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Marcos 1:1-11

Título do Livro

O princípioi do evangelhoii de Jesus Cristo,iii o Filho de Deusiv

Apresentação de João Batista


(Mateus 3:1-6; Lucas 3:1-6)

Conforme está escrito em Isaías,v o profetavi: “Eis quevii estou enviandoviii à tua frente o meu
mensageiroix; que preparará o teu caminho.x A voz daquele que clama no desertoxi [diz]xii:
‘Preparem o caminho para o Senhorxiii, endireitem os caminhos para Ele.xiv’”

No deserto,xv João Batistaxvi começou a pregarxvii o batismo de arrependimento para o perdão


dos pecados. Saiamxviii ao seu encontroxix pessoas de toda a região da Judéia,xx incluindoxxi todos
os habitantes de Jerusalém. Todos eram batizados por Joãoxxii no rio Jordão, à medida que
confessavam seus pecadosxxiii. João costumava vestirxxiv roupas feitas de pelos de camelo e um
cinto de couro, e costumava comerxxv gafanhotos e mel silvestre.

A Mensagem de João Batista


(Mateus 3:11-12; Lucas 3:15-18)

E ele recorrentemente proclamava essa mensagemxxvi: “Depois de mim vem Aquele que é mais
poderosoxxvii do que eu.xxviii Eu não sou digno nemxxix de abaixar e desamarrar a correia de sua
sandália. Eu mesmoxxx os batizeixxxi na águaxxxii, mas Ele os batizará no Espírito Santoxxxiii”.

O Batismo de Jesus
(Mateus 3:13-17; Lucas 3:21-22)

E aconteceu que naqueles dias,xxxiv Jesus veio de Nazaré da Galiléia e foi batizado no rio
Jordãoxxxv por João. Assim que saiu da águaxxxvi, Jesus viu os céus sendo abertos por Deusxxxvii, e o
Espírito descendo como uma pombaxxxviii sobre Ele. Então veio dos céus uma vozxxxix: “Tu és o
meu Filhoxl amadoxli; em Ti me deleitoxlii”.

NOTAS TEXTUAIS

i
O texto grego não traz artigo aqui, como se esperaria no título de um livro. O termo grego Ἀρχὴ é carregado de
significado e eventualmente é associado a LXXGen 1:1 e João 1:1. Do ponto de vista léxico, (a) o termo poderia ser
referência temporal, descrevendo assim o início da história de Jesus; (b) além disso, poderia ser uma referência
doutrinária, descrevendo o fundamento (ou a fonte) do ensino de Cristo.

ii
A expressão τοῦ εὐαγγελίου inicia uma sequência de três expressões genitivas. O termo εὐαγγελίου aqui poderia
ser uma referência abrangente à uma notícia favorável (cf. NVT), mas no NT o termo é frequentemente usado de
modo técnico em referência à mensagem de salvação por meio de Cristo (cf. Mc 1:14-15; 8:35; 10:29; 13:10; 14:9).
Entre os evangelistas, somente Marcos usa o termo de modo absoluto (cf. 1:15; 8:35; 10:29; 13:10; 14:9).

iii
A expressão genitiva Ἰησοῦ Χριστοῦ poderia ser traduzida de três modos: (a) Gen. Subjetivo: a mensagem (ou boa
nova) que Jesus anuncia; (b) Gen. Objetivo: o evangelho a respeito de Jesus; (c) Gen. Plenário (?): A mensagem que
Jesus proclama é a respeito de si mesmo. Das três opções, a mais comum entre as traduções seria (b), muito
embora (a) fosse também possível. A opção (c) é sem sombra de dúvidas a mais improvável. Em nossa tradução
optamos por manter a ambiguidade proposta pelo autor, deixando para o leitor a tarefa de interpretar o texto. O
termo Χριστὀς é usado por Marcos 7x (8:29; 9:41; 12:35; 13:21; 14:61; 15:32), sendo que apenas aqui em em 9:41 o
termo é anartro. Ao que parece, Marcos claramente ensina que Jesus é o Messias, o ungido de Deus.

iv
A expressão υἱοῦ θεοῦ, embora ausente em alguns manuscritos (‫ א‬Θ 28. l 2211 samss ), é encontrada em todos os
unciais do Envagelho de Marcos. Digno de nota é que seria altamente improvável que um escriba removesse
intencionalmente tal expressão, considerando que a mesma é claramente um título Cristológico ortodoxo e
importante para a igreja primitiva. Por outro lado, não seria improvável que um escriba a inserisse considerando que
no Evangelho de Marcos o conceito da divina filiação de Cristo é uma parte importante da apresentação de Jesus
(1:11; 3:11; 5:7; 9:7; 11:61-62; 15:35). Considerando isso, alguns comentaristas (e provavelmente parte do comitê
da UBS5) entendem que tal expressão teria sido adicionada posteriormente. Vale ainda mencionar, que uma
omissão não intencional é também muito provável aqui. Em mss unciais a apresentação de Cristo nesse evangelho
seria retratada do seguinte modo: ⲓⲩ̅ ⲭ̅ⲣ̅ⲩ̅ ⲩ̅ⲩ̅ ⲑ̅ⲩ̅ (ⲓⲩ̅ = Ἰησοῦ; ⲭ̅ⲣ̅ⲩ̅ = Χριστοῦ; ⲩ̅ⲩ̅ = υἱοῦ; ⲑ̅ⲩ̅ = θεοῦ). Em uma
sequência de nominum sacrum no genitivo com repetidos usos de upsolon não era improvável que o último fosse
acidentalmente esquecido. Por isso, consideramos essa expressão como autêntica ao texto de Marcos.

v
A expressão ἐν τῷ Ἠσαΐᾳ [no Isaías] é uma metonímia e deveria ser entendida como “no livro escrito por Isaías”. Na
tradução optamos por manter a figura de linguagem escolhida pelo autor. Além disso, tal expressão é também
disputada na tradição manuscrita, sendo que a grande maioria de manuscritos trazem ἐν τοῖς προφήταις [nos
profetas] (A K P W Γ ƒ13 28. 579. 1424. 2542 𝔪 vgms syh (bomss); Irlatv). A leitura que usamos em nossa tradução é
atestada em alguns manuscritos (‫ א‬B L Δ 33. 565. 892. 1241 syp.hmg co; Orptv), mas uma vez que o texto citado (vv.2-
3) é na verdade uma conflação de Exo 23:20, Mal 3:1 e Isa 40:3, comentaristas sugerem que a leitura conhecida na
maioria dos manuscritos é uma tentativa de melhorar o texto por excluir a aparente contradição do texto aqui.
Entretanto, em nossa tradução mantemos a ambiguidade apresentada no texto.

vi
A expressão τῷ προφήτῃ aparece no texto grego em aposição à τῷ Ἠσαΐᾳ, e por isso foi traduzida do mesmo
modo. Deve-se dizer, entretanto, que a expressão conjunta ἐν τῷ Ἠσαΐᾳ τῷ προφήτῃ pode ser entendida como “na
profecia de Isaías” (cf. ARA).

vii
As antigas versões em português costumavam traduzir a expressão grega ἰδοὺ com a expressão “eis que”. O
termo descreve um sentimento de surpresa no texto, e é usado 7x em todo o Evangelho de Marcos. Traduções mais
recentes optaram por não traduzir o termo, uma vez que o entendimento do texto não é afetado por sua ausência,
e que atualmente não costuma-se empregar tal expressão. Entretanto, tal expressão foi aqui mantida na tentativa
de recapturar o elemento de surpresa proposto pela interjeição grega.

viii
Comumente verbo ἀποστέλλω é traduzido ou no passado (ARA, eis que envio; NVT envio), e eventualmente no
futuro (NVI enviarei). Em nossa tradução optamos pelo presente, respeitando a escolha do autor e aproveitando o
ambiente de apresentação de João Batista para descrever o texto de modo progressivo. Sendo assim, o verbo
descreve o processo de apresentação, algo que está a acontecer na narrativa. Tal tradução convida o leitor a
participar da estória apresentada pelo autor, como se o enredo e os eventos se desenrolassem diante dele durante
a leitura.

ix
O texto grego da primeira parte da descrição da profecia de Isaías de acordo com Marcos, é quase ipsis literis
derivada de LXXGen 23:20, observe: ἰδοὺ ἐγὼ ἀποστέλλω τὸν ἄγγελόν μου πρὸ προσώπου σου (Eis que eu estou
enviando o meu mensageiro diante de ti) (cf. Mc 1:2: ἰδοὺ ἀποστέλλω τὸν ἄγγελόν μου πρὸ προσώπου σου).
x
O texto grego da segunda parte da descrição da profecia de Isaías de acordo com Marcos é de certo modo similar a
LXXMal 3:1: ἰδοὺ ἐγὼ ἐξαποστέλλω τὸν ἄγγελόν μου, καὶ ἐπιβλέψεται ὁδὸν πρὸ προσώπου μου (Eis que estou
enviando meu mensageiro, e ele observará cuidadosamente o caminho a minha frente). Contextualmente, em
Malaquias, o mensageiro que prepara o caminho é Elias (Ml 3:23; 4:5). De acordo com Marcos, é João Batista que
funciona como o mensageiro (vv.4-8) e que representa a Elias como uma figura pre-messiânica (9:11-13).Tomada
como um todo, o texto de Marcos é também similar à profecia de Mal 3:1. Observe, porém, que Malaquias coloca a
ênfase na preparação do caminho para Deus, ao passo que Marcos faz referência a Cristo ao trocar os pronomes da
primeira pessoa (μου) para segunda pessoa (σου). A conflação desses versos aqui é vista em outros lugares na
literatura judaica (cf. Exod. Rab. 32.9; Deut. Rab. 11.9) e de modo interessante, parece parte da tradição escrita de Q
(cf. Mat 11:10//Lc 7:27), que adiciona a expressão “diante de ti”, ausente em Malaquias e Marcos. Ao que parece,
tal composição era conhecida na proclamação do evangelho na igreja primitiva.

xi
A expressão “voz daquele que clama” é a tradução de φωνὴ βοῶντος e apesar de originalmente anartra, seria
melhor traduzida com artigo, uma vez que a construção tem um particípio genitivo funcionando de modo
substantivo. Uma vez que a mensagem (da voz) é definida no contexto, espera-se com isso que aquele que clama,
seja também entendido de modo definido, como sugere o cânon de Apolônio Díscolo. A tradução “a voz de alguém
que clama no deserto”, seria, portanto, equivocada.

xii
O verbo dizer foi incluído aqui por clareza.

xiii
Ao que parece, Marcos atribui o título κυριὀς (Senhor) a Jesus Cristo a partir de uma citação que em Isaías faz
clara referência a YHWH. O texto massorético em Isa 40:3 traz o Tetragrama ‫( ְיהָוה‬ΥΗWH), as quatro letras que
formam o nome de Deus. De modo muito sutil Marcos demonstra no início do seu evangelho uma Cristologia alta.

xiv
O texto grego aqui de modo mais literal seria vertido “façam retos os caminhos dele”. A citação aqui é claramente
de Isaías 40:3 com um interessante retoque editorial, observe: “Ἑτοιμάσατε τὴν ὁδὸν κυρίου, εὐθείας ποιεῖτε τὰς
τρίβους τοῦ θεοῦ ἡμῶν” (Preparem o caminho do Senhor, façam retos os caminhos do nosso Deus). Tanto na LXX
como no texto massorético, o termo “Senhor” e a expressão “nosso Deus” fazem referência a YHWH. Ao que parece
Marcos intencionalmente altera o fim do verso de Isaías, cuja referência seria ao “nosso Deus”, e a substitui para
“Ele” em referência a Jesus Cristo. Em outras palavras, Marcos inicia seu evangelho demonstrando que a
messianidade de Jesus, bem como Sua filiação divina e divindade.

xv
Ao iniciar essa sentença com a tradução ἐν τῇ ἐρήμῳ (lit. no deserto) intentamos explicitar o jogo de palavras de
Marcos, cuja profecia fala de uma ação acontecendo no deserto.

xvi
O texto grego aqui é incerto: Ἰωάννης [ὁ] βαπτίζων. Caso o texto seja recebido com a presença do artigo, então a
expressão ὁ βαπτίζων funciona de modo substantivado em referência a João. Nesse caso a tradução seria, João o
Batista, ou João o Batizador, ou como comumente se conhece, João Batista (cf. 6:14, 24). Por outro lado, caso o
artigo não seja recebido, o particípio βαπτίζων seria tomado de modo adverbial modificando ἐγένετο. Nesse caso, a
tradução seria: “Veio João batizando no deserto”. Nossa tradução pressupõe a presença do artigo e, então, verte o
particípio de modo substantivo, em referência a João, de modo análogo ao uso marcano de Ἰωάννης βαπτιστής (cf.
6:25; 8:28).

xvii
Uma vez que o particípio βαπτίζων é tomado em referência a João, o verbo ἐγένετο é modificado apenas pelo
particípio κηρύσσων, sendo então identificado como um particípio complementar: “João Batista começou a pregar”.
Não é incomum Marcos iniciar novos parágrafos com ἐγένετο seguido de particípios de uso complementar (cf. 1:9;
2:23; 4:10; 6:14, etc).

xviii
Embora o sujeito desse verbo seja composto, πᾶσα ἡ Ἰουδαία χώρα καὶ οἱ Ἱεροσολυμῖται πάντες (lit. toda a
região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém), o verbo aqui é singular: ἐξεπορεύετο. Construções com
sujeitos compostos e verbos singulares n grego clássico são eventualmente chamadas de Construções Pindarísticas
em homenagem ao poeta grego Píndaro de Beozia que usava esse tipo de construção com certa frequência.
xix
No texto lê-se ἐξεπορεύετο πρὸς αὐτὸν (lit. saíam para ele). O sentido do texto, entretanto, é claro: Pessoas saíam
para encontra-lo. Esse verbo é eventualmente usado na LXX para descrever a atitude do povo em direção a Moisés
(cf. . Ex 13:4, 8; Dt 23:4[5]; Js 2:10).

xx
A expressão grega ἡ Ἰουδαία χώρα (lit. a região da Judéia) é aqui usada como uma metonímia para descrever os
habitantes que pertencem a essa região, afinal eram pessoas dessa região que ἐξεπορεύετο (lit. saía) ao encontro
de João, e não propriamente a região.

xxi
Como Jerusalém é uma província da Judéia, a conjunção grega καὶ foi traduzida de modo inclusivo (cf. 16:2).

xxii
O texto aqui traz ἐβαπτίζοντο ὑπ᾿ αὐτοῦ (lit. eles eram batizados por ele). Como a referência é claramente a João
Batista, o mesmo foi explicitado na tradução. O uso de ‘todos’ na tradução reflete o pleonasmo de Marcos sobre a
fama de João Batista (cf. pessoas de toda judeia, e todos habitantes de Jerusalém).

xxiii
O particípio ἐξομολογούμενοι (lit. confessando) foi aqui traduzido de modo temporal e anterior ao ato de batizar.
Algumas traduções para evidenciar a preeminência da confissão ao batismo, mudam a ordem da frase (cf. NVI,
NVT). A inclusão da expressão ‘à medida que’ visa demonstrar que (a) a confissão antecede o batismo e (b) que o
batismo era apenas oferecido aos arrependidos.

xxiv
A expressão grega ἦν ὁ Ἰωάννης ἐνδεδυμένος (lit. João era/estava vestindo-se) trata-se de uma construção
perifrástica, e aqui descreve algo recorrente. Daí a tradução “costumava vestir”.

xxv
O particípio ἐσθίων aqui também modifica de modo perifrástico o verbo principal ἦν posicionado no início da
frase. Portanto, a estrutura básica da sentença aqui seria: João costumava vestir [complementos] e comer
[complementos]. Desse modo, Marcos quer demonstrar o hábito de vestimentas de alguém descrito como um
profeta (quem sabe à semelhança de Elias; cf. 2Re 1:8). A dieta apresentada por Marcos aqui, também sugere
alguém de vida ascética, como alguém que tivesse feito o voto de nazireu (cf. Nm. 6: 2–21; Jz 13: 5–7; 16:17; Am
2:11–12).

xxvi
O verbo usado por Marcos aqui para descrever a ação de João Batista é ἐκήρυσσεν (imperfeito), e interpretado
como um imperfeito iterativo, ie. que descreve uma ação recorrente ou habitual. Essa não era uma mensagem que
ele proclamou uma vez, mas uma mensagem que estava proclamando. A inclusão do particípio λέγων aqui é
entendida como redundante, e como tal seria desnecessária na tradução. Na tradução, ao invés de utilizar um
segundo verbo que descreveria a ação de proclamar, nós optamos por um substantivo que descreve o ato da
proclamação: “proclamava esta mensagem”.

xxvii
A expressão “Aquele que é mais poderoso” traduz o particípio articulado ὁ ἰσχυρότερός. Tanto a NVI como a NVT
optam por uma tradução mais genérica ao sugerir “alguém mais poderoso”, ao passo que a ARA prefere verter a
expressão de modo mais definido, “aquele que é mais poderoso”. Em nossa tradução, além de optar por uma
tradução definida, nós optamos por explicitar a referência a Cristo colocando o termo em letra maiúscula. A opção é
claramente interpretativa, mas parece fazer jus à mensagem do texto.

xxviii
Na expressão ὁ ἰσχυρότερός μου o genitivo aqui é entendido como comparativo: Aquele que é mais poderoso
do que eu.

xxix
A inclusão de nem nesse contexto reflete nossa interpretação. Nos dias de Cristo, desamarrar a correia de uma
sandália era uma das tarefas mais servis e humilhantes de um escravo. Nesse caso, João Batista se entendia indigno
de tal tarefa diante da grandeza de Jesus.

xxx
Uma vez que verbos gregos não precisam de pronomes nominativos explícitos para fazerem sentido, o uso
deliberado e colocado no início da sentença sugere ênfase: ἐγὼ ἐβάπτισα ὑμᾶς (lit. eu vos batizei). Desse modo, o
termo mesmo foi colocado na tradução para enfatizar a pessoa de João, como intencionado no texto original.
xxxi
O verbo utilizado por Marcos aqui é ἐβάπτισα (aoristo), e poderia ser entendido de modo gnômico, e traduzido
no tempo presente: eu os batizo (cf. NVI, NVT). Outra opção, seria traduzir o termo como no passado em referência
a algo que acabou de acontecer: eu os batizei (nossa tradução). Nós optamos por essa tradução em função de
melhor capturar o movimento da cena apresentada por Marcos. A tradução “venho batizando” (ARA) não parece
refletir uma boa leitura da estrutura da sentença aqui.

xxxii
A expressão ἐβάπτισα ὑμᾶς ὕδατι é também conhecida pela inclusão da preposição ἐν antes de ὕδατι (cf. A (D) K
L P W Γ ƒ1.13 28. 565. 579. 700. 892c. 1241. 1424. 2542. l 844 𝔪 it). Tal inclusão, entretanto, é tardia e evidencia a
tendência dos escribas de clarificar o texto, como também aconteceu em Mat 3:11 e Jo 1:26. O dativo ὕδατι não
descreve o conteúdo do batismo, mas o local ou esfera do mesmo.

xxxiii
O contraste (δἐ) entre João e Aquele que vem depois dele é muito forte aqui: Os pronomes apontam para uma
mudança de agente ([ἐγὼ] eu vs. Ele [αὐτὸς]); os verbos apontam para mudança nos tempos ([ἐβάπτισα] batizei vs.
batizará [βαπτίσει]); o local ou esfera do batismo apontam para a superioridade do Agente ([ὕδατι] na água vs. no
Espírito Santo [ἐν πνεύματι ἁγίῳ]).

xxxiv
A apresentação desse novo parágrafo de Marcos aqui, é uma das mais elaboradas do Evangelho: Καὶ ἐγένετο ἐν
ἐκείναις ταῖς ἡμέραις (lit. e aconteceu [que] naqueles dias), e foi traduzida por “certo dia” (NVT) e “naquela
ocasião” (NVI), “naqueles dias” (ARA).
xxxv
O termo “rio” foi adicionado aqui para clarificar o referente (cf. ARA, NVT).

xxxvi
Marcos usa a expressão εὐθύς 42x no Evangelho, e normalmente essa expressão descreve um ponto no tempo
posterior a algo recém narrado, mas o intervalo de tempo entre um ponto e outro na narrativa nem sempre é tão
claro. Via de regra, traduz-se εὐθύς como imediatamente, mas nem sempre o sentimento pressa é percebido na
tradução. Aqui optamos pela expressão “assim” (cf. NVI), mantendo a sequência lógica e cronológica dos eventos.

xxxvii
O verbo usado por Marcos aqui é σχιζομένους e a voz desse verbo poderia ser entendido de duas formas: (a)
Média: “os céus se abriram”; (b) Passiva: “os céus foram abertos”. A voz média é comumente encontrada nas
versões em português (cf. ARA, NVI, NVT). Nós optamos pela voz passiva como uma ação realizada por Deus
(passivo divino; cf. 15:38).

xxxviii
O texto de Marcos aqui é novamente ambíguo: τὸ πνεῦμα ὡς περιστερὰν καταβαῖνον εἰς αὐτόν· (lit. o espírito
como pomba descendo sobre Ele). A expressão ὡς περιστερὰν (lit. como pomba) poderia descrever tanto o Espírito
como o ato de descer. Ou seja, ou (a) Jesus viu o Espírito como uma pomba; ou (b) Ele viu o Espírito descer como
uma pomba. Nossa tradução pressupões a opção (b). Seja qual for o sentido da expressão, é evidente que o autor
usa uma linguagem comparativa e, portanto, simbólica. Existe também uma possível alusão a Gen 1:2 (cf. b. Ḥag.
15a; 4Q521 1:6; esp. Gen. Rab. 2.4).

xxxix
A diferença entre ARA e NVI (NVT) é uma diferença textual: Enquanto a ARA traduz ἐκ τῶν οὐρανῶν ἡκούσθη (lit.
Foi ouvida uma voz dos céus - Θ 28. 565. l 2211), a NVI traduz φωνὴ ἐγένετο ἐκ τῶν οὐρανῶν (lit. veio uma voz dos
céus - ‫א‬2 A B K L P Γ Δ ƒ1.13 33. 579. 700. 892. 1241. 1424. 2542. l 844 𝔪 lat syp co). Ao que parece, na tentativa de
melhorar o texto, escribas substituíram φωνὴ ἐγένετο por ἡκούσθη, clarificando o sentido do texto. O movimento
contrário é altamente improvável. Há ainda uma terceira variante conhecida na leitura original de ‫ א‬e B nos quais o
verbo ἐγένετο está ausente. Nesse caso a sentença ficaria καὶ φωνὴ ἐκ τῶν οὐρανῶν (lit. e um a voz dos céus).
Alguns comentaristas entendem que essa variante melhor explica a existência das duas anteriores, sendo que alguns
escribas preferiram optar por um verbo comum a Marcos, melhorando o texto com ἐγένετο (usado outras 17x no
Evangelho); ao passo que outros preferiram uma adição editorial com ἡκούσθη (usado 1x; cf. 2:1). Outros
comentaristas entendem que trata-se de uma omissão acidental (homoeoarcton).

xl
A voz divina ouvida no Batismo e registrada em Marcos parece ecoar LXXSal 2:7: Υἱός μου εἶ σύ (lit. Filho meu és
tú); σὺ εἶ ὁ υἱός μου (lit. Tú és meu filho). Ver também Atos 13:33, Hebreus 1:5 e a variante textual de Lucas 3:22.
xli
Alguns comentaristas entendem que Marcos faz aqui uma referência a LXXGen 22:2 (cf. v. 16): τὸν υἱόν σου τὸν
ἀγαπητόν, ὃν ἠγάπησας (lit. teu filho amado, a quem tú amas). Embora ἀγαπητός (lit. amado, único) seja usado 24x
na LXX, a história de Isaque era amplamente conhecida na literatura judaica, e poderia servir de referente aqui. Caso
seja esse o referente, a voz divina identifica Jesus como aquele que tem uma relação de filiação especial com o Pai.
Há ainda a sugestão de que o termo ‫( חביב‬lit. amado; cf. Dt 33:3; 4Q46211) fora incluído no Targum de Salmos, e
portanto, poderia ser a referência de Marcos aqui.

xlii
A parte final da voz divina parece ser uma alusão Isa 42:1 (TM): ‫( ָרְצָתה ַנְפִשׁי‬lit. deleita minha alma). Essa expressão
no texto hebraico aparece em aposição a ‫( ְבִּחי ִרי‬lit. meu escolhido), um termo que eventualmente é usado para
descrever a cena do batismo (cf. Lc 9:35; variante textual de João 1:34). A combinação desses ecos na voz divina na
ocasião do batismo, poderiam ser usados para identificar a Jesus como o Rei Messiânico (Sal 2:7), que tem um
relacionamento especial de filiação com o Pai (Gen 22:2, 16) e é também identificado com o Servo Sofredor (Isa
42:1).

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