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ECKERT, C. ; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da .

Etnografia da
duração: estudos de memória coletiva. In: LOPES, Cícero
Galeno; ADOLFO, Luiz Gonzaga; FRANÇA, Maria Cristina C. de
C; BRISOLARA, Valéria; BERND, Zilá (Org.).. (Org.). Memória e
cultura: perspectivas transdisciplinares (Série memória e
patrimônio). 1 ed. Canoas: Salles Editora e Unilassalle Canoas
RS, 2009, v. , p. 39-68.

ETNOGRAFIA DA DURAÇÃO: ESTUDOS DE MEMÓRIA COLETIVA

Ana Luiza Carvalho da Rocha


Cornelia Eckert
PPGAS-UFRGS

Introdução
Maurits Cornelis Escher em 1956 produziu uma Litografia, intitulada Print
Gallery. Nessa aparece um jovem em uma Galeria de Arte observando um quadro que
retrata uma cidade portuária que é também uma Galeria de Arte, e onde, outro jovem, a
partir de uma janela na cidade retratada, observa a paisagem portuária que é uma
Galeria de Arte. A representação é vertiginosa, deformada, labiríntica, cíclica, dando
sensação de continuidade sobre a disformidade. É preciso se dispor a uma ação
imaginante para entrar neste jogo de encaixes narrativos, característico dos estudos
imagéticos de Escher. Para interpretar este ou outro quadro produzido por Escher,
buscamos inspiração na obra de Gaston Bachelard, em especial em seu conceito de
imaginação em O ar e os sonhos, ensaio sobe a imaginação do movimento, ou seja, “a
faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção” (Bachelard, 2001, p. 1).

1
Para tratar da imaginação e mobilidade, Bachelard abre magistralmente sua obra
sobre a alma poética nas imagens literárias argumentando que “se uma imagem presente
não faz pensar numa imagem ausente, se uma imagem ocasional não determina uma
prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens, não há imaginação”
(Bachelard, 2001, p. 1). Segundo postula o autor, o condutor da força da imaginação é o
imaginário, e não a percepção, ou a percepção de uma imagem, uma vez que “o
vocábulo fundamental que corresponde à imaginação não é imagem, mas imaginário”
(Bachelard, 2001, p. 1), por este ser aberto, evasivo, criativo, total movimento, plena
criatividade humana.
A gravura de Escher nos embala em uma cidade em linhas arredondadas que não
fixa uma forma definitiva, mas antes evoca uma pluralidade de arranjos estéticos que
tensionam espaços e tempos no pensamento dos observadores do quadro, no quadro.
Aqueles que contemplam a obra são provocados a imaginar movimentos no jogo da
continuidade e descontinuidade de imagens. Ela apresenta um desafio ao pensamento
cartesiano ao propor uma fruição estética singular: a apreciação da obra de Escher é um
convite a uma viagem iniciática, repleta de paradoxos, e cujas provações do caos
fornecem precisamente os meios do fruidor dele se libertar.
O espaço representado nas gravuras de Escher se polemiza com o paradoxo
cartesiano e de seus três princípios aristotélicos: o princípio da identidade (A é A e não-
A é não-A), o princípio da não contradição (A não é não-A) e, finalmente, o princípio
do terceiro excluído (não há qualquer possibilidade que não seja A e não-A). Ora, a
cidade que aparece na gravura, objeto deste artigo, nos mostra precisamente o inverso
da proposta de um pensamento do homem da civilização uma vez que este foi

2
despossuído do pensamento simbólico do homem da tradição. O espaço, na obra de
Escher, não é vazio, bem ao contrário, está repleto não apenas de contradições, mas de
proposições e perspectivas que, ao se oporem, se contaminam entre si, ao operar-se
simultaneamente em diferentes níveis de ser e estar num mesmo lugar.
Não que as imagens sejam fugidias e indeterminadas, são sempre imagens que se
desdobram em outras imagens em controvérsia, superpostas, encaixadas, enquadradas
umas às outras, no esforço da memória daquele que contempla a gravura em acomodá-
las, em ritmos repousantes ao intelecto. Estamos submersos num tipo de pensamento
digno de Heráclito: o caminho que sobe, que desce, é um único e mesmo caminho (J.
Bouchart-D'orval, 1997, p. 85-86). Para percorrer esta topologia fantástica (Durand,
1984a, p. 480), teremos que enfrentar o desafio de enquadrar, no interior de uma
hierarquia, os instantes que decorrem de nosso olhar sobre os diferentes níveis da
geografia imaginária proposta por Escher. Fica evidente, portanto, que estamos
acomodando o espaço da representação que a gravura enquadra, na mobilidade
provocada pelo arranjo de suas formas em tensão. Sem exagero, podemos afirmar que
estamos a mercê de um pensamento hermético, pois, a origem da compreensão de tal
espaço exige um pensamento errante, capaz de atingir o entendimento. Segundo
Hermes, deus dos viajantes - por meio de formas oblíquas – para viajar na terra há que
se consultar o céu!1
A gravura de Escher mencionada é para nós, portanto, mais do que um pretexto
para introduzirmos o tema de uma etnografia da duração2 para os estudos sobre
memória coletiva. Neste sentido, o trabalho do antropólogo na produção de uma
etnografia da duração teria por desafio acompanhar “as viagens” dos habitantes de uma
grande metrópole aos confins de suas experiências nela vividas, os quais ultrapassam
até mesmo suas referências históricas e geográficas mais ontológicas, mais concretas e
palpáveis. Este deslocamento se inscreve em um processo de iniciação aos estudos de
narrativas como fundamentais para pensar os territórios da vida urbana nas nossas
modernas sociedades complexas como espaço recoberto de uma carga simbólica,
traçada pelas categorias do fantástico, todas elas do domínio dos mitos, das lendas, das
narrativas, etc. Em sua dimensão fabulatória, o espaço está habitado por imagens e seus
territórios e regiões se transformam em lugar de figurações. Os espaços urbanos
reservam mistérios, guardam segredos; eles abandonam o domínio da indiferença para

1
Inspiramo-nos na leitura de Serres (1991).
2
Cunhamos originalmente este termo em Eckert e Rocha, 2000.

3
se tornar expressão do poder eufêmico do pensamento (Durand, 1984a, p. 472) de seus
habitantes.
A gravura aqui apreciada é, portanto, uma provocação para pensarmos o espaço
de nossas metrópoles contemporâneas, e suas topologias fantásticas, a partir do encaixe
entre os ritmos do tempo pensado e do tempo vivido narrados pelos nossos
interlocutores na pesquisa antropológica. Interpretarmos a paisagem urbana desde a
perspectiva de uma comunidade narrativa amalgamada nos esquemas da dialética
temporal tal como nos propõe Gaston Bachelard (1988).
Os ensinamentos bachelardianos sobre os fenômenos temporais podem agora
serem relacionados aos ensinamentos piagetianos sobre o desenvolvimento da
inteligibilidade e construção da ação humana que produz conhecimento no mundo em
que o sujeito “compreende o processo de compreensão” (Piaget, 1969) pela dramática
da linguagem. Tributário desta forma de pensar, o patrimônio etnológico de nossas
cidades, então, se transforma num espaço afetivo e poético, lugar de luta de seus
habitantes contra o tempo, e por meio do qual eles destemporalizam o tempo.
Retornando aquilo que nos inspira a gravura de Escher, Print Gallery, trata-se de
se aceitar o paradoxo, a ambivalência e a iniciação, no sentido forte do termo, como
dimensões irredutíveis dos estudos antropológicos do fenômeno da duração nas
modernas sociedades complexas. Para isto torna-se fundamental aliar-se a uma posição
epistemológica de compreensão mais do que explicação das cidades contemporâneas,
em referência ao termo cunhado por Gilbert Durand (1984ª, 1984b), de mitodologia.
Isto é, adere-se ao caráter paradoxal e iniciático que envolvem a prática da pesquisa
etnográfica nos meandros da duração, e que apresentam os territórios de vida urbana
como lugares da imaginação de seus habitantes. Principalmente levando-se em conta as
possibilidades que os estudos de narrativas (biográficas, de trajetórias sociais, de
itinerários urbanos, de formas de sociabilidades, etc.) nos oferecem como
procedimentos de modelização compreensiva da complexidade antropológica que
encerram as nossas modernas cidades contemporâneas.

A função fantástica e a vocação transcendente dos jogos da memória


A entrada para a compreensão de nossas metrópoles contemporâneas através dos
subterfúgios e astúcias de seus habitantes em suas narrativas, segundo suas diferenças e
diversidades, assim, não fugiria a regra da interpretação autorizada pelas cidades antigas

4
e medievais, signo de reconhecimento mais ou menos simbólico das peripécias de seus
herdeiros traduzidas no semantismo das lendas e do folclore.
No interior da retórica, da estilística e dos procedimentos expressivos contidos na
inteligibilidade narrativa dos habitantes dos grandes centros urbanos podemos,
finalmente, reconhecer a passagem entre o semantismo dos símbolos evocados naquilo
que é por eles narrados e a formalização lógica (ou o sentido próprio dos signos) da
cidade em termos de espaços vividos. Sob o manto do imaginário, portanto, qualquer
um dos territórios das grandes metrópoles contemporâneas (mesmo aquele que foi o
mais modelado e domesticado pela mão humana) - assim como outras cidades, em
outras civilizações-, secretam um dinamismo criador perene, com seus obstáculos a
serem controlados e ultrapassados pelos seus herdeiros.
Na pesquisa com etnografia da duração, estamos aderindo ao princípio da
complexidade para estudo das estruturas fantásticas que orientam as estratégias e
astúcias dos habitantes das metrópoles contemporâneas diante das imagens da fuga
vertiginosa do tempo que elas veiculam. Isto é, pensar as metrópoles desde a
perspectiva do enquadramento de imagens, no plano dos figurinos do imaginário, mais
preocupadas que estamos em reunir do que distinguir seus territórios e espaços, segundo
suas expressões cada vez mais formalizadas e vazias de sentido.
Para pensar, o poder fantástico da memória, nos estudos de etnografia da duração,
seguimos aqui, de perto, os estudos de Edgar Morin sobre o pensamento da complexidade
e sua teoria da organização (1977, 1980, 1986, 1991, 2001, 2004), que, segundo este autor, se
apresenta como um edifício composto de múltiplos andares, cuja base está formada por três
grandes princípios: o “dialógico” (que trata da união de noções antagonistas, indispensáveis e
indissociáveis, para se pensar o a organização da vida e da história humana), o princípio da
“recursão organizacional”, e seu derivado, o da retroação (onde os produtos e os efeitos das
ações humanas, são eles próprios tratados como causas daquilo que produzem) e, finalmente, o
princípio “holográmatico” (que postula o paradoxo de que é possível a parte estar no todo, tanto
quanto o todo se fazer presente na parte).
Segundo Edgar Morin, no pensamento da complexidade integra-se a incerteza ao
pensamento que organiza o mundo; um pensamento capaz de religar o homem ao mundo. Para o
autor, todo o conhecimento é tradução, construção e desconstrução, posto que a vida abarca
auto-reprodução, auto-organização e conhecimento do mundo. Sob este ângulo, a memória
comporta o fenômeno da tradução no sentido hermenêutico, isto é, tradução incessante de um
fenômeno a outro, mobilizando um conjunto de conhecimentos, num apelo as condições
culturais onde eles se situam.

5
É justamente estes princípios do pensamento da complexidade que inspiraram a
Gilbert Durand, outro autor que nos é caro, a cunhar a noção de “trajeto
antropológico”3, e no qual nos baseamos para pensar os estudos de memória coletiva
como pertencentes ao campo dos estudos sobre o Imaginário. Trajeto do qual participam
as imagens figuradas e desfiguradas na cultura humana pelas catástrofes metafísicas que
edificaram os sistemas de valores ocidentais do objetivismo, materialismo, do
positivismo e do cientificismo das explicações deterministas, mas que também,
paradoxalmente, ancoram um novo espírito antropológico no âmbito do qual propomos
uma etnografia da duração.
Segundo Gilbert Durand (1984a, 1984b), o fenômeno da memória esta referido a
um conjunto de estruturas fantásticas que configuram as culturas humanas, atuando
como conservatórios de seus valores primordiais. Neste ponto, a memória se exprime
por meio da função fantástica, o que, no plano do imaginário, significa que ela
precisamente se manifesta em seu poder de criar um lugar onde “as imagens podem
permanecer fora do tempo, e onde os deslocamentos são permitidos sem que os objetos
mudem ou envelheçam” (Durand, 1984a, p. 478). Situamos, portanto, a etnografia da
duração no interior das modernas sociedades complexas como parte da investigação
antropológica do dinamismo criador que, no plano do imaginário, reúne o gesto
pulsional do sujeito humano ao seu ambiente cósmico e social, no interior de uma
gênese recíproca.
Sendo, assim, a etnografia da duração procura compreender as grandes metrópoles
contemporâneas como fruto da dinâmica da matéria trabalhada pelo movimento de seus
habitantes em seus territórios, e, neste ponto, segundo Gilbert Durand (1984b, p. 39)
expressão da gênese “recíproca do gesto e do ambiente, onde o símbolo é a sua
morada”! Deriva desta perspectiva que toda a etnografia da duração, comporta o
semantismo das imagens expresso nas narrativas dos habitantes das grandes cidades
sobre seus territórios de vida. A narrativa, vocação do sujeito pensante, em seu desejo
de transcender o tempo e de eufemizar a mudança em puro deslocamento, na sua
condição de estrutura sintética da imaginação humana, revela-se, assim, parte integrante
(e integradora) dos estudos antropológicos da memória coletiva nas modernas cidades
contemporâneas. Através dos estudos de narrativas observamos a angústia existencial

3
É justamente esse trajeto, no qual, “a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos
imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as
representações subjetivas se explicam ‘pelas acomodações anteriores do sujeito’ (Piaget, Formation du
symbole, p. 219) ao meio objetivo” (Durand, 1984a, p. 30).

6
que secreta toda cidade moderna se transformar na expressão rítmica de contrates de
tempos passados e tempos futuros para, finalmente, nascer como essência “estética
tecnicamente controlada” (Durand, 1984a, p. 487).
Sob este enfoque, a pesquisa antropológica em torno do fenômeno da memória
coletiva em sociedades complexas, tem por centralidade a interpretação da mobilidade
das imagens simbólicas e a grande corrente do pensamento fantástico que elas veiculam
na esfera de uma bacia semântica, a da narrativa (falada, escrita, gestual, performática)
do homem moderno4. Em nossa perspectiva, estamos referindo o campo dos estudos
sobre memória coletiva à modelagem dos símbolos universais segundo a derivação
pedagógica do habitante das grandes metrópoles, nos termos de um trajeto
antropológico5.

Alguns fundamentos epistemológicos da etnografia da duração no plano dos


estudos sobre memória coletiva
Seguimos, assim, as idéias durandianas, onde “contar”, narrar ou “romancear” são
atividades tributárias da função fantástica, escapando, por esta via, o gênero humano
precisamente ao um devir fatal (Durand, 1984a, p. 465).
Tal preâmbulo nos ajuda, aqui, a introduzir os fundamentos epistemológicos dos
estudos da memória coletiva que seguem a tese da duração sugerida em outra obra de
Gaston Bachelard (1988): A dialética da duração. Desde já a nossa adesão ao estudo da
memória, seguindo a prudência metodológica ensinada pelo mestre, afastando-nos do
método bergsoniano6 que afirma ser a memória ato de resistência da duração à matéria
puramente espacial ou intelectual. Em sua teoria da fabulação, o autor relaciona o
campo do imaginário ao domínio do tempo, uma vez que ele é do domínio da memória.
Segundo Gilbert Durand (1984ª, 1984b), ao abordar desta forma a memória, Henri
Bergson comete o erro de assimilar este fenômeno à “intuição de uma duração”, para,
logo após, separar representação e consciência, minimizando neste processo todo, a
inteligência em detrimento da intuição mnésica e fabuladora. Antes, para Gilbert
Durand, a memória não expressa uma intuição do tempo, ela, ao contrário, lhe escapa,
para, finalmente, “reencontrá-lo”, na eternidade (tempo negado). A lembrança nos jogos

4
Nos termos durandianos, se refere ao incidente histórico e sociológico no qual transcorre a redução do
gênero humano à gênese da pessoa moderna (Durand, 1984a).
5
Isto é, “constitutivo de um acordo, ou se um equilíbrio – o que denominamos de trajeto – entre os
desejos imperativos do sujeito e as intimações da ambiência objetiva”), e no qual a função fantástica
“modula a ação estética e social” de contar o tempo (Durand, 1984a, p. 456-458).
6
Bachelard refere-se a Henri Bergson (1990.

7
da memória, ao contrário de serem vestígios mnésicos, intuição de uma duração,
desprendem-se do vivido existencial e, no fluxo da imaginação criadora, permitem uma
duplicação dos instantes, assegurando-lhe, “nas flutuações do destino, a perenidade de
uma substância” (Durand, 1984a, p. 466). O autor baseia-se, assim, no postulado da
alternância temporal de que trata Gaston Bachelard em seu tratado sobre a dialética da
duração (Bachelard, 1988, p. 31 e 46).
Sob a ótica dos estudos de uma etnografia da duração, a vida urbana é descrita
desde o poder de organização de uma totalidade a partir de um fragmento vivido, isto é,
aquela de um tempo imaginado pelos sujeitos-personagens que narram a sua experiência
de vida cotidiana nas cidades modernas. Os fragmentos das experiências existenciais na
cidade, nos jogos da memória dos habitantes das grandes metrópoles, seguem um
princípio de ordenação contrária a dissolução de suas relações com seus territórios de
vida, jogando a favor da homogeneidade deste espaço.
Para nós, a vocação de identidade tão sistematicamente associada aos espaços
concretos das cidades, no campo das políticas públicas para a área de patrimônio, sob a
ótica dos jogos da memória de seus habitantes, tem sua origem no tempo, o único que,
segundo Durand (1984a, p. 479) transforma o princípio de identidade em um “risco a
correr”. Neste ponto, o espaço é “fator de participação e ambivalência” (idem), pois,
por sua via, nos confrontamos com os desafios de ultrapassar a diferenciação de estados
e deslocamentos que toda a identidade contempla, para reencontrá-la, novamente, no
plano eufêmico, de um espaço fantástico e, por isto, transcendental. No espaço se pode
observar o trajeto do imaginário sendo desenhado, agora como espaço fantástico:
espaços de estabilidade do ser (Durand, 1984a, p.474). Por esta via retornamos as idéias
bachelardianas do tempo “como uma série de rupturas” (Bachelard, 1988, p. 38) e onde
o fluxo da consciência, não é o único alicerce da memória, ao contrário, “é apenas uma
de suas direções, uma perspectiva possível que o espírito racionaliza” (Duvignaud,
2006, p. 14).
É, assim, na perspectiva de uma antropologia das sociedades complexas, inspirada
nos jogos da memória que orientam a fundação de comunidades urbanas e seus
territórios de vida, que pensamos este artigo, aderindo a perspectiva da memória
coletiva a partir da problematização do ato da memória como ação no mundo temporal,
distinguindo a noção de duração e a do tempo tal como aplicado no pensamento
filosófico tradicional. Aproximamos-nos antes, privilegiadamente dos autores da
hermenêutica contemporânea que para nós pertencem a uma comunidade interpretativa

8
da fenomenologia da memória (Ricoeur, 1994, 1995, 2000). Segundo nossa perspectiva,
o estudo da memória coletiva, em sua condição moderno-ocidental, está relacionada a
toda e qualquer intriga que orienta a vida humana como drama social, na encruzilhada
de tempos e espaços sociais. Seguimos, nesta orientação, abertamente, os rastros
deixados pela obra de Gaston Bachelard, e de seus discípulos Gilbert Durand e Pierre
Sansot, ambos preocupados com as diferentes formas da mais-valia psicológica do
tempo sobre o espaço e do espaço sobre o tempo. De forma pontual iremos percorrer
estes sentidos dados ao termo duração entre os mestres citados por ambos os autores,
referimo-nos, mais especialmente a Henri Bergson, este considerado o pai da teoria da
memória moderna, e a Maurice Halbwachs, este claramente seguidor dos pressupostos
teóricos das Formas da vida religiosa do fundador do método sociológico Émile
Durkheim. Em outro eixo analítico, retomaremos, igualmente de forma sintética, alguns
autores que se orientam na fenomenologia da consciência reflexiva no campo das
hermenêuticas instauradoras (Durand, 1988), entre outros Walter Benjamin, Michel De
Certeau, Georg Simmel e Paul Ricoeur, mas sempre alinhadas ao percurso intelectual
inaugurado por Gaston Bachelard e Gilbert Durand.
Para propor uma intriga a este percurso, construímos o desafio de tratar do tema
da identidade relacionado aos estudos da memória e da duração.
Torna-se interessante, no momento, cotejar esta perspectiva com estudos clássicos
sobre o fenômeno da memória. Para se enfrentar este desafio, vamos retomar este
debate na perspectiva do tema da Alteridade - por oposição ao domínio da quantidade
continua do mundo corporal do “si-mesmo” tomando como quantidade pura, nos termos
de René Guénon (1972, p. 30), aproximando-nos da reflexão da identidade-mesmidade
situada na obra de Paul Ricoeur (1991).

Identidade narrativa e a fixação dos espaços de estabilidade do ser do social7


Para iniciar o tema da identidade, o inauguramos tal como foi abordado na teoria
da narrativa por Paul Ricoeur, e onde o estudo da identidade, relacionada a dialética
concreta da mesmidade e da ipseidade, desdobra-se numa importante reflexão sobre o
tempo e a narrativa. No sentido do que queremos tratar, torna-se relevante que, na obra
deste autor, a identidade é dissociada em uma hierarquia de significações. Isto é, Paul
Ricoeur (1991), refere-se a questão da mesmidade para conceber a identidade do mesmo

7
Expressão retirada da obra de Durand (1984, p. 474).

9
(do idem) e a identidade narrativa, pela questão da ipseidade (do ipse). Esta perspectiva
conceitual não objetiva nos prender ao campo literário, mas apenas enriquecer da
memória como espaço fantástico e suas implicações que o estudo da teoria narrativa
como parte da pesquisa antropológica com memória coletiva é almejada, nos termos de
uma etnografia da duração.
Esta intriga é um diálogo explícito com o tema deste livro, Memória e Cultura
organizado pela Profa. Dra. Zila Bernd, argumentando ser o tema da identidade aquele
que qualifica a noção de cultura, posto que “não há cultura sem identificação”
(Maffesoli, 1996, p. 326), e que a cultura para a humanidade é nossa “esperança
essencial” (Durand, 1984a, p. 470) contra a dissolução no tempo, e da qual a memória é
mais que um mero incidente. É neste porto que a cultura pode ancorar a Alteridade, ou
seja, ao figurar as diversidades das experiências vividas pela humanidade, seus cenários
e situações dramáticas, pelas quais apreendemos os comportamentos humanos na sua
condição de configurações simbólicas.
Sob o plano da cultura humana e de suas obras, como já frisado anteriormente, a
memória não é produto circunstancial de acontecimento histórico, nem se realiza, pois
por si mesma, por um impulso natural, e, menos ainda, está a serviço do agenciamento
positivo de fases, orientadas para um progresso fatal e inexorável da humanidade. A
memória coletiva como construção cultural, é acima de tudo um recital de imagens, é
parte integrante da consciência poética da humanidade sobre seu destino mortal. Apesar
de tentarmos, em vão, decifrar o fenômeno da memória coletiva, ela não se reduz a
“engrenagem social” do tempo presente, preconizada pelo pai da sociologia (Durkheim,
1968, 1986), e onde, finalmente, estariam acomodadas, as imagens dos tempos vividos.
Antes de tudo, a memória coletiva é do domínio de uma função fantástica, na sua
insubordinação à ação corrosiva do tempo. É nela que inscrevemos o regresso aos
tempos vividos, vocação de inteligência humana para enquadrar a descontinuidade das
recordações empíricas, assegurando a toda a humanidade a continuidade de sua
consciência.

As determinações qualitativas da memória e suas grandezas: mesmidade,


alteridade, ipseidade

1
0
Neste caso, precisamente onde a matéria corporal do ser, ultrapassa o domínio da
quantidade contínua8, os dilemas de uma reflexão acerca da memória coletiva apontam
para o reconhecimento pela identificação do eu em face do diverso, tecendo, no plano
do imaginário, uma memória egológica tecida pelo fenômeno da intersubjetividade. Na
perspectiva bergsoniana, importaria apreendermos a dimensão do eu transcendental na
memória que imagina (Bergson, 1990). Sob o ponto de vista de Maurice Halbwachs
(2006), esta memória egológica transcorre porque este eu empírico, coletivamente e
socialmente concebido, se entrelaça em redes com funções solidárias de continuidade
pela linguagem.
Na abordagem subjetivista de Henri Bergson (1959, 1969, 1970, 1990) e seu
método introspectivo, referência primordial nos estudos sobre memória e duração, as
questões relativas ao sujeito e ao objeto, a sua distinção e união, devem ser postas em
função do tempo e não do espaço. Não se trata aqui do arcaico triunfo do tempo linear
do historicismo evolucionista, mas do tempo que dura na consciência, ou a
“consciência-tempo” cujo pivô é o presente, e não mais o passado. Consiste em um
tempo interior que leva em conta a subjetividade vivida na experiência humana com o
espaço que é contexto deste princípio de ação-percepção.
O que merece ser destacado é que Bergson reconhece que no plano da memória
não há reprodução simples do passado e aceita que a função fabulatória da imaginação
dela participa como ato de resistência da duração a matéria do mundo puramente
espacial e intelectual9. O passado é, portanto, lembrado a partir de um evento no
presente, e é no presente que o passado é evocado pela memória-imagem. Segundo
Bergson (1990, p. 125), “e é dos elementos sensórios-motores da ação presente que a
lembrança retira o calor que lhe confere vida, e é do presente que parte o apelo ao qual a
lembrança responde”. Portanto, se depreende que o autor considera que o tempo se
qualifica sob duas formas distintas, em mecanismos sensório-motores e em lembranças
independentes (Bergson 1990, Bosi, 1987), dicotomizando assim a memória hábito e a
memória lembrança, ou a pura memória e a memória-imagem. É desta forma que

8
Nos valemos dos comentários de Guénon (1972) em especial no Capitulo Mesure et Manifestation, onde
o autor tem por intenção discorrer sobre as determinações da matéria segundo as condições de cada
estado de sua existência, e neste debate, considera ser o tempo e o espaço, uma das condições especiais da
existência corporal.
9
É no esforço de agir em um movimento que se libera da percepção em direção ao futuro, mas graças ao
movimento retrospectivo ao passado, que é possível prolongar as imagens lançadas para permanecer,
colocando a descoberto a imagem-lembrança (Bergson, 1990, p.75). Este eu que se projeta na lembrança
pode então ter um plano de existência, de identidade com o mundo abstrato (do espírito) ultrapassando a
identificação da matéria.

1
1
confronta a subjetividade pura (o espírito) e a pura exterioridade (a matéria), sendo que
a primeira filia-se a memória e a segunda, a percepção. É nas percepções aprendidas
pelo corpo que o passado sobrevive, ou como diria Bergson, as imagens permanecem -
o que para o autor, é o mesmo que dizer, duram.10
Na perspectiva bergsoniana, a dialética concreta da mesmidade e da ipseidade
aparece de forma singular. O indivíduo se reconhece na experiência de ser que pode
lembrar, capaz de conotar uma identificação do eu em suas práticas e seus saberes que o
conserva por inteiro em relação a Alteridade que não lhe ameaça11. Segundo Paul
Ricoeur, esta fórmula que relaciona a memória à lembrança do objeto segue as lições de
uma fenomenologia da consciência íntima do tempo, pautada nas influências da obra de
Edmund Husserl. Para este defensor da auto-constituição do fluxo da consciência, o que
dura é a experiência temporal, embora esta seja de fato, para ele, a duração da
percepção, em outros termos, a lembrança retida a sua face objetal. O que é lembrado,
não é tematizado, posto que não há sujeito da lembrança. Por outro lado, o que é
problematizado como fenômeno temporal é apenas a duração (continuidade) do objeto
percebido, sem que o tempo seja diferenciado (Ricoeur, 2000, p. 37 a 39).
Cabe reforçar que em Bergson memória é duração interior (Borelli, 1992, p. 85).
Duração como continuidade imediata e profunda que não pode romper-se senão
superficialmente no exterior, na aparência, na linguagem que a pretende descrever como
ato de resistência da duração à matéria puramente espacial e intelectual. Bergson reduz
à memória primitivamente à imaginação, enquanto vida que prolonga continuamente o
passado no presente. O princípio dialético da memória se vislumbra com a duração que
inscreve o presente no passado12:
Para Gilbert Durand (1984), a análise bergsoniana da duração volta-se contra ela
mesma, uma vez que esta perspectiva define a duração como um anti-destino, e aponta
o que alguns críticos tentarão demonstrar: é que esta duração ontológica bergsoniana é

10
Bosi (1987, p.14-15) sugere que Bergson quer provar a espontaneidade e a liberdade da memória em
oposição aos esquemas mecanicistas que “a alojavam em algum canto escuro do cérebro” A memória
seria, assim, conservação do passado, que sobrevive, convocado pelo presente, quer sob as formas da
lembrança, quer em si mesmo, em estado inconsciente.
11
Para muitos críticos de sua obra (Piaget, Durand, Bachelard), Bergson atribui valor negativo a distensão
na matéria do tempo como fenômeno que integraria as propriedades diversas do si-mesmo, ou seja, a
ruptura se existe, é a ameaça da afasia, do esquecimento; risco de não poder se constituir conscientemente
no movimento de imaginar. No plano das propriedades de extensão da matéria a ruptura é ameaça a
inteligência humana de se relacionar no presente uma nova imagem ao objeto percebido – leia-se aí um
processo de minimização da inteligência em detrimento da intuição mnésica. Fator que impediria vigorar
o princípio da diferença no âmbito das reflexões de Bergson sobre a matéria e a memória.
12
“Memória enquanto vida que prolonga continuamente o passado no presente” (Borelli, 1992, p. 85).

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impensável, ou se for pensada, deixa de ser duração. Pergunta assim, onde estaria em
Bergson o que é próprio da duração que é de ser devir e de passar? Chega-se ao
paradoxo de que a duração bergsoniana, por durar, deixa de ser temporal. Para Durand,
e pensando na dialética concreta entre mesmidade e ipseidade e suas contribuições para
o tema da etnografia da duração, a perspectiva bergsoniana se equivoca ao assimilar a
memória a uma intuição da duração, e ao segmentar a representação da consciência,
transformando esta última em totalidade mnésica (Durand, 1989, p. 274).
Nesta perspectiva subjetivista, dialética concreta da mesmidade e da ipseidade se
reduz ao fluxo entre as memórias, o qual parece importar mais do que as suas razões
sociais. Por sua vez, no interior dos incidentes históricos e sociológicos, a imaginação
se reduz a uma percepção enfraquecida. Além disto, poderíamos afirmar que o
reconhecimento operado na memória-imagem é uma viagem subjetiva e psíquica, uma
aproximação egológica que revela sujeitos genéricos. Neste ponto, a diferença e o
diverso só podem ser incorporados nos esforços analógicos do fluxo das consciências
individuais. Este é o momento de convocarmos a obra Maurice Halbwachs para
acrescentar novos elementos ao debate, e podermos avançar em nossas intenções de
discorrer sobre as possibilidades de uma etnografia da duração para os estudos de
memória coletiva.
Maurice Halbwachs revê a partir da perspectiva bergsoniana, a noção de memória
e temporalidade grudada a uma concepção de duração contínua, isenta das vivências
sócio-históricas dos sujeitos, para empreender a interpretação das determinações
qualitativas do tempo e do espaço no mundo ocidental moderno. Adentrando os estudos
antropológicos da memória coletiva, este autor sustenta ser a duração no tempo possível
somente no âmbito do convívio social, posto que para trabalharmos a memória, as
nossas lembranças dependem das lembranças dos outros.
Em Halbwachs a memória coletiva não se confunde com a História, ela aproxima-
se da história vivida por uma comunidade afetiva entrelaçada por laços de solidariedade
cujos valores e normas são transmitidos pelos guardiões da memória que transmitem em
seu testemunho a tradição. Os valores que permanecem no tempo pela confiança da
experiência já vivida, da lembrança que orienta a continuidade, garantindo a
identificação pela mesmicidade, pela fé na experiência coletiva. O autor nos insere, por
esta via, na perspectiva de uma lembrança sempre coletiva construída no convívio
social. O tempo social, do convívio e da reciprocidade, é fundante da consciência

1
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coletiva mas apoiada no espaço social, alquimia que o faz recorrer a noção de quadros
que acaba por se colocar como determinismo social.
No plano da dialética da mesmidade e da ipseidade, a memória em Maurice
Halbawchs, pertence ao domínio individual e coletivo porque existencialmente situado
no espaço da vida social. É pela memória que a lembrança carrega consigo a
representação do tempo, pois é no tempo que todo o corpo coletivo se apóia para
perpetuar-se como quantidade contínua (Halbwachs, 2006, p. 146). A consciência
coletiva humana procura a manutenção de si através do fluxo de consciência das
imagens do passado, assim “enquanto o grupo não muda sensivelmente, o tempo que
sua memória abrange pode se alongar”, sendo este um processo coletivo contínuo,
acessível individualmente em toda sua extensão (Halbwachs, 2006, p. 149). Segundo o
autor, quando o grupo se transforma, um tempo novo começa para este e sua atenção
progressivamente se afasta daquilo que ele foi, e que, agora, não é mais. Entretanto,
antes de ser um arranjo linear e progressivo, amarrando o destino fatal do grupo, o
tempo novo pode conter o tempo antigo. Como uma matéria em vibração o novo no
tempo não afeta a todos de igual forma, sendo sua substância recusada ou negociada no
plano da experiência vivida do corpo coletivo, resultado de fatos e julgamentos
acordados à noção de memória, por seus antecessores e sucessores. A memória é então
um fenômeno social, que faz durar o valor social.
Neste ponto, em particular, assistimos a Maurice Halbwachs distanciar-se da
perspectiva de Henri Bergson, ao propor suas análises da memória a partir de uma
definição do tempo construído socialmente, um tempo que vai ser concebido na
memória das pessoas, resultante da suas identidades e pertencimentos a grupos, redes e
instituições, resgatando nas lembranças os sentimentos e as experiências de um
cotidiano orientado por relações (ou melhor, laços) afetivos. O esquecimento se dá pela
desarticulação ou pela falta de interesse de determinado conjunto de idéias na ação
coletiva.
Para este autor, as noções de tempo e espaço são estruturantes dos quadros sociais
da memória fundamentais para a rememoração do passado na medida em que as
localizações espaciais e temporais das lembranças são a essência da memória. Assim, o
“esforço de rememorização cria um espaço e um tempo específicos” (Halbwachs, 2006)
que vinculam os sujeitos que lembram a tempos e espaços singulares, que são da ordem
da vivência. Trata-se da memória coletiva resgatada sobre acontecimentos vividos.

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Na dialética da mesmidade e da ipseidade, temos, então, que pela memória
coletiva compreende-se uma relação diferencial, “a sucessão de eventos individuais que
resulta nas mudanças que se produzem nas nossas relações com os grupos os quais
somos misturados e das relações que se estabelecem entre os grupos” (Duvignaud,
2006). Nada escapa a esta trama sincrônica da existência social, e é da combinação dos
diversos elementos do mundo social que pode emergir a lembrança comunicada pela
linguagem.

As determinações qualitativas da memória e suas grandezas: a identidade


narrativa
Para iniciarmos também aqui pela questão da Alteridade, mencionamos a obra de
Paul Ricoeur que nos orienta sobre os fundamentos acerca da hermenêutica do si, no
valor reflexivo do si-mesmo, como constituído pela dialética entre identidade e
alteridade, fatores intrínsecos do assunto que carrega este artigo em que pretendemos
situar os estudos de memória no plano de uma etnografia da duração.
Propondo-se a uma fenomenologia da memória, Paul Ricoeur traz para a
contemporaneidade as teorias fundadoras do Cogito e, para isto, revisita a filogênese do
pensamento ocidental. Recupera os dilemas dos filósofos gregos e da filosofia cristã
para tratar do fenômeno do tempo, da alma e do ser. Para nós interessa destacar neste
artigo, de sua vasta obra, duas perspectivas, a que se refere diretamente a
fenomenologia da memória no plano da realidade social relacionado as comunicações
transgeracionais e a que se refere a identidade narrativa. Seguindo Edmund Husserl, o
autor inicia seu percurso intelectual diferenciando a memória da simples imagem-
lembrança, para finalmente se perguntar qual é o objeto da memória. Na seqüência, Paul
Ricoeur (2000, p.24) se indaga, como procurar a lembrança considerando-se a relação
entre o “pathos da memória e a práxis da pesquisa da memória”.
Em especial, faremos menção a problemática da memória como vinculada ao ato
de narrar e a identidade pessoal que Ricoeur desenvolve no seu livro “O Si mesmo
como um Outro” (1991). Nela, em particular, nos interessa os comentários do autor
sobre os incidentes que conduzem a fenomenologia a penetrar no campo dos estudos da
sociedade e da cultura, pela obra do seguidor de Husserl, Alfred Schutz (apud Wagner,
1979).
O conceito de ação no mundo, de reinos de contemporâneos, predecessores e de
sucessores que se entrelaçam são démarches da obra de Alfred Schutz retomados por

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5
Ricoeur (2000, p.160-162), no que propõe que a experiência do mundo compartilhada
repousa sobre uma comunidade de tempo tanto quanto comunidade de espaço. Mas
Ricoeur desloca-se em suas análises sobre tempo e narrativa, ao conseguir ultrapassar a
relação reconhecimento e identificação contida na dimensão da identidade-idem, ou
equivalente, analógica, ao reconhecer que ela é sempre contestada pela dimensão da
identidade-ipse, num jogo de relação dialética que ao invés de opô-la entre si, as enlaça
numa constante tensão.
Esta dimensão é importante para o tema da memória coletiva em Paul Ricoeur que
relaciona duas tradições para tratar da memória nas esferas do eu, dos próximos e dos
outros, as quais se referem a duas modalidades de olhar: o olhar interior, inaugurada por
Sto. Agostinho e o do olhar exterior, proposto por Maurice Halbwachs. Estes
deslizamentos entre diferentes olhares resultam na complexidade da experiência
temporal humana sob o enfoque da sua dimensão narrativa, fator de mediação da
identidade pessoal e da identidade pública, da ação individual e da ação coletiva.
A função da narrativa, na ordem da tessitura do tempo, detém, portanto, essa
qualidade de circulação dos saberes, práticas, idéias, valores que tensionam micro e
macro esferas, reúnem as distâncias ou as circunferências das redes de comunicação,
diversas e variadas, em uma sobreposição de movimentos próximos e distantes. Pela
linguagem alcançamos as diferentes formas narrativas que configuram as experiências
vividas. Um fenômeno que atribui eficácia a noção da memória compartilhada, em sua
tripla atribuição: a si, aos próximos, aos outros (Ricoeur, 2000, p.163).
Retornando a Gilbert Durand, complementaríamos, na dimensão do récit (da
narrativa), que é graças a função simbólica contida nas imagens que tal
compartilhamento de sentido pode se dar, paradoxalmente, em sua tripla atribuição,
uma vez que tal “função simbólica manifesta seu dinamismo contraditorial” (Durand,
1988, p. 97).
Esta perspectiva evidencia a adesão ricoeuriana à teoria da ação, tão cara ao
projeto sociológico desde Max Weber e aos hermenêutas Dilthey e Gadamer, ainda que
a aproximando de uma fenomenologia hermenêutica. É no tempo que nos deslocamos e
que mudamos. É, portanto, para a identidade-ipse que Ricoeur (1991) aponta ao tratar
do sujeito que age no mundo e se transforma na reflexão, pois é por intermédio da
identidade narrativa que temos acesso ao sujeito que age, com qualificação ética de ser
reflexivo, mediante a experiência do tempo. Na noção do sujeito com a qual opera Paul
Ricoeur, a mesmidade é a identidade na qual o sujeito dura no tempo (ele mesmo, e

1
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igual a todo outro) mas é somente na ipseidade que desponta a singularidade do sujeito
narrador (Petitdemange, 2000, p.58). Para Ricoeur a identidade-ipseidade singulariza o
sujeito ético, num movimento em direção de si-mesmo que é, sobretudo um movimento
em relação ao outro, como um outro.
É por isto que para nós, neste artigo, é tão importante aderir ao fenômeno de uma
identidade narrativa, reconhecendo, como o fez Gilbert Durand, que no seu interior,
através de um eufemismo transcendental, reencontramos o tempo, agora na perenidade
de um si. É pela vida da identidade narrativa que cada o “nós”, no ato de esquecer e
lembrar, se reconstrói com os rastros do passado em razão de um devir, de um projeto
de continuidade para a matéria de si. Assim, a memória jamais estará separada do futuro
e de um projeto de futuro (Ricoeur, 2000, p. 24). Na visão ricoeriana do tempo como
ato de recitação, muthos, agenciamento de ações:
“A polaridade desses dois modelos de permanência da pessoa (o caráter e a palavra considerada)
resulta de que a permanência do caráter exprime a ação de recobrir quase completamente uma pela outra
da problemática do idem e da do ipse, enquanto que a fidelidade a si na manutenção da palavra dada
marca o afastamento extremo entre a permanência do si e a do mesmo e, portanto, atesta plenamente a
irredutibilidade das duas problemáticas uma à outra”. (Ricoeur, 1991, p. 143).

Em termos dos conceitos de Ricoeur, estamos sempre emaranhados na identidade


do si-mesmo como um outro, considerando a dialética do si e do outro, do idem e do
ipse no plano dos sujeitos da ação, e segundo a dialética entre o plano individual e
coletivo da identidade. Obviamente, as narrativas são sempre fenômenos frágeis em sua
continuidade posto que em tensão e em transformações de intrigas e dramáticas, seja em
relação a própria ética da pluralidade de suas configurações, conforme a disposição para
novas narrativas, seja em relação as ideologia de poder que agem sobre as identidades
narrativas, nos níveis de produção simbólica. Em termos de Paul Ricoeur, a identidade
ipse é sistematicamente ameaçada em reduzir-se a uma identidade idem.
Em particular, retornando a pesquisa antropológica nos contextos das modernas
sociedades complexas, que se caracterizam pela descontinuidade de universos
simbólicos, fragmentação de papéis sociais, heterogeneidade de ethos e visões de
mundo (Velho, 1981), o tema da identidade narrativa é instigadora pela apreensão da
circularidade das imagens e do seu comum de sentido para as ambiências privadas e
públicas, micro e macro, local e universal, posto que a uma experiência de vida
individual se mistura a dos outros, num processo de troca incessante e, nem sempre,
homogêneo.

1
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Com o projeto de estudo por uma identidade narrativa, estamos para Paul Ricoeur
(2006, p. 145) diante de uma ruptura com o “momento bergsoniano”, e onde a
perspectiva da memória, voltada ao passado, se diferencia daquela que se apresenta
como promessa, voltada ao futuro.
Sobre as questões da pesquisa antropológica com a etnografia da duração, a
dialética da identidade narrativa é um fenômeno para o qual o antropólogo precisa estar
atento. Principalmente, no que tange à amplitude e à pluralidade temporal no
reconhecimento de si pelos sujeitos de nossas pesquisas, no contexto das grandes
metrópoles, o que nos habilitaria a pensar suas narrativas biográficas tanto quanto os
projetos de vida que orientam trajetórias sociais.
Mas é preciso vigilância neste percurso intelectual. Podemos aqui perguntar se, ao
aderirmos ao mago da ipseidade, não estamos de alguma forma constrangidas a uma
perspectiva dicotômica das relações que se tecem entre memória, tempo e narrativa. Isto
é, ou ficamos do lado da memória, ou ficamos do lado da promessa; ou aderimos a
retrospectiva ou, ao contrário, à prospecção, pois é pela promessa que estaremos
mediante um “paradigma de uma ipseidade irredutível a mesmidade” (Ricoeur, 2006:
159).
Obviamente que não é intenção da visão ricoeriana afundar-se neste dualismo
redutor em sua teoria sobre o sujeito no tempo. O próprio Paul Ricoeur (2000), ciente
destes riscos, se dedica a escrita de uma obra com a intenção clara de chamar a atenção
dos abusos e da tirania da memória no contexto do mundo contemporâneo, e em razão
das políticas culturais voltadas aos museus, a preservação de bens patrimoniais,
materiais e imateriais, e a própria disciplina da história, lançando, assim, publicamente
sua preocupação sobre o sentido daquilo que transmitimos, hoje, às próximas gerações.
No tema da memória e da promessa, Paul Ricoeur investe na questão como
lembramos e, para isto, retorna a Bergson para revisitar sua teoria do reconhecimento
por imagens e da anamnesis (Ricoeur, 2006, p. 146). Importante é aqui a forma como o
projeto fenomenológico restabelece, segundo Ricoeur (2006, p. 147), a distinção,
tratada por Aristóteles, e igualmente revisitada pelo autor, entre mneme e anamnesis, e
re-situada, por ele, na díade, memória e reminiscência (Ricoeur, 2006, p. 147). Como
em Bergson, é do presente que a imagem do passado é reiterada pois depende do
pensamento de quem interpreta, da “memória meditante” (Ricoeur, 2006, p. 164). A
memória-lembrança será, então, primordial, para que haja reconhecimento de si a partir
do reconhecimento do passado.

1
8
Esta vulnerabilidade introduz o problema do esquecimento, eterna ameaça do
apagamento de lembranças, remetendo-o ao tema do trabalho da memória e do
inconsciente na dramática da vida humana. Para a intenção deste artigo, nos interessa
reter, da visão ricoeriana, a pertinência da temporalização da identidade posto que a
“identidade pessoal é uma identidade temporal” (Ricoeur, 2006, p. 158). Sobretudo na
proposta de uma identidade reflexiva, consciência de ser que se transforma na
consciência do tempo vivido, que é um tempo narrado. Uma identidade narrativa “que
instala a diversidade no centro mesmo de qualquer trama de vida” (Ricoeur, 2006, p.
159) e que evoca, na duração do tempo, a dimensão intersubjetiva “outro tipo de
diversidade, uma diversidade que podemos chamar exterior que consiste na pluralidade
humana” (Ricoeur, 2006, p. 159).
Em toda esta retomada da obra de Paul Ricoeur, importante situar suas palavras
recentes sobre a identidade narrativa no contexto de suas idéias inaugurações (O
conflito das hermenêuticas), precisamente quando acentua que aquilo que a narrativa
desenha, como vida do espírito, decorre precisamente, de uma consciência imaginante,
em decorrência da qual os símbolos (eles próprios constitutivos da consciência) se
organizam em séries e, revestidos de sentido, completam o intercâmbio entre o
nascimento e a morte de civilizações.
Sob este ângulo, devemos reter, do pensamento ricoeriano sobre o tempo, a
coerência das hermenêuticas que o termo identidade narrativa agrega, para o caso das
nossas preocupações com a etnografia da duração e os estudos de memória coletiva.
Adotamos a força do sentido figurado que ela nos reserva como anti-destino, fenômeno
inalienável da memória e sua função fantástica de reduplicar o mundo, deformando o
destino mortal da humanidade. Em especial, as forças de coesão antagonistas que as
imagens simbólicas em toda a identidade narrativa comporta, e que lhe permite, por seu
intermédio, assegurar as qualidades da matéria da vida humana, num tempo re-
encontrado, no espaço fantástico da memória.

A arte de contar e o desejo de conhecimento que transforma o mundo


No bojo desta démarche, importa sem dúvida o tema da amnèse, do
esquecimento, e também da ideologia, pelos limites que cada um destes fenômenos
pode impor sobre as identidades narrativas agenciadas por nossos sujeitos de pesquisa e,
de igual forma, sobre o reconhecimento de si (sobre a ipseidade) - e por que não, aqui

1
9
usar a expressão de Georg Simmel (1934), da tragédia da cultura mediante a
polissemia da Alteridade.
Neste binômio, memória e esquecimento e a relação tempo e narrativa para tratar
da duração, recorremos a Walter Benjamin, outro historiador, que tem na poética do
tempo e na teoria da alegoria, seu projeto intelectual. Diferentemente de Ricoeur, a via
inspiradora agora é a dialética marxista e a ambição materialista, mas não sem críticas
suas aos apriorismos do paradigma estruturalista. No Brasil, Benjamin é revisitado de
forma muito competente por Jeanne Marie Gagnebin13 e por Willi Bolli que destacam
sua oposição ao historicismo e sua adesão a um gênero dialético ou uma escritura
imagética, uma vez que para Benjamin a sociedade se relaciona a uma realidade
estética, “o próprio real pode ser lido como um texto”14 opondo-se assim também ao
determinismo econômico do materialismo histórico. De sua obra e das análises de sua
obra detemos a crítica ao tempo linear e a adesão ao “tempo de agora” (tempo do
choque pela influência freudiana) que restaura o passado testemunhal, no que segue a
Marcel Proust e ao tema do esquecimento no que segue a Kafka15. Para nossa linha de
reflexão sobre o estudo do tempo e da duração, a preocupação benjaminiana com as
descontinuidades das experiências de socialidade e da arte de narrar no contexto
capitalista e, em grande parte urbano, são instrumentos analíticos importantes. As
catástrofes (o progresso) determinadas pelo capitalismo perverso são por ele definidas
como degradação e perda da aura condicionada ao processo de fragmentação e de
secularização nos tempos modernos (Gagnebin, 1993, p. 11).
Em Benjamin, o trabalho da memória é conhecimento ético e estético, posto que
historicamente especificado, tendo Benjamin uma visão barroca da história16. Este
passado não é pura representação, ou mímese do passado, antes “reconhecimento de
uma imagem do passado” (Seligmann-Silva, 2001, p. 373). Sob influência de Proust, a
teoria benjaminiana do vestígio, “manifestação do tempo no espaço” (Otte, 2001, p.
408) restaura o passado pelo ato da reminiscência. Distancia-se da preocupação de
Bergson (1990) a quem Benjamin contrapõe com a obra Em busca do tempo perdido de
Proust (Benjamin, 1989, p. 105), que avança ao conceito de memória pura em Bergson

13
Para a autora Benjamin pertence a uma geração que têm em comum a crítica ao modelo de filosofia do
início da Idade Moderna o que ela define por “virada lingüística” citando Benjamin, Heidegger,
Wittgenstein e Adorno (Gagnebin, 2001).
14
Georg Otte (Otte, 2001) cita aqui a Obras das Passagens de Walter Benjamin.
15
Tratados nos seus escritos “Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo” (1990) e nos seus
estudos sobre a experiência e a narrativa em “Magia e técnica arte e política” (1993).
16
Recorrer a sua tese “Origem do drama barroco alemão” (1984).

2
0
propondo o conceito da memória involuntária que articula fortemente tempo e imagem
ou imagem-tempo (dimensão espacial das imagens), uma vez que Benjamin estava
preocupado em “desvendar o elemento espacial que envolve e detém o tempo”
(Seligmann-Silva, 2001, p. 366). A revelação do conhecimento social está implícita na
narrativa revelada em “imagens dialéticas”17. Somado ao tom da doutrina benjaminiana
da alegoria, temos um complexo estudo sobre imagem e memória. A inspiração
proustiana da memória involuntária, “o cheiro da madelaine (bolo)” faz-nos imergir na
mímese ao objeto, presente no tempo vivido da experiência ordinária do cotidiano, no
efêmero, no inesperado, na ruína, no trapo, ou para referirmos-nos a estética da vida
moderna, nos detalhes, nos fragmentos, na “elaboração micrológica” (Gagnebin, 2001,
p. 360). A identidade em Benjamin não consiste em resgate objetivo de si no passado ou
na identificação ao Outro por empatia (na representação coletiva), antes há uma
“primazia do objeto” (Gagnebin cita Adorno) no tempo presente, onde há luta contra o
esquecimento em que “a experiência mimética se atém à observância de uma
proximidade do não-idêntico” (Gagnebin, 2001, p. 361). A imagem de si (narrativa
autobiográfica) é trabalho de restauro no presente “carregado de vestígios”, atenção
máxima as “ruínas da lembrança” na “poeira das moradas” (“tempo explodido”) dos
laços-vestígios que nos ligam a sentidos simbólicos apreendidos das gerações
precedentes. Todos os sujeitos, em suas vozes, são testemunhos possíveis, mesmo na
eternidade dos destroços, de histórias das experiências narradas. Todo “Eu” é passagem,
toda “Alteridade” é deslocamento onde a identidade é restaurada na rememoração
reatualizada na linguagem, revelador do caráter simbólico da palavra que porta a idéia e,
por esta, a compreensão de si (Benjamin, 1984).
Para Benjamin a teoria da memória considera a sociedade na relação com a
experiência histórica. Ele se distancia de seu mestre Bergson que, segundo Benjamin,
propõem um conceito de duração que se afastou da história suprimindo a
descontinuidade, ou a morte e excluindo a possibilidade de acolher a tradição
(Benjamin, 1990, p. 137). Critica assim a noção de memória bergsoniana que não
passaria de uma imaginação tímida à beira do pensamento abstrato. Este, ao contrário,
opõe a memória aos sinais conscientes e perceptivos. Silvia Borelli em artigo sobre
memória em Benjamin (1992) pontua sua máxima: “Para Benjamin, a grande questão na
reflexão sobre a memória não é propriamente aquilo que é possível rememorar, mas é

17
“Onde o pensamento paralisa-se numa constelação carregada de tensões aí aparece a imagem dialética”
(Benjamin 1984).

2
1
saber lidar com o fantasma do esquecimento” (Borelli, 1992, p. 87). A situação
agonizante na modernidade das tradições e da narrativa, lhe preocupa como ameaça
mesma da eficácia simbólica da memória coletiva pela perda significativa da
transmissão de experiências (em última instância da experiência interior) um domínio
do ser que diz respeito à compreensão e interpretação do passado (“memória
involuntária” de Proust) que o exercício de rememorar resgata sobrepujando a angústia
humana do medo ao esquecimento:
“Para Benjamin, portanto, onde existe experiência restaurada, existe a conjunção
inevitável entre passado individual e referenciais coletivos” (Borelli, 1992, p. 90), existe
vontade de vida, de duração, pela referência profunda à figura tradicional do homem, o
resgate do esquecido nas novas formas de sensibilidade e mudanças nos mecanismos de
percepção assinalados por Simmel ao estudar o indivíduo na metrópole e a vida mental.
Este encontro do presente com o passado nasce do reconhecimento das rupturas de
uma temporalidade que nos parece contínua, mas cujo ato de relembrar sugere uma
relação reflexiva com a trajetória histórica do sujeito e do coletivo do qual emerge.
Benjamin nega assim a concepção historicista que prioriza a causalidade histórica, que
evita o presente, antes, o tempo está contido na “imagem dialética”18 entre “despertar” e
“recordar” dos sujeitos históricos. O passado é conhecimento a partir de um presente
conceitualizado e re-situado pela narrativa, prática de rememoração e meditação
reveladora.
Neste processo o papel do historiador em sua escuta à voz do habitante-narrador e
em seus escritos (para nós o etnógrafo), escava nas profundezas da memória a
reminiscência narrada, pois que é do presente que o passado é revelado, projeto de
construção política da memória restauradora do movimento da humanidade, desejo do
“anjo da história” (Kangussu, 2001, p. 4140. O trabalho de restauro é lidar com os
fragmentos, pedaços da tradição, ruínas na modernidade pelo método de constelar
imagens por montagens colagens ou fotogramas, como em uma escritura barroca, o
tempo é espacializado e não cristalizado (Benjamin, 1994). Montagens sempre
reinterpretadas que jamais terão forma definitiva e fechada, trata-se de um método que
necessariamente deverá dar a liberdade de transformação, a forma constelada que
permite a abertura afetiva para as imagens em movimento, ou na concepção
benjaminiana, “de passagem constante”, que exige do pesquisador o trabalho da coleção.

18
“Imagem dialética não se opõe em termos absolutos à imagem onírica, mas guarda dela um resíduo
mítico” (Bolle, 1994).

2
2
Trata-se do pesquisador benjaminiano em sua obra de cartografar a cidade que é a do
sujeito histórico-urbano e que é também a cidade de suas reminiscências. O trabalho do
pesquisador-restaurador, em sua escuta e em sua visualização re-descobre a vida privada
e a vida pública resistente as matizes do poder estruturador. A vida comum, o presente é
“editado” no trabalho do pesquisador que constela as imagens em suas descontinuidades,
por suas semelhanças sensíveis que correspondem e não por analogia, antes pelo trabalho
de cortes e montagens do movimento na cidade moderna do flaneur baudelairiano, do
blasé simmeliano, do solitário museliano, do traumatizado freudiano, do pessimista
nitzcheniano na busca por uma memória fragmentada do tempo perdido.
Esta memória como produto da razão em Benjamin, lembra igualmente a linha do
trabalho do sujeito que se quer ético no processo de reconhecer-se como sujeito da ação,
da consciência. Um sujeito ético, diria Michael Foucault (1988), reconhecendo-se o
tema da Alteridade não pelo idealismo transcendental (Spinoza), nem pelo traumatismo
da Alteridade (Nietzche), mas, antes, por um sujeito reflexivo, que resiste, onde “o ser é
estruturado pelo desejo da própria existência” (Ricoeur, 2000, p. 59).

A grafia da duração
Apesar de não ser assunto deste artigo, vale lembrar que, em meados dos anos 70,
Michel De Certeau (2002) abordou com propriedade o assunto da oralidade (a voz do
nativo) e da escrita (a palavra), marcando de forma perspicaz algumas das
especificidades das pluralidades temporais que comportam as fontes do pensamento
antropológico, em especial, sua expressão viva da sua produção textual. Segundo o
autor, inspirado na concepção de etnologia em Claude Lévi-Strauss (as condições
inconscientes da vida social), a antropologia nasce da palavra viva do nativo o qual, por
sua vez, desconhece as leis silenciosas que a regem; a palavra viva vai se transfigurar
em palavra escrita, organizada num espaço outro que não o da oralidade.
As idéias de Michel de Certeau (2002) sobre a etno-grafia podem nos auxiliar a
precisar melhor o que estamos abordando aqui como linha de investigação. Ressaltamos
que o autor tem por preocupação reunir uma reflexão que abarca o diálogo entre história
e antropologia (etnologia) para melhor refletir sobre a determinação mútua entre o oral e
o escrito. E esta é apenas uma das partes de nosso imenso problema como antropólogos
no tratamento documental da etnografia da duração.
Na sua forma escrita, o mal estar da etnografia como texto trata, assim, dos
desacordos do sentido atribuído pelos antropólogos à voz do outro, e isto, no interior de

2
3
um logos que desde a origem não pertence ao “nativo”. E isto com um agravante, o da
descoberta de que este sentido comum acordado entre os antropólogos não deriva de
algo que é próprio ao outro ou a sua cultura, mas que se coloca no plano dos conceitos e
teorias da própria antropologia.19 De outra forma, a etnografia na sua forma textual ao
conduzir, hoje, cada vez mais os antropólogos ao desentendimento acaba por contribuir
para as suas bases epistemológicas.
Avançando no assunto, no tratamento documental da identidade narrativa, se torna
relevante alguns comentários sobre a importância da aventura do corpo da letra para o
vigor do pensamento antropológico em transpor, para a escrita, a força de ilustração do
Verbo para a construção da etnografia como texto. Neste ponto, especialmente,
aderimos às idéias seminais de Jacques Ranciére (1994) segundo as quais a letra tem
por aventura figurar o encadeamento narrativo da velha arte de contar histórias20.
O conceito de figura se contrapõe ao tratamento documental da narrativa oral
como escrita muda das coisas! Neste sentido, o corpo da letra se opõe ao principio da
forma que trabalha a matéria da identidade pura da idéia. Ao contrário, a escrita em seu
longo trabalho de figuração engendra a presença do sensível, um corpo que anuncia
outro corpo, pois, para ter seu corpo da verdade, a escrita necessita que alguém lhe
encarne como verbo (Ranciére, 1994, p.48). Ou seja, o reconhecimento de que no
interior do corpo da letra morta habita a palavra viva. Se a etnografia da duração e a
nossa meta, sua realização traz consigo o desafio da aceitação de uma leitura figural
para o tratamento documental da identidade narrativa, ao ser restaurada, pelo
antropólogo, por meio dos dispositivos técnicos da produção de imagens visíveis ou
não. 21
Nos termos de Michel de Certeau (1995, p. 80), o corpo da letra, na produção de
conhecimento de uma etnografia da duração em Antropologia, sempre nos interroga
como etno-grafo de onde falamos e o que se pode dizer (ainda que se tente resolver a

19
É disto que se trata, por exemplo, a polêmica que reúne de um lado, Marshall Sahlins e, de outro,
Gananath Obeyesekere, e do qual resultou o livro Como pensam os nativos (Sahlins, 2001). A polêmica
entre ambos (do mito europeu da irracionalidade indígena e a racionalidade burguesa dos havaianos)
sem dúvida revela que do desentendimento entre os antropólogos podem decorrer, para o caso do nativo,
situações úteis ou nocivas.
20
Para, Rancière, na linguagem figurada se esconde o livro da vida, e é, portanto, no interior da fabulação
que o jogo figurado da linguagem faz funcionar a verdade do romance tanto quanto de um texto
etnográfico.
21
Retomamos com Rancière (1994, p. 59) a filosofia cristã para prosseguir em seus comentários para
pensar a noção de figura como referida a uma arte de fazer e a promessa de uma verdade. Com o autor,
podemos compreender o deslizamento da poética do texto religioso (função figural do corpo da letra) para
a poética do texto romanesco (função figurativa do corpo da letra) e onde o figurativo tende a apagar o
figural, mas que, ao apagá-lo conserva, entretanto, seu poder de atestar um corpo.

2
4
função social da cultura erudita no interior da prática antropológica apenas com o
debate em termos das questões formais da produção textual). Sabiamente este autor
conclui (1994, p. 82): a linguagem instala-se nessa ambigüidade entre aquilo que ela
implica e aquilo que ela revela. E, neste ponto, a linguagem empregada pelo etnógrafo
na transcrição de um relato (récit) não foge a regra pela forma como ela se propõe a
articular, numa coerência funcional o pensamento simbólico e o sentidos dos conceitos
antropológicos, entre os símbolos constitutivos da imagem daquilo que é narrado e o
dinamismo organizador do conteúdo as quais a ordem das imagens aludem.

Memória coletiva, etnografia da duração e o domínio do fantástico.


Para nós, o fenômeno da memória coletiva comporta o fenômeno da sucessão
temporal no bojo da descontinuidade, e onde, aderindo as teses bachelardianas, o tempo
revela-se hesitação. Daí que nossa proposta de que a etnografia da duração persegue a
obra de recordar, a qual configura uma intenção, no instante presente, uma vez que
“nenhuma imagem surge sem razão, sem associação de idéias” (Bachelard, 1989, p. 51).
Ou seja, sem que no semantismo das imagens estejam presentes as estruturas espaço-
temporais através das quais a memória se configura como construção de um ato de
duração.
Estamos nos referindo, obviamente, a pesquisa antropológica com memória
coletiva através da produção de imagens (fotográficas, videográficas, literárias e
sonoras) no contexto de etnografias realizadas no âmbito das grandes metrópoles
contemporâneas.22 Ainda que centralizando a prática etnográfica na cidade de Porto
Alegre, nossa experiência acadêmica com orientações de dissertações e teses, nos impõe
este mesmo percurso de pesquisa em outras grandes metrópoles do norte, sul e centro-
oeste do Brasil.
Entre as inúmeras técnicas e seus procedimentos de pesquisa, a observação
participante e a etnografia de rua (Eckert e Rocha, 2003b, 2008) acopladas aos trabalhos
sistemáticos de ver, ouvir e escrever (Cardoso de Oliveira, 2000) histórias sobre a
cidade moderna e seus territórios de vida, tem sido as mais freqüentes como formas de
acessar as formas de sociabilidade, os itinerários urbanos, as trajetórias sociais e as
narrativas biográficas de seus habitantes.

22
Nas pesquisas desenvolvidas no interior do Banco de Imagens de Efeitos Visuais, a incorporação das
novas tecnologias eletrônicas e digitais na produção de coleções etnográficas tem sido capaz de nos
encaminhar para o aprofundamento de uma reflexão singular sobre o surgimento de novas modalidades
de se operar a construção de conhecimento antropológico no interior de sua matriz disciplinar

2
5
Nosso propósito de pesquisa, não se restringe a descrição destas ações como
dinâmicas urbanas, pois seguimos a vocação de problematizar o tempo pensado e vivido
na rítmica da vida cotidiana que apreendemos com os nossos sujeitos de pesquisa no
contexto metropolitano. Seguimos a ritmanálise na dialética da duração bachelardiana
em seus esforços em interpretar a rítmica das polarizações da
descontinuidade/continuidade e da fragmentação/universalização nas grandes
metrópoles contemporâneas como expressão de suas formas desde um tempo granular e
lacunar, na qual, reconhecemos, se engendra sua própria condição de duração (Eckert e
Rocha, 2005).
Se o tempo é vibração e hesitação, por sua feição lacunar e, ao mesmo tempo, se a
vida é movimento e construção produtiva, criadora de estruturas dinâmicas, toda a
análise temporal das formas de vida social nas modernas sociedades urbano-industriais
tem por desafios ultrapassar a perspectiva de uma simples tradução desta oscilação dos
instantes em falhas do tempo. Nosso desafio tem se constituído, assim, na produção de
etnografias, em diversas mídias e divulgados em www.biev.ufrgs.br dos diferentes
ritmos que configuram uma comunidade urbana como tal, e a descrição dos arranjos da
vida coletiva que se propaga no interior de seus territórios.
Da mesma forma, ao adotarmos o postulado bachelardiana, retomado por Gilbert
Durand, de que o tempo é hesitação tanto quanto a continuidade substancial da matéria
só intervém tardiamente, reconhecemos que a compreensão da dinâmica dos processos
culturais nas modernas sociedades complexas impõe ao antropólogo, em seu trabalho de
campo, sua aderência ao dinamismo das narrativas que as animam.
Sob este ângulo, os estudos antropológicos nas cidades brasileiras e a que
desenvolvemos em Porto Alegre de forma privilegiada, no âmbito do projeto Banco de
Imagens e Efeitos Visuais, seguem a tradição dos estudos das sociedades complexas
inaugurado por cientistas como Ruth Cardoso, Eunice Durham e Gilberto Velho em
suas filiações teóricas ao paradigma dialético e ao hermenêutico, predominantes a partir
dos anos 1960-70 no questionamento sobre a Alteridade a partir do eixo temático
identidade-diversidade. Assim, na releitura desta tradição do pensamento antropológico
no Brasil, o desafio tem sido compreender as ondulações e os ritmos dos tempos vividos
e dos tempos pensados, dos tempos intransitivos e dos tempos do mundo dos habitantes
dos grandes centros urbanos.
Na etnografia da formas de viver dos habitantes das grandes metrópoles, nas suas
narrativas figuradas, busca-se reter o momento singular em que a matéria do tempo,

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travestida de lembranças e reminiscências compartilhadas pelos habitantes no jogo das
formas sociais, traduz a vida urbana em raios ondulatórios. É, portanto, nas
descontinuidades aparentes da vida urbana, que a matéria das ações passadas destes
habitantes se desenvolve e se manifesta segundo seus distintos universos simbólicos,
sob a forma de ritmos, os quais atribuem uma substância ao viver a sua cidade, ao seu
bairro, a sua rua, ao seu edifício, ao seu condomínio.
Em particular, os estudos com etnografia da duração no interior da pesquisa com
memória coletiva, narrativas biográficas e formas de sociabilidade no mundo urbano
porto-alegrense têm nos auxiliando a refletir sobre o estatuto que a representação
etnográfica desempenha no contexto da cultura visual do mundo contemporâneo local.
O tempo lacunar que configura as modernas sociedades complexas tem nos estimulado
a pesquisar, em última instância, a matéria sutil do tempo da duração da vida humana
num determinado território – as grandes metrópoles-, e nos oferece como recurso
interpretativo a rythmanalyse (Bachelard, 1989) na forma de uma etnografia da duração.
Neste processo a perspectiva antropológica consiste essencialmente em dar conta das
dinâmicas sócio-culturais configurados pelo gesto do citadino de conformar o espaço
social em ações de pertença e em experiências de distinção, em que estão em jogo
valores, normas, funções e relações de solidariedade ou de antagonismo. Identidade e
diversidade operam justamente a complexidade dos movimentos e deslocamentos tanto
quanto das acomodações e enraizamentos de indivíduos e grupos sociais no contexto
metropolitano das modernas sociedades complexas.

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