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AZEVEDO, PO. Recôncavo: território, urbanização e arquitetura. In: CAROSO, C., TAVARES, F.,
and PEREIRA, C., orgs. Baía de todos os santos: aspectos humanos [online]. Salvador: EDUFBA,
2011, pp. 205-253. ISBN 978-85-232-1162-2. Available from SciELO Books
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BTS_2.indb 204 01/12/2011 12:01:46
Re côncavo:
território,
urba nização e
a rquitetura
Paulo Ormindo de Azevedo
O Recôn cavo f í si co
Com o nome de Recôncavo é conhecida desde o século XVII a faixa de terra
formada por mangues, baixios e tabuleiros que contornam a Baía de Todos os Santos.
Um “anfiteatro” com três degraus tendo como palco a Cidade do Salvador e como
“orquestra” a Baía de Todos os Santos. O Recôncavo é uma região de topografia baixa,
com exceção da zona de Cruz das Almas, onde a altitude média é de 200m.
Geologicamente a região é formada por uma fossa tectônica preenchida
por sedimentos cretáceos que segue em direção NE, terminando no baixo São
Francisco. Esta faixa sedimentar argilosa ou argilo-arenosa representa 60% da
área do Recôncavo e é limitada a leste pela Falha de Salvador e a oeste pela Falha
1 Situado a 13º de latitude sul, o Recôncavo apresenta um clima caracterizadamente tropical. Nas ilhas e na área
situada a SW da baía a precipitação pluviométrica anual é superior a 2.000mm. Nas zonas altas e secas a precipita-
ção não é inferior a 800mm.
2 O massapé ocorre em muitos municípios do Recôncavo, como Cachoeira (Iguape), Candeias, Itaparica, Mata de
São João, Pojuca, Santo Amaro, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho, Teodoro Sampaio e
Terra Nova.
3 Assinale-se em Entre Rios, o Engenho Buri; em Cardeal da Silva, os engenhos Cambuís e da Barra; em Conde, o
Engenho Rio Branco; em Nilo Peçanha, o antigo Engenho Mutumpiranga; e em Taperoá, o antigo Engenho Bom
Retiro.
U ma r e d e d e p o r to s, p ou sos e rótu l as
4 Segundo o IBGE, a Microrregião do Recôncavo (151) compreende os municípios de Amélia Rodrigues, Aratuípe,
Cachoeira, Conceição de Feira, Conceição do Almeida, Conceição do Jacuípe, Cruz das Almas, Dom Macedo Costa,
Governador Mangabeira, Itaparica, Jaguaripe, Maragogipe, Moniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Salinas da Margarida,
S. Amaro, S. Antônio de Jesus, S. Félix, S. Felipe, S. Gonçalo do Campo, S. Sebastião do Passé, Sapeaçu, Teodoro
Sampaio, Terra Nova e Vera Cruz.
5 Originalmente, a RMS compreendia: Salvador, Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Filho, Candeias, Vera Cruz, S.
Francisco do Conde e Itaparica. Houve dois desmembramentos de municípios e a inclusão, pelo Estado da Bahia,
em 2008, de Mata de São João e S. Sebastião de Passé e, em 2009, de Pojuca.
6 Dados disponíveis em: <www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/cartogramas/território_identidade/pdf//reconca-
vo.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2010. O T. de Identidade no. 21, RMS, compreende: S. Sebastião do Passé. S. Francisco
do Conde, S. Amaro, Saubara, Cachoeira, S. Félix, Governador Mangabeira, Muritiba, Cabaceiras do Paraguaçu,
Cruz das Almas, Maragogipe, Sapeaçu, Castro Alves, Conceição do Almeida, S. Felipe, D. Macedo Costa, Nazaré e S.
Antônio de Jesus.
A ldeia s Je su í t i cas
Algumas cidades da hoje Região Metropolitana de Salvador (RMS) nasceram
de missões jesuíticas transformadas em vilas, quando da expulsão da ordem pelo
marquês de Pombal, em 1759. Elas formavam uma rede ao longo do Litoral Norte,
que ligava Salvador a Olinda e servia de pouso a boiadas e tropas de mulas. O melhor
exemplo conservado desse urbanismo é a Vila de Abrantes, antiga aldeia do Divino
Espírito Santo, fundada em 1558, em Camaçari, embora seu terreiro tenha sido
reduzido em um terço no início da década de 1960. A rede incluía ainda as aldeias
de São João, atual Mata de São João, e Santo Antônio do Arguim, ou Massarandupió,
no mesmo município.
Povo a çõ es de E ngenho s
Nas vilas criadas no final do século XVII, as funções de sentinela e administração
foram logo sobrepujadas pela portuária, como ocorreu em Salvador. Cachoeira
foi precedida, ainda no final do século XVII, pela aldeia jesuítica de Santiago do
Iguape, mais próxima da foz do Paraguaçu. A preponderância das funções portuária
e comercial sobre as demais fez com que povoações mais interioranas situadas no
limite de navegação desses rios tivessem maior crescimento, como é o caso de
Nazaré das Farinhas, Cachoeira e Santo Amaro. Além do mais, elas se especializaram,
a primeira como porto de subsistência e materiais de construção, a segunda como
porto fumageiro e a terceira como açucareiro, o que evitou a concorrência entre
elas. (SANTOS, 1998, p. 70-71)
Nos três casos, engenhos deram origem a povoações que antecederam a cria-
ção das sedes administrativas. Jaguaripe, na foz do mesmo rio, controlava a entrada
a uma rica bacia de produção de mandioca, materiais de construção – madeira,
pedra, cal, telha, tijolo – e utensílios de cerâmica. Ainda no final do século XVI, ali
teve engenho Gabriel Soares de Souza. Nazaré das Farinhas, situada no limite de
navegação do mesmo rio Jaguaripe, nasceu também de um engenho pertencente
a Fernão Cabral de Athaíde (1584).
D a ca sa - gra n d e à ma tri z
O s a to re s
A formação de uma arquitetura religiosa típica do Recôncavo não tem uma
única origem. Ela resulta da contribuição de diferentes ordens religiosas, do clero
secular e de laicos reunidos em comunidades rurais e urbanas. Destacam-se entre as
ordens religiosas os franciscanos e entre os laicos as ordens terceiras ou irmandades.
Pequena foi a presença de conventos de freiras no Recôncavo. Assinale-se apenas
o de N. S. dos Humildes (1793-1870), em Santo Amaro, construído e reformado ao
longo de quase um século por diversos capelães.13
j esuíta s
A atuação dos padres da Cia. de Jesus no Recôncavo se concentrou em Salvador,
e no Litoral. Em Salvador eles tinham o Colégio de Jesus, fundado em 1549 e am-
pliado três vezes, a última em 1657-72; o Noviciado da Anunciada da Jequitaia, ou
Colégio dos Órfãos de São Joaquim (1706-28); o Seminário de Nossa Senhora da
Conceição (1756-57), no Solar do Ferrão, além da Quinta do Tanque, (final do século
XVI) e a Casa de Oração (1757).14 Fora de Salvador, à margem da Baía de Todos
os Santos, tinham a Capela de Escada, na atual Av. Suburbana, doada por Lázaro
Arévolo, em 1572.
No Recôncavo possuíam as aldeias de Santo Antônio do Iguape (1561), em
Cachoeira, e Santo Antônio dos Índios, em Aratuípe, a Fazenda de Nossa Senhora
da Penha, em Vera Cruz, doada em 1689 pelo Pe. José de Andrade e Sá na condição
de construírem uma capela.15 Eram proprietários, também, do engenho Real de
Sergipe, em São Francisco do Conde, doado ao Colégio de Santo Antão de Lisboa
por D. Felipa de Sá, filha de Mem de Sá, casada com Dom Fernando de Noronha,
Conde de Linhares. O engenho fora construído por seu irmão, Francisco, em 1563.
Em seu território os jesuítas edificaram a igreja de N. S. da Purificação, que ruiu em
1678, e eles não a reconstruíram mais.
12 Ver: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia - IPAC-Ba, Coordenado por Paulo Ormindo de Azevedo (1984,
v. 1; 1982a, v. 2; 1982b, v. 3; 1980, v. 4; 1988, v. 5; 1999, v. 6).
13 Confira Azevedo (1982a, v. 2, p. 109).
14 Ver: Azevedo (1984, v. 1, p. 23,75,153, 219, 229).
15 Ver: Azevedo (1984, v. 1, p. 95; 1982a, v. 2, p. 25, 267; 1982b, v. 3, p. 19, 125; 1980, v. 4, p. 117, 159).
fra nc isca no s
A ordem religiosa que teve maior influência no Recôncavo e no Nordeste foi
a franciscana. Além do Convento de São Francisco de Salvador, eles fundaram três
grandes estabelecimentos no Recôncavo, os conventos de São Francisco do Conde
(1649), Santo Antônio de Cairu (1654) e Santo Antônio do Paraguaçu (1658).18 Nesses
dois últimos é lançado um novo partido arquitetônico que seria reproduzido em
Pernambuco e na Paraíba criando-se a chamada Escola Franciscana de Arquitetura
do Nordeste. Esta é, talvez, a nossa maior contribuição à arquitetura religiosa luso-
-brasileira. Os franciscanos tiveram missões no sertão, em Jacobina, e nas barrancas
do São Francisco.
beneditino s
Em 1655, os Beneditinos recebem de D. Catarina Álvares, casada com Balthazar
Barbosa de Araujo, a Fazenda Laje, em São Francisco do Conde. Ali instalam o Engenho
São Bento de Sergipe do Conde onde, no final do século XIX, foi construído o Imperial
Instituto Baiano de Agricultura. Em 1666, eles compram mais terras de Balthazar
ca r melitas
A contribuição desta ordem é importante, mas se resume a um único convento
em Cachoeira. Em 1688, o Cap. João Rodrigues Adorno e sua esposa doaram aos car-
melitas o terreno onde hoje se ergue o Convento do Carmo de Cachoeira, construído,
provavelmente, entre 1715 e 1722. Em 1700, o mesmo casal doou terreno para a
Ordem Terceira do Carmo que ali constituiu entre 1691 e 1724 sua belíssima capela e
cemitério. O Convento do Carmo teve um papel importantíssimo na consolidação e
estruturação da vila de Cachoeira. A capela da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira
e o Convento de Santo Antônio de Cairu conservam as mais belas talhas douradas
e coleções de imagens sacras de todo o Recôncavo.20
A s i n f l uê ncias
No Recôncavo conviveram praticamente desde meado do século XVI ao final
do XVIII dois estilos na arquitetura erudita. Um de natureza clássica, universal e codi-
ficada, cujas soluções devem ter sido encontradas nos tratadistas do Renascimento, e
outra barroca, não codificada, de raiz italiana e ibérica, em grande parte reelaborada
O c lá ssico, do er udito a o p op u l ar
Clássicas são as igrejas com frontão triangular apoiado sobre cunhais toscanos
que imitam templos greco-romanos, sem sineira, ou mais frequentemente com torre
piramidal, que têm como protótipo na Bahia a Igreja de Santo Antônio da Barra, de
cerca de 1600. São exemplos desta tipologia igrejas do século XVII, como Divino
Espírito Santo, da Vila de Abrantes (1641), em Camaçari; as capelas de São Braz, em
Santo Amaro; Conceição Velha (1645), em Conceição de Feira; Nossa Senhora de
Nazaré (1649), em Nazaré das Farinhas; e as matrizes de São Bartolomeu (Ca. 1680),
de Maragogipe, e N. S. do Rosário de Cachoeira, do final do século XVII, estas duas
últimas já com belas portadas barrocas.
Mas este estilo continuou em uso durante todo o século XVIII, como atestam
a Igreja da Ordem Terceira do Carmo (1724) e a capela de N. S. da Pena, do Engenho
Velho do Paraguaçu, ambas em Cachoeira; São Miguel (1732) e São Lázaro (1734)
em Salvador; a capela de N. S. da Conceição, em Nazaré (1742) e a Matriz de São
Gonçalo dos Campos (1770).21
Como esses modelos teriam chegado até nós? Provavelmente por meio dos
tratados de arquitetura, em especial o de Sebastiano Serlio, e indiretamente através
de arquitetos de formação acadêmica. Dom Clemente Maria Silva-Nigra defende que
este estilo foi difundido entre nós pelos beneditinos, em particular pelo Frei Macário
de São João, espanhol, autor do projeto do Mosteiro de São Bento de Salvador (1679-
94). Arquiteto de formação acadêmica sólida, ele adota na igreja daquele mosteiro
a planta jesuítica de Il Gesú (1584) de Roma, de autoria de Giacomo Vignola, a mais
festejada na época e desenha uma portada clássica para a igreja de seu mosteiro,
seguindo todos os cânones do Renascimento. (SILVA-NIGRA, 1950a, 1950b)
Pelo fato do convento de Santa Tereza (1668-1686), de carmelitas descalças,
apresentar a mesma planta, pórtico em galilé e frontão clássico, elementos frequen-
tes em igrejas beneditinas, o mesmo autor atribui seu projeto a Frei Macário de
São João. Não só é plausível esta hipótese, como ousamos dizer que Santa Teresa
é uma cópia, ao pé da letra, do convento dos Trinitários Descalços (1667), depois
paróquia de San Pablo, de Salamanca, região de onde aparentemente provinha o
frei espanhol. Ali estão a mesma fachada, com três arcos no térreo, janela e nicho
central, flanqueada de cartelas, a mesma espadaña lateral e zimbório de planta
quadrada. Esta semelhança pode ser uma chave para esclarecer a origem e formação
do arquiteto beneditino.22
21 Ver Azevedo (1984, v. 1, p. 29, 63, 107; 1982a, v. 2, p. 127; 1982b, v. 3, p. 41, 47, 121, 193, 249-252, 367).
22 Descobrimos este monumento em viagem a Salamanca, Espanha, em 2001.
A influên ci a or i e nt al
Em Cachoeira são abundantes os vestígios de arte oriental. Na igreja do
Seminário de Belém de Cachoeira (1687-95) existem dois desses indícios: a pintura
do teto de sua sacristia com flores chinesas sobre fundo negro e pratos da mesma
origem na sua torre revestida de azulejos e embrechados de louça. Esta influência
27 Vide reprodução dessas pinturas em Telles (1975, p. 88, 106, 107) e Flexor (2007).
28 Vide Azevedo (1982b, v. 3, p. 113; 1988, v. 5, p. 39).
Ba r ro co re gi onal
As igrejas barrocas baianas adotam uma volumetria muito sóbria, na linha da
chamada arquitetura chã portuguesa. Não possuímos igrejas de plantas ondulantes,
borrominescas, como as que floresceram em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Seu
barroquismo se limitou a uma fachada com frontão de volutas ou recorte rococó,
torres piriformes ou bulbosas e interiores com azulejos e talha dourada, a exemplo
da capela da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira (1715-22); das matrizes de Nossa
Senhora da Purificação (1706-27) e Oliveira dos Campinhos, em Santo Amaro; Nossa
Senhora da Ajuda, de Jaguaripe (início do XVIII); da capela do Engenho Freguesia (ca.
1760), em Candeias, e de numerosas outras igrejas do Recôncavo, muitas das quais
são originárias do século XVII, mas tiveram suas fachadas refeitas no século XVIII.29
Como no caso anterior, devemos perguntar de onde vieram esses modelos?
Como o barroco nunca foi codificado, o desenho desses frontões se difundiu a
partir das primeiras igrejas barrocas da região, como a Sé de Salvador (1625-36),
reconstruída depois da ocupação holandesa e demolida em 1933, e de igrejas de
conventos franciscanos, a exemplo de São Francisco do Conde (1649), Santo Antônio
de Cairu (1654), Santo Antônio do Paraguaçu (1658 ) e Salvador (1686), esses sempre
com um nicho para a exibição da imagem do orago, e de igrejas jesuíticas, como a
do Colégio de Salvador (1691) e do Seminário de Belém de Cachoeira (1693).
Esses frontões diversos vão sendo copiados, modificados e mesclados, surgindo
um padrão barroco baiano, que é diverso do pernambucano e de outros estados. Os
frontões com grandes volutas, servindo de contraforte para um corpo central mais
elevado, vão se transformando em um arranjo de volutas puramente decorativo
para terminar com frontões recortados miudinho de gosto rococó.
Ca pela s R ura is
A quase totalidade das capelas rurais fazia parte do complexo dos engenhos
de açúcar algumas, inclusive, anexas à casa-grande. Isto explica algumas de suas
características, como os copiares frontais e alpendres laterais, para separar os fiéis
brancos e pardos, geralmente familiares ou assalariados, dos escravos negros.
31 Confira Azevedo (1984, v. 1, p. 95; 1982a, v. 2, p. 45, 131, 249; 1982b, v. 3, p. 121, 179,219, 299)
32 Ver Azevedo (1982a, v. 2, p. 41, 255; 1982b, v. 3, p. 49, 249, 251). O alpendre fechado da capela de Vera Cruz está
registrado em aquarela de Diógenes Rebouças de 1939 de propriedade deste autor. Foi o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que os abriu na suposição que eram adições posteriores, sem valor histórico
e estético.
33 Confira Azevedo (1982a, v. 2, p. 35, 125, 127, 195, 215, 241, 261; 1982b, v. 3, p. 19, 129, 375). Sobre capelas de
engenho. (Vide AZEVEDO, E., 1990)
35 Confira Azevedo (1982a, v. 2, p. 101; 1982b, v. 3, p. 47, 169, 247, 367). Além das matrizes citadas, muitas outras igre-
jas apresentam plantas inscritas em retângulos perfeitos, sendo a primeira delas a de N. S. do Monte, s. 18 F, em
São Francisco do Conde. A relação inclui, ainda, as igrejas de N. S. das Candeias, s.18 F; São Domingos de Gusmão,
s. 18 M, em Santo Amaro; S. Antônio de Mataripe, s. 18 M, em S. F. do Conde; Cap. do Eng. Quicengo, s.19 I, em S. F.
do Conde; Cap. do Eng. Lagoa, 18 I, em S. S do Passé; Cap do Eng. Água Boa, s.19 I, em Terra Nova; Ig. de São Pedro
do Rio Fundo, s.18 M, em Terra Nova; Matriz de Santiago do Iguape, s.19 I; e Santana do Rio da Dona, s.19 I, em
Conceição do Almeida. Vide Azevedo (1982a, v. 2, p.37, 145, 169, 181, 187, 209, 215, 241, 243; 1982b, v. 3, p.125,
152).
Santo Antônio de João Pessoa nada mais é do que Cairu, interpretado em estilo
rocaille; é uma das mais magníficas composições da América Latina e possui
um dos mais belos décors produzidos pela arte rococó,
igrej a s d e t rê s nave s
Com a nova liturgia da contrarreforma, as igrejas de três naves são abolidas.
Mas na transição do século XIX para o XX algumas igrejas de corredores laterais, da
banda oriental do Recôncavo, são transformadas em três naves, aparentemente com
o intuito de aumentar sua capacidade. Esta transformação é feita com a abertura de
arcos nas paredes laterais da nave, como nas igrejas de Santo Amaro e São Domingos
de Gusmão, esta reformada em 1923 mantendo as tribunas superiores, ambas em
Santo Amaro. Na Igreja de Santana de Catu, reformada em 1871, e Bom Jesus de
Bouças, em Terra Nova, são criadas arcarias sobrepostas que procuram conciliar três
naves com tribunas.40
Em outros casos, os muros da nave são substituídos por pilares que vão suportar
o telhado, como na Matriz de Candeias e Ig. de São Pedro do Rio Fundo, em Terra
Nova. Encontramos apenas uma igreja de três naves na parte ocidental do Recôncavo,
a Igreja de São Benedito, em São Felipe, ampliada em 1947 com a abertura de arcos
e a criação de sacristias e naves laterais.
40 Azevedo (1982a, v. 2, ; 1982b, v. 3, p. 37, 53, 135, 145, 243, 245; 1982b, v. 3, p. 361).
U m co mplexo engenho so
A agroindústria açucareira implantada no Recôncavo e em Pernambuco, ainda
na segunda metade do século XVI, é talvez a primeira empresa multinacional. Ali
se juntaram capitais flamengos, tecnologia italiana, logística portuguesa, mão de
obra africana, produção brasileira e comercialização holandesa na Europa. Não
menos complexas eram as instalações para a produção do açúcar para o mercado
internacional.
Este complexo compreendia, por ordem de importância econômica, a fábrica,
a senzala, a casa-grande e a capela. Mas na sua implantação topográfica, esta escala
era invertida. A casa-grande e a capela ocupavam o ponto mais alto da topografia
para controlar e serem lembradas. A fábrica e a senzala ocupavam a posição mais
baixa do terreno, junto a um pequeno porto de saveiros, nos engenhos de beira-mar.
Havia alguma lógica nisto, para além de preconceitos sociais. Como se tratavam
de engenhos reais, que dependiam de quedas d’água, era natural que as fábricas
ficassem nos pontos mais baixos e próximas ao porto. Mas, mesmo quando os
engenhos se expandiram para o interior, no século XIX, e a roda d’água cede lugar
à almanjarra, esta hierarquia foi mantida.
a ca sa - gra nde
Muito já se escreveu sobre a casa-grande, tema inaugurado e romanceado por
Gilberto Freire. Os mais recentes e objetivos estudos sobre este tema no Recôncavo
se devem a Esterzilda Berenstein de Azevedo, que identificou quatro tipos dessas
residências patriarcais de engenho. (AZEVEDO, 1999) As casas de engenho dos sécu-
los XVII e XVIII, independente de tipologia, eram na quase totalidade assobradadas.
Esta disposição pode ser explicada, não só por razões de segurança, como devido à
estratificação social da sociedade da época e em particular dos engenhos. No térreo
ficavam quartos de hóspedes, estribarias e pequenos quartos que em muitos casos
serviam como senzalas, provavelmente para escravos domésticos. Mas em muitos
deles, especialmente na banda ocidental do Recôncavo, temos térreos ou porões
inteiramente vazados ou servindo indistintamente de depósitos.41
Nos andares superiores vivia a família e no sótão, criados de confiança. Todas
as vezes que a topografia permitia se entrava diretamente ao andar nobre, como
nos engenhos Cajaíba, Tarefas e São José, todos em S. Francisco do Conde, e Novo,
em Santo Amaro. Nesta categoria pode-se incluir também o Solar do Unhão, em
Salvador. Apenas casas-grandes construídas na zona de expansão dos engenhos,
41 Vide engenhos São Miguel e Almas, em S. F. do Conde; Terefas, em T. Sampaio; Itatingui, em S. S. do Passé; Embiara,
em Cachoeira; Fazendas Paty, em C. de Feira; e engenhos S. José, em Nazaré; Medrado; Caraípe; Chaves e Nova
Bury, em S. Felipe. Ver: Azevedo (1982a, v. 2, p. 179, 221, 235; 1982b, v. 3, p.115, 143, 295, 353-359).
ca sa s com p át i o
As casas-grandes com pátio são as maiores, mais robustas e nobres. Duas
delas exibem o brasão da família, as dos engenhos Freguesia e Cinco Rios. Outras
duas apresentam também pinturas no teto de suas capelas, o Freguesia e o Matuim.
A vigência dessa tipologia vai de 1683, com a casa-grande de João Rodrigues Argolo,
em Cachoeira, e termina em meados do século XVIII com as casas-grandes dos en-
genhos Matoim, Caboto, Freguesia, Cinco Rios e Paramirim, todos nas proximidades
da Baía de Aratu e construídos ou reconstruídos pela família Rocha Pita.
São casas assobradadas com dois, três e até quatro pavimentos. É possível
que a adoção dessa tipologia estivesse relacionada com razões de segurança. Vale
lembrar que mesmo em solares urbanos, como o Estrela e o do Museu do IPHAN, em
Cachoeira, há seteiras na sobreloja. De outra parte, o pátio interno servia a conciliar
privacidade com iluminação e aeração, em casas-grandes muito grandes, que tinham
capelas anexas ou internas, para evitar a saída das mulheres.
Apenas o Matuim possuía um verdadeiro pátio, com corredor articulando
os cômodos, na tradição mediterrânea. Nos demais casos eram meros poços de
iluminação e ventilação. Isto é compreensível em casas que chegavam a ter seis salas,
22 quartos totalizando 1.860 m2, como no Engenho Freguesia. Sempre implantadas
em encostas, em pelo menos dois casos, engenhos Freguesia e Caboto, se ingressava
diretamente no pavimento nobre.42
No século XIX surgem, na bacia do Subaé, casas de engenho de grande rigor
formal e construtivo, neoclássicas, com pátios posteriores, escadarias externas de
acesso e terraços sobre abóbadas, como nos engenhos Cajaíba, Madruga e do Monte,
em São Francisco do Conde; Subaé, em Santo Amaro; Europa, em Teodoro Sampaio,
e Embiara, em Cachoeira.43
ca sa s a va ra nda da s
Surgem no final do século XVIII, e se difundem no XIX, casas-grandes térreas
com varandas. Esta tipologia parece associada aos novos senhores de engenho de
menor cabedal, com hábitos de passar mais tempo na cidade e responsáveis pela ex-
pansão de engenhos em novas áreas. Elas demonstram um relaxamento das tensões
entre senhores de engenho, escravos e empregados. Não mais a reclusão em pátios
ou a estratificação vertical. A varanda era uma faixa de transição espacial, climática
e social entre o interior e o exterior da casa-grande. Um espaço de interlocução
com os serviçais, de circulação livre da mulher e de portas e janelas abertas durante
todo o dia, chova ou faça sol. Nessa nova arrumação, a varanda absorveu muitas
funções do térreo das casas-grandes assobradadas, como depósitos, banheiros e
quartos de hóspedes.
Esta tipologia não é uma exclusividade baiana. Há muitas casas deste tipo no
Rio de Janeiro, datadas de meados do século XVIII. (CARDOSO, 1943) Mas há uma
diferença com relação às baianas. As generosas varandas cariocas estavam em um
segundo pavimento ou sobre um pódio elevado, o que mantinha a distância social
entre a família patriarcal e os escravos e empregados. Neste sentido a nossa casa-
-grande avarandada, ao rés do chão, era mais democrática.
O exemplar mais antigo dessas casas conhecido na Bahia é o Engenho São
Roque do Paraguaçu, com varanda com bancos envolvendo três lados da casa
e dando acesso a quarto de hóspedes e depósito. Não sabemos a data de sua
construção, mas sua capela, embora “modernizada” no século XVIII, guarda portada
com frontão reto e decoração em trança, típicos do século XVII. É difícil saber se a
atual casa é da mesma época, mas suas colunas oitavadas com capitéis toscanos,
semelhantes aos da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, devem ser, no mínimo,
da mesma época, 1724.
Dois outros exemplares devem datar da segunda metade do século XVIII,
os engenhos da Mata, em Mata de São João, e S. João, em Candeias. Não temos
44 Ver: Azevedo (1982a, v. 2, p. 39, 45, 137, 157, 179, 181,193, 213, 237; 1982b, v. 3, p. 131, 295, 353).
48 Confira Azevedo (1982b, v. 3, p. 21, 23, 117-119,143-45, 291, 317, 319, 355-359).
S o bra do s no bres
Não se podem diferenciar casas nobres urbanas das rurais. Os senhores de
engenho se alternavam no campo e na cidade, só optando preferencialmente pela
cidade no século XIX. As três únicas casas com brasões de família pintados nos tetos
são as casas-grandes dos engenhos Freguesia, Cinco Rios e Lagoa. Estas casas, nas
cidades, fogem um pouco da residência urbana padrão. Apresentam uma maior
volumetria e tratamento decorativo externo e interno mais requintado. Estão con-
centradas especialmente em Cachoeira, Magagogipe, Santo Amaro e Nazaré.
Seu programa não diverge muito da casa urbana corrente, mas geralmente não
possuem lojas no térreo. É possível que algumas delas tivessem pequenas capelas
ou nichos no interior, mas não há vestígios. O elemento distintivo dessas casas são
salões com forros em gamela ou caixotões, às vezes com pintura, e saguões com
belas escadarias, algumas com arranque em pedra, e galerias com balaustres no
pavimento superior para recepção e controle dos visitantes.
Em Cachoeira estão os solares mais requintados da região. O mais antigo desses
solares data de 1683. É a casa de João Rodrigues Adorno, fundador da povoação,
53 Em Maragogipe, podemos citar os sobrados da Filarmônica Terpsícore, da Suerdieck e um situado na rua Fernando
Suerdieck. Em São Félix, os sobrados à Pç. Joaquim Tosta, rua Juarez Távora e o Chalé Guinle. Em Cachoeira, um
sobrado à rua Maestro Irineu Sacramento e a Casa Natal de Ernesto Simões Fo. Em Nazaré, temos exemplos nas
ruas D. Pedro II, Barão Homem de Melo e Walson Lopes e as chácaras Santa Rita e Alegria. Vide Azevedo (1982a, v.
2, p. 105; 1982b, v. 3, p. 85,105, 199, 201, 265, 281, 283, 293, 339,343, 347, 267, 371).
54 Azevedo (1982b, v. 3, p. 53, 61, 63, 59, 83, 93, 103).
55 São exemplos os sobrados da rua Ana Nery 47/49 e Pç. Maciel 13, em Cachoeira; o existente na Av. Salvador Pinto,
em São Félix; na Av. D. Pedro II, em Nazaré; e a Vila Caraipe, em São Felipe. (Cf. AZEVEDO, 1982b, v. 3, p. 87, 265, 341,
363).
Edifício s p ú b l i cos
As mais importantes construções públicas das cidades do Recôncavo são as
Casas de Câmara e Cadeia. Existem dois tipos desses edifícios. Um inspirado na Casa
de Câmara e Cadeia de Salvador, com portal, pátio e torre sineira central e outro mais
simples, sem portal nem torre, inspirado na Casa de Câmara e Cadeia de Jaguaripe,
primeira vila fundada no Recôncavo, em 1697. Usualmente a cadeia ficava embaixo e
56 Fora a Casa das Sete Mortes, em Salvador, há uma casa térrea em Conceição do Almeida com um grande pátio, a
Vivenda Sinísia, construída por um imigrante italiano. Os armazéns de fumo também possuíam grandes pátios
internos para secagem das folhas. (Cf. AZEVEDO, 1982b, v. 3, p. 149, 157).
57 Azevedo (1982b, v. 3, p. 51, 59, 73, 79).
58 Azevedo (1982a, v. 2, p. 139, 141, 105, 115, 121).
59 Azevedo (1982b, v. 3, p. 197, 207, 259, 347).
60 Dentre os exemplos desta tipologia na América Latina estão os cabildos de Buenos Aires (1734-1764), Santa Fé
(1787), Tucuman, Salta (1783), Lujan (1770-1792), San Luis (1804) na Argentina, bem como o de Antigua, Guatema-
la, todos com dupla arcaria. (Vide GUTIERREZ et al., 1990).
E m r esu m o
A região, com seu grande patrimônio cultural, natural e paisagístico, tem grande
potencial turístico, infelizmente inexplorado. Para que se possa resgatar este patri-
mônio é preciso ligar as antigas cidades-portos com uma estrada envolvente da Baía
de Todos os Santos que terminaria na sua maior ilha, Itaparica. (AZEVEDO, P., 2010)
Esta medida deverá ser complementada com a criação de infraestrutura receptiva,
restauração dos monumentos e valorização das suas tradições.
Ref er ênc i as