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Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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Da Sentença
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Da Sentença
(Doutrina e Jurisprudência)

2a. ed.

2024
São Paulo, Brasil
Índice

I. Preâmbulo...........................................................................11
II. Dedicatória.........................................................................13
III. Decisão Judicial: Fundamentação........................................19
IV. Decisão Judicial: Apreciação Implícita de Tese da Defesa
ou da Acusação....................................................................97
V. Casos Especiais..................................................................131
VI. A Função de Julgar...........................................................265
VII. Das Excelências do Voto Vencido...................................273
VIII. Prova para Condenação Penal........................................279
IX. Lei, Justiça e Bom-Senso.................................................285
X. Crime, Rigor da Lei e Clemência....................................297
XI. A Linguagem do Juiz.......................................................305
XII. Crime, Castigo e Erro Judiciário.....................................311
XIII. O Bom Juiz Eliézer Rosa.................................................315
10

XIV. Presunção de Inocência.....................................................321


XV. A Reforma da Sentença pela Segunda Instância................345
I. Preâmbulo

Ato de maior relevo do ofício do juiz, a sentença


deve atender à letra e ao espírito do art. 93, nº IX, da
Constituição Federal, que a estigmatiza de nula se não
fundamentada (e com bem de razão, pois que os motivos
lhe são realmente a alma e a substância)(1).
Mas, embora seja de magistrado motivar sempre suas
decisões, ninguém ainda ousou contestar a verdade destas
palavras do conspícuo Ministro Mário Guimarães, do
Supremo Tribunal Federal, grande sabedor da matéria:
“Certas decisões, também, se fundamentam por si mesmas.
Insistir em justificá-las, seria ocioso” (O Juiz e a Função
Jurisdicional, 1958, p. 347).

(1) “O julgamento é a arte de persuadir. Não o satisfaz uma argumentação


evasiva. É preciso dar os motivos. Os motivos são a alma da sentença. Anima et
quasi nervus” (Rev. Tribs., vol. 525, p. 394; rel. Gonçalves Sobrinho).
12

Demais, para rejeitar as teses da Defesa ou da Acusação,


não há mister que o juiz as trate “ex professo” e
copiosamente; basta-lhe demonstrar que não se conciliam
com os fundamentos da sentença(2).
Por fim, nisto de decisões, virão sempre a ponto as
palavras do imortal Rui:
“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se do
seus despachos e sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do
sentenciado ou resolvido, quando se lhe antolha claro o
engano em que laborava, ou a injustiça que cometeu” (Obras
Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).
Neste caderninho, caro leitor, estão reunidas ementas
de votos que proferi, na 2a. Instância da Justiça Criminal
do Estado de São Paulo, a respeito do tema em questão
(e breves artigos jurídicos). Tomara lhe seja de utilidade a
sua leitura, com o que bem folgarei.

O Autor

(2) “A sentença precisa ser lida como discurso lógico. Não há espaço para itens
supérfluos” (STJ; REsp nº 47.474-4/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
II. Dedicatória

Os grandes Juízes mereceram sempre aos cultores do


Direito particular estima e afeição, ou porque simbolizavam
o tipo ideal do dispensador de justiça (a nobilíssima das
atividades humanas), ou porque – varões ilustres em
saber, doutrina e virtudes morais e cívicas – serviam de
inspiração e exemplo assim aos seus contemporâneos como
às futuras gerações.
Da fulgurante constelação de Magistrados Notáveis que,
entre nós, acentuaram o prestígio da toga – circunstância
que subiu de ponto a confiança do povo no Poder Judiciário
– nunca faltará o louvor da posteridade a nomes do quilate
de Pisa e Almeida, Lúcio de Mendonça, João Mendes Jr.,
Philadelpho Azevedo, Manoel Costa Manso, Laudo de
Camargo, Carlos Maximiliano, Nélson Hungria, Orosimbo
Nonato, Mário Guimarães, Edgard de Moura Bittencourt,
Eliézer Rosa, Sydney Sanches, Carlos Velloso, Ayres Britto,
Cezar Peluso, Djalma Lofrano, etc.
14

Este livrinho, que sai à luz pública sob o título Da


Sentença, lembrou-me dedicá-lo a um preclaro Juiz, cujas
decisões – por bem fundamentadas, eruditas, discretas e
sobretudo justas – revelam-lhe para logo o magnífico
senso judicante.
Seu nome pode figurar, “pleno jure”, naquele cânon de
Magistrados Notáveis, que isto mesmo já inculca e assevera
a opinião quase unânime de seus colegas de foro, dos
sujeitos esclarecidos e dos que auguram tempos melhores e
prósperos para o País. (Estes, para nossa fortuna, são mais
que muitos, porque formam a briosa legião dos brasileiros
cujo sangue ainda não lhes esqueceu o caminho do rosto).
Dedico-o, enfim, ao eminente Ministro do Supremo
Tribunal Federal Luís Roberto Barroso.
Outras razões, fortes e poderosas, houve para fazê-lo, as
quais constam da carta que enviei a Sua Excelência, adiante
reproduzida:
15

CB
São Paulo, 27 de setembro de 2019

Caro Ministro Luís Roberto Barroso:


Cordiais saudações!

Escrevo-lhe esta ainda sob a forte impressão que me fez


no ânimo o julgamento, na data de ontem, pelo Supremo
Tribunal Federal, do “Habeas Corpus” nº 166.373(*).
Confesso-lhe, muito à puridade, na condição de
desembargador aposentado do TJSP, que foi o voto de
Vossa Excelência (prestigiado pelos dos Ministros Edson
Fachin, Luiz Fux e, ultimamente, Marco Aurélio Mello) o
que, sem hipérbole nem encarecimento retórico, poupou
os brasileiros à inaudita desgraça de terem de entoar a
antífona de “Requiem” pelo Tribunal que o grande Rui
exaltava com o epíteto de “Santuário Supremo da Lei”.

(*) Ao julgar o “Habeas Corpus” nº 166.373-PR, decidiu o Supremo


Tribunal Federal, por maioria de votos, em 2.10.2019, que a
apresentação de alegações finais “deverá seguir a ordem constitucional
sucessiva, ou seja, primeiro a acusação, depois o delator e por fim o delatado”.
Faz também ao caso o julgamento da Ação Declaratória de
Constitucionalidade nº 43-DF, em 7.11.2019. (Tema: Execução da pena
logo após a decisão de 2a. Instância).
16

Não entra em dúvida que, nisto de julgamentos, impera


o retrilhado aforismo “quot capita, tot sententiae”. Nas
disputas, o dissenso não é matéria para estranheza nem
preconceito; pois, conforme aquilo do profundo Vieira, “até
entre os anjos pode haver variedade de opiniões, sem menoscabo
de sua sabedoria e santidade” (Sermões, 1959, t. IV, p. 216).
O que, no entanto, cega o lume da razão, confunde e
entristece os sujeitos probos e avisados é conhecer que, na
busca da verdade real (alma e escopo do processo), houvesse
quem, muito de estudo, preferisse voltar as costas
à estrela-guia do Direito: o bom-senso.
Foi, por isso, com infinita mágoa e desalento que assisti
ontem à prolação do voto de alguns dos Senhores Ministros
do STF – por bem conhecidos de todos, escusa declarar-
-lhes os nomes –, os quais não só fizeram tábua rasa dos
rudimentos do Processo Penal senão também deram de
mão à Jurisprudência (que é o “Direito com sabedoria”) e
furtaram-se a cooperar “ex professo” em bem da redenção do
Brasil, severamente deformado pela corrupção e pela falta
de patriotismo de muitos.
Para glória de nossa Corte Suprema, contudo, alguns
de seus Ministros houve que lhe acrescentaram o lustre e os
bons créditos. Foi um deles Vossa Excelência: com seus
invulgares talentos, cabedais de espírito, notória ciência
do Direito (“elegantia juris”) e esclarecido amor ao País,
dignificou sobremodo a toga de Magistrado. Merece, pois,
sincero preito de homenagem e gratidão de todos os
17

colegas e compatrícios em cujos peitos não tem entrada a


ignomínia.
Esta carta (ia quase a dizer mensagem de náufrago
num mar sem praias), escreve-a um colega do ofício, já
octogenário, e que permanece fiel à crença do exemplar
Juiz português Pinto Osório: “A ideia de Justiça é a mais
pura, a mais nobre, a mais sublime e santa depois da ideia de
Deus” (“In Memoriam” do Juiz Pinto Osório, p. 28).
Tenho muita honra, Dr. Luís Roberto Barroso, de
apertar-lhe a mão! Deus lhe prolongue, sem eclipses, os
dias felizes! Cordialmente,

Carlos Biasotti
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de
Justiça: http://www.tjsp.jus.br).

• Da Sentença
(Art. 381 e segs. do Cód. Proc. Penal)

III. Decisão Judicial: Fundamentação


(Art. 93, nº IX, da Const. Fed.)

Voto nº 1600

Agravo em Execução nº 1.153.983/5


Art. 112 da Lei de Execução Penal

— São os motivos a alma da sentença (“anima et quasi nervus”). Não é


muito, pois, que a própria Constituição da República pusesse
preceito que todas as decisões, sob pena de nulidade, fossem
fundamentadas (art. 93, nº IX).
— Fundamentar não é outra coisa que dar o Magistrado as razões de
seu decidir.
— Nula é apenas a sentença a que falte fundamentação, não aquela que
a tenha sucinta ou deficiente.
— A sustação do regime aberto, por haver descumprido o sentenciado
condição que lhe fora imposta, representa providência legal
adequada, compreendida no poder discricionário cautelar do Juiz
Criminal.
20

Voto nº 159

“Habeas Corpus” nº 299.530/0


Art. 171, § 2º, nº VI, do Cód. Penal;
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— Sua condição de estudante de Direito, que invocou sem contudo


provar, não foi poderosa a elidir a forte persuasão de que se trata de
jovem de sombria nomeada nas expansões da criminalidade: emitiu
cheque sem fundos, usou documento falso e fugiu ao ser procurado
pela Polícia.
— Nem se argumente, em obséquio ao impetrante, que o prolator
do despacho impugnado arrimou seu convencimento às razões
expendidas pelo órgão do Ministério Público para a decretação da
custódia processual. O teor desse proceder não afronta o princípio
do livre convencimento ou da persuasão racional do Juiz. Desde que
os motivos ensejadores da decretação da medida excepcional tomou-
os o Juiz à cota da Promotoria de Justiça, onde eram expostos
satisfatoriamente, guardou-se observância aos preceitos do art. 93,
nº IX, da Constituição da República, de que sejam “fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade”.
21

Voto nº 2345

Apelação Criminal nº 1.205.441/1


Art. 381 do Cód. Proc. Penal

— Isto de anular decisão judicial, matéria que é da primeira


importância e gravidade, somente cabe nas hipóteses em que seu
prolator se haja afastado redondamente do padrão legal. É que todo
o ato de seu ofício, presume-se que o Juiz o pratique em estrita
conformidade com as regras do Direito e os ditames da reta razão.
— É certo não deve o Magistrado fazer caso nem cabedal de coisas
insignificantes – “De minimis non curat praetor” – nem imolar na
ara do frívolo curialismo. A sentença, porém, com ser o “ato de
máximo relevo do ofício do juiz” (cf. Mário Guimarães, O Juiz e a
Função Jurisdicional, 1958, p. 313), essa haverá de ater-se,
escrupulosamente, às diretrizes do art. 381 do Cód. Proc. Penal.
— “Postergar, de maneira categórica, a relevância das formas processuais,
para atender tão só ao aspecto teleológico do ato, pode redundar em violação
aberta do direito de defesa” (José Frederico Marques, Estudos de Direito
Processual Penal, 1a. ed., p. 259).
22

Voto nº 180

Apelação Criminal nº 1.035.159/1


Art. 3º, alínea i, da Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade)

— Se o órgão do Ministério Público, ao qual toca a titularidade da


ação penal, não requereu explicitamente, em sua denúncia, a
aplicação de pena acessória ao réu, não poderá fazê-lo a sentença,
sob pena de afronta ao princípio da congruência (“Sententia debet esse
conformis libello”).
— Arguindo o texto legal ideia de mera possibilidade – “poderá ser
cominada a pena autônoma ou acessória” (art. 6º, § 5º, da Lei nº
4.898/65) –, fica ao prudente arbítrio do Juiz sua aplicação.

Voto nº 2076

Apelação Criminal nº 1.193.581/9


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— A sentença é o resultado da aferição da prova à luz do raciocínio


lógico, base e essência do princípio do livre convencimento.
— “O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de livre
convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas”
(José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2a.
ed., vol. II, p. 378).
— O regime fechado é o que melhor se ajusta à natureza do roubo –
crime grave e causa permanente de aflição das pessoas honestas e
laboriosas – e à personalidade de quem o pratica, sujeito pelo
comum infenso às regras que disciplinam o convívio social.
23

Voto nº 2381

Apelação Criminal nº 1.179.849/0


Arts. 155, § 4º, nº IV, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 384 do Cód. Proc. Penal

— “Se o réu pessoalmente renunciou ao direito de apelar, tendo recorrido o


defensor, subindo os autos, deve o Tribunal homologar a renúncia, não
sendo caso de não-conhecimento” (Damásio E. de Jesus, Código de
Processo Penal Anotado, 1996, p. 417).
— É regra processual respeitabilíssima que a sentença deve guardar
relação com a imputação delitiva (“Sententia debet esse conformis
libello”). Pelo que, se a denúncia descreveu fato criminoso tentado e
como tal o considerou a sentença condenatória, não pode a
Acusação pleitear, pela via recursal, a condenação do réu por delito
consumado, que isto implicaria “mutatio libelli”, vedada em Segundo
Grau, conforme a Súmula nº 453 do STF.
— O réu que confessa em Juízo seu delito revela qualidade sumamente
elogiável, pois demonstra haver aborrecido a vida criminosa e
descobre seu propósito de emenda; por isso, ainda que reincidente,
desde que não superior a 4 anos sua pena, tem jus ao benefício do
regime semiaberto (art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal).
24

Voto nº 3567

Agravo em Execução nº 1.289.045/5


Art. 155, “caput”, do Cód. Penal;
Art. 51 do Cód. Penal (Lei nº 9.268/96)

— Sendo os motivos (ou fundamentação) a alma da sentença,


considera-se nula aquela que os não apresenta. Guarda-se porém de
censura a decisão que, para dirimir a controvérsia dos autos, adota,
com rigor de lógica jurídica, entendimento doutrinário e
jurisprudencial sufragado apenas pela corrente minoritária. Está
satisfeita a vontade da lei (art. 381, nº III, do Cód. Proc. Penal).
— Com o advento da Lei nº 9.268/96 (que alterou o art. 51 do Cód.
Penal), a multa não perdeu o caráter eminentemente penal; apenas
lhe conferiu o legislador o tratamento comum e peculiar à dívida
ativa da Fazenda Pública, sem contudo expungir-lhe o cunho
intrínseco de sanção penal.
— Competente para processar a execução da pena de multa é o Juízo
da condenação (quando isoladamente aplicada) ou a Vara das
Execuções Criminais, quando cominada cumulativamente com pena
privativa de liberdade.
25

Voto nº 3920

Apelação Criminal nº 1.311.213/2


Art. 171, “caput”, do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Incorre nas penas do art. 171, “caput”, do Cód. Penal o sujeito que,
insinuando-se por agente de turismo, recebe de pessoas dinheiro
para excursão, que todavia não promove, antes com ardil e malícia
desaparece da sociedade, sem deixar rastros. O que procede nessa
conformidade comete fraude penal, e não civil, porque, desde o
início, armava ao escopo de induzir a vítima em erro para obter
vantagem ilícita, apanágio do estelionatário.

Voto nº 4639

Recurso em Sentido Estrito nº 1.356.801/2


Art. 34 da Lei das Contravenções Penais;
art. 89 da Lei nº 9.099/95

— Suspenso o curso do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº


9.099/95, suspende-se o curso da prescrição.
—“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos seus despachos e
sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do sentenciado ou resolvido,
quando se lhe antolha claro o engano, em que laborava, ou a injustiça que
cometeu” (Rui, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).
26

Voto nº 4688

Apelação Criminal nº 1.373.673/5


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 381 do Cód. Proc. Penal

— Segundo a melhor jurisprudência, não é nula a sentença breve ou


sucinta, porém só a não-motivada (STF; RTJ 73/220; apud Damásio
E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 19a. ed., p. 275).
—“O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de livre
convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas”
(José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2a.
ed., vol. II, p. 378).
— A confissão extrajudicial os tratadistas da prova sempre a reputaram
precária e frágil, pela suspeita de violência ou coação. Mas, desde
que isto se não comprove, pode justificar a prolação de sentença
condenatória, sobretudo se em conformidade com os mais
elementos de convicção do processo.
—“Consuma-se o roubo quando o agente, mediante violência ou grave
ameaça, consegue retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima” (STF;
rel. Min. Carlos Velloso; Rev. Tribs., vol. 705, p. 429).
27

Voto nº 6009

“Habeas Corpus” nº 476.667-3/1


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal

— Não há averbar de falta de fundamentação a decisão que encerra


base jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se
de roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a
conveniência da decretação da custódia cautelar como que se
presumem.
— Salvo casos especiais (ao prudente arbítrio do juiz), primariedade,
bons antecedentes, prova de ocupação lícita e de residência no foro
da culpa não valem a autorizar a concessão de liberdade provisória
(art. 310, parág. único, do Cód. Penal) àquele que, acusado de crime
grave – como é o roubo –, tem contra si a presunção de
periculosidade.
— A custódia cautelar, nesse caso, representa não só garantia do
processo, mas inexorável medida política de prevenção da
criminalidade e defesa da ordem social, meta primeira do Estado e
aspiração permanente da Justiça.
28

Voto nº 6248

Recurso em Sentido Estrito nº 451.967-3/4-00


Art. 386, nº IV, do Cód. Proc. Penal

— Sentença absolutória, com fundamento no art. 386, nº IV, do Cód.


Proc. Penal, torna despropositada e estéril toda a controvérsia a
respeito de eventual ilegalidade do despacho que, durante a
instrução criminal, relaxou a prisão em flagrante do réu. Solene
proclamação de inocência, a absolvição transcende a esfera
processual da crítica, ainda que legítima, a anterior ato decisório.

Voto nº 6499

Recurso em Sentido Estrito nº 492.657-3/3-00


Art. 294, parág. único, do Código de Trânsito;
art. 581, ns. XV e XVII, do Cód. Proc. Penal

—“Não podem ser ampliados os casos de efeito suspensivo de recurso em sentido


estrito” (apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado,
21a. ed., p. 454).
— Satisfaz aos intuitos da lei (e, pois, não incorre em vício de
nulidade), a decisão que, embora sucinta, dá as razões do
convencimento do Magistrado (art. 93, nº IX, da Const. Fed.)
29

Voto nº 6468

“Habeas Corpus” nº 885.207-3/0-00


Arts. 180, §§ 1º e 2º, e 288 do Cód. Penal;
arts. 310, parág. único, e 312 do Cód. Proc. Penal

— Se preso em flagrante delito, a regra geral é que o acusado aguarde,


no cárcere, a verificação de sua culpabilidade ou inocência,
principalmente se não satisfaz às condições de caráter subjetivo que
lhe permitam a concessão de liberdade provisória (art. 310, parág.
único, do Cód. Proc. Penal).
— Proclamou Saulo Ramos (e com assaz de razão) que “o receptador é
o empresário do crime” e o ladrão, “sua mão-de-obra barata e
desqualificada” (apud Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 9a.
ed., p. 630).
— Não entra em dúvida que, a despeito do princípio da presunção de
inocência, consagrado na Constituição da República (art. 5º, nº
LVII), subsiste a providência da prisão preventiva, quando
conspiram os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal:
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde que comprovada a
materialidade da infração penal e veementes os indícios de sua
autoria.
30

Voto nº 6473

“Habeas Corpus” nº 879.281-3/8-00


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
arts. 310, parág. único, e 648, nº I, do Cód. Proc. Penal

— Não há averbar de falta de fundamentação a decisão que encerra


base jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se
de roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a
conveniência da decretação da custódia cautelar como que se
presumem.
— Salvo casos especiais (ao prudente arbítrio do juiz), primariedade,
bons antecedentes, prova de ocupação lícita e de residência no foro
da culpa não valem a autorizar a concessão de liberdade provisória
(art. 310, parág. único, do Cód. Penal) àquele que, acusado de crime
grave – como é o roubo –, tem contra si a presunção de
periculosidade.
— A custódia cautelar, nesse caso, representa não só garantia do
processo, mas inexorável medida política de prevenção da
criminalidade e defesa da ordem social, meta primeira do Estado e
aspiração permanente da Justiça.
31

Voto nº 6499

Recurso em Sentido Estrito nº 492.657-3/3-00


Art. 294, parág. único, do Código de Trânsito;
art.581, ns. XV e XVII, do Cód. Proc. Penal

—“Não podem ser ampliados os casos de efeito suspensivo de recurso em sentido


estrito” (apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado,
21a. ed., p. 454).
— Satisfaz aos intuitos da lei (e, pois, não incorre em vício de
nulidade), a decisão que, embora sucinta, dá as razões do
convencimento do Magistrado (art. 93, nº IX, da Const. Fed.).

Voto nº 6682

Agravo em Execução nº 902.742-3/3-00


Arts. 214, 224 e 83 do Cód. Penal;
art. 9º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos);
arts. 6º e 112 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal)

—“Somente a sentença não motivada é passível de nulidade. A


fundamentação sucinta ou deficiente não a invalida” (STJ; RSTJ, vol.
69, p. 126; rel. Min. Fláquer Scartezzini).
— Satisfeitos os requisitos legais (art. 83 do Cód. Penal), é o livramento
condicional direito público subjetivo do condenado, que se lhe não
pode negar sem grave injúria da Lei e da Justiça.
32

Voto nº 6656
“Habeas Corpus” nº 894.819-3/4-00
Arts. 157, § 2º, ns. I, II e V, e 158, § 1º, do Cód. Penal;
art. 310, parág. único, do Cód. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

— Não há averbar de falta de fundamentação a decisão que encerra


base jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se
de roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a
conveniência da decretação da custódia cautelar como que se
presumem.
— Salvo casos especiais (ao prudente arbítrio do juiz), primariedade,
bons antecedentes, prova de ocupação lícita e de residência no foro
da culpa não valem a autorizar a concessão de liberdade provisória
(art. 310, parág. único, do Cód. Penal) àquele que, acusado de crime
grave – como é o roubo –, tem contra si a presunção de
periculosidade.
— A custódia cautelar, nesse caso, representa não só garantia do
processo, mas inexorável medida política de prevenção da
criminalidade e defesa da ordem social, meta primeira do Estado e
aspiração permanente da Justiça.
—“Habeas Corpus” – Pedido de liberdade provisória – Roubo
praticado à mão armada e mediante concurso de agentes –
Necessidade da custódia cautelar – Ordem denegada.
— É verdade que, em obséquio ao princípio da presunção de inocência
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), ninguém será havido na conta de
culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Esse mandamento, contudo, não importa a concessão
indiscriminada de liberdade provisória a réu preso em flagrante. Tal
sucede apenas naqueles casos em que se não achem presentes os
requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 310,
parág. único, do Cód. Proc. Penal).
33

Voto nº 6769
“Habeas Corpus” nº 913.143-3/5-00
Art. 299 do Cód. Penal; art. 659 do Cód. Proc. Penal;
art. 463, nº I, do Cód. Proc. Civil;
art. 5º, nº LXVIII, da Const. Fed.

— Pode o Juiz Criminal, por analogia com o art. 463, nº I, do Cód. Proc.
Civil, corrigir, de ofício, erro material da sentença.
— Dispõe o art. 659 do Cód. Proc. Penal que, se o Tribunal verificar ter
já cessado a violência ou coação ilegal de que se queixa o paciente,
lhe julgará prejudicado o pedido de “habeas corpus”.
—“Julga-se o habeas corpus prejudicado quando o impetrante obtém, durante
a ação, a situação jurídica reclamada” (STJ; HC nº 1.623/2; 6a. Turma;
rel. Min. Vicente Cernicchiaro; j. 18.12.96).
— Ainda que instrumento processual de dignidade constitucional,
próprio a tutelar a liberdade do indivíduo, não pode o “habeas
corpus” substituir o recurso ordinário, máxime quando a “causa
petendi” respeita a questões de alta indagação.
—“O habeas corpus não é meio idôneo para corrigir possível injustiça da
sentença condenatória” (Rev. Forense, vol. 119, p. 242; rel. Nélson
Hungria).
— O instituto do “habeas corpus”, em vista de seu rito sumaríssimo e
natureza específica, não se presta a aferir requisitos subjetivos para a
concessão de regime prisional, tarefa em que somente haverá de
entender o Juízo da causa ou das Execuções Criminais; o Tribunal,
este apenas em grau de recurso pode modificar o regime estipulado
na sentença condenatória, quando patente sua ilegalidade ou em
contradição absoluta com a lei e as circunstâncias do processo.
34

Voto nº 6793

“Habeas Corpus” nº 908.997-3/0-00


Art. 288, § 3º, do Cód. Penal;
arts. 392 e 601 do Cód. Proc. Penal

— A intimação da sentença condenatória ao réu, preso ou em


liberdade, somente se aperfeiçoa se acompanhada do termo de
recurso, o qual, embora não previsto na legislação processual penal,
constitui instrumento da praxe forense e garantia do exercício da
ampla defesa, cuja inobservância configura constrangimento ilegal
(art. 392 do Cód. Proc. Penal).
— É presunção de homem que nenhum réu se conforme com decisão
desfavorável, donde o natural interesse de impugná-la mediante
recurso.
35

Voto nº 6942

Apelação Criminal nº 442.526-3/5-00


Arts. 299 e 299 do Cód. Penal;
art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A confissão do réu na Polícia, ainda que repudiada em Juízo, pode
justificar decreto condenatório, se em harmonia com os mais
elementos de convicção dos autos; ao seu aspecto intrínseco é que
se deve atender, não à circunstância do lugar onde a presta o
confitente.
—“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do acusado se equiparava
à própria coisa julgada, como ensinava Farinácio: Confessio habet vim rei
judicatae” (José Frederico Marques, Estudos de Direito Processual
Penal, 1a. ed., p. 290).
— Em bom direito, é princípio inconcusso que, sem a certeza da
materialidade e da autoria da infração penal, ninguém pode ser
condenado. Esta é a regra de ouro de todo o julgador.
— Dúvida, em Direito Penal, é o outro nome da falta de prova, o que
obriga à absolvição, conforme aquilo do venerável prolóquio: “In
dubio pro reo”.
36

Voto nº 6982

Agravo em Execução nº 930.833-3/9-00


Art. 213 do Cód. Penal;
arts. 36 e 112 da Lei de Execução Penal;
art. 5º, nº LXVIII, da Const. Fed.

— É princípio acolhido sem reserva que, tanto que passe em julgado


sua decisão, já não tem o Juiz competência para revê-la. Vem a
ponto a lição de Hélio Tornaghi: “Já no Direito romano, Ulpiano
ensinava: Depois de pronunciada a sentença, o juiz perde a jurisdição e não
pode corrigi-la, quer haja exercido seu ofício bem, quer o tenha feito mal”
(Curso de Processo Penal, 1980, vol. II, p. 353).

Voto nº 353

Apelação Criminal nº 1.054.593/1


Art. 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 302 do Cód. Proc. Penal

— Decisão que, em operação lógica do espírito, deduz do contingente


probatório a culpabilidade do agente não tolera a nota de mal
fundamentada, antes será padrão muito para imitar.
— O flagrante presumido é prova excelente: “(...)a ação criminosa já não
é ardente. A chama se apagou. Mas a fumaça, a cinza que ainda resta
permitem a convicção de que determinada pessoa lhe foi a autora” (Hélio
Tornaghi, Processo Penal, 1953, vol. I, p. 311).
— Desde que o agente retirou “o objeto material da esfera de
disponibilidade da vítima”, no mesmo ponto o roubo se consumou
(Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 587).
37

Voto nº 232

Apelação Criminal nº 1.042.993/1


Art. 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 190 do Cód. Proc. Penal

— Satisfaz ao requisito da lei a sentença que, posto sucintamente,


menciona as teses das partes.
— Achando-se a conclusão da sentença às testilhas com os argumentos
das partes, não é mister refutá-los por miúdo; basta fazê-lo pela
razão contrária (“a contrario sensu”). O exagero na refutação passa
por vício retórico.
— A sentença, que tem a estrutura formal do silogismo, deve ser lida e
entendida como discurso lógico, a que repugnam sempre os pontos
supérfluos.
— A confissão, máxime a prestada em Juízo, vale como prova do fato e
de sua autoria, se não ilidida por elementos de convicção firmes e
idôneos. Donde a antiga parêmia: A confissão judicial é das melhores
provas: quem confessa, contra si profere a sentença.
38

Voto nº 617

Apelação Criminal nº 1.065.353/3

Art. 381 do Cód. Proc. Penal;


Súmula nº 96 do STJ

— Não carece de fundamentação a sentença que, patenteando os


motivos do convencimento do Magistrado, rende ensejo ao réu de
impugná-la amplamente.
— A gravidade da ameaça, no crime de extorsão, deve inferir-se das
circunstâncias pessoais da vítima. Se esta recorreu à proteção do
Estado, comunicando o fato à Polícia, há forte indício de que a
intimidação foi séria e eficaz.
—“O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da
vantagem indevida” (Súmula nº 96 do STJ).
— Há geral consenso em derredor do termo prisão: o pior lugar do
mundo, antes do cemitério!
—“A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1980, 6a. ed., vol. I, t. I, p. 14).
— Tratando-se de réu primário e de bons antecedentes, condenado
por extorsão, não é defeso ao Juiz, tendo consideração aos graves e
notórios malefícios do regime recluso, deferir-lhe o benefício do
semiaberto.
39

Voto nº 812

Apelação Criminal nº 1.074.567/1

Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Prevalece a menoridade do réu contra as mais circunstâncias


subjetivas, não excetuada a reincidência.
— Ainda que duas as qualificadoras de um mesmo crime, só uma se
considera como causa especial de aumento de pena; a outra valerá
por circunstância agravante.
— Vinte séculos nada puderam contra o esplendor da verdade destas
palavras de Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De Officiis, I, 10),
que, em nosso vulgar, respondem assim: Justiça excessiva o mesmo é
que injustiça.
—“Só a sua consciência (do Juiz) lhe atestará se a sua sentença foi justa. E se
ela confirmar no íntimo de sua alma a confiança de ter acertado, entre
tremores e angústias, não tema as críticas, não valorize os dissabores,
porque eles serão seu pão de cada dia” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a.
ed., p. 52).
40

Voto nº 832
Embargos de Declaração nº 1.081.909/5 1
Art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90

—“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos seus despachos e


sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do sentenciado ou resolvido,
quando se lhe antolha claro o engano em que laborava, ou a injustiça que
cometeu” (Rui, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).
— Nos casos em que a lei comina penas alternativas – v.g.: art. 7º da
Lei nº 8.137/90 (detenção ou multa) – tem lugar, indisputavelmente, a
suspensão condicional do processo, pois ainda que a sentença
condenatória haja optado pela pena detentiva, é a pecuniária
(porque a mínima) a que serve de craveira punitiva para os efeitos
do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

Voto nº 853

Apelação Criminal nº 1.084.251/2


Art. 155, § 4º, nº IV, do Cód. Penal

— Deve a sentença catar observância estrita aos preceitos do art. 381,


nº III, do Cód. Proc. Penal, que determina indique os motivos de fato
e de direito em que se fundar. Nada obsta, porém, que o faça
laconicamente. Ainda: para rejeitar as teses da defesa, não é mister
tratá-las “ex professo” e copiosamente; basta se mostrem com elas
inconciliáveis os fundamentos lógicos da sentença.
—“A sentença precisa ser lida como discurso lógico. Não há espaço para itens
supérfluos” (STJ; REsp. nº 47.474-4/RS; rel. Min. Luiz Cernicchiaro;
6a. Turma; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Diz-se consumado o furto se a vítima perdeu o contacto com a coisa
subtraída, ainda que por instante.
41

Voto nº 881

Apelação Criminal nº 1.083.435/7


Arts. 147 e 28 do Cód. Penal;
art. 38l do Cód. Proc. Penal

— Não há notar de nula a sentença do Magistrado que julga o caso


concreto por convencimento lógico e motivado, antes que por mera
convicção íntima.
— Subsiste o crime de ameaça, ainda quando o tenha cometido o
sujeito em estado de embriaguez, pois esta não elide o dolo (art. 28,
nº III, do Cód. Penal), ao invés “torna mais sério o prenúncio de mal
injusto e grave” (cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a.
ed., p. 443).

Voto nº 861

“Habeas Corpus” nº 318.516/3


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— “O juiz, depois de proferir a sentença, deixou de ser juiz a este respeito”


(Rui, Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).
— “Não se conhece de habeas corpus que seja a reiteração de outro, já
indeferido” (Rev. Forense, vol. 158, p. 340).
42

Voto nº 866

Apelação Criminal nº 1.084.305/0


Art. 155, § 4º, nº IV, do Cód. Penal

— Como o escopo de todo o processo é a pesquisa da verdade real,


pressuposto da ideia de justiça, nada obsta que o Magistrado, por
aferir a existência da justa causa, deite os olhos às provas já nos
começos da ação penal.
— Bem compreendidas, as atribuições do Ministério Público são as
mais belas que existem.
— Desde que conspirem os requisitos legais (arts. 76 e 89 da Lei nº
9.099/95), pode o Juiz conceder ao autor do fato, mesmo em
discordância com o órgão do Ministério Público, os benefícios da
transação e da suspensão condicional do processo. Embora
advogado da lei e fiscal de sua execução, não é do Promotor de
Justiça impedir pratique o Magistrado o ato precípuo de seu ofício:
dispensar justiça.
— Não há recorrer, por analogia, ao teor literal do art. 28 do Cód. Proc.
Penal, que versa precisamente situação oposta, isto é, “a de não
exercer o Ministério Público o direito de ação penal” (cf. Julio Fabbrini
Mirabete, Juizados Especiais Criminais, 1997, p. 155).
— É aplicável o privilégio do § 2º do art. 155 do Cód. Penal, se primário
o réu e nenhum o prejuízo da vítima, o que se equipara ao pequeno
valor da “res furtiva”, na conformidade de copiosa Jurisprudência.
— Não é o privilégio do art. 155, § 2º, do Cód. Penal incompatível com
o furto qualificado; uma vez concorram os requisitos legais, pode o
Juiz deferi-lo ao réu cujos antecedentes e personalidade o tornem
merecedor do benefício. Esta é a lição de graves autores (v.g.:
Damásio E. de Jesus e Paulo José da Costa Jr.) e a jurisprudência
dos Tribunais (STF, STJ, TACrimSP, etc.).
43

—“O magistrado pode indispor-se, em algum ensejo, com as agruras da


superfície da lei. Pode indispor-se até com a lógica. Mas não deve afastar-se
da justiça, nem por divórcio nem por arrufo” (Moura Bittencourt, O
Juiz, 1966, pp. 280-281).
—“O que importa não é a lei mas o direito, que vive e vibra na consciência
do povo. Fazer justiça não é, em muitos casos, obedecer à lei e, sim,
obedecer ao direito que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga,
1a. ed., p. 49).

Voto nº 854

Recurso em Sentido Estrito nº 1.089.547/4


Art. 21 da Lei das Contravenções Penais

— “A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos seus despachos e


sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do sentenciado ou resolvido,
quando se lhe antolha claro o engano, em que laborava, ou a injustiça, que
cometeu” (Rui, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).
— Da mesma forma que aos delitos de lesões corporais leves e lesões
culposas, aplica-se às vias de fato (art. 21 da Lei das Contravenções
Penais) a exigência da representação do ofendido, como condição de
procedibilidade da ação penal (art. 88 da Lei nº 9.099/95). Supor o
contrário fora ter em pouco a sabedoria do legislador. A tais casos,
por isso, é de aplicar a analogia “in bonam partem”.
44

Voto nº 917

Apelação Criminal nº 1.095.335/8


Arts. 121, §§ 3º e 4º, e 129, §§ 6º e 7º, do Cód. Penal;
art. 381 do Cód. Proc. Penal

— A sentença absolutória não tem efeito interruptivo da prescrição.


— Não se desabraça dos preceitos da Lei nem ofende o zelo da Justiça
o Magistrado que, em face das circunstâncias peculiares do caso
concreto, defere ao réu aquilo que, de ordinário, se lhe devia negar.
— Nisto de reforma de decisão, cumpre ter sempre tento, porque –
escreveu-o com sabedoria e elegância o clássico Matias Aires –
“muitas vezes na emenda é que está o erro” (Reflexões sobre a Vaidade dos
Homens, 1752, p. 308).
— O Juiz da causa, como é o que trata diretamente com o réu, esse
acrescenta deveras ao conjunto das provas novo e inestimável
argumento: o argumento da autoridade judicante. De tal sorte que,
se decidiu em prol do réu, é de presumir que se orientou pelas leis
da razão e da prudência, o que o abroquela dos tiros da crítica,
ainda que nobre e discreta.
—“Na alta prosápia de sua originária semântica, sentenciar e sentir era uma
só e mesma coisa” (Eliézer Rosa, Dicionário de Processo Penal, 1975,
p. 221).
45

Voto nº 1097
Apelação Criminal nº 1.106.619/2
Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Se o recurso fere o ponto da dosimetria das penas, ao Tribunal é


lícito emendá-las, sem haja mister fulminar de nulidade a decisão
que as impôs, conforme a jurisprudência do Pretório Excelso. “A
sentença não é nula, cumprindo ao Tribunal reduzir a pena” (Rev. Trim.
Jurisp., vol. 109, p. 102; apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo
Penal Anotado, 13a. ed., p. 265).
— A sentença, ao demais, é a “vontade da lei tornada certa no caso
concreto” (Chiovenda; apud Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal,
1980, vol. II, p. 148), não só ato de inteligência do Juiz; não parece
bem, portanto, decretar-lhe a nulidade por falha de pequeno
alcance, possível de reparar na esfera recursal.
— Nos crimes de roubo, a palavra da vítima, que incrimina o réu e o
indigita por seu autor, basta à edição de decreto condenatório,
sobretudo quando em harmonia com as mais provas dos autos. (Não
esquecer que repugna à razão humana queira alguém acusar de
crime grave pessoa diversa da que o praticou).
— É o regime prisional fechado o que unicamente convém ao autor de
roubo (crime grave e abjeto), máxime se reincidente, circunstância
que revela personalidade desajustada e antissocial.
46

Voto nº 1193

Recurso em Sentido Estrito nº 1.120.825/9


Art. 32 da Lei das Contravenções Penais;
art. 381 do Cód. Proc. Penal

— Cabe recurso em sentido estrito da decisão proferida pelo Juízo de


Direito da Vara das Execuções Criminais, que decreta a extinção da
punibilidade do sentenciado por causa não regulada pela Lei de
Execução Penal, v.g., retroatividade de lei que não mais considera o
fato como criminoso (art. 107, nº III, do Cód. Penal).
—“Proferida a sentença de mérito, o juiz encerra a atividade jurisdicional
sobre a imputação” (Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal,
1997, p. 327); pelo que, já não pode modificá-la, senão para
emendar erros materiais, ou mediante embargos de declaração (art.
382 do Cód. Proc. Penal) e recurso em sentido estrito (art. 581), que
prevê juízo de retratação.
— Lição de Rui: “Quer dizer que o juiz, depois de proferir a sentença,
deixou de ser juiz a este respeito. É esse o direito dominante entre nós”
(Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).
47

Voto nº 1196

Revisão Criminal nº 325.472/1


Art. 155, § 4º, nº IV, do Cód. Penal

— A dar-se o caso que o Juiz incorra em insidioso erro – o que está


na ordem natural das coisas, pois “andar sem tropeçar é privilégio do
Sol” (Bluteau, Vocabulário, 1712, t. I, Prólogo) –, ponha timbre em
emendá-lo sem detença.
— Não importa a nulidade do processo a falta de intimação pessoal da
sentença condenatória ao defensor do réu revel a quem tenha sido
negado o direito de apelar em liberdade (art. 594 do Cód. Proc.
Penal). Por inútil, fora tal intimação escusável; inteligência diversa
não faria mais que imolar na ara do frívolo curialismo.
— Contrária à evidência dos autos é só aquela sentença que não se
ampare em prova alguma, passando por verdadeira aberração lógica
(art. 621, nº I, do Cód. Proc. Penal).
— A existência de processos-crimes, sem condenação, contra o réu,
não lhe justifica nem legitima a especial exacerbação da pena.
Admitir o contrário o mesmo fora que fazer “tabula rasa” do
princípio da presunção de inocência que, entre nós, tem a
consagração de garantia constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const.
Fed.).
48

Voto nº 1286

Apelação Criminal nº 1.118.553/3


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Segundo a doutrina comum e a jurisprudência dos Tribunais, não se


decreta a nulidade de sentença quando, sem quebra do rigor da
Justiça, possa emendá-la a Superior Instância.
— O art. 68 do Cód. Penal encerra, pelo assim dizer, a carta de marear
da escorreita fixação da pena; em seu teor literal é que o Magistrado
deve fitar os olhos, não delire do caminho da legalidade ao estipular
a sanção ao infrator; mas, ainda quando ocorra subversão da ordem
das diretrizes ali traçadas, não há pronunciar a ineficácia da sentença
condenatória, se a sua conclusão não violou os preceitos da Justiça.
— No roubo, o aumento superior ao mínimo legal (1/3), à conta
da incidência de mais de uma qualificadora (art. 157, § 2º, do
Cód. Penal), somente se justifica se conspirarem circunstâncias
excepcionais, v.g.: número extraordinário de agentes e insigne
potencialidade ofensiva das armas empregadas.
49

Voto nº 1307
Apelação Criminal nº 1.097.261/4
Art. 155, § 4º, 2a. fig., do Cód. Penal;
art. 383 do Cód. Proc. Penal

— Sem violar o princípio da congruência – “Sententia debet esse


conformis libello” –, pode o Juiz, nos termos do art. 383 do Cód.
Proc. Penal (que lhe autoriza a “emendatio libelli”), reconhecer
qualificadora não capitulada na denúncia, desde que nela descrita,
porque se defende o réu dos fatos, não de sua qualificação legal.
— Comete furto mediante fraude (art. 155, § 4º, 2a. fig., do Cód. Penal)
o empregado que, iludindo a atenção da vítima, exagera o cálculo de
seus débitos com terceiros e, ao liquidá-los, retém para si a
diferença.
—“Post confessionem rei, nihil amplius quaeritur” (Ulpiano). Em
linguagem: Após a confissão do réu, tudo o mais é escusado.

Voto nº 960
Apelação Criminal nº 1.098.513/0
Art. 157, § 2º, ns. I, II e V, do Cód. Penal

— A falta de apreensão da arma usada no roubo nada monta para a


configuração da qualificadora do art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal, se
testemunhas fidedignas lhe provaram a existência.
— Somente opera seus efeitos, autorizando a diminuição da pena (art.
65, nº III, alínea d, do Cód. Penal), a confissão que revele sinceridade
do confitente e seu propósito de emenda. Não está no caso,
portanto, o réu que, havendo confessado a prática do fato criminoso
na Polícia, nega-o em Juízo.
50

Voto nº 1351

Apelação Criminal nº 1.134.283/3


Art. 171 do Cód. Penal;
art. 366 do Cód. Proc. Penal

— É doutrina comum que não pode o magistrado modificar suas


decisões senão mediante recurso, salvo para emenda de erros
materiais. É a lição clássica de Ulpiano: “Depois de pronunciada a
sentença, o juiz perde a jurisdição e não pode corrigi-la, quer haja exercido
seu ofício bem, quer o tenha feito mal” (apud Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. II, p. 353).
— A Lei nº 9.271/96 é irretroativa por inteiro (Damásio E. de Jesus,
Revista Literária de Direito, nº 12, p. 8).
—“É inaplicável o art. 366 do Cód. Proc. Penal, com a nova redação dada
pela Lei nº 9.271/96, aos delitos ocorridos antes de sua vigência” (STJ;
RHC nº 6.595/MS; 5a. Turma; rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini; j.
12.8.97; v.u.; DJU 8.9.97, p. 42.532).
—“Contendo a norma do art. 366 do Cód. Proc. Penal (...) dois princípios
integrados (suspensão do processo e do prazo prescricional), não se pode
cindi-los, para fins de aplicação retroativa” (STJ; HC nº 5.546-SP; 6a.
Turma; rel. Min. William Patterson; j. 26.5.97; v.u.; DJU 16.6.97,
p. 27.403).
51

Voto nº 1371

Recurso em Sentido Estrito nº 1.143.153/2


Arts. 21 e 22 da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa)

— Cabe à vítima oferecer diretamente queixa-crime se, embora


funcionário público, é ofendida como particular. Neste caso, não
incide a regra do art. 40, nº I, alínea b, da Lei nº 5.250, de 9.2.67 (Lei
de Imprensa), que confere ao Ministério Público a titularidade da
ação, mediante representação do ofendido.
— Não sofre o labéu de inépcia a queixa-crime que, descrevendo
conduta típica penal, enseja ao querelado o exercício da defesa
técnica.
— Não pode o Juiz rejeitar queixa-crime, exceto se o fato narrado
evidentemente não constituir crime. Presente a justa causa que
autorize a instauração da “persecutio criminis”, é força receber a
querela e submetê-la a prova.
52

Voto nº 1393
Revisão Criminal nº 338.106/7
Art. 171 do Cód. Penal

— No preceito constitucional de que todas as decisões devem ser


motivadas (art. 93, nº IX, da Const. Fed.) não se compreende o
despacho liminar positivo ou de recebimento da denúncia. Este
“dispensa motivação por não gerar preclusão quanto à regularidade da peça
vestibular da ação” (cf. Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 13a. ed., p. 47).
— A Instância Superior, quanto em si caiba, proverá que se repare o
erro ou a injustiça das decisões de primeiro grau de jurisdição, sem
haja mister fulminar-lhes nulidade, pois é sempre matéria de grande
repugnância anular processo penal, que isto representa perda
irreparável para a Justiça e resulta em seu descrédito.
— Tem alto sentido a confissão espontânea no processo penal: o
confitente, ainda que com dano de sua liberdade, prefere ser sincero
com o Magistrado que o interroga, falando-lhe verdade. Esta, a que
se pudera chamar coragem moral, é digna de recompensa, não
somente de estímulo. Ao demais, mostra-se arrependido quem
confessa e declara-se disposto à regeneração, fim último de toda a
pena.
53

Voto nº 1466
“Habeas Corpus” nº 343.082/1
Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— O decreto de prisão preventiva – “última forma coercitiva para casos


excepcionalíssimos”, na frase de Lucchini (cf. Rev. Tribs., vol. 130, p. 3)
– deve apresentar suficiente fundamentação, para que o Magistrado
não empreste sua força e autoridade a uma providência que, sobre
iníqua, passa por odiosa.
— Mas, ainda que não seja o arquétipo da decisão bem motivada, não
há averbar de carecente de fundamentação aquela que encerre base
jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se de
roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a conveniência
da decretação da custódia cautelar como que se presumem.
—“Usar de argumentos para provar cousas claras seria uma loucura igual à
daquele que, ao meio da luz do Sol trouxesse uma candeia” (Fábio
Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 373; trad. Jerônimo
Soares Barbosa).
54

Voto nº 1501

Apelação Criminal nº 1.147.611/4


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Não quadra a nota de nula à sentença que, atendendo aos cânones


judiciários, expõe, ainda que em abreviado, as teses da Defesa (art.
381, nº II, do Cód. Proc. Penal).
— É princípio de lógica jurídica e dogma processual venerando que
aquele que invoca a seu favor um álibi deve comprová-lo sem falta,
aliás não se eximirá da tacha de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc.
Penal).
— A inidoneidade das testemunhas não se presume; ao arguente
impõe-se demonstrar, além de toda a controvérsia, que faltaram à
verdade ou caíram em erro de informação. É que, na busca da
verdade real – alma e escopo do processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).
—“Ninguém tem o direito de negar o que a evidência mostra” (Bento de
Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 131).
55

Voto nº 1532

Mandado de Segurança nº 344.766/2


Lei nº 1.533/51 (Mandado de Segurança)

— Empresa proprietária de veículo objeto de arrendamento mercantil


(“leasing”) presume-se interessada em reavê-lo, no caso de
inadimplência contratual; pelo que, tem legitimidade “ad causam”,
ou “a pertinência subjetiva da ação, a titularidade na pessoa que propõe a
demanda” (Alfredo Buzaid, Do Agravo de Petição, 1956, p. 89).
—“Depois de pronunciada a sentença, o Juiz perde a jurisdição e não pode
corrigi-la, quer haja exercido seu ofício bem, quer o tenha feito mal”
(Ulpiano; apud, Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980, vol.
II, p. 353).
— Não se conhece da impetração de mandado de segurança que
desatende a um dos cânones principais a que está subordinada: a
indicação correta da autoridade coatora.

Voto nº 1583

Recurso em Sentido Estrito nº 1.158.459/2


Art. 171 do Cód. Penal;
art. 89 da Lei nº 9.099/95

— Para que dos atos e termos judiciais não fique assentado em


memória senão a verdade, é força emendar os erros materiais
involuntários, ainda que inócuos e de pouca monta.
56

Voto nº 1696

Apelação Criminal nº 1.162.951/4


Art. 10 da Lei nº 9.437/97

— Na forma de seu art. 89, não tem jus ao benefício da Lei nº 9.099/95
o réu que esteja sendo processado por outro crime.
— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa
não prevalece contra a sentença, cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Tomado sob juramento, é fidedigno o testemunho policial e pode
autorizar decreto condenatório, cabendo à Defesa provar-lhe a
falsidade (art. 156 do Cód. Proc. Penal).

Voto nº 1782

“Habeas Corpus” nº 351.884/0


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal

— Fundamentar uma decisão outra coisa não é que dar o Juiz as razões
de seu convencimento.
—“Laconismo da sentença não acarreta nulidade” (Rev. Forense, vol. 110, p.
226; rel. Min. Orosimbo Nonato).
— Por implicar reexame da sentença e do acervo probatório, não cabe
nos raios estreitos do processo de “habeas corpus” discussão a respeito
da alteração do regime prisional do réu.
57

Voto nº 2127
Agravo em Execução nº 1.194.713/5
Art. 155 do Cód. Penal;
Lei nº 9.714/98

— O Ministério Público, segundo princípio consagrado, é o guardião


da lei e o fiscal de sua execução (art. 257 do Cód. Proc. Penal). Sua
intervenção nos incidentes de execução de sentença traduz, pois,
dever institucional.
— Há casos, no entanto, em que ao Magistrado, sem fazer tábua rasa
das atribuições do Ministério Público, é lícito proceder de modo
que atenda, com superior exação, ao preceito da rapidez e eficiência
na prestação jurisdicional.
— A restrição da liberdade do indivíduo, ainda quando necessária, é
sempre mal e sofrimento. Difícil coisa é unir a dor à paciência: ao
que padece repugna esperar. Donde o haver proclamado um alto
espírito: “Não há maior tormento no mundo que o esperar” (Vieira,
Sermões, 1959, t. V, p. 210). Por amor da cessação do
constrangimento, pode o Juiz (se é que o não deva) abreviar, com
prudente arbítrio, ritos procedimentais e fórmulas que se lhe
afigurem escusadas.
— Não esquecer nunca ao Juiz o duro anátema de Rui: “Justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Oração aos Moços,
1a. ed., p. 42).
58

Voto nº 2178

“Habeas Corpus” nº 362.206/0


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 312 do Cód. Proc. Penal

— Ato mais relevante do ofício do Juiz, a decisão deve ser


fundamentada (art. 93, nº IX, da Const. Fed.), isto é, ao proferi-la
deve dar as razões de seu convencimento. Mas fundamentação
percuciente, minuciosa e castigada só a requer decisão definitiva de
mérito, não a que impõe prisão preventiva; esta se satisfaz com a
indicação da necessidade e conveniência da decretação da custódia
cautelar, que se inferem da prova da materialidade da infração penal
grave e dos indícios veementes de sua autoria.
— Geral é o repúdio ao crime de roubo, visto como denota em quem o
pratica insigne desprezo para com o semelhante, demais de ousadia
e maldade. Aliás, liberdade provisória e roubo são termos que se
implicam: dignos dela são unicamente os que não apresentam o
execrável labéu moral da periculosidade, comum aos autores dessa
espécie de crime.
59

Voto nº 2183

Apelação Criminal nº 1.184.027/4


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 226 do Cód. Proc. Penal

— Simples despacho de delibação (em que o Juiz verifica a existência


da justa causa para a persecução criminal), o que recebe a denúncia
não tem caráter decisório; destarte, porque não se equipara às
decisões a que se refere o art. 93, nº IX, da Const. Fed., não exige
fundamentação.
— Nos casos de prisão em flagrante, em que vítima e testemunhas o
indigitaram com firmeza como autor do fato criminoso, passa por
escusada a formalidade do reconhecimento pessoal do réu (art. 226
do Cód. Proc. Penal), pois que a certeza de sua identidade física foi a
razão de a autoridade policial mandar autuá-lo em flagrante delito.
— Ainda que não apreendida a arma utilizada na prática do roubo, é
força reconhecer a causa especial de aumento de pena, se
depoimentos idôneos lhe comprovaram a existência.
—“As atenuantes não permitem a redução da pena abaixo do mínimo previsto
na lei para o crime” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 104, p. 736).
— Não há proibição legal de o Juiz conceder regime semiaberto a
condenado não-reincidente a pena inferior a 8 anos (art. 33, § 2º,
alínea b, do Cód. Penal); a concessão de tal benefício unicamente é
defesa ao réu condenado a pena que exceda a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior
a 4 anos.
60

Voto nº 2567

“Habeas Corpus” nº 371.810/4


Art. 71 do Cód. Penal;
art. 648 do Cód. Proc. Penal

—“O Juiz, depois que uma vez deu e publicou a sentença, não a pode mais
revogar, senão por via de embargos; porquanto, ou julgasse bem, ou mal, o
seu ofício findou com ela” (Trigo de Loureiro, Teoria e Prática do
Processo, 1850, p. 184).
—“A sentença termina o ofício do Juiz, e por isso é irretratável; quer dizer
que, proferida a sentença definitiva, finda a jurisdição do respectivo Juiz
prolator. Salvo por via de embargos, não a poderá mais revogar” (João
Monteiro; apud Rui, Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 142).

Voto nº 2657

Recurso em Sentido Estrito nº 1.224.559/8


Arts. 139 e 107, nº IV, do Cód. Penal

— A prova do prejuízo é o padrão por que se deve aferir o alcance da


alegação de nulidade processual. Dispõe, com efeito, o art. 563 do
Cód. Proc. Penal que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade
não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.
—“Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se
não corrija” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 46).
61

Voto nº 2697

Embargos de Declaração nº 1.214.913/5 1


Arts. 619 e 798, § 6º, alínea a, do Cód. Proc. Penal

—“Em caso de dúvida sobre a tempestividade do recurso, deve ser admitido”


(STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 89, p. 799).
—“Proferida a sentença de mérito, o juiz encerra a atividade jurisdicional
sobre a imputação” (Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal,
1997, p. 327); pelo que, já não pode modificá-la, senão para
emendar erros materiais.
— Lição de Rui: “Quer dizer que o juiz, depois de proferir a sentença,
deixou de ser juiz a este respeito. É esse o direito dominante entre nós”
(Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).
—“Os embargos de declaração não se devem revestir de caráter infringente do
julgado” (Julgados do Supremo Tribunal Federal, vol. 217, p. 266; rel.
Min. Néri da Silveira).

Voto nº 1915
“Habeas Corpus” nº 355.516/1
Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Não constitui desprimor para decisão alguma retrair-se aos


argumentos expendidos pelas partes, se conformes com a reta razão
e a lógica jurídica.
—“O Juiz, no decreto de prisão preventiva, pode reportar-se aos fundamentos
constantes da promoção do Ministério Público” (Rev. Trim. Jurisp., vol.
59, p. 407; apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 13a. ed., p. 217).
— A decretação da prisão preventiva, por amor da ordem pública, não
arma ao efeito somente de prevenir a reiteração da prática de
crimes, senão também acautelar o organismo social e a própria
credibilidade da Justiça, agravados pela exacerbação da delinquência.
62

Voto nº 2940

Apelação Criminal nº 1.256.511/8


Arts. 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa;
art. 89 da Lei nº 9.099/95;
art. 41 do Cód. Proc. Penal

—“Defende-se o réu da imputação de crime contida na denúncia, não do


artigo de lei referido pela Acusação” (STF; RTJ; apud Damásio E. de
Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 17a. ed., p. 43).
— Não tem lugar a aplicação do art. 89 da Lei nº 9.099/95 aos crimes
de imprensa (Lei nº 5.250/67): à uma, porque a Lei dos Juizados
Especiais Criminais expressamente os exclui (art. 61); à outra, porque
os delitos contra a honra não pertencem ao número das infrações
penais de menor potencial ofensivo. Aliás, para o homem de bem
não vale menos a honra que a própria vida.
— Obra máxima de seu trabalho intelectual, a sentença, além de
completa, clara e concisa – como o recomendava o insigne Moura
Bittencourt (O Juiz, 1966, p. 292) –, deve, por força, dar as razões
do convencimento do Magistrado.
— Pelas consequências graves que sói acarretar ao indivíduo,
condenação apenas se decreta à face da certeza de sua culpabilidade.
—“A Defesa tem direitos superiores aos da Acusação, porque, enquanto houver
uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode conscientemente
condenar o seu semelhante” (João Mendes Jr., Processo Criminal
Brasileiro, 4a. ed., p. 388).
63

Voto nº 2996
Embargos de Declaração nº 1.229.809/8 1
Arts. 157, “caput”, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 619 do Cód. Proc. Penal

—“Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se
não corrija” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 46).
—“Li, em Confúcio: Que felicidade a minha! Sempre que cometo um erro,
logo o descobrem” (Roberto Lira, Como Julgar, como Defender, como
Acusar, p. 161).

Voto nº 3023

Apelação Criminal nº 1.266.187/9


Art. 157, “caput”, do Cód. Penal;
arts. 381, nº II, e 563 do Cód. Proc. Penal

— A palavra da vítima de roubo, sobretudo quando em harmonia com


outros elementos de convicção do processo, pode justificar decreto
condenatório. Protagonista do fato criminoso, é pessoa a mais
capacitada para dele discorrer e indicar seu autor.
— A inobservância do preceito do art. 381 do Cód. Proc. Penal –
exposição sucinta da acusação e da defesa – apenas anula a sentença
quando causa prejuízo ao réu, que o deve comprovar (art. 563),
conforme entendimento do STF (Rev. Trim. Jurisp., vol. 60, p. 405).
— A simulação de porte de arma de fogo, suposto constitua meio
executório do roubo, não lhe é causa de agravação da pena, segundo
a melhor jurisprudência (cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal
Anotado, 8a. ed., p. 522).
64

Voto nº 3054
Agravo em Execução nº 1.250.005/7
Art. 7º, nº IV, do Decreto Presidencial nº 3.226/99

— Não sofre a tacha de irregularidade a decisão proferida em autos de


pedido de comutação de penas logo em seguida à manifestação do
Ministério Público, sem deles tenha tido vista de novo a Defesa,
pois que a lei o não exige.
— Para estar fundamentada, não há mister seja a decisão longa nem
prolixa; basta que seu prolator, com raciocínio lógico, dê os motivos
de seu convencimento.
— Não só do indulto pleno, também da comutação de penas (ou
indulto parcial) o Decreto Presidencial nº 3.226, de 29.10.99, excluiu
expressamente, em seu art. 7º, nº IV, os condenados por roubo com
emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal), como a
significar-lhes a suma abjeção do ato com que violaram a ordem
jurídica.
65

Voto nº 3116

Apelação Criminal nº 1.269.193/8


Art. 129 do Cód. Penal;
arts. 381 e 564, nº III, do Cód. Proc. Penal

— É princípio consagrado pelos Tribunais que sentenças não se


anulam, salvo quando proferidas sem atenção a seus requisitos
elementares ou não lhes possa a instância recursal suprir os defeitos.
Grande sabedoria encerra esse ditame, que manda guardar as
sentenças do golpe mortal da nulidade, pois “os Juízes, por definição,
não podem enganar-se” (Valdemar César da Silveira, Dicionário de
Direito Romano, 1957, vol. II, p. 588). Ao demais, muita vez na
emenda é que está o erro!
— Para o Magistrado não há deslustre em dar nova decisão, por ter-lhe
o Tribunal cassado a anterior. Sirvam-lhe de consolo estas palavras
do insigne Min. Orosimbo Nonato: “Todos os homens erramos.
Ninguém possui a pedra lídia da verdade” (in Rev. Forense, vol. 177, p.
143).
—“Judicis est semper in causis verum sequi”. Em vulgar: Nas causas, é
próprio do Juiz seguir sempre a verdade (Cícero).
66

Voto nº 3365

Agravo em Execução nº 1.271.461/6


Arts. 122, 123 e 124 da Lei de Execução Penal

— Ainda que seja próprio do sábio mudar de parecer, quando o faz


para melhor (“Sapientis est mutare consilium”), não raro na emenda é
que está o erro!
— Suposto seja o castigo-retribuição um dos intuitos da pena, é a
recuperação do infrator a magna preocupação dos penitenciaristas e
daqueles a quem toca sua execução.
— Que autor de crime grave, com personalidade antissocial, deva
segregar-se em presídio da última severidade, ao menos no início, é
medida que a ordem jurídica reclama e o bom-senso recomenda;
negar todavia ao condenado o direito de, paulatinamente,
reconquistar, na esfera social, o “status dignitatis” de que decaiu por
efeito do crime cometido, é perverter o fim principal da pena: a
regeneração do infrator.
—“A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1980, 6a. ed., vol. I, t. I, p. 14).
67

Voto nº 3395

Apelação Criminal nº 1.281.357/6


Art. 180, “caput”, do Cód. Penal;
art. 156 do Cód. Proc. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença, cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp. nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A apreensão da “res furtiva” em poder do agente, que o não saiba
justificar, basta a definir-lhe a culpa (“lato sensu”), notadamente se
estão seus protestos de inocência às testilhas com sua biografia
penal, em que avultam crimes contra o patrimônio.
—“Há pessoas que mentem com mais firmeza do que os tímidos dizem a
verdade” (Edgard de Moura Bittencourt, Vítima, 1a. ed., p. 104).
— No crime de receptação (art. 180, “caput”, do Cód. Penal), impossível
que é desvendar os segredos da alma humana, somente as
circunstâncias do fato revelarão se o agente obrou, ou não, com
dolo; delas apenas é que se poderá inferir se lhe era do
conhecimento a origem ilícita das coisas adquiridas em proveito
próprio.
68

Voto nº 4192

Apelação Criminal nº 1.324.275/1


Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal;
art. 155, § 2º, do Cód. Penal;
art. 381 do Cód. Proc. Penal

— Nenhuma sentença, com ser o ato mais relevante do ofício do Juiz,
deve ser anulada, salvo a hipótese de ter-se desabraçado
inteiramente de seu padrão legal (art. 381 do Cód. Proc. Penal).
— A circunstância de conter a sentença fundamentação sucinta ou
deficiente não a invalida. Fundamentar sentença é dar o Juiz as
razões de seu convencimento.
— Expressão aguda da patologia jurídica, a nulidade é mal que se deve
prevenir e conjurar sempre; nem todo ato judicial, porém, há de
arrolar-se entre as mazelas incuráveis do Direito. Alguma eiva que
acaso encerre, pode o Tribunal emendá-la, que para isto a sabedoria
das nações instituiu os recursos, remédio salutar, segundo Ulpiano,
para “emendar a iniquidade e reparar a imperícia dos julgadores” (apud
Rui, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 169).
— É próprio do Juiz, e grande pensão de seu árduo ofício, julgar; para
tanto, necessita examinar de assento e sobremão as provas dos autos
e avaliá-las segundo a craveira da razão lógica.
— Subtração de coisa alheia móvel, sem ameaça nem violência a
pessoa, constitui furto que não roubo. Alguma dúvida que possa
haver a respeito do teor de proceder do réu será resolvida em seu
benefício, conforme o prolóquio sublime com que a Justiça
Criminal ilustra suas decisões: “In dubio pro reo”.
69

Voto nº 4701

“Habeas Corpus” nº 441.532/2


Arts. 157, § 2º, ns. I e II, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 647 do Cód. Proc. Penal

— Efeito grande do progresso cultural dos povos, o direito de defesa


constitui, de presente, garantia impostergável do indivíduo. Toda
vez que acusado de crime, tem jus à defesa, mesmo que, vilíssimo
entre os de sua condição, esteja o réu naquele ponto da escala
zoológica onde o homem confina com a animalidade bruta.
— Nulidade de ato processual somente se declara em face de prova
plena e incontroversa de prejuízo às partes, ou se “houver influído na
apuração da verdade substancial ou na decisão da causa” (arts. 563 e 566
do Cód. Proc. Penal).
70

Voto nº 4888

Apelação Criminal nº 1.384.203/1


Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal

— Não coincide sempre o empenho exemplar do advogado com o


êxito feliz da causa; basta-lhe, por isso, tenha defendido o cliente
com elevação, proficiência e desvelo, que mais se não pode exigir
dos que professam o nobre ministério da Advocacia.
— A crítica irrogada ao testemunho policial com o intuito de
desmerecê-lo constitui solene despropósito, pois toda a pessoa pode
ser testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal) e aquela que, depondo
sob juramento, falta à verdade incorre nas penas da lei, donde a
inépcia do raciocínio apriorístico de que o policial vem a Juízo para
mentir.
— No caso de roubo, tem a palavra da vítima extraordinária
importância para comprovar-lhe a materialidade e a autoria: parte
precípua no evento criminoso, é a que está em melhores condições
de, à luz da verdade sabida, reclamar a punição unicamente do
culpado.
71

Voto nº 5105

Apelação Criminal nº 1.355.765/8


Art. 90 da Lei nº 8.666/93;
art. 386, nº III, do Cód. Proc. Penal;
art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal

— De aplicação exclusiva no Juizado Especial Federal, a Lei nº


10.259/01 não compreende os ilícitos penais de menor potencial
ofensivo da competência da Justiça Criminal do Estado, nem lhes
alterou o conceito. Pelo que, na esfera estadual, não tem jus ao
benefício da transação penal o autor de crime a que é cominada
pena superior a um ano (arts. 61 e 76 da Lei nº 9.099/95).
— Porque não revogado pela Lei nº 10.259/01, o art. 61 da Lei nº
9.099/95 – que define as infrações penais de menor potencial
ofensivo – é o que serve de estalão para a proposta de transação
penal (art. 76).
— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa
não prevalece contra sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A figura do art. 90 da Lei nº 8.666/93 – que instituiu normas para
licitações e contratos da Administração Pública – somente se
integra, segundo a comum opinião dos doutores, com a obtenção de
vantagem econômica. “A infração só se realiza caso demonstrado o fim
especial de agir: (...) intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação” (Marcelo Leonardo,
Crimes de Responsabilidade Fiscal, 2001, p. 53);
72

— Advogado que emite parecer em processo de licitação não incorre


na censura do Direito Penal: à uma, porque, ao opinar, não obriga a
Administração Pública; à outra, porque é “inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão” (art. 133 da Const. Fed.);
à derradeira, porque ninguém pode ser punido por pensar:
“Cogitationis poenam nemo patitur” (Ulpiano).
— Entre os princípios que informam o processo penal sobreleva o de
que somente a certeza é base legítima de condenação. Na dúvida, ou
falta de prova de autoria, o único desfecho admissível para o feito-
crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra jurídica de cunho
universal: “In dubio pro reo”.
— Se a prova dos autos não lhe permite abraçar, com segurança e
motivação lógica, a proposta acusatória, deve o Juiz inclinar-se,
prudentemente, à solução que favorecer o réu.

Voto nº 5184

“Habeas Corpus” nº 456.108/9


Art. 180, “caput”, do Cód. Penal;
art. 112 da Lei de Execução Penal;
art. 647 do Cód. Proc. Penal

— Em princípio, não se conhece de “habeas corpus” impetrado com o


intuito de obter modificação de regime prisional, pois seu rito é
incompatível com o exame das circunstâncias objetivas e subjetivas,
imprescindível à concessão do benefício.
— Toda a decisão deve ser fundamentada, sob pena de nulidade (art.
93, nº IX, da Const. Fed.). Atende ao rigor do preceito o Magistrado
que, ao fixar regime prisional, alega com a gravidade do crime
(receptação dolosa) e a personalidade do réu (reincidente).
73

Voto nº 5236

Agravo em Execução nº 1.407.505/2


Art. 131 da Lei de Exec. Penal;
art. 83, ns. I e II, e parág. único, do Cód. Penal;
art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— A demora do Conselho Penitenciário em emitir parecer sobre


livramento condicional (art. 131 da Lei de Execução Penal) autoriza o
Magistrado a decidi-lo de plano, por amor da celeridade, que passa
por um dos maiores atributos da jurisdição.
—“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”
(Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42). Tal exortação naturalmente
sobe de ponto, em se tratando de réu preso: perdida a liberdade –
bem supremo do homem –, o anseio de recobrá-la não sofre nem
admite dilação desarrazoada. Aqui toda a delonga parece funesta,
pois “mata a esperança, que é o último remédio que deixou a natureza a
todos os males”, como afirmou o elegante Vieira (Sermões, 1682, t. II,
p. 87).
— Suposto o conflito entre a Lei e o Direito, para a parcialidade deste
é que se deve inclinar o Juiz. “O direito é que é a fonte da lei” (Eliézer
Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 47).
74

Voto nº 5865

“Habeas Corpus” nº 472.579-3/0-00


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal;
art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

— O decreto de prisão preventiva – “última forma coercitiva para casos


excepcionalíssimos”, na frase de Lucchini (cf. Rev. Tribs., vol. 130, p. 3)
– deve apresentar suficiente fundamentação, para que o Magistrado
não empreste sua força e autoridade a uma providência que, sobre
iníqua, passa por odiosa.
— Mas, ainda que não seja o arquétipo da decisão bem motivada, não
há averbar de carecente de fundamentação aquela que encerre base
jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se de
roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a conveniência
da decretação da custódia cautelar como que se presumem.
—“Usar de argumentos para provar cousas claras seria uma loucura igual
à daquele que, ao meio da luz do Sol trouxesse uma candeia” (Fábio
Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 373; trad. Jerônimo
Soares Barbosa).
75

Voto nº 7300

Agravo em Execução nº 904.913-3/9-00


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 182 do Cód. Proc. Penal;
arts. 6º, 8º e 112 da Lei de Execução Penal;
arts. 5º, nº XLVI, e 93, nº IX, da Const. Fed.

— Se o sentenciado atende aos requisitos do art. 112 da Lei de Execução


Penal, isto é, “tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário”, faz jus à progressão
ao regime semiaberto. Somente fato grave, indicativo de
personalidade anômala e refratária aos estímulos da recuperação,
poderá obstar-lhe a mudança para regime prisional mais brando.
— Não padece do vício de nulidade a decisão que, suposto sucinta, dá
as razões do convencimento de seu prolator, fundadas na prova e em
bom direito (art. 93, nº IX, da Const. Fed.).
— Atende à regra do contraditório e, portanto, exime-se da nota de
nula, a decisão que assegura às partes oportunidade de manifestação
nos autos, segundo a fórmula jurídica “audiatur et altera pars”
(ouça-se também a parte contrária).
— A Lei nº 10.729/03 – que deu nova redação ao art. 112 da Lei
de Execução Penal – não aboliu o exame criminológico para a
progressão de regime, o qual pode ser realizado se as circunstâncias
pessoais do sentenciado e a natureza do crime que cometeu o
aconselharem. Nisto, como no mais, obrará sempre o Magistrado
com a prudência e o arbítrio do bom varão.
76

Voto nº 7742

Apelação Criminal nº 484.368-3/0-00


Art. 157, “caput”, do Cód. Penal;
art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal

— Na condição de seu protagonista, é a vítima a pessoa mais


autorizada a narrar as circunstâncias do fato delituoso; mas, para
que sua palavra legitime decreto condenatório, há mister receba
apoio, ainda que mínimo, de outros elementos do processo, v.g.:
confissão do réu, apreensão da “res furtiva” em seu poder,
depoimento de testemunha, etc.; se não, é força pronunciar o “non
liquet” e mandar o réu em paz, por insuficiência de prova da
acusação (art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal).
— De todas as máximas que devem inspirar o Julgador, nenhuma se
tem por mais respeitável que esta: condenação exige certeza.
Dúvida, em Direito Penal, é o outro nome da falta de prova.
— Desde que os autos deparem dúvida ao Juiz, não fará melhor que
absolver o acusado, em obséquio ao princípio geral, vigorante nas
legislações dos povos cultos: “In dubio pro reo”.
77

Voto nº 7834

Apelação Criminal nº 387.509-3/8-00


Arts. 10, § 3º, nº IV, e 12, “caput”, da Lei nº 9.437/97;
art. 202 do Cód. Proc. Penal;
arts. 6º, 8º e 112 da Lei de Execução Penal;
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A posse irregular de arma de fogo de uso permitido tipifica a
infração do art. 12, “caput”, da Lei nº 10.826/03 (Estatuto do
Desarmamento), independentemente de perigo concreto.
— A crítica irrogada ao testemunho policial com o intuito de
desmerecê-lo constitui solene despropósito, pois toda a pessoa pode
ser testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal) e aquela que, depondo
sob juramento, falta à verdade incorre nas penas da lei, donde a
inépcia do raciocínio apriorístico de que o policial vem a Juízo para
mentir.
— Ao cominar pena àquele que, sem licença da autoridade, traz arma
consigo, pôs a mira o legislador em “evitar a posse indiscriminada de
armas de fogo e os perigos que acompanham a admissão de uma sociedade
armada sem que existam controles ou regras gerais estabelecidas” (Luiz
Flávio Gomes, Lei das Armas de Fogo, 1998, p. 107).
— A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui
forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria
sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
17a. ed., p. 358).
78

Voto nº 7969

Agravo em Execução nº 908.124-3/7-00


Arts. 12 e 14 da Lei nº 6.368/76;
art. 1º do Prov. nº 855/2004 do Conselho Superior da
Magistratura;
arts. 86 da Lei de Execução Penal

—“Ex vi” do Prov. nº 855/2004 do Conselho Superior da Magistratura,


“serão processadas na Vara das Execuções Criminais da Capital,
provisoriamente, todas as execuções relativas a reeducandos internados na
Penitenciária José Parada Neto e no Presídio Adriano Marrey, situados na
Comarca de Guarulhos” (art. 1º).
—“Muita vez é na emenda que está o erro” (Adágio).
—“Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao
retorno do condenado ao convívio social. (...) A ordem jurídica em vigor
consagra o direito do preso de ser transferido para local em que possua suas
raízes, visando à indispensável assistência pelos familiares” (Rev. Trim.
Jurisp., vol. 113, p. 1.049; rel. Min. Aldir Passarinho).
79

Voto nº 8558

Recurso em Sentido Estrito nº 934.696-3/1-00


Arts. 214 e 24, alíneas a e c, do Cód. Penal;
art. 312 do Cód. Proc. Penal

—“Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a


privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes
razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a
decretação ou a subsistência da prisão preventiva” (STF; Rev. Trim.
Jurisp., vol. 180, pp. 262-264; rel. Min. Celso de Mello).
— Mudar de parecer, com melhor fundamento, é próprio do juiz sábio
(“Sapientis est mutare consilium”).

Voto nº 9024

Recurso em Sentido Estrito nº 926.743-3/3-00


Art. 12 da Lei de Tóxicos;
art. 14 da Lei nº 10.826/03;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

—“A casa é o asilo inviolável do cidadão”, reza a Constituição Federal (art.


5º, nº XI); por isso, nela ninguém pode penetrar, se o não consentir
o morador, ou ordenar a autoridade judicial. O preceito legal
mesmo, no entanto, excepciona hipótese de flagrante delito.
—“O delito de guarda ou depósito de arma de fogo constitui crime
permanente, admitindo a entrada na casa do infrator para efetuar prisão
em flagrante” (Damásio E. Jesus, Crimes de Porte de Arma de Fogo e
Assemelhados, 2a. ed., p. 48).
— Sucessivas decisões contraditórias em processo criminal têm sempre
operado como causa de insegurança nos negócios jurídicos e grande
descrédito da Justiça, pelo que se devem evitar quanto possível.
80

Voto nº 8981

Apelação Criminal nº 484.665-3/6-00


Arts. 21, 107, nº IV, e 110, § 1º, e do Cód. Penal;
art. 61 do Cód. Proc. Penal;
art. 10, § 3º, nº III, da Lei nº 9.437/97

— Feita em Juízo, tem a confissão do réu valor absoluto, porque


estreme de eventuais defeitos que a podiam viciar, como a coação
moral. Rainha das provas (“regina probationum”) chamavam-lhe os
velhos praxistas, e tal apanágio ainda lhe reconhece a jurisprudência
dos Tribunais, pelo que autoriza a edição de decreto condenatório.
— É superior a toda a crítica a sentença que, baseada em prova segura,
condena sujeito que, sem autorização legal, possui em casa “cangalha
de balão” (suporte para os fogos de artifício), por se tratar de artefato
explosivo (art. 10, § 3º, nº III, da Lei nº 9.437/97).
—“O desconhecimento da lei é inescusável” (art. 21 do Cód. Penal).
—“Todo homem deve saber do fundo do seu coração o que é certo e o que é
errado” (Alberto Oliva; apud Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de
Moraes Jr., Crime e Castigo, 2002, p. 3).
— A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui
forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria
sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
18a. ed., p. 358).
— Decretada a extinção da punibilidade do apelante pela prescrição da
pretensão punitiva estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser
objeto de exame ou deliberação.
81

Voto nº 9288

Agravo em Execução nº 1.050.301-3/8-00


Art. 159, § 1º, do Cód. Penal;
art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.072/90;
arts. 66, nº III, alíneas b e f, e 112 da Lei de Execução Penal

—“Somente quando não motivada a sentença é nula. Assim, a circunstância


de conter fundamentação sucinta ou deficiente não a invalida (STF, RTJ
73/222)” (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 22a.
ed., p. 288).
— Sob pena de violação da coisa julgada material, instituto
capitalíssimo em que assenta a ordem jurídica, o Juízo de Execução
não pode alterar o regime prisional fechado, imposto pela sentença
condenatória a autor de extorsão mediante sequestro qualificada
(art. 159, § 1º, do Cód. Penal), crime da classe dos hediondos, sem
atender ao requisito do lapso temporal: 2/5 para o condenado
primário, 3/5 para o reincidente (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90: Lei
dos Crimes Hediondos).
— Questões relativas à progressão de regime prisional e a outros
incidentes de execução da pena são da competência originária do
Juízo das Execuções Criminais (art. 66, nº III, alíneas b e f, da Lei de
Execução Penal); ao Tribunal, apenas em grau de recurso, cabe o
reexame do ponto ali decidido, sendo-lhe defeso deferi-lo na via
sumaríssima e estreita do “habeas corpus”.
— Se o sentenciado atende aos requisitos do art. 112 da Lei de Execução
Penal, isto é, tiver descontado, no regime anterior, parte da pena –
2/5, se autor de crime hediondo e primário – “e ostentar bom
comportamento carcerário”, faz jus à progressão ao regime semiaberto.
Somente fato grave, indicativo de personalidade anômala e refratária
aos estímulos da recuperação, poderá obstar-lhe a mudança para
regime prisional mais brando.
82

Voto nº 9486

“Habeas Corpus” nº 1.123.849-3/4-00


Arts. 157, § 2º, ns. I e II, e 159, § 1º, do Cód. Penal;
arts. 312, 366 e 648, nº I, do Cód. Proc. Penal;
arts. 5º, nº LVII, e 93, nº IX, da Const. Fed.

— Matéria de alta indagação, como a que entende com a autoria do


crime, é insuscetível de exame em processo de “habeas corpus”, de
rito sumaríssimo; apenas cabe na instância ordinária, com
observância da regra do contraditório (art. 648, nº I, do Cód. Proc.
Penal).
— Não entra em dúvida que, a despeito do princípio da presunção de
inocência, consagrado na Constituição da República (art. 5º, nº
LVII), subsiste a providência da prisão preventiva, quando
conspiram os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal:
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde que comprovada a
materialidade da infração penal e veementes indícios de sua autoria.
— Não requer o despacho de prisão preventiva o mesmo rigor que
deve encerrar a decisão definitiva de condenação. É o escólio de
Damásio E. de Jesus ao art. 312 do Cód. Proc. Penal: “A prisão
preventiva exige prova bastante da existência do crime e indícios suficientes
de autoria. Não é necessária a mesma certeza que deve ter o juiz para a
condenação do réu” (cf. Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p.
249).
— Embora seja de Magistrado motivar sempre suas decisões, ninguém
ainda ousou contestar a verdade destas palavras do conspícuo
Ministro Mário Guimarães, do Supremo Tribunal Federal, grande
sabedor da matéria: “Certas decisões, também, se fundamentam por si
mesmas. Insistir em justificá-las, seria ocioso” (O Juiz e a Função
Jurisdicional, 1958, p. 347).
83

Voto nº 9533

Apelação Criminal nº 406.254-3/0-00


Arts. 157, § 2º, nº II, e 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal;
art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal;
art. 1º da Lei nº 2.252/54

—“Amplo é o poder do juiz da apelação no reexame da imputação que


demarca o objeto da ação penal e do processo. (...) A posição do Tribunal é,
em tudo, a mesma do juiz singular ao ter este de proferir a sentença
definitiva da causa” (José Frederico Marques, Elementos de Direito
Processual Penal, 1a. ed., vol. IV, p. 232).
— A decretação da nulidade de sentença, drástica medida que subverte
a ordem normal dos atos da Justiça, apenas cabe quando impossível
restaurar por outro meio o direito violado.
— Não se caracteriza o crime de corrupção de menores (art. 1º da Lei
nº 2.252/54), sem a prova da preexistente inocência do menor e da
atuação decisiva do agente para corrompê-lo.
— Diz-se consumado o roubo se o agente, ainda que por breve lapso
de tempo, teve a posse desvigiada da coisa subtraída à vítima
mediante violência ou grave ameaça.
— Não há proibição legal de o Juiz conceder regime semiaberto a
condenado não-reincidente a pena inferior a 8 anos (art. 33, § 2º,
alínea b, do Cód. Penal); a concessão de tal benefício unicamente é
defesa ao réu condenado a pena que exceda a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior
a 4 anos.
— Embora seja o regime fechado o que, em linha de princípio,
verdadeiramente condiz com a gravidade do roubo e com o caráter
maligno de quem o pratica, a Lei não proíbe que o Magistrado
defira ao condenado primário e menor de 21 anos o benefício do
regime semiaberto (art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal).
84

Voto nº 9596

Recurso em Sentido Estrito nº 930.629-3/8-00


Art. 312, nº VI, do Cód. Proc. Penal

— Sentença condenatória torna despropositada e estéril toda a


controvérsia a respeito de eventual ilegalidade do despacho que,
durante a instrução criminal, relaxa prisão em flagrante do réu.
—“Cessa o interesse processual se decisão anterior apreciou a matéria
deduzida” (STJ; HC nº 7.294; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; j. 19.8.98).
—“Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a
privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes
razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a
decretação ou a subsistência da prisão preventiva (...)” (STF; Rev. Trim.
Jurisp., vol. 180, pp. 262-264; rel. Min. Celso de Mello).
85

Voto nº 9675

“Habeas Corpus” nº 1.154.383-3/9-00


Arts. 157, § 2º, nº II, e 226 do Cód. Penal;
arts. 226, 310, parág. único, e 312 do Cód. Proc. Penal;
arts. 5º, nº LVII, e 93, nº IX, da Const. Fed.

— Matéria de alta indagação, como a que entende com o elemento


moral do crime (dolo), é insuscetível de exame em processo de
“habeas corpus”, de rito sumaríssimo; apenas cabe na instância
ordinária, com observância da regra do contraditório (art. 648, nº I,
do Cód. Proc. Penal).
—“Habeas Corpus” – Pedido de liberdade provisória – Roubo
praticado mediante concurso de agentes – Necessidade da custódia
cautelar – Ordem denegada.
— A concessão de liberdade provisória ao réu preso a lei subordina à
satisfação de requisito indeclinável: inocorrência de motivo que
autorize a prisão preventiva (cf. art. 310, parág. único, do Cód. Proc.
Penal). Ora, por sua periculosidade, o autor de roubo incide na
cláusula restritiva; pelo que, não tem jus ao benefício.
— Não entra em dúvida que, a despeito do princípio da presunção de
inocência, consagrado na Constituição da República (art. 5º, nº
LVII), subsiste a providência da prisão preventiva, quando
conspiram os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal:
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde que comprovada a
materialidade da infração penal e veementes indícios de sua autoria.
— Não há averbar de falta de fundamentação a decisão que encerra
base jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se
de roubo, crime de extrema gravidade, a necessidade e a
conveniência da decretação da custódia cautelar como que se
presumem.
86

— O preceito do art. 226 do Cód. Proc. Penal não deve ser interpretado
com excessivo rigor nem tomado em sua acepção literal, pois, no
reconhecimento de pessoa, esta “será colocada, se possível, ao lado de
outras que com ela tiverem qualquer semelhança”. Condicionada a
realização do ato à possibilidade, claro está que lhe não atribuiu o
legislador o cunho de exigência impostergável.

Voto nº 9752

Apelação Criminal nº 956.585-3/6-00


Art. 180, § 1º, do Cód. Penal

— Nos crimes de receptação dolosa, porque mui difícil apurar o


elemento subjetivo do tipo, cumpre recorrer às circunstâncias
mesmas do fato e à personalidade do agente (art. 180 do Cód. Penal).
—“O preceito secundário do § 1º (do art. 180 do Cód. Penal) deve ser
desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da
proporcionalidade e da individualização legal da pena” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 697).
—“A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional,
desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade” (Idem,
ibidem).
— Em se tratando de simples “emendatio libelli”, é força proceder à
devida correção, ainda que em Segunda Instância. Conforme o
STF, pode o Juiz, se é que o não deva, na sentença, corrigir o erro
(Rev. Trim. Jurisp., vol. 79, p. 95; apud Damásio E. de Jesus, Código
de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 291).
87

Voto nº 9915

Recurso em Sentido Estrito nº 1.171.963-3/0-00


Arts. 121, § 2º, ns. II e IV, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 408 do Cód. Proc. Penal;
art. 93, nº IX, Const. Fed.

— A linguagem do Magistrado, ao proferir sentença de pronúncia, não


deve ser tão profunda e prolixa, que pareça ferir o mérito da causa,
nem tão sutil e etérea, que não dê a conhecer as razões que o
induziram a mandar o réu a júri.
— O julgador que, de modo sucinto e com sobriedade, discorre das
qualificadoras do homicídio articuladas na denúncia contra o réu,
para afastá-las ou acolher, não infringe a lei nem conculca direito de
terceiro, antes atende a critério de legalidade estrita, a saber: art.
408 do Cód. Proc. Penal e art. 93, nº IX, da Constituição da República.
— A decisão de pronúncia tira ao efeito somente de submeter a
julgamento pelo Júri o acusado da prática de crime doloso contra a
vida (art. 408 do Cód. Proc. Penal). Donde veio a dizer José Frederico
Marques: “A pronúncia é sentença processual de conteúdo declaratório em
que o juiz proclama admissível a acusação, para que esta seja decidida no
plenário do Júri” (Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol.
III, p. 217; Millennium Editora).
— As qualificadoras articuladas na denúncia apenas podem ser
excluídas quando manifesta sua inocorrência; do contrário, são os
Jurados os que sobre elas se devem pronunciar, porque matéria de
sua competência.
88

Voto nº 10.265

Recurso em Sentido Estrito nº 1.198.032-3/0-00


Art. 171, “caput”, e § 2º, nº VI, do Cód. Penal;
art. 463, nº I, do Cód. Proc. Civil

— É da tradição de nosso Direito, por aplicação analógica do art. 463,


nº I, do Cód. Proc. Civil, que o juiz pode corrigir, de ofício, erros ou
inexatidões materiais; nos mais casos, proferida a decisão, termina o
seu ofício, conforme a regra de Ulpiano: “(...) officium functus est”
(Dig. 42, 1, 55).
—“Já no Direito romano, Ulpiano ensinava: Depois de pronunciada a
sentença, o juiz perde a jurisdição e não pode corrigi-la, quer haja exercido
seu ofício bem, quer o tenha feito mal” (Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. II, p. 353).
—“O despacho de recebimento da denúncia importa juízo de admissibilidade
da acusação... e, sendo irrecorrível, não pode ser reconsiderado” (STF, Rev.
Trim. Jurisp., vol. 18, p. 176).
89

Voto nº 10.482

Agravo em Execução nº 993.08.029667-7


Art. 112 da Lei de Execução Penal;
art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos);
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— A despeito da nova redação que a Lei nº 10.792/03 deu ao art. 112


da Lei de Execução Penal, subsiste a possibilidade de realização do
exame criminológico, “quando o entender indispensável o juiz da
execução para a decisão sobre progressão de regime” (Julio Fabbrini
Mirabete, Execução Penal, 11a. ed., p. 59).
— Não padece do vício de nulidade a decisão que, suposto sucinta, dá
as razões do convencimento de seu prolator, fundadas na prova e em
bom direito (art. 93, nº IX, da Const. Fed.).
— A Lei nº 10.729/03 – que deu nova redação ao art. 112 da Lei de
Execução Penal – não aboliu o exame criminológico para a
progressão de regime, o qual pode ser realizado se as circunstâncias
pessoais do sentenciado e a natureza do crime que cometeu o
aconselharem. Nisto, como no mais, obrará sempre o Magistrado
com a prudência e o arbítrio do bom varão.
— Se o sentenciado atende aos requisitos do art. 112 da Lei de Execução
Penal, isto é, “tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário”, faz jus à progressão
ao regime semiaberto. Somente fato grave, indicativo de
personalidade anômala e refratária aos estímulos da recuperação,
poderá obstar-lhe a mudança para regime prisional mais brando.
— Sob pena de violação da coisa julgada material, instituto
capitalíssimo em que assenta a ordem jurídica, o Juízo de Execução
não pode alterar o regime prisional fechado, imposto pela sentença
condenatória a autor de tráfico de entorpecentes (art. 12 da Lei
nº 8.072/90), crime da classe dos hediondos, sem atender ao requisito
do lapso temporal: 2/5 para o condenado primário, 3/5 para o
90

reincidente (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, Lei dos Crimes


Hediondos).
— Decisões contraditórias no seio da Justiça operam sempre como
fator de insegurança dos negócios jurídicos, em detrimento grave de
seu nome e crédito.

Voto nº 10.664

Apelação Criminal nº 993.07.027680-0


Art. 157, "caput", do Cód. Penal;
arts. 202 e 381 do Cód. Proc. Penal

— Não é “de bom conselho medir pelos ângulos de um compasso o valor


jurídico de uma peça forense” (apud Edgard Costa, Os Grandes
Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, 1964, vol. I, p. 34).
— Palavras de quem foi protagonista do fato delituoso, as da vítima
são, pelo comum, dignas de crédito; servem, pois, a lastrear
condenação, máxime se a roborarem outros elementos do processo.
— A crítica irrogada ao testemunho policial com o intuito de
desmerecê-lo constitui solene despropósito, pois toda a pessoa pode
ser testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal) e aquela que, depondo
sob juramento, falta à verdade incorre nas penas da lei, donde a
inépcia do raciocínio apriorístico de que o policial vem a Juízo para
mentir.
— É, por força, o regime prisional fechado o mais compatível com o
autor de roubo, sobretudo se indivíduo que ostenta copiosos traços
negativos de personalidade e se consagrou abertamente à vida fora
da lei, de todo infenso às regras que disciplinam a convivência
humana.
91

Voto nº 10.855

Apelação Criminal nº 990.08.054476-4


Arts. 202 e 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 12 da Lei nº 6.368/76;
arts. 28, 33, § 4º, e 40, nº VI, da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas)

—“Não é inepta a denúncia que proporciona ao acusado a plena defesa


assegurada pela Constituição Federal” (cf. STF; Rev. Trim. Jurisp., vol.
85, p. 70).
— Sentença que, em operação lógica do espírito, deduz de vigoroso
contingente probatório a culpabilidade do agente não tolera a nota
de mal fundamentada, antes será padrão muito de imitar, pois
encerra todos os requisitos substanciais para sua validade (art. 381 do
Cód. Proc. Penal).
— A apreensão de grande quantidade de tóxico em poder do acusado
argui para logo a ideia de tráfico (art. 33, “caput”, da Lei nº
11.343/06 — Lei de Drogas).
— A inidoneidade das testemunhas não se presume; ao arguente
impõe-se demonstrar, além de toda a controvérsia, que faltaram à
verdade ou caíram em erro de informação. É que, na busca da
verdade real – alma e escopo do processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).
— Vale o depoimento pelo grau de veracidade que encerra. Com
respeito aos policiais, há decisão histórica do Pretório Excelso: “A
simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita”
(HC nº 51.577; DJU 7.12.73, p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus,
Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 187).
92

— A desclassificação do crime do art. 33 da Lei de Drogas para o tipo


do art. 28 não se mostra atendível, se o réu trazia consigo
considerável quantidade de substância entorpecente, que a Polícia
apreendeu, pois tal circunstância revela que se destinava ao
comércio ilícito, e não ao uso próprio.

Voto nº 11.199

“Habeas Corpus” nº 990.08.134402-5


Arts. 157, § 2º, ns. I e V, 288 e 71 do Cód. Penal;
arts. 41 e 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal;
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— Não há averbar de falta de fundamentação a decisão que encerra


base jurídica e fática bastante a garantir-lhe a validade. Tratando-se
de roubo, crime em extremo grave, a necessidade e a conveniência
da decretação da custódia cautelar como que se presumem.
— Se preso em flagrante delito, é razão que o acusado aguarde,
no cárcere, a verificação de sua culpabilidade ou inocência,
principalmente se não satisfaz às condições de caráter subjetivo que
lhe permitam a concessão de liberdade provisória (art. 310, parág.
único, do Cód. Proc. Penal).
— A concessão de liberdade provisória ao réu preso a lei subordina à
satisfação de requisito indeclinável: inocorrência de motivo que
autorize a prisão preventiva (cf. art. 310, parág. único, do Cód. Proc.
Penal). Ora, por sua periculosidade, o autor de roubo incide na
cláusula restritiva; pelo que, não tem jus ao benefício.
— Pedido de desclassificação do fato criminoso não cabe na esfera
angusta do “habeas corpus”, onde não têm entrada questões de alta
indagação, ou que impliquem aprofundado exame da prova dos
autos.
93

Voto nº 11.174

Apelação Criminal nº 990.08.053531-5


Art. 12 da Lei nº 6.368/76; art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90;
art. 38 da Lei nº 10.409/2002; art. 64, nº I, do Cód. Penal;
arts. 33, “caput”, e 55 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas);
arts. 93, nº IX, e 133 da Const. Fed.

— A Lei nº 10.409/02 não revogou os arts. 12 e seguintes da Lei nº


6.368/76. É que uma lei revoga outra, quando expressamente o
disponha, ou quando, em relação à lei nova, a anterior se torne
antagônica e antinômica, gerando com ela incompatibilidade.
—“O rito especial previsto na Lei nº 10.409/02 aplica-se apenas aos crimes
nela previstos, os quais, insertos nos arts. 14 a 26, que integram a seção
única do Capítulo III, foram integralmente vetados, por vício de
inconstitucionalidade” (STJ; HC nº 28.300-RJ; 6a. Turma; rel. Min.
Paulo Medina; j. 16.12.2003; DJU 3.11.2004, p. 245).
—“A ausência de demonstração de prejuízo, por parte da defesa, decorrente da
inobservância do rito previsto no art. 38 da Lei nº 10.409/2002, impede a
declaração de nulidade do processo” (STF, HC nº 85.155/SP; relª. Minª.
Ellen Gracie; j. 22.3.2005).
— A Constituição Federal, em seu art. 93, nº IX, estigmatiza de nula a
decisão não fundamentada, e com bem de razão, pois que os
motivos lhe são verdadeiramente a alma e a substância. Nenhum
julgamento se satisfaz com argumentação tíbia e evasiva. O
despacho que recebe a denúncia, contudo, não no considera a
Doutrina ato decisório, senão mero juízo de admissibilidade da
acusação, estranho ao império do mencionado preceito
constitucional.
— Nisto de nulidades, tem-se de atender ao ponto do prejuízo, que lhe
serve de pedra de toque: “Nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (art. 563
do Cód. Proc. Penal).
94

— A apreensão de grande quantidade de tóxico em poder do acusado


argui para logo a ideia de tráfico (art. 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06
— Lei de Drogas).
— Vale o depoimento pelo grau de veracidade que encerra. Com
respeito aos policiais, há decisão histórica do Pretório Excelso: “A
simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita”
(HC nº 51.577; DJU 7.12.73, p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus,
Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 187).
— Embora inaptos para configurar a agravante da reincidência (art. 64,
nº I, do Cód. Penal), condenações pretéritas do sujeito sempre lhe
caracterizam maus antecedentes, que o cálculo da pena-base não
pode relegar à sombra. Com efeito, não há ficar indiferente o
Julgador ao passado de crimes do indivíduo, quando lhe deseja
compor o perfil moral. Enfim, somos o que fomos!
— O autor de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei nº 11.343/06),
crime da classe dos hediondos, deve cumprir sua pena sob o regime
inicial fechado, por força do preceito do art. 2º, § 1º, da Lei nº
8.072/90.
95

Voto nº 11.471

Agravo em Execução nº 990.08.195970-4


Art. 112 da Lei de Execução Penal;
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— A despeito da nova redação que a Lei nº 10.792/03 deu ao art. 112 da


Lei de Execução Penal, subsiste a possibilidade de realização do exame
criminológico, “quando o entender indispensável o juiz da execução para
a decisão sobre progressão de regime” (Julio Fabbrini Mirabete, Execução
Penal, 11a. ed., p. 59).
— Não padece do vício de nulidade a decisão que, suposto sucinta, dá
as razões do convencimento de seu prolator, fundadas na prova e em
bom direito (art. 93, nº IX, da Const. Fed.).
— A Lei nº 10.729/03 – que deu nova redação ao art. 112 da Lei de
Execução Penal – não aboliu o exame criminológico para a
progressão de regime, o qual pode ser realizado se as circunstâncias
pessoais do sentenciado e a natureza do crime que cometeu o
aconselharem. Nisto, como no mais, obrará sempre o Magistrado
com a prudência e o arbítrio do bom varão.
— Se o sentenciado atende aos requisitos do art. 112 da Lei de Execução
Penal, isto é, “tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário”, faz jus à progressão
ao regime semiaberto. Somente fato grave, indicativo de
personalidade anômala e refratária aos estímulos da recuperação,
poderá obstar-lhe a mudança para regime prisional mais brando.
96

Voto nº 11.636

Recurso em Sentido Estrito nº 990.08.114330-5


Arts. 366 e 581, nº XIII, do Cód. Proc. Penal;
art. 463, nº I, do Cód. Proc. Civil;
arts. 48, 50, 54, § 2º, nº V, e 64 da Lei nº 9.605/98

— Não se guarda de justa crítica (por faltar-lhe fomento de direito), a


decisão que, após reconsiderar despacho que recebeu denúncia por
crime previsto na Lei do Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98), tranca a
ação penal, com base no princípio da insignificância.
— Segundo a tradição de nosso Direito, por aplicação analógica do art.
463, nº I, do Cód. Proc. Civil, que o juiz pode corrigir, de ofício, erros
ou inexatidões materiais; nos mais casos, proferida a decisão,
termina o seu ofício, conforme a regra de Ulpiano: “(...) officium
functus est” (Dig. 42, 1, 55).
—“Já no Direito romano, Ulpiano ensinava: Depois de pronunciada a
sentença, o juiz perde a jurisdição e não pode corrigi-la, quer haja exercido
seu ofício bem, quer o tenha feito mal” (Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. II, p. 353).
— Aplicado inconsideradamente, o princípio da insignificância
representa violação grave da lei, a qual manda punir o infrator;
destarte, subtrair a seu rigor o culpado, sem relevante razão de
direito, fora escarnecer da Justiça, que dispensa a cada um o que
merece. Em verdade, conforme aquilo de Alberto Oliva, “todo
homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o que é errado”
(apud Ricardo Dip e Volney Corrêa de Moraes, Crime e Castigo,
2002, p. 3; Millennium Editora).
IV. Decisão Judicial: Apreciação Implícita de
Tese da Defesa ou da Acusação

Voto nº 146

Apelação Criminal nº 1.033.649/7


Art. 129, §§ 6º e 7º, do Cód. Penal;
art. 32 da Lei das Contravenções Penais

— Se o ilustre prolator da sentença não imprimiu relevo à tese


defensória, foi porque desde logo a teve por incabível; repudiou-a
pelo argumento “a contrario sensu”, operação lógica do espírito, de
voga desembaraçada na praxe do foro. Ditame é esse que frisa com a
jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “A sentença
deve analisar as teses da defesa, a fim de a prestação jurisdicional ser
exaustiva. Urge, todavia, ponderar. Se o julgado encerra conclusão
inconciliável com a referida tese, desnecessário fazê-lo expressamente. A
sentença precisa ser lida como discurso lógico. Não há espaço para itens
supérfluos” (STJ; REsp nº 47.474-4/RS; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; 6a. Turma; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A reunião de processos para julgamento único das infrações penais é
providência que tem cunho facultativo: “A eventual possibilidade de
virem a ser os delitos atribuídos aos acusados considerados continuados não
acarreta a junção dos processos. Após as sentenças condenatórias, caberá aos
interessados, se ficar apurado o elo continuativo, pleitear a unificação das
penas” (Rev. Tribs., vol. 445, pp. 445 e 418-295; apud Damásio E. de
Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 1996, p. 90).
—“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo
para a acusação ou para a defesa” (art. 563 do Cód. Proc. Penal).
98

— Atirada ao solo, a vítima teve “fratura exposta de braço direito”. O


apelante, ao invés de socorrê-la, como pediam os fortes impulsos da
solidariedade humana diante do infortúnio, procedeu segundo a
razão dos que carregam consigo a culpa: fugiu.
—“Age com imprudência o motorista que, pretendendo efetuar conversão à
esquerda, não verifica o fluxo de veículos que está ao seu lado, vindo a
colidir com um motociclista, sendo irrelevante o fato de este também
agir com culpa” (RJDTACrimSP, vol. 26, p. 124; rel. Junqueira
Sangirardi).

Voto nº 147

Apelação Criminal nº 1.021.099/4


Art. 136, § 3º, do Cód. Penal (maus-tratos)

—“A apreciação subjetiva da testemunha sobre o fato não deve ser transcrita
no termo do depoimento” (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 1996, p. 166).
— A sentença – e aqui bate o ponto – está fundamentada: e isto a
resguarda do labéu de juridicamente nula.
—“Se a tese é totalmente descabida, a não-apreciação não constitui nulidade”
(Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 248).
— Ao aplicar a lei, deve o Juiz atender “aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum” (art. 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil).
—“A letra da lei torce nariz a semelhantes facilidades, mas seu espírito não
omite um olhar de aplauso aos que, bem intencionados, procuram a
harmonia comum, que principia pela paz nas famílias” (Edgard de
Moura Bittencourt, Vítima, 1a. ed., p. 74).
99

— Da precariedade do depoimento infantil escreveram graves autores


páginas infinitas em número. Da boca da criança, uns afirmaram
que nascia a verdade (“Ex ore parvulorum nascitur veritas”); segundo
reza o velho anexim, “Deus fala pela boca das crianças”. No entanto, a
melhor razão parece estar com o ínclito Almeida Jr., que professou:
“A realidade assinala, porém, que às vezes não é Deus, e sim o diabo que
move a língua infantil; que a criança se conduz, não raro, com
malignidade; e que é grande o seu poder de invenção” (Lições de Medicina
Legal, 7a. ed., p. 527).
—“A criança mente amiúde, às vezes para evitar um castigo; outras, por
preguiça, por vanglória, por malícia, ou simplesmente pelo prazer de
mentir, como diz Gorphe” (Carlos A. Ayarragaray, Crítica do
Testemunho, 1950, p. 56; trad. Deraldo J. de Souza).
— A certeza da autoria, da materialidade do fato arguido e da
culpabilidade do agente, conforme a geral doutrina, é a pedra de
toque de toda a condenação. À sua falta, será de rigor a decretação
da improcedência da lide, em atenção àquela sentença antiga e de
aceitação universal: “In dubio pro reo”.
—“Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de sua autoria.
Indícios, ainda que veementes, desautorizam-na” (Rev. Tribs., vol. 18l,
p. 89).
100

Voto nº 232

Apelação Criminal nº 1.042.993/1


Art. 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 93, nº IX, da Const. Fed.

— Satisfaz ao requisito da lei a sentença que, posto sucintamente,


menciona as teses das partes.
— Achando-se a conclusão da sentença às testilhas com os argumentos
das partes, não é mister refutá-los por miúdo; basta fazê-lo pela
razão contrária (“a contrario sensu”). O exagero na refutação passa
por vício retórico.
— A sentença, que tem a estrutura formal do silogismo, deve ser lida e
entendida como discurso lógico, a que repugnam sempre os pontos
supérfluos.
— A confissão, máxime a prestada em Juízo, vale como prova do fato e
de sua autoria, se não ilidida por elementos de convicção firmes e
idôneos. Donde a antiga parêmia: A confissão judicial é das melhores
provas: quem confessa, contra si profere a sentença.
101

Voto nº 713

Apelação Criminal nº 1.070.939/3


Arts. 32 e 34 da Lei das Contravenções Penais

— Na fundamentação mesma da sentença é comum achar-se a


refutação da tese da defesa, pelo argumento “a contrario sensu”,
processo lógico de larga e notória aplicação em Direito: de uma
coisa conclui-se forçosamente outra, em razão de sua oposição. É a
aplicação da velha parêmia: “Qui de uno dicit de altero negat”.
— A ter o Magistrado de responder expressamente às teses que se
oponham à que dera substância e arrimo à sua decisão, fora
menoscabar as excelências do raciocínio lógico e incidir no vício
chambão de sempre descer às minúcias e tudo querer explicar “ad
nauseam”. A semelhante operação do espírito há de poupar-se o
Julgador, quando desafiado a declarar o que os mais dos sujeitos
superiores à craveira comum não podem deixar de ter entendido,
que isto seria o mesmo que dar as razões do óbvio.
— Infração de perigo presumido e abstrato, para configurar a
contravenção do art. 32 não é mister mais que dirigir veículo em via
pública sem habilitação legal.
—“O simples fato de o agente dirigir veículo em estado de ebriez tipifica
a conduta descrita no art. 34 da Lei das Contravenções Penais,
prescindindo-se de perigo concreto” (Damásio E. de Jesus, Lei das
Contravenções Penais Anotada, 1996, p. 132).
102

Voto nº 865

Apelação Criminal nº 1.091.621/1


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Constitui cerceamento de defesa desatender o Juízo ao pedido


formulado pelo patrono do réu, de juntada aos autos de documento
de notória importância, como é o laudo de exame de corpo de delito
do acusado. Em verdade, “só merece o nome de defesa a que for livre e
completa” (J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 16).
— Não há qualificar como de menor importância, para os efeitos do
art. 29, § 1º, do Cód. Penal, a participação do agente que se revelou
decisiva para a prática do crime.
— Diz-se consumado o roubo se os agentes, ainda que por breve
espaço de tempo, tiveram a posse tranquila e desvigiada da coisa
subtraída.
103

Voto nº 983

Apelação Criminal nº 1.089.405/6


Art. 157, § 2º, nº II, do Cód. Penal

— Ao refutar as teses das partes, pode a sentença fazê-lo pelo


argumento “a contrario”, ou pela razão contrária: de uma coisa
conclui-se outra, em virtude de sua oposição, segundo a parêmia
“Qui de uno dicit, de altero negat”. Em vulgar: Quem diz de um, nega de
outro.
— Embora muita vez recaia sobre a confissão policial a suspeita de ter
sido obtida mediante violência, cumpre demonstrá-lo, não basta se
alegue.
—“A confissão do delito vale não pelo lugar onde é prestada., mas pela força de
convencimento que nela se contém (Rev. Trim. Jurisp., vol. 95, p. 564;
rel. Min. Cordeiro Guerra).
— Não há proibição legal de que o Juiz conceda ao condenado não-
reincidente a pena inferior a 8 anos o benefício do regime semi-
aberto; o Código Penal, o que veda às expressas é que se conceda ele
ao réu condenado a pena superior a 8 anos (não importando se
primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos.
—“A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1980, 6a. ed., vol. I, t. I, p. 14).
— O cárcere: o pior lugar do mundo, antes do cemitério!
104

Voto nº 1430
Apelação Criminal nº 1.142.329/8
Art. 157, § 2º, ns. I, II e V, do Cód. Penal

— Não configura nulidade a falta de apreciação de tese da Defesa,


quando a sentença, em sua fundamentação, abraça entendimento
oposto ao do réu, que a essa conta fica implicitamente rejeitado.
— É presunção de homem: torna-se réu confesso o que não prova o
seu álibi.
— Ainda que sublimado à honra de garantia constitucional, o silêncio
do réu interpreta-o comumente o espírito humano por confissão de
culpa. É que ninguém, podendo repelir com veemência acusação
injusta, prefere permanecer calado.
— Justifica-se o regime prisional fechado, no início, não obstante
primário o réu, se cometeu crime grave (como é o roubo) com
desusada violência (v.g.: sequestro de vítima e resistência a tiro à
ordem de prisão).
105

Voto nº 1501

Apelação Criminal nº 1.147.611/4


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal

— Não quadra a nota de nula à sentença que, atendendo aos cânones


judiciários, expõe, ainda que em abreviado, as teses da Defesa (art.
381, nº II, do Cód. Proc. Penal).
— É princípio de lógica jurídica e dogma processual venerando que
aquele que invoca a seu favor um álibi deve comprová-lo sem falta,
aliás não se eximirá da tacha de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc.
Penal).
— A inidoneidade das testemunhas não se presume; ao arguente
impõe-se demonstrar, além de toda a controvérsia, que faltaram à
verdade ou caíram em erro de informação. É que, na busca da
verdade real – alma e escopo do processo –, toda pessoa poderá ser
testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal).
—“Ninguém tem o direito de negar o que a evidência mostra” (Bento de
Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 131).
106

Voto nº 1560

Apelação Criminal nº 1.139.615/5


Art. 168 do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença, cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Comete crime de apropriação indébita (art. 168 do Cód. Penal)
aquele que inverte, em proveito próprio, dinheiro que recebeu de
terceiros com a finalidade de satisfazer-lhes débitos.
—“Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser
convenientemente reprimido com as sanções civis, não há outro motivo
para a reação penal” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal,
1978, vol. I, t. II, pp. 34-35).

Voto nº 1733

Embargos de Declaração nº 1.139.615/5 1


Art. 619 do Cód. Proc. Penal

— O Juiz deve olhar suas decisões sempre com desconfiança, advertido


da falibilidade da condição humana, que nada quer perfeito e livre
de erros.
— São incabíveis embargos de declaração que ponham o fito no
reexame do mérito da causa, pois sua finalidade é remediar a
ambiguidade, a obscuridade, a contradição e a omissão (art. 619 do
Cód. Proc. Penal).
107

Voto nº 1805
Apelação Criminal nº 1.177.415/1
Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal

— Não configura nulidade a falta de apreciação de tese da Defesa,


quando a sentença, em sua fundamentação, abraça entendimento
oposto ao do réu, que a essa conta fica implicitamente rejeitado.
— O regime prisional fechado é, pelo comum, o que mais convém à
personalidade do autor de roubo, de seu natural violento e refratário
à disciplina social. Mas, desde que primário e de bons antecedentes,
não é defeso ao Juiz, tendo consideração aos graves e notórios
malefícios do regime recluso, deferir-lhe o benefício do semiaberto
(cf. art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal).
— As prisões “não ressocializam ninguém, ao contrário, corrompem,
aviltam, degradam, embrutecem” (Evandro Lins e Silva, Arca de
Guardados, 1995, p. 62).
108

Voto nº 2447

Apelação Criminal nº 1.219.869/9


Art. 155, § 4º, ns. III e IV, do Cód. Penal

— As teses arguidas pela Defesa do réu devem, de ordinário, ser objeto


de apreciação do Magistrado; mas, não induz nulidade ao processo
isto de escusar-se de refutá-las, de espaço e por miúdo, por
inconciliáveis com a conclusão lógica da sentença.
— O réu que, no interrogatório policial, opta pelo silêncio em vez de
defender-se pela palavra, nisto mesmo dá a conhecer que é culpado,
pois o inocente não sofre, sem veemente repulsa, lhe imputem a
prática de crime.
— O furto é consumado, se o agente, ainda que por breve trecho, tem
a posse tranquila e desvigiada da coisa subtraída.
109

Voto nº 2770

Apelação Criminal nº 1.230.961/8


Art. 121, § 3º, do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A responsabilidade criminal é independente da civil, administrativa
ou disciplinar (art. 1.526 do Cód. Civil); destarte, o julgamento de
mérito de causa-crime não está condicionado a prévia decisão da
controvérsia por outra esfera de jurisdição: à Justiça Criminal é que
cedem o passo outras áreas do Direito. Assim, a apuração da
responsabilidade criminal de médico por homicídio culposo
prescinde da verificação de sua culpa no âmbito disciplinar do órgão
de classe.
— O sujeito que, médico de profissão, fez pelo paciente quanto lhe
estava nas posses por atalhar o curso de moléstia pertinaz e de
sombrio diagnóstico, não era obrigado a mais. Já o proclamava, com
efeito, a Antiguidade: “Nemo tenetur ad impossibilia” (o que, traduzido
em vulgar, soa: Ninguém é obrigado a fazer o impossível).
— Para a condenação de médico acusado da morte de paciente por
culpa, na modalidade de negligência por omissão, é mister se prove
cabalmente que a ação omitida impediria o êxito letal; a dúvida, no
caso, resolve-se em prol do réu.
—“Deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz
do meio-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial,
1820, p. 247).
—“Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para
imposição de pena” (art. 36 do Cód. Crim. do Império do Brasil).
110

Voto nº 6793
“Habeas Corpus” nº 908.997-3/0-00
Arts. 243 e 244-A, § 1º, da Lei nº 8.069/90;
art. 288 do Cód. Penal;
arts. 392 e 601 do Cód. Proc. Penal

— A intimação da sentença condenatória ao réu, preso ou em


liberdade, somente se aperfeiçoa se acompanhada do termo de
recurso, o qual, embora não previsto na legislação processual penal,
constitui instrumento da praxe forense e garantia do exercício da
ampla defesa, cuja inobservância configura constrangimento ilegal
(art. 392 do Cód. Proc. Penal).
— É presunção de homem que nenhum réu se conforme com decisão
desfavorável, donde o natural interesse de impugná-la mediante
recurso.
111

Voto nº 2882
Apelação Criminal nº 1.240.225/4
Art. 171, “caput”, do Cód. Penal

— A liberdade de requerer das partes “não deve degenerar em abuso por


forma a paralisar a marcha do processo, com o propósito de retardar a
administração da justiça ou tumultuar a ordem processual” (Bento de
Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 210).
— Não configura nulidade a falta de apreciação de tese da Defesa,
quando a sentença, em sua fundamentação, abraça entendimento
oposto ao do réu, que a essa conta fica implicitamente rejeitado.
— Pratica estelionato em seu tipo fundamental o agente que, em
proveito próprio e mediante falsificação, emite cheque de terceiro,
causando-lhe prejuízo (art. 171, “caput”, do Cód. Penal).
— Se primário o réu e cometida a infração penal sem violência nem
ameaça à pessoa, é obra de louvável política criminal substituir-lhe
pela pena restritiva de direito a privativa de liberdade não superior a
4 anos (art. 44 do Cód. Penal).
112

Voto nº 2963

Embargos de Declaração nº 1.224.029/1 1


Arts. 302 e 303 do Cód. Trânsito;
art. 619 do Cód. Proc. Penal

— Nisto de apreciação de teses da Defesa, importa advertir que o Juiz


não está obrigado a repeli-las singularmente; basta demonstre, ainda
que “per summa capita”, que a conclusão da sentença era com elas de
todo inconciliável, e já as terá refutado pelo argumento “a contrario”.
— Embora deva o julgador atuar com espírito de compreensão, em
obséquio à angústia da parte, máxime quando em questão a
liberdade, os embargos de declaração não se prestam a conferir
efeito infringente ao julgado.

Voto nº 2965

Embargos de Declaração nº 1.238.449/5 1


Art. 180, § 1º, do Cód. Penal;
art. 563 do Cód. Proc. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença, cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
—“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo
para a acusação ou para a defesa” (art. 563 do Cód. Proc. Penal).
— Os embargos de declaração não têm caráter infringente; não se
prestam, pois, a obter modificação do mérito do julgado.
113

Voto nº 3251
Apelação Criminal nº 1.263.817/1
Art. 155, § 4º, nº I, do Cód. Penal

— Ainda que sucinta e lacônica, a sentença não é nula se apreciou as


alegações das partes. Do Magistrado não exige a lei senão que
decida o litígio conforme as provas dos autos, à luz do direito
positivo e do raciocínio lógico, de tal arte que, se as teses da Defesa
não cabiam, por repugnantes, na conclusão da sentença, entende-se
que as refutou pelo argumento “a contrario sensu”. A decisão que
afirma por que absolve o réu está, “ipso facto”, escusada de expor as
razões por que o não condena.
— Embora direito do réu permanecer calado (art. 5º, nº LXIII, da
Const. Fed.), interpreta-se de ordinário por assunção de
responsabilidade criminal, porque nenhum inocente fica em silêncio
quando injustamente acusado, antes repudia com toda a veemência a
imputação delituosa.
— A apreensão da “res furtiva” em poder do agente, que o não saiba
justificar, basta a definir-lhe a culpa (“lato sensu”), notadamente se
estão seus protestos de inocência às testilhas com sua biografia
penal, em que avultam crimes contra o patrimônio.
114

Voto nº 3376
Apelação Criminal nº 1.278.225/7
Arts. 157, § 2º, ns. I e II, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 15 do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Não é para subestimar a palavra da vítima, a qual os Tribunais
tiveram sempre em boa conta. Com efeito, falando pela via
ordinária, quem mais abalizado a discorrer das circunstâncias de um
fato, do que a pessoa que lhe foi protagonista?!
— Não se trata de hipótese de desistência voluntária (art. 15 do Cód.
Penal), senão de tentativa perfeita de roubo, a do agente que,
percebendo que a consumação lhe representava consideráveis riscos,
desiste do crime e, ao desatar a fugir, é preso em flagrante pela
Polícia.
— Entre os princípios que informam o processo penal sobreleva o de
que somente a certeza é base legítima de condenação. Na dúvida, ou
falta de prova de autoria, o único desfecho admissível para o feito-
crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra jurídica de cunho
universal: “In dubio pro reo”.
— Se a prova dos autos não lhe permite abraçar, com segurança e
motivação lógica, a proposta acusatória, deve o Juiz inclinar-se,
prudentemente, à solução que favorecer o réu.
115

Voto nº 3444

Apelação Criminal nº 1.275.493/6


Art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97;
art. 44, § 2º, “in fine”, do Cód. Penal

— Nisto de apreciação de teses da Defesa, importa advertir que o Juiz


não está obrigado a repeli-las singularmente; basta demonstre, ainda
que “per summa capita”, que a conclusão da sentença era com elas de
todo inconciliável e já as terá refutado pelo argumento “a contrario”.
— O simples porte de arma de fogo sem autorização legal tipifica a
infração do art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97, independentemente
da existência de perigo concreto.
— O sistema vicariante, ou das penas substitutivas, adotado pelo
Código Penal, pressupõe, além dos requisitos objetivos, méritos
pessoais do sentenciado (art. 44, nº III).
116

Voto nº 3527

Apelação Criminal nº 1.283.785/4


Art. 302 do Código de Trânsito

— Sendo os motivos (ou sua fundamentação) a alma da sentença,


considera-se nula aquela que os não apresenta. Guarda-se porém de
censura a decisão que, após miúdo exame da prova dos autos,
conclui, com rigor de lógica jurídica, pela culpabilidade do réu e
expede-lhe decreto de condenação. Está satisfeita a vontade da lei
(art. 381, nº III, do Cód. Proc. Penal).
— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa
não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Atua com manifesta imprudência o motorista que, ao efetuar
manobra que implique deslocamento lateral de seu veículo, não a
precede de sinalização nem se certifica de que pode executá-la sem
perigo para os mais usuários da via pública.
— Responde por homicídio culposo o agente que, faltando à atenção
ordinária a que estava obrigado, muda de faixa de trânsito, sem as
cautelas de praxe, e colide seu carro com outro, provocando
acidente fatal (art. 302 do Cód. Trânsito).
— Nunca se demasia a advertência de que, nas mãos de pessoa
irresponsável, é o automóvel arma perigosíssima.
117

Voto nº 3920

Apelação Criminal nº 1.311.213/2


Art. 171, “caput”, do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Incorre nas penas do art. 171, “caput”, do Cód. Penal o sujeito que,
insinuando-se por agente de turismo, recebe de pessoas dinheiro
para excursão, que todavia não promove, antes com ardil e malícia
desaparece da sociedade, sem deixar rastros. O que procede nessa
conformidade comete fraude penal, e não civil, porque, desde o
início, armava ao escopo de induzir a vítima em erro para obter
vantagem ilícita, apanágio do estelionatário.
118

Voto nº 4945

Apelação Criminal nº 1.393.171/4


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal;
art. 33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A sabedoria dos Tribunais tem assentado que a apreensão de bens
de terceiro em poder do acusado, sem que lhes ofereça explicação
plausível, constitui excelente prova de autoria de crime e enseja
condenação.
— É hipótese de furto consumado (e não tentado), se o réu teve, ainda
que por breve trecho, a posse desvigiada das coisas subtraídas à
vítima, que, ao demais, delas só recuperou parte.
— Ao réu condenado a pena que não exceda a 4 anos, ainda que
reincidente, não é defeso conceder regime semiaberto; o que a lei
proíbe, em casos que tais, é a concessão de regime aberto (cf. art.
33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal).
119

Voto nº 5018

Apelação Criminal nº 1.395.565/2


Arts. 157, § 2º, ns. I e II, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art 93, nº IX, da Const. Fed.

— Ao refutar as teses das partes, pode a sentença fazê-lo pelo


argumento “a contrario”, ou pela razão contrária: de uma coisa
conclui-se outra, em virtude de sua oposição, segundo a parêmia
“Qui de uno dicit, de altero negat”. Em vulgar: Quem diz de um, nega de
outro.
— Embora muita vez recaia sobre a confissão policial a suspeita de ter
sido obtida mediante violência, não basta alegar, cumpre
demonstrá-lo.
—“Consuma-se o roubo quando o agente, mediante violência ou grave
ameaça, consegue retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima” (STF;
rel. Min. Carlos Velloso; Rev. Tribs., vol. 705, p. 429).
— Embora seja o regime fechado o que, em linha de princípio,
verdadeiramente condiz com a gravidade do roubo e com o caráter
maligno de quem o pratica, a Lei não proíbe que o Magistrado
defira ao condenado primário e menor de 21 anos o benefício do
regime semiaberto (art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal).
120

Voto nº 5267

Apelação Criminal nº 1.356.483/3


Art. 90 da Lei nº 8.666/93;
art. 61, nº II, alínea g, do Cód. Penal;
arts. 41, 212 e 386, ns. III e VI, do Cód. Proc. Penal

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— A figura do art. 90 da Lei nº 8.666/93 – que instituiu normas para
licitações e contratos da Administração Pública – somente se
integra, segundo a comum opinião dos doutores, com a obtenção de
vantagem econômica. “A infração só se realiza caso demonstrado o fim
especial de agir: (...) intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação” (Marcelo Leonardo,
Crimes de Responsabilidade Fiscal, 2001, p. 53).
— Advogado que emite parecer em processo de licitação não incorre
na censura do Direito Penal: à uma, porque, ao opinar, não obriga a
Administração Pública; à outra, porque é “inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão” (art. 133 da Const. Fed.); à
derradeira, porque ninguém pode ser punido por pensar:
“Cogitationis poenam nemo patitur” (Ulpiano).
—“No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a
luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica”
(Rev. Tribs., vol. 619, p. 267).
121

Voto nº 2795
Embargos de Declaração nº 1.216.323/5 1
Art. 302, parág. único, nº III, do Cód. Trânsito

— Nisto de argumentos das partes, prevalece nos Tribunais a opinião


de que podem ser refutados pela razão contrária. De uma coisa
pode-se concluir outra, em virtude de sua oposição: “Qui de uno
dicit, de altero negat” (em linguagem: Quem diz de um, nega de
outro).
— Mesmo no caso de acidente fatal, a solidariedade humana impõe
àquele que o causou o dever de prestar socorro à vítima.
— Embora deva o julgador atuar com espírito de compreensão, em
obséquio à angústia da parte, máxime quando em questão a
liberdade, os embargos de declaração não se prestam a conferir
efeito infringente ao julgado.
122

Voto nº 11.025

Apelação Criminal nº 990.08.093676-0


Arts. 29 e 155, § 4º, nº IV, do Cód. Penal;
art. 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LXIII, da Const. Fed.

— Sentença que, em operação lógica do espírito, deduz de vigoroso


contingente probatório a culpabilidade do agente não tolera a nota
de mal fundamentada, antes será padrão muito de imitar, pois
encerra todos os requisitos substanciais para sua validade (art. 381 do
Cód. Proc. Penal).
— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa
não prevalece contra sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STF; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Incorre na pena de furto consumado o sujeito que, tendo subtraído
coisa alheia móvel, mantém-lhe a posse tranquila e desvigiada, ainda
que por breve trato de tempo (art. 155 do Cód. Penal).
123

Voto nº 11.250

Agravo em Execução nº 990.08.103642-8


Art. 112 da Lei de Execução Penal;
art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90;
arts. 5º, nº XL, e 52, nº X, da Const. Fed.

— Declarada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, em sessão de


23.1.06, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (Lei
dos Crimes Hediondos), é o art. 112 da Lei de Execução Penal que
serve de fundamento ao pedido de progressão de regime do
condenado por crime hediondo cometido antes da promulgação da
Lei nº 11.464, de 28.3.07, pois, segundo princípio basilar de Direito
Penal, a lei posterior mais severa não pode retroagir.
— A decisão da Suprema Corte, conforme o sentimento comum dos
melhores intérpretes, “é autoaplicável, dispensando a atuação do Senado
Federal para suspender a sua execução (CF/88, art. 52, X)” (René Ariel
Dotti, in Rev. Tribs., vol. 400, p. 415).
— Na conformidade do que têm proclamado nossos Tribunais
Superiores, os condenados por crimes hediondos cometidos antes da
Lei nº 11.464/07, para efeito de progressão, caem sob o regime do
art. 112 da Lei da Execução Penal: cumprimento de 1/6 da pena e
bom comportamento carcerário.
—“O requisito objetivo necessário para a progressão de regime prisional dos
crimes hediondos e equiparados cometidos antes da entrada em vigor da Lei
nº 11.464, em 29 de março de 2007, é aquele previsto no art. 112 da Lei
de Execução Penal” (HC nº 88.037/SP; 5a. Turma; relª Minª Laurita
Vaz; j. 25.10.07; DJU 19.11.07, p. 264).
—“Fazer justiça não é, em muitos casos, obedecer à lei e, sim, obedecer ao
direito que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p.
41).
124

—“Não trepidei em mudar de voto, pública e declaradamente, toda vez que


novos argumentos ou provas concludentes me convenceram do desacerto do
veredictum anterior: acima do melindre pessoal de cada um está a
sacrossanta causa da Justiça” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e
Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 377).

Voto nº 11.450

Apelação Criminal nº 990.08.137788-8


Arts. 157, “caput”, 33, § 2º, alínea b, e 59 do Cód. Penal;
arts. 202, 302, inc. IV, e 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LXIII, da Const. Fed.

— A arguição de nulidade por falta de apreciação de teses da Defesa


não prevalece contra a sentença cuja conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p. 28.790).
— Pode dar-se o caso que o crime se tenha já consumado, “mas ainda
existam indícios eloquentes e até inequívocos de que ele acaba de ser
cometido. Já não há o fogo, mas existe a fumaça; a chama se apagou, mas
a brasa está quente. (...) Nesse caso a lei presume a autoria e finge que o
crime ainda está sendo cometido. Há uma presunção de autoria e uma
ficção de flagrante. A situação aqui é análoga à do flagrante, é uma quase-
flagrância” (Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980, vol. II, p.
34).
— Muita vez, o silêncio do acusado é a mais clara das explicações.
— Palavras de quem foi protagonista do fato delituoso, as da vítima
são, pelo comum, dignas de crédito; servem, pois, a lastrear
condenação, máxime se a roborarem outros elementos do processo.
125

— Pequenas divergências nos depoimentos não bastam a fulminá-los,


antes confirmam o adágio de que “A palavra é mau veículo do
pensamento”. O que monta não são os acidentes, mas a substância:
nesta é que se acha gravada a linguagem da verdade.
— O sujeito que, trazendo consigo coisas alheias, não lhes justifica de
modo cabal a procedência, entende-se que é autor de crime; pois,
em regra, nenhuma dificuldade tem o dono de provar que sua posse
é legítima.
— Não há proibição legal de que o Juiz conceda ao condenado não-
reincidente a pena inferior a 8 anos o benefício do regime
semiaberto; o Código Penal, o que veda às expressas é que se
conceda ele ao réu condenado a pena superior a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior
a 4 anos (art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal).
—“(...) se as circunstâncias judiciais foram consideradas favoráveis ao réu,
fundando-se a fixação da pena-base no mínimo legal, é de rigor a
imposição do regime prisional menos grave, pena de se ensejar a afirmação
da existência de contradição do julgado” (STJ; HC nº 52.439-SP; 6a. T.;
rel. Min. Hamilton Carvalhido; j. 24.5.2007; Boletim do STJ, nº
15/2007, p. 67).
126

Voto nº 11.567

Apelação Criminal nº 993.06.045694-6


Arts. 157, §§ 2º e 3º, ns. I e II, e 158, § 1º, 288 do Cód. Penal;
arts. 202, 226, nº II, e 381 do Cód. Proc. Penal;
art. 7º, § 1º, nº 1, “in verbis”, nº XV, da Lei nº 8.906/94;
art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90

— Ainda que se haja de franquear autos de processo ou inquérito


policial ao advogado, em obséquio à majestade e importância de seu
claro ofício, urge atender a que tenha interesse jurídico na questão.
O argumento de que, nos termos do art. 7º, nº XV, da Lei nº
8.906/94 (Estatuto da Advocacia), tem direito de “vista dos processos
judiciais e administrativos de qualquer natureza”, não se recebe “sine
grano salis”. É que a sobredita regra geral sofre restrição expressa em
seu art. 7º, § 1º, nº I, “in verbis”: não se aplica o disposto nos incisos
XV e XVI “aos processos sob regime de segredo de justiça”.
—“O direito do advogado a ter acesso aos autos de inquérito não é absoluto,
devendo ceder diante da necessidade do sigilo da investigação, devidamente
justificada na espécie (art. 7º, § 1º, 1, da Lei nº 8.906/94)” (STJ; RMS
nº 15.167-PR; rel. Min. Felix Fischer; DJU 10.3.2003).
—“Se a denúncia narra fato que permite adequação típica, ela não é,
formalmente, inepta (art. 41 do CPP)” (Jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, vol. 105, p. 303; rel. Min. Félix Fischer).
— O princípio da congruência (“Sententia debet esse conformis libello”)
sofre temperamentos, um dos quais é ditado pela regra do art. 383
do Cód. Proc. Penal.
— A palavra da vítima é a pedra angular do edifício probatório: se em
harmonia com os mais elementos dos autos justifica a procedência
da pretensão punitiva e a condenação do réu.
— A crítica irrogada ao testemunho policial com o intuito de
desmerecê-lo constitui solene despropósito, pois toda a pessoa pode
127

ser testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal) e aquela que, depondo
sob juramento, falta à verdade incorre nas penas da lei, donde a
inépcia do raciocínio apriorístico de que o policial vem a Juízo para
mentir.
— O regime fechado, no início, para autor de tentativa de latrocínio
(arts. 157, § 3º, e 14, nº II, do Cód. Penal), crime da classe dos
hediondos, decorre da vontade expressa da lei (art. 2º, § 1º, da Lei nº
8.072/90).

Voto nº 1397
Apelação Criminal nº 1.136.265/1
Art. 155 do Cód. Penal;
art. 155, § 2º, do Cód. Penal

—“A circunstância de conter a sentença fundamentação sucinta ou deficiente


não a invalida” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 73, p. 220).
— Satisfeito o binômio primariedade do réu e pequeno valor da coisa
subtraída, é forçosa a aplicação do § 2º do art. 155 do Cód. Penal.
128

Voto nº 11.687

Agravo em Execução nº 943.898-3/4-00


Arts. 6º, 7º, 8º e 112 da Lei de Execução Penal;
arts. 148, parág. único, e 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
arts. 156 e 182 Cód. Proc. Penal;
arts. 5º, nº XLVI e 93, nº IX, da Const. Fed.

— A despeito da nova redação que a Lei nº 10.792/03 deu ao art. 112 da


Lei de Execução Penal, subsiste a possibilidade de realização do exame
criminológico, “quando o entender indispensável o juiz da execução para
a decisão sobre progressão de regime” (Julio Fabbrini Mirabete, 11a.
ed., p. 59).
— Não padece do vício de nulidade a decisão que, suposto sucinta, dá
as razões do convencimento de seu prolator, fundadas na prova e em
bom direito (art. 93, nº IX, da Const. Fed.).
— Atende à regra do contraditório e, portanto, exime-se da nota de
nula, a decisão que assegura às partes oportunidade de manifestação
nos autos, segundo a fórmula jurídica “audiatur et altera pars” (ouça-
se também a parte contrária).
— A Lei nº 10.729/03 – que deu nova redação ao art. 112 da Lei de
Execução Penal – não aboliu o exame criminológico para a
progressão de regime, o qual pode ser realizado se as circunstâncias
pessoais do sentenciado e a natureza do crime que cometeu o
aconselharem. Nisto, como no mais, obrará sempre o Magistrado
com a prudência e o arbítrio do bom varão.
— Se o sentenciado atende aos requisitos do art. 112 da Lei de Execução
Penal, isto é, “tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário”, faz jus à progressão
ao regime semiaberto. Somente fato grave, indicativo de
personalidade anômala e refratária aos estímulos da recuperação,
poderá obstar-lhe a mudança para regime prisional mais brando.
129

— A concessão do benefício da progressão de regime prisional


segundo os requisitos da lei não se deve interpretar por liberalidade
irresponsável da Justiça Criminal, senão por voto sincero de que o
sentenciado emende a mão e tome para o caminho do bem, de que
se desviara, a fim de que possa reintegrar-se, efetivamente, no
convívio social (art. 112 da Lei de Execução Penal).
— Não esqueça ao cultor do Direito que ainda o mais vil dos homens
tem jus à proteção da Lei!

Voto nº 11.715

Apelação Criminal nº 993.02.031152-1


Arts. 121, § 1º, e 14, nº II, do Cód. Penal;
arts. 5º, nº LV, e 93, IX, da Const. Fed.

— Tem foro de garantia constitucional e está adstrito à plenitude do


direito de defesa o princípio do contraditório, que deve dominar o
processo penal. É a regra da igualdade ou equilíbrio entre as partes,
com as oportunidades de apresentar provas e argumentos e refutá-
los. Depara seu fundamento na parêmia jurídica “audiatur et altera
pars”: ouça-se também a parte contrária.
—“Sem contraditório não pode haver devido processo legal” (José Frederico
Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 1a. ed., vol. I, p. 82).
—“A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além da exigência
constitucional de sua publicidade (CF, art. 93, IX), supõe, para efeito de
sua válida efetivação, a observância do postulado que assegura ao réu a
garantia da ampla defesa” (STF; HC nº 71.551-6; rel. Min. Celso de
Mello; DJU 6.12.96, p. 48.709).
V. Casos Especiais: Reprodução Integral do Voto
PODER JUDICIÁRIO

1
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.033.649/7


Comarca: Santa Bárbara d’Oeste
Apelante: CGF
Apelado: Ministério Público

Voto nº 146
Relator
— Se o ilustre prolator da sentença não
imprimiu relevo à tese defensória, foi
porque desde logo a teve por incabível;
repudiou-a pelo argumento “a contrario
sensu”, operação lógica do espírito,
de voga desembaraçada na praxe do
foro. Ditame é esse que frisa com a
jurisprudência do Colendo Superior
Tribunal de Justiça: “A sentença deve
analisar as teses da defesa, a fim de a
prestação jurisdicional ser exaustiva. Urge,
todavia, ponderar. Se o julgado encerra
conclusão inconciliável com a referida tese,
desnecessário fazê-lo expressamente. A
sentença precisa ser lida como discurso lógico.
Não há espaço para itens supérfluos”
(STJ; REsp nº 47.474-4/RS; rel. Min.
Luiz Vicente Cernicchiaro; 6a. Turma;
DJU 24.10.94, p. 28.790).
134

— A reunião de processos para julgamento


único das infrações penais é providência
que tem cunho facultativo: “A eventual
possibilidade de virem a ser os delitos
atribuídos aos acusados considerados
continuados não acarreta a junção dos
processos. Após as sentenças condenatórias,
caberá aos interessados, se ficar apurado o elo
continuativo, pleitear a unificação das penas”
(Rev. Tribs., vol. 445, p. 442 e 418/295;
apud Damásio E. de Jesus, Código de
Processo Penal Anotado, 1996, p. 90).
— “Nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a
acusação ou para a defesa” (art. 563 do Cód.
Proc. Penal).
— Atirada ao solo, a vítima teve “fratura
exposta de braço direito”. O apelante, ao
invés de socorrê-la, como pediam os
fortes impulsos da solidariedade humana
diante do infortúnio, procedeu segundo
a razão dos que carregam consigo a
culpa: fugiu.
—“Age com imprudência o motorista que,
pretendendo efetuar conversão à esquerda,
não verifica o fluxo de veículos que está ao
seu lado, vindo a colidir com um motociclista,
sendo irrelevante o fato de este também
agir com culpa” (RJDTACrimSP, vol. 26,
p. 124; rel. Junqueira Sangirardi).

1. Por infração dos arts. 129, §§ 6º e 7º, do Código


Penal e 32 da Lei das Contravenções Penais (falta de
habilitação para dirigir veículo), o MM. Juízo de Direito
da 2a. Vara da comarca de Santa Bárbara d’Oeste
condenou CGF à pena, respectivamente, de 4 meses de
prestação de serviços à comunidade e 15 dias-multa.
135

Apelou, porém, da r. sentença e, em suas razões


recursais, argui-lhe, em preliminar, a nulidade porque
deixara de apreciar matéria prejudicial suscitada pela
defesa; no mérito, pleiteia a absolvição, por falta de
prova.

A digna Promotoria de Justiça, antes que


contrariasse o apelo, requereu a intimação da vítima
para exercer o direito de representação, nos termos da
Lei nº 9.099/95; o que se fez (fl. 127). Requereu mais a
designação de audiência para a tentativa de composição
de danos (art. 72 do referido diploma), a qual se
malogrou.

Ofertadas, enfim, as contrarrazões de apelação, os


autos subiram a esta egrégia Superior Instância, onde a
ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de
muito brilho do Dr. Sérgio Augusto de Almeida Leite,
opinou pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

2. Foi denunciado o apelante porque, no dia 13 de


fevereiro de 1993, naquela cidade, dirigindo sem
habilitação legal seu automóvel, manobrara-o com
imperícia e imprudentemente, provocando acidente de
que resultaram lesões gravíssimas em Edivaldo César
136

Ferreira, piloto de motocicleta, a quem deixou de


prestar socorro.

A r. sentença de primeiro grau acolheu a pretensão


punitiva e condenou o réu, que agora apela, clamando
por sua reforma, porque eivada de nulidade, ou porque
se baseara em provas incapazes de gerar a convicção de
sua culpabilidade.

Não lhe assiste contudo razão, sem embargo dos


esforços e talentos de seu douto patrono.

Respeito à alegada nulidade da sentença recorrida,


por inconsideração do pedido de reconhecimento da
continuidade delitiva que formulara a defesa, quer-se
rejeitada.

Com efeito, ainda que implicitamente, a decisão


impugnada repeliu tal requerimento com assinalar que
isso de haver o apelante praticado, “dias antes dos fatos
narrados na denúncia”, delito de igual natureza, dava bem
a conhecer a suma imprudência com que se habituara a
trafegar nas vias públicas (fl. 109).

Se o eminente prolator da sentença não imprimiu


relevo à tese defensória, foi porque desde logo a teve
por incabível; repudiou-a pelo argumento “a contrario
137

sensu”, operação lógica do espírito, de voga desembaraçada


na praxe do foro.

Ditame é este que frisa com a jurisprudência do


Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“A sentença deve analisar as teses da defesa, a fim


de a prestação jurisdicional ser exaustiva. Urge,
todavia, ponderar. Se o julgado encerra conclusão
inconciliável com a referida tese, desnecessário fazê-lo
expressamente. A sentença precisa ser lida como
discurso lógico. Não há espaço para ítens supérfluos”
(STJ; REsp nº 47.474-4/RS; rel. Min. Luiz
Cernicchiaro; 6a. Turma; DJU 24.10.94, p.
28.790).

Por outra parte, o que em verdade pretendia o


apelante, debaixo da capa da continuidade delitiva, era,
como observou o preclaro Dr. Procurador de Justiça,
a reunião de processos para julgamento único das
infrações penais que lhe foram imputadas. Tal
providência, contudo, tem cunho facultativo:

“A eventual possibilidade de virem a ser os delitos


atribuídos aos acusados considerados continuados não
acarreta a junção dos processos. Após as sentenças
condenatórias, caberá aos interessados, se ficar apurado
138

o elo continuativo, pleitear a unificação das penas”


(Rev. Tribs., vol. 445, pp. 442 e 418/295; apud
Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 1996, p. 90).

Além disso, de não ter sido agasalhada pelo nobre


Magistrado de primeira instância a pretensão do réu
nenhum prejuízo lhe adveio. Portanto, a arguição de
nulidade da sentença tem contra si o princípio mesmo
pelo qual se rege, na sistemática do processo penal, a
questão das nulidades: “Nenhum ato será declarado nulo, se
da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a
defesa” (art. 563 do Cód. Proc. Penal).

Em face do que levo exposto, nego acolhida à


preliminar suscitada pelo réu em seu apelo.

3. No que tange ao mérito, as razões invocadas


pelo recorrente não puderam com o peso e a
idoneidade das provas dos autos, que o incriminaram
irremissivelmente.

Dirigindo seu carro, efetuou conversão à esquerda,


sem precedê-la de sinalização alguma, interceptando o
fluxo dos veículos que lhe trafegavam na direção oposta,
139

dentre esses o da vítima Edivaldo César Parreira, contra


cuja motocicleta colidiu frontal e violentamente.

Atirada ao solo, a vítima teve “fratura exposta de


braço direito” (fl. 5). O apelante, ao invés de socorrê-la,
como pediam os fortes impulsos da solidariedade
humana diante do infortúnio, procedeu segundo a razão
dos que carregam consigo a culpa: fugiu.

As palavras da vítima, coerentes e fidedignas,


sustentam a solução condenatória e lhe confirmam o
acerto e a juridicidade.

O esboço de fl. 33 reproduz o local onde o réu


converteu à sinistra, sem as cautelas que o Código
Nacional de Trânsito impõe: “fazer sinal regulamentar de
braço ou acionar dispositivo luminoso indicador antes de parar
o veículo” (art. 83, nº IX).

Houve-se o apelante com remarcada imprudência.

Com efeito:

“Age com imprudência o motorista que, pretendendo


efetuar conversão à esquerda, não verifica o fluxo de
veículos que está ao seu lado, vindo a colidir com
um motociclista, sendo irrelevante o fato de este também
140

agir com culpa...” (RJDTACrimSP, vol. 26, p. 124;


rel. Junqueira Sangirardi).

Ante a prova exuberante da culpa “stricto sensu” do


réu, da omissão de socorro e da falta de habilitação para
dirigir veículo, sua condenação era o só desfecho
possível.

A r. sentença recorrida, por isso, deve subsistir; no


que se refere à pena inclusive, imposta criteriosamente.

4. Destarte, rejeitada a preliminar, nego provimento ao


recurso.

São Paulo, 9 de dezembro de 1996


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.021.099/4


Comarca: São Paulo
Apelante: Ministério Público
Apelado: MCA

Voto nº 147
Relator

— “A apreciação subjetiva da testemunha sobre


o fato não deve ser transcrita no termo do
depoimenyo” (Damásio E. de Jesus, Código
de Processo Penal Anotado, 1996, p. 166).
— A sentença – e aqui bate o ponto – está
fundamentada: e isto a resguarda do
labéu de juridicamente nula.
—“Se a tese é totalmente descabida, a
não-apreciação não constitui nulidade”
(Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 248).
— Ao aplicar a lei, deve o Juiz atender “aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum” (art. 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil).
142

—“A letra da lei torce nariz a semelhantes


facilidades, mas seu espírito não omite um
olhar de aplauso aos que, bem intencionados,
procuram a harmonia comum, que principia
pela paz nas famílias” (Edgard de Moura
Bittencourt, Vítima, la. ed., p. 74).
— Da precariedade do depoimento infantil
escreveram graves autores páginas
infinitas em número. Da boca da
criança, uns afirmaram que nascia a
verdade (“ex ore infantiae nascitur
veritas”); segundo reza o velho anexim,
“Deus fala pela boca das crianças”. No
entanto, a melhor razão parece estar com
o ínclito Almeida Jr., que professou: “A
realidade assinala, porém, que às vezes não é
Deus, e sim o diabo que move a língua
infantil; que a criança se conduz, não raro,
com malignidade; e que é grande o seu poder
de invenção” (Lições de Medicina Legal, 7a.
ed., p. 527).
—“A criança mente amiúde, às vezes para
evitar um castigo; outras, por preguiça, por
vanglória, por malícia, ou simplesmente pelo
prazer de mentir, como diz Gorphe” (Carlos
A. Ayarragaray, Crítica do Testemunho,
1950, p. 56; trad. Deraldo J. de Souza).
— A certeza da autoria, da materialidade do
fato arguido e da culpabilidade do
agente, conforme a geral doutrina, é a
pedra de toque de toda a condenação. À
sua falta, será de rigor a decretação da
improcedência da lide, em atenção
àquela sentença antiga e de aceitação
universal: “In dubio pro reo”.
—“Não pode haver condenação sem prova plena
do crime e de sua autoria. Indícios, ainda
que veementes, desautorizam-na” (Rev.
Tribs., vol. 181, p. 89).
143

1. Apela o Ministério Público da sentença absolutória


proferida pelo MM. Juízo de Direito da 1a. Vara
Criminal do Foro Regional III (Jabaquara - Saúde) no
processo instaurado contra MCA, por infração do art.
136, § 3º, combinado com o art. 61, nº II, alínea e,
do Código Penal (maus-tratos contra menor).

Argui o recorrente preliminar de nulidade da


sentença, uma vez que o Magistrado não apreciara “a
alegação da ocorrência de cerceamento de acusação suscitada
pela Justiça Pública em suas alegações finais” (fl. 78); no
mérito, pleiteia a reforma da decisão de primeiro grau, a
fim de que a ré seja condenada, nos termos da denúncia.

O recurso foi contrariado pela defesa.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


parecer do Dr. Julio Francisco dos Reis, opina pelo
acolhimento da preliminar de nulidade da sentença e
adaptação do feito à Lei nº 9.099/95; no mérito, propõe
o provimento do apelo, condenando-se a ré.

É o relatório.
144

2. Narra a denúncia que a ré ordenara a seu filho


Felipe que desligasse a televisão e fosse dormir; como
não a atendesse, arrastou-o escada acima e deu-lhe uns
cachações, nele provocando ferimentos leves.

Respondeu, por isso, a processo pelo crime de maus-


tratos.

O digno Magistrado, suposto lhe increpasse o teor


de proceder, absolveu-a com fundamento no inciso III do
art. 386 do Código de Processo Penal (falta de tipicidade
penal), no que não conveio o órgão da Acusação, que
tirou contra a sentença recurso de apelo.

Mas, em que pese à proficiência e cultura da mui


digna Promotora de Justiça que subscreveu as razões
recursais, a decisão apelada, à vista das especiais
circunstâncias do caso, era a que devia prevalecer.

3. Pelo que respeita à preliminar de nulidade do


processo, por não haver a sentença apreciado questão
suscitada pela Promotoria de Justiça em alegações
finais, “data venia”, não procede. É que dos
fundamentos do decreto judicial colhe-se que seu
prolator a refutou, embora implicitamente, com
absolver a ré.
145

A sobredita questão dizia com o indeferimento, pelo


MM. Juiz, de perguntas do Ministério Público à
testemunha José Romualdo Candura, pai do menor.
Intentava saber o Dr. Promotor de Justiça: “se o depoente
foi à Delegacia com o único propósito de adquirir a guarda” e
“se foi à Delegacia porque a ré se excedeu” (fl. 65v.).

Pelo que respeitava à primeira – “se o depoente foi


à Delegacia com o único propósito de adquirir a guarda”
(do menor) –, a resposta já era conhecida, que estava
nos autos: fora à Delegacia para comunicar à autoridade
policial a ocorrência doméstica, segundo o certifica
o boletim de fl. 6, que deu origem à persecução
criminal. A citada testemunha, ao demais, declarou-o às
expressas: “foi à Delegacia para relatar o ocorrido e à época
tinha interesse de ter a criança” (fl. 65 v.). Se o fizera por
mais de um motivo, este não podia ser “o único”!

Quanto à segunda pergunta – “se foi à Delegacia


porque a ré se excedeu” –, essa, por implicar opinião
pessoal do depoente (sobre eventual excesso da ré), era
defeso consigná-la no termo. É a lição de Damásio E.
de Jesus: “A apreciação subjetiva da testemunha sobre o fato
não deve ser transcrita no termo do depoimento” (Código de
Processo Penal Anotado, 1996, p. 166).
146

Demais, se nas próprias palavras de José Romualdo


Candura o Magistrado assentou os fundamentos de sua
decisão, fica entendido que, absolvendo a ré, nisso
mesmo deu a conhecer que repudiava a argumentação
que do depoimento dessa testemunha pudesse extrair o
Ministério Público. Fê-lo pelo argumento “a contrario”:
“Qui de uno dicit de altero negat”.

A sentença – e aqui bate o ponto – está


fundamentada; e isto a resguarda do labéu de
juridicamente nula.

As perguntas que a Promotoria de Justiça queria


fazer à testemunha eram mesmo incabíveis; daqui por
que as indeferiu, posto as consignasse no termo. E se as
preliminares suscitadas pela Acusação não curavam mais
que desse ponto, elas também houveram de passar por
improcedentes.

Mas, “se a tese é totalmente descabida, a não-apreciação


não constitui nulidade” (cf. Damásio E. de Jesus, op. cit.,
p. 248).

Pelo exposto, rejeito a preliminar arguida pelo


recorrente, e com ela a que, nesta Egrégia Instância,
manifestou a douta Procuradoria-Geral de Justiça,
convém a saber: adaptação do feito à Lei nº 9.099/95,
147

pois que isto não será mister, em face do desfecho do


julgamento.

4. A r. sentença recorrida julgou improcedente a


denúncia para absolver a ré da acusação de haver
infligido maus-tratos a seu filho. Amparada de
excelentes razões, mostra-se porém intangível aos
golpes que lhe desferiu o estrênuo recorrente.

Em seu interrogatório judicial, ao mesmo passo que


negou a imputação, esclareceu a ré que, após insistir
com seu filho, de 11 anos de idade, que recolhesse (pois
precisava acordar cedo no dia seguinte), desligou o
aparelho de televisão; o menino, porém, em acintosa
rebeldia, tornou a ligá-lo. Nesse ponto, a mãe segurou-
lhe o braço; ele, entretanto, desatou a correr em direção
da escada para o quarto, onde se atirara ao chão,
ferindo-se na cabeça. A ré negou com veemência a
autoria dos fatos, imputação que considerava obra da
malícia de seu ex-marido, no intuito de prejudicá-la.

A vítima, ainda que inculpasse a acusada,


reconheceu-a “boa mãe” (fl. 64); declarou também que
era “desobediente”; ajuntou que, ao tempo dos fatos, a
família arrostava imensas dificuldades. Disse mais que,
após aquele incidente, seus pais, até aí separados,
148

restabeleceram o relacionamento. Encareceu fosse a


mãe absolvida, o que também praticou seu pai, e ex-
marido da ré. Inquirido em Juízo, afirmou José
Romualdo Candura que Marilúcia era “excelente mãe e
que tudo não passou de um fato isolado, por causa dos
problemas que ela vivia à época...” (fl. 65). Acentuou, por
fim, “que o casal está tendo bom relacionamento” (ibidem).

Estes, os elementos de prova que ensejaram ao


ilustre Magistrado ponderasse discretamente: “Como se
vê, o interesse social, por si só, aconselha a absolvição da
agente, mesmo porque, decisão contrária poderia (...)
provocar a desunião familiar” (fl. 63).

É que ao aplicar a lei, deve o juiz atender “aos fins


sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art.
5º da Lei de Introdução do Cód. Civil).

Era a exortação do preclaro Juiz Edgard de Moura


Bittencourt:

“A letra da lei torce o nariz a semelhantes facilidades, mas


seu espírito não omite um olhar de aplauso aos que, bem
intencionados, procuram a harmonia comum, que
principia pela paz nas famílias” (Vítima, 1a. ed.,
p. 74).
149

5. No caso, entretanto, a decisão (que pudera ser


benigna), apoiou-se também no princípio de
interpretação da dúvida, que a havia nos autos.

Com efeito, a acusada negou em Juízo a imputação


(fl. 52), a que apenas as palavras da vítima serviram de
sustentáculo (fl. 64), pois seu pai depôs de oitiva (fl. 65).

Todavia, da precariedade do depoimento infantil


escreveram graves autores livros infinitos em número.
Da boca da criança, uns afirmaram que nascia a verdade
(“ex ore infantiae nascitur veritas”); segundo reza o velho
anexim, Deus fala pela boca das crianças. No entanto, a
melhor razão parece estar com o ínclito Almeida Jr.,
quando professou:

“A realidade assinala, porém, que às vezes não é Deus, e


sim o diabo que move a língua infantil; que a criança se
conduz, não raro, com malignidade; e que é grande o seu
poder de invenção” (Lições de Medicina Legal, 7a. ed.,
p. 527).

Carlos A. Ayarragaray não desconvizinha dessa


opinião:
150

“A criança mente amiúde, às vezes para evitar um


castigo; outras, por preguiça, por vanglória, por malícia,
ou simplesmente pelo prazer de mentir, como diz
Gorphe” (Crítica do Testemunho, 1950, p. 56; trad.
Deraldo J. de Souza).

Por outro lado, há nos autos rumores de que os fatos


imputados à ré seriam parto de aleivoso enredo. Ela o
declarou: “(...) o caso dos autos não passa de uma trama
articulada por seu ex-marido” (fl. 54). Este, de sua vez, na
fase de instrução criminal, afirmou: “(...) foi à Delegacia
para relatar o ocorrido e à época tinha interesse de ter a
criança” (fl. 65).

A certeza da autoria, da materialidade do fato


arguido e da culpabilidade do agente, conforme a geral
doutrina, são a pedra de toque de toda a condenação. À
sua falta, será de rigor a decretação da improcedência da
lide, em atenção àquela sentença antiga e de aceitação
universal: “In dubio pro reo”.

Este foi sempre o pregão de nossos Tribunais:

“Não pode haver condenação sem prova plena do crime


e de sua autoria. Indícios, ainda que veementes,
desautorizam-na” (Rev. Tribs., vol. 181, p. 89).
151

6. Pelo exposto, rejeito as preliminares e nego provimento


ao recurso.

São Paulo, 9 de dezembro de 1996


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Embargos de Declaração nº 1.081.909/5 1


Comarca: São Paulo
Embargantes: LSG e ABC
Embargada: 15a. Câmara Criminal

Voto nº 832
Relator

— “A toga do magistrado não se deslustra,


retratando-se dos seus despachos e
sentenças, antes se relustra, desdizendo-se
do sentenciado ou resolvido, quando se lhe
antolha claro o engano em que laborava,
ou a injustiça que cometeu” (Rui, Obras
Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).
153

— Nos casos em que a lei comina penas


alternativas – v.g.: art. 7º da Lei
nº 8.137/90 (detenção ou multa) –
tem lugar, indisputavelmente, a
suspensão condicional do processo,
pois ainda que a sentença condenatória
haja optado pela pena detentiva, é a
pecuniária (porque a mínima) a que
serve de craveira punitiva para os
efeitos do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

1. LSG e ABC, por seu douto e diligente patrono,


opuseram Embargos de Declaração ao venerando
acórdão proferido por esta Colenda Câmara, nos autos
de Apelação Criminal nº 1.081.909-5, que lhes cancelou
a pena de multa e manteve a de detenção (que a r.
sentença, por lapso, escreveu reclusão), por infração do
art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137, de 27.12.90 (Crimes contra a
Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de
Consumo), combinado com o art. 6º, nº I, da Lei nº 8.078,
de 11.9.90 (Código de Defesa do Consumidor).

Têm para si os embargantes que a r. decisão


colegiada “deixou de aplicar o melhor direito à espécie”,
visto que “omitiu importante ideia que, acaso analisada,
certamente levaria a desfecho diverso do corrido” (fl. 190).
154

Foi o caso que o ven. acórdão devia, ao aviso dos


embargantes, aplicar à espécie “sub judice” o preceito do
art. 89 da Lei nº 9.099/95. Ajuntaram a seguinte razão:
as penas cominadas às infrações previstas no art. 7º da
Lei nº 8.137/90 são de duas ordens, a saber, detenção ou
multa. A essa conta, o art. 7º da mencionada lei podia ser
compreendido no conceito de infração penal de menor
potencial ofensivo, o que renderia ensejo à suspensão
condicional do processo (art. 89).

Aguardam, por isso, os embargantes que esta


colenda Câmara lhes dê provimento ao recurso para
que, convertido o julgamento em diligência, sejam
beneficiados com o “sursis” processual (fls. 189/204).

É o relatório.

2. Conquanto se não ignore a rigidez do pressuposto


dos embargos de declaração, fico que, examinando a
melhor luz a matéria tirada à publicidade com as razões
de fls. 190/204, o ven. acórdão poderia efetivamente
conter gravame contra os embargantes.
155

Deveras, ao cancelar a pena alternativa, para


que subsistisse unicamente a corporal imposta aos
embargantes, por violação do art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90, ao relator do acórdão esqueceu-lhe ferir o
ponto da eventual aplicação ao caso da Lei nº 9.099/95,
o que, suposto não o tivesse arguido a defesa nas razões
de apelo, não era despropósito versá-lo “sponte sua”.

Para a crítica demasiado severa, terá o ven. acórdão


incorrido na tacha de defeituoso e omisso.

É força emendá-lo, pois, segundo o credo de Rui:

“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos


seus despachos e sentenças, antes se relustra, desdizendo-se
do sentenciado ou resolvido, quando se lhe antolha claro o
engano, em que laborava, ou a injustiça, que cometeu”
(Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205).

3. O caso dos autos não se mostra incompatível com


o benefício do art. 89 da Lei dos Juizados Especiais
Criminais.

Em verdade, satisfazem os embargantes os requisitos


subjetivos da primariedade e dos bons antecedentes
(fls. 65/68 e 82).
156

A pena mínima cominada ao crime também lhes


não pode dificultar a concessão. Com efeito, ainda que
condenados os embargantes a cumprir 2 anos de
detenção, a pena mínima cominada ao delito do art. 7º,
nº IX, da Lei nº 8.137/90 é a de multa, aplicável
alternativamente.

As penas previstas para as infrações do citado


dispositivo são: detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou
multa.

Ora, conforme o sistema legal, a suspensão


condicional do processo deve aferir-se objetivamente
pelo padrão da pena cominada ao crime: igual ou
superior a 1 (um) ano (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

No caso, o tipo penal prevê também a aplicação, em


caráter alternativo, da pena pecuniária; esta, portanto, é
a que se deve reputar a pena mínima.

Pelo que, ainda haja a r. sentença condenatória


optado pela imposição da pena detentiva de 2 anos (fl.
133), a pena mínima que o legislador cominou ao crime
do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, é a de natureza
pecuniária, que serve de craveira para a boa exegese do
art. 89 da Lei nº 9.099/95.
157

É este o sentimento comum dos melhores


intérpretes:

“Nas hipóteses em que penas diversas vêm cominadas


alternativamente (prisão mínima acima de um ano
ou multa, ad exemplum, arts. 4º, 5º e 7º da Lei nº
8.137/90), nos parece muito evidente o cabimento da
suspensão do processo, pela seguinte razão: a pena
mínima cominada é a de multa. Se a lei (art. 89)
autoriza a suspensão condicional do processo em caso de
pena privativa de liberdade mínima até um ano, a
fortiori, conclui-se que, quando a pena mínima cominada
é a multa, também cabe tal instituto. Pouco importa que
a multa seja, no caso, alternativa. Se o legislador previu
tal pena como alternativa possível é porque, no seu
entender, o delito não é daqueles que necessariamente
devam ser punidos com pena de prisão” (Ada Pellegrini
Grinover et alii, Juizados Especiais Criminais, 2a. ed.,
p. 236).

Seria, pois, frustrar a “mens legis” denegar aos


embargantes a oportunidade de eventual suspensão
condicional do processo.
158

4. Em face do que levo exposto, recebo os embargos de


declaração e dou-lhes provimento para que, baixando os
autos à Primeira Instância, proceda o MM. Juízo de
Direito na forma do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

São Paulo, 18 de março de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.095.335/8


Comarca: São Paulo
Apelante: Ministério Público
Apelados: HRV e JLV

Voto nº 917
Relator

— A sentença absolutória não tem


efeito interruptivo da prescrição.
— Não se desabraça dos preceitos da
Lei nem ofende o zelo da Justiça
o Magistrado que, em face das
circunstâncias peculiares do caso
concreto, defere ao réu aquilo que,
de ordinário, lhe devia negar.
— Nisto de reforma de decisão,
cumpre ter sempre tento, porque –
escreveu-o com sabedoria e
elegância o clássico Matias Aires –
“(...) muitas vezes na emenda é que está
o erro” (Reflexões sobre a Vaidade dos
Homens, 1752, p. 308).
160

— O Juiz da causa, como é o que


trata diretamente com o réu, esse
deveras acrescenta ao conjunto das
provas novo e inestimável argumento: o
argumento da autoridade judicante. De
tal sorte que, se decidiu em prol do
réu, é de presumir que se orientou
pelas leis da razão e da prudência, o
que o abroquela dos tiros da crítica,
ainda que nobre e discreta.
—“Na alta prosápia de sua originária
semântica, sentenciar e sentir era
uma só e mesma coisa” (Eliézer Rosa,
Dicionário de Processo Penal, 1975,
p. 221).

1. Da r. sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito


da 3a. Vara Criminal do Foro Regional de Santana
(Comarca de São Paulo), que condenou HRV e JLV
às penas de 1 ano e 6 meses de detenção, para cada um,
convertidas em restritivas de direito, consistentes em
prestação de serviços à comunidade, por infração dos
arts. 121, §§ 3º e 4º, e 129, §§ 6º e 7º, combinados com
os arts. 29 e 70 do Código Penal, apela para este Egrégio
Tribunal a digna representante do Ministério Público,
levando o fito em reformá-la, para que sejam também
condenados por incursos nas sanções dos arts. 32 e 34 da
Lei das Contravenções Penais, combinados com os arts. 29
e 69 do Código Penal, majorada a pena-base.
161

Os réus, que se conformaram com o teor


da decisão condenatória (fl. 276), apresentaram
contrarrazões de apelação, nas quais, por sua distinta
e culta advogada, encarecem os predicados da r.
sentença recorrida que, a seu aviso (deles), merece
preservada na integridade (fls. 311/315).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


primoroso e escorreito parecer do Dr. Marcílio Grecco,
notável luzeiro de sua Instituição, opina pelo
provimento parcial do recurso (fls. 323/325).

É o relatório.

2. Foram condenados os réus porque, no dia 2 de julho


de 1995, cerca de 14h, na Rua Firminópolis, nesta
Capital, HRV, sem ser habilitado, dirigia o caminhão
Mercedes-Benz, placas BYB-5709 e, obrando com
imprudência, atropelou as vítimas Sandra Regina
Aquino Santana e Márcia Ribeiro da Silva, que estavam
naquela rua, causando a morte de Sandra e lesões
corporais em Márcia.
162

Esse réu, apurou-se que imprimia ao caminhão


velocidade excessiva, daqui por que lhe perdeu o
controle; subiu o veículo na calçada, atropelou as
vítimas e continuou sua trajetória, sem que o motorista
pudesse detê-lo.

O caminhão passou a trafegar pelo leito carroçável e


novamente se desgovernou, subindo na calçada e
tomando a direção das vítimas Márcia Andreia da Cruz
e Tatiana Correia Birochi, pondo-lhes a vida em risco.

O imprudente motorista evadiu-se em seguida, sem


prestar socorro às vítimas.

Apurou-se que dirigia o pesado veículo, no dia dos


fatos como em outros, com permissão do corréu JLV, o
qual era sabedor da inabilitação de Hélio; pelo que,
aderiu-lhe às condutas.

Policiais militares, que atenderam à ocorrência,


deram voz de prisão aos réus, os quais foram
conduzidos à 72a. Delegacia de Polícia e ali autuados
em flagrante delito.
163

De tanta eloquência era a prova (técnica e oral) de


sua culpabilidade, que os réus não somente foram
condenados, senão ainda se conformaram com a decisão
condenatória.

O Ministério Público, porém, achou que dizer


contra ela: relegara de consideração os ilícitos
contravencionais. Pretende, a essa conta, sejam também
apenados os réus pelas infrações dos arts. 32 e 34 da Lei
das Contravenções Penais.

Tal, contudo, já não é possível porquanto, como


observou o excelente parecer da Procuradoria-Geral de
Justiça, as contravenções de falta de habilitação para
dirigir e direção perigosa de veículo na via pública estão
resguardadas pela prescrição das penas “in abstracto”.

De feito, desde a data do recebimento da denúncia


– 1.11.95 (fl. 2) – até aqui transcorreram para mais de
2 anos, com a advertência de que a sentença absolutória,
quanto às contravenções, não interrompe a prescrição:
164

“Na hipótese de réu processado por dois crimes, se a


sentença o condena por um e absolva pelo outro, tal
sentença só será causa interruptiva quanto àquele e não
com relação à infração em que foi absolvido” (TACrSP,
vol. 68, p. 473; apud Celso Delmanto, Código Penal
Comentado, 3a. ed., p. 195).

Ora, dispõe o art. 109, nº VI, do Código Penal que, se


o máximo da pena é inferior a 1 ano (que é a hipótese
dos arts. 32 e 34 da Lei das Contravenções Penais),
prescreve em 2 anos.

Acha-se prescrita, pois, a pretensão punitiva estatal


em referência a estes ilícitos.

3. A censura que a diligente e douta Promotora de


Justiça faz à r. sentença, por haver desprezado, na
fixação das penas privativas de liberdade, as frações
inferiores a um mês, não colhe, com a devida vênia.

É verdade que, segundo o teor literal do art. 11 do


Código Penal, “as frações de dia” devem ser postas de
parte, não as de mês. Todavia, no caso de que se trata,
andou advertido o ilustre Juiz, com obrar consoante o
critério mais benigno. À uma, porque não se desabraça
165

dos preceitos da Lei nem ofende o zelo da Justiça (antes


com ele se conforma) o Magistrado que, em face da
peculiaridade do caso, defere ao réu aquilo que,
de ordinário, se lhe devia negar. Ora, na espécie,
conspiravam em obséquio dos réus circunstâncias de
vulto e momento, convém a saber: primariedade, bons
antecedentes e ocupação lícita. Além disso, como faz
prova o documento de fls. 104/105, restituíram o dano,
indenizando os familiares da vítima do acidente fatal.
À outra, porque, havendo-lhes deixado de oferecer a
proposta de suspensão do processo, nos termos da Lei nº
9.099/95, já a Justiça Pública fizera timbre de rigor, que
o Magistrado podia em certo modo atenuar, à guisa de
compensação, como lhe pareceu. A lição é não menos
que de Carlos Maximiliano: “A Justiça deve ser equânime;
concilie, sempre que for possível, a retidão com a bondade
em toda a acepção da palavra” (Hermenêutica e Aplicação
do Direito, 16a. ed., p. 170). À derradeira, nisto de
reformar decisões, cumpre ter sempre tento, porque –
escreveu-o com sabedoria e elegância o clássico Matias
Aires –“(...) muitas vezes na emenda é que está o erro”
(Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752, p. 308).

O Juiz da causa, como é o que trata diretamente


com o réu e lhe perscruta os refolhos misteriosos da
alma humana, o que lhe observa as reações e ouve de
seus lábios (primeiro que a mande recolher à frieza
166

do papel) a narração do fato criminoso, esse


verdadeiramente acrescenta ao conjunto das provas
novo e inestimável argumento: o argumento da
autoridade judicante. De tal sorte que, se decidiu em
prol do réu, é de presumir que se orientou pelas leis da
razão e da prudência, o que o abroquela dos tiros da
crítica, ainda que nobre e discreta.

Vencido por este sentimento – “na alta prosápia de


sua originária semântica, sentenciar e sentir era uma só e
mesma coisa”, ensina o místico Eliézer Rosa (Dicionário
de Processo Penal, 1975, p. 221) –, mantenho em sua
inteireza a r. decisão recorrida.

A pena-base que o Magistrado estabeleceu aos réus


não convém alteá-la, como quer o apelante. A razão está
na primariedade, atributo que ambos sustentam.

Em verdade, se o réu é primário, “a regra é partir da


pena-base no grau mínimo” (cf. Celso Delmanto, op. cit.,
p. 92).

Ao ilustre Juiz prolator da sentença esqueceu-lhe,


porém, como notou o brilhante parecer da
Procuradoria-Geral de Justiça, fixar o regime prisional
dos réus, no caso que lhes venha a ser revogado o
167

“sursis”... Pelo que, lhes estipulo, de ofício, o regime


aberto (cf. art. 33 do Cód. Penal).

4. Isto posto, nego provimento ao apelo do Ministério


Público e, de ofício, estabeleço aos réus o regime
prisional aberto, para o caso de revogação do “sursis”.

São Paulo, 18 de maio de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.120.825/9


Comarca: Taubaté
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: JBR

Voto nº 1193
Relator

— Cabe recurso em sentido estrito da


decisão proferida pelo Juízo de
Direito da Vara das Execuções
Criminais, que decreta a extinção
da punibilidade do sentenciado
por causa não regulada pela Lei
de Execução Penal, v.g., pela
retroatividade de lei que não mais
considera o fato como criminoso
(art. 107, nº III, do Cód. Penal).
169

—“Proferida a sentença de mérito, o juiz


encerra a atividade jurisdicional sobre
a imputação” (Vicente Greco Filho,
Manual de Processo Penal, 1997,
p. 327); pelo que, já não pode
modificá-la, senão para emendar
erros materiais, ou mediante
embargos de declaração (art. 382
do Cód. Proc. Penal) e recurso em
sentido estrito (art. 581), que prevê
juízo de retratação.
— Lição de Rui: “Quer dizer que o juiz,
depois de proferir a sentença, deixou
de ser juiz a este respeito. É esse o
direito dominante entre nós” (Obras
Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).

1. Contra a r. decisão proferida pelo MM. Juízo de


Direito da 3a. Vara Criminal da Comarca de Taubaté,
que, com base no art. 107, nº III, do Código Penal, julgou
extinta a punibilidade de JBR, denunciado por infração
do art. 32 da Lei das Contravenções Penais (falta de
habilitação para dirigir veículo), interpôs Recurso em
Sentido Estrito para este Egrégio Tribunal, com o
intuito de reformá-la, o digno representante do
Ministério Público.
170

Nas razões recursais de fls. 37/40, argui preliminar


de extemporaneidade da r. decisão impugnada, uma vez
proferida após o trânsito em julgado da r. sentença
condenatória; no mérito, arrimado à lição de insignes
autores (v.g., Fernando de Almeida Pedroso e Wessels),
aduziu que o novo Código de Trânsito, ao criar a nova
figura do art. 309, não derrogou o art. 32 da Lei das
Contravenções Penais; pelo que, requer a cassação do r.
“decisum” que julgou extinta a punibilidade do recorrido
(fls. 37/40).

Apresentou contrarrazões ao recurso a digna e culta


defensora do sentenciado. Afirmou, preliminarmente,
que o órgão do Ministério Público incidiu em “erro
grosseiro” ao interpor recurso em sentido estrito contra
decisão do MM. Juízo de Direito da Vara das
Execuções, pois o de que se havia de utilizar era do
previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal: agravo.
Destarte, espera que a colenda Câmara não conheça do
recurso manifestado; mas, se dele conhecer, negue-lhe
provimento, visto irrepreensível a r. decisão recorrida
(fls. 42/47).

O r. despacho de fl. 48 manteve a r. decisão de


primeiro grau por seus próprios fundamentos.
171

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


incisivo e minucioso parecer do Dr. Sólon Fernandes
Filho, opina, em preliminar, pelo recebimento do
recurso como “habeas corpus”; no mérito, pela sua
concessão, para o efeito de ser cassada a r. decisão que
julgou extinta a punibilidade do recorrido (fls. 53/54).

É o relatório.

2. Foi o recorrido, por infração do art. 32 da Lei das


Contravenções Penais, condenado ao pagamento de 10
dias-multa, pela r. sentença de fls. 27/28, proferida pelo
MM. Juízo de Direito da 3a. Vara Criminal da
Comarca de Taubaté.

Aos 25 dias do mês de junho deste ano, a r. sentença


transitou em julgado para as partes (fl. 31).

O MM. Juízo de Direito, no entanto, pela r. decisão


de fl. 33, teve a bem julgar extinta a punibilidade do
réu, no pressuposto de que se operara a “abolitio
criminis” da infração do art. 32 da Lei das Contravenções
Penais.

Contra essa decisão é que pôs recurso a Justiça


Pública.
172

3. A questão suscitada em preliminar pela distinta


advogada do recorrido não colhe, “data venia”.

De feito, dispõe expressamente o art. 581, nº VIII, do


Código de Processo Penal que da decisão que julgar extinta
a punibilidade do réu caberá recurso em sentido estrito.

Ainda: traz Julio Fabbrini Mirabete que, em


“matéria não regulada pela Lei de Execução Penal, cabe o
recurso, em sentido estrito, previsto no Código de Processo
Penal (...)” (Execução Penal, 5a. ed., p. 459).

Ora, é o Código Penal o que regula a extinção da


punibilidade.

Logo, o recurso em sentido estrito é o apropriado a


impugnar decisão que – e a dos autos está no caso –
decreta a extinção da punibilidade do réu “pela
retroatividade de lei que não mais considera o fato criminoso”
(art. 107, nº III, do Cód. Penal).

Improcede, portanto, a preliminar agitada pela


nobre Defesa.
173

Demais, tomando-se em conta a existência de


recurso voluntário, ajuizado no prazo proveitoso, não há
mister servir-se o órgão judicante de “habeas corpus” de
ofício, como pareceu à ilustrada Procuradoria-Geral de
Justiça.

Conheço, pois, do recurso interposto.

E, sobre isso, dou-lhe provimento.

4. Em verdade, é princípio jurídico, observado entre


nós sem quebra, que “proferida a sentença de mérito, o juiz
encerra a atividade jurisdicional sobre a imputação”
(Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, 1997, p.
327); já não poderá modificá-la, senão para retificar
erros materiais, ou mediante embargos de declaração
(art. 382 do Cód. Proc. Penal) e recurso em sentido estrito
(art. 581), que prevê Juízo de retratação.

Quer dizer – é a lição de Rui – “quer dizer que o


juiz, depois de proferir a sentença, deixou de ser juiz a este
respeito. É esse o direito dominante entre nós” (Obras
Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).
174

Pelo mesmo teor, João Monteiro:

“A sentença termina o ofício do juiz, e por isso é


irretratável; quer dizer que, proferida a sentença
definitiva, finda a jurisdição do respectivo juiz prolator.
Salvo por via de embargos, não a poderá mais revogar”
(apud Rui, op. cit., p. 142).

Ora, a sentença condenatória, porque transitara em


julgado (fl. 31), tornou-se irretratável; insuscetível de
reforma, só havia executá-la.

5. Destarte, afastadas as preliminares, dou provimento


ao recurso do Ministério Público para que, anulada a
decisão que julgou extinta a punibilidade do réu,
prossiga o feito segundo a lei.

São Paulo, 30 de outubro de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Agravo em Execução nº 1.153.983/5


Comarca: São Paulo
Agravante: APS
Agravado: Ministério Público

Voto nº 1600
Relator

— Os motivos são a alma da sentença


(“anima et quasi nervus”). Não é
muito, pois, que a própria
Constituição da República pusesse
preceito que todas as decisões,
sob pena de nulidade, fossem
fundamentadas (art. 93, nº IX).

— Fundamentar não é outra coisa que


dar o Magistrado as razões de seu
decidir.
176

— Nula é apenas a sentença a que falte


fundamentação, não aquela que a
tenha sucinta ou deficiente.

— A sustação do regime aberto,


por haver descumprido o sentenciado
condição que lhe fora imposta,
representa providência legal adequada,
compreendida no poder discricionário
cautelar do Juiz Criminal.

1. Da r. decisão proferida pelo MM. Juízo de Direito


da Vara das Execuções Criminais da Capital, que lhe
sustou o regime aberto, interpôs recurso para este
Egrégio Tribunal, com o fito de reformá-la, APS.

Afirma que não podia prevalecer, visto proferida em


contradição com o texto constitucional, que determina
sejam todas as decisões fundamentadas.

Acrescenta que, em razão da inobservância do


preceito da Carta Magna, seria nula a decisão agravada.

Pleiteia, por isso, lhe seja decretada a nulidade


(fls. 7/14).

Apresentou contraminuta de agravo a digna


Promotoria de Justiça. Asseverou que a decisão
agravada não era nula porque, embora concisa, continha
a necessária fundamentação.
177

A sustação do regime por descumprimento das


condições impostas pela Justiça era medida adequada,
que entendia com o poder discricionário cautelar do Juiz
Criminal.

A decisão agravada, por isso, devia permanecer em


sua inteireza e improvido o recurso do sentenciado (fls.
16/21).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em sólido


e criterioso parecer do Dr. Gabriel Eduardo Scotti,
opina pelo improvimento do recurso (fls. 28/30).

É o relatório.

2. Ainda que singelamente instruído o agravo em


execução, consta da r. decisão de fl. 2 que,
“exaustivamente procurado” para retirar a caderneta de
fiscalização e pagamento de multa, não foi encontrado o
agravante nos endereços que declarou; pelo que, a
requerimento do Ministério Público, o MM. Juízo foi
servido sustar-lhe o regime aberto concedido.
178

O sentenciado, a dar-se fé à afirmação da nobre


Defesa, estava sob o regime aberto, “em prisão-albergue
domiciliar desde 6 de novembro de 1996, em cumprimento
de uma pena total de 7 anos, 5 meses e 15 dias de reclusão”
(fls. 7/8).

Procurado nos endereços constantes nos autos, não


o encontrou o oficial de justiça. Donde o haver-lhe
a digna Juíza de Direito sobrestado o benefício pela
r. decisão de fl. 2, que o agravante acoima de
desfundamentada.

Não lhe acho razão, porém, “data venia”, ao


recorrente.

3. São os motivos a alma da sentença (“anima et quasi


nervus”).

Até os ditadores – escreveu o insigne Mário


Guimarães –, “até os ditadores, nos regimes discricionários,
sentem o imperativo de expor ao público as razões dos
seus decretos, o que fazem, geralmente, antepondo-lhes
consideranda justificativos” (O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, pp. 344-345).
179

Não é muito, pois, que a própria Constituição


Federal pusesse preceito que todas as decisões, sob pena
de nulidade, fossem “fundamentadas” (art. 93, nº IX).

Fundamentar não é outra coisa que dar o Magistrado


as razões de seu decidir.

No caso sujeito, deu sua digna prolatora os motivos


da r. decisão agravada, i.e., declarou por que suspendia
ao sentenciado o regime aberto?!

Por sem dúvida que sim! Foi porque o agravante


descumprira uma das principais condições a que devia
atender, enquanto não liquidada sua conta com a
Justiça: comunicar ao Cartório do Juízo toda a vez que
mudasse de residência.

Ora, não obrou o agravante segundo esse ditame.

Conquanto não haja nestes autos cópias das


certidões do meirinho, afiançou a r. decisão que o
agravante, “exaustivamente procurado”, não foi encontrado
(fl. 2). (A douta Promotoria de Justiça esclareceu à fl. 17
que 6 diligências fez o encarregado para intimá-lo).
180

Mas, porque não encontrado o seu domicílio – e


estava em prisão-albergue domiciliar –, não entra em
dúvida que revelou inadequação ao regime prisional.

A sustação do regime, à conta da inobservância das


condições estipuladas ao beneficiário, era providência
legal adequada, compreendida no poder discricionário
cautelar do Juiz Criminal.

Donde a justa apóstrofe do douto representante do


Ministério Público: se até a prisão processual se admite
no curso da ação, por que se não pudera tolerar “a
sustação provisória quando o regime aberto se mostrou
ineficaz para impor a obediência à lei penal?!” (fl. 17).

A r. decisão recorrida, posto concisa e lacônica,


justificou a suspensão do regime; não merece, pois, a
nota de carecente de fundamentação:

“Assim, a circunstância de conter fundamentação sucinta


ou deficiente não a invalida” (STF; RTJ 73/220; apud
Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 13a. ed., p. 248).
181

Ao demais, a medida, conquanto drástica, não é


definitiva. Após ouvi-lo, poderá o douto Juiz, se lhe
parecerem plausíveis as escusas do sentenciado,
restaurar-lhe o benefício.

4. Pelo exposto, nego provimento ao recurso de agravo


em execução.

São Paulo, 6 de setembro de 1999


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

7
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Agravo em Execução nº 1.194.713/5


Comarca: Salto
Agravante: Ministério Público
Agravado: MAP

Voto nº 2127
Relator

— O Ministério Público, segundo


princípio consagrado, é o guardião
da lei e o fiscal de sua execução
(art. 257 do Cód. Proc. Penal). Sua
intervenção nos incidentes de
execução de sentença traduz, pois,
dever institucional.

— Há casos, no entanto, em que ao


Magistrado, sem fazer tábua rasa das
atribuições do Ministério Público, é
lícito proceder de modo que atenda,
com superior exação, ao preceito da
rapidez e eficiência na prestação
jurisdicional.
183

— A restrição da liberdade do
indivíduo, ainda quando necessária,
é sempre mal e sofrimento. Difícil
coisa é unir a dor à paciência: ao que
padece repugna esperar. Donde o
haver proclamado um alto espírito:
“Não há maior tormento no mundo
que o esperar” (Vieira, Sermões, 1959,
t. V, p. 210). Por amor da cessação
do constrangimento, pode o Juiz
(se é que o não deva) abreviar, com
prudente arbítrio, ritos procedimentais
e fórmulas que se lhe afigurem
escusadas.

— Não esquecer nunca ao Juiz o duro


anátema de Rui: “Justiça atrasada não
é justiça, senão injustiça qualificada e
manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed.,
p. 42).

1. Inconformado com a r. decisão proferida pelo MM.


Juízo de Direito da 3a. Vara da Comarca de Salto, que,
converteu a pena privativa de liberdade imposta a MAP
em restritiva de direitos, dela interpôs recurso de agravo
em execução para este Egrégio Tribunal, com o intuito
de reformá-la, o mui digno representante do Ministério
Público.
184

Alega, em bem elaboradas e veementes razões, que


não se houvera com acerto o nobre Magistrado,
deferindo ao sentenciado o benefício primeiro que lhe
viesse aos autos a folha de antecedentes.

Aduz mais que, no particular, não foram liquidados


os requisitos objetivos e subjetivos para o deferimento
do benefício ao agravado.

À derradeira, significou o combativo recorrente que


o MM. Juiz, decidindo de plano, violara “o princípio
constitucional da ampla acusação e da fiscalização do
Ministério Público no que concerne à execução da pena”.

Pelo que, requer o provimento de seu recurso a fim


de que seja decretada a nulidade da r. decisão recorrida;
no mérito, seja reformada, para que retorne o
sentenciado ao regime prisional de cumprimento de
penas que lhe foi imposto (fls. 2/9).

Apresentou contraminuta de agravo a nobre Defesa,


na qual enalteceu os predicados da r. decisão recorrida,
merecedora a seu aviso de subsistir (fls. 37/38).
185

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


detido e firme parecer do Dr. Shiozo Tanaka, opina
pelo afastamento da preliminar de nulidade do
procedimento; no mérito, pelo provimento do agravo
para cassar a r. decisão impugnada e restabelecer o
“status quo” do sentenciado (fls. 50/52).

É o relatório.

2. O MM. Juízo de Direito da 3a. Vara Criminal da


Comarca de Salto, pela Portaria nº 118/99, foi servido
instaurar, de ofício, incidente de conversão de pena
privativa de liberdade em restritiva de direitos nos autos
de execução do agravado (fl. 13).

Dada vista dos autos ao Ministério Público,


requereu seu digno representante fosse juntada a folha
de antecedentes do sentenciado (fl. 13 v.).

O douto Magistrado, contudo, houve a bem


indeferir-lhe o pedido, sob color de que nada existia nos
autos que indicasse “hipótese de regressão de regime”
e, sobre isso, tinha poder o Ministério Público
de requisição das informações que entendesse
imprescindíveis à instrução do incidente de conversão
de penas.
186

Pelo que, deferiu ao agravado o benefício, i.e.,


converteu-lhe as penas de reclusão em restritiva de
direitos (fl. 18).

A Justiça Pública, no entanto, não levou à paciência


a r. decisão e dela agravou.

3. Salvo o devido respeito à dedicação e ao talento de


seu ilustre subscritor, as razões de recurso não me
convenceram de que a r. decisão de Primeiro Grau
violasse a Lei ou malferisse o Direito.

Deveras, segundo princípio consagrado, o


Ministério Público é o guardião da lei e o fiscal de sua
execução (art. 257 do Cód. Proc. Penal). Sua intervenção
nos incidentes de execução de sentença traduz, pois,
dever institucional.

Há casos, no entanto, em que ao Magistrado, sem


fazer tábua rasa das atribuições do Ministério Público, é
lícito proceder de modo que atenda, com superior
exação, ao preceito da rapidez e eficiência na prestação
jurisdicional.
187

Não é de esquecer que a restrição da liberdade do


indivíduo representa sempre sofrimento. Difícil coisa é
unir a dor à paciência: ao que padece repugna esperar.
Donde o haver proclamado um alto espírito: “Não há
maior tormento no mundo que o esperar” (Antônio Vieira,
Sermões, 1959, t. V, p. 210).

Por amor da cessação do constrangimento, pode


o Juiz (se é que o não deva) abreviar, com prudente
arbítrio, ritos procedimentais e fórmulas que se lhe
afigurem escusadas.

Lição é esta que tem por padroeiros juristas


conspícuos:

“Se a aplicação da letra da lei a um caso concreto produzir


efeito contrário ao que a própria lei pretende, aplicá-la
equivale a violá-la, porque será contrariar o seu
pensamento, o seu espírito. O juiz que a tenha aplicado
assim, não soube interpretá-la convenientemente:
apegou-se à letra rígida da lei, desconhecendo o seu
espírito” (Goffredo Telles Junior, A Folha Dobrada,
1999, p. 162).
188

Pelo mesmo teor o célebre anátema de Rui:

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada


e manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).

4. Embora, como a denominou o parecer da egrégia


Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 51), “embora não tenha
sido simpática e tampouco usual”, a medida que adotou o
nobre Magistrado convinha à espécie dos autos.

Com efeito, condenado por furtos, descontava o


recorrido, no regime aberto suas penas, “cumprindo
rigorosamente todas as obrigações impostas” (fl. 18). À vista
do que, e uma vez presentes os requisitos exigidos
pela Lei nº 9.714/98, deferiu-lhe conversão das penas
privativas de liberdade.

A objeção do recurso – de que o Juízo, primeiro


que deferisse ao agravado o benefício, devia atender ao
requerimento de certidões formulado pelo Ministério
Público – foi refutada pela própria decisão, verbis:
“tem o Ministério Público poder de requisição e poderia, ele
próprio, obter as informações pleiteadas no prazo de sua
manifestação” (fl. 18).
189

Além disso, como o agravado atendera,


escrupulosamente, às condições que lhe foram
estipuladas para o regime aberto, passara por demasia
(vênia!) insistir na obtenção de sua folha de antecedentes.

À derradeira, alguma balda que porventura


inquinasse a validade da decisão, poderia corrigi-la o
Juízo Recursal mediante provocação do órgão do
Ministério Público.

Em suma: a r. decisão de Primeiro Grau há de


subsistir porque, ainda que o insigne e diligente Dr.
Promotor de Justiça a increpasse de irregular, nenhuma
prova produziu de o agravado não fazer jus à conversão
das penas corporais em restritivas de direito.

Em face da situação processual do sentenciado, aliás,


o requisito subjetivo podia ser aferido pela presunção
comum (“praesumptio hominis”): presume-se que todo
indivíduo é bom, até prova em contrário.

5. Pelo que, afastada a preliminar de nulidade, nego


provimento ao agravo em execução.

São Paulo, 8 de maio de 2000


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

8
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

“Habeas Corpus” nº 371.810/4


Comarca: São José do Rio Preto
Impetrantes: Dr. Guilherme Benages e
Daniela Cristiane Gouvêa (Estag.)
Paciente: JAJ

Voto nº 2567
Relator

— “O Juiz, depois que uma vez deu e


publicou a sentença, não a pode mais
revogar, senão por via de embargos;
porquanto, ou julgasse bem, ou mal, o
seu ofício findou com ela” (Trigo de
Loureiro, Teoria e Prática do Processo,
1850, p. 184).
191

—“A sentença termina o ofício do Juiz, e


por isso é irretratável; quer dizer que,
proferida a sentença definitiva, finda a
jurisdição do respectivo Juiz prolator.
Salvo por via de embargos, não a poderá
mais revogar” (João Monteiro; apud
Rui, Obras Completas, vol. XXXII,
t. I, p. 142).

1. Em favor de JAJ impetram ordem de “habeas corpus”


o ilustre dvogado Dr. Guilherme Benages Alcantara e a
estagiária Daniela Cristiane Gouvêa, sob o argumento
de que padece coação ilegítima da parte do MM.
Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais da
Comarca de São José do Rio Preto.

Afirmam, na petição inicial de fls. 2/3, que o


paciente, na Penitenciária de Riolândia, cumpre penas que
lhe foram impostas em processos a que respondeu pela
prática de furtos, receptação e uso de entorpecente.

Em anterior pedido de unificação, o r. despacho do


MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções encerrou a
seguinte substância:
192

“Conforme se verifica às fls. 5/5v. do apenso de liquidação


de sentença, o cálculo da pena do réu precitado já foi
feito de forma global, vale dizer, a pena já foi unificada,
sendo que em 13.4.93 o sentenciado tinha, ainda, para
cumprir, 17 anos e 8 meses de reclusão”.

Tal decisão, sustentam os doutos impetrantes,


não feriu o ponto, isto é, não apreciou o pedido de
unificação de penas.

Em vista do que, a Defesa requereu que o nobre


Magistrado decidisse do pedido de unificação de
penas do sentenciado. Para tanto, formulou razões e
discriminou as condenações em 3 grupos, o que não
sucedera no pedido anterior.

Também aqui o despacho lhe não foi propício, pois


que se houve Sua Excelência por impedido de proferir
decisão, debaixo do argumento de que já se pronunciara
a respeito da pretensão do paciente.

Asseveram ainda os impetrantes que a primeira


decisão padeceria de irregularidade insanável, porque
proferida “extra petita”; cumpria, portanto, decretar-lhe
a nulidade.
193

Assim, requerem à colenda Câmara tenha a bem


“anular as decisões de Primeiro Grau”, a fim de que o
douto Juízo das Execuções de São José do Rio Preto
decida do pedido de unificação de penas formulado pelo
paciente.

Ilustram a Instância peças processuais de interesse


da ação de “habeas corpus” (fls. 4/22).

Prestou informações de praxe a mui digna


autoridade apontada como coatora. Esclareceu ter o
paciente 15 execuções. Informou ainda que seu advogado
deduziu pedido de unificação de penas, que lhe foi
indeferido.

Outro pedido de unificação formulou, também


denegado, de cujo despacho entretanto interpôs agravo,
que foi improvido.

Acrescenta, à derradeira, que, promovido ao regime


semiaberto em 2 de junho de 1999, foi transferido para
o IPA local em 6 de julho de 1999. Aos 9 dias do mês de
novembro do mesmo ano foi preso em flagrante por
porte de entorpecentes (fls. 32/36).

Acompanha-se o ofício de informações de


numerosas cópias dos autos de execução (fls. 37/104).
194

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


detido e avisado parecer do Dr. Luís Daniel Pereira
Cintra, opina “pela concessão da ordem, nos termos em que
foi formulada” (fls. 134/137).

É o relatório.

2. É verdade que o paciente, de seu próprio punho,


requereu unificação de penas ao MM. Juízo de Direito
da Vara das Execuções Criminais (fls. 5/6), de cujo
despacho consta o tópico: “o cálculo da pena do réu
precitado já foi feito de forma global, vale dizer a pena já foi
unificada” (fl. 11).

Também o é que, peticionando a Defesa às fls.


16/17, em ordem a obter unificação de penas, o ilustre
Magistrado exarou despacho à fl. 20, afirmando que de
tal matéria já tratara em decisão anterior, de sorte que
apenas poderia reapreciá-la se decretada a nulidade do
pronunciamento judicial.

No caso, certificado o trânsito em julgado da


decisão de fl. 10, era defeso realmente ao Magistrado
conhecer da pretensão do paciente: “unificação das penas
referentes ao pedido de fls. 3/4”.
195

Doutrina é esta que tem por si a lição de graves


autores e a tradição jurídica:

a) “O Juiz, depois que uma vez deu e publicou a sentença,


não a pode mais revogar, senão por via de embargos;
porquanto, ou julgasse bem, ou mal, o seu ofício findou
com ela” (Trigo de Loureiro, Teoria e Prática do
Processo, 1850, p. 184);

b) “A sentença termina o ofício do Juiz, e por isso é


irretratável; quer dizer que, proferida a sentença
definitiva, finda a jurisdição do respectivo Juiz prolator.
Salvo por via de embargos, não a poderá mais revogar”
(João Monteiro; apud Rui, Obras Completas, vol.
XXXII, t. I, p. 142);

c) “Já no Direito Romano, Ulpiano ensinava: Depois de


pronunciada a sentença, o Juiz perde a jurisdição e não
pode corrigi-la, quer haja exercido seu ofício bem, quer
o tenha feito mal (apud Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. II, p. 353).

3. É sem dúvida que as decisões impugnadas não


alcançaram o objeto intrínseco dos pedidos formulados
pelo paciente: unificação de suas penas.
196

Mas, ao Juízo da Execução (que não a este órgão


Colegiado, por amor do princípio da hierarquia de
jurisdição) é que importa resolvê-lo.

Neste pressuposto, ainda que com bem de pesar,


urge decretar a nulidade das decisões de fls. 10 e 20, para
que o MM. Juízo “a quo” possa apreciar o pedido de
unificação das penas do paciente, formulado às fls. 3/4 e
reiterado às fls. 16/17.

Em suma: anulo as decisões de fls. 10 e 20, em ordem


a que o MM. Juízo de Direito da Vara das Execuções
Criminais da Comarca de São José do Rio Preto julgue
o pedido de unificação de penas formulado pelo
paciente.

4. Pelo exposto, concedo a ordem para os fins constantes


do acórdão.

São Paulo, 24 de outubro de 2000


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

9
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Embargos de Declaração nº 1.229.809/8 1


Comarca: Osasco
Embargante: Ministério Público
Embargado: 15a. Câmara do Egrégio Tribunal de
Alçada Criminal e SNB

Voto nº 2996
Relator

— “Melhor será que a sentença não erre.


Mas, se cair em erro, o pior é que se
não corrija” (Rui, Oração aos Moços,
1a. ed., p. 46).

—“Li, em Confúcio: Que felicidade a


minha! Sempre que cometo um erro,
logo o descobrem” (Roberto Lira, Como
Julgar, como Defender, como Acusar,
p. 161).
198

1. Ao ven. acórdão proferido pela 15a. Câmara deste


Egrégio Tribunal opôs Embargos de Declaração o
Ministério Público do Estado de São Paulo (fls.
201/203).

Nas razões de recurso, elaboradas por um dos mais


cultos, probos e diligentes membros de sua Instituição
– o Dr. Antonio Visconti –, afirma que a decisão
colegiada não se eximiu de erros materiais, que
importava suprir, em bem da escorreita prestação
jurisdicional e dos cânones legais.

Foi o caso que, havendo o ven. acórdão de


fls. 188/195 provido parcialmente o recurso do réu
para afastar-lhe a nota de reincidência e modificar
para semiaberto o regime prisional, procedeu ao
cancelamento do acréscimo de 1/3 de sua pena (em
razão da circunstância agravante); pelo que, deitando
novos cálculos, diminuiu-lhe 1/6 da pena, à conta da
tentativa de roubo.

Tais operações, no entanto, fizera-as o ven. acórdão


com postergação do preceito do art. 68 do Código Penal,
pois retirou 1/3 (por amor da reincidência), primeiro
que reduzisse a pena do réu pelo “conatus”. Ao demais,
claudicara o acórdão embargado ao diminuí-la em 1/6,
199

em contradição com a regra do art. 14, nº II, parágrafo


único, do Código Penal.

2. Assaz de razão tem o embargante: os erros que


apontou no ven. acórdão o insigne Procurador de
Justiça – atribuindo-os generosamente “ao enorme
volume de processos” (fl. 202), com que os juízes deste
Egrégio Tribunal nos vemos a braços –, merecem
corrigidos.

Pelo que, tendo o ven. acórdão cancelado a


reincidência, era força que, procedendo conforme a
craveira do art. 68 do Código Penal, da pena-base de 4
anos de reclusão e 10 dias-multa – reduzida de 1/3 pelo
afastamento da circunstância agravante obrigatória –,
diminuísse 1/3 (em obséquio à tentativa), de que
resultariam: 2 anos e 8 meses de reclusão e 7 dias-multa
(e não 2 anos e 4 meses de reclusão e 6 dias-multa).

Para este efeito, portanto, devem os embargos ser


recebidos, pois que o acórdão verdadeiramente incidira
em erro.

Escreveu muito ao propósito aquele nosso Rui:


200

“Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em


erro, o pior é que se não corrija” (Oração aos Moços, 1a.
ed., p. 46).

E também o notável Roberto Lira:

“Li, em Confúcio: Que felicidade a minha! Sempre que


cometo um erro, logo o descobrem” (Como Julgar, como
Defender, como Acusar, p. 161).

3. Pelo exposto, acolho os embargos para, emendando


erro do ven. acórdão, fixar as penas do réu em 2 anos e
8 meses de reclusão e 7 dias-multa.

São Paulo, 31 de maio de 2001


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

10
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.269.193/8


Comarca: Cravinhos
Apelante: TAK
Apelado: Ministério Público

Voto nº 3116
Relator

— É princípio consagrado pelos


Tribunais que sentenças não se
anulam, salvo quando proferidas sem
atenção a seus requisitos elementares
ou não lhes possa a instância recursal
suprir os defeitos. Grande sabedoria
encerra esse ditame, que manda
guardar as sentenças do golpe
mortal da nulidade, pois “os Juízes,
por definição, não podem enganar-se”
(Valdemar César da Silveira,
Dicionário de Direito Romano, 1957,
vol. II, p. 588). Ao demais, muita vez
na emenda é que está o erro!
202

— Para o Magistrado não há deslustre


em dar nova decisão, por ter-lhe o
Tribunal cassado a anterior. Sirvam-
-lhe de consolo estas palavras do
insigne Min. Orosimbo Nonato:
“Todos os homens erramos. Ninguém
possui a pedra lídia da verdade” (in
Rev. Forense, vol. 177, p. 143).

—“Judicis est semper in causis verum


sequi”. Em vulgar: Nas causas, é
próprio do Juiz seguir sempre a
verdade (Cícero).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Cravinhos, julgando-lhe extinta a
punibilidade, apelou para este Egrégio Tribunal, com o
intuito de reformá-la, TAK.

Nas razões de recurso, apresentadas por esforçado e


culto patrono, argui de omissa a r. decisão condenatória,
uma vez não apreciara tese sustentada no memorial de
alegações finais, convém a saber, que obrara em situação
de legítima defesa própria.

Pelo que respeita ao mérito, pleiteia a absolvição,


com fulcro na referida descriminante legal (fls.
133/135).
203

A douta Promotoria de Justiça, em primorosa peça


jurídica, notou de nula a r. sentença condenatória por
preterição de requisitos formais e intrínsecos: faltara-lhe
motivação, demais de haver relegado de consideração
argumento da Defesa (fls. 137/139).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em firme


e incisivo parecer do Dr. Fernando José Marques, opina
pelo provimento do recurso para que, anulada a r.
sentença de Primeiro Grau, outra seja proferida, com
observância dos preceitos legais (fls. 145/146).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público deu incurso o réu na


sanção do art. 129 do Código Penal porque, no dia 8 de
novembro de 1997 às 13h30, no Pesqueiro Kobaiashi, na
cidade de Cravinhos, desferiu um soco no rosto de
Aparecido Caetano Merlo, nele provocando lesões
corporais de natureza leve.

Após regular tramitação do feito, a r. sentença de fls.


127/128 julgou extinta a punibilidade do réu pela
prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal.
204

A esforçada Defesa, no entanto, irresignada com o


desfecho da lide, pôs recurso para esta Corte de Justiça.

3. É princípio consagrado pelos Tribunais que


sentenças não se anulam, salvo quando proferidas sem
atenção a seus requisitos elementares, ou não lhes possa
a instância recursal suprir os defeitos.

Grande sabedoria encerra esse ditame, que manda


resguardar as sentenças do golpe mortal de nulidade:
à uma, porque “os Juízes, por definição, não podem
enganar-se” (Valdemar César da Silveira, Dicionário de
Direito Romano, 1957, vol. II, p. 588); à outra, porque
muita vez na emenda é que está o erro.

O Juiz da causa – porque mais próximo dos fatos e


das partes – consta que melhor os sabe apreender e
compreender.

4. Há casos, no entanto, em que, por mui distante de


seu padrão legal, a sentença não é mais que um
simulacro. Aí, por amor da segurança dos negócios da
Justiça, caberá ao órgão de superior jurisdição decretar-
-lhe a nulidade.
205

A r. sentença apelada – digo-o com bem de pesar


– está nesse número.

Seu digno prolator declarou a extinção da


punibilidade pela prescrição retroativa da pretensão
punitiva estatal; esqueceu-lhe, porém, que o fazia
primeiro que impusesse pena ao réu.

Mas, e bem o salientou o douto parecer da


Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 145) –, a prescrição
retroativa só era possível com a fixação da pena, após
regular exame do “meritum causae” (o que, no particular,
inexistiu).

Além disso, como o réu invocasse em seu prol a tese


da legítima defesa, que prefere à solução alvitrada pela r.
sentença (extinção da punibilidade), havia mister
apreciar eventual ocorrência, na espécie, daquela causa
excludente de ilicitude jurídica. A razão é que a
descriminante legal se avantaja ao reconhecimento da
prescrição da pretensão punitiva, pois “tem reflexo no
cível e na dignidade do apelante”, conforme a discreta
observação da distinta Promotoria de Justiça (fl. 138).
206

5. Para o Magistrado nenhum deslustre haverá em dar


nova decisão, se o Tribunal lhe cassou a anterior.
Sirvam-lhe de conforto estas palavras do insigne Min.
Orosimbo Nonato:

“Todos os homens erramos. Ninguém possui a pedra lídia


da verdade. (...) Ao juiz, essa confissão se torna penosa
não apenas por afeição paternal que dedicamos aos partos
do nosso entendimento, como dizia Frei Luís de Souza,
senão ainda pelo reconhecimento dos grandes males
suscitados pelas oscilações de uma jurisprudência voltária
e flexível, matriz de inseguranças perturbadoras do
comércio jurídico e das relações do consórcio civil.
Mas, a verdadeira coerência é a moral, e tributo
constante e infalível só é devido à verdade que o juiz
julga identificar em face de novos estudos retificadores de
erros passados. Se a consciência dessa situação se lhe impõe
com as cores da evidência, todas as demais considerações se
dissipam e evaporam: confessará ele o engano e decidirá
de modo diferente em obséquio à verdade.
Como dizia Cícero, judicis est semper in causis
verum sequi” (in Revista Forense, vol. 177, p. 143).
207

6. Pelo exposto, dou provimento à apelação para anular a


sentença de Primeiro Grau e determinar que outra seja
proferida com estrita observância dos preceitos legais.

São Paulo, 9 de julho de 2001


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

11
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.263.817/1


Comarca: Rancharia
Apelante: MS
Apelado: Ministério Público

Voto nº 3251
Relator

— Ainda que sucinta e lacônica, a


sentença não é nula se apreciou as
alegações das partes. Do Magistrado
não exige a lei senão que decida o
litígio conforme as provas dos autos,
à luz do direito positivo e do
raciocínio lógico, de tal arte que, se
as teses da Defesa não cabiam,
por repugnantes, na conclusão da
sentença, entende-se que as refutou
pelo argumento “a contrario sensu”. A
decisão que afirma por que absolve
o réu está, “ipso facto”, escusada
de expor as razões por que o não
condena.
209

— Embora direito do réu permanecer


calado (art. 5º, nº LXIII, da Const.
Fed.), interpreta-se de ordinário
por assunção de responsabilidade
criminal, porque nenhum inocente
fica em silêncio quando injustamente
acusado, antes repudia com toda a
veemência a imputação delituosa.

— A apreensão da “res furtiva” em


poder do agente, que o não saiba
justificar, basta a definir-lhe a culpa
(“lato sensu”), notadamente se estão
seus protestos de inocência às
testilhas com sua biografia penal, em
que avultam crimes contra o
patrimônio.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Rancharia, condenando-o a cumprir, no
regime semiaberto, a pena de 2 anos e 4 meses de
reclusão, além de 12 dias-multa, por infração do art.
155, § 4º, nº I, do Código Penal, interpôs recurso para este
Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, MS.

Nas razões de recurso, apresentadas por diligente


e culto patrono, argui preliminar de nulidade da r.
sentença por desconsideração de tese da defesa.

No mérito, argumenta com a precariedade do


conjunto probatório; pelo que, aguarda absolvição.
210

Alega também que não houve prova cabal da


qualificadora, que será força cancelar.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara, se não decretar


a nulidade da sentença, tenha a bem absolvê-lo por falta
de provas, ou afastar-lhe a causa de aumento de pena
(fls. 92/96).

A douta Promotoria de Justiça ofereceu primorosas


contrarrazões de apelação, nas quais repeliu a pretensão
do réu e propugnou a mantença da r. decisão de
Primeiro Grau (fls. 98/106).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. João Eduardo
Xavier de Freitas, opina pelo improvimento do recurso
(fls. 123/125).

É o relatório.

2. Foi o réu, de alcunha Fuminho, metido em processo


porque, no dia 27 de julho de 2000, na Rua Felipe
Camarão, em Rancharia, mediante rompimento de
obstáculo, subtraiu para si uma máquina de pressurizar
água, avaliada em R$ 295,00, pertencente à vítima José
Edmar de Andrade.
211

Reza a denúncia que, aproveitando-se da


circunstância de encontrar-se fechado o estabelecimento
da vítima, arrombou-lhe a porta de um cômodo
existente nos fundos, donde subtraiu o referido objeto.

Praticado o furto, o réu deitou a fugir.

Integrantes da Guarda Municipal, no entanto, em


serviço de patrulhamento ordinário, deram com o réu,
que transportava a “ res furtiva”.

Como suspeitassem da procedência da coisa, os


policiais conduziram-no à Delegacia de Polícia, onde a
autoridade mandou autuá-lo em flagrante por furto.

Instaurada a persecução criminal, o processo


tramitou na forma da lei. Ao cabo, a r. sentença de fls.
76/80, acolhendo a pretensão punitiva, decretou a
condenação do réu; este, inconformado com o desfecho
da causa-crime, manifestou recurso para a Superior
Instância.

3. Conquanto merecedor de elogio o esforço de seu


patrono, o inconformismo do réu não assenta em boa
razão.
212

Pelo que respeita à matéria prejudicial – nulidade


da r. sentença, que não repelira, de espaço, a alegação
de imprestabilidade do laudo pericial –, carece
inteiramente de fomento lógico e jurídico, “data venia”.

Com efeito, pondo o fito em defesa processual,


acoimou o apelante de desvalioso o laudo pericial
porque “elaborado por pessoas leigas no assunto” (fl. 73).

Tal objeção, contudo, já a refutara a douta sentença,


com dizer que não existe impedimento legal de serem
nomeados “bacharéis em Direito” para desempenhar a
função de perito no exame do local de furto qualificado.

O ponto está em que sejam “pessoas idôneas”, como


estipula o art. 159, § 1º, do Código de Processo Penal.

Ao demais, como ressaltou a r. sentença, a análise


das fotografias juntadas aos autos (fl. 15) tornava
escusada a atuação de experto, ou de pessoa de saber
técnico especializado.

Tão visíveis, com efeito, eram os vestígios do


arrombamento, que somente o cego “a nativitate” não
estava em condições de confirmá-lo.
213

Além de que, passa por meramente acadêmica a


disputa acerca da alegada omissão da sentença que, ao
aviso da Defesa, não se detivera em repelir-lhe a
argumentação.

Primeiro que o mais, importa consignar que, ao


revés do alegado, a r. sentença feriu de frente a questão
prejudicial suscitada pela Defesa e fê-lo em termos
hábeis e suficientes.

A nota de lacônica, aposta à r. sentença pelo recurso


(fl. 93), não tem lugar: à uma, porque encerra a r.
decisão impugnada, a esse respeito, contexto lógico e
bastante a demonstrar a erronia do asserto do apelante;
à outra, porque, ainda quando fosse lacônico (o que
apenas concedo, não admito), o passo da r. sentença que
versou a matéria atendera ao intuito da lei.

De feito:

“Incorre nulidade da sentença quando as teses apresentadas


pela Defesa são enfrentadas e examinadas de forma
sucinta pelo Juiz, uma vez que não é necessária uma
análise prolixa e extrema” (RJDTACrimSP, vol. 26,
p. 189; rel. Péricles Piza).
214

De tudo o sobredito claramente se conclui não


assistir razão ao apelante quando se empenha contra a
regularidade formal da r. sentença.

Rejeito, pois, a preliminar.

4. No que toca ao mérito, a apelação do réu não


merece acolhida, porque em desacordo com a prova dos
autos.

Deveras, a testemunha Rubens Antônio, inquirida


na instrução criminal, afirmou que estava com o seu
colega e ambos viram o réu a carregar uma máquina.

Interpelado acerca da procedência da coisa,


respondeu-lhes tê-la encontrado defronte de uma loja.

O depoente e seu colega entraram a suspeitar da


veracidade da alegação e, como lhes fosse o réu
conhecido (porque indivíduo desordeiro), levaram-no à
Delegacia de Polícia, onde a autoridade mandou lavrar
auto de prisão em flagrante (fl. 48).

A vítima, essa declarou ter reconhecido como sua a


máquina achada em poder de Fuminho.
215

Afirmou ainda que a porta do cubículo onde ela


estava fora arrombada (fl. 47).

É verdade que o réu, em seu interrogatório judicial,


afadigou-se por afastar de sobre si a espada da Justiça,
alegando que, após haver tomado umas pingoletas,
entrara a perambular pelas ruas e becos da urbe e, por
fim, abrigara-se debaixo de uma árvore, onde o acaso
lhe deparou a máquina de água (fl. 33 v.).

Suas palavras, decididamente, não podem ser aceitas,


ou porque inverossímeis e desautorizadas pelas mais
provas, ou porque chegaram tarde ao seio dos autos.

Deveras, fosse o réu inocente, já o teria declarado na


fase do inquérito, como geralmente ocorre; porque,
entretanto, aí se recolhera a profundo e inexplicável
silêncio, entende-se que era culpado, senão contestaria
com toda a veemência a grave acusação.

Este, o motivo por que nossos Tribunais têm


emprestado valor ao silêncio:

“O silêncio do acusado, embora derivado de permissivo


constitucional, não deixa de gerar certo comprometimento
a formar a convicção judicial, pois a reação natural
216

do inocente é proclamar sua inocência, com ênfase,


reiteradamente, e não reservar-se para prestar esclarecimentos
unicamente para o Juízo” (RJDTACrimSP, vol. 37,
p. 335; rel. Oldemar Azevedo).

Além de que, encontrado na posse de coisa alheia,


urgia lhe comprovasse o réu a boa origem; não o fez,
porém, e nisto mesmo descobriu sua culpa.

Serve ao intento a jurisprudência dos Tribunais:

“Em se tratando de crime de furto, a apreensão da res


furtiva em poder do agente implica inversão do ônus
da prova, cabendo à Defesa apresentar justificativa
convincente para o ocorrido” (RJDTACrimSP, vol. 25,
p. 177; rel. Nogueira Filho).

A prova dos autos, portanto, era suficiente para


embasar o decreto condenatório.

A pena foi imposta ao réu com observância da lei e


atendeu às circunstâncias do processo; reincidente,
aumentou-lha o douto Magistrado em 1/6; o regime
prisional (semiaberto), era o que realmente convinha à
personalidade do réu, sujeito habituado à prática de
crimes contra o patrimônio e infenso às regras que
disciplinam o convívio social (fls. 108/110).
217

Por seus próprios e jurídicos fundamentos, merece


confirmada, pois, a r. sentença que proferiu o distinto e
culto Juiz Dr. Edison Yassuo Takase.

5. Pelo exposto, afastada a preliminar, nego provimento


ao recurso.

São Paulo, 31 de agosto de 2001


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

12
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Agravo em Execução nº 1.407.505/2


Comarca: Tupã
Agravante: Ministério Público
Agravado: WFA

Voto nº 5236
Relator

— A demora do Conselho Penitenciário


em emitir parecer sobre livramento
condicional (art. 131 da Lei de Exec.
Penal) autoriza o Magistrado a
decidir de plano, por amor da
celeridade, que passa por um dos
maiores atributos da jurisdição.
219

—“Justiça atrasada não é justiça, senão


injustiça qualificada e manifesta” (Rui,
Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42). Tal
exortação naturalmente sobe de
ponto, em se tratando de réu preso:
perdida a liberdade – bem supremo
do homem –, o anseio de recobrá-
-la não sofre nem admite dilação
desarrazoada. Aqui toda a delonga
parece funesta, pois “mata a
esperança, que é o último remédio que
deixou a natureza a todos os males”,
como afirmou o elegante Vieira
(Sermões, 1682, t. II, p. 87).

— Suposto o conflito entre a Lei e o


Direito, para a parcialidade deste é
que se deve inclinar o Juiz. “O direito
é que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa,
A Voz da Toga, 1a. ed., p. 47).

1. Contra a r. decisão que proferiu o MM. Juízo de


Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca
de Tupã, concedendo livramento condicional a WFA,
interpôs Agravo em Execução o ilustre representante do
Ministério Público.

Alega, na minuta de fls. 4/8, que, embora a Comissão


Técnica de Classificação e a Diretoria do estabelecimento
penal se tivessem manifestado a favor da pretensão do
reeducando, não foi ouvido a esse respeito o Conselho
Penitenciário.
220

Pelo que – aduz o agravante – , ao conceder ao


recorrido o benefício, prescindindo do parecer do
Conselho (exigido pelo art. 131 da Lei de Execução Penal),
a r. decisão impugnada fizera rosto ao Direito Positivo
e, pois, não podia subsistir.

Acrescenta que, no caso, também não estava


satisfeito o “requisito subjetivo”, por incomprovados os
bons antecedentes e a exemplar conduta carcerária do
reeducando, além de sua “aptidão para prover à própria
subsistência mediante trabalho honesto”, nos termos da
legislação em vigor (art. 83, ns. I e II, e parág. único, do
Cód. Penal).

Ajunta mais que o reeducando evidenciou “traçados


de introversão, insegurança, não aceitação do meio, manifesta
desejo de proteção e reabilitação”, que o incapacitavam para
receber a mercê liberatória.

Pleiteia, destarte, o provimento do agravo para o fim


de cancelar o benefício do livramento condicional
concedido ao reeducando (fls. 4/8).

Apresentou a digna Defesa contraminuta de agravo,


na qual refutou os argumentos da douta Promotoria de
Justiça e terçou pela confirmação da r. decisão atacada
(fls. 30/33).
221

O r. despacho de fl. 34 manteve “a decisão recorrida


por seus próprios fundamentos”.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo


parecer da Dra. Vivian Cristiane Moretto Wohlers
Silveira, tem que “a pretensão recursal desmerece
acatamento, não obstante o zelo do Dr. Promotor” (fl. 41).

É o relatório.

2. Condenado pelo MM. Juízo de Direito da 6a. Vara


Criminal da Comarca da Capital à pena de 5 anos e 6
meses de reclusão, no regime inicial fechado, e 2 meses
de detenção, no regime semiaberto, por infração do
art. 157, § 2º, ns. I e II, e art. 329 do Código Penal (proc.
nº 44.350/00), requereu o agravado ao MM. Juízo de
Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca
de Tupã a concessão de livramento condicional (fls.
10/12).

Deferiu-lhe o pedido a r. decisão de fl. 28, visto


concorriam os requisitos legais.
222

A diligente Promotoria de Justiça, no entanto, não


se resignou à conclusão do r. decisório de Primeiro
Grau; daqui o ter-lhe interposto recurso de agravo, com
o fito de o reformar.

3. São dignos sempre de encômios aqueles varões


altivos que – ao revés dos que se comprazem em estar
eternamente imóveis, os braços cruzados sobre os largos
peitos – vão sempre à liça, na defesa de causas nobres.

Desse número, por certo, é o Dr. Nelson Celeste


Motta Flho, que subscreveu as razões de recurso.

Na espécie sujeita, contudo, não acho razão ao


inconforismo do agravante; aliás, sinceramente deploro
não se tivesse rendido aos forçosos argumentos da
r. decisão, obra de primor intelectual e escorreita
aplicação da lei.

Visto satisfazia aos requisitos do livramento


condicional, houve-se com raro aviso o Magistrado ao
deferi-lo ao reeducando.

As objeções que o combativo recorrente opôs aos


argumentos da decisão não colhem, “data venia”.
223

No que respeita à falta de parecer do Conselho


Penitenciário – que o art. 131 da Lei de Execução Penal
manda ouvir, primeiro que se decida do requerimento
do sentenciado –, não o tenho por imprescindível à
concessão do livramento condicional, em casos como o
dos autos.

Cabe ressaltar, antes do mais, que o parecer da


Comissão Técnica e o do Diretor do presídio foram
favoráveis à pretensão do reeducando (fls. 19/21), o que,
no ânimo do julgador, já houvera de fazer forte
impressão.

Isto de o ilustre Magistrado ter relegado a opinião


do órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena,
contou com motivo de grande peso e tomo. Ele próprio
o consignou em palavras formais: “por outro lado, a
ausência do parecer do Conselho Penitenciário não pode
constituir óbice ao deferimento do pedido, pois já decorridos
mais de 60 dias, sem que houvesse decisão a respeito” (fl. 28).

Dado que o Conselho demorasse a emitir parecer


sobre o pedido de livramento condicional, o MM. Juiz
deu-lhe de mão, e entrou a decidir o caso. Procedeu
com notável acerto!
224

4. A celeridade passa por um dos maiores atributos da


jurisdição.

Não nos esqueçam nunca, a nós que oficiamos no


templo da divina Têmis incorruptível, estas profundas e
graves palavras de Rui:

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada


e manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).

Tal exortação naturalmente sobe de ponto, em se


tratando de réu preso: perdida a liberdade – bem
supremo do homem –, o anseio de recobrá-la não
sofre nem admite dilação desarrazoada. Aqui toda a
delonga parece funesta, pois “mata a esperança, que é o
último remédio que deixou a natureza a todos os males”,
como afirmou o elegante Vieira (Sermões, 1682, t. II,
p. 87).

Suposto o conflito entre a Lei e o Direito, para a


parcialidade deste é que se deve inclinar o Juiz.

Isto sentia bem Eliézer Rosa, culto e sábio Juiz:


225

“Os que assim pensam, isto é, que o juiz não deve criticar
a lei, incorrem num equívoco manifesto. Tomam eles a
lei pelo direito. O primeiro dever do juiz é respeitar o
direito de seu povo. Nem sempre a lei exprime o direito.
Muitas vezes é mera expressão formal do direito, e não
sua expressão substancial. O direito é que é a fonte da
lei” (Voz da Toga, 1a. ed., p. 47).

Doutrina é esta que a jurisprudência tem prestigiado


em numerosos acórdãos:

a) “Prevista em lei a emissão de parecer do Conselho


Penitenciário para a concessão de livramento
condicional, é possível, juridicamente, através de
pedido de habeas-corpus, considerá-lo desnecessário e
qualificá-lo de causa de constrangimento ilegal sem
estar esgostado o prazo estipulado” (Rev. Tribs., vol.
604, p. 425; rel. Cristovam Daiello Moreira);

b) “É possível a apreciação do benefício de livramento


condicional, sem o laudo de exame criminológico e o
parecer do Conselho Penitenciário, se decorridos
tantos meses, em razão da deficiência dos meios
administrativos, a Coordenadoria ou o Conselho
Penitenciário retém o procedimento, pois a delonga,
não motivada pelo paciente, pode comprometer seu jus
226

libertatis (RJDTACrimSP, vol. 4, p. 183; rel. Luiz


Pantaleão; apud Alberto Silva Franco et alii,
Código de Processo Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, 1999, vol. II, p. 3.379).

5. No que tange à alegada falta de méritos do agravado


– argumento de que a intrépida Promotoria de Justiça
fez muito caso e cabedal –, não traduz precisamente a
verdade do processo.

Análise de espaço dos autos dá a conhecer que o


recorrido reunia condições para ser contemplado com
o benefício.

Primário, cumprira no regime prisional para mais de


1/3 de sua pena, com bom aproveitamento laborterápico
(fls. 10/13).

Se, ao princípio, sua conduta carcerária foi


considerada “péssima” (fl. 14), melhorou sensivelmente
nos anos seguintes, em que mereceu classificação no
grupo “bom” (fl. 15).

As qualidades negativas que lhe inventariou, com


base na “síntese psicológica” (fl. 6), foram francamente
ilididas pelos aspectos positivos da personalidade do
227

sentenciado, aos quais, no entanto, com bem de pesar


meu, nenhuma importância deu o recorrente, “verbi
gratia”: “na crítica quanto à criminalidade assume seus
delitos, verbaliza arrependimento dos mesmos e apresenta
planos condizentes com sua realidade, sendo estes coerentes”.

Ainda: “Comportamento controlado; repressão à


agressividade; adquiriu mecanismos para lidar com limitações
e frustrações; apresenta autocrítica bem elaborada; bom senso
de realidade e boa estruturação egoica” (“ibidem”).

Uma vez conspiravam os requisitos legais, era força


conceder ao agravado o benefício do livramento
condicional.

Nossos Tribunais sufragaram sempre este


entendimento:

“Denegar o benefício de livramento condicional àquele que


satisfaz os pressupostos exigidos, porque um dia praticou
delito grave, será fazer letra morta à salutar disposição
do art. 83 do Cód. Penal, e ao condenado será impor
desalentadora perspectiva de uma inatingível liberdade”
(Jurisprudência do Tribunal de Justiça, vol. 167,
p. 324).
228

Merece confirmada, em suma, por seus lógicos e


jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu o mui
distinto e culto Magistrado Dr. Edmar de Oliveira
Ciciliati.

6. Pelo exposto, nego provimento ao agravo em execução.

São Paulo, 30 de dezembro de 2003


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

13
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 990.08.137788-8


Comarca: São Paulo
Apelante: LSM
Apelado: Ministério Público

Voto nº 11.450
Relator

— A arguição de nulidade por falta de


apreciação de teses da Defesa não
prevalece contra a sentença cuja
conclusão se mostre com elas
inconciliável. É que “a sentença
precisa ser lida como discurso lógico”
(STJ; REsp nº 47.474/RS; 6a.
Turma; rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 24.10.94, p.
28.790).
230

— Pode dar-se o caso que o crime se


tenha já consumado, “mas ainda
existam indícios eloquentes e até
inequívocos de que ele acaba de ser
cometido. Já não há o fogo, mas existe a
fumaça; a chama se apagou, mas a
brasa está quente. (...) Nesse caso a lei
presume a autoria e finge que o crime
ainda está sendo cometido. Há uma
presunção de autoria e uma ficção de
flagrante. A situação aqui é análoga à
do flagrante, é uma quase-flagrância”
(Hélio Tornaghi, Curso de Processo
Penal, 1980, vol. II, p. 34).

— Muita vez, o silêncio do acusado é a


mais clara das explicações.

— Palavras de quem foi protagonista


do fato delituoso, as da vítima são,
pelo comum, dignas de crédito;
servem, pois, a lastrear condenação,
máxime se a roborarem outros
elementos do processo.

— Pequenas divergências nos depoimentos


não bastam a fulminá-los, antes
confirmam o adágio de que “a
palavra é mau veículo do pensamento”.
O que monta não são os acidentes,
mas a substância: nesta é que se acha
gravada a linguagem da verdade.
231

— O sujeito que, trazendo consigo


coisas alheias, não lhes justifica
de modo cabal a procedência,
entende-se que é autor de crime;
pois, em regra, nenhuma dificuldade
tem o dono de provar que sua posse
é legítima.

— Não há proibição legal de que o


Juiz conceda ao condenado não-
-reincidente a pena inferior a 8
anos o benefício do regime
semiaberto; o Código Penal, o que
veda às expressas é que se conceda
ele ao réu condenado a pena
superior a 8 anos (não importando
se primário), ou ao reincidente,
cuja pena seja superior a 4 anos
(art. 33, § 2º, alínea b, do Cód.
Penal).

—“(...) se as circunstâncias judiciais


foram consideradas favoráveis ao réu,
fundando-se a fixação da pena-base no
mínimo legal, é de rigor a imposição do
regime prisional menos grave, pena de se
ensejar a afirmação da existência de
contradição do julgado” (STJ; HC
nº 52.439-SP; 6a. Turma; rel. Min.
Hamilton Carvalhido; j. 24.5.2007;
Boletim do STJ, nº 15/2007, p. 67).
232

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca da Capital,
condenando-o à pena de 4 anos de reclusão e 10 dias-
-multa, para cumprimento sob o regime fechado, por
infração do art. 157, “caput”, do Código Penal, interpôs
recurso para este Egrégio Tribunal, com o escopo de
reformá-la, LSM.

Em extensas e esmeradas razões de recurso,


elaboradas por diligente e culto patrono, argui
preliminar de nulidade da sentença por falta de
fundamentação, por haver-se baseado em depoimento
falso, e ter-lhe fixado o regime fechado para
cumprimento da pena; no mérito, afirma que a r.
sentença não tributou homenagem plena ao Direito,
pois a prova era frágil e insegura, sem aptidão para
autorizar-lhe decreto condenatório; pelo que, forte no
postulado da presunção de inocência, pleiteia a
absolvição, ou a desclassificação do roubo para tentativa,
como ato de justiça (fls. 130/163).

A douta Promotoria de Justiça apresentou


contrarrazões de recurso, nas quais repeliu os
argumentos da nobre Defesa e propugnou a
manutenção da r. sentença de Primeiro Grau (fls.
187/191).
233

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


detido e abalizado parecer do Dr. Luiz Roque
Lombardo Barbosa, opina pelo improvimento do
recurso (fls. 197/209).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público deu denúncia


contra o réu porque, em 23.4.2008, pelas 20h20, na
Rua Manicore (Cidade Patriarca), nesta Capital,
simulando portar arma de fogo, subtraiu para si
o veículo “GM/Corsa Hatch”, placa DMM-0892,
pertencente a Fátima de Lourdes Ferreira Gonçalves.

Instaurada a persecução penal, transcorreu o


processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de fls.
120/125 julgou procedente a denúncia para condená-lo
nas sanções do art. 157, “caput”, do Código Penal.

Recorreu todavia da r. decisão, pela considerar


desconforme com a prova dos autos e as normas do
direito positivo.

3. Sem embargo dos talentos e bons esforços do


ilustre advogado do réu, nenhuma das preliminares que
234

se compreendem no vasto espectro que precede o


debate da causa, merece gasalhado.

A douta Magistrada apreciou “quantum satis” a


responsabilidade criminal do apelante à luz da prova
amealhada nos autos e impôs-lhe, com seguro critério, a
pena cominada a seu crime.

Ora, decisão que, em operação lógica do espírito,


deduz de vigoroso contingente probatório a
culpabilidade do agente não tolera a nota de mal
fundamentada, antes será padrão muito para imitar.

Visto exarada em estreita conformidade com o


disposto no art. 381 do Código de Processo Penal, a r.
sentença condenatória está além de censura, pois
encerra todos os requisitos substanciais à sua validade.

Pelo que respeita à questão preliminar suscitada, i.e,


de carência de fundamentação da r. sentença de
Primeiro Grau – que não considerara pontualmente as
teses da Defesa (fls. 131/139) –, não ostenta, com a
devida vênia, a importância que lhe conferiu o apelante.

A razão é que, em obra de inteligência e crítica, a r.


sentença impugnada analisou os argumentos da Defesa,
refutando-os (fls. 122/123).
235

Ora, é doutrina em que conspiram juristas de prol


que não há mister repelir de espaço e meticulosamente
as alegações da Defesa quando em franco antagonismo
com a conclusão da sentença, pois se entende que as
adversara pelo argumento “a contrario”: “Qui de uno dicit
de altero negat” (o que quer dizer, posto em linguagem:
“Quem diz de um, nega de outro”).

Vem a ponto a lição do provecto Basileu Garcia:

“(...) não necessitará (o sentenciante), ao justificar sua


convicção, preocupar-se em dar resposta a todas as
questões emergentes no processo. Muitas serão de
improcedência manifesta e seria levar longe demais o
cumprimento do dever de motivação o pretender-se que o
juiz tenha de demonstrar as mais resplandecentes
evidências. Do seu bom senso espera-se que selecione, para
discutir, o que infunda impressão de verossimilhança, ou
mesmo que não infunda, o que se entremostre de certo
relevo para o procurado desfecho” (Comentários ao
Código de Processo Penal, 1945, vol. III, p. 476).

A crítica do apelante às hipóteses de flagrante


presumido não assenta em bons fundamentos.
236

Do ponto dissertou com notável exação e elegância


Hélio Tornaghi: pode dar-se o caso que o crime se
tenha já consumado, “(...) mas ainda existam indícios
eloquentes e até inequívocos de que ele acaba de ser cometido.
Já não há o fogo, mas existe a fumaça; a chama se apagou,
mas a brasa está quente. (...) Nesse caso a lei presume a
autoria e finge que o crime ainda está sendo cometido. Há
uma presunção de autoria e uma ficção de flagrante. A
situação aqui é análoga à do flagrante, é uma quase-
-flagrância” (Curso de Processo Penal, 1980, vol. II, p. 34).

No caso de que se trata, embora se não detivesse,


por miúdo, no exame das alegações do réu, aferiu-as a
douta Magistrada segundo a craveira genérica, isto é, fê-
lo em conjunto. Ainda: não só as analisou, senão que as
rebateu cabalmente.

Por último, nisto de sentença, apropositadas serão


sempre estas palavras do eminente Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro:

“A sentença deve analisar as teses da defesa, a fim de a


prestação jurisdicional ser exaustiva. Urge, todavia,
ponderar. Se o julgado encerra conclusão inconciliável
com a referida tese, desnecessário fazê-lo expressamente.
237

A sentença precisa ser lida como discurso lógico. Não há


espaço para itens supérfluos” (STJ; REsp nº 47.474-
4/RS; 6a. Turma; DJU 24.10.94, p. 28.790).

Ao demais, aquelas a que a digna Defesa chamou


preliminares (fls. 131/137) são matérias que entendem
precipuamente com o mérito e, pois, com ele serão
desatadas.

4. A irresignação do apelante ao edito condenatório,


salvo o respeito devido a seu estrênuo patrono, carece
de fomento jurídico; na real verdade, passa apenas por
expressão formal do direito de defesa garantido pelas
legislações dos povos cultos a todos os acusados, sem
exceção.

Vistos com tento e imparcialidade, estes autos


de processo dão a conhecer, além de dúvida, a
responsabilidade criminal do réu; pelo que, o pedido de
absolvição, com arrimo em suposta fragilidade da prova,
não se mostra atendível.

Inquirida na quadra de instrução criminal, a vítima


discorreu minuciosamente das circunstâncias do roubo
(fl. 75).
238

Ainda que não tivesse reconhecido o réu como ao


autor do crime (fl. 5), a mais prova dos autos definiu-lhe
a culpabilidade.

Com efeito, sobre ter a vítima declarado que não


excluía o réu como o autor do crime (fl. 5), o policial
Joel Severino da Silva deteve-o na posse mesma do
automóvel roubado.

Ao depor em Juízo, afirmou a referida testemunha


que estava em ronda urbana ordinária quando lhe
chegou à notícia que, nas imediações, havia ocorrido o
roubo de um veículo “Corsa”, cujas características
anotou. Após breve diligência, localizou o carro da
vítima; seu ocupante, porém, ao sinal de parada,
rompeu em desabalada fuga. Os policiais foram-lhe no
encalço e puderam deitar-lhe a mão (fls. 77/78).

A crítica de que os depoimentos nos quais se apoiara


a Acusação eram confusos e contraditórios (e, pois,
deviam recusar-se) não deve ser recebida sem um grão
de sal.

Alguma discrepância que entre eles haja não é


poderosa a fulminá-los, antes confirmam o adágio
de que “a palavra é mau veículo do pensamento”.
239

O que monta não são os acidentes, mas a substância e


esta é uma só e a mesma na linguagem da vítima e da
testemunha.

O próprio silêncio do réu na fase do inquérito


lançou naturais restrições a seus protestos de inocência
(fl. 6).

Embora direito de todo o réu permanecer calado –


que lho assegura a Constituição da República (art. 5º, nº
LXIII) –, ensina a experiência vulgar que, em pontos
de responsabilidade criminal, ao silêncio recorre apenas
quem tem culpa; o inocente, se acusado, esse desde logo
se defende com todas as potências da alma.

Esta é a interpretação lídima do silêncio, à luz da


Jurisprudência:

“O silêncio do réu pode ser considerado pelo Juiz em seu


desfavor, ao analisar o conjunto probatório, sem que se
vulnere o inc. LXIII do art. 5º da Const. Fed., pois, em
se cuidando de inocente, a atitude normal deste é, na
primeira oportunidade, proclamar, com ênfase, a sua
inocência” (RJTACrimSP, vol. 46, p. 106; rel.
Damião Cogan).
240

O auto de exibição e apreensão de fls. 11/12


comprova a materialidade do roubo, e os depoimentos
harmônicos e verossímeis da vítima e testemunha
induzem à inequívoca certeza de que o apelante foi seu
autor.

Em seu interrogatório judicial, é certo, o réu


negou a grave imputação (fls. 59/60). Suas palavras,
contudo, não trazem consigo a força que obriga ao
convencimento, uma vez em franca rebeldia com o
conjunto das provas.

Verdadeira fosse a negativa do réu, evidentemente,


já na fase do inquérito policial, se haveria justificado.
Mas, porque aí se recolheu a cômodo silêncio (fl. 6), fez
avultar a convicção de que era culpado, pois que
nenhum inocente ouve em silêncio injusta e infame
acusação.

Para mais, apreendida em seu poder a “res furtiva”,


desamparou-o toda a esperança de ver reconhecida sua
inocência.

Este entendimento houve sempre nos Tribunais:


241

“Em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa


subtraída em poder do réu gera a presunção de sua
responsabilidade e, invertendo o ônus da prova,
impõe-lhe justificativa inequívoca. A justificativa
dúbia e inverossímil transmuda a presunção em
certeza e autoriza, por isso mesmo, a condenação”
(RJDTACrimSP, vol. 6, p. 133; rel. José Habice).

“A apreensão da res em poder do agente gera a presunção


de autoria do crime, invertendo-se o ônus da prova. Ao
suspeito incumbe oferecer justificativa plausível para a
comprometedora posse. Em o não fazendo, prevalece,
para efeito de condenação, a certeza possível de ter
praticado a subtração” (Rev. Tribs., vol. 739, p. 627;
rel. Renato Nalini).

Por outro lado, não há ilegalidade na prisão daquele


que, fazia pouco, violara gravemente a ordem jurídica.

Opinião é esta que depara fundamento não só no


Direito Positivo, senão também na jurisprudência dos
Tribunais:
242

“Não há falar em nulidade da prisão em questão, pois,


apesar das peculiaridades do caso, restou configurada a
hipótese prevista no art. 302, inc. IV, do Cód. Proc.
Penal, que trata do flagrante presumido. A expressão
logo após permite interpretação elástica, havendo maior
margem na apreciação do elemento cronológico, quando o
agente é encontrado em circunstâncias suspeitas, aptas,
diante de indícios, a autorizar a presunção de ser ele
autor de delito, estendendo o prazo a várias horas,
inclusive ao repouso noturno até o dia seguinte, se for
o caso” (STJ; RHC nº 7.662; rel. Min. Fernando
Gonçalves; DJU 8.9.98, p. 118; apud Alberto Silva
Franco et alii, Código de Processo Penal e sua
Interpretação Jurisprudencial, 1999, vol. II, p. 1945).

5. Palavras de vítima e testemunha policial não há


desprezá-las, em princípio.

Deveras, quem mais abalizado para discorrer de um


fato do que aquele que lhe foi o protagonista? Exceto na
hipótese (mui rara) de mentira ou erro, suas declarações
bastam a acreditar um termo de condenação.

Assim têm decidido nossos Tribunais:


243

“A palavra da vítima, quando se trata de demonstrar a


ocorrência de subtração e do reconhecimento da autoria
em roubo, é de suma valia. Ela é a pessoa que possui
contacto direto com o roubador ou com os roubadores”
(JTACrSP, vol. 100, p. 250; rel. Almeida Braga).

6. A restrição oposta ao testemunho do policial,


ainda que deduzida com brilho, não arrasta ao
convencimento.

A crítica irrogada não colhe, “data venia”: nem por


ter sido prestado por policial o testemunho decai de sua
importância.

Com efeito, a inidoneidade dos testemunhos não se


presume; haverá o arguente de demonstrá-la; toca-lhe
provar que o depoente faltou com a verdade ou caiu em
erro de informação. É que, na busca da verdade real –
alma e escopo do processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).

A testemunha, ainda que policial, depõe sob


compromisso; pelo que, em faltando à verdade,
incorrerá nas penas da lei.
244

Ora, não provou o apelante, objetivamente, que as


testemunhas, em cujas palavras se louvou o órgão da
Acusação, careciam de carta de crença.

Vale o depoimento pelo grau de veracidade que


encerra.

Com respeito aos policiais, há decisão histórica do


Pretório Excelso: “A simples condição de policial não torna
a testemunha impedida ou suspeita” (HC nº 51.577; DJU
7.12.73, p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus, Código de
Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 185).

7. No que respeita ao pedido secundário da Defesa


– desclassificação do crime para sua forma tentada –,
não tem por si o favor da prova, a qual evidencia
haver-se consumado o roubo cometido pelo réu.

Deveras, é opinião comum dos doutores que se


reputa consumado o roubo se o agente, ainda que por
breve lapso de tempo, houve a posse tranquila e
desvigiada da “res furtiva”.

Esta, aliás, é a pedra de toque do roubo consumado,


consoante a melhor jurisprudência:
245

“Configura crime de roubo consumado e não tentado, a


hipótese em que o agente tem a posse tranquila da res,
ainda que por breve espaço de tempo, até ser preso em
decorrência de bem sucedida diligência policial, pouco
importando tenha havido recuperação de todos os
bens subtraídos” (RJTACrimSP, vol. 37, p. 273; rel.
Haroldo Luz).

8. Num ponto, porém, haverá de sofrer pequeno


reparo a r. sentença de Primeiro Grau: na fixação do
regime prisional ao réu. Atentas as circunstâncias do
caso, o regime semiaberto, a meu aviso, era-lhe o
apropriado.

“Tecnicamente primário”, a r. sentença fixou ao réu


a pena-base no mínimo legal: 4 anos de reclusão e 10
dias-multa (fl. 124).

Vem a pelo notar que inexiste proibição legal de o


Juiz conceder ao condenado não-reincidente a pena
inferior a 8 anos o benefício do regime semiaberto; o
Código Penal, o que veda às expressas é que se defira
ele ao réu condenado a pena superior a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente, cuja pena
seja superior a 4 anos.
246

Por este mesmo estalão têm decidido nossos


Tribunais:

a)“Se a pena imposta por um crime é maior do que 4


anos, mas não excede a 8, cabe, em tese, o cumprimento
de pena em regime semiaberto, segundo se depreende da
leitura do art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal,
combinado com o seu § 3º, que remete às circunstâncias
judiciais do art. 59 do mesmo Código; porém, o Juiz
pode impor regime mais severo do que aquele em tese,
mas para tanto, necessário é que apresente os parâmetros
legais aplicáveis à espécie e as razões que o levaram a tal
conclusão, não bastando apenas a gravidade do delito
como justificativa para a imposição de regime mais
gravoso, salvo se o crime for qualificado como hediondo”
(STJ; Min. José Arnaldo da Fonseca; Rev. Tribs.,
vol. 769, p. 543);

b)“Não encontra fundamento a imposição de regime


fechado para execução da pena inferior ao limite
máximo estabelecido no art. 33, § 2º, alínea b, do
Cód. Penal, mesmo em se tratando de condenação por
roubo duplamente qualificado, se foram reconhecidas a
primariedade dos réus e a concorrência de circunstâncias
judiciais favoráveis, previstas no art. 59 do mesmo
Codex” (STF; Min. Octavio Gallotti; Rev. Tribs.,
vol. 770, p. 495);
247

c)“Se o condenado preenche os requisitos para o


cumprimento da pena em regime semiaberto, tendo em
vista a quantidade de pena imposta e a ausência de
reincidência e maus antecedentes, não cabe a imposição
de regime mais gravoso com fundamento exclusivo na
gravidade do delito praticado” (STJ; Min. Gilson
Dipp; Rev. Tribs., vol. 779, p. 533).

Por fim, consoante a letra e o espírito da Súmula nº


719 da jurisprudência do Pretório Excelso, “a imposição
do regime de cumprimento mais severo do que a pena
aplicada permitir exige motivação idônea”.

Tal entendimento é sufragado pelo Colendo


Superior Tribunal de Justiça, que, até pela via
processual do “habeas corpus”, tem reconhecido a autor
de roubo agravado o direito ao regime semiaberto, se lhe
forem favoráveis as circunstâncias judiciais:

“2. Fazendo-se manifesto que a recusa do regime


semiaberto ao condenado decorre da natureza do crime
e de sua gravidade abstrata, cabe habeas corpus para
superação do inegável constrangimento ilegal.

3. Na compreensão que se firmou na Terceira Seção,


se as circunstâncias judiciais foram consideradas
favoráveis ao réu, fundando-se a fixação da pena-base
248

no mínimo legal, é de rigor a imposição do regime


prisional menos grave, pena de se ensejar a afirmação
da existência de contradição no julgado” (HC nº
52.439-SP; 6a. Turma; rel. Min. Hamilton
Carvalhido; j. 24.5.2007; Boletim do STJ, nº
15/2007, p. 67).

Fixo ao réu, portanto, o regime semiaberto, mantida


no mais, por seus lógicos e jurídicos fundamentos, a
r. sentença que proferiu a distinta e culta Magistrada
Dra. Mônica Salles Penna Machado.

9. Pelo exposto, afastadas as preliminares, dou


provimento parcial ao recurso para fixar ao réu o regime
prisional semiaberto, mantida no mais a r. sentença de
Primeira Instância.

São Paulo, 31 de março de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

14
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Agravo em Execução nº 990.08.195970-4


Comarca: São Paulo
Agravante: Ministério Público
Agravado: MBR

Voto nº 11.471
Relator

— A despeito da nova redação que a


Lei nº 10.792/03 deu ao art. 112 da
Lei de Execução Penal, subsiste a
possibilidade de realização do exame
criminológico, “quando o entender
indispensável o juiz da execução para a
decisão sobre progressão de regime”
(Julio Fabbrini Mirabete, 11a. ed.,
p. 59).

— Não padece do vício de nulidade a


decisão que, suposto sucinta, dá as
razões do convencimento de seu
prolator, fundadas na prova e em
bom direito (art. 93, nº IX, da Const.
Fed.).
250

— A Lei nº 10.729/03 – que deu nova


redação ao art. 112 da Lei de
Execução Penal – não aboliu o exame
criminológico para a progressão de
regime, o qual pode ser realizado
se as circunstâncias pessoais do
sentenciado e a natureza do crime
que cometeu o aconselharem. Nisto,
como no mais, obrará sempre o
Magistrado com a prudência e o
arbítrio do bom varão.

— Se o sentenciado atende aos


requisitos do art. 112 da Lei de
Execução Penal, isto é, “tiver cumprido
ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento
carcerário”, faz jus à progressão ao
regime semiaberto. Somente fato
grave, indicativo de personalidade
anômala e refratária aos estímulos
da recuperação, poderá obstar-lhe a
mudança para regime prisional mais
brando.

1. Da r. decisão do MM. Juízo de Direito da Vara das


Execuções Criminais da Comarca de Avaré, deferindo
ao sentenciado MBR progressão ao regime semiaberto,
interpôs recurso de Agravo em Execução, com o escopo
de reformá-la, o ilustre representante do Ministério
Público.
251

Em primorosas razões de agravo —— que acentuam


a boa opinião de seu douto subscritor ——, argui
preliminar de nulidade da r. decisão de Primeiro Grau
porque proferida sem prévia manifestação do Ministério
Público; no mérito, alega que o agravado não satisfazia
ao requisito subjetivo; pelo que, não tinha jus à
progressão de regime, sobretudo porque não submetido
ao exame criminológico.

Pleiteia, destarte, o provimento do recurso, a fim de


que seja cassada a progressão de regime e submetido o
agravado a exame criminológico (fls. 102/103).

Apresentou a digna Defesa contraminuta de agravo,


na qual refutou os argumentos da douta Promotoria de
Justiça e terçou pela confirmação da r. decisão atacada
(fls. 107/117).

O r. despacho de fl. 128 manteve a decisão


recorrida.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em


abalizado e incisivo parecer do Dr. Ruy Valente da
Silva, opina pelo improvimento do agravo (fls. 139/142).

É o relatório.
252

2. A r. decisão agravada, com a devida vênia, não


incorreu em nota de nulidade.

Na persuasão de que a pretensão do sentenciado já


estava consubstanciada na Minuta de fls. 54/63 – sobre
que se manifestou a douta Promotoria de Justiça,
pela Contraminuta de fls. 68/73 –, o douto Magistrado,
uma vez satisfeito o requisito objetivo (consoante
determinação do ven. acórdão de fls. 92/97), entrou
a reexaminar o incidente de progressão de regime.

E acolheu de boa sombra a pretensão do


sentenciado.

É certo que ultimamente não se pronunciou a digna


Promotoria de Justiça; tampouco o fizera a Defesa,
e nem havia mister, pois que, na esfera da execução
penal, “o juiz atua de ofício” (cf. Julio Fabbrini Mirabete,
Execução Penal, 11a. ed., p. 815).

3. Instruindo seu pedido com “atestado comprobatório


de comportamento carcerário” e boletim informativo
(fls. 25/29), requereu o agravado progressão ao regime
semiaberto.
253

A r. decisão de fls. 102/103, tendo por satisfeitos os


requisitos da lei, deferiu-lhe o benefício, o que não
levou a bem o combativo Dr. Promotor de Justiça;
daqui o haver recorrido.

4. São dignos sempre de encômios aqueles varões


altivos que, ao revés dos que se comprazem em estar
eternamente imóveis (os braços cruzados sobre os largos
peitos), vão sempre à liça, na defesa de causas nobres.

Desse número, por certo, é o Dr. Paulo Leonardo


Ibanhez, que subscreveu as razões de recurso. Tem a
minha admiração!

Na espécie sujeita, contudo, não lhe acho razão ao


inconformismo; aliás, sinceramente deploro não se
tivesse rendido aos forçosos argumentos da r. decisão,
obra de primor intelectual e escorreita aplicação da lei.

De feito, o distinto Magistrado concedeu o benefício


ao recorrido, sob color de que preenchera os requisitos
do art. 112 da Lei de Execução Penal: cumprira mais de
um terço de sua pena, no regime fechado, e apresentava
méritos pessoais.
254

Cabe ressaltar, antes do mais, que o sentenciado


apresentou atestado de comportamento carcerário
favorável à sua pretensão, o que, no ânimo do julgador,
já houvera de fazer forte impressão.

Isto de o ilustre Juiz haver postergado a realização


de exame criminológico e parecer da Comissão Técnica de
Classificação contou com motivo de grande peso e tomo.

A Lei nº 10.729/03 – que deu nova redação ao art.


112 da Lei de Execução Penal – não aboliu o exame
criminológico para a progressão de regime, o qual
pode ser realizado se as circunstâncias pessoais do
sentenciado e a natureza do crime que cometeu o
aconselharem. Nisto, como no mais, obrará sempre o
Magistrado com a prudência e o arbítrio do bom varão.

A concessão do benefício ao sentenciado havia de


interpretar-se como estímulo e prêmio pelo seu teor de
proceder.

Ao demais – circunstância muito de notar! –,


preso desde 21.11.2002 (fl. 13), cumpriu o sentenciado
para mais de 1/3 do restante de sua pena, pela prática de
homicídio qualificado.
255

Ao nobre Juiz, portanto, era forçoso despachar a


pretensão do agravado, uma vez não podia recusar-se a
praticar os atos de seu ofício.

Os argumentos expendidos, na minuta de agravo –


de tão notável força persuasiva (como, pelo comum, são
os que apresenta seu distinto e preclaro subscritor) –,
não se aplicam, necessariamente, à espécie dos autos, em
que o sentenciado cumpriu mais de 1/6 de sua pena,
com boa conduta carcerária.

5. Na espécie, o atendimento da súplica do recorrido


não contravinha ao direito positivo nem fazia injúria ao
sentimento de justiça, a qual, aliás, timbra em dar a cada
um o que é seu (“suum cuique tribuere”).

Não vá esquecer ao cultor do Direito que ainda o


mais vil dos homens tem jus à proteção da Lei!

O discurso (“rectius”, catilinária) do intrépido


agravante contra as mazelas do sistema penitenciário
não se mostra poderoso a impedir a concessão de
benefícios que se arrimem ao espírito e ao teor literal da
Lei de Execução Criminal.

O asserto de que o criminoso empedernido não


conhece recuperação não é dogma científico.
256

Para honra da Humanidade, não são raros os casos


em que, incentivados por medidas penais salutares,
condenados abjuraram a vida do crime, redimiram-se de
suas faltas e voltaram à comunhão social, tornando-se
cidadãos prestantes.

6. Opor-se à progressão de regime – direito que a


lei assegura ao condenado em condições de o merecer
– fora mais que obstar-lhe a reintegração social,
porque seria matar-lhe “a esperança, que é o último
remédio que deixou a natureza a todos os males” (Vieira,
Sermões, 1682, t. II, p. 87).

Isto mesmo sentiu João Baptista Herkenhoff,


notável e exemplar Magistrado:

“(...) a prisão não pode ser como o Inferno, cuja porta,


segundo o verso de Dante, tem o dístico dramático:
Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”.

Ainda:

“(...) por mais graves que tenham sido os crimes


praticados, tem o acusado o direito à esperança de um dia
voltar ao convívio social e de sua família” (Uma Porta
para o Homem no Direito Criminal, 2a. ed., p. 166).
257

Por este mesmo padrão têm decidido nossas Cortes


de Justiça:

“O art. 112 da Lei nº 7.210/84 demonstra o desejo do


legislador pela reintegração do encarcerado à sociedade,
que deverá ser pautada pelos critérios estabelecidos do
cumprimento de 1/6 da pena e da ostentação de méritos;
assim, apesar de o Juiz não estar vinculado ao parecer da
Comissão Técnica de Classificação, se esta aponta a
existência de requisitos subjetivos, que somados ao
requisito temporal possibilitam a progressão do regime
prisional, constitui-se questão de bom-senso a concessão
do benefício” (Rev. Tribs., vol. 770, p. 602; rel. Rulli
Júnior).

A concessão do benefício, não na interprete o


agravado por liberalidade irresponsável da Justiça
Criminal, antes por voto sincero de que emende a mão
e tome para o caminho do bem, de que se desviara.

Pelo que, mantenho a r. decisão que o promoveu ao


regime intermediário.

Merece confirmada, enfim, por seus legítimos e


bons fundamentos, a r. sentença que proferiu o distinto
e culto Magistrado Dr. Adugar Quirino do Nascimento
Souza Júnior.
258

7. Pelo exposto, nego provimento ao agravo em execução.

São Paulo, 31 de março de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

15
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 993.02.031152-1


Comarca: Olímpia
Apelantes: PFS e Ministério Público
Apelados: Os mesmos

Voto nº 11.715
Relator

— Tem foro de garantia constitucional


e está adstrito à plenitude do
direito de defesa o princípio do
contraditório, que deve dominar o
processo penal. É a regra da
igualdade ou equilíbrio entre as
partes, com as oportunidades de
apresentar provas e argumentos e
refutá-los. Depara seu fundamento
na parêmia jurídica “audiatur et
altera pars”: ouça-se também a parte
contrária.
260

—“Sem contraditório não pode haver


devido processo legal” (José Frederico
Marques, Elementos de Direito
Processual Penal, 1a. ed., vol. I,
p. 82).

—“A realização dos julgamentos pelo


Poder Judiciário, além da exigência
constitucional de sua publicidade (CF,
art. 93, IX), supõe, para efeito de sua
válida efetivação, a observância do
postulado que assegura ao réu a
garantia da ampla defesa” (STF; HC
nº 71.551-6; rel. Min. Celso de
Mello; DJU 6.12.96, p. 48.709).

1. Da r. decisão que proferiu o Tribunal do Júri da


Comarca de Olímpia, condenando PFS à pena de 2
anos e 8 meses de reclusão, no regime aberto, por
infração do art. 121, § 1º, conjugado com o art. 14, nº II,
do Código Penal, o réu e o ilustre representante do
Ministério Público interpuseram recurso de Apelação
para este Egrégio Tribunal, no intuito de reformá-la.

a) Afirma o réu, por dedicado patrono, que o


Conselho de Sentença infringiu de rosto a prova dos
autos, visto lhe não reconheceu a tese jurídica da
descriminante da legítima defesa, debaixo da qual
obrara; pelo que, era força anular seu julgamento, para
que outro se realize na forma da lei.
261

Em todo caso, cumpria emendar o erro ou a


injustiça da sentença respectivamente à dosimetria da
pena (fls. 238/239).

b) A douta Promotoria de Justiça, essa afirma que,


embora sustentado em plenário integralmente o libelo,
os jurados abraçaram a tese do homicídio privilegiado e,
pois, decidiram contra os elementos dos autos.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


prover-lhe o recurso, a fim de anular o julgamento e
submeter o réu a novo júri (fls. 229/234).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em sólido


e abalizado parecer do Dr. João Antonio Bastos Garreta
Prats, opina pelo provimento do recurso da Acusação
(fls. 243/245).

É o relatório.

2. Reza a denúncia que, em 8.5.1999, pelas 19h30,


na Rua Manoel Antonio, em Bagaçu (Comarca de
Olímpia), obrando “necandi animo”, desfechou tiros de
arma de fogo em Cláudio dos Santos, que somente não
lhe foram a causa da morte por circunstâncias alheias
à sua vontade.
262

Instaurada a persecução penal e submetido a


julgamento pelo Tribunal do Júri, foi o réu condenado
por homicídio privilegiado (fls. 208/210).

Inconformados, porém, com o êxito desfavorável da


causa-crime, manifestaram as partes recurso para esta
augusta Corte de Justiça.

3. A douta Promotoria de Justiça apela, com o fito de


anular o julgamento, e submeter o réu a novo Júri; o
réu, este reclama contra a decisão dos jurados, a seu
aviso contrária à prova dos autos.

Mas os apelados não foram intimados para oferecer


contrarrazões de apelação.

Ora, tem foro de garantia constitucional e está


adstrito à plenitude do direito de defesa o princípio do
contraditório, que deve dominar o processo penal. É a
regra da igualdade ou equilíbrio entre as partes, com as
oportunidades de apresentar provas e argumentos e
refutá-los. Depara seu fundamento na parêmia jurídica
“audiatur et altera pars”: ouça-se também a parte
contrária.
263

Isto mesmo prescreve a Constituição Federal: “(...)


aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, nº
LV).

Donde o asserto de José Frederico Marques:

“Sem contraditório não pode haver devido processo legal”


(José Frederico Marques, Elementos de Direito
Processual Penal, 1a. ed., vol. I, p. 82).

Ainda:

“A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além


da exigência constitucional de sua publicidade (CF, art.
93, IX), supõe, para efeito de sua válida efetivação, a
observância do postulado que assegura ao réu a garantia
da ampla defesa” (STF; HC nº 71.551-6; rel. Min.
Celso de Mello; DJU 6.12.96, p. 48.709).

4. Pelo exposto, converto o julgamento em diligência


para que sejam intimadas as partes a apresentar
contrarrazões de apelação aos recursos.

São Paulo, 9 de maio de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
VI. A Função de Julgar(*)

Excelentíssimo Senhor Presidente do Egrégio


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, eminente
Desembargador Luiz Elias Tâmbara;
Excelentíssimo Senhor Corregedor-Geral da Justiça,
Dr. José Mário Antonio Cardinale;
Inspirado e gentil orador, Dr. Jo Tatsumi;
Meus amigos:
Permiti que vos diga ligeiras palavras neste augusto
recinto onde acabo de ser investido no cargo de
Desembargador. Serão por força breves minhas palavras,
que não quero acrescentar o gravame e o desconforto aos
que me dais a honra de ouvir em pé; ao demais, à tarde, o
Dr. Tâmbara presidirá outra solenidade de posse (do colega
Américo Angélico). Desta forma, importa falar pouco.
Por especial favor divino, o Dr. Carlos Vico Mañas e
eu fomos chamados a compor o grêmio da mais alta Corte
Judiciária do Estado: o Egrégio Tribunal de Justiça; bem
se compreende, pois, nosso natural regozijo, nossos
transportes de alegria! Há outro sentimento, porém, que
nos turba o ânimo, e esse já o adivinhais: a consciência de

(*) Com ligeiras alterações, discurso que, aos 14 de maio de


2004, na solenidade de sua posse no cargo de desembargador
do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferiu o autor, no
Gabinete da Presidência.
266

nossa pequenez, em respeito da grandeza de nosso ofício, o


belo, o imenso e terrível ofício de julgar!
É voz que João Mendes de A1meida Jr., mestre
incomparável do Direito, ao ensinar o processo penal aos
alunos das Arcadas, evocava-lhes episódio da história da
antiguidade, em que se exaltavam as funções do Juiz.
Recitava-lhes que no Fórum egípcio havia uma pintura
mural representando um julgamento, e dos lábios do
Magistrado pendiam estas graves palavras: “Eu sou o
secretário de Deus, no templo da Verdade e da Justiça”. E
rematava o provecto lente do Largo de São Francisco:
“Percebeis a grandeza dessa missão e a extensão de sua
responsabilidade?!”.(1)
Também o Prof. Hélio Tornaghi, em formoso
introito a seu Curso de Processo Penal – introito que por
si só vale o livro inteiro –, confessa que lhe fizera grande
abalo no espírito certa frase que achara em Pitigrilli: “Que
homem é suficientemente Deus para julgar outro homem?!”.(2)
Do mesmo teor, a opinião do insigne Juiz português
Pinto Osório: “A ideia de Justiça é a mais pura, a mais nobre,
a mais sublime e santa depois da ideia de Deus”.(3)
De tudo bem se mostra que não falo por tropos de
linguagem ou encarecimentos retóricos, senão clara e
lisamente: o ofício de juiz nenhum homem o poderá
exercer, sem que juntamente lhe estremeçam as fibras da
alma.
Mas, a justiça entre os homens há de ser feita por
homens. O ponto, por isso, está em saber que qualidades
267

neles devem concorrer para que exerçam menos


indignamente suas elevadas atribuições.
Fui, a esse propósito, ouvir aquele que, no geral
consenso dos doutos, passa por um dos mais abalizados
oráculos da Ciência do Direito entre nós: o legendário
Prof. Goffredo Telles Jr., que estará comemorando depois
de amanhã – 16 de maio – os 89 anos de sua fecunda e
radiante existência.
Pedi-lhe, muito de estudo, me fizesse a especial mercê
de declarar quais os predicados que, a seu aviso, deviam
exornar a pessoa do Magistrado.
Respondeu-me, com acentos de ternura e firmeza nas
palavras, que a dois imperativos haviam de atender sempre
aqueles que tivessem abraçado a carreira da Magistratura:
ao primado absoluto da ordem moral e aos generosos
impulsos do coração humano, sem o que nenhum juiz se
levantaria nunca à sublimidade de seu ofício.
Ao julgar, ponderou o venerando Mestre, “deve o juiz
usar a lógica do jurista, que é, precisamente, a lógica do razoável
e do humano”.(4)
Muito me apraz repetir aqui e ainda professar esta sã
doutrina, no instante de minha posse neste areópago da
Justiça paulista. Proviemos o Dr. Carlos Vico Mañas e eu
da classe dos Advogados, particularmente da Advocacia
Criminal, onde – tolerai que vo-lo diga sem vaidade nem
constrangimento – fizemos largo tirocínio nos abismos das
misérias humanas, às quais não podemos fechar as portas
de nosso coração.
268

Todavia, a preciosíssima das pedras da coroa (ou da


cruz) do Magistrado há de ser sempre o seu valor moral.
Isto mesmo proclamou, recentemente, com grande
fortuna e autoridade, na revista da Escola Paulista da
Magistratura, o nosso Presidente: “A força do Judiciário está
na moral de seus juízes”.(5) Impossível dizer melhor!
Esta força, de tão notável relevo, poderá até suprir
certas deficiências e fraquezas da condição humana, como
os mesquinhos dotes de inteligência daqueles que desejaram
consagrar-se ao serviço da Justiça, como este obscuro juiz.
Prometi-vos que seria breve, e já estou indo além da
marca…; por isso me cerro aqui.
Antes, porém, que termine esta alocução ou arenga,
desejava, Senhor Presidente, agradecer do âmago da alma
àqueles com os quais estou em dívida ingente (porque de
gratidão): aos queridos colegas do Tribunal de Alçada
Criminal, o glorioso Tacrim. Costumo chamar-lhes, mais
que amigos, irmãos… E isto dizendo, fico dispensado de
protestar quanto lhes quero e quão pungente me haverá de
ser a saudade de nosso convívio. Muitos, amavelmente,
compareceram a esta bonita cerimônia: os Drs. Eduardo
Pereira Santos, Antonio Manssur, Eduardo Braga, Alceu
Penteado Navarro, Carlos Augusto Bonchristiano e outros
mais, que abraço na pessoa do Presidente José Renato
Nalini, vulto eminente da Magistratura brasileira, ao qual
se reservam grandes destinos.
269

Des. Luiz Elias Tâmbara, Presidente do Tribunal de Justiça:


“A força do Judiciário está na moral de seus juízes”.

Fico lisonjeado também de enumerar entre os


presentes outros sujeitos da primeira esfera intelectual,
como o Dr. João de Scantimburgo, laureado escritor e
membro da Academia Brasileira de Letras; o Dr. Paulo
Bomfim, Príncipe dos Poetas Brasileiros, que, vivendo
entre nós, fez deste palácio da divina Têmis incorruptível
também a mansão olímpica das musas! O erudito e operoso
Des. Emeric Lévay, intrépido guardião das tradições
culturais de nosso Tribunal de Justiça. (Em prova do
alegado, basta uma visita à Exposição dos 130 anos do
Tribunal); os distintos e cultos Desembargadores Ruy
Camilo, Munhoz Soares, Alberto Silva Franco, Nelson
270

Fonseca, Geraldo Amaral Arruda, Junqueira Sangirardi,


Ericson Maranho, Pedro Gagliardi, o querido “Pedrinho”, e
o Dr. Mohamed Amaro, respeitabilíssimo Vice-Presidente
do Tribunal, cuja presença apenas agora pude notar,
debaixo dessa portada que lhe serve de moldura (sua melhor
moldura, no entanto, fico serão sempre os primores de sua
peregrina inteligência e a formosura de seu extremado
caráter).

Paulo Bomfim: “O Príncipe dos Poetas Brasileiros”.

Da Advocacia Criminal, cujas insígnias levarei sempre


comigo, saúdo o Dr. Ademar Gomes, talentoso e dinâmico
presidente da Acrimesp, e também os Drs. Hélio Bialski,
Francisco Lobo da Costa Ruiz e Paulo Oliver, advogados
271

de muito nome e competência; e, em especial, o dileto


amigo Paulo Sérgio Leite Fernandes, nunca assaz louvado
criminalista e paladino da liberdade; o Dr. Paulo José da
Costa Jr., o maior penalista contemporâneo, que, como
Henrique Ferri, ilustrou a cátedra universitária, e cobriu de
glórias a tribuna do Júri; o Prof. Francesco D’Ippolito, “il
nostro insegnante di italiano giuridico: La ringrazio della Sua
visita”; esses dois vultos imensos do Ministério Público,
Dr. Sebastião Baccega e Dr. Gabriel Eduardo Scotti e
ainda o amigo Alfredo Abe, sócio-diretor da Millennium
Editora.
Minha gratidão pública a meus familiares: minha
santa mulher Meirildes, meus filhos Carlos Augusto, Maria
Helena e Juliana e seu marido Jomar Juarez Amorim,
jovem e aplicado juiz; ao meu netinho Tonico, que, trajado
com elegância, também veio a esta magnífica solenidade,
por si e representando a irmãzinha Lenita, que nasceu
ontem e já deu um sorriso de paz diante do mundo!
Por fim, em meu nome (e no do colega Carlos Vico
Mañas), agradeço particularmente a Vossa Excelência,
Dr. Luiz Tâmbara, que, na condição de Presidente do
Tribunal, oficiou em nossa posse, vinculando-nos
definitivamente a seu nome. E rendemos graças a Deus por
isso: por ter formalizado nossa ascensão ao Tribunal um
Magistrado a quem, por seus méritos excepcionais,
acendrado amor à Justiça e inexcedível probidade, todos
tomamos por excelso paradigma.
Muito obrigado!
272

Notas

(1) Apud Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário


Penal, 1958, vol. I, pp. 47-48.
(2) Curso de Processo Penal, 1980, vol. I,. p. XI.
(3) “In Memoriam” do Juiz Pinto Osório, p. 28.
(4) A Folha Dobrada, 1999, p. 162.
(5) Luiz Elias Tâmbara, in Diálogos & Debates,
março/2004, p. 7.
VII. Das Excelências do Voto Vencido

I — O critério da verdade sabemos todos que não é o


número, senão a qualidade. Os méritos de um só não raro
podem suprir ou compensar a deficiência de muitos. Isto
de ser único ou singular não desmerece; tampouco serve
sempre de bitola de louvor o copioso.
Onde há unanimidade (e talvez maioria) aí também
se acha, em princípio, o melhor e o mais digno de estimar.
É a regra geral. Advirta-se muito, porém, que às vezes o
singular é o que triunfa do coletivo, e o indivíduo o que
avulta na multidão.

II — Na linguagem forense bem se conhece a expressão


voto vencido, designativa daquele que “é dado em desacordo
com os votos vitoriosos, ou que decidem a questão”(1). É “o voto
que não acompanha a maioria do tribunal”.(2)
As deliberações, nos tribunais, são tomadas por
maioria simples de votos. O voto majoritário é, pois,
o prevalecente. De o ser, não procede, todavia, deva
considerar-se livre de erro ou engano.
Da mesma sorte que na emenda pode estar o erro,
também não será de estranhar seja o voto vencido o que
alguma vez encerre a verdade e o acerto. Daqui por que,
longe de arguir a ideia de manifestação inferior do
espírito, representa, rigorosamente falando, benéfica
oportunidade de efetivação de justiça.(3) Além disso, qual
pedra de toque, ele serve sempre a contrastar o voto
274

vencedor, fazendo-lhe subir de ponto os primores. É que


os fundamentos do voto singular, quando não abalam os
do voto vencedor, como que operam este prodígio:
acrescentam-lhe a solidez e a segurança. Assim como a
sombra dá maior relevo à luz, também o voto vencido
sói confirmar as eminências do voto vencedor.
Do muito préstimo que ostenta o voto vencido
escreveram insignes juristas páginas de peregrina
formosura.
Eliézer Rosa, talentoso e provecto magistrado, fez-
-lhe a apologia com estas formais palavras: “E uma das
belezas desses corpos coletivos de homens que pensam e estudam
está no voto vencido. Isso revela que nem sempre todos estão de
acordo com tal ou qual corrente de opinião. O voto vencido não é
uma rebeldia, é uma semente”.(4) À guisa de coroa e remate
de seus louvores, reproduziu a eloquente sentença do ex-
ministro Luiz Gallotti: “Um bom acórdão é o que traz um
voto vencido”.(5)
Já o proclamara o excelso Rui, por ocasião do
julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do célebre
“Habeas Corpus” nº 300: “Um voto me basta para a vitória
moral desta causa”.(6) Este voto (vencido) obteve-o do
ministro Pisa e Almeida, que, por isso, mereceu ao ínclito
jurista pregão imortal.(7)
Assim, nem porque “solus peregrinus”, é o voto
vencido menos de apreciar e enaltecer.
275

III — É desse lote o voto vencido que, em julgamento de


“habeas corpus”, proferiu o distinto e culto juiz do Tribunal
de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Márcio
Bartoli. A tese a que Sua Excelência deu curso, posto não
fosse a vencedora, fez-lhe contudo muita honra, pelo vigor
de seu raciocínio, a que se não podem contrapor mais
valentes argumentos, e por seu benigno influxo de
equidade.
Foi o caso que, tendo-lhe sido negada fiança para
apelar em liberdade, à conta de seus maus antecedentes,
certo indivíduo – condenado por estelionato à pena de
dois anos de reclusão – encomendara-se à proteção da
Justiça, que lhe pusesse cobro ao constrangimento ilegal.
O colendo Tribunal, pelos votos de dois de seus
ilustres juízes, não se mostrou propício ao clamor do
paciente, salvo o eminente subscritor do voto vencido, que
lhe deferia a ordem para o fim colimado.
Era este seu teor: “Se, contudo, o réu tiver maus
antecedentes e se a custódia for necessária para o exercício do
recurso, ainda assim poderá apelar, sem se recolher à prisão, que
pode ser substituída pela fiança, se, pela quantidade da pena
aplicada, o crime for afiançável e, se não for reincidente, porque
o dispositivo do art. 594 do Cód. Proc. Penal, nessa hipótese,
deve ser interpretado em conjugação com as regras dos incisos
I e II do art. 323 do mesmo estatuto”.(8)
No caso, embora maus seus antecedentes, era
primário o réu, e a pena mínima, cominada a seu crime
(art. 171 do Cód. Penal), não superior a dois anos,
autorizava-o (cf. art. 323, nº I, do Cód. Proc. Penal).
276

De claro e persuasivo, o r. voto vencido já bastara


para forçar o assentimento. Seu diligente subscritor, no
entanto, ainda invocou a lição do renomado processualista
Fernando Tourinho Filho, que tratara a matéria “ex
professo”.(9)
Indisputável, por conseguinte, seu valor jurídico, em
nada inferior ao do venerando acórdão.
Forte argumento é este de que o voto, que o estilo
forense apelida de vencido, bem pudera, à luz da razão e
do direito, reputar-se vencedor.

IV — À derradeira, faz ao nosso propósito prevenir uma


objeção, e é que, sendo comum vir escoteiro ou solitário
o voto vencido, tenha contra si aquela formidável
advertência: “Ai do que está só, porque quando cair não tem
quem o levante!”.(10) A questão resolve-a o profundo Vieira:
“Não é necessário ser Salomão para refutar este inconveniente.
Se o só não terá quem o levante, também não terá quem o
derrube”.(11)
Faz ao propósito, por fim, este belo pensamento
de autor desconhecido: “Um homem só, com Deus, é
maioria!”.(12)

Notas

(1) De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 3a. ed., vol.


III, p. 1.667.
277

(2) Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, 3a. ed.,


p. 370.
(3) Uma de suas virtudes extrínsecas: render azo à
oposição de embargos infringentes, pelos quais
poderá o réu alegar de sua justiça (art. 609, parág.
único, do Cód. Proc. Penal).
(4) A Voz da Toga, 2a. ed., p. 50.
(5) Idem, ibidem, p. 51.
(6) Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 296.
(7) Em verdade, escrevendo sobre as circunstâncias do
julgamento do “habeas corpus” que impetrara a favor
de presos políticos, o egrégio Advogado burilou esta
memória eterna: “Eu me cheguei, depois da sessão, quase
sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida, pedindo-lhe que me
permitisse o consolo de beijar a mão de um justo” (Idem,
ibidem).
(8) Cf. Boletim da AASP nº 1907, p. 227.
(9) In Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 7, p. 76
(Da Prisão e da Liberdade Provisória).
(10) Ecl 4,10.
(11) Sermões, 1959, t. IV, p. 41.
(12) Elcias Ferreira da Costa, Deontologia Jurídica, 1997,
p. 215.
VIII. Prova para Condenação Penal

1. Na teoria do processo penal avultam dois princípios,


sobre todos venerandos, a saber: a certeza é a única base
legítima de condenação; a dúvida aproveita sempre ao
acusado.

Atentas suas consequências deletérias, e pelo comum


irreparáveis, uma decisão condenatória deverá apoiar-se em
prova plena e cabal da materialidade do fato criminoso, de
sua autoria e da culpabilidade do agente.

Não há que opor a essa providencial cautela. Eis por


que, ao tratar da condenação, a unanimidade dos juristas
faz caso e cabedal da prova excelente.

Cai a ponto a antiga fórmula, de voga desembaraçada


nos pretórios da Justiça Criminal: “E deve, para haver
condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do meio-
-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial,
1820, p. 247).

Destarte, pela razão contrária, desde que inidônea a


prova a que se abordoe a pretensão punitiva, será força
absolver o acusado, em obséquio à máxima de jurisdição
universal: “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu).

A lição do maior de nossos penalistas é, a esse


respeito, constantemente rememorada:

“A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a


verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença
280

condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um


possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código
Penal, 1981, vol. V, p. 65).

Aqui entra, como em seu lugar, um elemento inerente


à função judicante: apurado senso ético ou dignidade de
inteligência do magistrado, em que reside sua força moral.(1)

Da mesma sorte que lhe é defeso desconhecer, nas


hipóteses que o autorizam, a cláusula salutar do “In dubio
pro reo”, também lhe não cabe invocar esse vetusto e
retrilhado aforismo jurídico por âncora de salvação do
culpado.

2. Muita vez, a imposição da pena – que Platão


chamava de medicina da alma – será inelutável, pois
“traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência,
que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece”
(Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p.
131).

Ao demais, não é para esquecer que, segundo doutrina


altamente reputada, “o valor probante dos indícios e presunções,
no sistema do livre convencimento que o Código adota, é em
tudo igual ao das provas diretas” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual, 1a. ed., vol. II, p. 378).

Vigente a regra de direito “Nemo tenetur se ipsum


accusare” (ninguém é obrigado a acusar-se), a verdade
raramente chega ao templo da Justiça pela boca do réu;
aliás, quando este entra a falar, parece que é para
acrescentar o prestígio daquele prolóquio atribuído a
281

Talleyrand, ministro de Napoleão: “A palavra foi dada ao


homem para esconder o pensamento” (apud Nélson Hungria,
Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 233).

Na apuração da verdade real – alma e escopo do


processo – todo elemento de convicção se mostra
atendível, nenhum é excluído “a priori”.

A advertência de Bento de Faria (1876—1959), preclaro


ministro do Supremo Tribunal Federal, faz ao nosso
intento:

“Se o espírito humano, consoante a observação de


Framarino, na maioria das vezes não atinge a verdade senão por
via indireta (Lógica das Provas, I, p. 1, cap. III), esse fato mais
acentuadamente se observa nos Juízos criminais onde cada vez
mais a inteligência, a prudência, a cautela do criminoso tornam
difícil a prova direta” (Código de Processo Penal, 1960, vol. II,
p. 125).

3. À derradeira, versando a questão jurídica da simulação,


discorreu por este feitio o consagrado jurista José Beleza
dos Santos:

“Raras vezes se pode obter uma prova direta da simulação,


porque aqueles que efetuam contratos simulados, em regra,
ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as trevas,
como já diziam os velhos praxistas”.

E logo mais abaixo diz que:


282

“Produzidas todas as provas com que possa demonstrar-se a


simulação, é do seu exame ponderado e escrupuloso que o Juiz
pode concluir se o ato jurídico foi ou não simulado.

E para chegar a uma conclusão vedadeira, que o possa


conduzir a uma decisão justa, mais que as regras formuladas
pela doutrina, podem auxiliá-lo a sua experiência dos homens e
das coisas, o seu desejo de julgar honestamente, e esse obscuro
sentimento da justiça que é, na bela frase de Maeterlinck, uma
estrela que se forma na nebulosa dos nossos instintos e da nossa
vida incompreensível” (A Simulação em Direito Civil, 1999,
pp. 441 e 454; Lejus; São Paulo).

Em suma: ao Juiz cabe não só proclamar a inocência


do réu, se incomprovada sua acusação, mas também
decretar-lhe a condenação quando o incriminarem com
segurança as provas dos autos.

A quebra de tal preceito implicará por força


aberração: no primeiro caso, por iniquidade e arbítrio do
juízo; no segundo, à conta de lassidão e pusilanimidade do
aplicador da lei e executor de sua vontade.

A toga do Magistrado converter-se-á, então, em


sudário; a Justiça (alento e esperança dos fracos e
oprimidos), essa decairá da confiança do povo, que já não
saberá recomendar bem aqueles que a administram.

Nota

(1) Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal


de Justiça do Estado de São Paulo: “O novo
283

desembargador, antes de tomar assento, prestará perante o


Presidente, o compromisso formal de cumprir com retidão,
amor à Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os
deveres do cargo (…)”.
IX. Lei, Justiça e Bom-Senso

1. “Uma norma é a sua interpretação”, escreveu Miguel


Reale, um dos mais altos espíritos de que justamente se
orgulha e envaidece a cultura jurídica do País.(1)

Ora:

“Interpretar, no sentido jurídico, é procurar o pensamento


contido na lei, a significação das palavras, o alcance do texto, a
explicação da frase”.(2)

As mais das vezes a lei, de tão claros seus termos,


escusa interpretação ou exegese: não há senão aplicá-la ao
caso concreto. “In claris cessat interpretatio”, reza o retrilhado
adágio latino, à maneira de advertência de que se não deve
perverter o raciocínio, pois a ninguém é lícito negar o que
a evidência mostra. Não é mister trazer o Sol ao meio do
firmamento para que todos o vejam!

Mas, ainda quando clara como água de regato, pode


dar-se o caso que a lei não seja de per si justa (e sequer,
deitando a barra mais longe, lídima expressão da vontade
popular). Eis por que infinito número delas não resiste à
arguição de inconstitucionalidade nem se exime da tacha ou
eiva de injustas, já que atentatórias dos princípios que
regem as sociedades civilizadas.

Sobretudo na esfera criminal – que é o lugar próprio


à reparação do direito violado por ofensa a bem jurídico
penalmente protegido –, a função do juiz resume-se em
286

dar a cada um o que lhe cabe. Encerrada a instrução do


devido processo legal, se não liquidada sua culpa, é o réu
absolvido e mandado em paz; se, ao revés, a prova obtida
com estrita observância das regras do contraditório
processual e da plenitude do direito de defesa(3) não pôde
menos de demonstrar-lhe a responsabilidade criminal, em
vão pelejará contra o gládio implacável da Justiça. Não há
aí que objetar. Tome a mão sobre o árduo assunto o
preclaro Nélson Hungria, autor do Código Penal e seu
mais abalizado exegeta: “A pena traduz primacialmente um
princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa:
cada um deve ter o que merece”.(4)

A essa conta, ninguém – exceto se penalmente


inimputável – poderá forrar-se ao rigor da lei, que a todos
iguala.

É de ciência vulgar (isto se aprende não só nos bancos


acadêmicos mas também à porta do Fórum) que a
impunidade passa pelo mais poderoso estímulo do crime.

Atraiu, por isso, ultimamente, acerbas críticas a tese de


que, por amor do princípio constitucional da presunção de
inocência, ou da não-culpabilidade (art. 5º, nº LVII, da
Const. Fed.), a pena imposta ao réu só era possível executar
após o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.

Tal prática, a darmos crédito a resenhas que parecem


fidedignas, somente o Brasil adota!
287

Embora nem sempre seja o número o melhor critério


da verdade, essa estonteante exceção faz grande abalo em
todo ânimo imparcial e avisado!

Tratando-se de autêntica “vexata quaestio”, àquele que


a pretender desatar (o juiz, em especial) cumprirá eleger
primeiro o padrão exegético por onde os sujeitos mais
acreditados em saber e virtudes costumavam agitá-la.

Faz ao intento a soberba lição que, em livro a mais de


um respeito admirável e digníssimo de ler (e ainda
recomendar), ministrou o Prof. Goffredo Telles Junior:
deve o juiz “interpretar as leis com a lógica do jurista”.
Advertiu, porém, o saudoso mestre das Arcadas: a lógica
do jurista “não deve ser sempre a lógica do racional.
Frequentemente, deve o jurista, em nome da justiça, substituir os
rigores dessa lógica pela lógica do razoável, como bem ensinou
Luiz Recasens Siches”.(5)

Ora, descendo ao particular, teria foros de


razoabilidade a decisão que, imolando na ara da presunção de
inocência, obstasse a execução da pena do réu logo após
o julgamento da causa-crime pelo Juízo de 2º Grau de
Jurisdição?!

Seria sensato afirmá-lo, se, falando pela via ordinária,


o argumento da inocência presumida cede, após a
condenação do réu, ao da presunção de sua culpabilidade?!

Conformar-se-ia com os ditames da reta razão isto de


se desconsiderarem os efeitos do julgado de 2a. Instância –
derradeira etapa de análise da prova com cognição plena –
288

e remeter-se a solução do litígio aos Tribunais Superiores,


que já não versam matéria de fato, mas apenas de direito?!

Era decoroso fazer alguém tábua rasa de acórdão que,


no julgamento de apelação (da Defesa ou da Acusação),
proferiu o Tribunal de Justiça – órgão de exaurimento
da jurisdição ordinária, com apuração inteira da
responsabilidade criminal do réu – e, destarte, protrair
“ad infinitum” o deslinde da controvérsia entretida nos autos
do processo?!

Frisaria com a gravidade dos negócios da Justiça


desfazer em decisão colegiada, proferida com escrupulosa
observância do devido processo legal, para (em liberdade
o réu, nada obstante condenado a penas extremadas)
aguardar, não raro com insofrível delonga, a chancela da
Superior Instância, que sói confirmá-la?! As reformas dos
julgados inferiores na perspectiva do mérito, com efeito,
segundo os cálculos mais favoráveis, não excedem o
percentual ínfimo (1%)!

Procederia com discrição aquele que, mentindo à sua


particular e honrosa condição de aplicador da lei, tivesse em
pouco o princípio da tutela judicial efetiva, tornando desta
sorte írrita a resposta penal do Estado?!

Atenderia, em suma, aos conselhos da prudência o


que, só por generosa (e quiçá mal compreendida)
inteligência do texto da lei, fizesse mais caso e cabedal da
exceção do que da regra geral?!

Perguntadas sobre esses quesitos, as pessoas de


alguma ilustração e decerto probas – de boas entranhas,
289

diriam nossos maiores – não hesitariam em enunciar a


resposta curial e aceitável, e isto com argumentos mui
atendíveis.

2. Está além de toda a dúvida que, fenômeno intelectual


inerente à condição humana, a variedade de opiniões tem
entre nós a força e a eficácia de postulado ou garantia
fundamental: “É livre a manifestação do pensamento”, dispõe a
Constituição da República (art. 5º, nº IV).

A ciência da Filosofia patenteia o substrato dessa


diversidade, e até antagonismo de ideias(6); é a área do
Direito, no entanto, a que lhe depara maior voga e
desembaraço. Com efeito, entre os que professam as
carreiras jurídicas, máxime os investidos de função
judicante, passa por moeda corrente o conhecido brocardo
“cada cabeça, cada sentença” (“quot capita, tot sententiae”).(7)

Ser constante em suas opiniões e fiel aos seus pontos


de vista, eis a pedra de toque do homem honrado. Todavia,
“porque para saber e acertar não há mais que um caminho, e
para errar infinitos”, conforme aquilo do profundo Vieira(8),
poderá suceder que somente lá para o diante caiamos na
conta que o melhor alvitre era haver tomado por outra
direção.

Matéria não é essa para escrúpulos, nem pode meter


em confusão caracteres sem jaça: afinal, mudar de parecer
(“para melhor”, fique entendido) é próprio do sábio.(9)
290

Nas tenazes desse dilema esteve por vezes também o


mais eminente dos brasileiros: Rui Barbosa. O teor de seu
proceder, nessas conjunturas, qual foi? Conheçamo-lo por
inteiro:

“Felizes os que variam da ignorância para a ciência, do


erro para a verdade. Afortunado o que, pecando um dia contra a
verdade, ou contra a justiça, acorda, a tempo, do seu engano, e se
retrata ainda utilmente do seu desvio. Benditas as mudanças de
opinião, quando se operam neste sentido. Elas não abalam a
consideração pública a quem a merecer. Antes recomendam à
estima, ao respeito e à confiança de seus semelhantes o homem,
que não se desdoire de as confessar, e sem rubor pratique a nobre
ação de se desdizer abertamente, pondo a consciência acima do
interesse, o dever acima da vaidade, antes que o desacerto,
circulando abonado com o prestígio de um nome autorizado,
comece a produzir consequências malfazejas” (Obras Completas,
vol. XLV, t. IV, p. 213).

Feriu de novo o ponto num de seus mais reputados


livros:

“Pelo que toca ao variar das opiniões, deixem-me ter, mais


uma vez, o consolo de trazer à praça como coisa de que me prezo,
e não me pesa, a deliciosa culpa dos homens de consciência, a única
em que hei de morrer impenitente. Beata, beata, beatissima
culpa! Não mo tenham a mal os imutáveis. Deus os desencrue.
Deus os reverta da pedra e cal em homens. Deus os ensine a
mudar. Porque todo o aprender, todo o melhorar, todo o viver é
mudar. De mudar nem mesmo o céu, o inferno ou a morte
escapam. Mudar é a glória dos que ignoravam, e sabem, dos que
291

eram maus, e querem ser justos, dos que não se conheciam a si


mesmos, e já melhor se conhecem, ou começam a conhecer-se”
(Rui Barbosa, Queda do Império, 1921, t. I, p. LXXX).

3. Quanto lhe custa, ao que muda de opinião, o


renunciar a primitivas e inveteradas convicções, bem se
adivinha. Ao discursar do tema, observou muito de estudo
Orosimbo Nonato, provecto e laborioso ministro do
Supremo Tribunal Federal:

“Todos os homens erramos. Ninguém possui a pedra lídia


da verdade. (…) Ao juiz, essa confissão se torna penosa não
apenas por afeição paternal que dedicamos aos partos do nosso
entendimento, como dizia frei Luís de Sousa, senão ainda pelo
reconhecimento dos grandes males suscitados pelas oscilações de
uma jurisprudência voltária e flexível, matriz de inseguranças
perturbadoras do comércio jurídico e das relações do consórcio civil.

Mas, a verdadeira coerência é a moral, e tributo constante e


infalível só é devido à verdade que o juiz julga identificar em face
de novos estudos retificadores de erros passados. Se a consciência
dessa situação se lhe impõe com as cores da evidência, todas as
demais considerações se dissipam e se evaporam: confessará ele o
engano e decidirá de modo diferente em obséquio à verdade”
(Revista Forense, vol. 177, p. 143).

Isto mesmo sentiu o culto e austero ministro Carlos


Maximiliano, como revelam as memoráveis palavras que
pronunciou na oração de despedida do Supremo Tribunal
Federal: “Não trepidei em mudar de voto, pública e
declaradamente, toda vez que novos argumentos ou provas
292

concludentes me convenceram do desacerto do veredictum


anterior: acima do melindre pessoal de cada um está a sacrossanta
causa da Justiça” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a.
ed., p. 377; Editora Forense).

Tais exemplos de dignidade de inteligência deram,


pouco há, Ministros do Supremo Tribunal: obrando com
bom-senso – que é a estrela-guia do Direito –, e
imbuídos de altiva e desusada coragem moral, tomaram a
seu cargo interpretar embaraçosos textos de lei segundo a
craveira do razoável.(10) Sobre fazer justiça, como é de regra,
realçaram o lustre da veneranda Instituição e avigoraram a
confiança que nela deve ter o povo. Conspiraram, ao
demais, para segurar a Pátria contra o execrando agente
que a estiola e desfibra: a corrupção.

Animados de igual propósito, já tocaram a rebate,


com boa fortuna, e levantaram-se em benemérita cruzada,
para pôr cobro às graves mazelas que afligem os brasileiros,
os briosos patrícios Ives Gandra da Silva Martins, Miguel
Reale Júnior, Hélio Bicudo, Janaína Paschoal, Modesto
Carvalhosa, Luís Carlos Crema, Laercio Laurelli, Carlos
Velloso, Joaquim Barbosa, Aloísio de Toledo César, Luiza
Eluf Nagib, Roberto Livianu, Augusto Nunes, Felipe
Moura Brasil, José Maria Trindade, Claudio Tognolli,
Carlos Andreazza, Marcelo Madureira, José Paulo de
Andrade, Salomão Ésper, Rafael Colombo, Carlos Alberto
Di Franco (por nomear apenas alguns dentre os principais).

A quantos – nos circuitos da Justiça, do Direito e da


Imprensa – tiveram a honra e a glória de merecê-los,
293

convêm conscientes aplausos, não apenas a simpatia e o


incentivo dos homens de bem, que amam o Brasil, praticam
a Justiça e professam a Verdade!

Notas

(1) Filosofia do Direito, 2016, p. 571; Editora Saraiva.


(2) Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal,
1958, vol. I, p. 74.
(3) “(…) só merece o nome de defesa a que for livre e completa”
(José Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 16).
(4) Novas Questões Jurídico-Penais, p. 131.
(5) Goffredo Telles Junior, A Folha Dobrada, 1999,
p. 161; Editora Nova Fronteira.
(6) “(…) até entre os anjos pode haver variedade de opiniões,
sem menoscabo de sua sabedoria nem de sua santidade”,
pregou o eloquente Vieira (Sermões, 1959, t. IV,
p. 216; Porto).
(7) O vulgo profano, cuja malícia e criatividade
sobreexcedem a toda medida, cunhou o anexim:
“Duas coisas em que se não pode confiar: b. de criança e
cabeça de juiz” (cf. Rubem Alves, Ostra Feliz não Faz
Pérola, 2008, p. 33; Editora Planeta do Brasil).
(8) Op. cit., t. VIII, p. 209.
(9) “Sapientis est mutare consilium”, afiança o prolóquio.
(10) O estado da questão. A execução provisória da pena
repugna ao princípio da presunção de inocência (art.
294

5º, nº LVII, da Const. Fed.)? O tema foi exposto em


toda a luz pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal, intérprete máximo da Constituição, no
julgamento do “Habeas Corpus” nº 126.292-SP. Após
considerar que, “em país nenhum do mundo, depois de
observado o duplo grau de jurisdição a execução de uma
condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte
Suprema”, propôs orientação que restaurou tradicional
entendimento a respeito do ponto especial, isto é: “A
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência” (STF; HC nº 126.292-SP;
Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; 17.2.2016).
Ao julgar o Agravo Regimental nº 964.246-SP, o
Pretório Excelso, por maioria de votos, reafirmou a
jurisprudência dominante sobre a matéria. Contém a
conclusão do aresto a seguinte substância: “(…) a
reafirmação da atual jurisprudência desta Corte, fixando,
para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em
grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio da presunção de
inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição
Federal” (STF; ARE nº 964.246-SP; Plenário; rel. Min.
Teori Zavascki; j. 11.11.2016).
Dessa jurisprudência delirou, entretanto, a
Suprema Instância, ao julgar procedente, em
295

7.11.2019, a Ação Declaratória de Constitucionalidade


nº 43-DF (STF; Plenário; rel. Min. Marco Aurélio),
contra os votos dos Ministros Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e
Cármen Lúcia. (Não seja matéria de indecoro
assentar em papel a memória dos vencidos, que a
mereciam gravada em bronze…!).
X. Crime, Rigor da Lei e Clemência

Em erudito ensaio, que lhe descobre para logo a


segurança da ciência do Direito e acrisoladas noções de
Moral Prática, propõe o autor (Juiz Alexandre Semedo de
Oliveira) engenhosa questão, a saber: é compatível com o
ofício de julgar o sentimento de misericórdia e indulgência?

Para indicar a matriz de seu pensamento, declara


formar entre aqueles que proclamam não haver lugar para
misericórdia e perdão “sob a toga de um juiz”. Tudo isto diz
o ilustre articulista, forte no simbolismo da Cruz e na
celebração da Páscoa.

Peço-lhe vênia para, terceiro interessado, chegar a seu


pé e tomar a mão sobre tema de tanto alcance.

Da função precípua do juiz tratou já, nos albores da


era cristã, o guapíssimo jurisconsulto Ulpiano, em cláusula
que a posteridade conservou entre os seus maiores tesouros:
“Jus suum cuique tribuere” (Dig. 1.1.10.1).

Na esfera criminal, levando a mira em reparar o


direito violado, resume-se a função judicante, de ordinário,
em infligir o castigo ao infrator. E não há que objetar. Fale
por todos o Pontífice Máximo do Direito Penal Brasileiro:
“A pena traduz primacialmente um princípio humano por
excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que
merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais,
p. 131).
298

A essa conta, nenhum sujeito imputável haverá de


subtrair-se ao rigor da lei, formoso corolário de premissa
lógica reproduzido pelo Des. Volney Corrêa Leite de
Moraes Jr., saudoso colega e amigo (citado pelo autor do
ensaio), em livro bem reputado e de muita originalidade(1):
“Todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o
que é errado (Alberto Oliva, filósofo)”.

Em pontos de criminalidade, não transigia realmente


Volney com os postulados – que denominava “laxismo
penal” – que figuram em barda nas cartilhas espúrias e
contrafeitas de pseudodireitos humanos.(2)

Ninguém ignora, salvo se inteiramente hóspede na


sociologia jurídica e refratário às chispas do bom-senso, que
a impunidade é poderoso incentivo do crime.

Suposto seja a pena o estipêndio do delito, não parece


bem deva sempre o magistrado agravá-la. Eis por que,
segundo tradicional usança, provectos e honrados Juízes –
quando acertava punirem delinquentes (empedernidos até)
– nunca lhes esquecia ponderar, nas conchas da balança
de Têmis, assim as partes positivas e boas como as
negativas e iníquas.

Que outra coisa, com efeito, ensinou o eloquente


Cícero à Humanidade, quando gravou com estilete o
imortal prolóquio “Summum jus, summa injuria”(3), senão
que o exagero punitivo contravém de rosto ao ideal de
justiça, e que, pelo contrário, ao justo concreto não repugna
alguma vez o estalão da indulgência?!
299

Poderá o juiz, dado que concorram circunstâncias ou


razões particulares de vulto, assentar na fronte do réu o
ferrete do castigo sem, todavia, recusar-lhe um como
galardão de merecimento.

Aliás, a letra mesma da lei é a que o obriga (não só lhe


inculca) dispensar benefício ao réu que espontaneamente
confessa a autoria do crime (art. 65, nº III, alínea d, do Cód.
Penal).

Há, deveras, alguma coisa de nobre e louvável nisto de


o réu, perante o magistrado que o interroga, preferir –
ainda que com prejuízo para si mesmo e sem alegar com
o prestígio de causa descriminante – pôr-se ao lago
da Justiça e, sem rebuços nem ambages, confessar,
arrependido, a prática do ilícito penal que lhe imputa o
órgão da Acusação!

Terá jus não só à redução da pena: será força que


dele também se amerceie a Justiça e lhe defira benefícios
(“verbi gratia”: regime especial de cumprimento de pena,
substituição da pena privativa de liberdade, etc.).

Aqui me pedirá o inteligente e amável leitor lhe exiba


a carta credencial para a outorga de semelhantes obséquios.

Desço, pois, ao particular e transcrevo, por amor de


aplacar possíveis escrúpulos da crítica severa, estas sublimes
palavras de um de nossos maiores processualistas:

“É certo que o juiz tem, diante de si, a lei. Mas a dificuldade


não termina aí; ao contrário, aí é que ela começa: primeiro
porque a lei procura ser igual para todos, mas as condições
300

pessoais exigem tratamento individualizado, que só o juiz


pode dar. A lei não pode existir intuitu personae, mas a
sentença pode. A lei põe o problema em equação; mas quem
dá o valor das incógnitas é o juiz. Só ele pode estabelecer a
real, e não apenas fictícia, igualdade de tratamento,
nivelando o poderoso e o deserdado, o rico e o pobre. A
igualdade perante a lei é puramente lírica se não se
concretiza na atuação judicial” (Hélio Tornaghi, Curso
de Processo Penal, 1980, vol. I, p. XII).

Com a excelência desta doutrina concerta a lição do


venerando Magistrado Eliézer Rosa, a quem os colegas
reconhecem e proclamam como seu muito vivo paradigma:

“Daí a necessidade de o Juiz do nosso tempo e para o nosso


tempo saber que deve praticar o razoável e não o
puramente racional” (Dicionário de Processo Civil, 2a. ed.,
p. 261).

E mais estas, dignas só de um elevado espírito, como


foi Goffredo Telles Junior, mestre em Direito e sábio:

“Na interpretação das leis, mais importante do que o


rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa
e humana solução” (A Folha Dobrada, 1999, p. 163).

Ajunto ainda este florilégio de conceitos, por onde se


conhecerá que, na judicatura criminal – ressalvadas e
301

atentas algumas circunstâncias de peso –, moderação e


castigo não são ideias que se implicam:

I. “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se


acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não
há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma
reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira
inteligência dos textos legais” (Rui Barbosa, Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 43).

II. “Nenhum homem deve envergonhar-se de ter coração! Não


fica mal a juízes mostrar que o têm! Julgar o contrário leva
a muitas vaidades e inconcebíveis erros!” (Pedro Eurico,
Figuras do Passado, 1915; Lisboa. Pedro Eurico era o
pseudônimo do insigne juiz português Augusto Carlos
Cardoso Pinto Osório (1840-1920), presidente do
Supremo Tribunal de Justiça).

III. “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a


moderação da clemência” (Manuel Bernardes, Nova
Floresta, 1728, t. V, p. 466).

IV. “Não há realmente Justiça sem Piedade! (Eliézer Rosa,


Romeiro Neto, o Último Romântico da Advocacia
Criminal, 1984, p. 26).

V. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão


justiça” (Teodomiro Dias: apud Odilon Costa Manso,
Letras Jurídicas, 1971, p. 111).

VI. “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim,
antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (…). Se o
juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei,
302

julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar


pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça
e do bem comum” (Min. Sálvio de Figueiredo, Revista do
Superior Tribunal de Justiça, vol. 26, p. 384).

Aqui faço ponto, meu caro Alexandre Semedo de


Oliveira, não entre a fatigá-lo com estas pífias e insípidas
nótulas, ao mesmo passo que o cumprimento pelo
magnífico ensaio que as provocou; por fim, desejo-lhe, “ex
corde”, nesta Páscoa e no exercício de seu difícil e honroso
cargo de juiz, muitas felicidades e a recompensa própria dos
que praticam as boas ações: a glória de tê-las praticado! (O
que fará, creio-o – sobretudo no paroxismo das crises que
abalam o Mundo contemporâneo –, sob o influxo da
bondade, que é a cruz de todas as religiões!). Meu fraterno
abraço.

Notas

(1) Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.,


Crime e Castigo, 2002, p. 3; Millennium Editora.

(2) O alto sentido da presença do Crucifixo nos Tribunais,


lembrado pelo Des. Volney Corrêa Leite de Moraes
Jr. – e que serviu de epígrafe ao ensaio do Dr.
Alexandre Semedo de Oliveira –, já o acentuara, em
tópicos de rara beleza, o prestigioso advogado e
homem de letras Plínio Barreto: “Cristo é um assunto
inesgotável para pintores, escultores e nunca fica deslocado
em qualquer tribunal. Vítima suprema de uma injustiça
revoltante, é um apelo permanente à consciência dos juízes e
303

um consolo perpétuo para os que não encontram, entre os


juízes, água e mantimento para a sede e fome de justiça,
que os devoram. No júri, a sua presença é mais do que uma
fonte de consolações: é uma necessidade imprescindível”
(Vida Forense, 1922, p. 87).

(3) “De Officiis”, I, 10, 33. Igual fórmula já traziam as


divinas letras: “Noli esse justus multum” (Eccl 7, 17).
Não sejas por demasiado justo.
XI. A Linguagem do Juiz

I — Com esse título, tirou a público o eminente


Desembargador Geraldo Amaral Arruda livro em extremo
útil àqueles que se consagraram ao serviço da Justiça.(1)
Forte no argumento de que a linguagem das decisões
judiciais está comprometida com a linguagem culta(2),
entrou Sua Excelência a tratar “ex professo” de pontos, cuja
inobservância tem levado muitos a distanciar-se daquele
áureo padrão de que justamente se ufanava o jurista
Bertrand: O Palácio da Justiça é o conservatório da língua.(3)
Como é do ofício do juiz dizer o Direito, está além de
toda a disputa que unicamente na palavra achará o veículo
de sua realização. Daqui procede, pois, que deverá
conhecer bem o idioma vernáculo e saber exprimir-se nele
com discreta e pontual correção.(4)
No juiz não é mister concorram os dotes que
distinguem os exímios artistas da palavra e lhes asseguram
a imortalidade no panteão da glória literária; tampouco é
preciso traga na fronte o louro de Apolo; basta-lhe que,
não podendo possuir todas as excelências de sua língua, ao
menos se empenhe por evitar as faltas graves que amiúde
contra ela se cometem e lhe abatem o esplendor.(5)

II — Mas, visto pressupõe largo tirocínio, a ciência da


linguagem não se adquire sem o trato paciente e
ininterrupto dos mais acabados modelos da vernaculidade
306

– os clássicos –, que Horácio mandava correr com mão


diurna e noturna.(6)
A primeira objeção que nos fará algum colega é que,
verdadeiros reféns do tempo, e eternamente ocupados em
leituras e estudos de autos de processo, já não têm os juízes
ócio para a conversação dos mestres do bom dizer, que
lhes regale a alma.
Verdade é esta que se não pode refutar cabalmente!
Todavia, àquele, em cujo peito ainda não feneceu a
centelha do entusiasmo pelas coisas belas e grandes,
sempre deparará a fortuna alguns instantes, nos quais
possam reconciliar-se com os egrégios varões que deram
lustre e majestade à formosa língua portuguesa. Eis a
melhor maneira de alcançar a riqueza do saber literário!
Não é para aqui a menção de todos os escritores cujas
obras importam muitíssimo à formação do gosto literário,
à aquisição dos cabedais da língua e à apuração do estilo.
Alguns poucos, no entanto, de nomeada clássica, merecem
referidos: Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Luís de
Sousa, Alexandre Herculano, Latino Coelho, Camilo
Castelo Branco, Machado de Assis…, demais dos que
figuram também no cânon dos juristas conspícuos: Rui,
Lafaiete, Nélson Hungria, Orosimbo Nonato e Eliézer
Rosa. (O que escreveram estes beneméritos espíritos
constituirá sempre boa lição de vernaculidade e excelente
doutrina jurídica).
307

III — Entretanto, porque nem o talento supre a gramática,


o livro prestantíssimo de Geraldo Amaral Arruda também
adverte o leitor dos erros e impropriedades mais comuns
que desprimoram sentenças e outros escritos forenses.
Alguns damos aqui de amostra:
a) “Recomende-se-o na prisão” (p. 23). Frase incorreta.
Deve-se dizer: “Recomende-se na prisão; recomende-se
ele na prisão ou seja ele recomendado na prisão”(7);
b) “Posto que, conjunção concessiva, que não deve ser usada
como causal. Posto que equivale a embora, ainda que,
conquanto, etc., e se usa com o verbo no subjuntivo”
(p. 109)(8);
c) “De vez que…, vez que”: “muito comuns, tanto em peças
redigidas por advogados como até em sentenças” (p. 22),
tais locuções constituem solecismo condenável;
d) “Procedida a penhora” (p. 56). “Mas não será correto
dizer procedida a penhora… Por se tratar de verbo
transitivo indireto, não é correto seu uso em expressão
passiva”. Diga: “procedeu-se à penhora”;
e) Reprimenda. “Tem essa palavra aparecido em sentença
como sinônima de pena. Há equívoco. Não há fundamento
para o uso de reprimenda no sentido de punição criminal”
(p. 8). “No direito penal haverá impropriedade em se
denominar reprimenda qualquer pena detentiva. Apenas
pretendendo referir-se à admonição resultante da
suspensão condicional da pena é que se pode falar, sem
impropriedade, em reprimenda ao réu” (p. 9). O
Dicionário de Caldas Aulete e Santos Valente dá
308

ao verbete reprimenda os seguintes sinônimos:


admoestação severa; crítica acerba; censura forte;
f) Inobstante. “Nenhum dicionário autoriza esse neologismo,
que circula nos meios forenses a par de outras expressões de
formação semelhante. Preferível o uso das expressões
vernáculas já consagradas não obstante ou nada obstante”
(p. 23);
g) “… a aberrante expressão datissima venia” (p. 11).

A segurança e a clareza com que foi escrito e a


grande utilidade que sua doutrina representa para os
cultores do Direito e das boas letras, notadamente os
juízes, valem por idônea carta de recomendação do livro
A Linguagem do Juiz, no qual até os que se presumem de
doutos e sabedores terão muito que aprender e louvar.

Notas

(1) Geraldo Amaral Arruda, A Linguagem do Juiz, 1996,


Editora Saraiva.
(2) Op. cit., p. 5.
(3) Edgar de Moura Bittencourt, O Juiz, 1966, p. 287.
(4) “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou
com assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como
Redigir Ementas, 1994, p. 40).
(5) Ao juiz não lhe é defeso cultivar em grau assinalado a
arte de bem escrever. Disse-o Mário Guimarães:
“Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar
309

contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe à


simplicidade. Coexistem uma e outra, e até bem vai que
se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958,
p. 360).
(6) Arte Poética, v. 268.
(7) Vem aqui de molde o ensinamento do preclaro
filólogo Mário Barreto: “Todos, em letra redonda, já
se referiram à combinação se o e unanimemente lhe
assentaram o ferro em brasa de sua condenação, por
monstruosa em face dos documentos exemplares do nosso
idioma” (De Gramática e de Linguagem, 1922, t. I, p.
47). Ainda: “Os pronomes se e o jamais podem vir juntos
na mesma oração; nunca devemos dizer: não se o sabe,
faz-se-o, vê-se-o” (Napoleão Mendes de Almeida,
Gramática Metódica da Língua Portuguesa, 29a. ed.,
p. 177; Edição Saraiva).
(8) Posto que, em lugar de porque: “É locução conjuntiva, de
sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem
que, embora, apesar de: Um simples cavaleiro, posto que
ilustre. E, posto que a luta fosse longa e encarniçada,
venceram” (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário
de Questões Vernáculas, 1981, p. 242). Outros
exemplos, em abono da lição do saudoso Mestre:
“(…) alguns exemplos temos, posto que poucos” (Antônio
Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 74); “O tempo ia sereno,
posto que frio” (Alexandre Herculano, O Monge de
Cister, 21a. ed., t. I, p. 46); “Estou melhor, posto que não
inteiramente restabelecido” (Idem, Cartas de Vale de
Lobos, 1980, vol. I, p. 59; Livraria Bertrand).
XII. Crime, Castigo e Erro Judiciário

I — Ainda que Deus tenha dado ao homem, único entre


todas as criaturas, porte ereto, com preceito de contemplar
os céus e fitar os olhos nas estrelas, como em elegante
ritmo cantou o poeta(1), são porém mais que muitas as
vezes em que, deslembrado de sua augusta predestinação,
abdica da própria dignidade e, insensato, inclina-se para
a terra. E, o que é mais, obrando já com soberba
desconsideração das regras do convívio social, arroja-se
perdidamente à carreira dos delitos.
Aí, como a organismo doente que lhe importa curar,
entra o Estado a aplicar-lhe sua medicina; e o estipêndio
do crime sabe-se que é, pelo comum, o castigo ou pena.
Posto se proclame, e com alguma verdade, que a
história da pena é a de sua paulatina abolição, não há
entretanto eliminá-la do corpo das leis repressivas, que
isto implicaria retorno da civilização à barbárie.(2)
Mas seu caráter não é só aflitivo, ou de retribuição
pelo mal cometido; é, sobretudo, o fim da pena reeducar o
delinquente pela disciplina da vontade, prática da virtude e
amor do trabalho, este o principalíssimo dos fatores de
promoção humana.(3)

II — De ser a pena um imperativo legal não procede,


contudo, deva infligir-se ordinariamente em grau
extremado. Ao invés, nisto de imposição de castigo deve-se
atender sempre à moderação.
312

As penas de duração longa padecem de inconveniente


conspícuo, uma vez que, na conformidade das palavras do
ilustre Juiz João Baptista Herkenhoff, “retirariam dos réus
todo sentido de esperança: por mais hediondos que tenham sido os
crimes praticados, esse sentimento não pode ser eliminado do
homem”.(4) E não o pode porque, profundo que seja o
abismo em que um dia se precipitara, ao homem nunca lhe
adormece no peito o desejo ardente de retomar o curso da
vida e tornar aos seus.
Por mais forte razão, ela não poderá desamparar
aquele que, tendo perdido a liberdade, foi como se tudo já
perdera: o encarcerado.
Em suma: a pena demasiado severa, sobre não
recuperar o infrator (esforçado argumento para que se não
aplique), ainda “mata a esperança, que é o último remédio que
deixou a natureza a todos os males”, como pregou o sublime
Vieira.(5)

III — Mais que a sentença draconiana – que impõe ao réu


pena que, de muito rigorosa, antes parece perpétua –, é
para recear a que condena o inocente. Gênero de desgraça
grande é esse, que, por evitá-lo, o emprego de diligência,
ainda em seu grau máximo, sempre se teve por muito
pouco.
A condenação do inocente à pena última não raro
meteu em escrúpulo até a corações empedernidos. De
Nero, monstro coroado, refere com efeito Suetônio que,
certo dia, em que o convidaram a assinar uma condenação
313

capital, disse: “Tomara não soubesse escrever!”(6) Outro tanto


passou com o imperial Pedro II. Constando-lhe que Mota
Coqueiro, a quem se dera morte no patíbulo, fora vítima
de erro judiciário, no mesmo ponto mandou quebrar a
pena com que lhe negara pedido de clemência e “nunca
mais quis assinar nenhuma condenação”.(7)
A todos assusta e angustia o espectro do erro, no
entanto mais àqueles que foram investidos da terrível quão
bela função de julgar, que é atributo próprio só da
Divindade.
De feito, julgando sempre, estão os juízes, mais que
ninguém, sujeitos à tirania implacável dessa contingência
humana que é o erro.
Não é tudo. Ouçamos a esse varão abalizado em
virtudes e letras, de quem justamente se orgulha e ufana a
Magistratura brasileira, Eliézer Rosa, cujas palavras vêm
aqui de molde: “Nos tribunais, o medo de errar é muito mais
oprimente que num juiz de primeiro grau. Saibam todos que é
esta uma imensa e dolorosa verdade. Ser relator dum feito é
terrivelmente penoso, pela consciência que tem de que seu voto
pode ser acompanhado e, por mais e melhor que tenha pensado
em acertar, o insidioso erro pode esconder-se na pureza de seu
pensamento”.(8)
Este mesmo temor de errar foi, decerto, o que
inspirou à sabedoria humana a regra comum de
interpretação da dúvida – “In dubio pro reo” –, porque “a
condenação do inocente constitui maior desgraça para a sociedade
do que para o condenado, sendo preferível, segundo a velha
314

sentença de Berryer, ficarem impunes muitos culpados, do que


punido quem devera ser absolvido”.(9)

Notas

(1) Ovídio, Metamorfoses, I, 85.


(2) “Suprima-se a pena (quod Deus avertat) e o crime seria,
talvez, a lei da maioria. É indubitável a eficácia inibidora
do castigo” (Nélson Hungria, Comentários ao Código
Penal, 1978, vol. I, t. II, p. 196).
(3) Doutrina é esta que geralmente professam aqueles
a quem tocou a meritória tarefa de recuperar os
desajustados sociais, como se tira do dístico
expressivo gravado no frontão da antiga Penitenciária
de São Paulo: “Aqui, o trabalho, a disciplina e a bondade
resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à
comunhão social”.
(4) Uma Porta para o Homem no Direito Criminal, 2a. ed.,
p. 163.
(5) Sermões, 1959, t. III, p. 278.
(6) Cf. As Vidas dos Doze Césares, 1955, p. 269; trad. Sady
Garibaldi.
(7) Raimundo de Menezes, Crimes e Criminosos Célebres,
2a. ed., p. 123.
(8) A Voz da Toga, 2a. ed., p. 50.
(9) Firmino Whitaker, Júri, 6a. ed., p. 89.
XIII. O Bom Juiz Eliézer Rosa

I- O louvor entre vivos (ou panegírico, segundo a


doutrina literária clássica) parece repugnar alguma coisa
aos estilos da prudência e ao comum senso ético. A razão é
que se lhe contrapõem, as mais das vezes, três objeções de
certo peso e tomo: é uma que o elogio poderá ofender a
natural modéstia daquele a quem se faz, causando-lhe
mágoa e escusado constrangimento; a outra é nunca faltar
uma voz que se levante contra a proclamação dos méritos
de alguém(1), ainda quando seja este a mesma virtude
personificada(2); o terceiro argumento, com que se tem
dissuadido a prática do louvor, é que, havendo-o a craveira
mesquinha por simples lisonja, somente fará abater os
créditos daquele que precisamente se intentava exaltar.
Tais dificuldades, porém, muito se atenuam quando,
ressalvado o pudor daquele a quem todo o encômio é
molesto (e isto fora já matéria de alto louvor), estiver a
deficiência unicamente no pregoeiro do mérito alheio;
porque, acudindo pela honra da causa, bem poderá
defender-se com as seguintes palavras de excelso varão:
“Elogios nem sempre são lisonjas; quando vêm merecidos, são
dever”.(3) E, ao dever todos haveremos de respeitosamente
curvar a fronte!

II. É raro que alguém abrace quatro vezes a idade que


Tácito reputava por um grande espaço da vida humana(4);
mais raro, no entanto, é tenham as efemérides distinguido
316

com este favor sujeito de quem justamente se orgulha e


envaidece a classe jurídica do País!
No dia 14 de novembro de 1995, cumpriu os 87 anos
de sua idade o Magistrado Eliézer Rosa, ao qual, pelo
exemplar teor de sua vida e pela edificação e zelo com que
professou a carreira do Direito e da Justiça, deu-lhe a voz
pública o honroso cognome de o bom Juiz.

Eliézer Rosa, o bom Juiz

É lembrado sempre como dos poucos homens, em


quem se operara a feliz comunhão de qualidades que, por
excepcionais, se não veem senão distribuídas entre muitos
317

indivíduos: dotes raros de espírito, vastos cabedais de


ciências e compêndio de singulares virtudes. Magistrado,
põem-no os seus colegas por modelo cabal e venerando;
professor, leu o Direito Processual com inexcedível
competência e apuro; escritor, dignificou as letras com a
excelência de sua doutrina, esmaltada de elegante forma
vernácula portuguesa; privado, serve a conceituá-lo aquele
epíteto por que entre os romanos se reconhecia o titular
da soberania familiar: “bonus paterfamilias”.
À atividade judicante consagrou, esquecido de si
mesmo, a parte mais substancial de sua longa e fecunda
existência. A 8a. Vara Criminal do Rio de Janeiro foi o
tabernáculo onde o grão sacerdote do Direito sagrou culto
fervoroso à divina Têmis. Ali foi que, por 18 anos, exerceu
com o fulgor de sua inteligência, a pureza de sua fé e a
magnanimidade de seu coração o sublime ofício de julgar
os que afrontaram a lei. Primeiro que o criminoso,
buscava no infrator o homem, que a este era mister
recuperar e restituir ao convívio social. Ainda no mais
empedernido malfeitor, nunca deixou de ver uma entidade
sagrada; os que foram achados em erro, costumava tratá-
-los com especial brandura.(5) Sem fazer auto de fé da lei
escrita, curava todavia penetrar-lhe de preferência o
espírito. E não tinha mão em si que não proclamasse:
“A Justiça está na alma do juiz. Não está nos Códigos. A
Justiça é o juiz”.(6)

III. Aos cartórios do ofício é que geralmente incumbe


preservar contra a tirania do tempo, assentando-os em
318

livro próprio, os despachos e sentenças do juiz. O que


parece bem, visto que se não pode subtrair à curiosidade
pública, sem reprovação, o conhecimento dos atos de seus
cidadãos principais.
Do Juiz Eliézer Rosa, entretanto, não nos ficaram
(ainda mal!) os livros de registro de suas sentenças, uma
vez os reduzira a cinzas o mesmo incêndio que devorou,
com grande consternação do foro, o cartório de sua amada
8a. Vara Criminal. A tradição oral, contudo, supriu os
estragos do infortúnio. Sabe-se, por exemplo, que certa
feita julgara um jovem, acusado de furto de bicicleta.
Condenara-o, é verdade, como pediam as provas, mas,
porque lhe constasse que, filho de lavadeira, dificilmente o
ladrãozinho poderia realizar o sonho de ter uma bicicleta,
deu-lhe uma por presente o bom Juiz.(7)
Casos que tais dispensam livros de registro, “porque
do que não cabe em livros, não há livro”, como sentenciou o
profundo Vieira.(8)

IV. No entanto, se uma classe houve de profissionais a


que Eliézer Rosa votou entranhada estima e exaltou entre
todas, essa foi a dos advogados. Nunca lhe mereceram
outros maiores gabos e expressões de mais subido quilate:
ora afirma, solenemente, “que a nobreza elegeu seu domicílio
entre os advogados”(9); ora discreteia: “Não há justiça sem
Deus, disse-o o egrégio Rui; não há justiça sem advogado,
acrescentarão quantos viveram no jardim de tormentas que é o
foro”.(10) Daqui procede a muita afeição que lhe têm eles,
que não o estremecem apenas, mas também lhe guardam
319

fielmente as lições, expostas com segurança e primor em


seus vários livros.(11) Hoje, por ocasião do 87º aniversário
de seu nascimento, aos advogados (notadamente os
criminalistas) é que toca a honra e a vez de saudá-lo.
Dir-lhe-á cada qual, no estilo e com as mesmas palavras
que, ao visitá-lo no Tribunal de Alçada Criminal do
Estado do Rio de Janeiro, empregou o saudoso Prof.
Alfredo Buzaid: “Só deixarei de querer-lhe, Amigo, no dia em
que Deus envelhecer!”.(12)

Notas

(1) “Ao traçar a biografia de um de seus contemporâneos,


reconheceu Taine o perigo a que se expunha, ante a
circunstância de que o biografado ainda estava em condições
de desmentir o biógrafo” (Josué Montello, A Oratória
Atual do Brasil, 1950, p. 4).
(2) Como olhasse Deus para Abel e para suas ofertas, não
no levou Caim à paciência e determinou consigo
matá-lo (Gên 4,4). Aristides, é fama que seus
conterrâneos o proscreveram, aborrecidos de ouvir
“chamarem-no sempre O Justo” (cf. R. Magalhães Jr.,
Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 141).
(3) Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906, p. 343).
(4) Cf. Vieira de Castro, Discursos Parlamentares, 1866,
p. 180.
(5) “Todo réu é um humilhado e um ofendido pela própria
vida. O tratamento cordial dispensado aos réus é um dever
320

de todos que lavramos a terra escaldante, o chão de espinhos


duma sala de audiências criminais” (Eliézer Rosa,
Dicionário de Processo Penal, 1975, p. 55).
(6) Idem, Uma Justiça para o nosso Tempo e nosso Meio,
1977, p. 19.
(7) In Última Hora (Rio), 12.1.1984.
(8) Sermões, 1957, t. X, p. 39.
(9) A Voz da Toga, 2a. ed., p. 34.
(10) Ibidem, p. 31.
(11) Da bibliografia de Eliézer Rosa (cujo nome é
frequentemente confundido com o do irmão –
Eliasar Rosa –, também jurista e escritor) constam os
títulos seguintes: Dicionário de Processo Civil (1957),
Cadernos de Processo Civil (3 vols., 1973), Leituras de
Processo Civil (1971), Advocacia, Função Pública (1949),
Dicionário de Processo Penal (1975), Romeiro Neto, o
Último Romântico da Advocacia Criminal (1984, 4a. ed.),
etc. Escreveu-lhe, ultimamente, primorosa e rica
biografia o renomado Desembargador do TJSP
Benedito Silvério Ribeiro, em Vultos do Poder
Judiciário (2016, pp. 243-257; YK Editora; São Paulo).
Ali, como em messe copiosa, colherá o leitor os frutos
que produziu o espírito fecundo de Eliézer Rosa
(1909—2002).
(12) Cf. Cadernos de Processo Civil, 1975, 3º vol., p. 23.
XIV. Presunção de Inocência

I. À guisa de introdução

É princípio de direito, exaltado à categoria de dogma


constitucional, esse da presunção de inocência do acusado,
“princípio de eterna justiça”, na eloquente expressão de
Carrara.(1)

Consagrado na Declaração Universal dos Direitos do


Homem, da ONU, em 1948, e na de Virgínia (1776), a
Constituição Federal de 1988 transladou-o no inciso LVII
de seu art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”.

Somente o selo da “res judicata” (coisa julgada) pode,


com efeito, imprimir na fronte do réu o estigma de
culpado.

Muitas graças se deem, pois, ao legislador constituinte,


que incorporou à Carta Magna de 1988 a sabedoria do
postulado, segundo o qual toda pessoa acusada de crime
tem o direito de haver-se por inocente enquanto não
liquidada sua culpa em processo regular.

Corre, é verdade, inteligência em contrário, que


admite a presunção de inocência desde que se não
confirme, pela instância recursal, a sentença condenatória;
porque daí avante prevaleceria a regra da presunção de
culpabilidade.
322

A exegese porém que, de presente, passa por


triunfante é a que nos supeditou o Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do Agravo Regimental nº 964.246-
SP, cuja conclusão tem esta substância:

“(…) a reafirmação da atual jurisprudência desta Corte,


fixando, para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio da presunção de inocência afirmado
pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal”.(2)
323

II. Presunção: acepções do termo

Empregado amiúde na terminologia jurídica, o


vocábulo presunção – conforme De Plácido e Silva –
exprime “a dedução, a conclusão ou a consequência, que se tira de
um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e
provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso”.(3)

De três ordens são as presunções: 1. de direito


(“praesumptiones juris”); 2. de fato (“praesumptiones facti”) e
3. do homem (“praesumptiones hominis”). As de direito
(ou jurídicas) são as presunções estabelecidas por lei.
Dividem-se em absolutas (ou presunções “juris et de jure”)
e em relativas, condicionais ou presunções “juris tantum”).

A presunção de fato (ou comum) é a “deduzida da


natureza de certos fatos que demonstram a veracidade de outro”.
A presunção do homem é “a consequência que ele próprio tirou
de um fato conhecido para demonstrar outro desconhecido ou
duvidoso”.

Na linguagem do foro, as presunções de fato e do homem


entendem-se propriamente por indícios. O que sejam estes,
enfaticamente o define o art. 239 do Código de Processo Penal:
“Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”.(4)

A presunção “juris tantum” – denominada também


condicional, relativa ou simples – prevalece até que se
demonstre o contrário. (A voz latina “tantum” significa
tão somente).
324

“Presunção juris et de jure” (de direito e por direito),


instituída por lei como verdade, não admite prova em
contrário. É a presunção absoluta. Eis sua fórmula em
latim: “Praesumptio juris et de jure probationem in contrarium
non admittit”. Exemplo típico de “presunção absoluta ou juris
et de jure” traz o art. 1.597 do Código Civil: “Presumem-se
concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180 (cento
e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal”.
325

III. Presunção: jurisprudência, máximas e


aforismos

Extenso e variado é o número de prolóquios e


expressões que respeitam às ideias de presunção, inocência,
dúvida, certeza, absolvição, etc. Deles vai aqui abreviado rol:

1. “Praesumptio cedit veritati”. A presunção cede à


verdade.

2. “Quivis praesumitur bonus, donec probetur malus”. Todo


indivíduo se presume bom enquanto se não prove
que é mau.

3. “Não perder de vista a presunção de inocência comum a


todos os réus, enquanto não liquidada a prova e
reconhecido o delito” (Rui Barbosa, Oração aos Moços,
1a. ed., p. 42).

4. “Enquanto a acusação não prova, presume-se a inocência do


acusado. Sobre isto não há contestação em escola alguma”
(Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXVIII, t. I,
p. 197).

5. “O crime é a presunção juris et de jure, a presunção contra


a qual não se tolera defesa, nas sociedades oprimidas e
acovardadas. Nas sociedades regidas segundo a lei a
presunção é, ao revés, a de inocência” (Rui Barbosa,
Obras Completas, vol. XXIV, t. III, p. 87).

6. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não


verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que
a magistratura orna os seus brasões, desde que a justiça
326

criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res


sacra reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui
Barbosa, Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113).

7. “Nemo innocens si accusare sufficit”. Ninguém seria


inocente se bastasse acusar.

8. “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará


motivo para imposição de pena” (art. 36 do Cód.
Criminal do Império do Brasil).

9. “A verossimilhnça, por maior que seja, não é jamais


a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza
uma sentença condenatória. Condenar um possível
delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V,
p. 61).

10. “Ainda que sejas casta como o gelo e pura como a neve, não
escaparás à calúnia” (William Shakespeare, Hamlet,
Príncipe da Dinamarca, p. 83; trad. Carlos Alberto
Nunes).

11. “Facile est opprimere innocentem”. É fácil oprimir o


inocente (Fedro, Fábulas, liv. I, 1).

12. Só os inocentes podem ser acusados de tudo.

13. A inocência não vê a serpente debaixo das flores.

14. Todo ato criminoso é passível de repúdio, mas


cumpre atender também ao preceito do art. 5º,
nº LVII, da Constituição Federal: “Ninguém será
327

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença


penal condenatória”.

15. Em obséquio ao princípio da presunção de não-


-culpabilidade, que, entre nós, tem a consagração de
garantia constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const.
da República), processos em curso não se consideram
maus antecedentes porque, ao fim, o réu poderá ser
absolvido.

16. Embora o princípio da presunção de inocência tenha


sido exaltado à categoria de dogma constitucional
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não há postergar os
direitos e interesses da sociedade, entre os quais
figura o de exigir a segregação do agente pernicioso
que pretende subverter-lhe os fundamentos e pôr em
risco a segurança de seus membros.

17. Segundo a nova ordem jurídica do País – que deu


dignidade constitucional ao princípio da presunção
de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.) –,
é regra defender-se o réu em liberdade.

18. Em obséquio ao princípio da presunção de inocência


(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), e do devido processo
legal (nº LV), não é defeso à Segunda Instância
conhecer do recurso do réu, ainda que intempestivo,
se o despacho de prelibação (ou admissibilidade)
do Juízo da condenação lhe determinou o regular
processamento.
328

19. Contra decisão condenatória nada pode simples


protesto de inocência do réu, se em franca rebeldia
com as provas dos autos, que implacavelmente o
incriminam de roubo.

20. É verdade que, à luz do princípio da presunção


de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), ninguém
será havido na conta de culpado senão após o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória. Esse
mandamento, contudo, não importa licença para a
concessão indiscriminada de liberdade provisória a
réu preso em flagrante; tal sucede apenas naqueles
casos em que se não achem presentes os requisitos
que autorizam a decretação da prisão preventiva
(art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).

21. À vista da nova ordem constitucional instaurada no


País, a regra geral é que se defenda o réu em
liberdade. Consectário do princípio do estado de
inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por
exceção deve o acusado responder preso ao processo.

22. Destituído de natureza formal, o crime de corrupção


de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54) não se
caracteriza sem a prova da inocência do sujeito passivo,
que não se presume. Só a inocência não vê a serpente
debaixo das flores!

23. Se o réu nega com veemência a imputação de


larápio, que assenta em declarações vagas e
imprecisas, tem a Justiça de respeitar-lhe o direito
de inculcar-se inocente.
329

24. Por simples presunção ninguém pode decair de seu


estado de inocência.

25. Inquestionável é a força probante dos indícios; mas,


para que autorizem edito condenatório, é mister
que, em apoio recíproco, por forma inequívoca e
concludente, incriminem o acusado, com exclusão de
toda a hipótese que o favoreça (cf. Rev. Tribs., vol.
169, p. 76).

26. É velho preceito de sabedoria que, no caso de dúvida


acerca da culpabilidade do réu, deve o Juiz pronunciar
o “non liquet” e mandá-lo em paz.

27. Do Ministério Público é o ônus de provar


suficientemente a acusação deduzida na denúncia.
Desde que o não faça, ao Magistrado cumpre julgá-la
improcedente, por amor do princípio da presunção de
inocência, que entre nós granjeou nomeada
constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.).

28. A perplexidade que domina e constrange o ânimo


do Julgador não há de incliná-lo senão para o
desfecho absolutório, conforme o preceito comum
de interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.

29. “Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de


sua autoria. Indícios, ainda que veementes, desautorizam-
-na” (Rev. Tribs., vol. 181, p. 89).

30. Os tratadistas da prova conferem grande valor aos


indícios. Chama-lhes Mittermayer, elegantemente, as
“testemunhas mudas colocadas pelo dedo de Deus” (apud
330

Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional,


1958, p. 311). Mas só têm peso e força se vários e
concludentes.

31. “Um decreto condenatório deve repousar em prova certa e


segura, não o autorizando apenas indícios, presunções e
suspeitas” (JTACrSP, vol. 65, p. 241).

32. O indício pode levar à condenação, desde que


veemente. Diz-se veemente o indício que, por sua
natureza, “permite razoavelmente afastar todas as
hipóteses favoráveis ao acusado” (Camargo Aranha,
Da Prova no Processo Penal, 3a. ed., p. 169).

33. Prudente é o Juiz que absolve o réu, quando


inconclusiva, dúbia e coxa a prova; decidir o
contrário fora imolar na ara da presunção, o
gravíssimo dos pecados de quem julga.

34. “Na dúvida, deverá o Juiz recorrer ao meio ordinário e


admitir como verdadeira a versão mais favorável ao réu”
(Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal,
1871, t. II, p. 177; trad. Alberto Antônio Soares).

35. “Confissão extrajudicial pode gerar forte presunção em


desfavor do confitente, mas não a certeza da autoria
necessária para embasar decreto condenatório” (JTACrSP,
vol. 54, p. 423).

36. “Os indícios têm força convincente, quando muitos,


concordes, concludentes. Indícios que permitem explicação
diferente apenas levantam suspeitas. Não são aptos para
331

conduzir à certeza” (Mário Guimarães, O Juiz e a


Função Jurisdicional, 1958, p. 311).

37. É princípio de doutrina, consagrado pela


jurisprudência de todos os Tribunais, que, duvidosa a
prova da autoria do fato arguido, cumpre decidir em
prol do acusado.

38. “A defesa tem direitos superiores aos da acusação, porque,


enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja,
ninguém pode conscientemente condenar o seu semelhante”
(João Mendes Júnior, Processo Criminal Brasileiro, 4a.
ed., p. 388).

39. Beneficiado pela dúvida que se afigure atendível, tem


jus o acusado à solução preconizada pelo venerando
aforismo “In dubio pro reo”.

40. “Um Tribunal não pode condenar, sem a convicção íntima


da criminalidade do réu, e se há sombra de uma dúvida,
não há certeza possível para o Juiz” (Cons. Paula
Pessoa, Código de Processo Criminal, 1882, p. 147).

41. Não basta para a condenação penal a suspeita de que


o réu cometeu crime; é mister prová-lo acima de
toda a dúvida sensata.

42. Segundo princípio de aceitação universal, não há


condenar ninguém sem prova plena e cabal de sua
culpabilidade. Alguma dúvida que a tal respeito exista
é a que basta para impor ao Juiz, por atalhar possível
erro judiciário, a pensão de pronuciar o “non liquet” e
absolver o réu.
332

43. De todas as máximas que devem inspirar o Julgador,


nenhuma se tem por mais respeitável que esta:
Condenação exige certeza. Dúvida, em Direito Penal,
é o outro nome da falta de prova.

44. Desde que os autos lhe deparem dúvida, não fará


melhor o Juiz que absolver o acusado, em obséquio
ao princípio geral, vigorante nas legislações dos
povos cultos: “In dubio pro reo”.

45. É princípio, que remonta à primeira antiguidade


do Direito, esse de que ninguém pode ser punido
por pensar (ou, na sentença clássica de Ulpiano:
“Cogitationis poenam nemo patitur”).

46. “O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de


livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual
ao das provas diretas”, conforme lição memorável
de José Frederico Marques (Elementos de Direito
Processual Penal, 2a. ed., vol. II, p. 378). Mas, para
que sirvam de sustentáculo a um edito condenatório,
devem ser numerosos, coesos e harmônicos.

47. Das máximas que a sabedoria cunhou para guiar os


Juízes em suas decisões é esta, sem falta, a capital:
Condenação exige certeza. Na dúvida, será força decidir
em prol do acusado, por amor do velho aforismo
“In dubio pro reo”.

48. É não só injusta mas ainda injurídica a sentença


condenatória que não se baseou na certeza da autoria
da infração penal.
333

49. Em obséquio ao princípio comum de interpretação


da dúvida e aos conselhos da prudência, é força
absolver o réu da acusação de roubo, se a vítima, cuja
palavra constitui relevante meio de prova, lhe
proclamou a inocência.

50. É princípio solenemente consagrado pela consciência


jurídica dos povos cultos que a prova para
condenação deve ser plena e incontroversa. Uma
dúvida, que se levante no espírito do Julgador, é a
que basta a recomendar a absolvição, por força do
preceito universal do “In dubio pro reo”.

51. “Julgar por livre convicção não é julgar livremente, sem


atenção à vida expressiva dos elementos comprobatórios ou
indiciários e sem consulta à realidade dos fatos” (STF; RE
nº 8.232; rel. Min. Orosimbo Nonato; DJU 15.12.49,
p. 4.289).

52. Em caso de dúvida, só a absolvição exprime o bom


direito e a realização da justiça.

53. Se frágil a prova da autoria do crime, cumpre ao Juiz


absolver o réu, num tributo ao cânon venerável de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.

54. “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova


mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano
Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).

55. Para justificar decreto absolutório basta a dúvida


razoável, pois que esta, como a pedra que tomba do
334

rochedo e muda o curso do rio, é apta a desviar da


cabeça do réu o gládio inflamado da Justiça Penal.

56. A precariedade da prova, fonte natural de dúvida no


espírito do Juiz, deve ser interpretada em prol do réu,
à luz do preceito de alcance universal: “In dubio pro
reo”.

57. Dúvida, em Direito Penal, equivale a ausência de


prova.

58. Desde que nos autos triunfe dúvida invencível acerca


da culpabilidade do acusado, será força absolvê-lo
por amor do princípio de nomeada universal
“In dubio pro reo”.

59. Embora direito que a Constituição da República


reconhece a todo o acusado (art. 5º, nº LXIII), ficar
em silêncio perante injusto acusador passa por
prodígio de tal ordem, que a experiência vulgar o
tem reputado irmão gêmeo da culpa (“Qui tacet,
consentire videtur”).

60. Entre os princípios que informam o processo penal


sobreleva o de que somente a certeza é base legítima
de condenação. Na dúvida, ou falta de prova da
autoria, o único desfecho admissível para o feito-
-crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra
jurídica de cunho universal: “In dubio pro reo”.

61. Se a prova dos autos não lhe permite abraçar,


com segurança e motivação lógica, a proposta
335

acusatória, deve o Juiz inclinar-se, prudentemente,


à solução que favorecer o réu.

62. Na dúvida, o Julgador deve decidir conforme o


estalão da prudência (o qual, unicamente, o guardará
das insídias do erro judiciário) e absolver o réu.

63. No comum sentir dos doutores, não há condenar


(ainda o pior facínora) sem prova plena e incontroversa
da materialidade da infração penal e de sua autoria.

64. Isto de condenação exige prova plena e cabal, assim


da autoria como da materialidade do fato e da
culpabilidade do agente. A dúvida, segundo princípio
universalmente recebido, fala em benefício do réu:
“In dubio pro reo”.

65. “No processo acusatório, o Juiz só tem a decidir qual das


alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do
acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a
absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer,
Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II,
p. 285; trad. Alberto Antônio Soares).

66. “Se o réu nega o que a testemunha afirma, nada há


de certo e a Justiça tem o dever de respeitar o direito
de cada um de considerar-se inocente” (cf. César
Beccaria, Dos Delitos e das Penas, § VIII).

67. Ao absolvê-lo por falta de prova, o Magistrado como


que dá seu testemunho a favor do réu, de tal arte
que a absolvição já não se ampara unicamente em
336

argumento lógico, mas na própria força moral do


julgado.

68. No Direito Penal, em pontos de dúvida, prevalece o


prolóquio sublime inscrito nos emblemas da Justiça
Criminal: “In dubio pro reo”.

69. “À Acusação é que incumbe provar todas as condições que a


lei exige para a incriminação do fato arguido” (Inocêncio
Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, vol. I,
p. 415).

70. É doutrina de alçada universal que apenas a certeza


da autoria do crime permite a condenação do réu.
Dúvida, em Direito Penal, outra coisa não é
que ausência de prova, o que impede solução
condenatória.

71. Mais que simples referência à materialidade da


infração penal, importa que a prova reunida na
instrução evidencie a culpabilidade do acusado. Em
isto faltando, será imperioso absolvê-lo, por amor
daquele princípio comum de interpretação da dúvida,
recebido por todas as civilizações que se regem
segundo a Lei e o Direito: “In dubio pro reo”.

72. Sem prova plena e cabal de sua culpabilidade não há


condenar o acusado, ainda que o pior dos facínoras.

73. Em bom direito, é ponto vitorioso que, sem a certeza


da materialidade e da autoria da infração penal,
ninguém pode ser condenado. Esta é a regra de ouro
de todo o julgador.
337

74. É princípio fundamental em Direito que, se o autor


não prova, absolve-se o réu (“Actore non probante, reus
absolvitur”).

75. Na falta de comprovação da conduta criminosa do


réu, será força absolvê-lo em homenagem ao preceito
comum de interpretação da dúvida (art. 386, nº VII,
do Cód. Proc. Penal).

76. Pelas consequências graves que sói acarretar ao


indivíduo, uma condenação apenas se decreta em
face da certeza de que é culpado.

77. Se a prova dos autos não desfaz a dúvida quanto à


culpabilidade do agente, será bem que o Juiz o
absolva, por amor do princípio de curso universal:
“In dubio pro reo”. Mais que probabilidade da autoria
do crime, a condenação reclama certeza, que é sua
única base legítima.

78. Se precária a prova da autoria do furto imputado a


surdo-mudo, será força que o Juiz pronuncie o “non
liquet” e o absolva. Já assinalado pela mão de Deus,
seria impiedade, mais que injustiça, acrescentar-lhe o
infortúnio.

79. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor senão


justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa
Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111).

80. Se o conjunto probatório enseja dúvida acerca da


imputação do elemento subjetivo do tipo, o desfecho
mais consentâneo com as regras do Direito é
338

pronunciar o Juiz o “non liquet” e mandar o réu em


paz.

81. Se da prova dos autos é possível extrair duas


conclusões lógicas, deve o Juiz preferir a que favorece
o acusado, em razão do princípio geral de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.

82. Mais de um caso têm recenseado os anais forenses de


decisões que, louvando-se em meros indícios, foram
motivo e ocasião de deploráveis erros judiciários.

83. Na dúvida, a máxima de jurisprudência “In dubio pro


reo” é o farol que deve guiar o Juiz na decisão da
causa, sob pena de cair em erro grave (art. 386,
nº VII, do Cód. Proc. Penal).

84. Por prevenir injustiças, a sabedoria das nações


confiou à eternidade do bronze e à prudência dos
julgadores o clássico preceito: “In dubio pro reo”.

85. Muito para meditadas são estas palavras do velho


Min. Cândido Lobo: “Só condeno por prova que me
deixe a consciência tranquila” (apud Heleno Cláudio
Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II,
p. 469).

86. Se os autos deparam ao Juiz indícios da culpabilidade


do réu, sem no entanto afastar-lhe de todo a
possibilidade de inocência, é caso de absolvição, em
obséquio ao venerando princípio que informa os
processos criminais: “In dubio pro reo”.
339

87. A codenação, ainda que de indivíduo de sombria


nomeada nas expansões da criminalidade, requer
prova plena e cabal da existência do fato e certeza de
sua autoria. Neste ponto, deve o Juiz timbrar de
escrúpulos, não venha a condenar alguém com base
em vagos e remotos indícios, fonte de clamorosos
erros judiciários.

88. É princípio geralmente recebido que apenas a certeza


autoriza a condenação do réu. Em caso de dúvida –
presente, por força, no processo-crime onde o réu
nega o que a vítima afirma –, a solução mais
prudente será a que o absolver por insuficiência de
prova (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).

89. A integração do tipo do art. 173 do Cód. Penal (abuso


de incapazes) requer prova boa da falta de higidez
mental da vítima, poderosa a incapacitá-la para
deliberar segundo as leis da razão. Do contrário,
justifica-se a absolvição do réu à luz do princípio
tutelar da inocência: “In dubio pro reo”.

90. “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve


ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como
qualquer expressão algébrica” (Rev. Tribs., vol. 619,
p. 267).

91. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade


do acusado, são necessárias, para sua condenação,
provas tão claras como a luz meridiana: “(…)
probationes luce meridiana clariores” (cf. Giovanni
340

Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale,


1950, p. 111).

92. “O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos


domínios do Direito Penal. Persiste ainda hoje a máxima
de Ulpiano: Cogitationis poenam nemo patitur. Ou, como
falam os italianos: Pensiero non paga gabella (o
pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção
todos podem cometer crimes” (E. Magalhães Noronha,
Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).

93. “Dúvida, in poenalibus, deve ser decidida pro libertate”


(Nélson Hungria; apud J. Didier Filho, Direito Penal
Aplicado, 1957, p. 8).

94. Na dúvida se o acusado é traficante ou usuário de


droga, deve prevalecer a hipótese mais favorável do
art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), em
atenção ao princípio “In dubio pro reo”, que preside
soberanamente as deciões da Justiça Criminal.

95. Ainda que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano,


limitado em suas percepções, não alcance a verdade,
nas mais das vezes, senão por via indireta – “Lo
spirito umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva il
più spesso, alla verità che per via indiretta” (La Logica
delle Prove in Criminale, 1895, vol. I, p. 43) –,
não parece de bom exemplo suprir pela força do
raciocínio a lacuna da prova.
341

96. “Sêneca, que viveu e floresceu três séculos antes de Cristo,


deixou, entre outros, este pensamento admirável: julgar
alguém sem ouvi-lo, é fazer-lhe injustiça, ainda que a
sentença seja justa” (Vicente de Azevedo, Curso de
Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 93).

97. “Os indícios não têm a necessária consistência e força


persuasiva da verdadeira prova, pelo que não bastam para
justificar qualquer sentença condenatória” (Auto Fortes,
Questões Criminais, 1a. ed., p. 123).

98. A biografia social do indivíduo, ainda que verdadeiro


sudário de crimes, não basta para imprimir-lhe na
fronte o estigma de culpado; para sua punição faz-se
mister prova maior de toda a dúvida.

99. É lei de todos os tempos que condenação exige


certeza. Dúvida, em questões criminais, interpreta-
-se por falta de prova, o que impede condenação.
Sentença que absolve o réu, porque frágil e precária a
prova, é desfecho razoável para a causa e lance de
prudência humana, apanágio de todo julgador (art.
386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).

100. “Na interpretação das leis, mais importante do que o


rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa
e humana solução” (Goffredo Telles Junior, A Folha
Dobrada, 1999, p. 163).
342

Notas

(1) Apud Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes


Julgamentos, 4a. ed., p. 218).
(2) STF; ARE nº 964.246-SP; Plenário; rel. Min. Teori
Zavascki; j. 11.11.2016; m.v.
(3) Vocabulário Jurídico, 3a. ed., t. III; v. presunção; Editora
Forense. Foi a seu autor, já reputado clássico – Oscar
Joseph De Plácido e Silva (1892—1963) – que tomei
por guia e referência, elaborando este singelo artigo. À
licença de citá-lo em plenitude somei a ousadia de
transcrever-lhe, “ipsis litteris virgulisque”, vários passos
de sua inestimável obra. Nem saberia, tratando-se de
conceitos e definições, escusar termos próprios e
lapidares em favor de outros, que os haveria decerto no
cabedal da língua, porém imprecisos e equívocos.
Foi-me forçoso, por isso, recorrer servilmente à lição
do egrégio vocabulista. Em todo o caso, dei curso à
prática vulgar, inspirada na metáfora da abelha, que
recolhe, nos luxuriantes jardins, a matéria-prima com
que irá deleitar o gosto a terceiros. É o que lhe quisera
oferecer, amável leitor!
(4) Nisto de indício (falho, porém) depara-nos a literatura
amostra frisante: O Caso do Padeirinho de Veneza.
Refere-o, em livro notável assim pela substância como
pela forma, o eminente Des. João Martins de Oliveira,
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
343

“Em 1507, pela madrugada, foi assassinado um homem em


Veneza e seu cadáver estava na rua. Passando pelo local, o
moço Pedro Faciol, modesto padeiro, viu o corpo e ficou a
admirar o punhal manchado de sangue. A arma era rica.
Apoderou-se dela e ia retirar-se, quando soldados que se
aproximavam e o viram inclinado junto ao cadáver o
perseguiram e prenderam, encontrando o instrumento do
crime em seu poder. À vista do flagrante, foi submetido a
tormento, confessou o assassinato e foi enforcado a 22 de
março de 1507. Descobriu-se, depois, o verdadeiro autor do
crime. Diz-se que, por causa deste erro, a administração local
mandou escrever, em tinta vermelha, na parede da sala dos
julgamentos, a frase: Ricordatevi del povero fornaio
(Recordai-vos do pobre padeiro), e estas palavras eram
repetidas, em voz alta, por um funcionário, antes dos
pronunciamentos dos julgadores” (Revisão Criminal, 1a. ed.,
p. 45; Sugestões Literárias S.A.; São Paulo). Ainda:
Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1994, p. 170;
Editore Ulrico Hoepli; Milano.
XV. A Reforma de Sentença pela
Segunda Instância

I. Isto de não se conformar o indivíduo com uma


decisão que lhe seja desfavorável é próprio da condição
humana; ensinou-lhe esta, com efeito, já na primeira
infância, que ficar vencido, ou desonrado, tudo é um!

Perante os fatos da vida, a resignação ao infortúnio,


quando ainda era possível reagir (e talvez superá-lo),
argui uma como tibieza e pusilanimidade, qualidades
incompatíveis com o homem de brio. Donde a máxima de
sabedoria, que se aprende com o leite materno: Viver é
lutar.(1)

Isso bem entendeu e pregou, forte em Kant, o


profundo Rudolf von Ihering, em seu livro famoso: Aquele
que se deixa rastejar “como um verme nunca deverá queixar-se
de que foi calcado aos pés”.(2)

Nas disputas judiciais passa o mesmo: a parte


sucumbente, sobretudo quando se tem na conta de vítima
de injustiça, não perdoa a tempo nem a sacrifício para
repará-la. É o que sucede as mais das vezes.

O que fia da Justiça a solução de suas pendências nem


sempre adverte, no entanto, que, na esfera judicial, não
basta alegar o direito, é mister comprová-lo sem falta.
Ainda: antes da sentença, ninguém tem razão!

Mas, a dar-se o caso que, havendo-se embora


desempenhado regularmente do ônus da prova, o litigante
346

venha a decair da causa, poderá apelar da decisão para a


superior instância.

Na Justiça Criminal essa praxe é observada sem


quebra: o réu apela por força, que não lhe sofre o ânimo
trazer na fronte o estigma de condenado!

Daqui o existir o duplo grau de jurisdição, pedra de


toque da ordem jurídica nos regimes democráticos.

Conquanto não falte voz em contrário,(3) os dados da


experiência vulgar autorizam a afirmação de que, ainda
quando obrem com sumo desvelo, também os juízes estão
sujeitos a erros. Numa palavra: todos conjugamos o verbo
errar!

Tratando-se porém de erro do juiz em seu ofício, não


há senão atender ao prudente alvitre de Rui: “Melhor será
que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não
corrija” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 46).

A razão por que se instituiu a via recursal deu-a


pontualmente o mesmo excelso jurista, em texto que
merece reproduzido assim pelo teor como pela forma: “O
bom-senso humano, em todos os tempos, tem reconhecido não
ser lícito abandonar a sorte da lei comum e dos direitos por
ela assegurados às contingências do julgamento por um
só tribunal. Daí a concepção das instâncias, dos recursos
e, especialmente, das apelações, destinadas a corrigirem, mediante
segundo exame do caso em cada lide, os vícios, omissões e nulidades
do processo, os erros, abusos e injustiças da sentença” (Rui
Barbosa, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 169).
347

O uso de recorrer já o reputava Ulpiano remédio


salutar, “que se criou para emendar a iniquidade e reparar a
imperícia dos julgadores (ibidem).

II. Apelar da sentença não significa, “a priori”, que ela


encerre vício ou defeito, apenas que assiste ao apelante o
direito de vê-la apreciada pela superior instância.

Por outro lado, não há presumir que, por isso mesmo


que dela apelara a parte, deva-a forçosamente reformar o
Tribunal.

No que respeita ao processo criminal, a cautela do


juiz (e talvez melhor disséramos escrúpulo) muito sobe de
ponto, pois tem entre mãos não menos que a liberdade,
bem supremo, sem o qual a própria vida parece não
merecia os cuidados que lhe costumamos dispensar.

Apertando mais o argumento: é lance de bom aviso


considerar com prudência (e até mesmo com reserva)
pedido de reforma de decisão que, na primeira instância,
absolveu o réu. Mais de uma razão o justifica e recomenda.
O juiz da causa, se absolveu o réu, presume-se –
ordinariamente falando – que era o mais apto a fazê-lo:
próximo do fato, conhecia-lhe melhor as circunstâncias; ao
demais, inquiriu as testemunhas, interrogou o acusado (e,
destarte, surpreendeu-lhe as reações anímicas e informou-
-se dos traços mais vivos de seu caráter); foi ele, por fim,
o que ordenou a realização das diligências necessárias à
instrução do processo.
348

Tal sentença – expressão da verdade sabida e


provada, aferida conforme os ditames da consciência do
magistrado e com observância dos preceitos da lei – tem,
porque assim o digamos, selo de justiça e padrão de
veracidade, que a tornam maior de todo o erro.

A assinatura do juiz na decisão que absolveu o réu


será, portanto, um novo argumento de sua inocência,
bastante a abalar, por temerário, o esforço de modificá-la.

A prática de decidir com demasiado rigor e render


culto irrestrito aos ápices da lei nunca mereceu aos espíritos
retos e generosos aprovação e louvor, como consta da
veneranda parêmia: “Summum jus, summa injuria”.(4)

À derradeira, os que julgam, notadamente os que se


arrogam a função de palmatória do mundo, não lhes
esqueça aquilo de um exímio e lúcido escritor: “Muitas
vezes, na emenda é que está o erro!”. (5) Ou, mais ao nosso
intento, a discreta lição de Mário Guimarães, em livro a
todos os respeitos notável: “A ciência do Direito é tão difícil e
tão falível o entendimento humano, que bem pode acontecer que o
juiz de segunda instância, supondo estar com a razão, seja quem,
na verdade, labore em erro”.(6)

III. Adotou esse critério de ponderação e razoabilidade o


Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, ao
confirmar, pelo acórdão adiante reproduzido em sua
inteireza, sentença que absolvera certo réu da acusação de
roubo.
349

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.257.229/9


Comarca: São Paulo
Apelante: Ministério Público
Apelado: JCSS

Voto nº 3156
Relator

— O princípio geral de que toda a decisão


condenatória deve assentar em prova
plena e cabal (não só da materialidade
do fato criminoso, senão também da
autoria e culpabilidade do agente)
manda afastar da cabeça do réu o gládio
da Justiça, nos casos de dúvida
invencível.
350

— Muita cautela devem ter os órgãos


do Poder Judiciário ao reexaminar
processo em que, na Primeira Instância,
foi o réu absolvido. É que, mais
próximo da causa e em contacto direto
com o réu e testemunhas, como que
inspiram o Juiz notáveis e puros
influxos da Verdade. Donde a geral
concepção de que, a assinatura do
Juiz em sentença absolutória deve
interpretar-se por um novo e venerável
testemunho a favor da inocência do réu.

— Mais de um caso têm recenseado


os anais forenses de decisões que,
louvando-se em meros indícios, foram
motivo e ocasião de deploráveis erros
judiciários.

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o MM.


Juízo de Direito da 10a. Vara Criminal da Comarca da
Capital, absolvendo JCSS da imputação de infrator do art.
157, § 2º, ns. I e II, do Código Penal, interpôs recurso para
este Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, o
ilustre representante do Ministério Público.

Nas razões de recurso, afirma que o eminente


Julgador não se houvera com o costumeiro acerto ao
absolver o réu, pois que o não autorizavam as provas dos
autos; pelo que, espera que a colenda Câmara lhe proveja o
recurso para condená-lo nos termos da denúncia (fls.
151/154).
351

A nobre Defesa apresentou contrarrazões de recurso,


nas quais repeliu a pretensão da Promotoria de Justiça e
propugnou a manutenção da r. sentença de Primeiro Grau
(fls. 157/163).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em sólido e


ponderado parecer do Dr. Plínio Antonio de Britto Gentil,
opina pelo provimento da apelação (fls. 170/172).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público deu denúncia contra o


réu porque, no dia 5 de maio de 2000, pelas 13h, na Rua
Ilha de São Francisco, nesta Capital, obrando em concurso
e identidade de propósitos com os adolescentes FALF e
RAS, subtraíra para si, mediante grave ameaça exercida
com o emprego de arma de fogo contra Sinval Gomes da
Silva, a motocicleta Honda/CBR-450, placa BRW-8322.

Reza a peça de introito da ação penal que o réu


transportara os adolescentes em seu veículo até às
proximidades do local dos fatos, onde desceram e
dirigiram-se à vítima. Reinaldo, arma em punho, anunciou-
-lhe tratar-se de assalto. Após subjugar a vítima, os
adolescentes subiram na motocicleta e evadiram-se,
enquanto o réu os aguardava nas proximidades, dentro do
automóvel, dando-lhes cobertura.

Consumado o roubo, os adolescentes e o réu foram


detidos em flagrante delito, dentro do mencionado carro.
352

Instaurada a persecução criminal, tramitou o processo


na forma da lei; a r. sentença de fls. 147/149 absolveu o réu,
sob o fundamento da insuficiência de prova.

O combativo Dr. Promotor de Justiça, no entanto,


dissentindo do desfecho da causa, manifestou recurso para
esta augusta Corte de Justiça.

3. A despeito dos bons esforços e talentos do ilustre


representante do Ministério Público, tenho que a r.
sentença de Primeiro Grau merece mantida, por isso
mesmo que proferida segundo a prova dos autos e as regras
do Direito e da Justiça.

Na real verdade, suposto veementes os indícios da


responsabilidade criminal do réu, falecem elementos de
certeza de que tenha concorrido para a prática da infração
penal.

Interrogado em Juízo, negou o réu a imputação


(fl. 61 v.).

A vítima Sinval Gomes da Silva, inquirida na


instrução criminal, declarou não reconhecia o réu, ainda
que discorresse do roubo e de suas circunstâncias (fl. 93).

A testemunha Silvana, essa narrou ter visto os


menores a apontar arma para a vítima e exigir-lhe a entrega
da motocicleta. Ajuntou que não viu o réu (fl. 94).
353

As testemunhas ouvidas em obséquio da Defesa


emolduraram o caráter do réu, dando-o por “bom menino e
trabalhador” (fls. 130/131).

Dos policiais que o detiveram nenhum foi ouvido em


Juízo. Nenhuma testemunha, ao demais, indigitou com
segurança o réu como ao terceiro que, à direção de
um veículo do tipo Fusca, estava a dar cobertura aos
malfeitores.

Destarte, ainda que o réu, na quadra do inquérito


policial, sem razão conhecida, tivesse caído em profundo
silêncio e os adolescentes o incriminassem no auto de
prisão em flagrante, não oferece o conjunto de provas a
certeza indispensável à edição de decreto condenatório.

De feito, ninguém o viu transportar os autores do


roubo à casa da vítima; ninguém o reconheceu como o
motorista que lhes deu fuga.

Assim, embora fortes indícios possam prendê-lo à


prática ilícita, falece elemento cabal de convicção de que o
réu, deveras, tenha delinquido, isto é, tenha aderido, com
sua vontade, à ação dos menores infratores.

4. O princípio geral de que toda a decisão condenatória


deve assentar em prova plena e cabal (não só da
materialidade do fato criminoso senão também da autoria e
culpabilidade do agente) manda afastar da cabeça do réu o
gládio da Justiça, nos casos de dúvida invencível.
354

Isto mesmo proclamam nossos Tribunais:

“Não basta para a concretização de uma sentença


condenatória a simples soma de indícios, por mais veementes
que sejam em desfavor do acusado. Ainda mais quando tais
indícios foram devidamente contrariados por ampla prova
em sentido contrário, restando sérias dúvidas que, em
matéria penal, equivalem à ausência de provas” (Rev.
Tribs., vol. 436, p. 346).

À derradeira, muita cautela devem ter os órgãos do


Poder Judiciário ao reexaminar processo em que, na
Primeira Instância, foi o réu absolvido. É que, mais
próximo da causa e em contacto direto com o réu e
testemunhas, como que inspiram o Juiz notáveis e puros
influxos da Verdade.

Donde a geral concepção de que, a assinatura do Juiz


em sentença absolutória deve interpretar-se por um novo e
venerável testemunho a favor da inocência do réu.

Mais de um caso têm recenseado os anais forenses de


decisões que, louvando-se em meros indícios, foram motivo
e ocasião de deploráveis erros judiciários.

A decisão apelada, destarte, sem embargo do fulgor da


argumentação deduzida no apelo, não aberrou da lógica do
razoável, que é a que deve professar o Magistrado;
mantenho-a, por isso, pelos bons e jurídicos fundamentos
que lhe deu o distinto e culto Magistrado Dr. Sérgio
Godoy Rodrigues de Aguiar.
355

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 27 de julho de 2001

Carlos Biasotti
Relator

Notas

(1) Em elegante ritmo, cantou Gonçalves Dias:


“Viver é lutar.
A vida é combate
que os fracos abate,
que os fortes, os bravos,
só pode exaltar” (apud Fausto Barreto e Carlos de Laet,
Antologia Nacional, 41a. ed., p. 366).
(2) A Luta pelo Direito, 16a. ed., p. IX; trad. João
Vasconcelos; Editora Forense.
(3) Posto se referisse, em especial, à “res judicata” (coisa
julgada), que encerra uma presunção de verdade,
escreveu Giffard: “Os juízes, por definição, não podem
enganar-se” (apud Valdemar César Silveira, Dicionário
de Direito Romano, 1957, vol. II, p. 588). É todavia a
opinião de Mílton Campos a que responde melhor ao
caso: “Errar é humano, e seria crueldade exigir do
juiz que acertasse sempre. O erro é um pressuposto da
organização judiciária que, por isso mesmo, instituiu sobre
a instância do julgamento a instância da revisão” (apud
356

João Martins de Oliveira, Revisão Criminal, 1a. ed.,


p. 63).
(4) Justiça excessiva torna-se injustiça (Cícero, “De
Officiis, I, 10, 33).
(5) Matias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens,
1752, p. 188.
(6) O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 364; Editora
Forense. Verdadeiro vade-mécum do juiz, granjeou
este livro tal nomeada entre os que fazem profissão da
vida forense, que se lhe pode aplicar, à guisa de elogio,
a expressão original e feliz que D. Francisco Manuel
de Melo cunhou para caso análogo: “Livro de cabeceira
e sovaco” (cf. Clementino Fraga, in Revista de Língua
Portuguesa, nº 15, p. 17).
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula;
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora
Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência);
69. Indenização (Doutrina e Jurisprudência);
70. Desistência Voluntária (Doutrina e Jurisprudência);
71. A Embriaguez e o Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
72. Embargos de Declaração (Doutrina e Jurisprudência);
73. A Estrada Real do Direito;
74. Coautoria (Doutrina e Jurisprudência);
75. Medida de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
76. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros: Rui Barbosa;
77. Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo
Tribunal Federal);
78. A Mentira perante a Justiça;
79. Da Ameaça (Doutrina e Jurisprudência).
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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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