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Campo Grande-MS
2005
ANA CRISTINA CARNEIRO DIAS
AMILCAR ARAÚJO CARNEIRO JÚNIOR
Campo Grande-MS
2005
TERMO DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Dra. Profa. Rosana Siqueira Bertucci
(orientadora)
________________________________________________
Profa.
(UNAES - convidada)
________________________________________________
Profa.
(UNAES - convidada)
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 9
5 COISA JULGADA........................................................................................................ 64
5.1 COISA JULGADA MATERIAL X FORMAL ......................................................... 64
5.2 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO............................................................... 67
5.3 COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL............................................................. 70
5.3.1 Coisa julgada nas sentenças sobre relações jurídicas continuativas ........................ 72
5.3.2 Coisa julgada no mandado de segurança ................................................................. 74
5.4 COISA JULGADA COLETIVA................................................................................ 75
5.5 COISA JULGADA AMBIENTAL ............................................................................ 78
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 119
9
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo estudar e vislumbrar situações em que se faz
mister a relativização da coisa julgada ambiental, sob pena de negação ao direito ao meio
ambiente saudável, ou negarmos a própria existência dos princípios ambientais
fundamentais insculpidos no artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988.
A pesquisa tem como marco inicial o estudo do meio ambiente como direito
fundamental, passando pelo histórico sobre o direito à proteção ambiental, e esta proteção
e sua evolução no Brasil até a proclamação da Constituição Federal de 1988, dando ênfase
ao estudo dos princípios ambientais e do objeto do direito ambiental.
Fácil perceber que nos primórdios, a proteção ambiental estava muito mais
relacionada com o temor a Deus e à própria sobrevivência do que a qualquer grau de
conscientização sobre a necessidade de preservação da vida na Terra.
O primeiro evento de importância, podendo ser considerado uma fonte remota para
uma formulação de ordem legislativa, atentando para a gravidade da situação foi a
“Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”1, promovida pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972.
Outra formulação de muita valia para a ordem legal, entre outras2, apesar de não ser
dotado de autoridade jurídica stricto sensu, mas com peso no ordenamento jurídico, é a
chamada “Agenda 21”.
1
United Nations Conference on the Human Environment.
2
“Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar”, Convenção Marco das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas”, “Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas”, “Convenção das
Nações Unidas sobre a Biodiversidade”, “Diretrizes de Montreal para a Proteção do Meio Ambiente
Marinho de Fontes Provenientes da Terra”, etc.
13
se demonstrará, no Brasil, após a Constituição de 1988, não é mais possível que figure
como mero apêndice de outros ramos do Direito, devido à sua importância e dimensão.
Com base no ordenamento jurídico, Milaré (2001, p. 93) dá a noção sobre o direito
do ambiente como sendo
Freitas (2002, p. 26) ensina que duas situações surgiram da nova ótica sobre o tema.
Alguns Estados não alteraram o texto constitucional, mas passaram a interpretá-lo sobre
com atenção ao aspecto ambiental. Assim, por exemplo, um dispositivo que protegia a
saúde passou a justificar interpretação da lei sob a visão de proteção ao meio ambiente. O
raciocínio era simples, mas consistente. A saúde das pessoas depende diretamente de um
saudável ambiente.
3
Brasil, Lei 6.938/81, artigo 3.°, inciso I: “[...] meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas;".
14
Porém, antes dessa visão, chamada pela doutrina de fase “holística”, o Brasil
vivenciou fases em que não se buscava a preservação do meio ambiente, pois o
colonizador (explorador) buscava principalmente ampliar as fronteiras da colônia,
concebendo que os recursos naturais eram intermináveis.
exemplo, dispositivo vedando a qualquer pessoa de jogar material que pudesse matar
peixes e sujar as águas do rios e lagoas.4
Havia punição de degredação para o Brasil para aquele que cortasse árvore
frutífera5 e matasse animal “por malícia”6.
O Código Civil, forjado para tutela do direito patrimonial, dispunha sobre normas
de conteúdo ecológico, se bem que muito mais vocacionado para o atendimento dos
direitos individuais privados. É o que se apresenta nos artigos 554 a 591 do Código Civil
de 1916 que trata das relações e os conflitos de vizinhança.
A partir daí se inicia uma fase fragmentária, quando a preocupação maior era a de
proteger as reservas extrativistas, quando o legislador apercebeu-se da importância de
impor limites às atividades exploradoras (BENJAMIN, 2001, p. 62). Deu-se o surgimento
de vários diplomas legais, entre eles, destacam-se os mais importantes: o Decreto n. 16.300
de 31 de dezembro de 1923 (Regulamento de Saúde Pública), Decreto n. 23.793 de 23 de
janeiro de 1934 (Código Florestal) depois substituído pela Lei n. 4.771/1965; Decreto n.
24.643 de 10 de julho de 1934 (Código de Águas); Decreto-lei n. 794 de 19 de outubro de
1938 (Código de Pesca), depois substituído pelo Decreto n. 221/1967; Decreto-lei n. 1.985
4
“E pessoa alguma não lance nos rios e lagoas em qualquer tempo do ano [...] trovisco, barbasco, coca, cal
nem outro algum material com que se o peixe mate” (livro V, título LXXXVIII, § 7º, Ordenações Filipinas)
(MILARÉ, 2001, p. 79).
5
“O que cortar árvore de fruto, em qualquer parte que estiver, pagará a estimação dela a seu dono em
tresdobro. E se o dano assim fizer nas árvores for valia de quatro mil réis, será açoitado e degredado quatro
anos para a África. E se for da valia de trinta cruzados, e daí para cima, será degredado para sempre para o
Brasil” (livro V, título LXXV, Ordenações Filipinas).
6
“E a pessoa que matar a besta, de qualquer sorte que seja, ou boi ou vaca alheia por malícia, se for na vila
ou em alguma casa, pague a estimação em dobro, e se for no campo, pague o tresdobro, e todo para seu
dono: e sendo o dano de quatro mil réis, seja açoitado e degredado quatro anos para a África. E se for da
valia de 30 cruzados e daí para cima, será degredado para sempre para o Brasil” (livro V, título LXXVIII, §
7º, Ordenações Filipinas).
16
Apesar de várias leis versando sobre a matéria ambiental, não havia preocupação
com o interesse coletivo quanto à preservação ambiental. É que o conjunto de leis até então
não se preocupava em proteger o meio ambiente de forma específica e global, dele
cuidando de maneira diluída, e mesmo casual, e na exata medida de atender sua exploração
pelo homem (BENJAMIN, 2001, p. 81).
No início da década de 1980 veio a fase holística, já mencionada retro, quando, sob
os auspícios da conferência de Estocolmo em 1972, “pipocaram” diplomas legais mais
avançados e voltados à defesa do meio ambiente de maneira coletiva, tendo em vista que as
pessoas mais conscientes e inconformadas com a situação do planeta, exteriorizaram sua
indignação.
O marco inaugural desta fase foi a Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981 que
estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, fundamentada constitucionalmente na
Carta de 1967 que conferiam à União competência para legislar sobre defesa da saúde,
florestas e água.
A ela aliou-se a Lei n. 6.902/1981 que dispunha sobre estações ecológicas e áreas
de proteção ambiental, formando, nas palavras de Fiorillo e Rodrigues (1997, p. 157), “[...]
um plexo inicial de legislação global sobre a tutela ambiental: A Política Nacional do Meio
Ambiente”.
Outro diploma de relevo foi a Lei n. 7.347 de 24 de junho de 1985 que disciplinou a
ação civil pública como instrumento específico para defesa de interesses difusos e
coletivos, numa abordagem até então inédita proporcionando maior acesso à justiça, vez
que legitimou organizações não governamentais e o Ministério Público à proposição de
ações, pondo freio às investidas depredatórias ao meio ambiente por parte de entes
públicos e privados. Estabelece claramente a legitimidade para figurar no pólo ativo dessas
ações, não exigindo, pelo menos em relação ao Ministério Público, a chamada “pertinência
temática”, ou “representatividade adequada”, imposta em legislações alienígenas.
Entre outros dispositivos relacionados ao ambiente (arts. 23, incisos III, IV, V VI,
VII, IX; 170, inciso VI; e 225, caput), fez questão de dissipar quaisquer dúvidas porventura
18
Nos idos de 1983 foi criada pelas Nações Unidas a Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, cujas conclusões deram origem ao Relatório de Bruntland.
O texto inicia dizendo que “[...] todos os seres humanos têm o direito fundamental a um
ambiente adequado para sua saúde e bem-estar” (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 22). Isto
influenciou grandemente as organizações internacionais, dando surgimento a vários
movimentos, entre eles, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
de 1992, a “ECO 92” quando ficou consignado em seu artigo 1º que o centro das
preocupações com o desenvolvimento é o ser humano, tendo o direito a uma vida saudável
e em harmonia com a natureza.
19
De acordo com Miranda (2000, p. 533), foi com a Constituição Portuguesa de 1976
que se inaugurou, em âmbito constitucional, a vinculação do Estado e da sociedade
comprometendo-os com a salvaguarda dos interesses como ambiente.
Gavião Filho (2005, p. 22) comenta que a normatização ao meio ambiente recebeu
forte influência do Relatório de Bruntland, assemelhando-se muito dos sistemas
constitucionais, por exemplo, do Panamá (1972), Grécia (1975), de Portugal (1976), de
Espanha (1978).
Silva (2001, p. 27) registra ainda que o artigo 20, inciso II, da Constituição da
República considera, entre os bens da União, as terras devolutas indispensáveis à
preservação do meio ambiente. Alinha ainda o artigo 23 que reconhece competência
comum entre a União, Estados, Distrito Federal e os municípios para a proteção de
paisagens naturais notáveis e o meio ambiente, para combater a poluição em qualquer de
suas formas e preservar florestas, a fauna e a flora.
leva a crer que toda atividade econômica e empresarial somente pode desenvolver-se
mediante o atendimento a tal princípio. O artigo 173, § 5º da Constituição da República,
estabelece a responsabilidade penal da pessoa jurídica que deixa de observar o preceito
citado, merecendo maior meditação por parte dos penalistas mais obsoletos e com visão
mais ortodoxa, restando claro que está superada também a fase do direito penal individual.
O artigo 200 declara que ao sistema único de saúde compete, além de outras
atribuições, nos termos da legislação aplicável colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho (inciso VIII). Conforme Silva (2001, p. 28), isto tem
relação com o artigo 7º, inciso XXII da Constituição da República que cuida do direito dos
trabalhadores a um ambiente de trabalho higiênico.
Estes foram elaborados no intuito de dar direção aos operadores do direito, guiar o
poder público na elaboração e realização de políticas públicas e também à sociedade de um
modo geral.
O Brasil, pela simples leitura ao artigo 225 da Constituição Federal, denota-se que
adotou a Política Global do Meio Ambiente, concretizando os pilares para a garantia do
meio ambiente saudável através de princípios. Vejamos.
Este princípio garante às futuras gerações o poder de desfrutar dos mesmos recursos
naturais que o homem atualmente usufrui.
Por este princípio surge o dever de conduta, tanto da sociedade, quanto do Estado,
de planejar de forma sustentável e eqüitativa a apropriação e uso de recursos naturais.
Além disso, torna-se também imperiosa a erradicação da pobreza, principalmente dos
países em desenvolvimento, com auxílio dos países desenvolvidos e por outro lado a
redução do consumo irresponsável dos recursos naturais pelas populações detentoras de
maiores recursos financeiros.
Pense-se, por exemplo, na extinção de uma espécie animal. Como reconstituir sua
existência? Torna-se absolutamente impossível. Ademais, mesmo quando a reconstituição
material é possível muitas vezes torna-se inviável diante do altíssimo custo.
Alguns autores, como Milaré (2001, p. 117) e Fiorillo (2004, p. 37), não distinguem
o princípio da prevenção do da precaução, referindo-se aos dois como se idênticos,
colocando o princípio da precaução como uma forma de expressão do da prevenção que o
englobaria.
Costa Neto (2003, p. 72) aponta algumas nuances que justificam a separação entre
estes princípios:
Princípio 15: com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar
amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de
dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada
como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir
a degradação do meio ambiente.
Em havendo situação onde não exista conhecimento acerca dos riscos potenciais,
ou seja, na dúvida sobre a periculosidade de uma certa atividade para o ambiente, decide-se
a favor do ambiente e da sociedade, contra os interesses do potencial poluidor.
Se tivermos uma certeza científica do dano haverá aplicação imediata das medidas
ambientais. Porém, estas haverão de ser aplicadas também no caso de haver incerteza, pois
7
“A adoção de crimes de perigo em matéria de delitos contra o meio ambiente bem harmoniza-se com a
feição preventiva do Direito Ambiental, tendo em vista a tipificação da probabilidade de dano. Tipificando
o perigo de dano, a lei penal procura inibir a possível ocorrência de um dano ambiental através do
presumível desestímulo que a existência de uma figura delitiva exerce no tecido social.” (COSTA NETO,
2003, p. 73).
31
se assim não fosse estaríamos incorrendo em grave erro, diante da habitual característica da
irreversibilidade dos efeitos dos danos.
E isto é assim pois o princípio da precaução determina que devemos agir antes que
a ciência nos diga, com absoluta certeza, se determinada atividade é nociva ou não ao meio
ambiente.
Vale ressaltar que a observância do princípio da precaução pelo Poder Público não
tem finalidade de imobilizar o progresso da humanidade, da ciência ou da economia.
À primeira vista pode-se afirmar que o conceito é o mais amplo possível, porém
não faz nenhuma referência às variáveis econômicas e sociais que estariam presentes
decisivamente nas interações do meio ambiente, ou seja, o conceito legal não abrange
integralmente todos os bens jurídicos a serem tutelados, restringindo-se ao meio ambiente
34
Por conseguinte, constata-se que o legislador acabou por ampliar ainda mais o
conceito de meio ambiente para fins de proteção jurídica não o limitando apenas ao meio
ambiente natural, abrigando na definição os elementos da biosfera.
Milaré (2001, p. 55) ensina que quando o legislador fez esta opção levou em conta,
na categoria de recursos ambientais, o ecossistema humano, finalizando lapidarmente que
“[...] todo recurso natural é ambiental, mas nem todo recurso ambiental é natural”.
Na doutrina clássica e para o Código Civil vigente, bem de uso comum do povo é
uma espécie de bem público.
A natureza jurídica do bem ambiental vem sendo estudada e debatida pela doutrina.
Os bens ambientais são considerados como bem difuso por Fiorillo e Rodrigues
(1997, p. 90). Identificam três categorias de bens na ordem jurídica brasileira: bens
públicos, bens privados e bens difusos.
8
Redação determinada pela Lei 7.804 de 18.07.1989.
9
“[...] a atmosfera, as águas interiores, superfícies e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o
subsolo e os elementos da biosfera, a fauna e a flora” (artigo 3.º, da Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981).
35
terceira categoria de bem, que é o difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem
público.
Machado (2000, p. 61) comunga do mesmo entendimento, para quem: “[...] o bem
de propriedade privada pode adquirir institucionalmente a finalidade de interesse publico
[...], como, também, a um particular regime de polícia de intervenção e de tutela pública”.
Não resta dúvida de que a definição de bem ambiental de interesse público deve ser
separada da definição de bens públicos e privados do Código Civil brasileiro. A concepção
da lei civil discrepa do estipulado na Constituição Federal, que trata o meio ambiente como
bem da coletividade e não como res nullius.
De acordo com o artigo 98 do Código Civil: “[...] são bens públicos os bens do
domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os
outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.
E o artigo 99, incisos I, II e III, do Código Civil de 2002, dispõem sobre os três
tipos de bem público:
Os mares, rios já não são mais considerados bens públicos de uso comum do povo,
36
pois são relevantes para o equilíbrio ambiental, integrando um bem maior, o bem
ambiental. Este não pode ser considerado público, mas sim de interesse público.
Para Fiorillo e Rodrigues (1997, p. 97) aquilo que está prescrito no inciso I do
artigo 99, referindo-se ao artigo 66, inciso I, do Código Civil de 1916 são exatamente os
bens previstos, v.g. nos artigos 225, 215, 216, 200, § 6º, 182, todos da Constituição da
República, entre outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos ao meio
ambiente.
Todos são titulares do interesse de proteção a este bem, não se determinando quem
seja o titular.
É, portanto, um bem de uso comum do povo, a todos sendo lícito usar desse bem de
maneira arrazoada, dentro dos limites constitucionais e legais, pois é essencial à sadia
qualidade de vida. Estes aspectos fornecem a estrutura constitucional do bem ambiental.
Nas palavras de Fiorillo (2000, p. 53), “[...] temos que o art. 6.º da Constituição fixa
um piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz
mediante a cobrança de tributos), para o desfrute da sadia qualidade de vida”.
Dentro desse piso vital mínimo a preservação do meio em que vivemos merece
especial proteção, posto que, apesar dos direitos sociais pertencerem ao grupo de direitos
de 2ª dimensão (ou geração), sem o ambiente aqueles não podem ser exercidos. Um meio
ambiente hígido é condição sine qua non para o exercício de todos os direitos mínimos
inerentes ao ser humano.
38
E foi somente após a II Guerra Mundial que o mundo voltou-se para a necessidade
do reconhecimento dos direitos da coletividade, tendo colocado os direitos individuais do
lado dos direitos sociais e coletivos.
Surgiu aí, nas palavras do professor Lenza (2003, p. 23), a teorização do Estado
Social, evidenciando-se o grupo e colocando a questão social como preocupação principal
do Estado.
Segundo Fiorillo (2004, p. 3), após a II Guerra Mundial passou-se a detectar que os
grandes temas adaptavam-se à necessidade da coletividade, não mais podendo conceber a
solução dos problemas sociais tendo em vista o binômio público/privado.
quando se editou em 1965 a Lei n. 4.717 (Lei da Ação Popular) que, embora trouxesse
instrumento restrito, visava a defesa de direitos metaindividuais.
conjunto de vontades individuais, sendo que difere dos direitos coletivos justamente em
razão da divisibilidade desses interesses, ou seja, é possível que cada sujeito ingresse
individualmente com sua demanda porque o objeto da ação é divisível.
Nas palavras do professor Fiorillo (2004, p. 9): “[...] o direito difuso é aquele que se
encontra difundido pela coletividade, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo”.
Isso se deu graças ao professor Moreira (apud FIORILLO, 2004, p. 357-358) que
foi quem primeiro chamou a atenção para que a ação popular fosse encarada como
instrumento para a defesa dos direitos difusos. Para tanto, salientava que a Lei n.
4.717/1965 fixou o conceito de patrimônio com o fito de dilatar a área de atuação de
instrumento processual para fora do restrito círculo das lesões meramente pecuniárias,
tornando a ação popular mais interessante na perspectiva em que se situava seu trabalho
sobre interesses difusos.
A Constituição confere a qualquer cidadão – entendido como tal aquele que está em
gozo de seus direitos políticos – a legitimidade para a propositura da ação popular.
A Lei n. 6.938/1981, em razão de ser formada por normas de cunho material, não
continha o necessário vigor para melhor instrumentalizar a ação do Ministério Público. Foi
aí que, sentindo a necessidade de encontrar medidas mais flexíveis para a tutela do meio
ambiente e de outros interesses sociais relevantes, o governo federal acabou por promulgar
a Lei n. 7.347/1985, de caráter processual, modernizando e provocando verdadeira
“revolução” na ordem jurídica brasileira, já que o processo judicial deixou de ser visto
como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de verdadeiro
mecanismo de participação da sociedade civil na tutela de situações fáticas – jurídicas de
diferente perfil, vale dizer, daqueles conflitos que envolvem os interesses difusos.
[...] hoje pode-se dizer que o objeto da ação civil pública é o mais amplo
possível graças à (re) inserção da cláusula ‘qualquer outro interesse
difuso ou coletivo’ (inc IV do art. 1º da Lei nº 7347/85), acrescentado
pelo art. 110 do CDC.
Com a Lei n. 7.347/1985 que conferiu legitimidade para o seu ajuizamento também
a outros entes políticos do Estado e às associações, um segundo entendimento se formou,
desfocando a atenção do problema da legitimação e voltando-a para a natureza do interesse
material que se pretende protegido pelo Poder Judiciário: assim, aqueles filiados a este
entendimento dizem que pública será toda ação que tiver por objeto a tutela de um
interesse transindividual (MANCUSO, 2002, p. 17; MILARÉ apud MANCUSO, 2002, p.
17).
10
Lei da Ação Civil Pública.
11
“Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos? Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o enfoque
puramente doutrinário, será chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido proposta por qualquer outro
co-legitimado, mais correto denominá-la de ação coletiva” (MAZZILLI, 2005a, p. 65).
46
assim o pedido da ação para apurarmos sua verdadeira natureza (LENZA, 2003, p. 153;
MANCUSO, 2002, p. 20). Do ponto de vista teórico, inadequada mostra-se qualquer
qualificação da ação, seja ela coletiva ou civil pública.
Direitos estes que podem ser subjetivos ou tratar-se de interesses difusos e coletivos
dos membros associados das entidades, dos partidos políticos e dos sindicatos.
47
Por força deste remédio jurídico constitucional, coletivo ou individual, prever como
sujeito passivo qualquer autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público e em razão de exigir-se ofensa a direito líquido e certo, torna-
se pouco utilizado na prática para defesa dos interesses ambientais: seja porque o conceito
de poluidor é muito mais amplo que os atos praticados pelas autoridade públicas ou seja
porque dificilmente em matéria ambiental se consegue identificar direito líquido e certo
sem realização de perícia para constatar o dano ou a lesão.
Por fim, é bom que se diga que o mandado de injunção, diferentemente do que
ocorre quando visa dar efetividade a outros bens e interesses, se visar a tutela de bens e
valores ambientais o procedimento adotado é o constante da Lei de Ação Civil Pública (Lei
n. 7.347/1985), combinada com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).
12
“Por maioria de votos o Tribunal deferiu em parte o pedido de mandado de injunção para que se
comunique ao Congresso Nacional a mora em que se encontra a fim de que sejam adotadas as
providências necessárias ao suprimento da omissão. Vencidos em parte os Ministros Relator e Carlos
Velloso que também deferiam o pedido e fixavam as condições necessárias ao exercício do direito” (STF
– Pleno – MI nº 362-9/RJ – Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 3 maio 1996, p.
13.897)
49
Por essa razão, o direito de ação é, nesse caso, estabelecido não em função da
proteção do sujeito, no resguardo do seu eventual interesse individual, mas sim conferido
com base na perspectiva da proteção coletiva, quase pública. Daí porque não haver
vinculação que normalmente se dá no processo tradicional. Aqui, ao contrário, pretende a
lei eleger determinados entes que têm condições de serem titulares do direito de ação.
Assim, as associações civis que tenham um ano de vida e tenham como finalidade
13
Também aplicável às ações ambientais por expressa disposição do artigo 21 da Lei n. 7.347/1985.
51
estatuária a defesa do ambiente, poderão agir em juízo por meio das ações coletivas. Este
pré-requisito, muitas vezes, diante do caso concreto, poderá ser dispensável se transparecer
o manifesto interesse social evidenciado pelo dano ou relevância do bem a ser protegido.
14
STJ. Resp.n. 31.150 – SP – 2ª T. – j. em 20.05.1996 – rel. Min. Ari Pargendler – Revista de Direito
Ambiental, VOL. 13, p. 122. Registre-se, ainda, que nessa matéria já se entendeu dispensável até a
constituição legal da associação, com reconhecimento de personalidade jurídica da entidade (1º TACiv SP
– Ap. 686.319-4 – 6ª Câm – j. em 3.6.1997 – v.u.- rel. Juiz Windor Santos RT 753/244).
52
O entendimento que tem predominado15 é de que para estas legitimadas exige-se tão
somente a vinculação temática à defesa de bens e valores relacionados a qualidade
ambiental para o ajuizamento da ação.
15
“A exegese que nos parece mais lógica, frente ao art. 5º e incisos da Lei 7.347/85, é a seguinte: a) os incs.
I e II se aplicam, ambos, às associações; b) o inc. II se aplica tanto às associações como às entidades
paraestatais mencionadas no caput; c) quanto aos entes políticos e ao Ministério Público, não se aplicam,
por óbvio, as exigências desses incs. I e II do art. 5º daquela lei” (MANCUSO, 2002, p. 149).
53
pólo passivo da ação se for omisso quanto ao dever de fiscalizar e impedir que tais danos
aconteçam. Isto porque a Constituição Federal impôs ao Poder Público o dever de
preservar e defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
4.3.1 Da assistência
16
Mazzilli (2005a, p. 330), a vê com reservas. Fiorillo (2004, p. 330) diz: “[...] a vedação da intervenção de
terceiros (em especial os institutos da denunciação da lide e do chamamento ao processo) decorre do
sistema em si mesmo, ou seja, da desconincidência e do antagonismo existentes entre a regra da
responsabilidade objetiva e solidária em relação aos princípios individualistas e exclusivistas do Código
de Processo Civil e do Código Civil”. Mirra (2004, p. 227), não vislumbra a hipótese da intervenção de
terceiro na modalidade assistência pois se tratar de um dos co-legitimados diz configurar litisconsórcio, e
se tratar de cidadão querendo adentrar no pólo ativo da ação, diz ser inadmissível. Quando refere-se ao
pólo passivo, diz ser difícil sua imaginação pois ou será litisconsórcio do réu, ou não terá relação jurídica
para configurar no pólo passivo, estando pois sujeito a eficácia da coisa julgada, pela sentença ao final
proferida. Milaré (2001, p. 249-250), lança posição de que o co-legitimado ingressará no processo como
assistente litisconsorcial visto que nosso sistema não admite a constituição superveniente de litisconsórcio
facultativo unitário. Mancuso (2002, p. 219), por sua vez, admite a assistência nas modalidades
simples/adesiva ou ainda litisconsorcial/qualificada.
54
A ação de regresso prevista e possível nas ações civis públicas só cabe depois que o
legitimado passivo fizer o pagamento aos prejudicados. Assim, trata-se na verdade de
simples possibilidade de propor ação de regresso e não permissivo para utilizar-se da
denunciação da lide.
E quem melhor explica esta figura é o professor Alvim (apud FIORILLO, 2004, p.
331):
Vale mencionar que a posição do co-responsável deve estar bem caracterizada, não
se podendo conceber discussão paralela entre chamante e chamado, em detrimento do
regular andamento do processo para apuração da responsabilidade civil do réu originário, a
quem o autor endereçou a demanda inicialmente.
4.3.4 Do litisconsórcio
Nestas hipóteses, assim como ocorre quando o litisconsórcio acontece no pólo ativo
da ação, será facultativo e unitário, conforme já exposto anteriormente.
A teoria subjetiva tem na culpa seu fundamento basilar, só existindo a culpa se dela
resulta um prejuízo. Todavia, esta teoria não responsabiliza aquela pessoa que se portou de
maneira irrepreensível, distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano.
Aqui, argüi-se a responsabilidade do autor quando existe culpa, dano e nexo causal.
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva impura existe quando alguém
57
indeniza, por culpa de outrem, como no caso do empregador que, mesmo não tendo culpa,
responde por ato ilícito de seu empregado (art. 1.521, III, Código Civil; Súmula n. 341,
Supremo Tribunal Federal).
Gonçalves (2003, p. 91) pactua deste mesmo posicionamento aduzindo que: “Com
efeito, é irrelevante a demonstração do caso fortuito ou da força maior como causas
excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico”. E citando o professor Nery
Júnior diz:
Stoco (2001, p. 659), por sua vez, não pactua deste posicionamento e fundamenta
sua posição da seguinte maneira:
E continua o autor:
Tal, contudo, não significa que se possa afastar a incidência das causas
excludentes da responsabilidade, sob pena de negar a própria teoria, pois
essas causas, de que são exemplos os caso fortuito, a força maior e a
culpa exclusiva da vítima, têm o poder e a força de romper aquele nexo
causal (p. 659).
Vale ressaltar que, mesmo sendo lícita a conduta do agente, tal fator torna-se
irrelevante se dessa atividade resulta algum dano ao meio ambiente. Essa nada mais é do
59
Ou ainda, dano ambiental pode ser compreendido como sendo o prejuízo causado a
todos os recursos ambientais indispensável para a garantia de um meio ecologicamente
equilibrado, provocando a degradação, e conseqüentemente o desequilíbrio ecológico.
Stoco (apud SILVA, 2002, p. 656), define poluição como “[...] qualquer
modificação das características do meio ambiente, de modo a torná-lo impróprio às formas
de vida que ele normalmente abriga”.
60
Milaré (2001, p. 421-422) diz que “[...] dano ambiental é a lesão aos recursos
ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio
ecológico e da qualidade de vida”.
Stoco (apud MEIRELLES, 2000, p. 83) assim o conceitua: “[...] poluição é toda
alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causado por agente de qualquer
espécie, prejudicial à saúde, à segurança ou ao bem-estar da população sujeita a seus
efeitos”.
Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano
ao meio ambiente representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo,
autônomo, de interesse da coletividade, garantido constitucionalmente para o uso comum
do povo e para contribuir com a qualidade de vida das pessoas.
A Lei n. 6.938/1981 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente, entre outros
objetivos, visará a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados.
Dias (apud MIRRA, 2004, p. 306), menciona que “[...] reparação apresenta
invariavelmente a característica de um sucedâneo. Seu papel é o de propiciar um novo
estado de coisas que seja, na medida do possível, assimilável à situação frustrada”.
Ocorre que a regra, porém, é buscar-se, por todos os meios razoáveis ir além da
ressarcibilidade (indenização). O valor econômico não tem o condão de substituir a
existência e fruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, quando não for possível o retorno ao status quo, recairá sobre o poluidor a
condenação de um quantum pecuniário, responsável pela recomposição efetiva e direta do
ambiente lesado. Porém, na legislação pátria, não há critérios objetivos para a
determinação do referido quantum imposto ao agente degradador do meio ambiente. A
doutrina, entretanto, dá alguns rumos que devem se seguidos, como, por exemplo, a
reparação integral do dano, não podendo o agente degradador ressarcir parcialmente a
lesão material, imaterial e jurídica causada.
Professor Mirra (2004, p. 318), quem melhor trata da matéria, diz que limitar a
reparação dos danos ambientais em virtude da menor culpa ou da ausência de culpa do
degradador significaria, no final das contas, reinserir na responsabilidade objetiva a
discussão da culpa, o que a Constituição e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
pretende afastar.
Milaré (2001, p. 424) cita a difícil tarefa de se apurar o que deve ser reparado. E
neste ponto, descreve a tendência, de lege ferenda, de se instituir no ordenamento jurídico
ambiental brasileiro novas técnicas processuais, como a criação de uma ação revisional dos
danos causados ao ambiente, sempre que os recursos advindos da condenação se
mostrarem insuficientes para a completa reparação dos bens lesados.
62
4.3.5.3 Nexo
Conforme consulta ao artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública vê-se que o legislador
previu a possibilidade da antecipação dos efeitos da sentença desde que haja o
preenchimento dos requisitos periculum in mora e do fumus boni iuris.
Por sua vez, o artigo 84, § 3º do Código de Defesa do Consumidor preceitua que se
for relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
63
5 COISA JULGADA
Diz-se que coisa julgada é a decisão da qual não caiba mais recurso. A expressão
coisa julgada deriva da expressão latina res iudicata, que significa bem julgado. É que a
sentença, entendida como resultado final de um processo de conhecimento, acaba por
atribuir um bem a alguém. É a definição, por assim dizer, de uma situação, que a partir de
dado momento passa a ser estável ou duradoura, em virtude da chamada coisa julgada. Na
verdade a estabilidade, a imutabilidade ou a intangibilidade exprimem uma qualidade que
se agrega aos efeitos do comando contido na sentença.
O fenômeno impede, até mesmo que o próprio Poder Judiciário se manifeste acerca
daquilo que ficou definido na decisão acobertada pelo manto da coisa julgada. Neste
sentido, conforme o escólio de Wambier e Medina (2005, p. 21), esta é “a função negativa
da coisa julgada”.
Por outro lado o instituto tem a função de conceder segurança e previsibilidade aos
cidadãos de que as decisões emanadas do Poder Judiciário não se podem alterar senão
mediante fundamentos relevantes e por meio dos procedimentos legalmente exigidos.
criticável, pois mesmo que os artigos 267 e 269 do mesmo código aludam à extinção do
processo, o que se extingue, na verdade, é o procedimento em primeiro grau.
Os artigos citados dizem respeito quer a sentença, quer a acórdão, cujo conteúdo
seja uma sentença. Acórdão é uma decisão colegiada de tribunal que pode ter como
conteúdo o de uma sentença meritória ou não ou de uma decisão interlocutória.
O certo é que o único meio para se identificar uma sentença é pelo seu conteúdo, o
que vêm expressamente previsto nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil,
aplicáveis ao processo coletivo.
Depreende-se com Neves (apud BERALDO, 2005, p. 161) que se trata muito mais
de uma exigência política e de ordem prática do que jurídica.
entregue se torne estável, segura e indeclinável. Tem por isso, a res judicata, fundamento
precipuamente político (MARQUES, 2001, p. 324).
O Código de Processo Civil preceitua que a coisa julgada material é a eficácia que
torna a sentença imutável e indiscutível, porém a coisa julgada formal também torna a
sentença imutável.
Dinamarco (2002, p. 7), citando Liebman, traz raciocínio que torna inócua a
discussão acerca da diferenciação entre uma e outra, lecionando que:
Dinamarco (2003, p. 12) menciona que a distinção entre ambas reside em que a
coisa julgada material
67
Recente definição é a de Baptista (2002, p. 325) para quem a coisa julgada é “[...] a
qualidade que torna indiscutível o efeito declaratório da sentença, uma vez exauridos os
recursos com que os interessados poderiam alcançá-la”.
A doutrina mais aceita sobre o tema é a de Liebman (1981, p. 142) para quem “[...]
a autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma
qualidade de seus efeitos referentes, isto é, precisamente sua imutabilidade”.
Pode-se concluir que a coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim uma
qualidade que se agrega aos seus efeitos, seja constitutivo, declaratório, condenatório,
mandamental ou executivo lato sensu.
A Constituição da República assenta que a coisa julgada material não pode ser
atingida por lei posterior, mesmo que esta altere significativamente o regramento legal
aplicado para decidir o litígio. É o disposto no artigo 5º, XXXVI da Constituição da
República: “[...] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”.
A proteção à coisa julgada não impede que a lei preordene regras para a sua
rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa
julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei.
A lei não pode desfazer (rescindir, anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada (SILVA,
2004, p. 435).
Sendo certo que a lei – lex posteriorius – tem de respeitar a coisa julgada, claro que
esta deve manter-se inatingida ainda quando for a lei aplicada jurisdicionalmente
(MARQUES, 2001, p. 329).
É a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo o mais
no instituto é matéria objeto de legislação ordinária (LIMA, 2002, p. 89).
A coisa julgada é regulada pelo Código de Processo Civil que deve ser moldada de
modo a não conflitar com as normas e princípios da Constituição da República de 1988. É
o que se observa da lição de Delgado (2005, p. 45) para quem
69
Assim sendo, permite-se dizer que “[...] a coisa julgada será intangível enquanto tal
apenas quando conforme a Constituição. Se desconforme, estar-se-á diante do que a
doutrina vem denominando coisa julgada inconstitucional” (THEODORO JÚNIOR;
FARIA, 2005, p. 90).
A coisa julgada torna a sentença imutável, em regra, inter partes, quer dizer a coisa
julgada produz-se entre as partes fazendo irredutível o direito entre as partes que figuraram
no pleito e seus sucessores (CHIOVENDA apud MARQUES, 2001, p. 340).
O artigo 468 do Código de Processo Civil dispõe que “[...] a sentença que julgar
total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
Entretanto o artigo 470 do mesmo Codex dispõe que se a questão prejudicial for
decidida através de ação declaratória incidental, haverá coisa julgada.18
17
Artigo 458 do CPC: São requisitos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o
registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.
18
Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e
325), o juiz for competente em razão da matéria e constitui pressuposto necessário para o julgamento da
lide.
71
O artigo 469 declara o que não faz coisa julgada: I - os motivos, ainda que
importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos
fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial,
decidida incidentemente no processo.
Quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, com fulcro no artigo 472 do Código
de Processo Civil tem-se que “[...] a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros”. Significa investigar quem será
atingido pela coisa julgada.
Oportuno esclarecer que o julgamento final, como ato emanado do Poder Judiciário
tem eficácia erga omnes, os seus efeitos são imutáveis inters partes, ou seja entre as partes
(MARQUES, 2001, p. 336).
A eficácia natural da sentença vale para todos; mas a autoridade da coisa julgada
atua somente entre as partes.
Assim, não pode atingir terceiros que não participaram do processo onde a coisa
julgada se formou.
O terceiro que tiver interesse jurídico poderá impugnar o julgado que não estiver de
acordo com o direito objeto. É o que se observa nas relações jurídicas conexas a outras
onde surge habitualmente o problema da extensão subjetiva da coisa julgada.
A regra estatuída no artigo 472 do Código de Processo Civil que estabelece que a
coisa julgada somente atinge as partes é correta, porém não explica todos os fenômenos
ligados à coisa julgada.
72
Nas ações de estado, a simples leitura do artigo 472 do Código de Processo Civil
leva à conclusão de que nas questões de estado a coisa julgada é oponível erga omnes.
Numa ação que decrete a interdição, após o trânsito em julgado, seria imutável e
indiscutível em relação às partes e a terceiros.
sentença, podendo o interessado propor ação para revisão de alimentos. É o caso também
da ação revisional de aluguel.
Havendo possibilidade de revisão como ficará a coisa julgada? Estas sentenças não
transitam em julgado?
Grinover (apud CÂMARA, 2004, p. 483) leciona que o Código de Processo Civil
teria optado pela orientação de que as sentenças determinativas poderiam ser revistas em
função de uma especial natureza da relação jurídica deduzida no processo, a qual
implicaria numa sentença que conteria em si própria a autorização para que se procedesse
no futuro, à sua revisão.
Porém, se uma segunda ação não é idêntica à primeira não existe obstáculo à sua
apreciação. Assiste ao beneficiado pela mudança no status quo o direito potestativo de
provocar, mediante ação própria, a revisão de sentença anterior, cuja força vinculativa
permanecerá íntegra enquanto não houver provocação (ZAVASCHI, 2005, p. 119).
Assim, havendo modificação do status quo ante, possível será a propositura da ação
revisional ou ação de modificação anunciada no artigo 471, I do Código de Processo
Civil.19
19
Art. 471 - Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito;
caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
74
A ação revisional tem causa de pedir e objeto distintos da ação original (de
alimentos, v.g.), cuidando-se verdadeiramente de nova demanda, podendo livremente ser
apreciada pelo Poder Judiciário.
Deve-se fazer uma abordagem sobre o disposto no artigo 15 da Lei sob análise que
dispõe que “[...] a decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente por
ação própria pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”.
Com base em tais preceitos foi editada a Súmula n. 304 do Supremo Tribunal
Federal, cujo teor é o seguinte: “[...] decisão denegatória de mandado de segurança, não
fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso de ação própria”.
Entretanto, a ação denegatória pode ter diversos fundamentos. Pode ser denegatória
por falta de alguma condição da ação, podendo ser ajuizada novamente.
Mas a sentença pode ser improcedente por afirmar que o impetrante não tem direito
líquido, ou seja, o direito não pode ser comprovado de plano (MEIRELLES, 1989, p. 14).
Há doutrina que sustenta que uma sentença nestes moldes não decidiu o mérito,
reconhecendo a ausência de uma condição da ação. Meirelles (1989, p. 75) afirma a
existência da coisa julgada material.
Para Câmara (2004, p. 491), a sentença que afirma a inexistência de direito líquido
e certo é sentença de mérito, impedindo o autor que impetre mandado de segurança
75
novamente contra a mesma autoridade, pela mesma causa de pedir e com o mesmo objeto,
mas nada impede que vá às vias ordinárias. É porque a sentença reconheceu a inexistência
de direito líquido e certo, porém não a inexistência de direito substancial que pode ser
deduzido em juízo em outro processo que permita maior dilação probatória.
Não há, portanto qualquer diferença entre o sistema da coisa julgada do processo
civil e o mandado de segurança individual.
Na ação popular, o artigo 18 da Lei n. 4.717/1965 prevê que a sentença que julgar o
pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, alcançando todos os membros da
coletividade, além do próprio autor da ação. O mesmo ocorrerá se a sentença for julgada
improcedente, salvo se a sentença foi proferida por insuficiência de provas, hipótese em
que a sentença não alcançará a coisa julgada material. Neste caso, qualquer cidadão
munido de prova inovadora poderá propor nova demanda idêntica.
impedindo qualquer outro membro da comunidade de ingressar com nova ação popular,
mesmo com base em novas provas.
Tal sistema foi aplicado à ação civil pública (art. 16, Lei 7.347/1985), entretanto foi
alterado pela Lei n. 9.494/1997 que alterou o dispositivo pertinente, fixando limite
territorial para a coisa julgada, dizendo que
[...] a sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto quando o pedido for
julgado improcedente por falta de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar nova ação com idêntico fundamento, valendo-
se de nova prova.
A decisão fará coisa julgada conforme o órgão que a tenha proferido, isto tudo num
mesmo processo o que não é razoável, portanto, inconstitucional. Por isso, aplica-se para a
ação civil pública o mesmo sistema da ação popular.
Quanto à ação coletiva prevista no Código de Defesa do Consumidor, que tem por
finalidade a proteção de interesses difusos, coletivo lato sensu e interesses individuais
homogêneos o tema vem tratado no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, adota
o mesmo sistema das demandas coletivas em geral.
77
Prevê que a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se for improcedente por
insuficiência de provas quando a demanda versar sobre interesses difusos; ultra partes,
limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo se improcedente por insuficiência de
provas, quando veicular interesses coletivos e erga omnes, apenas nos casos de
procedência do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nos casos de interesses
individuais homogêneos. Neste último caso se a ação for julgada improcedente seja por
insuficiência de provas ou no mérito faz coisa julgada somente para aqueles que
participaram do processo.
Nas ações que versem sobre interesses coletivos, a coisa julgada se fará ultra partes,
afetando não somente as partes, mas também todos os integrantes do grupo, categoria ou
classe (exceto quando improcedente por falta de provas), mesmo que não tenham
participado do processo.
As ações que versam sobre os interesses transindividuais exigem uma visão muito
mais requintada, com trato diferenciado em relação ao direito individual, eis que visam à
defesa dos direitos de 3ª geração (ou dimensão) como o meio ambiente, consumidor e
outros, vêm sendo cada vez mais utilizadas pelo Ministério Público, entre outras entidade
que possuem legitimidade para tanto.
Portanto, a eficácia da sentença em ação civil pública, ação popular e nas ações
coletivas é ditada pelos modelos previstos no artigo 16 da Lei n. 7.437/1985, artigo 18 da
Lei n. 4.717/1965 e artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente,
como já salientado retro.
79
A Constituição do Brasil, logo em seu artigo 2º, preceitua que “São poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A par disso, nenhum ato praticado por quaisquer dos poderes pode contrariar a
80
Tal intento quase nunca é descoberto nem é de fácil comprovação em sede de ação
rescisória.
Muitas vezes, com bem adverte Aristóteles (apud MORAES, 2005, p. 66): “[...] a
81
Para Nery Júnior e Nery (2004, p. 866) as atividades do Poder Judiciário estão
fulcradas no princípio do estado democrático e de direito, exteriorizadas pelo instituto da
coisa julgada. Depreende-se que para os autores a coisa julgada é elemento de existência
do estado democrático de direito.
Pode até haver espaço para a convivência com sentenças injustas, sob diferentes
óticas, mas não pode haver mais espaço para a convivência com sentenças
inconstitucionais que viciam e enfraquecem o próprio estado democrático de direito.
A Lei de Introdução ao Código Civil, estabelece em seu artigo 4º que “[...] quando
for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito”.
O devido processo legal é uma cláusula balizadora desses princípios que devem ser
respeitados pela coisa julgada, mandamento insculpido no artigo 5º, inciso LIV, da
Constituição da República. É cláusula fundamental para a manutenção dos direitos e
garantias fundamentais, impedindo o arbítrio das autoridades legislativas, judiciárias e
administrativas (BULOS. 2003, p. 289).
O devido processo legal substantivo, que é o que interessa neste ponto, considerado
em sua face material, atua em todas as searas do direito na interpretação dos direitos e
garantias fundamentais expressos na Constituição.
Neste aspecto, constata-se que existe um elo estreito entre a mencionada cláusula e
o princípio da razoabilidade, proporcionalidade ou proibição de excesso, como vetor por
meio do qual se deve buscar a idoneidade, a adequação, enfim, a racionalidade. É por
intermédio do devido processo legal substantivo que se aprecia a razoabilidade dos atos
dos poderes, inclusive, do Poder Judiciário.
Para Barrozo (2003, p. 224) é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público
para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento
jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui
em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente
subjetiva.
Mas poder-se-ia dizer que tal princípio somente leva em consideração o aspecto
subjetivo, sem nenhum critério objetivo de aferição.
Durante muito tempo se estabeleceu o dogma de que a coisa julgada seria realmente
intocável, verdade absoluta inquestionável. É que se sustenta, seja um direito fundamental
de ordem absoluta, insuscetível de mitigação ou qualquer ataque. Chegou-se a dizer que a
coisa julgada transformava o preto em branco e o branco em preto.
Através dos tempos essa idéia foi superada não significando, entretanto, nenhuma
diminuição na soberania da coisa julgada, permanecendo imutável e indiscutível, conceito
que pode ser observado no magistério de processualistas de escol.
Para ele a sentença não pode expressar comando acima das regras postas na
88
Pelo exposto, o juiz não tem o poder absoluto e soberano de contrariar a própria
ciência quando ela própria indica caminhos a conclusões seguras no sentido oposto.
Aqui, é claro que com base em nova situação fática, ou seja, a verificação de danos
ao imóvel em data posterior não haveria impedimento, pois se trata de nova causa de pedir,
com lastro em fato diverso daquele que deu azo à primeira demanda.
Situação diferente é a situação do servidor público que teve declarado não ter
direito ao pagamento de adicional de insalubridade, quando vem lei posterior prevendo a
vantagem. Imediatamente terá direito a usufruir da vantagem, cessando a partir daí a
eficácia vinculativa do julgado. É a mesma situação daquele que à vista de incapacidade
temporária para o trabalho tem reconhecido o direito ao benefício de auxílio-doença a qual
tem força vinculativa até que haja a cura do segurado. Havendo cura, cessam os efeitos da
sentença.
exemplo fizeram com que a força da coisa julgada somente permanecesse até que uma
situação se alterasse em relação àquela quando se afirmou a inexistência do fato ou da
norma jurídica incidente sobre ele. Os efeitos das alterações fáticas ou jurídicas são
automáticas.
Portanto, não há como negar que a coisa julgada tem uma condição explícita nestes
casos, a cláusula rebus sic standibus (ZAVASCHI, 2005, p. 118).
Alterando-se o status quo, esta situação não tem efeitos imediatos e automáticos,
assistindo ao alimentante, no entanto, a iniciativa de nova decisão judicial, exercitando seu
direito potestativo pela mudança na situação de fato, provocando a revisão daquela
sentença. Esta terá eficácia ex nunc provocando a mudança da relação jurídica afirmada na
primeira demanda.
A sentença que os fixa está sujeita à cláusula rebus sic standibus, significando que
em havendo alteração do status quo ante a obrigação poderá ser majorada, diminuída ou
até mesmo extinta. Entretanto cumpre ao devedor de alimentos que obteve alteração fática
em sua condição financeira propor a pertinente ação judicial pleiteando o que entender
cabível. Outrossim se em relação ao credor houver acréscimo de suas necessidades
financeiras cabe a ele ingressar em juízo visando a majoração. Isto ocorre porque a
sentença faz coisa julgada rebus sic standibus.
Nas palavras de Zavascki (2005b, p. 120), “[...] são casos excepcionais, que, por
isso mesmo recebem interpretação estrita”, devendo-se ressaltar que a ação revisional não
tem o condão de anular a sentença ou rescindi-la. O que se modifica é a relação de direito
material e não a sentença.
Outro caso é a ação de revisão de sentença que tenha fixado valores locatícios para
ajustá-los a novas condições de mercado.20
20
Artigos 19 e 68 da da Lei 8.250/1991.
90
Zavascki (2005b, p. 121) exemplifica com um caso onde a alteração de direito teria
ocorrido com revogação de uma lei que serviu de fundamento para a sentença declaratória
de existência de obrigação tributária, em insistindo o Fisco em cobrar o tributo, assiste ao
contribuinte a faculdade de demandar judicialmente a declaração de inexistência da relação
obrigacional tributária e até mesmo a repetição do indébito relativo aos valores cobrados
depois da revogação. Neste caso a sentença de procedência terá natureza declaratória ou
condenatória, eficácia ex tunc, a partir da modificação do estado de direito.
Sem dúvida cuida-se de possibilidade de mitigação da coisa julgada, eis que houve
alteração no estado de direito que serviu de premissa para o julgamento anterior, portanto
estabelecendo novo silogismo se relacionado àquele que foi realizado, face à incidência de
nova lei.
Calha trazer à baila breve referência acerca de discussão em voga na área do direito
de família, porém já pacificado nos tribunais. É o caso da sentença que transita em julgado
com base em provas exclusivamente testemunhais e documentais em época pretérita
quando não existia o exame de DNA sendo julgada improcedente. Não poderia ser
rechaçada por intermédio da ciência, havendo exame de DNA que comprove o contrário?
Não teriam, filho e pai, o direito de obter a certeza sobre a paternidade biológica?
É avanço significativo para se desvendar o vínculo genético o que fez com que boa
parte da comunidade jurídica a ela se curvasse.
Para Wambier e Medina (2005, p. 189) o laudo pericial emitido após o exame de
DNA não está acima ou abaixo de uma decisão judicial anterior, mas algo que deverá
influir significativamente no julgamento da causa, devendo a prova ser apreciada pelo juiz
dentro do conjunto probatório realizado no curso da ação.
21
Recurso especial n° 317.809 - MG (2001/0043198-4), DJU 05.08.2002, Relator Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito.
92
Conclui-se do julgado que as ações que discutem o estado de pessoa não seriam
atingidas pela coisa julgada; se na ação precedente não ficou demonstrada a paternidade,
ou sua ausência a sentença não seria atingida pela coisa julgada e que o surgimento do
exame de DNA seria elemento fundamental para a apreciação da questão, tanto que uma
vez não realizado permitiria o ajuizamento de nova demanda.
22
STJ 4.ª T., REsp 225.436-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 28.06.2001, unânime DJU
04.02.2002, p. 370.
93
julgada nestes casos, mas a jurisprudência é quase que uníssona no sentido da possibilidade
de se flexibilizar a coisa julgada para que uma segunda ação possa ser julgada.
Beraldo (2005, p. 202) justifica que o dispositivo foi colocado no livro do processo
de execução e não no do processo de conhecimento porque o fato de alguém ganhar uma
23
Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.
94
demanda não significa que seja obrigado a executá-la. Assim, seria mais fácil deixar a
faculdade de requerer a declaração de inconstitucionalidade ao juízo de execução.
Marinoni (2005, p. 726) assevera que o dispositivo sob comento está baseado em
“[...] uma falsa suposição de que os embargos do executado devem servir para manter a
uniformidade das decisões jurisdicionais, como se a coisa julgada fosse um valor menor e
insignificante”.
Por isso não se pode concordar com o aduzido pelo autor acima.
Ora, se o ausente aparecer após a cumprimento das regras formais prova-se que ele
realmente está vivo e existe. Certamente que a sentença que decretou sua morte ficta para
fins patrimoniais não persistirá.
O juiz não tem força de determinar a morte de alguém quando esse alguém está
vivo.
O próprio artigo 1.168 do Código de Processo Civil permite ação do presente para
reaver os bens que lhe foram tomados pela sentença ou o ressarcimento dos prejuízos.
95
A Lei n. 7.347/1985 utilizou a expressão ação civil pública para referir-se à ação
para defesa de interesses transindividuais, a ser proposta por diversos legitimados, a teor
do artigo 5º, entre eles o Ministério Público.
Em tese, será ação civil pública aquela movida com baliza na Lei n. 7.347/1985
para defesa de interesses transindividuais pelo Ministério Público ou qualquer legitimado e
ação coletiva aquela fundada nos artigos 81 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor, versando sobre os mesmos interesses. Entretanto a distinção perde a
importância na medida em que o artigo 90 da Lei n. 8.078/1990 preceitua que se aplicam
às ações previstas no Código de Defesa do Consumidor – ações coletivas – as normas do
Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985, inclusive no que
respeita ao inquérito civil, este de exclusividade do Ministério Público.
A regra é a de que a coisa julgada ficará restrita às partes que atuaram no processo.
Não é esta a mentalidade das ações coletivas, desde a Lei da Ação Popular – Lei n.
4.717/1965 –, artigo 1824.
24
A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação
julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se da prova nova.
97
Em ações que versam acerca dos interesses coletivos lato sensu, a sentença fará
coisa julgada de acordo com a natureza do interesse defendido. É o que dispõe o artigo 1625
da Lei n. 7.347/1985 e o artigo10326 do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, em termos de ação coletiva a coisa julgada será imutável erga omnes na
ação civil pública ou coletiva que verse sobre interesses difusos ou individuais
homogêneos quando a sentença é de procedência; será erga omnes quando versar sobre
interesses difusos e for improcedente por qualquer motivo diverso da falta de provas; terá
efeito ultra partes se versar sobre interesses coletivos stricto sensu e a sentença for de
procedência ou se for de improcedência por qualquer outro motivo que não por falta de
provas.
25
A sentença civil farpa coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
26
Código de Defesa do Consumidor: Art. 103. nas ações coletivas de que trata este código a sentença fará
coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;II - ultra partes, mas limitadamente ao
grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso
anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;III - erga omnes,
apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese
do inciso III do parágrafo único do art. 81.
98
Não há coisa julgada quando a causa versar sobre interesses difusos e a sentença for
de improcedência por falta de provas; não haverá coisa julgada nas ações coletivas em
sentido estrito se a sentença é de improcedência por insuficiência de provas, menos para os
lesados individuais que tenham intervindo na ação coletiva; não haverá coisa julgada nas
ações que versem sobre interesses individuais homogêneos se a sentença é de
improcedência por insuficiência de provas, menos para os lesados individuais que tenham
intervindo na ação.
Mazzilli (2005b, p. 41) pontifica que a lei ordinária deu eficácia ao mandamento
constitucional estendendo a imutabilidade dos efeitos da sentença transitada em julgado a
todo o grupo de lesados, mas apenas in utilibus, ou seja, a extensão da coisa julgada
somente ocorrerá quando em benefício de vítimas ou sucessores, mas nunca em prejuízo de
lesados individuais que não tenham intervindo no processo coletivo.
27
Art. 5º, inc. XXI, LXX, LXXIII; art. 8º, inc. III; art. 129, inc. III e art. 232, todos da Constituição da
República.
99
interessados possam intervir no processo como litisconsortes bem como a divulgação pelos
meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor28.
Por isso o legislador agiu bem em admitir a atenuação da coisa julgada nas ações de
índole coletiva, principalmente quando são julgadas improcedentes por insuficiência de
provas.
A Ação Civil Pública foi proposta conjuntamente pelo Ministério Público Federal e
pela Advocacia Geral da União (AGU), em defesa do patrimônio público federal,
fundamentada em diversos vícios ocorridos durante o processo que levou à condenação da
União Federal. Alega-se, dentre outros fatos, a inexistência da dívida, por causa da
situação irregular da Companhia de Madeiras do Alto Paraná S/A na época. Além disso, as
cessões de direito apresentadas pela família não seriam válidas, e a perícia judicial teria
sido fraudada, uma vez que os cálculos de valores das árvores seriam embasados em
afirmações falsas, elevando a indenização a ser paga pela União.
28
Art. 94. Proposta a ação, será publicada no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por
parte dos órgãos de defesa do consumidor.
100
[...] ‘a divergência é tamanha que leva este Juízo a crer que o laudo
pericial está a valorar uma coisa que não se confunde com aquela
valorada nos referidos orçamentos', assim como o valor milionário da
execução, que, se liberada [...], torna 'a possibilidade de restituição aos
cofres públicos remotíssima’ (PROCURADORIA GERAL DA
REPÚBLICA, 2005).
Nesta linha, pode-se afirmar com Gavião Filho (2005, p. 37) que
101
Como já visto alhures é a própria Constituição que prevê a ação civil pública e a
ação popular para defesa do direito ao meio ambiente. Para rechaçar qualquer discussão,
basta a leitura do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição da República, integrante do
Título que cuida dos direitos e garantias fundamentais, onde se pode visualizar norma que
permite a qualquer cidadão a propositura da ação popular para anular ato lesivo ao meio
ambiente.
29
RTJ 155/206.
30
STF – Pleno – MS 22.164/SP – Rel Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, seção I, 17 nov. 1995, p.
39.206. No mesmo sentido: MS 22333-MG – Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça de 0-10-1998
p. 5, Ement. vol-01929-01 pp-00066; e MS 22999/PE - Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07-04-2000 pp-
00044 Ement vol-01986-01 pp-00049.
102
Como já mencionado no item 6.4 deste estudo uma das peculiaridades nas ações
coletivas é a de que visam a proteção de direito transindividuais de natureza indivisível que
se configuram direitos fundamentais da própria humanidade, como é o caso do meio
ambiente, por isso a mitigação da coisa julgada quando a ação é julgada improcedente por
insuficiência de provas. Mas da mesma forma que qualquer caso julgado, merece
relativização quando conflita com princípios constitucionais, quer em processos
individuais quer coletivos.
A título de ilustração é mais uma vez Mazzilli (2005b, p. 41) quem exemplifica,
descrevendo hipóteses que esclarecem a idéia.
Cita caso em que um pedido feito em uma ação civil pública ou coletiva é julgado
procedente, com efeitos erga omnes e ao mesmo tempo seja julgado pedido em ação
individual com a mesma causa de pedir. Assim é possível que na ação coletiva a coisa
julgada tenha reconhecido um direito extensivo a todos os servidores públicos, enquanto,
ao mesmo tempo, em ação individual, o servidor X viu formar-se coisa julgada a negar-lhe
esse mesmo direito (MAZZILLI 2005b, p. 41).
103
Pela lei de regência este servidor que acionou individualmente ficaria sem
pagamento, posto que não interveio na ação coletiva, suspendendo a sua ação individual,
proporcionando-se a convivência de duas sentenças contraditórias, negando, por
conseguinte, o princípio da isonomia.
Mazzilli (2005a, p. 432-434) ainda exemplifica com o caso de uma ação civil que
pode hoje resultar improcedente, não por falta de provas, mas por se entender, com base
nas perícias, que o resíduo emitido pela chaminé da fábrica do réu não é poluente; antes
conclui a sentença, o resíduo é saudável ou pelo menos é inócuo para o homem. Formada a
coisa julgada erga omnes e vencida a oportunidade da rescisória, pode vir a ser apurado
que as perícias foram fraudulentas; ou então a ciência mais tarde pode demonstrar que
aquele mesmo resíduo é altamente tóxico e prejudicial à humanidade.
O caso não versa uma relação continuativa, ao menos nos termos em que estaria
colocado na decisão. Tal sentença teria reconhecido que o resíduo não era poluente por
entender que havia provas de que não o era. Com novos conhecimentos científicos, mesmo
com uma nova perícia, não se teria uma alteração nem na situação de fato nem no quadro
normativo, mas simplesmente uma nova prova da toxicidade do produto antes recusada
pela sentença. Haveria como dar cumprimento a esta sentença?
nocivo e dizimará a população. Não se trata de relação continuativa, como v.g., alimentos
provisionais. Seria possível atender ao comando da sentença transitada em julgado?
31
Apelação Cível n. 1998.34.00.027682-0, TRF da 1ª Região.
105
É de se ter em mente que no trato das lides ambientais, o julgador deve se pautar
em primeiríssimo lugar pelo atendimento dos princípios ambientais inseridos na
Constituição da República por estarem guindados à estatura de princípios fundamentais.
É importante que, pelo menos, sejam tomadas providências para que resultados
negativos se reduzam a níveis suportáveis, pois caso contrário é q própria sociedade que
arca com os efeitos e custos altíssimos da opção equivocada.
Indubitavelmente, o que se afirmar com exatidão é que não pode prevalecer nem
pode existir o direito de violar o meio ambiente e de destruição do próprio habitat do ser
humano e das outras espécies, pois estar-se-ia infringindo direitos de infindáveis gerações
futuras.
Não de pode impedir que à luz de novas descobertas, se revele a falsidade ou até
mesmo o equívoco de um enunciado antigo que serviu ao silogismo da sentença de mérito
anterior, especialmente nas ações coletivas. O que se espera do Direito é que este assegure
que se realizem todas as provas possíveis de convencer o juiz acerca dos fatos litigiosos
sobre os quais deve incidir a prova, entretanto se este ato de inteligência e de vontade for
viciado, seja por qual motivo for, não se pode admitir que prevaleça sobre normas e
princípios alçados ao nível constitucional.
Mesmo porque os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, nem mesmo
os princípios, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos e princípios
igualmente consagrados pela Constituição da República.
A coisa julgada ambiental não pode ser utilizada como escudo protetivo para
práticas lesivas e ilícitas contra o meio ambiente sob pena de uma total defenestração e
desrespeito ao Estado de Democrático e de Direito.
Não se cuida de ato de mera aparência. Ora, uma sentença judicial que transita em
julgado permitindo que determinada empresa se utilize de substância química nociva,
poluidora, depositando-a na natureza, sem atender aos princípios do desenvolvimento
sustentável, da precaução e da prevenção, não pode ser tida por inexistente. Os efeitos
decorrentes da imutabilidade da sentença que se espraiam para o mundo extraprocessual,
são concretos, não se podendo falar de que tal sentença foi inexistente.
Nas palavras de Otero (apud NASCIMENTO, 2005, p. 75), não subsiste ato de
mera aparência, porque neste caso, reúne condições mínimas de identificabilidade. Daí
tratar-se de ato judicial nulo, como de resto ocorre com a lei inconstitucional.
Trata-se de ato judicial nulo, da mesma forma que ocorre com a lei tida por
inconstitucional, invalidando todo o processo, podendo ser desconstituído por ação
declaratória de nulidade absoluta da sentença ou da coisa julgada inconstitucional
(NASCIMENTO, 2005, p. 78).
Forçoso concluir que o vício ocorre no plano da validade. Como tal os efeitos da
sentença que venha a ser desconstituída por ser inconstitucional, tem efeitos ex tunc.
Para Theodoro Júnior e Faria (2005, p. 124) a parte prejudicada na sentença nula
ipso jure não precisa se utilizar a ação rescisória, muito embora reconheça que o tribunal
não poderá deixar de apreciar a questão se a parte lançar mão da ação do artigo 485 do
Código de Processo Civil.
Salienta que a parte poderá: a) opor embargos quando a parte vencedora intentar
execução de sentença; ou b) propor qualquer ação comum tendente a reexaminar a mesma
relação jurídica litigiosa, inclusive uma ação declaratória ordinária somo sobrevivência da
antiga querela nullitatis.
109
Não há como negar que a chamada querela nullitatis está viva e é perfeitamente
aplicável. Na hipótese poder-se-ia valer a parte, sem observância de qualquer lapso
temporal, da ação declaratória de nulidade da sentença.
A actio querela nullitatis é expressão latina que significa nulidade do litígio. Indica
ação criada e utilizada na Idade Média, para impugnar a sentença, independentemente de
recurso, apontada como a origem das ações autônomas de impugnação (NASCIMENTO,
2005, p. 167-168).
32
STJ, REsp 12586-SP, Rel. Min. Valdemar Zveiter, DJ 04.11.1991
110
Uma vez acolhida a ação declaratória de nulidade absoluta da sentença tida por
inconstitucional, o querelante pode colher nova decisão sobre o mérito da causa.
Na primeira hipótese figura o caso do infante que propõe nova ação de investigação
de paternidade, com base em exame pericial de DNA, por conta de que a anterior fora
33
STF, RE 97589-6, rel. Min. Moreira Alves, 17.11.1982.
111
julgada improcedente com base exclusivamente em outras provas que não o referido, posto
não existia quando prolatada.
Resta bem claro que embora não haja necessidade de se valer de ação rescisória
para obtenção de reconhecimento do vício de nulidade absoluta por inconstitucionalidade
do ato judicial típico a ação rescisória poderá ser conhecida para declarar-se a nulidade
absoluta e insanável, mas na pena de Dinamarco (2002, p. 34), deve ser redimensionada no
que tange aos limites de sua admissibilidade.
Para ele na nova ordem de relativização da coisa julgada impõe-se a abertura dos
espíritos para a interpretação dos incisos que tipificam as hipóteses de sua admissibilidade
insertos no artigo 485 do Código de Processo Civil, abarcando a permissão à censura de
sentenças e acórdãos pelo prisma da constitucionalidade das decisões que contém,
flexibilizando-se as hipóteses de admissibilidade da ação rescisória.
por insuficiência de provas, podendo qualquer outro legitimado propor nova ação com
idêntico fundamento, porém com base em novas provas34.
Mas se o processo anterior tiver sido decidido com base em exame pericial,
cotejado com outras provas, vindo esta sentença a transitar em julgado, fará coisa julgada
erga omnes.
34
Artigo 103, inc. I, Lei n. 8.078/1990.
113
A ação civil pública pode ser utilizada para, de certa forma, mitigar a coisa julgada
produzida em outra, tendo em vista sua natureza diferenciada diante da sociedade de
massa.
De início a Lei da Ação Civil Pública foi concebida para regular apenas
as ações de responsabilidade civil, de obrigação de fazer e não fazer, e as
ações cautelares. Hoje, porém, em vista do art. 83 do CDC – que
consagra o direito à adequada tutela jurisdicional -, são capazes de
propiciar a adequada tutela de direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos (art. 81, CDC).
A conduta ilícita e, como efeito mediato, o dano, porque contrária aos princípios
ambientais pode ser evitada até mesmo de maneira preventiva, impedindo-se sua prática,
sua repetição ou continuação. Isto pode se dar por intermédio da tutela inibitória. A Lei da
Ação Civil Pública apenas alude à sentença condenatória (art. 13) e às sentenças
mandamental e executiva (art. 11), silenciando sobre as demais. É de se lembrar, no
entanto que a tutela inibitória é a principal forma de ação coletiva. Se a efetiva proteção a
114
um direito difuso exige a tutela inibitória esta poderá ser alcançada por meio de ação
coletiva, inclusive em pedido liminar.
Por fim é de se ressaltar que a propositura de uma ação coletiva poderá ensejar a
relativização/flexibilização de uma coisa julgada já formada se esta impuser, sem embargo
de permitir uma conduta ilícita, um dano evidente aos princípios constitucionais e
ambientais.
Beraldo (2005, p. 220 e 226) reserva tanta importância ao tema que entende como
conveniente atribuir competência para o processo e julgamento de ações que veiculem a
pretensão de relativização de uma coisa julgada, seja em processo coletivo seja individual
ao Supremo Tribunal Federal, justamente para rebater a preocupação de alguns sobre a
possibilidade de um juiz inexperiente e recém-empossado poder desconstituir a coisa
julgada de uma decisão tomada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (NERY JÚNIOR;
NERY, 2004, p. 866). O que data venia não tem nenhuma relevância.
Do todo, merece destacar que a flexibilização da coisa julgada ambiental, deve ser
vista com reservas quando for utilizada para relativizar sentença de procedência das tutelas
coletivas de proteção ao meio ambiente, sempre devendo-se ter em mente o brocardo in
dúbio pro ambiente, corolário do princípio da precaução/prevenção.
Com Dinamarco (2002, p. 31) não há como não concordar que a fragilização da
coisa julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressão a valores que não
comportam transgressão é suscetível de ocorrer em qualquer área das relações humanas
que são trazidas à apreciação do poder judiciário.
7 CONCLUSÃO
Todo e qualquer ato emanado dos Poderes constituídos deve observância aos
princípios e regras constitucionais a eles não estando imunes. Os princípios são as balizas
do sistema jurídico servindo como critério interpretativo ou integrativo de todo o âmbito
em que se aplicam. As regras são mais específicas e de maior rigidez, não sendo possível
aplicar duas regras ao mesmo caso concreto, já os princípios são mais maleáveis e
concorrentes, podendo haver colisão entre eles, ocasião em que somente um deles incidirá.
jurídicas já decididas, considerando-se que uma decisão transita em julgado quando não
houverem mais recursos cabíveis, de forma que a partir do trânsito em julgado a sentença
torna-se imutável entre as partes, ou seja, a qualidade de imutabilidade que se agrega aos
efeitos da sentença, exterioriza-se ao processo.
Pelo texto legal, logo se apercebe que a coisa julgada não é valor absoluto, havendo
sua mitigação pela própria lei ordinária, depreendendo-se que não fixou nenhum prazo
para repropositura de ações quando as ações populares, coletivas e civis públicas forem
julgadas improcedentes por falta de provas. Mais uma prova de que se trata de instituto de
natureza infraconstitucional, caso contrário, tal flexibilização somente poderia ser realizada
por meio de emenda constitucional.
A jurisprudência tem entendido que a coisa julgada é relativa quando estão em jogo
direitos ou interesses fundamentais da pessoa, aí incluído o direito ao ambiente, tido por
direito fundamental da própria humanidade.
Isto porque não se pode considerá-lo inexistente, pois se assim o for não é sentença,
não há o que rescindir.
Se existe, pode ser considerada absolutamente nula de pleno direito. Assim, o ato
jurisdicional desconforme à Constituição é destituído de aptidão para produção de efeitos
em razão de estar inquinado de inconstitucionalidade, inserindo-se no sistema de
nulidades, tornando a sentença, em razão disso, suscetível de desconstituição por ação
declaratória de nulidade absoluta da sentença ou ação declaratória de nulidade absoluta da
coisa julgada inconstitucional, dependendo do caso concreto.
O ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com norma que mitiga a coisa
julgada material quando o legislador infraconstitucional fez constar artigo 741, parágrafo
único, do Código de Processo Civil a seguinte redação:
Por fim, deve ficar evidente que quando a sentença infringe normas de natureza
infraconstitucional, considerando-se que a natureza da proteção à coisa julgada é também
infraconstitucional, tal decisório deve permanecer incólume e imodificável, distinguindo-se
a coisa julgada ilegal da coisa julgada inconstitucional.
119
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