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SOCIOLOGIA

ORGANIZACIONAL
AULA 3

Profª Carolina Esther Kotovicz Rolon


CONVERSA INICIAL

Seja bem-vindo(a) a mais uma de nossas aulas! Vamos estudar as


relações de troca que se estabelecem na sociedade. Vamos ver como diferentes
perspectivas sociológicas lançaram luz sobre os diversos tipos de mercados que
se constituem com as trocas.

CONTEXTUALIZANDO

Em nosso dia a dia participamos de diversas relações de troca; desde a


feira semanal, onde compramos frutas e legumes, ao mercado financeiro, que
influencia as decisões dos governos e, consequentemente, nossas vidas. Pense
nas diversas relações de trocas das quais você participa: elas são parte de quais
mercados? Você emprega a mesma lógica ao realizar as diversas trocas? Tenha
essas questões em mente, pois voltaremos a discuti-las no final da aula.

TEMA 1 – O SURGIMENTO DO MERCADO, DE ACORDO COM MARX

Você já parou para pensar como surgiu a ideia de trocar um produto por
uma quantidade x de dinheiro? Para nós, é tão normal ir à padaria da esquina e
comprar nosso pão de manhã; nessa compra, trocamos um real por, digamos,
três pãezinhos. Procedemos dessa forma em todas as nossas compras;
podemos trocar quase tudo por uma quantidade x de dinheiro. Como surgiu essa
relação de troca mediada pelo dinheiro que chamamos de mercado? O sociólogo
Karl Marx (1975) analisou o surgimento do mercado. Vamos acompanhar sua
argumentação.
Imagine que houve um tempo em que as pessoas produziam tudo o que
precisavam para sobreviver: comida, roupa, casa. Para produzir o que
necessitavam, os homens e as mulheres modificavam a natureza. Por exemplo,
para fabricar o pão, é necessário plantar o trigo, fazer a farinha, tirar o leite da
vaca, criar galinhas e colher-lhes os ovos, fabricar um forno; ou seja, o pãozinho
é o resultado de todo um processo que envolve diversos tipos de trabalho. Por
meio desse raciocínio, Marx (1975) afirma que o trabalho humano é a base de
todas as mercadorias produzidas.
Com o tempo, os homens perceberam que, se reunindo e dividindo as
tarefas, conseguiam produzir mais e melhor. Dessa forma, o homem, um animal
social, desenvolve tanto a cooperação como a divisão do trabalho. Com a divisão
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do trabalho, cada um na comunidade poderia produzir um tipo de produto e trocá-
lo por outro produzido por outro membro da comunidade. Com isso, os homens
e mulheres reunidos produziam tudo do que necessitavam para viver. No início,
tanto a produção como a troca tinham como finalidade apenas a manutenção do
produtor e de sua comunidade.
Com o tempo, os homens e as mulheres dominaram e aprimoraram as
técnicas de produção, o que lhes permitiu produzir um excedente. A produção
de mais produtos do que o necessário para se manter e a divisão do trabalho
tornam possíveis as trocas.
O produto do trabalho humano se torna uma mercadoria ao ser destinado
à troca em um mercado. Toda mercadoria tem um valor de uso – o valor de uso
do pão é realizado quando comemos o pão; o valor de uso de um casaco é
realizado quando o vestimos para nos aquecer. Todavia, uma mercadoria tem
também um valor de troca. Marx (1975) se pergunta como é possível medir o
valor de troca de mercadorias distintas. Por exemplo, como vamos saber por
quantos pãezinhos trocamos o casaco que produzimos?
Marx (1975) chega à conclusão de que, em comum, todas as mercadorias
são fruto do trabalho humano. Seu valor de troca pode ser determinado pela
quantidade de trabalho humano abstrato necessário para produzir determinada
mercadoria. Com o desenvolvimento da troca, surgem o mercado e o dinheiro.
A produção passa a ser destinada à troca e o objetivo da produção se torna a
acumulação de capital. O historiador inglês Eric Hobsbawm resume esse
raciocínio de Marx:

De um lado, as relações que os homens estabelecem entre si, como


resultado da especialização do trabalho – especialmente a troca- se
tornam cada vez mais claras e sofisticadas, até que a invenção do
dinheiro, e com ele, da produção de mercadorias e da troca,
proporciona uma base para procedimentos anteriormente
inimagináveis, inclusive a acumulação de capital. (Hobsbawm, 1985, p.
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No entanto, Marx (1975) aponta contradições que surgem do


desenvolvimento do mercado. Quando a mercadoria assume um valor, expresso
em uma quantidade x de dinheiro, esse valor disfarça a igualdade dos trabalhos
humanos que produzem todas as mercadorias. Nas palavras de Marx:

A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma da


igualdade dos produtos do trabalho como valores; a medida, por meio
da duração do dispêndio da força humana de trabalho toma a forma de
quantidade de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações

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entre os produtores, nas quais se afirma o caráter social dos seus
trabalhos, assumem a forma de relação social entre os produtos do
trabalho. (Marx, 1975, p. 80)

O próprio trabalhador que produziu uma mercadoria determinada não a


reconhece como produto do seu trabalho. Isso leva as pessoas a adorarem as
mercadorias. Você já ficou namorando um sapato na vitrine da loja ou já sonhou
com o último modelo de celular? Marx (1975) chama essa adoração das
mercadorias de fetichismo da mercadoria. A origem desse fetichismo da
mercadoria é a dissimulação de sua natureza como produto do trabalho humano.
Marx (1975) relembra que tudo foi produzido pelos trabalhadores, mas, ao se
apresentarem as mercadorias no mercado, o trabalho de quem a produziu não
é ressaltado.
Marx (1975) conclui que a adoração das mercadorias no capitalismo
oculta o caráter social dos trabalhos que as produzem. A relação entre trabalhos
humanos distintos assume a forma de uma relação entre coisas no mercado,
onde se trocam as mercadorias. No mercado, também se trocam forças de
trabalho; assim, o trabalho vira também uma mercadoria.
Marx e Engels (1998) afirma que as relações de produção de mercadorias
e as trocas destas são históricas, caracterizando um modo de produção, o modo
capitalista, e formam a base da sociedade capitalista.

1.1 O modo de produção capitalista

Marx se dedicou à análise do modo de produção capitalista durante as


últimas décadas de sua vida, em um estudo que foi sistematizado em sua obra
O capital, em que Marx e Engels identificam diversas formas como os indivíduos
se organizam para produzir e repartir os bens produzidos e, com base nessas
relações, os homens constroem outras relações sociais. Vamos pensar com
Marx (1975, 2014, 2017) essa relação.
No modo de produção capitalista, o trabalhador não é dono dos meios de
produção. Por exemplo, o operário de uma montadora de automóveis não é o
dono do prédio onde fica a montadora, nem das peças necessárias para montar
o carro. A única coisa que pertence ao operário é a sua força de trabalho. Para
sobreviver, ele vende sua força de trabalho ao dono da montadora. O dono da
montadora detém os meios para produzir carros, mas não é ele quem trabalha
para produzir os carros. Para realizar este trabalho, ele contrata operários. Nessa
relação, temos duas classes sociais que surgiram com o capitalismo: de um lado,
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os proletários, que vendem sua força de trabalho em troca de um salário; de
outro lado, os capitalistas, que controlam os meios de produção. Marx e Engels
(1998) destacam que proletários e capitalistas perseguem objetivos opostos: o
proletário precisa e quer aumentar seu salário para viver melhor; o capitalista
quer reduzir seus custos para aumentar seu lucro. Capitalistas e trabalhadores
são as duas classes sociais antagônicas, no modo de produção capitalista.
O trabalhador vende sua força de trabalho por um salário. Embora essa
relação apareça como uma troca entre equivalentes, Marx (1975) demonstra que
ela é desigual e distingue o tempo de trabalho necessário do tempo de trabalho
excedente. O tempo de trabalho necessário é aquele em que o trabalhador
produz valor equivalente ao que lhe é pago na forma de salário. O tempo de
trabalho excedente é aquele em que o valor produzido pelo trabalhador fica para
o capitalista. O tempo de trabalho excedente é o que Marx (1975) chama de
mais-valia. O lucro, na produção capitalista, segundo Marx (1975), vem da mais-
valia. Essa relação de produção no capitalismo é de duas classes sociais
antagônicas: trabalhadores e capitalistas. Marx e Engels (1998) analisam a
relação assimétrica entre as classes sociais e a luta de classes.
A análise de Marx sobre o capitalismo é complexa e extensa – só O capital
conta com três volumes (Marx, 1975, 2014, 2017)! A parte que nos interessa
nesta aula é a que aborda uma visão sociológica do mercado, em que vemos
que a análise marxista busca ir além das aparências das trocas e demonstra que
é o trabalho que gera valor, mas esse elemento é ocultado nas trocas (Marx,
1975).

TEMA 2 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO

O método que Marx (citado por Quintaneiro; Oliveira, 2015) utiliza para
estudar a vida social é o materialismo histórico. Chama-se materialismo pois a
base do método são as relações materiais que os homens estabelecem e o modo
como produzem seus meios de vida. De acordo com Marx, as relações concretas
entre os indivíduos para produzir e assim reproduzir sua existência formam a
base de todas as relações sociais; o que os indivíduos são reflete aquilo que
produzem e como produzem – ou seja, suas condições materiais de produção.
Assim, para compreender determinada sociedade, é preciso estudar sua base
material.

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Todavia, Marx (citado por Hobsbawm, 1985) observa que a forma como
os homens produzem muda ao longo do tempo. As relações de produção dentro
de uma fábrica na Inglaterra, em meados do século XIX, diferem das relações
de produção em um feudo na França, no século XII, assim como das relações
de produção na Roma do século V. Marx chama de modo de produção o conjunto
de relações de produção em determinada configuração histórica: os exemplos
citados são exemplos, respectivamente, do modo de produção capitalista, do
modo de produção feudal e do modo de produção antigo.
Essa perspectiva histórica põe em evidência as mudanças sociais ao
longo do tempo. É por isso que o método de Marx é o materialismo histórico,
pois ele busca captar o movimento dos fenômenos com base nas
transformações das formas como os indivíduos se organizam para produzir e
distribuir o produto do seu trabalho. Marx e Engels (1998) ressaltam que a forma
atual de determinado fenômeno é apenas uma configuração transitória.

2.1 As bases do materialismo histórico

Marx foi influenciado pelas ideais de um filosofo alemão muito respeitado


na sua época: Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel (citado por Quintaneiro;
Oliveira, 2015) retoma a dialética dos filósofos gregos antigos e aplica a essa
dialética a ideia de que a realidade histórica se desenvolve como manifestação
da razão em um movimento contínuo de conflito/contradição e superação. A ótica
dialética busca apontar as contradições constitutivas da vida social que resultam
na negação e superação de determinada ordem. Marx retoma a dialética de
Hegel, mas, enquanto Hegel aplica seu método às ideias buscando a
manifestação da razão (Quintaneiro; Oliveira, 2015), Marx aplica a dialética ao
estudo das transformações históricas nas sociedades, com base nas relações
de produção. Marx escreve: “Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É
necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional
dentro do invólucro místico” (Marx, 1985, p. 176). Para Marx e Engels (2006), o
ponto de partida da história são os indivíduos e as relações que eles
estabelecem – e não o desenvolvimento do espírito, como pensa Hegel.
Marx e Engels (1998) afirmam os modos de produção como sendo
transitórios e históricos. Sua crítica aos economistas de seu tempo, em especial
a Adam Smith, deve-se ao fato de eles não reconhecerem a historicidade dos
fenômenos que se manifestam na sociedade capitalista. Marx demonstra que as
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relações de produção capitalista não são naturais no sentido de serem regidas
por leis da natureza, mas são transitórias, assim como foram as relações feudais.
Os processos ligados à produção, assim como as ideias, concepções, gostos,
crenças, categorias do conhecimento são todos transitórios. Eles foram gerados
socialmente, portanto dependem do modo como os homens se organizam para
produzir.

2.2 Vida e obra de Marx

Vimos algumas análises deste autor polêmico das ciências sociais: Karl
Heinrich Marx. Vamos conhecer um pouco mais de sua vida, com base em
Bottomore (2012)! Marx nasceu em 5 de maio de 1818 em Trier, uma cidade
alemã próximo da fronteira com Luxemburgo e França e morreu em Londres em
14 de março de 1883. Marx era de uma família da classe média judaico-alemã.
Seu pai era um advogado bem-sucedido. Marx foi batizado em uma igreja
protestante. Ele se casou com Jenny von Westphalen, filha de um barão de Trier.
Estudou Direito, História e Filosofia – primeiro na Universidade de Bonn e depois
na Universidade de Berlim, onde integrava um grupo de jovens hegelianos e teve
como professor Bruno Bauer. Em 1841, Marx defende sua tese de doutorado,
em que analisa os sistemas filosóficos de dois filósofos gregos – Demócrito e
Epicuro – sob a perspectiva hegeliana. Marx tentou a carreira acadêmica, mas
foi vetado pelo governo prussiano. Marx então se volta ao jornalismo: se muda
para Colônia, onde é diretor de um influente jornal, de linha liberal, apoiado pelos
industriais da região: a Gazeta Renana. Mas, os artigos de Marx levam o governo
a fechar o jornal e ele se muda para Paris, em 1843. Em Paris, ele entra em
contato com os socialistas franceses e se torna comunista. Nessa época,
escreve os Manuscritos econômico-filosóficos, que só foram publicados em 1930
(Marx, 2004).
Em Paris, Marx conhece Friedrich Engels, que com ele inicia uma amizade
e colaboração para o resto da vida. As primeiras obras que Marx e Engels
escrevem juntos são A sagrada família, em 1845, e A ideologia alemã, em 1845-
1946 (Marx; Engels, 2003, 2006). Marx é expulso de Paris em 1845, se muda
para a Bélgica e depois para Londres. Ele e Engels ingressam na Liga
Comunista, uma organização de trabalhadores alemães emigrados, sediada em
Londres. Na conferência da Liga Comunista de 1847, Marx e Engels são
incumbidos de escrever um manifesto sucinto das concepções da organização:
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o Manifesto comunista foi publicado em 1848, ano em que ocorre uma onda de
revoluções na Europa (Marx; Engels, 1998). Nesse ano, Marx participa do
movimento revolucionário na Alemanha, o jornal no qual escreve é proibido e
Marx busca asilo político em Londres, onde viveu o resto de sua vida.
Ao longo de sua vida, Marx se dedicou tanto à atividade acadêmica, cuja
teoria abrange a filosofia, a economia, a história; como à atividade jornalística e
editorial. Ele se engajou na luta política cedo, no movimento estudantil alemão,
e, ao longo de sua trajetória, participou de diversas manifestações políticas: o
movimento socialista, na França, a Liga Comunista, em Londres, a fundação da
Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1864. Ele também participou
da Comuna de Paris, em 1871, e da fundação do Partido Social-Democrata
Alemão, em 1875. Para Marx, a teoria e a práxis estavam intimamente ligadas:
“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de distintos modos, cabe
transformá-lo” (Marx; Engels citados por Quintaneiro; Oliveira, 2015, p. 30).
Marx não se definia como sociólogo – a sociologia se desenvolveu na
condição de disciplina acadêmica somente na virada do século XIX para o XX;
mas suas análises do fator econômico na sociedade e das classes sociais
influenciaram enormemente a sociologia.
Principais obras de Marx:

 A ideologia alemã (1846) (Marx; Engels, 2006);


 Manifesto comunista (1848) (Marx; Engels, 1998);
 O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852) (Marx, 2011);
 Para a crítica da economia política (1859) (Marx, 2010);
 O capital volumes 1 (1867), 2 (1885) e 3 (1894) (Marx, 1975, 2014, 2017).

TEMA 3 – A CULTURA COMO MERCADORIA

Podemos dizer que, hoje, com o desenvolvimento do capitalismo, tudo se


transformou em mercadoria ou há coisas que não podemos comprar? Na década
de 1930, o sociólogo e filosofo alemão Theodor Adorno (2008) se espantou ao
constatar que a cultura se tornara uma mercadoria: os filmes, as músicas, as
fotografias, as peças de teatro se transformaram em produtos culturais
destinados ao consumo em massa. Surgia naquela época o que chamamos de
cultura de massa. Para produzir bens culturais massificados, a lógica da
produção capitalista passou a ser aplicada à criação de bens culturais: com

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padronização e racionalização das técnicas de promoção e distribuição de
filmes, músicas, quadros.
A crítica de Adorno ao que ele chama de indústria cultural é que os
produtos culturais transformados em mercadorias foram feitos para serem
consumidos e não para estimularem a crítica e a reflexão (Bottomore, 2012). A
indústria cultural busca criar diversões e distrações, proporcionando uma fuga
momentânea dos problemas quotidianos. As análises de Adorno (2008) dos
programas de televisão, da música popular e da astrologia mostram que estes
reproduzem e reforçam a estrutura do mundo. Os produtos da indústria cultural
não levam à reflexão, muito menos ao questionamento e à crítica do mundo
social.

3.1 A escola de Frankfurt

Adorno é membro de um grupo de cientistas sociais chamado de escola


de Frankfurt. Esses cientistas sociais trabalhavam no Instituto de Pesquisa
Social, criado na cidade alemã de Frankfurt em 1923. Seguindo uma perspectiva
marxista, suas análises realizaram uma crítica de todas as formas de dominação.
Os principais pensadores sociais da escola de Frankfurt foram Max Horkheimer,
Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin. Os pesquisadores da
escola de Frankfurt foram exilados da Alemanha durante o nazismo e se
instalaram nos Estados Unidos em 1943. Os seus trabalhos também são
conhecidos como teoria crítica, pois buscaram libertar a análise de sistemas
fechados de pensamento, combater a tradição e se interessaram pelos conflitos
e contradições sociais e pela maneira pela qual a realidade é sistematicamente
distorcida, o que acaba por reproduzir sistemas de dominação (Bottomore,
2012).
Ao longo do século XX e início do século XXI, o processo de
mercantilização da cultura se aprofundou. Outras transformações contribuíram
também para difundir os produtos culturais, a internet, principalmente. Você
pensa que as reflexões de Adorno continuam atuais? Você já ligou a televisão
apenas para não pensar em nada ou já assistiu a um filme só para esquecer do
dia pesado e dar risada?

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TEMA 4 – O MERCADO NA ABORDAGEM DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Assim como acontece com a cultura, o avanço do capitalismo transforma


muitas coisas em mercadorias. Você, que está fazendo faculdade, já deve estar
atento a um mercado muito importante: o mercado de trabalho. Nele, a troca
entre salários e trabalho não é regulada apenas pela lei da oferta e da demanda:
seu networking pode contar muito na hora de conseguir um emprego, assim
como o salário pode não ser o fator decisivo para você escolher determinada
proposta de trabalho. Diversos tipos de mercadoria constituem diversos
mercados: desde as transações milionárias do mercado financeiro à feira
semanal de frutas e legumes do bairro, todos são baseados em relações de
troca. A sociologia econômica se interessou pela forma como as pessoas
realizam trocas em diversos contextos e pelas lógicas que guiam essas trocas.
Quando você vai escolher um restaurante para comemorar uma data
especial, você pergunta para seus amigos ou colegas se eles conhecem um
lugar bacana? Claro que o preço é um fator importante e você sabe o quanto
pode gastar com essa ida ao restaurante. No entanto, na mesma faixa de preço
há várias opções e nem sempre sua escolha depende apenas do preço. As
indicações dos amigos, por exemplo, podem pesar na sua escolha. A influência
da rede de relações interpessoais nas trocas é um fator relevante que foi
estudado pelo sociólogo americano Mark Granovetter (citado por Steiner, 2012).
Ele estudou como se constituem as nossas redes de relações interpessoais e a
influência destas nas nossas relações de troca.
O sociólogo francês Phillipe Steiner (2012), no seu artigo Mercado,
transação e laços sociais: a abordagem da sociologia econômica, apresenta os
estudos da nova sociologia econômica que buscam compreender as diferentes
relações sociais de troca. De acordo com Steiner (2012), a sociologia econômica
estuda o que se passa nas trocas em que as condições formais do mercado, de
qualidade do produto e de previsibilidade da troca não são preenchidas. Nesses
casos, outras relações sociais são necessárias para se garantir a troca. Por
exemplo, há mercados especiais, como o mercado de trabalho e o mercado
financeiro. Nestes, as condições ideais não estão presentes e as esperas e as
ações individuais são diferentes das pressupostas pela teoria econômica do
mercado. Estudos sobre o mercado financeiro mostraram que a incerteza é parte

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desse mercado, mas que crenças sobre esse mercado se desenvolvem e podem
gerar equilíbrios quando convergem entre si.
As relações sociais de troca também se transformaram, com novos
serviços e tecnologias. Frank Cochoy (citado por Steiner, 2012) analisa outra
variável nas relações de troca: o comportamento do consumidor. O consumidor
julga a qualidade dos produtos para então escolher qual deles comprar. Como é
construído esse julgamento? De quais informações os consumidores dispõem,
sobre os produtos ofertados? Com a internet, o acesso à informação e a
possibilidade de comparar produtos e ofertas aumentaram exponencialmente.
As novas tecnologias e o serviço de pós-venda também transformaram as
relações de troca:

As transformações da relação comercial, sobretudo a imbricação do


produto com o serviço pós-venda, e as tecnologias de
acompanhamento e de mapeamento dos consumidores permitem às
organizações comerciais manter todo um conjunto de laços com seus
clientes. Esses dispositivos comerciais, evidentemente, fazem parte
das relações sociais de nossas sociedades modernas, mas deve-se
acrescentar a isso que as relações são instauradas pela lógica
comercial de organizações que procuram por meio disso aumentar
suas fatias de mercado e, se possível, aumentar seus ganhos. O laço
social não está ausente, mas ele é assimétrico no sentido em que
James Coleman (1984) marcou a diferença entre os indivíduos e as
pessoas morais ou as organizações. Estas últimas dominam os
indivíduos que não têm, em caso de problemas com as organizações,
outro recurso senão o direito (e assim se retorna a Testart) ou as
relações interpessoais que entram no quadro do que Coleman chamou
de “capital social” (Coleman, 1990). (Steiner, 2012, p. 115)

A sociologia econômica demonstrou que as relações sociais de troca são


relações sociais e se transformam com novos dispositivos e tecnologias.

4.1 A construção social do mercado

Os estudos da sociologia econômica dos mercados alargaram a definição


de mercado. Neles o mercado não é pensado apenas como coordenado pelos
preços; preço é um elemento do mercado cujo papel deve ser explicado por
referência a outros elementos – como as redes de relações interpessoais, os
dispositivos de confiança, os atores que fixam os preços. A sociologia econômica
mostra que os mercados não são abstratos, neutros, regulados pela oferta e
demanda, mas construídos socialmente. As diferentes formas de mercado, as
razões da evolução dos mercados, as regras e os dispositivos que permitem aos
mercados funcionarem são objeto de estudo da sociologia econômica.

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TEMA 5 – O MERCADO NA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Ao comprar um produto, você sempre busca o mais barato ou tem vezes


que você escolhe um produto um pouco mais caro, mas que é orgânico ou que
foi produzido por uma cooperativa? Quando você pesquisa os preços e escolhe
o mais barato, você está seguindo o princípio do mercado. Esse mesmo princípio
se aplica à produção das mercadorias: quando uma empresa fabrica bens
seguindo o princípio do mercado, busca maximizar seus lucros. Todavia, outras
relações de troca se desenvolveram, no próprio capitalismo. As cooperativas são
um exemplo de produção e troca que seguem um princípio de redistribuição. Já
a economia solidária que vem se desenvolvendo nos últimos anos busca aplicar
o princípio da reciprocidade nas relações de troca.
O sociólogo húngaro Karl Polanyi (1886-1964) descreveu o surgimento e
o desenvolvimento desses três princípios que guiam as relações de trocas: o
princípio do mercado, da redistribuição e da reciprocidade. Esses princípios
regem tanto as relações de produção como o comportamento do consumidor
(Polanyi citado por Nunes; Silva, 2011). Podemos acompanhar os princípios de
comportamento de Polanyi sistematizados por Nunes e Silva (2011) no artigo
Rumo a um novo mercado: uma abordagem sociológica do comércio justo e
solidário.

5.1 Princípios heterogêneos nas relações de troca

O mercado pressupõe a concorrência entre diversos produtores. A


liberdade para produzir e a igualdade, ao menos em tese, para participar do
mercado, são condições para haver trocas reguladas pela oferta e pela
demanda. As relações que se desenvolvem segundo o princípio do mercado
acabaram com os laços sociais tradicionais e relações baseadas em interesses
individuais caracterizam o mercado. Polanyi (citado por Nunes; Silva, 2011)
destaca que o princípio do mercado se expande para outras esferas, não apenas
a econômica, gerando o que ele chama de sociedade de mercado. Todavia, a
concorrência entre indivíduos não fornece estabilidade social, pois nem todos
conseguem participar do mercado. As trocas geram desigualdades e exclusão
social.
As desigualdades e a exclusão social estão na base das lutas por direitos
trabalhistas no século XIX. Os sindicatos e as instituições de seguridade social

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surgiram a partir dessas lutas, questionando o princípio do mercado. Eles
seguem o princípio da redistribuição. Para se ter redistribuição, é preciso certa
centralização dos recursos. Polanyi ressalta as consequências positivas e
negativas disso:

Este princípio [da redistribuição] está baseado na centralidade de um


poder que vai se encarregar de pegar parte ou toda a produção e
distribuí-la segundo os critérios vigentes nesse grupo. A autoridade
responsável pela redistribuição, ou seja, que vai receber e repartir parte
da produção, pode fazê-lo a partir de modelos despóticos ou
democráticos, mas diversas vezes vai utilizar essa autoridade para
manter ou ampliar seu poder dentro do grupo (Polanyi, 2000). (Nunes;
Silva, 2011, p. 71)

Todavia, há trocas que buscam resgatar os laços sociais entre as


pessoas: essas são baseadas no princípio da reciprocidade. Esse princípio ficou
conhecido pelos estudos do antropólogo francês Marcel Mauss sobre as trocas
em sociedade primitivas, que Mauss (2008) chamou de dádiva. Na dádiva, as
trocas compreendem três ações: dar, receber e retribuir. A pessoa que dá não
espera nada em troca. A pessoa que recebe é livre para receber ou não, retribuir
ou não. Ao escolher retribuir a dádiva, a pessoa reforça o laço de solidariedade
entre ela e a pessoa que lhe ofereceu a dádiva. Não somente ela retribui, como
retribui mais do que recebeu. A pessoa que recebeu a retribuição fica endividada
positivamente e assim segue esse ciclo de trocas que gera laços de
solidariedade.
A análise da dádiva realizada por Mauss (2008) e a teoria de Polanyi
(citado por Nunes; Silva, 2011) inspiraram o surgimento do Movimento
Antiutilitarista das Ciências Sociais (Mauss, sigla para Mouvement Anti-
Utilitariste des Sciences Sociales e sobrenome do teórico Marcel Mauss). O
Mauss estuda casos em que o princípio da reciprocidade atua no mercado. Uma
dessas situações é a economia solidária, que muito se desenvolve nos últimos
anos. Vamos ver como o princípio da reciprocidade nos ajuda a compreender as
trocas realizadas na economia solidária.

5.2 As relações de troca na economia solidária

No Brasil, as trocas realizadas por grupos de indivíduos que se organizam


de forma associativa para produzir, cambiar serviços ou mesmo constituir fundos
para microfinanças locais ou utilizar coletivamente bens ou espaços de produção
ganharam visibilidade a partir da redemocratização do país. Na década de 1990,

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intelectuais e representantes de movimentos sociais começaram a utilizar o
termo economia solidária para designar essas iniciativas econômicas populares
baseadas no trabalho coletivo e na autogestão (Silva; Carneiro, 2016).
Os indivíduos que participam da economia solidária compartilham de
valores sobre o que é justo. Relações de confiança se estabelecem entre
produtores e consumidores e o sentimento é de contribuir para a construção de
um mundo mais justo. O princípio da redistribuição da economia solidária está
aliado às ações de um sujeito crítico, consciente e reflexivo (Nunes; Silva, 2011).

TROCANDO IDEIAS

Na escolha de quais serviços ou produtos você lança mão de sua rede de


contatos para lhe ajudar a escolher? Sites como TripAdvisor [S.d.] e redes
sociais de influenciadores do Instagram [S.d.] influem em suas escolhas
também? Você acha que esses sites ampliam sua rede de contatos?

NA PRÁTICA

Leia uma matéria sobre uma cooperativa de catadores, publicada no site


do Instituto Pólis (2016) e assista ao vídeo disponível na página:
<http://polis.org.br/noticias/cooperativa-de-catadores-e-exemplo-em-economia-
solidaria/>.

Cooperativa de catadores é exemplo em economia solidária


Economia solidária é um conceito baseado na organização da vida
social e econômica a partir da autogestão. Mulheres são a vanguarda
dessa prática que dá espaço, principalmente, aos mais excluídos do
capitalismo. A essência dessa economia é a democracia, na qual
prevalece a produção e a renda coletiva.
A União Europeia coordenou uma pesquisa de mapeamento de boas
práticas relacionadas a economia solidária ao longo de todo o mundo.
Essa pesquisa apresentou como um exemplo brasileiro a Coopamare,
uma das cooperativas pioneiras de catadores de materiais recicláveis
no país. A coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto
Pólis, Elisabeth Grimberg, participou do vídeo para explicar como
funciona a economia solidária dentro das cooperativas e a integração
delas com outros serviços de manejo dos resíduos sólidos. (Instituto
Pólis, 2016)

Conforme o trecho citado (Instituto Pólis, 2016), o princípio da


reciprocidade rege as relações de produção e de troca na Coopamare. Na
empresa em que você trabalha, qual princípio rege as relações de produção e
de troca? É possível aplicar o princípio da reciprocidade na sua empresa? Quais

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mudanças seriam necessárias para as trocas serem baseadas no princípio da
reciprocidade?

FINALIZANDO

Chegamos ao final de nossa aula sobre sociedade e mercado. Estudamos


como a sociologia alarga a definição de mercado para além das trocas reguladas
pela oferta e pela demanda. Vimos como Marx (1975) relembra que a base de
toda produção é o trabalho humano. Todavia, Marx (1975) observa que, com o
desenvolvimento do mercado, o trabalhador é ocultado e a mercadoria é
exaltada. Isso contribui para aprofundar a separação do trabalhador do produto
do seu trabalho.
O avanço do capitalismo transforma tudo em mercadoria, o que Adorno
(2008) exemplificou ao mostrar como a cultura se tornou uma mercadoria que
segue as regras da produção capitalista.
Além da perspectiva marxista, a sociologia econômica mostra como os
mercados são influenciados pelo contexto social: as redes interpessoais e as
novas tecnologias e serviços modificam os mercados e as ações das pessoas
neles. Os princípios que regem as relações de troca não seguem apenas uma
lógica instrumental; a redistribuição e a reciprocidade podem igualmente se
fazerem presentes.
Retomando nossa problematização sobre as diversas relações de trocas
e mercados das quais participamos, vimos que eles são heterogêneos. Na feira
de frutas e legumes, nas compras em um hipermercado, na compra de roupa
numa loja de departamento ou da cooperativa de costureiras, na contratação de
uma babá ou na escolha de um dentista, participamos de diversos mercados,
todos os dias. O mercado de frutas e legumes, o mercado de trabalho, o mercado
financeiro e o mercado solidário estão presentes nas nossas trocas.
Dependendo do contexto, empregamos princípios diferentes para guiar nossas
ações. A contribuição da sociologia é de mostrar essa complexidade das
relações de trocas e que mercados baseados na simetria, solidariedade e
respeito ao trabalhador e ao meio ambiente são possíveis.

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REFERÊNCIAS

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