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1 INTRODUÇÃO
Este capítulo percorre duas vertentes autônomas para poder alcançar o eixo co-
mum, que é a ligação da política social com a perspectiva do desenvolvimento.
A primeira vertente analítica, que corresponde também à próxima seção e
sobre a qual dedica-se aqui com olhar restrospectivo ao longo de todo o século
passado, é a reflexão sobre o desenvolvimento econômico que impregna o pensa-
mento teórico e político do Brasil, formando como que um paradigma teórico.
Neste, a modernização técnica, o crescimento econômico, ou o desenvolvimento
das forças produtivas capitalistas, pretendem-se idéias-força auto-suficientes para
explicar, justificar e motivar o desenvolvimento econômico.
A igualdade como princípio basilar do desenvolvimento esteve ausente no
paradigma histórico brasileiro. Por isso não pode ser introduzida por mera adi-
ção de adjetivos ou conectivos, que são estranhos ao modelo teórico da moderni-
zação técnica. Sem mudanças das históricas relações sociais que se reproduzem
socialmente em nossa economia política da desigualdade não se transita à ver-
tente da eqüidade.
A segunda vertente teórica (terceira seção) sobre a qual se concentra o capí-
tulo – a do desenvolvimento com eqüidade – requer uma mudança de paradigma
teórico. Este tem como ponto de partida, conforme variantes dessa leitura – igual-
dade de oportunidade, igualdade de capacidades, ou igualdade de resultados – o
acesso dos grupos sociais historicamente excluídos às condições produtivas, aos
benefícios do crescimento econômico e às garantias de um sistema de proteção
social. Estas condições equalizadoras clamam por ações de política pública de
dotação de “bens primários” e/ou “capacidades” essenciais ao desenvolvimento.
A política social brasileira, desenvolvida a partir da Constituição de 1988,
realiza de maneira restrita, mas condizente, algumas dessas dotações para o
desenvolvimento com justiça. Mas a política econômica percorre caminho in-
verso. A resultante líquida desse jogo não é favorável à tese do desenvolvimen-
to com justiça social.
410 Guilherme C. Delgado e Mário Theodoro
1. Esta parte do texto constitui um resumo do artigo “A Questão do Desenvolvimento: uma releitura”,
de Mário Theodoro, in Ramalho e Arrochellas (2004).
Desenvolvimento e Política Social 411
5. Nessa perspectiva, um dos aspectos mais emblemáticos diz respeito à chamada ideologia do bran-
queamento e seus desdobramentos. Com efeito, ao final do período monárquico, o projeto de
modernização incorporara a idéia da necessidade de se promover uma política de migração cujo sentido
era, em grande parte, dotar o país de um contingente populacional capaz de contribuir efetiva e
positivamente para o desenvolvimento, ao contrário do que se acreditava ser capaz a então maioria
afrodescendente. Teses eugênicas, muito em voga à época, inspiraram a política de estímulo à migração
européia, política esta que, na forma como se efetivou, a despeito da grande contribuição do imigrante
em largo espectro, sedimentou as bases da perpetuação da pobreza e da exclusão até hoje vivenciada.
Branquear-se; transmudar-se em uma nação de brancos ou “quase-brancos”. A ideologia do branque-
amento foi uma das mais importantes inspiradoras da migração e, em conseqüência, da perpetuação da
situação de miséria para expressivos contingentes da população brasileira. Sobre o tema, ver Kowarick
(1977), De Paulo (2002), e Camargo (1983).
Desenvolvimento e Política Social 413
média que, como sua homônima americana ou européia, ganha espaço no mer-
cado de trabalho, só que aqui às custas do trabalho doméstico de outra(s)
mulher(es), estas últimas, mulheres pobres, que não vão para o mercado de
trabalho em busca de realização profissional, tampouco de afirmação pessoal.
Vão por mera necessidade de sobrevivência e, na maioria das vezes, deixam seus
filhos ao léu. Vão dar aos filhos da classe média o que não podem oferecer aos
seus próprios: cuidado, atenção. Repetem assim, século e meio após, a relação
da Casa-Grande – Senzala. É essa modernidade brasileira que vê proliferar nas
ruas meninos e meninas sem futuro. Os “cheira-cola”, os pivetes, os pixotes, para
os quais não há política social e nem mesmo Estado. A modernidade dos direitos
adquiridos das classes médias e da absurda falta destes mesmos direitos – ou de
grande parte deste – a que são submetidos os mais pobres. A modernidade da
exclusão, da não-inclusão, da ausência de políticas, da falta de respostas
institucionais, do silêncio para com amplos segmentos da população. Não é falta
de Estado, mas a constituição de uma dada conformação de Estado, conformação
esta que se coaduna com um espectro social onde graça a desigualdade em sua
reprodução ampliada. Um Estado da cidadania regulada, como bem ressalta San-
tos (1987), mas também da cidadania à marcha variável, como complementa
Marques-Pereira (1995). A informalidade e a subsistência, antes de se constituí-
rem como expressões do atraso (ou do não-desenvolvimento), devem ser vistas
como formas de organização e de certo modo de resistência a um dado tipo de
modernidade. A modernidade brasileira está associada à reprodução da desigual-
dade, gerada inclusive pela existência de formas institucionais excludentes. Em
síntese, é a modernização sem mudança (Eisemberg, 1977), a gestão da miséria
(Procacci, 1993), o desenvolvimento como unidade de discurso que “protege” a
realidade iníqua. O porvir desenvolvido é (e esteve) sempre por vir.
É nesse contexto que o chamado setor informal, assim como o setor de
subsistência – malgrado o fato de que a idéia de “setor” por si só já traz ele-
mentos para uma discussão a ser feita ulteriormente – proliferam como parte
constitutiva da realidade brasileira, parte esta cujo entendimento e compreen-
são numa perspectiva do desenvolvimento requer outra construção teórica.
Este é um desafio que se coloca, em particular, para tecer a relação do desen-
volvimento com a política social, objeto da próxima seção.
6. Para uma abordagem dos conceitos de “Bens Primários” e “Bens Públicos” na obra de John Rawls,
ver Sônia T. Felipe. – “Rawls: Uma Teoria Ético-Política de Justiça”, in Oliveira (2000, p. 144-146).
7. Para uma análise do conceito de “capacidades” na obra de Amartya Sen, coerente com uso que dele
aqui se faz, ver Sen (2001, cap. 3).
8. Santillán (2003, p. 205-217).
9. Felipe (2000, p. 154).
Desenvolvimento e Política Social 417
TABELA 1
Renda familiar – evolução – 1991 e 2000
(Em %)
Variáveis 1991 2000
TABELA 2
Índice de Gini da distribuição da renda nominal familiar – economicamente ativos e
economicamente inativos – Brasil – 1991 a 2000
Situação 1991 2000
de domicílio Economicamente Não Economicamente Não
e sexo Total ativos Total economicamente ativos economicamente
ativos ativos
12. Para uma análise mais aprofundada do papel da Previdência Rural sobre a economia familiar, ver
Delgado e Cardoso (2000).
13. Para uma avaliação mais recente de 26 projetos de assentamento em sete estados, abrangendo cerca
de 10 mil famílias assentadas depois de 1995, ver Leite e Sérvulo (2004).
Desenvolvimento e Política Social 425
14. Análise mais detalhada de situação agrária aqui sintetizada é desenvolvida no capítulo 2 deste livro.
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5 CONDIÇÕES DE TRANSIÇÃO
Todas as considerações sobre desenvolvimento com eqüidade e suas relações
com a política social elaboradas neste capítulo são hipóteses teóricas, aplicá-
veis à situação social brasileira e à sua política social implementada após a
Constituição de 1988.
A efetiva estruturação de uma estratégia de desenvolvimento nos moldes
aqui delineados requer que se elabore, de forma analítica, as condições de tran-
sição à mudança de situação. Essa mudança pressupõe um novo paradigma do
desenvolvimento relativamente à seguinte, como ficou claro na exposição da
seção 2. Mas pressupõe também uma mudança concreta da economia política,
das condições macroeconômicas e das forças sociais que hoje formatam o Estado
brasileiro, bem como a inserção da economia brasileira na economia mundial.
Toma-se por suposto que o quadro da inserção supracitado é parte da
situação inicial (S0 – Situação no tempo zero), onde não há desenvolvimento
com eqüidade, ainda que alguns experimentos e políticas setoriais possam ser
compatíveis. A transição para uma situação objetivo S1 (com desenvolvimento)
não se dará pela dinâmica espontânea da economia, nem das políticas públicas
em curso, especialmente de sua política econômica.
15. A elasticidade da receita da Previdência com relação ao PIB é substancialmente maior que a unidade.
Isto se deve basicamente ao efeito virtuoso do PIB sobre nova filiação e sobre a recuperação de débitos
da Dívida Ativa velha, sem nova acumulação da Dívida Ativa para com o INSS.
16. Ver dados dos gastos do INSS sobre a linha de pobreza no periódico Políticas Sociais − Acompanha-
mento e Análise, do Ipea n. 9, p.18, gráfico 1.
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