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Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

PEF-2308 Fundamentos de Mecânica das Estruturas

Recalque Diferencial – uma

Questão Estrutural e Social

Componentes: Turma:
Carlos Frederico Meschini Almeida 51
Oswaldo Delfin Nogueira

Professor:
Osvaldo Nakao
I – O PROBLEMA

Os edifícios do Condomínio Núncio Malzoni, localizados na


Avenida Bartolomeu de Gusmão, 14, no bairro do Boqueirão, em Santos – SP;
apresentam inclinação lateral de aproximadamente 2 metros (cerca de 2,2º).

Os moradores dos seus 51 apartamentos (divididos em dois


blocos: •BLOCO A – com 17 apartamentos, um por andar; •BLOCO B – com
34 apartamentos, dois por andar), acostumados, conviviam tranqüilamente com
o desnivelamento das duas torres, que teve início logo após a conclusão da
sua construção em 1967.
Apesar de alguns visitantes sentirem uma sensação de mal-estar
e tonturas, não havia quaisquer transtornos motivados pela inclinação
exagerada dos edifícios (os elevadores, por exemplo, funcionavam
normalmente, não raspavam nas paredes, não faziam barulho e subiam sem
qualquer problema até o último andar). O que mais lhes incomodava até então,
era a desvalorização dos apartamentos; já que esses não alcançavam a terça
parte do valor de um imóvel similar, situado de frente para o mar, em ponto
privilegiado da orla (os apartamentos que valiam de R$ 300 a 400 mil, eram
vendidos por no máximo R$ 100 mil).
O condomínio tornou-se, então, atração turística da cidade, uma
vez que se tratava de prédios relativamente altos (17 andares e
aproximadamente 55 metros de altura) e que, portanto chamavam a atenção
dos curiosos que passavam pelo local.
No começo do ano de 1995, o Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT) divulgou um laudo informando que os recalques estavam
aumentando progressivamente (cerca de 1 a 1,5mm por mês – cerca de 1cm
por ano), adernando os prédios cada vez mais, e que esses poderiam ruir a
qualquer momento. Desde 1991, o IPT já definia a situação do Condomínio
Núncio Malzoni como de “iminência de riscos”, porém a falta de reparos e a
ausência de providências agravou a situação ainda mais, obrigando os
responsáveis pelo condomínio a apresentarem um projeto para a recuperação
ou demolição dos dois prédios naquele ano.

II – AS CAUSAS DO PROBLEMA

O problema de inclinação ou recalque sofrido no Condomínio


Núncio Malzoni é comum a outros 98 edifícios da orla de Santos, atualmente,
que vão desde a região do ferry-boat até a divisa com São Vicente (apenas na
Avenida Bartolomeu de Gusmão, há 39 edifícios que apresentam desaprumos).
Ele é ocasionado por dois motivos.
O principal motivo é que o solo de Santos é considerado o 2º pior
solo do mundo, perdendo apenas para o solo da cidade do México. Ele é
formado basicamente por uma camada superficial de areia, uma camada de
argila marinha mole muito compressível, algumas camadas de areia e argila
pouco espessas, e por fim uma camada de solos provenientes a decomposição
de rochas, rígida e segura.
A camada superficial de areia, por apresentar uma espessura
considerável, cria a falsa impressão de segurança e de que se pode
desenvolver qualquer tipo de construção sem empregar técnicas de fundações
profundas (processo de estaqueamento de vigas de concreto até atingir a
camada mais rígida e compacta do solo). É com essa impressão que a
construção do Condomínio Núncio Malzoni, bem como a dos outros 98 prédios
de Santos que apresentam também problemas de recalques, foi desenvolvida;
até porque nas décadas de cinqüenta e sessenta, quando essas construções
foram realizadas, as técnicas de fundações profundas estavam no início do seu
processo de desenvolvimento e o que existia na época era extremamente caro,
inviabilizando o custo da obra. Assim, as construtoras santistas, a fim de
acompanhar o grande crescimento imobiliário da época e avessas a investir
mais do que de 5 a 10% do custo da obra nas suas fundações optaram quase
que integralmente pela aplicação de técnicas de fundações diretas por sapatas
(processo que prevê a colocação de camadas de concreto sobre a faixa
superficial de areia).
Com isso, foram desenvolvidas construções de prédios com
muitos andares por toda a orla santista e em regiões onde as mesmas não
poderiam ultrapassar um certo limite de peso, devido a formação do terreno ali
localizado. O excesso de peso dessas construções, aplicado na camada
superficial de areia, foi transmitido para a espessa camada de argila marinha
mole, que recobre quase todo a território santista, e essa, por sua vez, sofreu
um adensamento que teve por conseqüência os recalques (afundamentos)
característicos dos 98 prédios e do Condomínio Núncio Malzoni.
No caso particular do Condomínio Núncio Malzoni, o solo da
região onde ele se localiza é formado por uma camada inicial areia compacta
de aproximadamente 12m de espessura, seguida de uma camada de argila
marinha mole de 30m, intercalando algumas camadas de areia e argila pouco
espessas, e por fim uma camada de solos provenientes a decomposição de
rochas, rígida e segura a aproximadamente 60m de profundidade.
Assim, como no caso dos
demais edifícios, o Condomínio Núncio
Malzoni também foi construído com a técnica
de fundações diretas. Esse fato em conjunto
com o peso da construção (cerca de 6,3 mil
toneladas) culminaram no recalque
progressivo dos edifícios do Condomínio
devido o adensamento e a reacomodação da
camada espessa de argila marinha mole sob
a camada de areia compacta na qual foi feita
a construção; caminhando para o ponto em
que o edifício poderia ruir, logo após o
surgimento de algumas trincas.
Os estudos feitos pela equipe
do engenheiro Prof. Dr. Carlos Eduardo
Moreira Maffei (contratado para elaborar o
projeto de recuperação do Condomínio),
concluíram que na região onde se localiza o
Núncio Malzoni não poderia ser construído
um prédio com mais de 10 andares,
aplicando a técnica de fundações diretas.

Além da
formação do solo, outro fator
que cooperou para o recalque
dos prédios de Santos, foi a
proximidade entre as
construções. Esse fator é
relevante, porque, assim,
uma mesma região é
solicitada pela carga de mais
de uma construção, havendo
uma sobreposição de dos
bulbos de tensão que cada
construção exerce sobre o solo em que se localiza; logo, a pressão exercida
sobre a camada de argila marinha mole é maior, fazendo com que na região do
terreno onde se localiza a sobreposição dos bulbos de tensão o adensamento
seja maior, consequentemente, o recalque é maior.
É esse fator que, juntamente com a irregularidade das espessuras
das camadas que formam o solo de uma dada região, provoca o afundamento
diferente de cada extremidade das construções, fazendo com que esse seja
maior na região mais próxima a todos os envolvidos, e inclinando-os, de modo
que esses se aproximem, parecendo que uma construção irá cair sobre a
outra.
No caso do Condomínio Núncio Malzoni, a proximidade com o
Condomínio Jardim Europa foi o fator que ocasionou, a inclinação dos prédios.
Por também se tratar de uma construção muito alta e pesada para a região, os
bulbos de tensão das duas construções se sobrepuseram, inclinando ambas de
tal forma que essas se
aproximaram.

Dessa maneira, os
recalques na fachada esquerda do
Núncio Malzoni foram maior que os
da fachada direita (o Condomínio
chegou a Ter sua fachada lateral
afundada em 45 cm), causando
uma inclinação que chegou a 2,10
m para a esquerda.

III – AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES E A TÉCNICA EMPREGADA

O problema de recalque não é nenhuma novidade para a


Engenharia Civil. Inicialmente, antes de começar a desenvolver um projeto,
deve-se saber se o objetivo é o completo realinhamento da estrutura ou apenas
impedir que essa venha a se inclinar ainda mais e, assim, poder sofrer um
colapso. Porém as técnicas usadas em ambas situações são as mesmas, só
que com intensidades diferentes.
O caso mais famoso de recalque é o da torre de Pisa. Com medo
de que o campanário pudesse vir a ruir, foi elaborado um plano de contenção
do mesmo e renivelamento, a fim de evitar uma inclinação ainda maior. Dessa
forma, foi feita uma série de perfurações e sangrias no terreno que envolve o
lado menos recalcado, que possibilitou o afundamento do edifício nesse lado.
Ao mesmo tempo foram fixados blocos de aço a esse lado, para aumentar o
peso e acelerar o afundamento e realinhamento. Paralelo a isso, a torre está
sendo escorada por uma cinta presa a dois cabos de aço presos a cerca de
200 m do edifício, que evitam um recalque maior. A torre de Pisa tem 60 m de
altura e 12,5 m de diâmetro, dimensões semelhantes às do Núncio Malzoni,
que levaram os engenheiros responsáveis pela sua obra se interessarem a vir
ao Brasil e conhecer a técnica inovadora aqui desenvolvida.
No caso do edifício Núncio Malzoni, inicialmente pensou-se em
amarrar os prédios ao seu vizinho inclinado, o Condomínio Jardim Europa de
modo que a movimento a favor da inclinação de ambos impedisse que os
prédios viessem a se inclinar ainda mais. Essa idéia, apesar de atrativa por
permitir que os custos fossem divididos entres os moradores dos dois
condomínios, mostrou-se inviável por não haver técnicas satisfatórias a serem
empregadas.
Em um segundo momento, inicialmente, pensou-se em realizar a
demolição e reconstrução adequada de todo o Condomínio Núncio Malzoni.
Porém, essa solução mostrou-se inviável devido ao seu custo extremamente
alto (algo em torno de 5 milhões de reais) e ao seu tempo longo de execução,
para não mencionar do incômodo aos moradores. Uma das causas que fez
com que essa possibilidade se torna-se inviável foi o fato de que a demolição
não poderia empregar técnicas de explosão, devido a proximidade e situação
estrutural delicada de outras construções.
Após a comissão de obras formada pelos condôminos ter
contratado a equipe liderada pelo engenheiro Carlos Eduardo Moreira Maffei,
composta pelo engenheiro de estruturas Paulo Mattos Pimenta e pela
engenheira de fundações Heloísa Helena Silva Gonçalves, a primeira proposta
apresentada indicava que uma acréscimo de 10 a 15 anos de vida útil do
edifício poderia ser obtido com o reforço estrutural de pilares e vigas. De
acordo com o engenheiro Paulo, a análise dos custos, dificuldades e prazo
desse tipo de intervenção levaram a equipe a optar pelo solução do
estaqueamento e renivelamento total do edifício, uma vez que se executassem
o projeto de reforço estrutural, além dos transtornos para os moradores, como
quebradeiras e sujeiras, não se iria resolver o problema da inclinação.
Para trazer o prédio de volta ao prumo foram planejados uma
série de procedimentos. Esses procedimentos foram inicialmente aplicados na
BLOCO A (o prédio que fica de frente para o mar) do Condomínio Núncio
Malzoni, e no caso de sucesso, seriam aplicados na BLOCO B do mesmo (o
prédio que fica nos fundos do condomínio).
A primeira etapa do projeto contou com a análise computacional
do edifício, na qual são representadas as estruturas de concreto armado e
calculados os seus esforços. Com o modelo detalhado, praticamente recriou-se
a história estrutural do edifício Núncio Malzoni desde a sua construção, e
passaram a ser feitos ensaios de possíveis recalque e rupturas.
O resultado dessas análises mostrou que se o prédio atingisse
2,20 m de inclinação, sua segurança estaria comprometida. Isso foi atingido a
partir da idealização da estrutura e da extrapolação dos seus esforços, mas o
valor obtido não indica necessariamente que o prédio ruiria, uma vez que o
número é apenas um referencial hipotético.
A implantação do projeto executivo de renivelamento do Núncio
ficou a cargo da construtora Carvalho Pinto.
Na primeira etapa, em 1998, foi feita a implantação de fundações
profundas por meio da execução de oito estacas em cada lado do edifício, com
diâmetros entre 1,00 m e 1,4 m, escavadas com lama bentonítica e protegidas
na camada de areia por meio da cravação de camisas metálicas. As estacas
atingiram o solo residual rígido a uma profundidade de 57 m em média (abaixo
da camada mole de argila, foi encontrada uma outra faixa de areia, seguida de
outra de argila mole, e só então, chega-se ao solo residual. Antes do início da
execução das fundações, as redes hidráulicas, elétricas e de telefonia tiveram
de ser remanejadas.

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retiradas cerca de 200 toneladas de terra entra as sapatas da
antiga fundação, que impediam o nivelamento por causa do peso que exerciam
nas fundações. Com a escavação foi encontrada uma camada de concreto
magro sob as sapatas que atrapalhava os serviços de reaprumo. Para liberar o
trabalho dos macacos teve-se que cortar essa camada de concreto e descolar
a sapata do solo. As antigas fundações do Núncio também haviam sido
travadas por vigas de concreto que enrijeciam a estrutura, executadas na
época da construção. O macaqueamento durou quase três meses e foi
supervisionado por toda a equipe que checava possíveis fissuras, forças e
deslocamentos. Em um dia de serviço chegou-se a efetuar 20 operações, todas
foram monitoradas e seus dados colocados no computador para uma análise
estrutural detalhada. Com essa etapa cumpriu-se o objetivo de subir cerca de
45 cm na fachada lateral esquerda e 25 cm na fachada posterior, pois o prédio
também havia inclinado para trás.
Hoje, o Núncio Malzoni está
completamente reaprumado, único caso na
orla e suas medidas são alvos de muitas
visitas e olhares internacionais. No entanto,
deve-se ter em mente que todo prédio tem
uma inclinação perigosa, e para cada
inclinação existe uma solução específica. O
mais importante é que cada morador tome
consciência dos problemas do seu edifício
independentemente de solucioná-los ou não.

O pioneirismo desse projeto deve-se a execução em paralelo das


três fases que estavam envolvidas no realinhamento do Núncio Malzoni:
• execução de fundações profundas;
• cálculo de concreto armado (que são as vigas construídas para transferir a
carga do prédio para a nova fundação);
• macaqueamento.
O ineditismo dessa obra refletiu-se em um processo lento,
gradual, de contínuo estudo e simulações, e caro; porém permitiu adquirir os
conhecimentos suficientes de uma nova técnica que poderá ser aplicada com
mais facilidade, rapidez e a um custo bem menor a um número grande de
edificações.

IV – AS CONSEQÜÊNCIAS
O reaprumo do Núncio é uma vontade dos moradores que vem
crescendo ao longo desses 30 anos de inclinações. Após a comissão de obras
do prédio receber os orçamentos de reaprumo do escritório do engenheiro
Carlos Eduardo Moreira Maffei, foi organizado um caixa de obras, que garantiu
a continuidade dos serviços. O orçamento inicial previu o investimento de
sessenta mil reais para cada morador para as três etapas, que foi dividido em
cotas corrigidas para facilitar o pagamento. Esse teve início em 1996. O custo
total da obra no final acabou ficando em 1,5 milhões de reais (o que resulta em
noventa mil reais por morador. Obviamente, esse valor representava uma
quantia muito alta, porém era a solução mais viável e o problema não podia ser
mais adiado, conforme os laudos feitos pelo IPT.
A partir de então, o custo elevado da obra de recuperação dos
prédios inclinados ia de encontro com a necessidade de iminente execução
dessas obras, uma vez que não era em todos os prédios que era possível
executar uma campanha de arrecadação de fundos com esse fim, pois os seus
moradores não possuíam condição financeira para tal.
Dessa forma, formou-se o interesse de desenvolver algum tipo de
financiamento público para obras de tal porte (que parem ou corrijam o
processo de afundamento e inclinação de edificações), uma vez que essas
possam representar uma iminência de risco para uma parcela significativa da
população de Santos.
Paralelamente, a Secretaria de Obras e Serviços Públicos
desenvolveu um projeto de lei que estabelece norma para o monitoramento dos
prédios com inclinação e exigência para a recuperação da edificações
comprometidas e esse já está encaminhado à Câmara Municipal. Além disso,
ela também passou a desenvolver normas para a ocupação dos terrenos bem
com a exigir estudos de compatibilidade entre a região e o projeto da
construção que seria executada nela, a fim de evitar que novos prédios com
recalques surgissem.

V – BIBLIOGRAFIA

• Coletânea de reportagens do jornal A TRIBUNA de Santos;


• Coletânea de reportagens do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO;
• Revista TÉCHNE, nº.: 51;
• Revista VEJA SP, 7 de fevereiro de 2001;
• Jornal do Engenheiro;
• Revista JÁ, 22 de outubro de 2000.

VI – AGRADECIMENTOS

• Maffei Engenharia, São Paulo – S.P.

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