta dentro do terreno da ideologia, mais do que entre ideologias, e operava pelo
consenso (Guareschi, 2003). Gramsci fez uma distinção entre: (a) ideologias
historicamente orgânicas, necessárias a uma determinada estrutura e que têm validade
"psicológica", pois "organizam" as massas humanas, formando o terreno sobre o qual as
pessoas lutam, adquirem consciência de sua posição, etc e (b) ideologias arbitrárias,
racionalistas, "desejadas", que criam apenas movimentos individuais, polêmicas, etc.
(Gramsci, 1978)" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A
atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na
psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561,
sep./dec. 2016).

492
MANNHEIM:

"O sociólogo Mannheim concebeu ideologia de maneira complexa, em


formulações diversas permeadas de ambiguidade. Löwy (1985) sintetiza o conceito de
ideologia de Mannheim como um conjunto de noções, formas de representação e valores
orientados para promover estabilidade e legitimação, ou mesmo reprodução, da ordem
estabelecida. Entendido assim, o conceito era desprovido de caráter transformador e
distinguia-se da noção de utopia. Löwy (1985) argumenta que utopia adquire caráter
crítico ao ser formulada como ideias, representações e teorias que aludem à realidade
ainda inexistente, negando a ordem estabelecida que a ideologia procura afirmar,
promovendo ruptura. Ideologia e utopia não são noções absolutas, variam no tempo e
com a história; o que é ideologia num período pode ser utopia em outro, ou uma visão de
mundo pode adquirir caráter ideológico ou utópico conforme a predominância de certos
elementos. Utopias diferentes aparecem no curso da história em decorrência de classes
que contestam a ordem estabelecida. Em Mannheim e Löwy, as diferentes classes sociais
produzem as ideologias que, por sua vez, não são internamente uniformes e livres de
contradição, quer dizer, não são consensuais necessariamente.

Thompson (1995, pp. 69-71) chama esta formulação de "restrita" e considera-


a uma visão crítica, na medida em que a ideologia adquire seu sentido em oposição ao de
utopia e esta última alude à discordância da realidade. Contudo, não é crítica no sentido
pleno, visto que elimina a vinculação com a dominação de classe que havia em Marx.

Há outro emprego do termo ideologia em Mannheim, a ideologia total, que


aludia ao fenômeno mais global das concepções, ideias, representações, teorias,
doutrinas, orientações como expressões de interesses e posições de grupos e classes. A
ideologia total podia adquirir a forma de ideologia ou utopia. Ideologia total (geral) aludia
a sistemas de pensamento coletivo relacionados ao contexto social. A "neutralização do
conceito de ideologia" que Thompson (1995, p. 62) menciona em relação a diversos
pensadores ocorre também em parte no pensamento de Mannheim, na formulação total
geral.

A fim de evitar confusões no emprego do termo ideologia com estes sentidos


distintos em Mannheim, e buscando garantir clareza, Löwy (1985, p. 13) sugere chamar

493
a ideologia total geral de "'visão social de mundo'", aludindo às cosmovisões, que podem
ser ideológicas ou utópicas" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON,
Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica
"ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p.
552-561, sep./dec. 2016).

ALTHUSSER:

"O filósofo Althusser (1974), herdeiro do marxismo, formulou o conceito de


ideologia em relação ao Estado. Empregou o termo designando a ideologia em geral.
Ideologia, como concepções de mundo, (a) caracteriza-se, simultaneamente, por ser
ilusória e aludir à realidade; representa relações imaginárias das pessoas com as suas
condições de existência, ou seja, com as relações de produção e de classe, e (b) tem
existência material, cuja manifestação se dá por intermédio dos Aparelhos Ideológicos de
Estado, que prescrevem práticas materiais, reguladas por rituais materiais, que existem
em atos materiais que se inscrevem na existência material de um aparelho ideológico (não
está no domínio das ideias). As práticas só existem por meio de ideologia e só existe
ideologia por meio de sujeitos e para os sujeitos; a ideologia é constitutiva dos sujeitos,
na medida em que praticam ininterruptamente rituais de reconhecimento ideológico, cuja
prática é eterna. Tal prática de reconhecimento ideológico que Althusser chamava de
consciência é, todavia, distinta do conhecimento científico do mecanismo deste
reconhecimento, que seria algo a que se precisaria chegar, se quisermos romper com a
ideologia. Ele elaborou uma concepção de ideologia que Thompson (1995, p. 75)
considera neutra; Guareschi (2000a, p. 60; 2000b, p. 42) considera sua concepção
material, podendo ser tanto positiva (neutra) como negativa" (GUARESCHI, Pedrinho
A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização
da categoria analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo
Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).

AINDA MARX E FREUD NA ESCOLA DE FRANKFURT

494
"A teoria proposta por Marx para a compreensão da sociedade foi recuperada
pela Escola de Frankfurt numa elaboração que incluiu os desenvolvimentos de Freud. As
semelhanças na estrutura epistêmica entre o marxismo e a psicanálise possibilitaram que
os intelectuais da Escola de Frankfurt as tomassem como fundamento para a elaboração
de uma teoria crítica que assumiu o conceito de ideologia. As teorias críticas são marcadas
por características distintivas: são formas de conhecimento reflexivo, diferentes
epistemologicamente das Ciências Naturais, que visam produzir esclarecimento, de modo
que as pessoas possam decidir sobre seus interesses verdadeiros, e são inerentemente
emancipatórias, libertadoras. A psicanálise e o marxismo são teorias críticas. A essência
da teoria crítica da sociedade - propósito da Escola de Frankfurt - é a crítica à ideologia,
chamada Ideologiekritik, em que ideologia é compreendida como aquilo que impede que
as pessoas reconheçam seus interesses e se libertem de coerções; ideologia é falsa
consciência, é ilusão (Geuss, 1988). As teses defendidas pelos membros desta Escola são,
de acordo com Geuss: (a) a inseparabilidade entre crítica da sociedade e crítica da
ideologia dominante; (b) a Ideologiekritik, entendida como uma forma de conhecimento
em que a ideologia é criticada por ser falsa, ilusória; (c) a Ideologiekritik, concebida como
diferente epistemologicamente das ciências naturais baseadas no empirismo; requerendo
outros modos de conhecimento que não passam pela metodologia do experimento. O
conceito de ideologia na Escola de Frankfurt, ainda que com grande diferença entre
autores, reteve o aspecto negativo, crítico, de Marx e agregou o aspecto psicológico de
Freud, abordando, entre outras, a questão da distinção entre os interesses verdadeiros que
deveriam ser esclarecidos para a emancipação e os interesses aparentes ou percebidos,
apontando um caminho para a sua inserção no campo da Psicologia Social"
(GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane; AMON, Denise. A atualidade das teorias
críticas e a revitalização da categoria analítica "ideologia" na psicologia social. Psicologia
& Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 552-561, sep./dec. 2016).

AS DUAS VISÕES DO CONCEITO

"Como destacamos anteriormente, Thompson (1995) relaciona as


formulações do conceito de ideologia a duas visões: (a) uma descritiva e, portanto, neutra,
sem julgamento de valor e sem direcionamento à preservação ou transformação da ordem
social, e (b) outra que relaciona ao processo de manutenção de relações assimétricas de
495
poder (dominação), ligada à perspectiva crítica, preservando a conotação histórica
negativa. Ao fornecer a sua elaboração do conceito, sua intenção é remeter ao sentido
acumulado ao longo das transformações históricas e simultaneamente evitar
inconsistências que o passado demonstrou. Busca, ainda, combater a neutralização do
conceito. Sua formulação é, assim, negativa e identifica o propósito da análise ideológica
à concepção crítica orientada à análise concreta de fenômenos sócio-históricos. Para
Thompson (1995), "estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para
estabelecer e sustentar relações de dominação" (p. 76). Compreende que um fenômeno
simbólico (ou forma simbólica) não é, necessariamente, ideológico; ele é ideológico
quando serve, em determinadas circunstâncias sócio-históricas, para criar ativamente,
manter e reproduzir relações de dominação. À análise ideológica cabe, deste modo,
averiguar caso a caso como as formas simbólicas são empregadas, transmitidas e
compreendidas pelas pessoas em contextos determinados. Formas simbólicas abrangem
ações, falas, imagens, textos, expressões linguísticas, não linguísticas, quase-linguísticas.
Poder é entendido como capacidade conferida às pessoas social ou institucionalmente;
dominação ocorre quando há relações de poder estabelecidas sistematicamente de
maneira assimétrica, ou seja, "quando grupos particulares de agentes possuem poder de
uma maneira permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros
agentes, ou a grupos de agentes..." (p. 80). A formulação de ideologia de Thompson
resgata alguns elementos do conceito em Marx. Mantém o caráter negativo, posto que
relaciona o conceito à noção de dominação; mas difere da ideia de que as formas
simbólicas têm que ser necessariamente errôneas e ilusórias para serem ideológicas; elas
podem, mas não precisam ser ideológicas; a ideologia nem sempre opera através do
obscurecimento e da falsa interpretação. Thompson diferencia seu conceito de Marx
também ao ressaltar que as formas simbólicas (do sentido) são constitutivas da realidade
e não meramente expressões dela. A natureza do estudo da ideologia é ligada à análise do
poder e da dominação no contexto das relações entre ação, instituições e estruturas
sociais, ou seja, no contexto de uma teoria social. Ao situar o estudo da ideologia no
contexto de uma teoria social e questionar o caráter coeso e uniforme atribuído a sistemas
de valores e crenças (sociedades contemporâneas não se formam a partir de consenso,
mas de uma pluralidade de visões), o autor afasta o estudo da ideologia dos valores e
normas consensuais que formam uma visão distorcida da realidade - falsa consciência - e
direciona o estudo da ideologia para a linguagem, como um meio de ação social, pois é

496
através dela que a ideologia opera" (GUARESCHI, Pedrinho A.; ROSO, Adriane;
AMON, Denise. A atualidade das teorias críticas e a revitalização da categoria analítica
"ideologia" na psicologia social. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p.
552-561, sep./dec. 2016).

A conotação pejorativa de falsa consciência:

Na Ideologia Alemã (obra redigida em conjunto, entre 1845 e 1846 só


publicada em 1932) Marx e Engels apresentam o sentido negativo do termo: “tornando-
se mais ou menos sinônimo de «má consciência», de própria ilusão inconsciente, de erro.
«Ideologia» opõe-se a «consciência real»” M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos:
enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo,
reimpressão, 1999, pp. 1283.

O uso do termo pelos marxistas: “A acepção que lhe conferiram K. Marx e F.


Engels é, em essência, vinculada à sua preocupação com a falsa consciência. Para eles,
as ideologias são formas de consciência falsa, i.e., são sistemas de ideias distorcidas e
enganadoras, baseadas em ilusões — contrapondo-se às teorias ou opiniões científicas.
Assim, Marx escreve que a ideologia é a consciência da realidade na qual "os homens e
as circunstâncias aparecem de cabeça para baixo tal como numa câmera obscura..."
(MARX, K. & ENGELS, F. The German ideology. Org. R. Pascal. New York,
International Pub., 1939, partes I e III, p. 14)" (J. Gould. Verbete ideologia (ideology).
Dicionário de ciências sociais. Benedicto Silva (Coordenação Geral). Rio de Janeiro:
FGV, 1986, p. 571).

A conotação positiva:

O mesmo Marx, sobretudo a partir do Manifesto Comunista (1848), apresenta a


ideologia “também com o carácter positivo, deformadora da «consciência de classe»,
mesmo da classe proletária. Não é apenas a alienação do conhecimento projectado em
vagas abstracções e em dogmatismos justificativos da «opressão do homem pelo
homem», é também o sistema de ideias verdadeiras que representa a filosofia de Marx, o
conjunto de todos os produtos mentais do homem, à excepção das ciências da natureza e

497
da nova economia política” (M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos: enciclopédia
Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo, reimpressão,
1999, p. 1285).

A APREENSÃO DA CONCEPÇÃO:

"Essa ambiguidade da acepção marxista reflete-se no emprego do termo


ideologia por K. Mannheim. Em Ideologyund utopia (London Kegan Paul, Trench,
Trubner, 1936. p. 238-9), ele nota: "O estudo das ideologias incumbiu-se de desmascarar
as decepções e os disfarces mais ou menos conscientes dos grupos de interesse ...",
examinando em seguida dois tipos de falsidade quanto às observações e afirmações:. a)
as que, "manifestando-se num nível psicológico, estruturalmente parecem mentiras"
(estas são por ele chamadas de ideologias particulares); b) e as perspectivas ou ideologias
totais -- estruturas mentais em sua totalidade, a disposição total de um homem para
conceber as coisas conforme determina o seu ambiente histórico e social" (J. Gould.
Verbete ideologia (ideology). Dicionário de ciências sociais. Benedicto Silva
(Coordenação Geral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, p. 571).

"As ideologias são as ideias situacionalmente transcendentes que jamais


conseguem de facto a realização de seus conteúdos pretendidos. Embora se tornem com
frequência motivos bem intencionados para a conduta subjetiva do indivíduo, seus
significados, quando incorporados efetivamente à prática, são, na maior parte dos casos,
deformados" (MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1986, p. 218).

Émile Durkheim, continuando projeto de Augusto Comte, na concepção


positivista de ciência, procurou imunizar a ciência da ideologia:

“Em sua obra As regras do método sociológico, publicada no final do século


XIX, define a ideologia como um conhecimento não-científico do social. A regra
fundamental da objetividade científica em sociologia, segundo ele, é a separação entre o
sujeito e o objeto do conhecimento, ou seja, o cientista social deve tratar seu objeto, o
fato social, como coisa, independentemente do pesquisador, de seus desejos, idéias,

498
valores, interesses, crenças e concepção do mundo. Dentro dessa visão entende-se que o
fato social existe por si mesmo, afastado de qualquer teleologismo ou valoração. O
cientista deve ser neutro em relação ao fato social, e todo conhecimento que não
pressuponha essa neutralidade é portanto não-científico, mas ideológico” (COELHO,
Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3ª. ed., rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 119).

Atualmente, existe uma tendência a conceber o termo como orientador da


ação individual ou de grupos (Considerar a ideologia como, praticamente, um programa
ou uma política):

"Ideologia é um conjunto de convicções e conceitos (concretos e normativos)


que pretende explicar fenômenos sociais complexos com o objetivo de orientar e
simplificar as escolhas sócio-polítícas que se apresentam a indivíduos e grupos" (J. Gould.
Verbete ideologia (ideology). Dicionário de ciências sociais. Benedicto Silva
(Coordenação Geral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, p. 571).

“A sua significação parece poder traçar-se entre determinada visão teorética


do mundo, da sociedade e do homem, e a vontade operatória de a traduzir num programa
de acção tanto como em símbolos e instituições adequadas. Não é, portanto, nem religião,
nem filosofia, nem ciência, embora uma destas grandes expressões do humano seja
possível de redução a Ideologia” (M. Antunes. Verbete IDEOLOGIA. In: Logos:
enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 2, editorial verbo. Lisboa/São Paulo,
reimpressão, 1999, p. 1285).

"M. J. Oakeshottemsuacélebre aula inaugural Political education (in:


Rationalism in politics. London, M ethuen, 1962), [afirmou]: 'Uma ideologia política
pretende ser um princípio abstrato, ou um conjunto de princípios abstratos — pré-
formulados isoladamente — que se inter-relacionam. Ela se antecipa às atividades de
organização social, indicando os fins que devem ser visados pela sociedade, e, ao fazê-
lo, permite distinguir entre as ideias que devem ser encorajadas e as que devem ser
abandonadas ou reformuladas' (Ibid., p. 116)" (J. Gould. Verbete ideologia (ideology).
Dicionário de ciências sociais. Benedicto Silva (Coordenação Geral). Rio de Janeiro:
FGV, 1986, p. 571).

499
Para Thompson, "A análise da ideologia, de acordo com a concepção que
proporei, dedica-se principalmente aos modos como as formas simbólicas se
interseccionam com as relações de poder. Dedica-se aos modos como o sentido é
mobilizado no mundo social e serve aí para nutrir os indivíduos e grupos que ocupam
posições de poder. Permitam-me definir esse foco mais precisamente: estudar ideologia
é estudar os modos em que o sentido serve para estabelecer e manter relações de
dominação" (THOMPSON, J. B. Ideologyand modem culture. Cambridge: Polity Press,
1990, p. 56).

Existe outra opção de concebê-lo como constitutivo da realidade:

Um estudo clássico sobre o tema foi feito pelo sociólogo britânico John B.
Thompson. Para ele, o estudo da ideologia consiste na análise de "...um aspecto da vida
social que é tão real como qualquer outro. Pois a vida social é, até certo ponto, um campo
de contestação em que a luta se trava tanto através de palavras e símbolos, como pelo uso
da força física. Ideologia [...] é uma parte integrante desta luta; é uma característica
criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e reproduzida, contestada e
transformada, através de ações e interações, as quais incluem a troca contínua de formas
simbólicas. (THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis (RJ): Vozes,
1995, p. 19).

Vincent vai nessa direção, ao afirmar que as “(...) ideologias não estão lado a
lado com alguma coisa objetiva ou real, mas são elas que, sutilmente, constituem a
realidade” (VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992, p. 31).

"as utopias68 se bem que também transcendam a situação social, pois também
orientam a conduta para elementos que a situação - tanto quanto se apresente em dada
época - não contém, visam, por meio da contra-atividade, transformar a realidade histórica
existente em outra realidade (COELHO, Maria Francisca Pinheiro e SANTANA, Vitor

Proximidades entre o conceito de ideologias e de utopias: (a) são duas categorias principais de ideias
68

que transcendem a situação/realidade; (b) são produções sociais; (c) a dinâmica da sociedade pode
mudar esses ideais; (d) Elas se distanciam de ideias adequadas e congruentes com a realidade: "O
desafio na análise da ideologia e da utopia é a busca da compreensão da realidade, sem a pretensão
de alcançá-la plenamente, mas de aproximar-se dela" (COELHO; SANTANA, 2010, p. 292)

500
Leal. A geração 68 no Congresso Nacional: ideologia e comportamento legislativo.
Sociedade e Estado. Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Brasília,
v. 25, n. 2, pp. 285-307, ago. 2010, p. 293)

“Consideramos utópicas todas as ideias situacionalmente transcendentes (não


apenas projeções de desejos) que, de alguma forma, possuam um efeito de transformação
sobre a ordem histórico-social existente” (MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia, Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1986, p. 229).

Partindo do emprego de falsa consciência, o próprio estudo foi modificado:

1. Em primeiro lugar, vale salientar o uso da palavra por H. Arendt:


"'ideologias que visam à explicação integral ... pela aplicação de uma única ideia aos
vários aspectos da realidade' (in: FRIEDRICH, C. J. [org.]. Totalitarianism. Cambridge,
Mass., Harvard Univ. Press, 1954. p. 133). Num trabalho anterior (Ideologyand terror: a
novel formofgovernment. In: Reviewofpolitics. 1953. v. XV, p. 303), a autora ressaltou
não só o elemento de falsidade e o elemento normativo nas ideologias, mas também a
função explicativa a eles atribuída em certos sistemas abstratos e dedutivos do
pensamento social" (J. Gould. Verbete ideologia (ideology). Dicionário de ciências
sociais. Benedicto Silva (Coordenação Geral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, p. 571).

2. "Assim, como observou D. G. MacRae, o sentido mais frequente de


ideologia veio a ser "não só a distorção do pensamento pelo interesse público ou privado,
conscientizado ou não —, mas também o estudo dessa distorção ... sendo o não-ideológico
considerado impossível" (Ideologyandsociety. London, Heinemann, 1961. p. 64)" J.
Gould. Verbete ideologia (ideology). Dicionário de ciências sociais. Benedicto Silva
(Coordenação Geral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, pp. 570-571).

Trata-se de apresentar os pontos de contato entre o direito e a ideologia:

1. A PREOCUPAÇÃO DE HANS KELSEN COM O CONCEITO DE


“IDEOLOGIA”

Lembrar do ideal de Kelsen: "O que importa não é fazer desaparecer esta
ciência juntamente com a categoria do dever-ser ou da norma, mas limitá-la ao seu objeto

501
e clarificar criticamente o método" (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução
João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, 117).

O AFASTAMENTO DO DIREITO EM RELAÇÃO À IDEOLOGIA PARA


HANS KELSEN:

1 – “Se por "ideologia" se entende, porém, não tudo o que não é realidade
natural ou a sua descrição, mas uma representação não-objetiva, influenciada por juízos
de valor subjetivos, que encobre, obscurece ou desfoca o objeto do conhecimento, e se se
designa por "realidade", não apenas a realidade natural como objeto da ciência da
natureza, mas todo o objeto do conhecimento e, portanto, também o objeto da ciência
jurídica, o Direito positivo como realidade jurídica, então também uma representação do
Direito positivo se tem de manter isenta de ideologia (neste segundo sentido da palavra)"
(KELSEN, 2006, p. 117).

2 - "Se se considera o Direito positivo, como ordem normativa, em


contraposição com a realidade do acontecer fático que, segundo a pretensão do Direito
positivo, deve corresponder a este (se bem que nem sempre lhe corresponda), então
podemos qualificá-lo como "ideologia" (no primeiro sentido da palavra). Se o
consideramos em relação a uma ordem "superior" que tem a pretensão de ser o Direito
"ideal", o Direito "justo", e exige que o Direito positivo lhe corresponda — em relação,
por exemplo, com o Direito natural ou com uma Justiça por qualquer forma concebida
—, então o Direito positivo, isto é, o Direito estabelecido por atos humanos, o Direito
vigente, o Direito que, de um modo geral, é aplicado e seguido, apresenta-se como o
Direito "real", e uma teoria do Direito positivo que o confunda com um Direito natural
ou com qualquer outra ideia de Justiça, com o intuito de justificar ou desqualificar aquele,
tem de ser rejeitada como ideológica (no segundo sentido da palavra)" (KELSEN, 2006,
pp. 117-118).

3 – CONCLUSÃO: Para Kelsen, a Teoria Pura do Direito tem uma


pronunciada tendência antiideológica: "Comprova-se esta sua tendência pelo fato de, na

502
sua descrição do Direito positivo, manter este isento de qualquer confusão com um
Direito "ideal" ou “injusto". Quer representar o Direito tal como ele é, e não como ele
deve ser: pergunta pelo Direito real e possível, não pelo Direito "ideal" ou "justo". Neste
sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo
jurídico. Recusa-se a valorar o Direito positivo. Como ciência, ela não se considera
obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a
compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura. Recusa-se, particularmente, a
servir quaisquer interesses políticos, fornecendo-lhes as "ideologias" por intermédio das
quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impede que, em nome
da ciência jurídica, se confira ao Direito positivo um valor mais elevado do que o que ele
de fato possui, identificando-o com um Direito ideal, com um Direito justo; ou que lhe
seja recusado qualquer valor e, consequentemente, qualquer vigência, por se entender que
está em contradição com um Direito ideal, um Direito justo" (KELSEN, 2006, p. 118).

Sobre esse aspecto, Karl Larenz afirma: "Nas últimas explanações vê-se
nitidamente o que preocupa, em última instância, KELSEN: impedir que se abuse da
ciência do Direito, utilizando-a como capa de opiniões puramente pessoais e de
tendências ideológicas" (Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. tradução
de José Lamego. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1997, p. 107).

2. Roberto Lyra Filho:


Pressuposto: ele adota o conceito negativo de falsa consciência: "As
ideologias jurídicas são filosofia corrompida, infestada de crenças falsas e falsificada
consciência do que é jurídico, pela intromissão de produtos forjados pelos dominadores"
(LYRA FILHO, Roberto. O que é direito?. São Paulo: Brasiliense, 2006).

Filia-se à corrente segundo a qual as ideologias refletem certas características


do Direito, embora deformadas, porque tendem a polarizar-se em torno de duas visões
unilaterais e redutoras: Os positivistas conservam a tendência a enxergar todo o Direito
na ordem social estabelecida pela classe e grupos dominantes, diretamente (com suas
normas costumeiras) ou através das leis do Estado"

503
Mas apresenta o "outro lado", qual seja: o jusnaturalismo. Para Roberto Lyra
Filho, não conseguem determinar satisfatoriamente o padrão da medida “Justiça” (isto é,
a legitimidade da origem e conteúdo).

A solução, portanto, seria o método dialético:

1- "Vimos, em seguida, que só um fôlego dialético poderia superar a oposição assim


criada, entre o direito positivo castrador e o direito natural, que muitas vezes se
limita a legitimar a ordem posta e imposta, por falta dum real e autêntico estalão
crítico. A antítese ideológica (direito positivo –direito natural) só se dissolverá,
como acentuamos, quando for buscado, no processo histórico-social, aquele
estalão. Mas isto, não importa em identificar, simplesmente, Direito e processo
histórico e, sim, procurar neste o aspecto peculiar da práxis jurídica, como algo
que surge na vida social e fora dela não tem qualquer fundamento ou sentido".
2- "O caminho para corrigir as distorções das ideologias começa no exame não do
que o homem pensa sobre o Direito, mas do que juridicamente ele faz. Poderemos
chegar, nisto, à dialética do Direito não já como simples repercussão mental na
cabeça dos ideólogos, porém como fato social, ação concreta e constante donde
brota a repercussão mental".

3. NORBERTO BOBBIO
Ele explica uma vertente do positivismo jurídico como ideologia do direito:
"dissemos que a ambição do positivismo jurídico é assumir uma atitude neutra diante do
direito, para estudá-lo assim como é, e não como deveria ser: isto é, ser uma teoria e não
uma ideologia. Pois bem, podemos dizer que ele não conseguiu ser integralmente fiel a
esse seu propósito, pois, na realidade, ele parece não só um certo modo de entender o
direito (de destacar-lhe os caracteres constitutivos), como também um certo modo de
querer o direito; parece, portanto, não somente uma teoria, mas também uma ideologia"
(BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. compiladas
por Nello Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini. Carlos E. Rodrigues. São
Paulo: Ícone, 1995, pp. 223-224)

"ideologia consiste em afirmar o dever absoluto ou incondicional de obedecer


à lei enquanto tal" (BOBBIO, 1995, p. 225).

504
O próprio Bobbio esclarece a distinção entre teoria e ideologia.

Teoria: "é a expressão da atitude puramente cognoscitiva que o homem


assume perante uma certa realidade e é, portanto, constituída por um conjunto de juízos
de fato, que têm a única finalidade de informar os outros acerca de tal realidade". A teoria
é VERDADEIRA ou FALSA. (BOBBIO, 1995, p. 223).

Ideologia: "é a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume


face a uma realidade, consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal
realidade, juízos estes fundamentados no sistema de valores acolhido por aquele que o
formula, e que têm o escopo de influírem sobre tal realidade". A ideologia é conservadora
ou progressista.(BOBBIO, 1995, p. 223).

A solução para a "armadilha" consiste em encarar o positivismo jurídico como


método: "Como a ciência consiste na descrição avaliatória da realidade, o método
positivista é pura e simplesmente o método científico e, portanto, é necessário adotá-lo se
se quer fazer ciência jurídica ou teoria do direito. Se não for adotado, não se fará ciência,
mas filosofia ou ideologia do direito" (BOBBIO, 1995, p. 238).

4. Marcelo Harger
Marcelo Harger trata da relação entre direito e ideologia:

"A atividade do jurista é uma atividade nitidamente ideológica. No intuito de


controlar a influência da ideologia, elaboraram-se métodos que visam proporcionar certa
objetividade nos enunciados da ciência do direito. Ocorre que esses métodos, ao invés de
proporcionar a pretendida objetividade, acabaram por "objetivar discursos ideológicos"
e, com isso, apenas tornaram as influências ideológicas mais difíceis de ser identificadas.

O estudo crítico dos sistemas e métodos de interpretação demonstra que há


uma relação constante entre método/sistema e a ideologia dominante em certa época. O
aparecimento de um método novo ou o ressurgimento de um método esquecido
relacionam-se sempre com um conflito axiológico, independentemente da dimensão que
este possua" (HARGER, Marcelo. Os métodos de interpretação e a ideologia do
intérprete. Revista tributária e de finanças públicas. v. 10, n. 42, p. 24-42, jan./fev. 2002).

505
Nota nº 25 do texto de Marcelo Harger (2002): "A atividade jurídica,
entendida essa expressão no seu mais amplo sentido, é uma das práticas onde mais se faz
sentir a influência das ideologias, podendo dizer-se que toda a atividade jurídica é uma
prática ideológica. (...) Para eliminar ou, pelo menos, diminuir ou controlar a influência
das ideologias, as ciências valem-se de métodos que garantem certa objetividade ou
objetivação de seus enunciados. Nas práticas ideológicas, porém, os métodos cumprem
uma função inversa, isto é, garantem a objetivação dos discursos ideológicos graças à
camuflagem ou escamoteamento das ideologias" (Nilo Bairros de Brum. Op. cit., p. 11).

5. A IDEOLOGIA INDIVIDUALISTA DO PROCESSO CIVIL


6. ESTUDO DE CASO PENAL
Em uma pesquisa realizada em 1999/2000, o IBCCRIM demonstrou "que a
maioria dos indivíduos acusados por roubo obtém uma condenação no regime mais
gravoso que o previsto em lei, ainda que primários e tendo obtido aplicação da reprimenda
base no mínimo legal; e que, a fundamentar as decisões, encontram-se, em grande medida,
motivações de caráter extrajurídico e de cunho ideológico, comuns às teses encontradas
no senso comum sobre a criminalidade" (DECISÕES judiciais nos crimes de roubo em
São Paulo: a lei, o direito e a ideologia. São Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 58).

Partindo da confirmação da hipótese inicial, o trabalho conclui que a


ideologia passa a permear o exercício de motivação decisória, "...para encontrar no senso
comum, ou naquilo que se produziu como senso comum em matéria de segurança pública,
sua principal matéria-prima. Por certo o caráter ideológico está presente na atuação dos
juízes, retratando sua filiação política e ideológica, sendo difícil sua dissociação, embora
desejável em certa medida num regime democrático. Em matéria penal, no entanto, esta
filiação tem se traduzido em medidas extremamente repressivas e anacrônicas, revelando
sua atuação como à margem da Lei e de um direito penal moderno e racional"
(DECISÕES judiciais nos crimes de roubo em São Paulo: a lei, o direito e a ideologia.
São Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 59).

506
TÁTICAS PARA A PROVA

E esse pode ser um caminho para se adequar o ponto ao edital do concurso

A) FALAR DO CONCEITO
B) FALAR DOS CLÁSSICOS
C) DEFENDER A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOCIAR A ATIVIDADE
JURISDICIONAL DA IDEOLOGIA
D) MENCIONAR FORMAS DE EVITAR O USO INDEVIDO

EXEMPLOS:

1. PONTOS DE PSICOLOGIA JUDICIÁRIA COM O INTUITO DE


“MINIMIZAR O DANO”:1 Psicologia e comunicação: Relacionamento interpessoal.
Relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia.6 Fatores psicológicos na
decisão judicial.

ANEXO
A Grande enciclopédia Delta Larousse registra os seguintes sentidos
(HARGER, Marcelo. Os métodos de interpretação e a ideologia do intérprete.
Revista tributária e de finanças públicas. v. 10, n. 42, p. 24-42, jan./fev. 2002):

a) análises, elucubrações e discussões sobre ideias vazias, abstrações sem


qualquer relação com os fatos e com a realidade positiva;

b) filosofia vaga e nebulosa, frequentemente inspirada por um idealismo


ingênuo. (Essa acepção aparece usada já pelos adversários dos "ideólogos" e,
nesse sentido, é empregada por Napoleão);

c) na terminologia marxista, conjunto de ideias, crenças e doutrinas próprias


de uma época, de uma formação social ou de uma classe (por oposição aos fatos
econômicos e à infra-estrutura);

d) sistema de ideias, filosofia sobre o mundo e sobre a vida (cosmovisão);

507
e) ilusões coletivas ou mistificações, representação inconscientemente falsa que
os homens, os grupos, as classes fazem de si próprios, de seus adversários, dos
conjuntos dos quais participam, das situações sociais nas quais se encontram;

f) as mesmas ilusões e mistificações quando são conscientes ou semiconscientes;

g) as interpretações das situações sociais a partir de avaliações políticas,


morais, religiosas ou filosóficas, que implicam uma tomada de posição, mas não
necessariamente uma ilusão (é o caso de toda consciência de classe, mesmo a mais
esclarecida);

h) doutrinas elaboradas para justificar aquelas ilusões ou aquelas avaliações


interpretativas (ex., doutrinas sociais e políticas, inclusive a doutrina comunista);

i) toda obra "objetiva" da "consciência real", coletiva e individual (linguagem,


direito, moral, arte, conhecimento), na medida em que essa obra está em
correlação funcional com uma classe ou participa da estruturação de uma classe;

j) as ciências humanas, principalmente as ciências sociais;

l) o conhecimento filosófico, devido ao seu caráter participante e à


impossibilidade de sua verificação;

m) a religião, por se tratar de um produto mental destituído de veracidade e


caracterizado pelo mais alto grau de alienação;

n) conjunto de signos e símbolos que caracterizam uma classe social e


exprimem seus complexos, angústias e aspirações;

o) os mitos e utopias ("Mito da greve geral", utopia do desaparecimento do


Estado);

p) conjunto de ideias e valores que já não são válidos dentro de uma


determinada situação social;

q) o fenômeno da interpretação errônea, feita por uma classe social sobre o


papel efetivo que ela desempenha;

r) práticas inadequadas à situação dada ou à posição social de uma classe.

508
Definições de ideologia atualmente em circulação (Eagleton, Terry. Ideologia:
uma introdução; tradução luiz carlos borges, silvana vieira. São Paulo, Boitempo
Unesp, 1997, pp. 15-16):

a) o processo de produção de significados, signos e valores na vida social

b) um corpo de ideias característico de um determinado grupo ou classe social;

c) ideias que ajudam a legitimar um poder político dominante;

d) ideias falsas que ajudam a legitimar um poder político dominante;

e) comunicação sistematicamente distorcida;

f) aquilo que confere certa posição a um sujeito;

g) formas de pensamento motivadas por interesses sociais;

h) pensamento de identidade;

i) ilusão socialmente necessária;

j) a conjuntura de discurso e poder;

k) o veículo pelo qual atores sociais conscientes entendem o seu mundo;

l) conjunto de crenças orientadas para a ação;

m) a confusão entre realidade linguística e realidade fenomenal

n) oclusão semiótica;

o) o meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura
social;

p) o processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade natural

509
510
6. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
(ONU):

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA

A Declaração Universal dos Direitos do Homem ONU

INTRODUÇÃO

Para Gustavo Venturi, a DUDH contém componentes que concorrem hoje


para seu potencial de universalização:

- atualizou vários documentos precursores: Bill of Rights inglês (1689),


resultante da Revolução Gloriosa; a Declaration dês droits de l'homme et du citoyen
(1789), votada durante a Revolução Francesa; e os Bills of Rights de várias ex-colônias
que constituíram os então nascentes Estados Unidos (1791);

- recuperou noções de direitos reconhecidos desde os códigos jurídicos mais


antigos de que se tem notícia: Os códigos babilônicos de Ur-Nammu (datado de 2040
a.C.), que já tratavam de questões relativas ao dano moral e à responsabilidade civil, e o
de Hamurabi (1780 a.C.), ambos da Suméria, atual Iraque;

- sistematizou noções de direitos e deveres comuns aos documentos das


grandes religiões: Os Analectos, de Confucio; os Vedas hindus, a Bíblia judaico-cristã e
o Corão islâmico.

E conclui: "...a DUDH é resultante do acúmulo não linear de um sem números


de conflitos, tragédias e experiências passadas - responsáveis pelo extermínio talvez da
maior parte dos povos que caracterizavam a diversidade no início desse processo de
constituição de uma "natureza" humana comum. Trata-se, assim, de um produto nada
natural, fruto histórico de uma cultura mundial em formação" (VENTURI, GUSTAVO.
O potencial emancipatório e a irreversibilidade dos direitos humanos. In: Brasil.
Presidência da República. Direitos humanos: percepções da opinião pública: análises de
pesquisa nacional. organização Gustavo Venturi. Brasília: Secretaria de Direitos
Humanos, 2010, p. 11).

511
CONTEXTO HISTÓRICO

Com a assinatura da Carta das Nações Unidas, em São Francisco, em 26 de


junho de 1945, a comunidade internacional nela organizada se comprometeu, desde então,
a implementar o propósito de "promover e encorajar o respeito aos direitos humanos e
liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião". Para
esse fim, a Comissão dos Direitos Humanos (CDH), principal órgão das Nações Unidas
sobre a matéria, recebeu a incumbência de elaborar uma Carta Internacional de Direitos.
O primeiro passo nesse sentido foi a preparação de uma Declaração. Proclamada pela
Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos definiu, pela primeira vez em nível internacional, como um "padrão
comum de realização para todos os povos e nações", os direitos humanos e liberdades
fundamentais - noções até então difusas, tratadas apenas, de maneira não-uniforme, em
declarações e legislações nacionais" (Alves, J.A. Lindgren. Os direitos humanos como
tema global - Estudos-144. São Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de
Gusmão, 1994, pp. 45-48).

Delineada na Carta das Nações Unidas, assim, a preocupação com os direitos


fundamentais do homem, cumpria dar-lhe conseqüência sistemática, mediante a redação
de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem. Com esse propósito, criou-se, na
ONU, uma Comissão dos Direitos do Homem, cuja presidência coube à Sra. Eleonora
Roosevelt, esposa do Presidente Franklin D. Roosevelt. Durante a elaboração do texto,
com base especialinente em projeto de autoria do Prof. René Cassin, várias questões
teóricas se configuraram, como, por exemplo, se deveria ser uma Declaração ou uma
Convencão, o que tinha importância para a sua maior ou menor efetividade, pois a
primeira forma não dotava o instrumento, segundo alguns, de força obrigatória. Foi, no
entanto, a que prevaleceu. Questão mais importante, contudo, foi a de saber como chegar,
numa mesma Declaração, a defender os direitos individuais tradicionais e, ao mesmo
tempo, destacar a importância dos novos direitos sociais. Sobre isso, Philippe de la
Chapelle ressalta a colaboração de Bogomolov, representante soviético, que deu eficaz
ajuda na redação dos artigos concernentes aos direitos econômicos, sociais e culturais da

512
Declaração, que fora aprovada na noite de 10.12.48, na terceira sessão ordinária da
Assembleia Geral da ONU, realizada em Paris" (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 31a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 161-166)

"Elaborada a partir da Carta das Nações Unidas que criou a Comissão de


Direitos Humanos. No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU, reunida
em Paris, aprovou por 48 votos a favor e 8 abstenções a Declaração Universal. As
abstenções foram da Polônia, Ucrânia, lugoslávia, União Soviética, Bielo-Rússia,
Tchecoslováquia, Africa do Sul e Arábia Saudita. Os países socialistas se abstiveram por
entenderem que a declaração não tratou adequadamente os direitos sociais, econômicos e
culturais. A Arabia Saudita se absteve porque a declaração não se pautou pelos princípios
da religião muçulmana. E a Africa do Sul deixou de aprovar o texto porque o conteúdo
do documento confronta diretamente a política racista do apartheid" (Dornelles, João
Ricardo W. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasiliense, coleção primeiros
passos, (229), 1989, pp. 40-41).

"Aprovada em 1948, a Declaração atendeu a um clamor mundial pelo fim das


guerras" (LOCHE, Adriana (et al.) Sociologia jurídica. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.
90).

A DIVERGÊNCIA

"Elaborada nas três primeiras sessões da CDH e adotada na primeira sessão


da Assembleia Geral a que foi submetida (a III Assembleia Geral das Nações Unidas),
num lapso de tempo inferior a dois anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
adquire, à primeira vista, a aparência de exemplo edificante de conciliação e espírito
construtivo por parte das nações que, unidas, saíram vitoriosas da II Guerra Mundial. Na
realidade as divergências foram amplas dentro do próprio comité de redação, composto
por representantes dos Estados Unidos, China (Nacionalista), Líbano, Austrália, Chile,
França, Reino Unido e União Soviética, e perduraram durante a consideração do projeto
em instâncias superiores. A flexibilização de posições não se deu por razões altruísticas,
mas por interesses próprios. A URSS, insatisfeita com a preponderância das liberdades

513
civis "ocidentais", evitava apoiar com maior ênfase os direitos econômicos e sociais para
não ameaçar sua postura intransigente a propósito da intangibilidade da soberania
nacional. Os representantes dos países ocidentais, por sua vez, não viam maiores
inconvenientes nos direitos "socializantes" à instrução gratuita, alimentação, moradia,
assistência médica e serviços sociais, por se adequarem aos ideais do Welfare State, que
então despontava. Quanto à adoção de tão importante documento pela Assembleia Geral
rapidamente e sem votos contrários, com apenas oito abstenções, ela se deveu, sobretudo,
a seu formato de manifesto, não-obrigatório pelo ângulo jurídico habitual" (Alves, J.A.
Lindgren. Os direitos humanos como tema global - Estudos-144. São Paulo: Perspectiva;
Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, pp. 45-48).

IMPORTÂNCIA SIMBÓLICA

Sylvia Helena Steiner Malheiros aponta que a Declaração é o documento


geratriz de todos os demais documentos atinentes à proteção internacional dos direitos
humanos.

Max Sorensen, "A pesar de la amplia variedad de su contenido, la Declaración


Universal fue proclamada como norma común de realización para todas las personas y
todas las naciones, pero no fue redactada en forma de tratado que impusiera obligaciones
contractuales a las Estados. No obstante, la Declaración - como carta internacional de
derechos humanos - ha ganado una considerable autoridad que no puede ignorarse como
guia general para el contenido de las derechos y de las libertades fundamentales, tal como
son entendidos por las miembros de las Naciones Unidas. Frecuentemente se hace
referencia a ella en las constituiciones nacionales y en otras legislaciones, en decisiones
judiciales y también en instrumentos internacionales"(apud MALHEIROS, Sylvia Helena
Steiner. A universalidade dos direitos humanos. Revista brasileira de ciências criminais.
v. 3, n. 10, p. 144-150, abr/jun 1995).

A partir da Declaração Universal, iniciou-se a preparação de pactos


específicos para a proteção específica dos direitos e garantias previstos na Carta,
resultando a edição e abertura à adesão dos Pacto de Direitos Civis e Políticos e Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, daí advindo a antes referida categorização dos
direitos fundamentais em direitos de primeira geração, em regra os contidos no Pacto de

514
Direitos Civis e Políticos, e direitos de segunda geração, em regra contidos no Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos os Pactos contêm disposições relativas
aos direitos dos povos e das coletividades, os chamados direitos de solidariedade, os quais
os doutrinadores categorizam como direitos de terceira geração. (MALHEIROS, Sylvia
Helena Steiner. A universalidade dos direitos humanos. Revista brasileira de ciências
criminais. v. 3, n. 10, p. 144-150, abr/jun 1995).

"É importante frisar que, mesmo não tendo força de obrigatoriedade para a
ação dos Estados, a Declaração da ONU tem uma importância histórica por marcar a
derrota dos regimes totalitários nazi-fascistas, além de constituir um monumento de
natureza moral, sentido de referencial para a promoção e o respeito efetivo dos direitos
humanos em todas as partes do mundo" (Dornelles, João Ricardo W. O que são direitos
humanos. São Paulo: Brasiliense, coleção primeiros passos, (229), 1989, pp. 40-41).

"Mais tarde, o documento serviu como um importante instrumento para


acabar com os governos totalitários e com as ditaduras militares, instauradas no período
da guerra fria. Serviu também como uma arma para limitar e frear os abusos dos governos
nascidos de democracias formais. A Declaração constitui-se como um marco da
ampliação da noção de direitos humanos nos últimos 50 anos. A Declaração Universal
forneceu aos direitos humanos seu caráter universal, que se fundamenta nas premissas de
igualdade em dignidade e valor, contrariando, portanto, as ideologias que se fundam na
superioridade de raça, crença ou sexo.

"Todos os direitos para todos", esta é, sem dúvida, a maior expressão da


Declaracão Universal dos Direitos do Homem" (LOCHE, Adriana (et al.) Sociologia
jurídica. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 90).

Ao tratar da concepção contemporânea de direitos humanos, Flavia Piovesan


destaca: "Ao adotar o prisma histórico, cabe realçar que a Declaração de 1948 inovou
extraordinariamente a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada
concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela UNIVERSALIDADEe

515
INDIVISIBILIDADEdesses direitos. UNIVERSALIDADEporque clama pela extensão
universal dos direitos humanos, com a crença de que a condição de pessoa é o requisito
único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como essencialmente
moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. INDIVISIBILIDADEporque,
ineditamente, o catálogo dos direitos civis e políticos é conjugado ao catálogo dos direitos
econômicos, sociais e culturais. A Declaração de 1948 combina o discurso liberal e o
discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade"
(PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos
de Pesquisa. São Paulo, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005).

Sobre a importância política da Declaração Fausto Brito defende: "Ela, sem


dúvida, estabeleceu um novo patamar para o direito internacional, colocando no horizonte
a possibilidade de o indivíduo ser considerado o seu sujeito e não os Estados-nacionais.
Essa revolução no direito internacional foi extremamente dificultada pela guerra fria. A
soberania dos países, nas respectivas áreas de influência dos Estados Unidos e da União
Soviética, condicionada pela hegemonia das duas grandes potências, sobrepunha-se aos
direitos dos indivíduos" (Brito, Fausto. A politização das migrações internacionais:
direitos humanos e soberania nacional. Rev. bras. estud. popul., , vol.30, no.1, p.77-97,
Jun. 2013)

CRÍTICAS

Críticas antropológicas ao carácter universal: "reparos feitos por Levi-Strauss


aos termos a Declaração: "(...) o homem não realiza a sua natureza numa humanidade
abstrata, mas nas culturas tradicionais onde as mudanças mais revolucionárias deixam
subsistir intactos aspectos importantes e explicam-se a si próprias em função de uma
situação estritamente definida no tempo e no espaço (LÉVI-STRAUSS, C. Raça e
História. Ed. Presença & Martins Fontes, Lisboa. 1975).

A crítica feminista: "denuncia que tanto a Declaração dos Direitos do Homem


e do Cidadão quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948,
por exemplo, apesar de serem calcadas em uma idéia de humanidade abstrata, têm como
referente o masculino de classe social e etnias dominantes (BARSTED e PITANGUY,
516
1999) ou seja, “o homem ocidental, rico, branco e sadio” (CFEMEA, 1994, p. 4). A crítica
feminista, portanto, ao denunciar este modelo de humanidade eminentemente masculino,
chama a atenção para a especificidade dos direitos femininos que não são contemplados
neste modelo69. Há, assim, um esforço em adequar as especificidades femininas aos
Direitos Humanos e fazer valer estesdireitos" (apud Bonetti, Alinne de Lima. Novas
configurações: direitos humanos das mulheres, feminismo e participação política entre
mulheres de grupos populares porto-alegrenses. In: Novaes, Regina Reyes; Lima,
Roberto Kant de (Orgs.) Antropologia e direitos humanos. Prêmio ABA/FORD. Niterói:
EdUFF, 2001, p. 146).

(IN) EFICÁCIA SOCIOLÓGICA

Rosinaldo Silva Sousa mostra que a "Declaração Universal não faz parar a
história movida por conflitos sociais" (apud Novaes, Regina Reyes; Lima, Roberto Kant
de (Orgs.) Antropologia e direitos humanos. Prêmio ABA/FORD. Niterói: EdUFF, 2001,
p. 12).

"E evidente que nenhum documento, seja com caráter de recomendação,


como as declarações e convenções geradas no âmbito da ONU, seja com força legal, como
as Constituições nacionais, tem a capacidade de, por si só, garantir a plena vigência e
eventual universalização dos direitos nele reconhecidos. Historicamente, o surgimento de
novos direitos foi sempre precedido de lutas sociais e políticas, muitas vezes custosas,
com rupturas revolucionárias, para se chegar a sua conquista. E depois de formalmente
reconhecidos, ainda que fruto de uma correlação política favorável - mas que, via de regra,
não elimina material e simbolicamente as forças que resistiam ao seu reconhecimento -,
os direitos também não têm a capacidade de alterar imediatamente a realidade. O
banimento da escravidão da ordem legal internacional e de qualquer país (prescrito no
artigo 23 da DUDH) não eliminou em termos absolutos sua prática, como atestam a
descoberta ainda recorrente de trabalho escravo em latifúndios remanescentes no Brasil,
o chamado comércio internacional de escravas brancas e o trabalho sem qualquer

69
Um exemplo desta crítica radical feminista à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão
pode ser verificada na postura ideológica de Irigaray, feminista francesa, quando afirma que “todos os
slogans igualitários veiculam, a nosso ver, uma ideologia totalitária. Desta ideologia, o respeito da diferença
entre os sexos pode nos guardar sem repressão nem mutilação de nossa identidade humana” (Irigaray, apud
PIERUCCI, 1999, p. 111).

517
regulamentacão a que estão submetidos centenas de milhares de migrantes mundo afora.O
fato de a DUDH proscrever a tortura (artigo 5) não implicou que tal prática tenha deixado
de ser usada, em escala considerável, seja para fins de investigação de crimes comuns,
em delegacias e presídios, sob a complacência ou incompetência dos governos para coibi-
las, seja ainda como políticas de Estado, em nome da "segurança nacional" - prática
recorrente de ditaduras - ou ainda do "combate ao terror", como tomamos conhecimento
recentemente, por meio de relatório do Comité Internacional da Cruz Vermelha sobre o
tratamento dado a suspeitos de terrorismo em prisões da CIA, sob o comando de George
W. Bush" (VENTURI, GUSTAVO. O potencial emancipatório e a irreversibilidade dos
direitos humanos. In: Brasil. Presidência da República. Direitos humanos: percepções da
opinião pública: análises de pesquisa nacional. organização Gustavo Venturi. Brasília:
Secretaria de Direitos Humanos, 2010, p. 12).

CONCLUSÃO: "Entretanto, a garantia desses direitos está longe de ser


alcançada. A defesa dos direitos humanos é uma tarefa interminável, porque a cada dia o
respeito aos direitos humanos é algo que se constrói" (LOCHE, Adriana (et al.) Sociologia
jurídica. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 90).

CLASSIFICAÇÃO DO CONTEÚDO

"Os direitos definidos na Declaração Universal costumam ser relacionados,


inclusive pelas Nações Unidas, em duas categorias: os civis e políticos, correspondendo
aos Artigos 3° e seguintes até o 21; os económicos, sociais e culturais, do Artigo 22 ao
28" (Alves, J.A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global - Estudos-144. São
Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, pp. 45-48).

Classificação feita por Jack Donnelly:

1) Direitos Pessoais, incluindo os direitos à vida, à nacionalidade, ao reconhecimento


perante a lei, à proteção contra tratamentos ou punições cruéis, degradantes ou
desumanas, e à proteção contra a discriminação racial, étnica, sexual ou religiosa (Artigos
2° a 7° e 15);

518
2) Direitos Judiciais, incluindo o acesso a remédios por víolações dos direitos básicos, a
presunção de inocência, a garantia de processo público justo e imparcial, a
irretroatividade das leis penais, a proteção contra prisão, detenção ou exílio arbitrários, e
contra a interferência na família, no lar e na reputação (Artigos 8° a 12);

3) Liberdades Civis, espedalmente as liberdades de pensamento, consciência e religião,


de opinião e expressão, de movimento e residência, e de reunião e de associação pacífica
(Artigos 13 e de 18 a 20);

4) Direitos de Subsistência, particularmente os direitos à alimentação e a um padrão de


vida adequado à saúde e ao bem-estar próprio e da família (Artigo 25);

5) Direitos Económicos, incluindo principalmente os direitos ao trabalho, ao repouso e


ao lazer, e à segurança social (Artigos 22 a 26 - proposital ou acidentalmente, Donnelly
omite o Artigo 17, sobre o direito à propriedade, que acabaria excluído dos Pactos
Internacionais de Direitos Humanos, conforme se verá adiante);

6) Direitos Sociais e Culturais, especialmente os direitos à instrução e à participação na


vida cultural da comunidade (Artigos 26 e 28);

7) Direitos Políticos principalmente os direitos a tomar parte no governo e a eleições


legítimas com sufrágio universal e igual (Artigo 21), "mais os aspectos políticos de muitas
liberdades civis".

OBJETIVOS

Para Dalmo de Abreu Dallari, enunciado desse conjunto de direitos consagrou


três objetivos fundamentais:

(a) certeza dos direitos: exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e
deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições;

(b) segurança dos direitos: impondo uma série de normas tendentes a garantir que, em
qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados;

(c) possibilidade dos direitos: exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os
meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e

519
mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em
condições subumanas (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
31ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 161-166).

"Enquanto a Declaração Universal se esforça por conciliar concepções


liberais e marxistas entre liberdades formais e reais, "esquecendo que se o nazismo
ignorou as primeiras, é em nome das segundas que o estalinismo suprimiu a todas", os
pactos consagraram um fenômeno de coletivização dos direitos do homem. A Declaração
Universal é inteiramente voltada para a pessoa: os direitos humanos são, antes de tudo,
os direitos do indivíduo e a Declaração é endereçada aos indivíduos e não aos Estados
("Todo o indivíduo, ou toda a pessoa, tem direito [...]"). Os pactos são dirigidos aos
Estados e não aos indivíduos ("Os Estados se obrigam à [...]") e a dimensão social do
indivíduo é a pedra de toque a ser considerada. O homem não pode encontrar a realização
dos seus direitos senão no interior de uma sociedade livre de toda contenção externa
(colonização) ou interna (opressão): o interesse do indivíduo se confunde com aquele da
sociedade em que vive" (BICUDO, Hélio. Defesa dos direitos humanos: sistemas
regionais. Estud. av., São Paulo, v. 17, n. 47, abr. 2003).

SOBRE A DEMOCRACIA DO ART. 21

Sobre a relação democracia/direitos humanos, Paulo Sérgio Pinheiro


desconstroi a ideia de causalidade: "...a democracia tende a promover os direitos humanos
com maior facilidade, contudo, tanto em regimes democráticos consolidados, quanto
naqueles recém-instaurados, ela não representa necessariamente uma garantia contra
violações de direitos humanos. No hemisfério sul, as transições políticas da ditadura para
a democracia têm, em grande medida, mantido o status quo e não garantido uma mudança
concreta. Na América do Sul e no Leste Europeu, democracias ocultam, com freqüência,
a opressão sofrida pela parcela da população economicamente mais desfavorecida, a
corrupção de políticos e agentes estatais e a cumplicidade de ambos com o crime
organizado. No hemisfério norte, o governo dos EUA tem permitido o uso da tortura
contra suspeitos e prisioneiros por terrorismo. Na Europa, estados democráticos tem sotto
voce colaborado com a transferência de prisioneiros para serem torturados em outros
países. Neste exato momento, estes governos estão implementando diretrizes sobre a

520
repatriação daqueles que migraram ilegalmente por razões econômicas, migrantes estes
que têm sido explorados economicamente por mais de um século por estes mesmos países
onde hoje vivem; tais medidas incluem o confinamento de famílias e crianças em centros
de detenção pelo prazo máximo de 18 meses (devo dizer, com pesar, que tive a
oportunidade de visitar alguns destes centros).Os países ricos desembolsam mais de 300
bilhões de dólares por ano em subsídios agrícolas, seis vezes mais do que o montante da
ajuda por eles prestada aos países em desenvolvimento, o que contradiz o espírito dos
acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e faz com que a produção agrícola
dos países ricos seja despejada, a um custo artificialmente reduzido pelos subsídios, no
mercado dos países menos favorecidos. A luta pelos direitos humanos deve combater tais
contradições" (PINHEIRO, Paulo Sérgio. Os sessenta anos da Declaração Universal:
atravessando um mar de contradições. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos.
Rede Universitária de Direitos Humanos., vol.5, n.9, pp. 76-87, 2008, p. 79).

EFICÁCIA JURÍDICA

Sobre a eficácia da DUDH, Fausto Brito assinala que a fé reafirmada nos


direitos humanos e o compromisso dos povos das Nações Unidas em respeitá-los são
amenizados nas conclusões do mesmo preâmbulo quando se afirma: "A Assembléia Geral
proclama esta Declaração Universal dos Direitos Humanos como um ideal comum a ser
alcançado por todos os povos e todas as nações". Diz ele: "Na verdade, esse conjunto de
obrigações, ou ideal comum, não veio acompanhado de nenhum mecanismo que
garantisse a sua efetiva implementação em cada um dos países" (Brito, Fausto. A
politização das migrações internacionais: direitos humanos e soberania nacional. Rev.
bras. estud. popul., vol.30, no.1, p.77-97, Jun. 2013)

"A questão da obrigatoriedade da Declaraçáo Universal dos Direitos


Humanos é até hoje debatida em nível teórico. Conforme a prática internacional, as
declarações, em contraposição aos tratados, convenções, pactos e acordos, não têm força
jurídica compulsória. Com efeito, a maioria das declarações adotadas pelas Nações
Unidas são frequentemente ignoradas por muitos Eslados, sem maiores
constrangimentos. A Declaração Universal constitui, contudo, um caso peculiar.

521
Além de assinalar "ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos
pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão", os redatores da Declaração incluíram no preâmbulo
referências incisivas a disposições da Carta de São Francisco - esta, sim, obrigatória -,
recordando "que os Estados-membros se comprometeram a promover, em cooperação
com as Nacoes Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do
homem e a observância desses direitos e liberdades". Acrescentaram, ainda, "que uma
compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno
cumprimento desse compromisso".

Encarada como uma interpretação autorizada dos artigos da Carta das Nações
Unidas relativos aos direitos humanos, a Declaraçâo teria, para alguns intérpretes, os
efeitos legais de um tratado internacional. Para a maioria dos estudiosos do assunto, a
força da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro
documento congénere, advém de sua conversão gradativa em norma consuetudinária.
Independentemente da doutrina esposada, o que se verifica na prática é a invocação
generalizada da Declaração Universal como regra dotada dejus cogens, invocação que
não tem sido contestada sequer pelos Estados mais acusados de violações de seus
dispositivos" (ALVES, J.A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global - Estudos-
144. São Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, pp.
45-48).

- A eficácia hermenêutica, pois influenciou diversas constituições posteriores

EXPLICAÇÃO POLÍTICA PARA NÃO TER EFICÁCIA VINCULANTE

Fausto Brito dá uma explicação política para a escolha: "Certamente, se estes mecanismos
fossem explicitados, a Declaração não teria sido aprovada, pois a ONU não tinha
capacidade política e jurídica de se sobrepor à soberania de cada um dos seus países
membros, como estava bem explicitado na sua Carta. Permanecia o mesmo paradoxo, já
evidenciado por Hannah Arendt, referindo-se às declarações das Revoluções Americana
e Francesa: ainda que com a pretensão da universalidade, a realização efetiva, política,
dos direitos humanos dependia da sua incorporação na legislação de cada país" (Brito,
Fausto. A politização das migrações internacionais: direitos humanos e soberania
nacional. Rev. bras. estud. popul., , vol.30, no.1, p.77-97, Jun. 2013).

522
OS TEXTOS POSTERIORES E A TENTATIVAS DE DAR EFETIVIDADE À
DECLARAÇÃO

Lynn Hunt explica: "Nas décadas depois de 1948, formou-se aos trancos e
barrancos um consenso internacional sobre a importância de se defender os direitos
humanos. A Declaração Universal é mais o início do processo do que o seu apogeu"
(HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução Rosaura
Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 209).

Pacto internacional dos direitos civis e políticos

- aprovado em 1966

- entrada em vigor em 1976

- o Brasil aprovou o Pacto em 12.12.1991, pelo Decreto Legislativo n. 226,


promulgado pelo Decreto n. 592, de 06.07.1992

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

- aprovado no Brasil em 12.12.1991, pelo Decreto legislativo n. 226 e


promulgado pelo Decreto n. 591, de 06.07.1992

"Depois de proclamada, a DUDH desdobrou-se nos pactos internacionais dos


Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Económicos, Sóciais e Culturais, ambos de 1966,
e deu origem a uma série de tratados, como as convenções pela Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial (1966) e de Discriminação Contra as Mulheres (1979),
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis e Degradantes (1984), dos
Direitos da Criança (1989) e das Pessoas com Deficiência (2006), entre outros -
documentos em relação aos quais os Estados signatários obrigam-se a desenvolver
políticas públicas para implementar suas resoluções e a prestar contas periodicamente
sobre os objetivos perseguidos" (VENTURI, GUSTAVO. O potencial emancipatório e a
irreversibilidade dos direitos humanos. In: Brasil. Presidência da República. Direitos
humanos: percepções da opinião pública: análises de pesquisa nacional. organização
Gustavo Venturi. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010, p. 12).

523
"A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948
- declaração de princípios em forma solene, estava destinada, desde a sua origem, a ser
complementada por outros textos. Assim se lhe seguiram, depois de difícil elaboração, os
dois pactos relativos aos direitos do homem, adotados pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 16 de novembro de 1966. Posteriormente, tivemos o Pacto Internacional sobre
direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional sobre direitos civis e
políticos entrou em vigor em 23 de março de 1976. O Protocolo Facultativo, que se lhe
seguiu, foi adotado no mesmo dia e nessa mesma data entrou, igualmente, em vigor. O
Pacto foi ainda complementado por um segundo Protocolo Facultativo, de 15 de
novembro de 1989, visando a abolir a pena de morte, o qual entrou em vigor em 11 de
junho de 1991. O conjunto desses textos forma o que costumamos chamar de "carta
internacional dos direitos do homem". Ela pressupõe uma unidade de inspiração e de
conteúdo dos textos que, em realidade, não existiu.

Assim, os pactos de 1966 e dos anos seguintes traduzem outras preocupações


além daquelas da Declaração Universal de 1948 e contêm uma inflexão da ideologia dos
direitos do homem em busca de maiores espaços. Resta recordar que a Assembléia Geral
das Nações Unidas contava, naquele ano, com 58 membros. Em 1966, esse número subiu
para 122. A ideologia majoritária não pode, portanto, ser considerada a mesma"
(BICUDO, Hélio. Defesa dos direitos humanos: sistemas regionais. Estud. av., São
Paulo, v. 17, n. 47, abr. 2003).

Para José Afonso da Silva, diante da ausência de eficácia jurídica à


Declaração UNiversal, foram firmados "...vários Pactos e Convenções internacionais, sob
patrocínio da ONU, visando assegurar a proteção dos direitos fundamentais do homem,
pelos quais as altas partes pactuantes — reconhecendo:

(a) que tais direitos derivam da dignidade inerente à pessoa humana;

(b) que, com relação à Declaração Universal de Direitos Humanos, não pode
realizar-se o ideal do ser humano livre, no desfrute das liberdades civis e políticas, e
liberado do temor e miséria, se não se criarem condições que permitam a cada pessoa
gozar de seus direitos civis, tanto como de seus direitos económicos sociais e culturais:

(c) que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de
promover o respeito universal e efetivo dos direitos fundamentais do homem —

524
comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos, no seu território e sob sua
jurisdição, esses direitos reconhecidos naqueles instrumentos internacionais, dentre os
quais, além dos já referidos, são expressivos o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovados
pela Assembleia Geral, em Nova York, em 16.12.66, submetidos à firma e ratificação dos
Estados interessados. Surgiram eles, como observa Gregorio Peces-Barba Martínez, com
o fim de conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948 e, assim, eficácia jurídica que
supere a obrigatoriedade apenas moral que a caracteriza. O Brasil só deu sua adesão a
esses pactos em 24.1.92, entrando em vigência aqui apenas em 24.4.92. O retardamento
dessa adesão se devéu ao regime autoritário que nos regia antes.

No entanto, na Europa, têm-se desenvolvido instrumentos eficientes para


assegurar a efetividade dos direitos fundamentais do homem reconhecidos na Declaração
Universal de 1948, por influência do Conselho da Europa, que promoveu a elaboração da
Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,
aprovada em Roma no dia 4.11.50, ratificada por dezessete Estados europeus e em vigor
desde 3.9.53. Seu art. 19 instituiu dois órgãos de extrema importância, para assegurar o
respeito dos compromissos contidos na Convenção, quais sejam uma Comissão Europeia
de Direitos do Homem e um Tribunal Europeu de Direitos do Homem, cujo prestígio já
se impõe à admiração de todos. A essa Convenção seguiram-se vários Protocolos
Adicionais reforçando e ampliando suas normas, culminando com uma Carta Social
Europeia, aprovada pelo Conselho da Europa, em Turim, em 18.10.61, na qual se
articulam normas sobre os direitos e garantias económicos e sociais do homem europeu.
(SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31ª. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008, pp. 161-166).

CRÍTICA

O professor Jacob Dolinger inclui a Declaração Universal dos Direitos do


Homem – ao lado da Lei Fundamental da Alemanha logo após a guerra e da Constituição
de 1988 – de legislação reativa: "Chamo de legislação reativa aquela que é promulgada
em seguida a um desastre humano como uma ditadura, um genocídio, uma guerra injusta,
em que a legislação reage à tragédia havida e faz um esforço para evitar que ela se repita.

525
É uma legislação que pode sofrer de falta de preparo adequado, falta de tranquilidade, de
equilíbrio, que passa para normas repletas de hipérbole. Obra de um legislador nervoso,
revoltado, que pensa poder resolver tudo pela força da palavra mágica". Para o
conferencista da Academia de Direito Internacional da Haia, "Essas peças precisam ser
reduzidas às suas realidades, às suas proporções verdadeiras, vistas com o olhar para o
futuro e não para o passado, o que leva a retirar a importância atribuída à terminologia
exagerada, que, em verdade, nada acrescenta" (DOLINGER, Jacob. Dignidade: o mais
antigo valor da humanidade. Os mitos em torno da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e da Constituição brasileira de 1988. As ilusões do Pós-Modernismo / Pós
Positivismo. A visão jurídica. Revista de direito constitucional e internacional. v. 18, n.
70, p. 24-90, jan./mar. 2010).

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família


humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram


a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um
mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da
miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de


direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a
tirania e a opressão;

526
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé
nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o
progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais
ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação


com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do
Homem e das liberdades fundamentais; Considerando que uma concepção comum destes
direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal
compromisso:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos


como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os
indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se
esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e
liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional,
o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações
dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua
jurisdição.

Artigo 1°

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de


razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2°

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na


presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna,

527
de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma
distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território
da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo
ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 3°

Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4°

Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos


escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5°

Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou


degradantes.

Artigo 6°

Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua


personalidade jurídica.

Artigo 7°

Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos
têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°

Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes
contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou
pela lei.

Artigo 9°

Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10°

528
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus
direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela
seja deduzida.

Artigo 11°

1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas
as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não
constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo,
não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto
delituoso foi cometido.

Artigo 12°

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais
intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.

Artigo 13°

1.Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior
de um Estado.

2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e
o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14°

1.Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo


em outros países.

2.Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por
crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações
Unidas.

529
Artigo 15°

1.Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.

2.Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de


mudar de nacionalidade.

Artigo 16°

1.A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir
família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e
na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

2.O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros
esposos.

3.A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção


desta e do Estado.

Artigo 17°

1.Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade.

2.Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18°

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este


direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade
de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em
privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19°

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito
de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Artigo 20°

1.Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.

2.Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.


530
Artigo 21°

1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios, públicos do seu
país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2.Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas


do seu país.

3.A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-
se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual,
com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22°

Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode
legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com
a organização e os recursos de cada país.

Artigo 23°

1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições


equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.

2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.

3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita
e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se
possível, por todos os outros meios de protecção social.

4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em
sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24°

Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação
razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25°

531
1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família
a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento,
à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à
segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos
de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

2.A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as


crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social.

Artigo 26°

1.Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O
ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem
como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos
filhos.

Artigo 27°

1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade,
de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.

2.Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria.

Artigo 28°

Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem
capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente
Declaração.

Artigo 29°

532
1.O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e
pleno desenvolvimento da sua personalidade.

2.No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento
e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências
da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.

3.Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos
fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30°

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver


para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma
actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui
enunciados.

COMENTÁRIO:
Dentre os temas de teoria geral do direito e da política, destaque-se os itens fontes e
jurisprudência em razão das enormes transformações do novo CPC.
O outro tema que sempre terá destaque é a relação existente entre direito e política.

533

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