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As Concepções de Língua, o Livro Didático e o Ensino de Física:

Um levantamento sobre Oscilações

Linaiara Santos Hermínio de Melo – UFCG (PROLICEN)


linaiaramelo@gmail.com
Samira Ruana Vidal do Nascimento - UEPB
samiraruana@gmail.com

Resumo

Tendo em vista que o livro didático se configura como um instrumento presente na sala de
aula e sobre o qual são estabelecidas as relações entre professor e aluno, o presente artigo toma
como objeto de pesquisa as concepções de língua subjacentes aos Livros Didáticos de Física (LDF)
do ensino médio e seus efeitos para o ensino. As questões norteadoras são: que concepção de língua
rege a estrutura do livro didático? Será que o livro didático corrobora para que haja uma
aprendizagem consistente? Dessa forma, a pesquisa visa fazer uma análise crítica das abordagens de
língua apresentadas nos LDF. Essa análise parte de considerações sobre a utilidade de se estabelecer
às concepções e as implicações decorrentes para o ensino. Para isso, partiremos da hipótese que
alguns livros tentem adaptar sua metodologia as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
no qual o ensino deve ser relacionado ao mundo vivencial do aluno. Para isso, foram analisados os
livros didáticos de Villas Bôas, 2001; Gaspar, 2003; Calçada & Sampaio, 1998; Bonjorno, 1998;
Carron & Guimarães, 2002; Alvarenga & Máximo, 2005; Nicolau & Toledo, 2003; Cabral & Lago,
2002; Paraná, 1998; do 2º ano do ensino médio, especificamente o tópico “Oscilações”, segundo as
concepções de língua de Koch (2002). A escolha deste tópico (Oscilações) se deu pelo fato de que a
compreensão de oscilações acarreta competências relacionadas em vários campos da física. Ao
portar o conhecimento das concepções de língua o professor será capaz não apenas de decidir por
qual concepção de língua adotar, mas de adequar suas ferramentas de ensino (especificamente o
livro didático) ao seu interesse. Este trabalho é fruto de uma relação interdisciplinar entre os alunos
dos cursos de licenciatura em física e em letras.

1. Introdução

A escola tem papel fundamental na elaboração da visão de mundo do aluno. O professor, por
sua vez, desempenha a função de sistematizar a transmissão de experiências coletivas passadas e
adaptá- las às necessidades com referência no mundo vivencial, visando preparar as futuras gerações
para articular essas habilidades com outros conhecimentos. O currículo materializa esse objetivo,
proporcionando formas eficientes de apreensão dessa experiência anterior, sempre visando ao
crescimento individual, assim como a autonomia e a comunicação das pessoas no cotidiano
(Pietrocola, 2001).
A partir dessa afirmação e tendo em vista que a maioria dos professores centra-se no livro
didático como a fonte de orientação para o ensino (Moura Neves, 1997), este trabalho visa analisar
as concepções de língua subjacentes aos livros didáticos de física e seus efeitos para o ensino,
fornecendo subsídios teóricos que possam nortear a relação ensino/aprendizagem despertando no
professor a importância da interação entre o conhecimento e as ações sociais de indivíduo. Embora
boa parte de nossa análise possa se aplicar a outras áreas do saber, procuramos focar
especificamente o ensino de física e não o escolar como um todo.
Para isso, foram analisados os livros didáticos de Villas Bôas, 2001; Gaspar, 2003; Calçada
& Sampaio, 1998; Bonjorno, 1998; Carron & Guimarães, 2002; Alvarenga & Máximo, 2005;
Nicolau & Toledo, 2003; Cabral & Lago, 2002; Paraná, 1998; do 2º ano do ensino médio,
especificamente o tópico “Oscilações Harmônicas”, segundo as concepções de língua de Koch
(2002).
A escolha deste tópico se deu pelo fato de que a compreensão de oscilações acarreta
competências relacionadas em vários campos da física. Podemos observar as oscilações na ação de
sistemas mecânicos como pêndulos, diapasões, cordas de instrumentos musicais e colunas de ar em
instrumentos de sopro. A corrente elétrica alternada que nos servimos é oscilatória, e oscilações da
corrente em circuitos elétricos têm inúmeras aplicações importantes (Nussenzveig, 1981). Por ser,
geralmente, trabalhado como um conteúdo introdutório ao assunto de ondas, o estudo das oscilações
fornece ferramentas matemáticas que viabilizam a construção de novos modelos teóricos, sendo
essencial para o entendimento de alguns fenômenos da natureza. Segundo Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) do ensino médio (parte III - Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias), a concepção de modelo deve ser construída a partir da necessidade explicativa de
fatos.
Partiremos da hipótese de que alguns livros didáticos de física procuram adaptar suas
metodologias as propostas dos PCNs, no qual o ensino deve ser relacionado a situações reais, ou
seja do cotidiano do aluno. Entretanto, como nossa análise deixou claro, tal relação é colocada
como simple s motivação (suplemento), que acaba por tornar o ensino de física enganoso, uma vez
que, ao fazer a introdução geral do livro geralmente os autores dizem que a obra dispõe de um
“caráter interdisciplinar e contextualizado que busca propor textos e questões relacionadas com as
situações mais comuns do dia-a-dia”, fazendo com que os alunos aguardem ansiosamente o
momento em que todo o conteúdo teórico, apresentado como simplificações tiradas diretamente do
cotidiano, ganhe realismo e lhes capacite a melhor entender o ambiente em que vivem. Porém, em
geral, este momento nunca chega.
É necessário salientar que existem vários modos de se construir um conhecimento (por meio
de nosso mundo vivencial, nossas habilidades inatas, etc.), mas em geral, os conhecimentos que nos
acompanham por toda vida são aqueles que nos são úteis (Pietrocola, 2001).
Com base nesta afirmação este trabalho procura responder a seguinte questão: como, a partir
das concepções de língua, garantir uma aprendizagem que capacite os alunos a ga nhar “intimidade”
com o mundo através do conhecimento físico?
Para entender isso, será necessário primeiramente promover uma discussão acerca das
concepções de língua.

2. Concepções de língua

“Enquanto você lê estas palavras, esta tomando parte numa das maravilhas do
mundo natural. Você e eu pertencemos a uma espécie dotada de uma admirável capacidade,
a de formar idéias no cérebro dos demais com uma esquisita precisão. Eu não me refiro com
isso à telepatia, o controle mental ou as demais obsessões das ciências ocultas. Aliás, até
para os crentes mais convictos, estes instrumentos de comunicações são pífios em
comparação com uma capacidade que nós possuímos. Esta capacidade é a linguagem.”
(Steven Pinker, O instinto da linguagem apud Koch, 2002)

Como ponto de partida para as reflexões que serão feitas neste trabalho, é de suma
importância retomar algumas questões básicas que no momento, permeiam os estudos sobre o
ensino: as concepções de língua.
Segundo Koch (1992) a linguagem pode ser sistematizada em três tipos principais como
representação (espelho) do mundo e do pensamento; como instrumento (ferramenta) de
comunicação; como forma (lugar) de ação ou interação. Na primeira o sujeito é psicológico,
individual, dono de sua vontade e de suas ações, ou seja, o homem representa para si o mundo
através da linguagem e, assim sendo, a função da língua é representar seu pensamento e seu
conhecimento de mundo.
A segunda concepção considera a língua como estrutura, ou seja, como um código através
do qual um emissor comunica a um receptor determinadas mensagens. A principal função da
linguagem é, neste caso, a transmissão de informações.
Finalmente, a concepção como lugar de interação, é aquela que encara a linguagem como
atividade, como forma de ação interindividual orientada para determinado fim, a qual possibilita aos
membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos.
Nesta concepção, o sujeito divide o seu espaço com outro porque nenhum discurso provém
de um sujeito adâmico que, num gesto inaugural emerge a cada vez que fala/escreve como fonte
única do seu dizer. Segundo essa perspectiva, o conceito de subjetividade se desloca para um sujeito
que se cinde porque átomo, partícula de um corpo histórico-social no qual interage com outros
discursos, de que se apossa ou diante dos quais se posiciona (ou é posicionado) para construir sua
fala (Bakhtin, 1979).
Chega-se, assim a um equilíbrio entre sujeito e sistema, entre a “socialização” e a produção
do social. Para tanto, postula-se a natureza cognitiva do social, das estruturas e de tudo aquilo que
poderia ser visto como um dado objetivo “exterior” aos sujeitos.
Segundo Possenti (1993), para que o sujeito possa ser concebido como algo mais que um
lugar por onde o discurso passa, vindo das estruturas, é necessário fazer a hipótese mínima de que
ele age. Que, por exemplo, para compreender textos, não basta que ele ocupe um lugar, é necessário
que ele produza uma atividade. Para a compreensão de textos, são necessários, além do
conhecimento lingüístico, outros conhecimentos, experiências, etc. Que são classicamente
analisados relativamente a sujeitos psicológicos, e não a posições e vetores. O sujeito então tanto
sofre quanto exerce influências do meio em que vive. Portanto, o sujeito é social, histórica e
ideologicamente situado que se constitui na interação com o outro e com o meio em que vive.
A partir desta afirmação e com base no ensino de física, podemos afirmar que o mundo
físico está intimamente relacionado ao mundo cotidiano, pois a natureza faz parte de ambos sendo
então, esta disciplina essencial para investigar e compreender os fenômenos, conceitos e situações -
problema do dia-a-dia. Entretanto, os livros didáticos de física parecem muito distante deste ideal.
Para ter certeza disto observaremos a seguir, o perfil das concepções de língua utilizadas nestes
livros.

3. Concepções, ensino e utilidade

O livro didático se configura como um instrumento presente na sala de aula e sobre o qual
são estabelecidas as relações entre professor e aluno. Portanto, este deve procurar maneiras simples,
claras coerentes e úteis de mediar o aprendizado, fazendo com que o conhecimento do mundo
escolar vincule-se do mundo vivencial, tendo em vista que, diante de um mundo repleto de
estímulos e desafios, que se alteram constantemente, os conhecimentos tornam-se obsoletos
rapidamente.
Mas será que os livros didáticos de física corroboram para que haja uma aprendizagem
consistente?
Para responder a esta questão, procederemos à análise dos livros didáticos. Esta análise
consistiu de uma revisão literária do tópico de apresentação, trazido no início do livro, no qual o
autor enfatiza sua proposta pedagógica relacionada ao conteúdo programático, como também, foi
analisado o tópico capítulo do livro, referente ao conteúdo escolhido para a investigação
(Oscilações). Por questões éticas, os livros serão identificados por letras do alfabeto.

Livro A
Apresentação: procura apresentar o conteúdo de física sempre ligado a situações práticas, simples e
reais, viabilizando a capacidade de construir modelos abstratos a partir destas situações. Propondo
também, um conjunto de experimentos que podem ser feitos com material caseiro e que auxiliam o
aluno na compreensão do mundo que o cerca. Procura mostrar aos alunos a necessidade de dominar
os conceitos básicos da linguagem científica, a fim de vencer os desafios da vida moderna.
Capítulo: inicia o conteúdo contextualizando o leitor por meio de situações do cotidiano. Faz uso de
uma simulação de ações do mundo real para exemplificar conceitos intrínsecos às Oscilações.
Utiliza um experimento como forma de comprovar o comportamento de uma massa oscilante e logo
após analisa a representação (gráfico) obtida. O Movimento Harmônico Simples (MHS) é
trabalhado como um tópico avançado.

Livro B
Apresentação: quanto à teoria a ser estudada foram incorporados elementos formativos para um
bom conhecimento da física. Os exercícios apresentados possibilitam a aplicação da teoria estudada
e muitas vezes a complementam. Ao final de cada seção, são propostas várias questões que
abordam situações, problemas e perguntas geralmente ligados ao cotidiano e as aplicações práticas
dos fenômenos físicos.
Capítulo: o MHS é apresentado por meio de recursos (gráficos) que possibilitam desenvolver um
formalismo matemático, este mesmo recurso é utilizado para definir amplitude, freqüência,
freqüência angular, função horária e fase. A seguir, o autor descreve a constituição e funcionamento
do oscilador massa- mola. Observa-se a predominância da construção de conceitos (como a
velocidade, aceleração e força no MHS, além de pêndulo simples) a partir de um formalismo
matemático.

Livro C
Apresentação: a teoria é apresentada de forma a priorizar a construção dos conceitos com exemplos
contextualizados. Os exercícios complementares oferecem aos alunos a oportunidade não só de
solidificar o seu aprendizado, mas também ter uma visão do grau de exigência dos exames
vestibulares. Procura relacionar o ensino de ciências com o cotidiano. Algumas partes dos livros
iniciam com uma introdução histórica e encerram com uma leitura complementar que tem como
finalidade colocar o leitor em contato com os avanços da tecnologia a serviço de uma melhor
qualidade de vida.
Capítulo: utiliza um dispositivo para esquematizar o estudo da cinemática do MHS e definir:
elongação, amplitude, ângulo de fase, velocidade angular, freqüência e período. Ao apresentar a
dinâmica de MHS, o autor contextualiza o leitor disponibilizando algumas aplicações das
oscilações. O sistema massa- mola, assim como o pêndulo simples e o estudo da energia mecânica
no MHS são estudados com o auxílio de figura que os esquematiza.

Livro D
Apresentação: a obra possui a teoria completa, com estrutura didática e com uma coleção de
exercícios extensos e muito eficientes para desenvolver a capacidade de resolver problemas.
Capítulo: ao traçar o perfil do movimento periódico, descrevendo as grandezas envolvidas, e
relacioná-lo com o movimento oscilatório, o autor cita alguns exemplos de objetos que realizam
este movimento. O MHS é estudado primeiramente na forma linear fazendo referência ao sistema
constituído de uma mola e de um corpo. Percebe-se o destaque da construção do conceito a fim de
obter subsídios teóricos para a resolução das questões, mas não há aplicação do conhecimento
científico no cotidiano.

Livro E
Apresentação: em cada capítulo a teoria é seguida de uma série de problemas de aplicação, que
permite ao aluno como os conceitos podem ser aplicados no dia-a-dia.
Capítulo: com base no conceito de movimento periódico define-se movimento oscilatório, para
então desenvolver a cinemática do MHS. Por meio de recursos (gráficos) desenvolve o formalismo
matemático e esta metodologia se repete para mostrar a relação entre a elongação e a velocidade, a
aceleração e os diagramas do MHS. A dinâmica é sustentada pelo desenvolvimento de sistemas
como o massa- mola e o pêndulo simples, estes por sua vez são explicados com o auxílio de
representações (figuras), sem uma contextualização.

Livro F
Apresentação: diante da evolução do conhecimento científico e tecnológico procura-se
compreender como os conhecimentos da física têm sido adquiridos. A obra dispõe de um núcleo de
texto destinado à estrutura básica da física. Em seguida, apresentam-se quadros destinados a
complementar o conteúdo básico, de forma análoga a parênteses que ilustram e enriquece o texto
principal. Ao final de cada capítulo encontram-se questões e exercícios com o objetivo de avaliar e
consolidar os conhecimentos adquiridos.
Capítulo: percebemos que a definição de oscilação é abordada diante de suas vertentes
(microscópica X macroscópica) associada a um exemplo. Destaca-se que o estudo das oscilações
possibilitou a descrição e compreensão de fenômenos da natureza fornecendo um formalismo
matemático que acarretou a construção de novos modelos teóricos. Por meio da descrição,
representação e funcionamento do oscilador massa- mola identifica-se a força que atua neste
sistema, a fim de introduzir as características do MHS, ou seja, o autor cria uma situação para então
associar a um modelo teórico. A posteriore é trabalhada: as grandezas associadas ao MHS, assim
como sua relação com o movimento circular uniforme, a freqüência e período de sistemas
oscilantes, a energia mecânica do oscilador massa- mola, função da velocidade do MHS em relação
à posição, amortecimento, oscilações forçadas e ressonância. No decorrer de todo o capítulo
percebemos que os quadros que o permeiam realmente são complementares ao texto núcleo. Nestes
quadros são apresentadas curiosidades, contexto histórico, relações com o mundo vivencial e/ou
pesquisas recentes desenvolvidas com o modelo que esta sendo construído. Podemos destacar ainda
que sua disposição (intercalando o texto núcleo) favorece a unicidade entre a teoria e o cotidiano.

Livro G
Apresentação: tem como objetivo introduzir o iniciante no campo da ciência, dando- lhe uma base
para estudos mais avançados, além de proporcionar, àqueles que não busca especialização maior
nas ciências físicas, o conhecimento de fatos e formas de pensar que têm grande efeito em nosso
modo de vida. Nesse sentido, pretende que o aluno receba mais do que simples fórmulas, entrando
em contato com a cultura científica. Em cada capítulo há boxes que complementam o assunto, além
de curiosidades quanto ao tema e textos complementares ao final.
Capítulo: recorre a questionamentos feitos por Galileu para o comportamento de pêndulos simples.
Ao descrever a obtenção deste pêndulo e destacar a importância de seu estudo para o movimento
dos corpos, introduz-se o estudo de MHS. Es te por sua vez é analisado fazendo uma analogia com o
movimento realizado por um corpo preso na extremidade de um fio que tem a outra extremidade
fixa em um ponto de suspensão. Diante da situação apresentada, estuda-se: o movimento do
pêndulo simples, MHS no sistema massa- mola, uma analogia entre o oscilador harmônico e o
pêndulo, MHS e movimento circular uniforme, velocidade, aceleração e período no MHS. Em um
dos boxes é destacada a dificuldade de obter uma oscilação em uma determinada freqüência e o
funcionamento de um amortecedor de um automóvel.

Livro H
Apresentação: ao utilizar um grande número de recursos, que deu ao trabalho um caráter
contemporâneo, contextualizado e interdisciplinar, busca-se propor textos e questões relacionados
com as situações mais comuns do dia-a-dia. Nos blocos a compreensão da teoria é favorecida pela
inclusão de um grande número de exemplos práticos, ilustrações e fotos legendadas. A maioria dos
tópicos é suplementada por acessórios motivadores, na qual é sugerida a realização de pequenos
experimentos com recursos caseiros.
Capítulo: na introdução mostra as importantes aplicações dos movimentos oscilatórios no dia-a-dia.
Ao definir o movimento periódico relaciona com o comportamento de um planeta em relação ao
sol. O movimento oscilatório é descrito com o auxílio de uma figura que representa o movimento de
um bloco suspenso que oscila periodicamente entre dois pontos. Com base nos conceitos citados, se
constrói a definição de MHS, sua função horária, velocidade aceleração, força e período. Os
exemplos utilizados correspondem aos subsídios necessários para a absorção da teoria vigente.
Percebe-se que a relação com o cotidiano, ou a fundamentação em pesquisas, é feita por meio de
leituras complementares. Podemos destacar a disposição das questões apresentadas (divididas em
níveis que determina seu envolvimento com os aspectos conceituais).

Livro I
Apresentação: tendo em vista que o conhecimento das leis e fenômenos físicos constitui um
complemento indispensável à formação cultural do homem moderno, espera-se que esta obra possa
proporcionar a compreensão das leis fundamentais da física, percebendo que elas representam
modelos que procuram traduzir a harmonia, a organização presente na natureza e também possível
quebra dessas situações.
Capítulo: o autor introduz o conceito de MHS fazendo uso de uma linguagem científica adquirida
pelo leitor no decorrer de sua obra. Com o auxílio de uma figura, que representa o sistema massa-
mola, o autor constrói os conceitos de amplitude freqüência e período. A posteriore faz uso de
situações que podem ser realizadas, ou vivenciadas, pelo leitor a fim de comprovar a relação entre
esses conceitos. Faz-se o cálculo do período do MHS para um pêndulo simples. Observamos a
disposição de quadros que enriquecem a leitura por sua fundamentação no tópico abordado.

Após esta análise, podemos observar que as concepções de língua subjacentes a estes livros
didáticos variam consideravelmente, não apenas de um a outro autor, mas ocorre também, que um
mesmo autor utiliza-se de diferentes concepções em momentos diversos, sem se dar conta, uma vez
que, em sua apresentação há uma tendência a dar ênfase às atividades relacionadas ao cotidiano, o
que não corresponde às atividades utilizadas no capítulo.
Via de regra, os livros priorizam a resolução de problemas essencialmente numéricos, com o
objetivo de fazer o aluno identificar a fórmula que julga relevante à resolução e, de imediato, inserir
valores numéricos correspondentes para a determinação do que precisa. Por isso, não é de se
estranhar que ao término das avaliações escolares, os alunos se esqueçam de tudo que foi ensinado,
uma vez que, a maioria dos livros por nós analisados (B,C,D,E e H), em geral impõe o aprendizado
através da primeira concepção de língua, ou seja, o livro é visto como senhor absoluto do
conhecimento, fazendo assim com que o aluno exerça pois, um papel essencialmente passivo.
Por outro lado, observamos também que há um número considerável de livros analizados (A,
F e G) que utilizam-se de desafios do cotidiano para o entendimento e ampliação do conhecimento
físico, ou seja, o aluno é levado a compreender o mundo a sua volta, criando uma agradável
sensação de poder perante isto, como também é levado a notar que tudo dentro da física é sim muito
útil. O sucesso deste tipo de tarefa está no compartilhamento das idéias com os indivíduos que nos
rodeiam, pois ao nos referirmos as coisas do mundo temos a certeza de sermos entendidos, por
sabermos que nossos interlocutores partilham do mesmo mundo que nós.
De acordo com Astolfi (1995:53), deve-se partir de atividades sociais diversas (que podem
ser atividades de pesquisa, de engenharia, de produção, mas também de atividades domésticas,
culturais...) que possam servir de referência a atividades científicas escolares, e a partir das quais se
examinam os problemas a resolver, os métodos e atitudes os saberes correspondentes.
Podemos perceber que desde a apresentação da obra alguns autores (livro D) já destinam seu
foco a destrinchar teorias a fim de que o aluno tenha subsídios suficientes para resolver as questões
propostas, sendo estas em sua maioria questões que relacionam o conhecimento científico ao mundo
vivencial, ou seja, o corpo do texto não dispõe de um aprofundamento das aplicações dos
fenômenos, pois isto será feito na resolução dos problemas.
Observamos também, que alguns livros utilizam à história da ciência como a mola
propulsora do novo conhecimento, todavia por ser abordada de forma incoerente e/ou incompleta
torna-se uma ferramenta de má qualidade no ensino de Física.
É de grande importância salientar que alguns livros em sua apresentação fazem ligações dos
assuntos a serem abordados com os fatos do cotidiano, entretanto no capítulo, esta ligação é feita
apenas em assessórios suplementares, o que de fato é um indício de incoerência metodológica.

4. Considerações finais

Este trabalho teve como pretensão ser um pequeno “farol” a orientar esta constante “caça” a
um ensino/aprendizagem que traga resultados satisfatórios e principalmente, que se mostre útil não
apenas no âmbito escolar, mas também em outras esferas da sociedade.
Para tanto, o ensino deve ser pensado como lugar de constituição e interação de sujeitos
sociais, como um evento em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais; ações por meio
das quais se constroem interativamente o conhecimento e as múltiplas formas de se conceder o
mundo a nossa volta. Entretanto, como já dito em nossa pesquisa, o professor centra sua aula nos
livros de didáticos, os quais apesar das tentativas, em sua maioria têm ficado longe de um ensino
ideal que leva em consideração o conhecimento prévio e a visão de mundo do aluno.
Por isso, é importante ao professor não perder de vista o seu objetivo enquanto mediador do
ensino/aprendizagem, pois é a partir desse objetivo que ele será capaz não apenas de decidir por
qual concepção de língua adotar, mas de adequar suas ferramentas de ensino (especificamente o
livro didático) ao seu interesse. Caso contrário, caberá a ele o mero papel de transmissor do que está
expresso no livro didático.
Do ponto de vista do aluno, o aprendizado só ocorrerá quando este for capaz de perceber a
importância do assunto, por ele estudado, para o seu dia-a-dia.
Esperamos, portanto, com essa discussão ter deixado claro que a Física como conhecimento
só poderá ser compreendida efetivamente pelos sujeitos coso seja percebida em ligação com o
cotidiano que os cerca.
Terminamos então, nosso trabalho com uma afirmação de Érico Veríssimo que traduz
fielmente nossa preocupação em estabelecer uma ponte entre as concepções de língua e as praticas
de ensino:

“Devemos defender-nos de toda palavra que, toda linguagem que nos desfigure o mundo,
que nos separe das criaturas humanas, que nos afaste das raízes da vida”.

Referências

ASTOLFI, J. P.; DEVELAY, M. J. A didática das ciências. Campinas: Ed. Papirus, 1995.
BAKHTIN, Michael. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
BONJORNO, José Roberto (et. al). Temas de Física, 2: termologia, óptica geométrica, ondulatória.
São Paulo: FTD, 1998.
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da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEE, 1997.
CABRAL, Fernando e LAGO, Alexandre. Física 2. São Paulo: Harbra – LTD, 2002.
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