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UNAES – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CAMPO GRANDE

ANA CRISTINA CARNEIRO DIAS


AMILCAR ARAÚJO CARNEIRO JÚNIOR

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL

Campo Grande-MS
2005
ANA CRISTINA CARNEIRO DIAS
AMILCAR ARAÚJO CARNEIRO JÚNIOR

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL

Monografia apresentada à Banca Examinadora do


Programa de Pós-graduação Lato Sensu da
UNAES – Centro Universitário de Campo
Grande-MS como exigência parcial para a
obtenção do título de especialista em Direito do
Estado e das Relações Sociais, sob a orientação
da Dra. Profª. Rosana Siqueira Bertucci.

Campo Grande-MS
2005
TERMO DE APROVAÇÃO

A monografia intitulada “RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL”


apresentada por ANA CRISTINA CARNEIRO DIAS e AMILCAR ARAÚJO
CARNEIRO JÚNIOR como exigência parcial para obtenção do título especialista em
DIREITO DO ESTADO E DAS RELAÇÕES SOCIAIS à Banca Examinadora da Unaes-
Centro Universitário de Campo Grande-MS, obteve nota _____ para aprovação.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Dra. Profa. Rosana Siqueira Bertucci
(orientadora)

________________________________________________
Profa.
(UNAES - convidada)

________________________________________________
Profa.
(UNAES - convidada)

Campo Grande-MS, ___ de _________ de 2005.


DEDICATÓRIA

Dedicamos a presente Monografia à nossa família, professores e amigos, pelo apoio


constante nesta caminhada.
AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos familiares pelo alicerce construído.

Aos mestres pelo empenho e dedicação para nossa formação.

E aos colegas pelo companheirismo.


RESUMO

O presente trabalho abordará a possibilidade de uma convivência harmônica entre a


garantia da segurança jurídica consubstanciada na inviolabilidade da coisa julgada e
o respeito ao direito fundamental ao meio ambiente saudável. Embora haja na
doutrina resistência à relativização da coisa julgada, o presente trabalho abordará a
possibilidade da flexibilização da coisa julgada sob o enfoque constitucional,
analisando os princípios constitucionais e os direitos e garantias fundamentais no
intuito de encontrar resposta à problemática e, se for o caso, extremar os limites
razoáveis de aplicação ou não da dita flexibilização na seara ambiental. A relevância
em se discutir a relativização no âmbito ambiental reside no fato de que têm sido
prolatadas muitas sentenças que transitam em julgado negando o direito ao meio
ambiente saudável por não proporcionar a cessação do dano ambiental, tampouco sua
reparação, baseando-se em premissas falsas, em tese, inconstitucionais. Muitas das
vezes isto se dá justamente em razão das características das provas produzidas em
ações ambientais. São provas que, no mais das vezes, classificam ou quantificam o
dano ambiental equivocadamente, pois não são revestidas de certeza científica. Estas
premissas que fundamentam a sentença podem ser verdadeiras a princípio, no
entanto, posteriormente, podem ser consideradas incorretas ou parcialmente
verdadeiras, até mesmo em face de novas tecnologias. Saliente-se que o ordenamento
jurídico, em casos tais, não fornece claramente instrumentos específicos capazes de
desconstituir a sentença, posto que os meios existentes (ação rescisória, ação
declaratória de nulidade, revisional de alimentos, etc.) não têm o condão de
solucionar os problemas em todas as suas vertentes. Assim, o objetivo principal da
presente investigação é encontrar equilíbrio entre a certeza/segurança jurídica e a
observância do direito fundamental ao meio ambiente, preconizado na Constituição
da República, analisando-se as formas de relativização já existentes, investigando se
a fundamentação justificadora dessas mitigações pode ser transposta para a área dos
interesses coletivos, especialmente na proteção do meio ambiente. Avalia-se também
a possibilidade da relativização de decisão que transitam em julgado lastreadas em
norma inconstitucional, assim declarada pelo Supremo Tribunal Federal no controle
concentrado ou difuso de constitucionalidade. Perquire-se sobre a natureza
constitucional do princípio da coisa julgada, traçando seus limites, indicando
instrumentos jurídicos a serem manejados para sua mitigação. A pesquisa empregará
dados bibliográficos com base na legislação, doutrina e jurisprudência pertinentes,
propondo situações hipotéticas. Por fim, pugna-se pela admissão de todos os meios
inerentes à relativização da coisa julgada ambiental em nas situações que cause lesão
ao direito fundamental coletivo ao meio ambiente hígido para as presentes e futuras
gerações.

Palavras-chave: Relativização. Coisa julgada. Direito fundamental. Meio ambiente.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 9

2 DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE............................................. 11


2.1 HISTÓRICO SOBRE O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL ......................... 11
2.2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL.................................... 12
2.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E O DIREITO
AMBIENTAL ............................................................................................................ 18
2.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL.............................................................. 22
2.4.1 Do princípio do desenvolvimento sustentável ......................................................... 22
2.4.2 Do princípio do poluidor pagador............................................................................ 25
2.4.3 Do princípio da prevenção ....................................................................................... 26
2.4.4 Do princípio da precaução ....................................................................................... 27
2.4.4.1 O princípio da precaução e sua previsão em diversos instrumentos jurídicos ...... 28
2.4.4.2 Do princípio da precaução propriamente dito ....................................................... 30
2.4.5 Do princípio da participação .................................................................................... 32
2.5 OBJETO DO DIREITO AMBIENTAL..................................................................... 33
2.5.1 Definição legal de meio ambiente............................................................................ 33
2.5.2 Bem ambiental ......................................................................................................... 34
2.5.3 Proteção ambiental................................................................................................... 36

3 INSTRUMENTOS DE TUTELA DA JURISDIÇÃO CIVIL E COLETIVA ......... 38


3.1 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DA JURISDIÇÃO CIVIL E COLETIVA....... 38
3.1.1 Interesses individuais homogêneos.......................................................................... 39
3.1.2 Interesses coletivos .................................................................................................. 40
3.1.3 Interesses difusos ..................................................................................................... 41
3.1.4 Meio ambiente como bem difuso por excelência..................................................... 41
3.2 DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...................................................................... 42
3.3 DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL............................................................ 44
3.4 DAS AÇÕES COLETIVAS COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR ......................................................................................................... 45
3.5 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO .......................................................... 46
3.6 MANDADO DE INJUNÇÃO.................................................................................... 47
4 ASPECTOS PROCESSUAIS COMUNS DAS AÇÕES COLETIVAS
AMBIENTAIS............................................................................................................... 49
4.1 LEGITIMIDADE ATIVA.......................................................................................... 49
4.2 LEGITIMIDADE PASSIVA ..................................................................................... 52
4.3 INTERVENÇÃO DE TERCEIROS .......................................................................... 53
4.3.1 Da assistência........................................................................................................... 53
4.3.2 Denunciação da lide ................................................................................................. 54
4.3.3 O chamamento ao processo...................................................................................... 54
4.3.4 Do litisconsórcio ...................................................................................................... 55
4.3.5 Responsabilidade civil por danos ambientais .......................................................... 56
4.3.5.1 Dano ambiental...................................................................................................... 59
4.3.5.2 Reparação do dano................................................................................................. 60
4.3.5.3 Nexo....................................................................................................................... 62
4.3.6 Da antecipação de tutela .......................................................................................... 62

5 COISA JULGADA........................................................................................................ 64
5.1 COISA JULGADA MATERIAL X FORMAL ......................................................... 64
5.2 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO............................................................... 67
5.3 COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL............................................................. 70
5.3.1 Coisa julgada nas sentenças sobre relações jurídicas continuativas ........................ 72
5.3.2 Coisa julgada no mandado de segurança ................................................................. 74
5.4 COISA JULGADA COLETIVA................................................................................ 75
5.5 COISA JULGADA AMBIENTAL ............................................................................ 78

6 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA.............................................................. 79


6.1 O PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE E DA INTANGIBILIDADE
DA COISA JULGADA.............................................................................................. 79
6.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE/PROPORCIONALIDADE ....................................................... 82
6.3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL..................... 86
6.3.1 Eficácia preclusiva da coisa julgada e a coisa julgada nas relações sucessivas
ou permanentes ........................................................................................................ 88
6.3.2 Relativização da decisão passada em julgado no direito de família e os
exames de DNA ....................................................................................................... 90
6.3.3 Medida Provisória n. 2.180-25 de 24 de agosto de 2001 e o artigo 741,
parágrafo único do Código de Processo Civil.......................................................... 93
6.3.4 Da morte presumida ................................................................................................. 94
6.4 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO DIREITO COLETIVO................ 95
6.5 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL .................................. 100
6.6 PROPOSTAS DE SISTEMATIZAÇÃO E CONTROLE DA COISA
JULGADA QUE OFENDEM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO
MEIO AMBIENTE .................................................................................................. 106
6.6.1 Instrumentos processuais aptos ao controle da coisa julgada inconstitucional...... 108
6.6.2 Instrumentos para o controle da coisa julgada ambiental inconstitucional............ 111

7 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 115

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 119
9

1 INTRODUÇÃO

Muitos trabalhos doutrinários vêm se posicionando sobre a possibilidade de se


relativizar a coisa julgada material, isto é, admitir rediscussão de matéria já decidida por
sentença transitada em julgado, mesmo fora das hipóteses em que a lei autoriza o manejo
da ação rescisória ou possibilita a desconstituição do caso julgado.

O presente trabalho tem por objetivo estudar e vislumbrar situações em que se faz
mister a relativização da coisa julgada ambiental, sob pena de negação ao direito ao meio
ambiente saudável, ou negarmos a própria existência dos princípios ambientais
fundamentais insculpidos no artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988.

As propostas de relativização da coisa julgada desafiam o atual sistema legislativo e


propõem uma modernização de conceitos e idéias acerca do tema, fazendo prevalecer a
justiça em detrimento da segurança.

O valor da segurança e da garantia da coisa julgada passa, a partir destas propostas,


a ter que conviver com outro valor que é o da justiça das decisões judiciárias, o que é
constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal vigente).

Se nem mesmo a lei ou os atos normativos podem resistir ao julgamento, a qualquer


tempo, de sua constitucionalidade, via controle concentrado ou difuso, o presente trabalho
discute se a sentença judicial passada em julgado, que em algum aspecto contrarie
princípios ou normas constitucionais, é absoluta e que não pode ser mais revista após o
prazo decadencial de dois anos da ação rescisória.

A pesquisa tem como marco inicial o estudo do meio ambiente como direito
fundamental, passando pelo histórico sobre o direito à proteção ambiental, e esta proteção
e sua evolução no Brasil até a proclamação da Constituição Federal de 1988, dando ênfase
ao estudo dos princípios ambientais e do objeto do direito ambiental.

Em um segundo momento, aborda-se as origens e características da jurisdição civil


coletiva, bem como os instrumentos previstos no ordenamento de tutela da jurisdição civil
e coletiva, discorrendo sobre a ação popular ambiental, a ação civil pública ambiental, as
10

ações coletivas com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), o mandando de


injunção e o mandado de segurança coletivo.

No capítulo próximo, com intuito de demonstrar a peculiaridade do direito a ser


protegido, transcrevem-se os aspectos processuais comuns das ações coletivas ambientais.
Nele, procuramos destacar que o ordenamento jurídico prevê peculiaridades para solução
de litígios que envolvem direitos coletivos, e, notadamente, quando se fala em matéria
ambiental, prevê a responsabilidade civil objetiva como instrumento de se garantir o
respeito aos princípios ambientais preconizados constitucionalmente.

Em seguida, aborda-se o estudo sobre a coisa julgada, focando sua previsão na


Constituição Federal, no processo civil, bem como discorrendo sua disciplina nas
sentenças de relações jurídicas continuativas, no mandado de segurança, nas ações
coletivas, visando fundamentar as propostas de relativização da coisa julgada.

E é no último capítulo que se realiza o estudo e a pesquisa quanto à possibilidade


ou não da relativização, fazendo uma análise aos casos concretos que estão sendo aceitos,
tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência.

Neste capítulo, discorre-se sobre o princípio da constitucionalidade e da


intangibilidade da coisa julgada, seguindo com o estudo do princípio do devido processo
legal e o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Em seguida, adentramos na
pesquisa quanto a aceitação da relativização da coisa julgada no processo civil, passando
pelo estudo da coisa julgada nas relações sucessivas ou permanentes, sobre a aceitação da
relativização da decisão passada em julgado no direito de família e nos exames de DNA,
quanto as modificações feitas ao artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil
que trouxe expressamente a hipótese de relativização da coisa julgada, e enfaticamente,
estudamos a possibilidade de relativização da coisa julgada no direito coletivo, adentrando
no direito ambiental.

E por fim, vieram as propostas de sistematização e controle da coisa julgada que


ofendem os princípios constitucionais do meio ambiente, enumerando os instrumentos
processuais possíveis ao controle da coisa julgada nestes casos.
11

2 DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

Hodiernamente a questão ambiental está em evidência. É assunto que ocupa espaço


nos meios de comunicação os quais constantemente têm noticiado matérias relacionadas
com as agressões ambientais que acontecem todos os dias. Nem sempre foi assim. Forçoso
é conscientizar o predador da natureza, notadamente o homem, para a subsistência de sua
própria raça.

Milaré (2001, p. 33) menciona um fenômeno quotidiano que espelha a situação: os


homens, para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas,
disputam os bens da natureza, por definição, ilimitados.

2.1 HISTÓRICO SOBRE O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL

Desde tempos remotos a devastação do ambiente vem ocorrendo em maior ou


menor escala, sendo motivo de preocupação dos povos desde os tempos do antigo
testamento onde as leis mosaicas, por exemplo, chegavam a censurar corte de árvores
frutíferas quando do sitiamento de cidades (Deuteronômio cap. XX versículo 19).

Trinta séculos antes de Cristo os Egípcios, que dependiam basicamente da água e


do húmus do Rio Nilo para sobreviver, já o tratavam de proteger (FIORILLO;
RODRIGUES, 1997, p. 70).

Fácil perceber que nos primórdios, a proteção ambiental estava muito mais
relacionada com o temor a Deus e à própria sobrevivência do que a qualquer grau de
conscientização sobre a necessidade de preservação da vida na Terra.

As civilizações foram se formando basicamente à custa da exploração dos recursos


naturais, causando impactos e prejuízos ambientais que até recentemente se desconhecia,
pois a poluição em todas as suas formas e a degradação eram vistas como um mal
necessário e de somenos importância. O homem dilapidou os recursos naturais como se
fossem eternos.
12

Como resultado disso, apercebeu-se que a capacidade de auto-recomposição do


meio ambiente está, desde há muito tempo, extrapolando seus limites.

O primeiro evento de importância, podendo ser considerado uma fonte remota para
uma formulação de ordem legislativa, atentando para a gravidade da situação foi a
“Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”1, promovida pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972.

É que os países mais ricos chegaram à conclusão de que o seu processo de


desenvolvimento causou degradação ambiental e escassez de recursos naturais.

Outra formulação de muita valia para a ordem legal, entre outras2, apesar de não ser
dotado de autoridade jurídica stricto sensu, mas com peso no ordenamento jurídico, é a
chamada “Agenda 21”.

É um documento de natureza programática que foi oficializado por ocasião da


“Cúpula da Terra”, quando se reuniu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92 (Rio de Janeiro, 14 de junho de
1992). Trata-se de um texto assumido oficialmente pelos países representados naquele
encontro mundial e, simultaneamente, pelo Fórum da Organizações Não-Governamentais.

Resta a concretização desses ideais.

2.2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL

Antes de tudo, é necessário definir o que seja o Direito Ambiental ou o direito do


ambiente sem adentrar na discussão sobre sua autonomia.

Apesar da grande evolução que o Direito Ambiental vem experimentando nos


últimos anos, não é totalmente aceito como um ramo autônomo do Direito. Porém, como

1
United Nations Conference on the Human Environment.
2
“Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar”, Convenção Marco das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas”, “Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas”, “Convenção das
Nações Unidas sobre a Biodiversidade”, “Diretrizes de Montreal para a Proteção do Meio Ambiente
Marinho de Fontes Provenientes da Terra”, etc.
13

se demonstrará, no Brasil, após a Constituição de 1988, não é mais possível que figure
como mero apêndice de outros ramos do Direito, devido à sua importância e dimensão.

Observa-se que legislador infraconstitucional tratou de definir o que seja o meio


ambiente, conforme se verifica no artigo 3º, I da Lei n. 6.938/1981.3

Todavia, a legislação não conceituou especificamente o que seja Direito Ambiental,


nem poderia, pois não é sua tarefa.

Com base no ordenamento jurídico, Milaré (2001, p. 93) dá a noção sobre o direito
do ambiente como sendo

[...] o complexo de normas reguladoras das atividades humanas que,


direta ou indiretamente possam afetar a sanidade do ambiente em sua
dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as presentes a
futuras gerações.

Grande passo em direção à autonomia do direito ambiental foi exatamente a


Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em Estocolmo, Suécia
em 1972 que influenciou as Nações do mundo a voltarem sua atenção sobre o tema,
incorporando-o nas reformas constitucionais ocorridas na década 1980 ou interpretando os
textos constitucionais já existentes, atentando para o aspecto ambiental.

Freitas (2002, p. 26) ensina que duas situações surgiram da nova ótica sobre o tema.
Alguns Estados não alteraram o texto constitucional, mas passaram a interpretá-lo sobre
com atenção ao aspecto ambiental. Assim, por exemplo, um dispositivo que protegia a
saúde passou a justificar interpretação da lei sob a visão de proteção ao meio ambiente. O
raciocínio era simples, mas consistente. A saúde das pessoas depende diretamente de um
saudável ambiente.

Outra situação foi promover alterações legislativas, emendas constitucionais e até


mesmo promulgar novas constituições, quando se pôde explicitamente estabelecer
dispositivos de proteção ao meio ambiente, como, por exemplo, Portugal e Espanha.

3
Brasil, Lei 6.938/81, artigo 3.°, inciso I: “[...] meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas;".
14

É o que aconteceu com o poder constituinte originário pátrio que a partir da


Constituição da República de 1988, deixou claro a opção pela proteção ao meio ambiente
para as presentes e futuras gerações, impondo este dever não somente ao Poder Público,
mas também para a população.

Porém, antes dessa visão, chamada pela doutrina de fase “holística”, o Brasil
vivenciou fases em que não se buscava a preservação do meio ambiente, pois o
colonizador (explorador) buscava principalmente ampliar as fronteiras da colônia,
concebendo que os recursos naturais eram intermináveis.

No Brasil as primeiras legislações que tratam do meio ambiente são as Ordenações


portuguesas que aqui vigoraram até o advento do Código Civil de 1916.

Neste visual, Freitas (2002, p. 19), menciona que

[...] a legislação portuguesa já protegia o equilíbrio ecológico, ainda que


concomitantemente procurasse proteger a coroa”. Observa-se que a
legislação portuguesa e também a brasileira, vigentes no país após o
descobrimento, já se preocupavam com o abastecimento de gêneros
alimentícios que se tornavam escassos em Portugal, contendo regras de
proteção à caça de animais e a alguns alimentos básicos, como o pão e a
farinha, riquezas como o ouro, a prata, dentre outros.

A título de exemplificação as Ordenações Afonsinas, no livro V, título LVIII,


editadas no reinado de D. Afonso IV, proibia o corte deliberado de árvores frutíferas,
sendo tais condutas consideradas injúrias contra o rei (MILARÉ, 2001, p. 78).

As Ordenações Manoelinas, no livro V, título LXXXIII, vedava a caça de perdizes,


lebres e coelhos com redes, fios, bois ou outros meios e instrumentos capazes de causar dor
e sofrimento na morte desses animais (MILARÉ, 2001, p. 79).

A partir de 1580, o Brasil passa ao domínio da Espanha, sob Felipe I o qual


ordenou uma compilação de leis lusitanas que deram origem às Ordenações Filipinas,
aprovadas pelo Rei Felipe II, após a morte daquela (MILARÉ, 2001, p. 79).

Tal Ordenação, no livro LXXXV, título LXXXVIII, parágrafo sétimo,


surpreendentemente já estabelecia rudimento de conceito sobre poluição, havendo, por
15

exemplo, dispositivo vedando a qualquer pessoa de jogar material que pudesse matar
peixes e sujar as águas do rios e lagoas.4

Havia punição de degredação para o Brasil para aquele que cortasse árvore
frutífera5 e matasse animal “por malícia”6.

No Brasil Império, sob a égide da nova ordem jurídica e constitucional instaurada


em 1824, foi promulgado o Código Criminal do Império de 1830, onde os artigos 179 e
257, puniam o corte ilegal de madeiras.

Entretanto, havia a necessidade de um corpo de regras mais atualizadas, havendo


diretiva apontada pela Constituição do Império para a feitura de um Código Civil.

O Código Civil, forjado para tutela do direito patrimonial, dispunha sobre normas
de conteúdo ecológico, se bem que muito mais vocacionado para o atendimento dos
direitos individuais privados. É o que se apresenta nos artigos 554 a 591 do Código Civil
de 1916 que trata das relações e os conflitos de vizinhança.

A partir daí se inicia uma fase fragmentária, quando a preocupação maior era a de
proteger as reservas extrativistas, quando o legislador apercebeu-se da importância de
impor limites às atividades exploradoras (BENJAMIN, 2001, p. 62). Deu-se o surgimento
de vários diplomas legais, entre eles, destacam-se os mais importantes: o Decreto n. 16.300
de 31 de dezembro de 1923 (Regulamento de Saúde Pública), Decreto n. 23.793 de 23 de
janeiro de 1934 (Código Florestal) depois substituído pela Lei n. 4.771/1965; Decreto n.
24.643 de 10 de julho de 1934 (Código de Águas); Decreto-lei n. 794 de 19 de outubro de
1938 (Código de Pesca), depois substituído pelo Decreto n. 221/1967; Decreto-lei n. 1.985

4
“E pessoa alguma não lance nos rios e lagoas em qualquer tempo do ano [...] trovisco, barbasco, coca, cal
nem outro algum material com que se o peixe mate” (livro V, título LXXXVIII, § 7º, Ordenações Filipinas)
(MILARÉ, 2001, p. 79).
5
“O que cortar árvore de fruto, em qualquer parte que estiver, pagará a estimação dela a seu dono em
tresdobro. E se o dano assim fizer nas árvores for valia de quatro mil réis, será açoitado e degredado quatro
anos para a África. E se for da valia de trinta cruzados, e daí para cima, será degredado para sempre para o
Brasil” (livro V, título LXXV, Ordenações Filipinas).
6
“E a pessoa que matar a besta, de qualquer sorte que seja, ou boi ou vaca alheia por malícia, se for na vila
ou em alguma casa, pague a estimação em dobro, e se for no campo, pague o tresdobro, e todo para seu
dono: e sendo o dano de quatro mil réis, seja açoitado e degredado quatro anos para a África. E se for da
valia de 30 cruzados e daí para cima, será degredado para sempre para o Brasil” (livro V, título LXXVIII, §
7º, Ordenações Filipinas).
16

de 29 de janeiro de 1940 (Código de Minas), depois substituído pelo Decreto-lei n.


227/1967; Decreto-lei n. 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Na década de setenta emerge o movimento ecológico influenciando a formação de


outros instrumentos mais específicos e de relevo, como por exemplo: Lei n. 4.504 de 30 de
novembro de 1964 (Estatuto da Terra); Lei n. 4.771 de 15 de setembro de 1965 (Código
Florestal); Lei n. 5.197 de 03 de janeiro de 1967 (Proteção à Fauna); Decreto-lei n. 221 de
28 de fevereiro de 1967 (Código de Pesca); Decreto-lei n. 227 de 28 de fevereiro de 1967
(Código de Mineração); Decreto-lei n. 303, de 28 de fevereiro de 1967 (Criação do
Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental); Decreto-lei n. 1.413 de 14 de
agosto de 1975 (Controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades
industriais); Lei n. 6.513 de 20 de dezembro de 1977 (Criação de áreas especiais e locais
de interesse turístico); Lei n. 6.766 de 19 de dezembro de 1978 (Parcelamento do solo
urbano).

Apesar de várias leis versando sobre a matéria ambiental, não havia preocupação
com o interesse coletivo quanto à preservação ambiental. É que o conjunto de leis até então
não se preocupava em proteger o meio ambiente de forma específica e global, dele
cuidando de maneira diluída, e mesmo casual, e na exata medida de atender sua exploração
pelo homem (BENJAMIN, 2001, p. 81).

A irresponsabilidade era a regra, a responsabilidade a exceção. Até então somente o


indivíduo que se sentisse incomodado com a atividade de poderosos grupos econômicos,
quando não o próprio Estado, poderia desenvolver ação contra o agressor, tornando a
proteção da justiça praticamente inacessível ao cidadão comum.

No início da década de 1980 veio a fase holística, já mencionada retro, quando, sob
os auspícios da conferência de Estocolmo em 1972, “pipocaram” diplomas legais mais
avançados e voltados à defesa do meio ambiente de maneira coletiva, tendo em vista que as
pessoas mais conscientes e inconformadas com a situação do planeta, exteriorizaram sua
indignação.

Faltavam leis que abordassem a matéria ambiental de maneira organizada e


sistêmica, pois todo o arcabouço até então produzido era insuficiente ao enfrentamento do
tema de forma mais coesa e genérica.
17

O marco inaugural desta fase foi a Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981 que
estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, fundamentada constitucionalmente na
Carta de 1967 que conferiam à União competência para legislar sobre defesa da saúde,
florestas e água.

A ela aliou-se a Lei n. 6.902/1981 que dispunha sobre estações ecológicas e áreas
de proteção ambiental, formando, nas palavras de Fiorillo e Rodrigues (1997, p. 157), “[...]
um plexo inicial de legislação global sobre a tutela ambiental: A Política Nacional do Meio
Ambiente”.

Como primeiro marco, a Lei n. 6.938/1981 conceituou legalmente o meio ambiente


em seu artigo 3º, abarcando suas múltiplas facetas, instituindo o Sistema Nacional do Meio
Ambiente e em seu artigo 14º estabeleceu a obrigação do poluidor reparar os danos de
acordo com o princípio da responsabilidade objetiva (sem culpa) em ação proposta pelo
Ministério Público.

Com o advento da Constituição da República de 1988 houve a recepção da lei em


todos os seus aspectos, dando-se seguimento à política ali estabelecida, explicitando tal
política no artigo 225.

Outro diploma de relevo foi a Lei n. 7.347 de 24 de junho de 1985 que disciplinou a
ação civil pública como instrumento específico para defesa de interesses difusos e
coletivos, numa abordagem até então inédita proporcionando maior acesso à justiça, vez
que legitimou organizações não governamentais e o Ministério Público à proposição de
ações, pondo freio às investidas depredatórias ao meio ambiente por parte de entes
públicos e privados. Estabelece claramente a legitimidade para figurar no pólo ativo dessas
ações, não exigindo, pelo menos em relação ao Ministério Público, a chamada “pertinência
temática”, ou “representatividade adequada”, imposta em legislações alienígenas.

Pontifica em 1988 a promulgação da novel Constituição do Brasil, que em seu


capítulo VI do Título VIII, especialmente no artigo 225, traça as balizas da
constitucionalização do direito ao ambiente brasileiro, direcionando ao Poder Público e à
coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Entre outros dispositivos relacionados ao ambiente (arts. 23, incisos III, IV, V VI,
VII, IX; 170, inciso VI; e 225, caput), fez questão de dissipar quaisquer dúvidas porventura
18

existentes, ditando a legitimidade do Ministério Público para a instauração de inquérito


civil e promover a ação civil pública em defesa do meio ambiente (art. 129, inciso III).

As constituições estaduais e as leis orgânicas passaram a adotar e incorporar em


seus textos normas protetivas ao meio ambiente, bem como na produção legislativa de cada
ente federativo, incluindo-se os municípios.

Merece atenção a Lei n. 8.974 de 05 de janeiro de 1995 que regulamentou os


incisos II e V do § 1º do artigo 225 da Constituição da República, normatizando o uso de
técnicas de Engenharia Genética e a liberação no meio ambiente de organismos
geneticamente modificados.

Saliente-se ainda a edição da Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, a chamada


Lei dos Crimes Ambientais que tipificou as condutas lesivas ao meio ambiente e impôs
sanções penais e administrativas, possibilitando o apenamento da pessoa jurídica.

2.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E O DIREITO


AMBIENTAL

A Declaração de Estocolmo foi um impulso significativo para que os Estados


sensíveis à nova preocupação global, se conscientizassem de seu dever e incorporassem em
suas ordens constitucionais os princípios atinentes ao direito humano ao meio ambiente.

Nos idos de 1983 foi criada pelas Nações Unidas a Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, cujas conclusões deram origem ao Relatório de Bruntland.
O texto inicia dizendo que “[...] todos os seres humanos têm o direito fundamental a um
ambiente adequado para sua saúde e bem-estar” (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 22). Isto
influenciou grandemente as organizações internacionais, dando surgimento a vários
movimentos, entre eles, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
de 1992, a “ECO 92” quando ficou consignado em seu artigo 1º que o centro das
preocupações com o desenvolvimento é o ser humano, tendo o direito a uma vida saudável
e em harmonia com a natureza.
19

De acordo com Miranda (2000, p. 533), foi com a Constituição Portuguesa de 1976
que se inaugurou, em âmbito constitucional, a vinculação do Estado e da sociedade
comprometendo-os com a salvaguarda dos interesses como ambiente.

Gavião Filho (2005, p. 22) comenta que a normatização ao meio ambiente recebeu
forte influência do Relatório de Bruntland, assemelhando-se muito dos sistemas
constitucionais, por exemplo, do Panamá (1972), Grécia (1975), de Portugal (1976), de
Espanha (1978).

Desde o capítulo I, intitulado “Dos direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, o


artigo 5º estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, a
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio público e cultural. Assim,
qualquer cidadão, considerando-se aquele que estiver em pleno gozo de seus direitos
políticos é parte legítima para manejar o instrumento. Outro legitimado é o Ministério
Público, assim declarado expressamente pela Constituição da República vigente, artigo
129, inciso III, pois é um órgão com atribuição constitucional de promover a ação civil
pública para a defesa do ambiente.

Silva (2001, p. 27) registra ainda que o artigo 20, inciso II, da Constituição da
República considera, entre os bens da União, as terras devolutas indispensáveis à
preservação do meio ambiente. Alinha ainda o artigo 23 que reconhece competência
comum entre a União, Estados, Distrito Federal e os municípios para a proteção de
paisagens naturais notáveis e o meio ambiente, para combater a poluição em qualquer de
suas formas e preservar florestas, a fauna e a flora.

O artigo 24 concede competência para legislar concorrentemente à União, aos


Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle
da poluição, sobre a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico,
paisagístico, assim como sobre responsabilização por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos da valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

O mesmo autor lembra a relevância do artigo 170, inciso VI, da Constituição da


República que reputa o meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, o que
20

leva a crer que toda atividade econômica e empresarial somente pode desenvolver-se
mediante o atendimento a tal princípio. O artigo 173, § 5º da Constituição da República,
estabelece a responsabilidade penal da pessoa jurídica que deixa de observar o preceito
citado, merecendo maior meditação por parte dos penalistas mais obsoletos e com visão
mais ortodoxa, restando claro que está superada também a fase do direito penal individual.

O artigo 186 preceitua que a utilização adequada dos recursos naturais e a


preservação do meio ambiente constituem, nos termos do inciso II, requisito de aferição da
função social da propriedade, cuja inobservância pode ensejar desapropriação da mesma
para fins de reforma agrária.

O artigo 200 declara que ao sistema único de saúde compete, além de outras
atribuições, nos termos da legislação aplicável colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho (inciso VIII). Conforme Silva (2001, p. 28), isto tem
relação com o artigo 7º, inciso XXII da Constituição da República que cuida do direito dos
trabalhadores a um ambiente de trabalho higiênico.

O artigo 216, inciso V menciona os conjuntos urbanos e os sítios ecológicos como


integrantes do patrimônio cultural brasileiro.

O artigo 220, § 3º, II da Constituição da República garante proteção à família e às


pessoas contra propagandas referentes a produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente.

O artigo 231, § 1º faz referência às terras ocupadas pelos índios, imprescindíveis à


preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar.

Silva (2001, p. 28) faz indicações de referências implícitas ao meio ambiente


realizadas pelo poder constituinte originário em vários pontos da Constituição.

No entanto, o direito ambiental brasileiro possui seu núcleo essencial de


normatização no artigo 225 da Constituição da República, segundo o qual todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
21

Incumbe ao Poder Público, conforme o § 1º do artigo 225 da Constituição da


República:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o


manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País
e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e
a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade.

O modelo adotado nos parágrafos e incisos do artigo 225 da Constituição da


República encerra uma delimitação positiva e outra negativa de atuação estatal
(CANOTILLHO, 2005). Segundo Gavião Filho (2005, p. 24), a delimitação negativa
significa: a) a recusa de estatização, no sentido de que a tutela do ambiente é uma função
de todos e não apenas do Estado; b) a insuficiência da visão liberal no sentido de que o
Estado não se resume a um mero Estado de polícia, confiante na obtenção da ordem
jurídica ambiental pelo livre jogo de forças contrapostas.

A delimitação positiva significa: a) abertura ambiental no sentido de que os


indivíduos possam obter do poder público todas as informações sobre o ambiente; b)
participação dos indivíduos nas questões relativas à defesa e proteção do meio ambiente,
notadamente no âmbito dos procedimentos administrativos que tratam das questões
ambientais; c) a sociedade, regularmente organizada possa valer-se dos instrumentos de
democracia para exercitar a pressão sobre o legislador e o administrador em relação às
questões ambientais, inclusive exercer a dedução de pretensão de prestação jurisdicional
por intermédio de ações para preservação e reparação de ações ou omissões estatais ou
privadas lesivas ao meio ambiente.
22

Diante disso, depreende-se a força normativa das normas do direito ao ambiente,


sendo forçoso admitir que deve ser tratado como direito fundamental, considerando-se o
tratamento constitucional de tal matéria.

É oportuno registrar que os valores ambientais não encontram prevalência absoluta


quando do cotejo com os objetivos fundamentais do Estado previstos na ordem
constitucional, mas do conteúdo do artigo 225 da Constituição da República podem ser
extraídos vários princípios a nortear a atuação dos poderes da República em todos os
níveis.

2.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

Além da existência de uma série de normas que visam a proteção ao meio


ambiente, o legislador também se preocupou com a estruturação e fundamentação destas
normas por meio de princípios.

Estes foram elaborados no intuito de dar direção aos operadores do direito, guiar o
poder público na elaboração e realização de políticas públicas e também à sociedade de um
modo geral.

Os princípios mais importantes surgiram a partir da Declaração de Estocolmo sobre


Meio Ambiente Humano de 1972 e foram ampliados, reafirmados e aperfeiçoados na
Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.

O Brasil, pela simples leitura ao artigo 225 da Constituição Federal, denota-se que
adotou a Política Global do Meio Ambiente, concretizando os pilares para a garantia do
meio ambiente saudável através de princípios. Vejamos.

2.4.1 Do princípio do desenvolvimento sustentável

Na Constituição Federal de 1988, o princípio do desenvolvimento sustentável


encontra-se previsto no caput do artigo 225: “Art. 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado [...], impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
23

Em razão dos recursos ambientais não serem inesgotáveis, há de se buscar sempre a


harmonia entre a realização de atividades econômicas e o meio ambiente.

Este princípio garante às futuras gerações o poder de desfrutar dos mesmos recursos
naturais que o homem atualmente usufrui.

De acordo com Fiorillo (2004, p. 26),

[...] o princípio possui grande importância, porquanto numa sociedade


desregrada, à deriva de parâmetros de livre concorrência e iniciativa, o
caminho inexorável para o caos ambiental é uma certeza. Não há dúvidas
de que o desenvolvimento econômico também é um valor precioso da
sociedade. Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento
econômico devem coexistir de modo que aquela não acarrete anulação
deste.

Dando ênfase a visão antropocêntrica do bem ambiental passou-se a pensar que


degradando o meio ambiente haveria a diminuição da capacidade econômica do país e
então, como conseqüência, não haveria como desfrutar de uma vida com qualidade. Surgiu,
então, evidente a necessidade de reciprocidade entre o direito de desenvolver-se e o dever
de conservar o meio ambiente.

Bem por isso que a Constituição Federal, quando estabeleceu os princípios da


ordem econômica, disse que esta reger-se-á respeitando o meio ambiente:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
(...)
VI – defesa do meio ambiente.

Ainda, exige a Constituição Federal, para a instalação de obra ou atividade


potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental (art. 225, § 1º, IV) e o controle da produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V).

O desenvolvimento sustentável busca e prega a desejável conciliação entre o


24

desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Não


se pode dizer que a idéia do desenvolvimento sustentável configurará em obstáculo ao
desenvolvimento. É, na verdade, um dos seus instrumentos, propiciadores de uma gestão
racional dos recursos naturais.

Por este princípio surge o dever de conduta, tanto da sociedade, quanto do Estado,
de planejar de forma sustentável e eqüitativa a apropriação e uso de recursos naturais.
Além disso, torna-se também imperiosa a erradicação da pobreza, principalmente dos
países em desenvolvimento, com auxílio dos países desenvolvidos e por outro lado a
redução do consumo irresponsável dos recursos naturais pelas populações detentoras de
maiores recursos financeiros.

O Relatório Bruntland, publicado pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (1991, p. 46), conceitua o desenvolvimento sustentável como sendo:

[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a


possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias
necessidades. Considerando “o conceito de ‘necessidade’, sobretudo as
necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber
máxima prioridade” e “a noção de limitação que o estágio da tecnologia e
da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender
às necessidades presentes e futuras.

Posteriormente, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,


documento elaborado durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Rio/92, adotou a noção de
desenvolvimento sustentável em seu Princípio 3, ao tratar do direito humano ao
desenvolvimento: “[...] o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir
que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio
ambiente das gerações presentes e futuras”. Segue o documentos no seu Princípio 4: “[...]
para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte
integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente
deste” (COMUNIDADE VIRTUAL DO PODER LEGISLATIVO, 2005).

Em verdade, no princípio do direito ao desenvolvimento sustentável, direito e dever


estão correlacionados e mutuamente condicionados a conquista de um equilíbrio. É isto
que se preconiza e almeja.
25

2.4.2 Do princípio do poluidor pagador

Na Constituição Federal encontramos este princípio previsto no artigo 225, § 3º:

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente


sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.

Este princípio busca evitar a ocorrência de danos ambientais através da imposição


ao poluidor de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que sua
atividade possa ocasionar; e também, em caso do dano já houver ocorrido de obrigar o
poluidor a repará-lo. Visa, principalmente, desestimular a atividade poluidora desmedida
através de correções do mercado que façam com que o produtor tenha que escolher entre
suportar o custo econômico da poluição ou deixar de poluir. Por isso, inclusive, alguns
autores como Milaré (2001), o chamam de princípio da responsabilidade.

Os valores porventura arrecadados pela punição ao poluidor, além de levar a


redução da poluição a um nível considerado aceitável (já que se presume que o custo seja
de valor suficiente a desestimular a poluição), possibilitam também a criação de um fundo
público destinado a combater a poluição e custear despesas públicas da administração, que
visam planejar e executar as políticas de proteção ao meio ambiente.

A Declaração do Rio de 1992 agasalhou a matéria em seu Princípio 16, dispondo


que

[...] as autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização


dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em
conta o critério de que o que contamina deveria, em princípio, arcar com
os custos da contaminação, tendo devidamente em conta o interesse
público e sem distorcer o comércio e nem as inversões internacionais
(COMUNIDADE VIRTUAL DO PODER LEGISLATIVO, 2005).

Além do importante aspecto redistributivo, do princípio poluidor-pagador, que


força o produtor a arcar com os custos externos da sua poluição e não a sociedade, deve-se
destacar seu forte componente preventivo. Dessa forma, tal princípio não deve ser visto
apenas com um princípio de compensação ou reparação por danos causados pela poluição,
muito menos deve significar uma compra do direito de poluir.
26

Canotilho (1998, p. 51) anotou com bastante propriedade o duplo aspecto do


princípio do poluidor pagador:

[...] idéia fundamentalmente errada pensar que o princípio do poluidor


pagador tem natureza curativa e não preventiva, uma vocação para agir a
posteriori e não a priori”. O Poluidor pagador permite a prevenção e a
precaução dos danos ao ambiente e visa a justiça na redistribuição dos
custos das medidas públicas de luta contra a degradação ao meio
ambiente.

No ponto, merece também destaque a consideração de Costa Neto (2003, p. 78):

Nesse ponto acentua-se a diferença entre o princípio do poluidor pagador


e a idéia de mera responsabilização civil, uma vez que esta é
eminentemente retrospectiva, buscando a reparação por danos ambientais
causados, ao passo que o princípio em tela privilegia o sentido da
prevenção ‘ameaçando’ com a internalização dos custos da poluição e
motivando, dessarte, uma mudança de atitude do produtor em relação às
suas externalidade ambientais.

Em síntese, o respectivo princípio repele qualquer forma de contornar a reparação


do dano. Obriga a prevenção na ocorrência do dano e, em caso deste já tiver ocorrido,
obriga o agente a repará-lo.

2.4.3 Do princípio da prevenção

Desde a Conferência de Estocolmo o princípio da prevenção tem sido considerado


como um dos princípios mais importantes do direito ambiental, pois ele representa o
objetivo básico de todas as normas que norteiam a matéria ambiental.

De acordo com o professor Milaré (2001, p. 118):

O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à


prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações
suscetíveis de alterar sua qualidade.

Justifica-se este princípio e a preocupação pela prevenção em razão da própria


característica dos recursos naturais. Muitas vezes os danos ambientais são irreversíveis e
irreparáveis. Assim, diante da impossibilidade do homem restabelecer a situação anterior, o
melhor é a prevenção.
27

Pense-se, por exemplo, na extinção de uma espécie animal. Como reconstituir sua
existência? Torna-se absolutamente impossível. Ademais, mesmo quando a reconstituição
material é possível muitas vezes torna-se inviável diante do altíssimo custo.

A Constituição Federal brasileira vigente preconiza a prevenção tanto ao prever no


caput do artigo 225 que é “[...] dever do Poder Público e da coletividade de proteger e
preservar o meio ambiente”, quanto ao exigir o estudo do impacto ambiental e exigir o
controle da produção, da comercialização e o emprego de técnicas, método e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Deste princípio decorre o princípio da educação ambiental. Considerando que a


prevenção e a preservação devem ser concretizadas por meio de uma consciência
ecológica, a qual deve ser desenvolvida através de uma política de educação ambiental, o
legislador constituinte previu, no inciso IV, § 1º do artigo 225, o dever do Poder Público de
promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para preservação do meio ambiente.

2.4.4 Do princípio da precaução

Alguns autores, como Milaré (2001, p. 117) e Fiorillo (2004, p. 37), não distinguem
o princípio da prevenção do da precaução, referindo-se aos dois como se idênticos,
colocando o princípio da precaução como uma forma de expressão do da prevenção que o
englobaria.

Anote-se as explicações do professor Milaré (2001, p. 117-118) ao tecer as


diferenciações e justificar a adoção de um mesmo princípio:

Com efeito há cambiantes semânticas entre estas expressões, ao menos no


que se refere à etimologia. Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e
significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação
de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com
intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do
Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados
antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar
em efeitos indesejáveis. A diferença etimológica e semântica
(estabelecida pelo uso) sugere que prevenção é mais ampla do que
precaução e que, por seu turno, precaução é atitude ou medida
antecipatória voltada preferencialmente para casos concretos.
28

E continua Milaré (2001, p. 117-118):

Não descartamos a diferença possível entre as duas expressões nem


discordamos dos que reconhecem dois princípios distintos. Todavia,
preferimos adotar princípio da prevenção como fórmula simplificadora,
uma vez que prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba precaução, de
caráter possivelmente específico.

Todavia, entendemos que, diferentemente da prevenção, o princípio da precaução


refere-se a situações em que não existe um conhecimento dos potenciais danos de uma
determinada atividade ou espécie viva ou de um determinado produto a ser produzido e
lançado no meio ambiente.

Costa Neto (2003, p. 72) aponta algumas nuances que justificam a separação entre
estes princípios:

[...] enquanto que sob a ótica da precaução, a dúvida e a incerteza são


elementos determinantes do atuar preventivo, o princípio da prevenção
trabalha com indicativos técnicos de iminência da produção do dano,
certo e definido, acentuando a adoção de medidas preventivas, antes da
consumação "anunciada" do resultado prejudicial ao meio ambiente. O
princípio da precaução inspira-se em argumentos de prudência, ante as
conseqüências incertas de um evento predeterminado. O princípio da
prevenção baseia-se em critérios de antecipação diante de um resultado
certo, mas não querido.

Em verdade, o princípio da precaução está diretamente ligado à atuação preventiva


e é prioritariamente utilizado quando o risco de degradação do meio ambiente é
considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio ambiente é tamanho que exige a
aplicação imediata das medidas necessárias à preservação.

2.4.4.1 O princípio da precaução e sua previsão em diversos instrumentos


jurídicos

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento


realizada no Rio de Janeiro, discutindo as medidas necessárias para que houvesse uma
redução da degradação do meio ambiente, previu, inserindo nos Princípios 15 e 17, o
princípio da precaução. Estes princípios expressam o seguinte:
29

Princípio 15: com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar
amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de
dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada
como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir
a degradação do meio ambiente.

Princípio 17: a avaliação do impacto ambiental, como instrumento internacional,


deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo
considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade
nacional competente (COMUNIDADE VIRTUAL DO PODER LEGISLATIVO, 2005).

Além disto, a Carta da Terra de 1997 inscreveu entre os seus princípios o da


precaução:

Princípio 2: Importar-se com a Terra, protegendo e restaurando a diversidade, a


integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta. Onde há risco de dano irreversível ou
sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos
(COMUNIDADE VIRTUAL DO PODER LEGISLATIVO, 2005).

No direito positivo brasileiro, o princípio da precaução tem seu fundamento na Lei


de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.038 de 31 de agosto de 1981), mais
precisamente no artigo 4º, inciso I e IV, da referida Lei, que expressa a necessidade de
haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização, de forma racional,
dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.

A legislação ambiental brasileira também recebeu influência de várias convenções


e/ou tratados internacionais. Assim, a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança no Clima, que foram devidamente assinadas,
ratificadas e promulgadas pelo Brasil, abrigaram o princípio da precaução. Há de se dizer
que ambas as Convenções estabelecem que o princípio da precaução deve objetivar a
redução dos danos ambientais, prescindindo que seja demonstrada a certeza científica à
efetivação do dano, para que sejam tomadas medidas cabíveis com vistas à solução ou pelo
menos minimização do problema.

No Brasil, respectivo princípio foi expressamente incorporado no ordenamento


jurídico no inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal que exige estudo prévio
30

do impacto ambiental para instalação de obras ou atividades potencialmente causadora de


dano ambiental, e também através da Lei dos Crimes Ambientais que prevê uma série de
crimes de perigo7.

2.4.4.2 Do princípio da precaução propriamente dito

Pois bem. Assim como o princípio do poluidor pagador, o princípio da precaução


propicia a viabilização do desenvolvimento de políticas ambientais necessárias ao
cumprimento da tarefa de proteger o meio ambiente.

Em havendo situação onde não exista conhecimento acerca dos riscos potenciais,
ou seja, na dúvida sobre a periculosidade de uma certa atividade para o ambiente, decide-se
a favor do ambiente e da sociedade, contra os interesses do potencial poluidor.

Como exemplo, vale mencionar que, em junho de 1999, o Juiz de Direito da 6ª


Vara da Secção Judiciária do Distrito Federal acolheu expressamente o princípio da
precaução na ação judicial proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
contra a União Federal e a Monsanto do Brasil Ltda., ao proibir o plantio e
comercialização de sementes da soja transgênica enquanto não fosse apresentado o Estudo
Prévio de Impacto Ambiental e enquanto não fosse regulamentado, pelo Poder Público, as
normas de biossegurança e de rotulagem de Organismos Geneticamente Modificados
(MACHADO, 2002, p. 60).

O princípio da precaução tem como uma de suas características a existência de uma


incerteza quanto a ocorrência do dano ambiental e visa restringir e até mesmo proibir a
implantação de novos empreendimentos, na hipótese dos mesmos oferecerem risco ao
ambiente e a saúde das pessoas.

Se tivermos uma certeza científica do dano haverá aplicação imediata das medidas
ambientais. Porém, estas haverão de ser aplicadas também no caso de haver incerteza, pois

7
“A adoção de crimes de perigo em matéria de delitos contra o meio ambiente bem harmoniza-se com a
feição preventiva do Direito Ambiental, tendo em vista a tipificação da probabilidade de dano. Tipificando
o perigo de dano, a lei penal procura inibir a possível ocorrência de um dano ambiental através do
presumível desestímulo que a existência de uma figura delitiva exerce no tecido social.” (COSTA NETO,
2003, p. 73).
31

se assim não fosse estaríamos incorrendo em grave erro, diante da habitual característica da
irreversibilidade dos efeitos dos danos.

E isto é assim pois o princípio da precaução determina que devemos agir antes que
a ciência nos diga, com absoluta certeza, se determinada atividade é nociva ou não ao meio
ambiente.

O princípio da precaução traz como conseqüência a previsão no ordenamento


jurídico da responsabilidade civil objetiva para os danos ambientais e também o ônus ao
interessado de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências
indesejadas ao meio ambiente.

Vale ressaltar que a observância do princípio da precaução pelo Poder Público não
tem finalidade de imobilizar o progresso da humanidade, da ciência ou da economia.

Conforme bem anotou Machado (2002, p. 56):

Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofe


ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade
de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no
planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações
presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações
futuras como afirma Michel Prieur.

O princípio da precaução é justificado pela necessidade de prudência e visão


prospectiva, mesmo se opondo a forte pressão por crescimento econômico e pela
mercantilização da ciência.

Segundo Mirra (1996, p. 55):

[...] em muitas situações, torna-se verdadeiramente imperativa a cessação


de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, mesmo
diante de controvérsias científicas em relação aos seus efeitos nocivos.
Isso porque, segundo se entende, nessas hipóteses, o dia em que se puder
ter certeza absoluta dos efeitos prejudiciais das atividades questionadas,
os danos por elas provocados no meio ambiente e na saúde e segurança
da população terão atingido tamanha amplitude e dimensão, que não
poderão mais ser revertidos ou reparados – serão já, nessa ocasião,
irreversíveis.

Os dois princípios – tanto o da prevenção, quanto da precaução – têm norteado


32

formação do direito positivo ambiental, a atuação do poder público e as decisões judiciais,


tendo também influência nas esferas civil, penal e administrativa.

2.4.5 Do princípio da participação

A Constituição Federal de 1988 consagrou na defesa do meio ambiente a atuação


presente do Estado e da sociedade civil, isto é, organizações ambientais, sindicatos,
indústrias, comércio, agricultura, dentre outros, na proteção e preservação do meio
ambiente.

E não poderia ser diferente. É fundamental o envolvimento do cidadão no


equacionamento e implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe
que todas as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam à proteção e melhoria do ambiente.

A Declaração do Rio também previu o princípio da participação no seu Princípio 10


que diz o seguinte:

Princípio 10: O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação


de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá
ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades
públicas, incluída a informação sobre os materiais e atividades que oferecem perigo em
suas comunidades, assim como a oportunidade de participar de processos de adoção de
decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do
público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá se proporcionado acesso
efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos entre os quais o ressarcimento dos
danos e os recursos pertinentes (COMUNIDADE VIRTUAL DO PODER
LEGISLATIVO, 2005).

Assim, o princípio da participação estabelece uma interdependência com o direito à


informação ambiental, pois os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições
de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte
ativa nas decisões que lhes interessam.
33

2.5 OBJETO DO DIREITO AMBIENTAL

Como já esboçado, através dos tempos o ambiente vem sofrendo um processo de


degeneração contínuo que pode ser creditado à ânsia do homem pelo acúmulo de riquezas
a qualquer custo, explorando-o irracionalmente, sem qualquer consciência do alto custo a
ser pago pelas gerações futuras.

Com o movimento que tomou corpo em meados do século passado, alguns se


aperceberam que se a atividade industrial continuasse dispersando gases que influenciam
negativamente no aquecimento terrestre, a exploração extrativista desmedida, aliados à
explosão demográfica que se verificava em termos mundiais, a vida humana estaria fadada
à inviabilidade.

Mesmo antes de ganhar contornos constitucionais, o direito brasileiro


expressamente conceituou o que seja meio ambiente.

2.5.1 Definição legal de meio ambiente

A Lei n. 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) definiu o meio


ambiente em seu artigo 3º, inciso I, como sendo “[...] o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas”. É conceito afeto a controvérsias, porém, é de importância
reconhecida, pois caracteriza o objeto do direito ambiental, delimitando o conceito ao
campo jurídico (MILARÉ, 2001, p. 55).

Outrossim, pela redação do artigo 2º, inciso I, o meio ambiente é “[...] um


patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo”. A lei trouxe definição ampla, pois “[...] vai atingir tudo aquilo que permite a
vida, que a abriga e rege” (MACHADO, 2000, p. 123).

À primeira vista pode-se afirmar que o conceito é o mais amplo possível, porém
não faz nenhuma referência às variáveis econômicas e sociais que estariam presentes
decisivamente nas interações do meio ambiente, ou seja, o conceito legal não abrange
integralmente todos os bens jurídicos a serem tutelados, restringindo-se ao meio ambiente
34

natural, não abarcando os fenômenos sociais e econômicos, v.g. o ambiente cultural,


artificial e do trabalho. Entretanto a Lei n. 6.938/1981, no mesmo artigo 3º, inciso V8
abriga também a definição de recursos ambientais, incluindo os elementos da biosfera9.

Por conseguinte, constata-se que o legislador acabou por ampliar ainda mais o
conceito de meio ambiente para fins de proteção jurídica não o limitando apenas ao meio
ambiente natural, abrigando na definição os elementos da biosfera.

Milaré (2001, p. 55) ensina que quando o legislador fez esta opção levou em conta,
na categoria de recursos ambientais, o ecossistema humano, finalizando lapidarmente que
“[...] todo recurso natural é ambiental, mas nem todo recurso ambiental é natural”.

Assim, ficam incluídos no conceito os elementos referentes às interações


econômicas e sociais bem como o meio ambiente cultural, artificial e do trabalho que
indubitavelmente integram elementos da biosfera.

2.5.2 Bem ambiental

A Constituição Federal, no caput do artigo 225, caracteriza o meio ambiente


ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida.

Na doutrina clássica e para o Código Civil vigente, bem de uso comum do povo é
uma espécie de bem público.

A natureza jurídica do bem ambiental vem sendo estudada e debatida pela doutrina.

Os bens ambientais são considerados como bem difuso por Fiorillo e Rodrigues
(1997, p. 90). Identificam três categorias de bens na ordem jurídica brasileira: bens
públicos, bens privados e bens difusos.

Para esses autores efetivamente, existe no ordenamento jurídico positivado, uma

8
Redação determinada pela Lei 7.804 de 18.07.1989.
9
“[...] a atmosfera, as águas interiores, superfícies e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o
subsolo e os elementos da biosfera, a fauna e a flora” (artigo 3.º, da Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981).
35

terceira categoria de bem, que é o difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem
público.

Machado (2000, p. 61) comunga do mesmo entendimento, para quem: “[...] o bem
de propriedade privada pode adquirir institucionalmente a finalidade de interesse publico
[...], como, também, a um particular regime de polícia de intervenção e de tutela pública”.

Assim, o patrimônio ambiental é concebido como um bem de interesse público, que


pertence a todos e a ninguém individualmente, nem mesmo ao Estado. O meio ambiente
não constitui patrimônio público, enquanto compreendido como a propriedade estatal.
Patrimônio ambiental e Patrimônio público não se confundem. O Patrimônio Nacional de
que fala a Constituição Federal no artigo 225, § 4º e o patrimônio público não se
confundem. O meio ambiente não é propriedade estatal.

Os espaços territoriais especialmente protegidos, tais como a Floresta Amazônica


brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira
integram o patrimônio nacional.

Não resta dúvida de que a definição de bem ambiental de interesse público deve ser
separada da definição de bens públicos e privados do Código Civil brasileiro. A concepção
da lei civil discrepa do estipulado na Constituição Federal, que trata o meio ambiente como
bem da coletividade e não como res nullius.

De acordo com o artigo 98 do Código Civil: “[...] são bens públicos os bens do
domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os
outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

E o artigo 99, incisos I, II e III, do Código Civil de 2002, dispõem sobre os três
tipos de bem público:

I - Os de uso comum do povo, tais como os rios, mares, estradas, ruas e


praças; II - os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos
destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal,
estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os
dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades.

Os mares, rios já não são mais considerados bens públicos de uso comum do povo,
36

pois são relevantes para o equilíbrio ambiental, integrando um bem maior, o bem
ambiental. Este não pode ser considerado público, mas sim de interesse público.

Para Fiorillo e Rodrigues (1997, p. 97) aquilo que está prescrito no inciso I do
artigo 99, referindo-se ao artigo 66, inciso I, do Código Civil de 1916 são exatamente os
bens previstos, v.g. nos artigos 225, 215, 216, 200, § 6º, 182, todos da Constituição da
República, entre outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos ao meio
ambiente.

Do todo se extrai que o artigo 225 da Constituição da República estabelece a


existência de um bem que não é público e não é particular; é um bem ambiental.

Todos são titulares do interesse de proteção a este bem, não se determinando quem
seja o titular.

É, portanto, um bem de uso comum do povo, a todos sendo lícito usar desse bem de
maneira arrazoada, dentro dos limites constitucionais e legais, pois é essencial à sadia
qualidade de vida. Estes aspectos fornecem a estrutura constitucional do bem ambiental.

Sendo assim, se reafirma que não é consentâneo com a leitura privatística do


Código Civil, devendo-se dissociar o bem ambiental dos poderes de propriedade
tradicionalmente atribuídos, posto que o bem ambiental atribui à coletividade somente o
seu uso. Todos podem usar, mas ninguém pode dele dispor.

É um bem que interessa à própria sadia qualidade de vida, entendida como


fundamento da República Federativa do Brasil, pois uma vida sadia deve ser vivida com
dignidade.

2.5.3 Proteção ambiental

O artigo 6º da Constituição da República elenca os direitos sociais: “[...] são


direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma da Constituição”.

São direitos básicos, indispensáveis a uma vida digna.


37

Vida saudável exige a satisfação dos fundamentos democráticos da Constituição da


República, entre eles a dignidade da pessoa humana.

Nas palavras de Fiorillo (2000, p. 53), “[...] temos que o art. 6.º da Constituição fixa
um piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz
mediante a cobrança de tributos), para o desfrute da sadia qualidade de vida”.

Dentro desse piso vital mínimo a preservação do meio em que vivemos merece
especial proteção, posto que, apesar dos direitos sociais pertencerem ao grupo de direitos
de 2ª dimensão (ou geração), sem o ambiente aqueles não podem ser exercidos. Um meio
ambiente hígido é condição sine qua non para o exercício de todos os direitos mínimos
inerentes ao ser humano.
38

3 INSTRUMENTOS DE TUTELA DA JURISDIÇÃO CIVIL


E COLETIVA

A legislação brasileira não só dotou de proteção os interesses coletivos, mas


também previu a forma do exercício do direito da ação coletiva.

Assim, dedicaremos este capítulo ao estudo da implementação destes instrumentos


no ordenamento jurídico brasileiro e suas peculiaridades.

3.1 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DA JURISDIÇÃO CIVIL E


COLETIVA

A tímida intervenção do Estado, em especial na economia, acabou resultando em


um dos maiores acontecimentos históricos do século XIX, a Revolução Industrial.

Havia, nesta fase, a exaltação dos direitos individuais.

E foi somente após a II Guerra Mundial que o mundo voltou-se para a necessidade
do reconhecimento dos direitos da coletividade, tendo colocado os direitos individuais do
lado dos direitos sociais e coletivos.

Surgiu aí, nas palavras do professor Lenza (2003, p. 23), a teorização do Estado
Social, evidenciando-se o grupo e colocando a questão social como preocupação principal
do Estado.

Segundo Fiorillo (2004, p. 3), após a II Guerra Mundial passou-se a detectar que os
grandes temas adaptavam-se à necessidade da coletividade, não mais podendo conceber a
solução dos problemas sociais tendo em vista o binômio público/privado.

Tínhamos, porém, nesta época, conflitos de massa e não possuíamos mecanismos


processuais hábeis e necessários a compô-los. Todas essas dificuldades estavam a
recomendar que os interesses de grupos alcançassem uma disciplina processual própria,
para sua adequada defesa em juízo (NEGRÃO, 2004, p. 13).

Diante da necessidade escancarada passou-se a ter evolução doutrinária e foi


39

quando se editou em 1965 a Lei n. 4.717 (Lei da Ação Popular) que, embora trouxesse
instrumento restrito, visava a defesa de direitos metaindividuais.

Logo em seguida, editou-se a Lei n. 6.938/1981 (Política Nacional do Meio


Ambiente) e posteriormente, em 1985, a Lei n. 7.347 que veio colocar à disposição o
instrumento da ação civil pública toda vez que houvesse lesão ou ameaça de lesão ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico.

Entretanto, somente após o reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 da


existência de um bem que não seria público, nem privado, mas de uso comum do povo (art.
225) é que se editou em 1990 a Lei n. 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) a qual
trouxe a previsão dos interesses metaindividuais e sua divisão em direitos individuais
homogêneos, coletivos e difusos.

Temos, em verdade, duas espécies de direitos essencialmente coletivos – ou direitos


coletivos latu sensu – que são os direitos strictu sensu e os direitos difusos. Os direitos
individuais homogêneos possuem particularidades que os diferenciam dos interesses
individuais e os excluem da classificação de interesses essencialmente coletivos. Vejamos.

3.1.1 Interesses individuais homogêneos

Para o ordenamento jurídico brasileiro, os interesses individuais homogêneos são


aqueles que, embora se apresentem uniformizados pela origem comum, permanecem
individuais em sua essência.

Os interesses individuais homogêneos, para o Código de Defesa do Consumidor


(art. 81, parágrafo único, inciso III) são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas
determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis de origem comum,
normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

Nas palavras de Mazzilli (2005a, p. 50) os interesses individuais homogêneos, em


sentido lato, não deixam de ser também interesses coletivos.

O que ocorre, na verdade, é que os interesses individuais homogêneos são um


40

conjunto de vontades individuais, sendo que difere dos direitos coletivos justamente em
razão da divisibilidade desses interesses, ou seja, é possível que cada sujeito ingresse
individualmente com sua demanda porque o objeto da ação é divisível.

Por outro lado, os interesses individuais homogêneos são acidentalmente coletivos


em razão de terem a mesma origem em relação aos fatos geradores de tais direitos. E isto é
o que recomenda a defesa de todo a um só tempo.

3.1.2 Interesses coletivos

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, são interesses transindividuais


indivisíveis de um grupo determinado ou determinável, reunido por uma relação jurídica
básica comum (art. 81, parágrafo único, inciso II).

Esses interesses são indivisíveis porque todos os titulares do direito são


beneficiados ou prejudicados, mesmo que apenas um sujeito ingresse com a demanda em
juízo. Ainda, são determinados ou determináveis pois o interesse pertence a uma categoria,
classe ou grupo.

Nos termos da doutrina, a distinção entre os interesses difusos e coletivos


reside especificamente no grau mais intenso de agregação, com teor
maior, entre as pessoas pertencentes a um grupo, [...]. Estas realidades
deverão ter consistência própria e identidade no mundo empírico ou
social. O vínculo que aqui existe não é, normalmente, tão rarefeito,
circunstancial ou ocasional, quanto o que existe nos interesses e direitos
difusos [...] Os membros ou as pessoas de tais categorias devem estar
unidas entre si, ou, então, com a parte contrária, através de uma relação
jurídica base. [...] essa titularidade material é atribuída ao grupo, à
categoria ou à classe; atribuída, portanto, a pessoas determináveis, ao
menos (ALVIM apud NEGRÃO, 2004, p. 169).

O legislador, ao mencionar que os interesses ou direitos coletivos são


transindividuais, pretendeu destacar que eles, assim como os difusos, transcendem o
indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de direito e obrigações de cunho individual
(FIORILLO, 2004, p. 9).
41

3.1.3 Interesses difusos

Em resumo, interesses difusos são os de natureza indivisível, de que sejam titulares


pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato (art. 81, parágrafo único, inciso
I, Código de Defesa do Consumidor).

Assim como os coletivos, os interesses difusos são também de natureza indivisível.


A grande diferença, entretanto, é que os titulares desses direitos são pessoas
indeterminadas e que se encontram ligadas por uma situação de fato e não por uma relação
jurídica.

Nas palavras do professor Fiorillo (2004, p. 9): “[...] o direito difuso é aquele que se
encontra difundido pela coletividade, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo”.

3.1.4 Meio ambiente como bem difuso por excelência

A Constituição Federal de 1988 estruturou uma composição para a tutela dos


valores ambientais, reconhecendo-lhes características próprias, desvinculadas, do instituto
da posse e da propriedade, consagrando o meio ambiente como bem difuso por excelência.

O artigo 225 da Constituição Federal diz que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

Sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo, insuscetível de


apropriação por quem quer que seja, era de rigor assegurar-se o efetivo acesso ao
Judiciário dos grupos sociais intermediários e do próprio cidadão na defesa do meio
ambiente (MILARÉ, 2001, p. 555).

Assim, o Constituinte Federal deu largos passos no ordenamento jurídico brasileiro


para a instrumentalização da tutela jurisdicional do meio ambiente na esfera civil.
Vejamos.
42

3.2 DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL

A ação popular foi a primeira demanda existente no ordenamento jurídico brasileiro


responsável pela defesa de interesses difusos, tendo percorrido inclusive várias das
Constituições brasileiras.

Mas, não obstante sua existência tenha marcado praticamente todas as


Constituições da história do país, seu conteúdo sofreu grande ampliação a partir da
Constituição Federal de 1988, passando a incluir atos lesivos à moralidade administrativa,
ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Isso se deu graças ao professor Moreira (apud FIORILLO, 2004, p. 357-358) que
foi quem primeiro chamou a atenção para que a ação popular fosse encarada como
instrumento para a defesa dos direitos difusos. Para tanto, salientava que a Lei n.
4.717/1965 fixou o conceito de patrimônio com o fito de dilatar a área de atuação de
instrumento processual para fora do restrito círculo das lesões meramente pecuniárias,
tornando a ação popular mais interessante na perspectiva em que se situava seu trabalho
sobre interesses difusos.

Feitas estas considerações históricas torna-se oportuno conceituarmos ação popular.


De acordo com Meirelles (2000, p. 658):

[...] ação popular é a via constitucional (art. 5º, LXXIII) posta à


disposição de qualquer cidadão (eleitor) para obter a anulação de atos e
contratos administrativos - ou a eles equiparados – lesivos ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa e ao meio ambiente natural ou cultural.

Em outras palavras, a ação popular é um remédio jurídico constitucional nascido da


necessidade de se melhorar a defesa do interesse público e da moral administrativa.
Conforme diz Milaré (2001, p. 555):

Inspira-se na intenção de fazer de todo cidadão um fiscal do bem comum.


Consiste ela no poder de reclamar o cidadão um provimento judiciário –
uma sentença – que declare nulos ou torne nulos atos de poder público
lesivos ao patrimônio público, meio ambiente e patrimônio histórico e
cultural do povo brasileiro [...].
43

Como percebemos, a ação popular é uma garantia constitucional posta à disposição


do cidadão, para fiscalizar o desempenho do serviço público, independentemente de o
mesmo causar lesividade ao patrimônio histórico, cultural, ou ao meio ambiente. Desde
que o ato praticado pelo Poder Público cause danos à coletividade, o meio adequado para o
cidadão ingressar em juízo é a ação popular.

Em razão da ação popular prestar-se à defesa de bens de natureza pública, como o


patrimônio público, e difusa, como o meio ambiente, há de se adotar, quando da sua
impetração, procedimentos distintos, de acordo com a natureza do bem que pretende se
proteger.

Assim, tratando-se de defesa do meio ambiente, o procedimento a ser adotado será


o previsto na Lei de Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor. Por outro
lado, tratando-se da defesa de bem de natureza pública, o procedimento a ser utilizado será
o previsto na Lei n. 4.717/1965.

O mesmo pode se dizer quanto ao juízo competente para conhecimento da causa.


Por tratar-se da defesa do meio ambiente, aplicando a Lei de Ação Civil Pública e o
Código de Defesa do Consumidor, será competente para julgamento da ação popular o
juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, independentemente de onde o ato teve
sua origem.

A Constituição confere a qualquer cidadão – entendido como tal aquele que está em
gozo de seus direitos políticos – a legitimidade para a propositura da ação popular.

Discute-se se há necessidade ou não do autor da ação ser eleitor (TEMER; SILVA;


BASTOS apud FIORILLO, 2004, p. 360). Acreditamos que a legitimidade atribuída
somente ao cidadão subtrai a grandeza da ação popular, o que deveria ser modificada.

O professor Fiorillo (2004, p. 359) defende a tese de que, embora a legitimidade


ativa da ação popular venha explicitada no artigo 1º, § 3º, da Lei n. 4.717/1965 que exige
para a prova da cidadania e para o ingresso em juízo a apresentação do título eleitoral ou
qualquer outro documento que a ele corresponda, em sendo de todos os bens ambientais,
nada mais lógico que não só o eleitor quite com a Justiça Eleitoral, mas todos os brasileiros
e estrangeiros residentes no País possam ser rotulados cidadãos para fins de propositura da
ação popular ambiental.
44

A finalidade da ação popular é anular o ato lesivo, com o fim de desconstituir o já


praticado ou até mesmo prevenir a ocorrência da lesão. Daí porque é previsível a
concessão de liminares.

3.3 DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

A Lei n. 6.938/1981, em razão de ser formada por normas de cunho material, não
continha o necessário vigor para melhor instrumentalizar a ação do Ministério Público. Foi
aí que, sentindo a necessidade de encontrar medidas mais flexíveis para a tutela do meio
ambiente e de outros interesses sociais relevantes, o governo federal acabou por promulgar
a Lei n. 7.347/1985, de caráter processual, modernizando e provocando verdadeira
“revolução” na ordem jurídica brasileira, já que o processo judicial deixou de ser visto
como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de verdadeiro
mecanismo de participação da sociedade civil na tutela de situações fáticas – jurídicas de
diferente perfil, vale dizer, daqueles conflitos que envolvem os interesses difusos.

Em 1990, com a entrada em vigor da Lei n. 8.078, isto é, o Código de Defesa do


Consumidor, a Lei de Ação Civil Pública teve o seu alcance de aplicação alterado, havendo
um aumento no campo de sua incidência eis que passou a ser passível de utilização para a
defesa de outros interesses difusos, bem como dos interesses individuais homogêneos.

Daí a razão de Mancuso (2002, p. 38) dizer que:

[...] hoje pode-se dizer que o objeto da ação civil pública é o mais amplo
possível graças à (re) inserção da cláusula ‘qualquer outro interesse
difuso ou coletivo’ (inc IV do art. 1º da Lei nº 7347/85), acrescentado
pelo art. 110 do CDC.

E afirma Mazzilli (apud MANCUSO, 2002, p. 38):

[...] inexiste taxatividade na defesa judicial de interesses metaindividuais.


Além das hipóteses expressamente previstas em diversas leis (meio
ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolescentes,
pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados no mercado de
valores mobiliários, ordem econômica, livre concorrência) qualquer outro
interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo pode em tese ser
45

defendido em juízo pelo Ministério Público e demais legitimados do art.


5º da LACP10 e art. 82 do CDC.

Em decorrência disto, o objeto da ação civil pública ambiental foi previsto na


Constituição Federal sem limitações. É possível a propositura de ação visando buscar toda
e qualquer tutela jurisdicional para a defesa do meio ambiente.

3.4 DAS AÇÕES COLETIVAS COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA


DO CONSUMIDOR

Muito se discute a respeito do adequado nome júris do instrumento processual de


tutela dos interesses transindividuais: usar a nomenclatura ação civil pública ou ação
coletiva.

Um primeiro entendimento11, esteado na antiga Lei Orgânica Nacional do Parquet,


enxergava no qualificativo uma referência à legitimação para agir, já que a ação civil
pública era o nome da ação do Ministério Público como autor no campo cível, em um
paralelo com a ação penal pública, sem qualquer relação com a dimensão coletiva do
direito material.

Com a Lei n. 7.347/1985 que conferiu legitimidade para o seu ajuizamento também
a outros entes políticos do Estado e às associações, um segundo entendimento se formou,
desfocando a atenção do problema da legitimação e voltando-a para a natureza do interesse
material que se pretende protegido pelo Poder Judiciário: assim, aqueles filiados a este
entendimento dizem que pública será toda ação que tiver por objeto a tutela de um
interesse transindividual (MANCUSO, 2002, p. 17; MILARÉ apud MANCUSO, 2002, p.
17).

Filiamo-nos àqueles que dizem da inocuidade da polêmica em termos práticos. A


qualificação, a nomenclatura da ação não lhe define, nem altera o conteúdo, importando

10
Lei da Ação Civil Pública.
11
“Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos? Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o enfoque
puramente doutrinário, será chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido proposta por qualquer outro
co-legitimado, mais correto denominá-la de ação coletiva” (MAZZILLI, 2005a, p. 65).
46

assim o pedido da ação para apurarmos sua verdadeira natureza (LENZA, 2003, p. 153;
MANCUSO, 2002, p. 20). Do ponto de vista teórico, inadequada mostra-se qualquer
qualificação da ação, seja ela coletiva ou civil pública.

E pensando assim, quando falamos em ações de natureza coletiva como


instrumento da tutela ambiental, para que não haja repetição do trabalho apresentado,
referimos a tudo o que já fora dito quando do estudo da ação civil pública ambiental,
acrescentando agora, no próximo capítulo, os seus aspectos processuais, aplicáveis, tanto
na “ação civil pública”, quanto nas “ações coletivas”.

3.5 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

O mandado de segurança coletivo constitui mais uma inovação da Constituição de


1988, cujo artigo 5º, inciso LXX, determina:

LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:


a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, em defesa dos
interesses dos seus membros ou associados.

A Constituição de 1988, numa política de liberação dos mecanismos de legitimação


ad causam, além da ação civil pública e da ação popular constitucional, conferiu também
às entidades associativas, aos partidos políticos e aos sindicatos poderes para, através do
mandado de segurança coletivo, empreenderem a defesa dos interesses transindividuais.
Assim, o mandado de segurança coletivo é também um dos vários instrumentos colocados
à disposição dos cidadãos e dos legitimados para a proteção ao meio ambiente.

Em que pese o fato do legislador constituinte não prever os pressupostos para o


cabimento deste remédio jurídico constitucional, os seus pressupostos são os mesmos do
mandado de segurança individual, ou seja, ato de autoridade, ilegalidade ou abuso de poder
e lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo.

Direitos estes que podem ser subjetivos ou tratar-se de interesses difusos e coletivos
dos membros associados das entidades, dos partidos políticos e dos sindicatos.
47

Em razão da Constituição utilizar termo que não indica hipótese de numerus


clausus tem-se aceitado a tese de que é possível a impetração do mandado de segurança
coletivo por outros legitimados que não estão previstos expressamente na Constituição
Federal.

Assim, perfeitamente possível admitir a legitimidade do Ministério Público, por


exemplo, para impetrar mandado de segurança coletivo. E mais, diante da característica de
ação civil pública do mandado de segurança coletivo é possível sua impetração por
qualquer dos legitimados trazidos no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor.

Por força deste remédio jurídico constitucional, coletivo ou individual, prever como
sujeito passivo qualquer autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público e em razão de exigir-se ofensa a direito líquido e certo, torna-
se pouco utilizado na prática para defesa dos interesses ambientais: seja porque o conceito
de poluidor é muito mais amplo que os atos praticados pelas autoridade públicas ou seja
porque dificilmente em matéria ambiental se consegue identificar direito líquido e certo
sem realização de perícia para constatar o dano ou a lesão.

3.6 MANDADO DE INJUNÇÃO

Segundo conceito de Silva (2002, p. 446-447),

[...] o mandado de injunção constitui em remédio ou ação constitucional


posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles
direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma
regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição”. E continua o
autor: “sua finalidade consiste assim em conferir imediata aplicabilidade
à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerte
em virtude de ausência de regulamentação.

Torna-se, portanto, uma outra medida oferecida à comunidade para a defesa do


meio ambiente. Como visto, para sua utilização, além da ausência de norma
regulamentadora é imprescindível que haja a inviabilidade de exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas prescritas na norma.

Prerrogativas estas não só no que diz respeito à nacionalidade, soberania e


cidadania, mas às prerrogativas conferidas como conseqüência destes princípios que são
48

princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Fácil concluir, portanto, que o


mandado de injunção tem por objeto a regulamentação de todo e qualquer direito
Constitucional, seja ele difuso, coletivo ou individual.

Embora haja decisões12 do Supremo Tribunal Federal conferindo ao instituto a


função de uma ação pessoal de declaração de inconstitucionalidade por omissão, deve-se
salientar que o mesmo visa suprir, de modo concreto, inter partes, a ausência de norma
regulamentadora, de maneira a possibilitar o exercício dos direitos e prerrogativas que
constituem o seu objeto.

Aliás, seu objeto é exclusivamente definir a norma regulamentadora do preceito


constitucional aplicável ao caso concreto, dada a omissão do poder constitucionalmente
competente. E não simplesmente visar a comunicação ao Poder Legislativo de que é
preciso regulamentar a norma.

Por fim, é bom que se diga que o mandado de injunção, diferentemente do que
ocorre quando visa dar efetividade a outros bens e interesses, se visar a tutela de bens e
valores ambientais o procedimento adotado é o constante da Lei de Ação Civil Pública (Lei
n. 7.347/1985), combinada com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).

12
“Por maioria de votos o Tribunal deferiu em parte o pedido de mandado de injunção para que se
comunique ao Congresso Nacional a mora em que se encontra a fim de que sejam adotadas as
providências necessárias ao suprimento da omissão. Vencidos em parte os Ministros Relator e Carlos
Velloso que também deferiam o pedido e fixavam as condições necessárias ao exercício do direito” (STF
– Pleno – MI nº 362-9/RJ – Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 3 maio 1996, p.
13.897)
49

4 ASPECTOS PROCESSUAIS COMUNS DAS AÇÕES


COLETIVAS AMBIENTAIS

Como já ventilado anteriormente, a Lei n. 6.938/1981, ao definir a Política


Nacional do Meio Ambiente e conceder legitimação ao Ministério Público para a ação de
responsabilidade civil contra o poluidor de danos causados ao meio ambiente, estabeleceu,
pela primeira vez a ação civil pública ambiental.

E se a origem da ação ocorreu com a promulgação na Lei n. 6.938/1981, seu perfil


definitivo e acabado ocorreu com a Lei n. 7.347/1985 de cunho processual.

Por último, o Código de Defesa do Consumidor fechou a sistemática processual


aplicável, cabendo-nos oferecer neste trabalho uma visão suscita dos seus aspectos
processuais.

4.1 LEGITIMIDADE ATIVA

No direito brasileiro, normalmente atribui-se o direito de ação ao titular do direito


substancial discutido, vedada a defesa em nome próprio de direito, salvo previsão legal
(art. 6º, Código de Defesa do Consumidor). Todavia, quando se cuida da proteção do meio
ambiente, como direito ou interesse difuso, a questão se torna mais complexa, pois os
titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são todos os indivíduos
da sociedade e o meio ambiente, como bem de uso comum do povo, lhes pertence
indistintamente.

Por essa razão, o direito de ação é, nesse caso, estabelecido não em função da
proteção do sujeito, no resguardo do seu eventual interesse individual, mas sim conferido
com base na perspectiva da proteção coletiva, quase pública. Daí porque não haver
vinculação que normalmente se dá no processo tradicional. Aqui, ao contrário, pretende a
lei eleger determinados entes que têm condições de serem titulares do direito de ação.

Nesse sentido, o professor Mancuso (2002, p. 99-100) observa que:

[...] o esquema tradicional do processo civil não pode ser transladado


50

perfeitamente à legitimação para agir nas ações “coletivas”, onde o objeto


tutelado é metaindividual, como se dá na ação civil pública da Lei
7.347/85. E isso porque, simplesmente, não se vai encontrar o “titular”, o
“dono” do interesse objetivado, dada a inviabilidade de sua
“participação” ou “fracionamento” e, de outro lado, dada a
impossibilidade de sua atribuição a certos “titulares”.

E em tema de tutela do meio ambiente, a liberalização dos mecanismos de


legitimação ad causam foi uma das grandes inovações trazidas pela Lei n. 7.347/1985, na
medida em que, além do Ministério Público estendeu-se a titularidade ativa, com a
conseqüência de poder provocar a atividade jurisdicional, também a outras entidades
públicas e privadas.

O Código de Defesa do Consumidor também inovou a matéria: o artigo 82, III13,


reconheceu personalidade judiciária aos entes públicos despersonalizados, desde que
tenham como finalidade institucional à defesa do meio ambiente.

Esta legitimação é concorrente e disjuntiva, no sentido de que todos estão


autorizados para a promoção da demanda e cada um pode agir isoladamente, sozinho, sem
que seja necessária a anuência ou autorização dos demais.

Dentre os co-legitimados, o Ministério Público ganhou posição de relevo na


condução das ações que buscam a defesa de interesses coletivos. Além de estar autorizado
a promover o Inquérito Civil, está sempre presente, ou como sujeito ativo, como fiscal da
lei, ou ainda como assistente litisconsorcial, possuindo neste caso ampla autonomia em
relação à parte principal.

No tocante às associações civis que tenham como finalidade estatutária a defesa do


meio ambiente, estas poderão agir em juízo por meio de ações coletivas. Nessa seara, vale
frisar que com o advento da Constituição Federal de 1988 os sindicatos não mais são
controlados pelo governo, de sorte que têm natureza e personalidade jurídicas de
associação, podendo igualmente, mover ações coletivas para a defesa do meio ambiente,
observados os demais requisitos legais para que se reconheça essa legitimidade. O mesmo
pode se dizer dos partidos políticos.

Assim, as associações civis que tenham um ano de vida e tenham como finalidade

13
Também aplicável às ações ambientais por expressa disposição do artigo 21 da Lei n. 7.347/1985.
51

estatuária a defesa do ambiente, poderão agir em juízo por meio das ações coletivas. Este
pré-requisito, muitas vezes, diante do caso concreto, poderá ser dispensável se transparecer
o manifesto interesse social evidenciado pelo dano ou relevância do bem a ser protegido.

Como acentua o professor Mirra (2004, p. 207):

Nessas situações, verificado “manifesto interesse social”, admite-se que


uma associação seja constituída ex post factum, com a finalidade de
buscar a prevenção ou a reparação de uma degradação ambiental,
legitimando-se a agir em juízo desde logo mesmo estando constituída há
menos de um ano da data do fato danoso.

E este mesmo autor, citando Watanabe, menciona:

O requisito da pré-constituição foi estabelecido para o fim de coibir


abusos consistentes em constituição ad hoc, não raro por razões políticas,
de associações para a propositura de certas ações coletivas. Semelhante
perigo, porém, deixa de existir quando, pela dimensão ou característica
do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido, avaliação a
ser feita no caso concreto, consiga o magistrado detectar manifesto
interesse social na admissão em juízo de associação constituída há menos
de um ano, pela sua representatividade e aptidão como órgão veiculador
dos interesses transindividuais (p. 207).

Pode ocorrer da associação ou sindicato não prever expressamente a defesa do meio


ambiente como finalidade institucional. Nestes casos, muitos julgamentos14 têm sido no
sentido de que bastará a comprovação de que defendam valores que incluam direitos
difusos e coletivos para que se possam se valer da prestação jurisdicional.

A Lei também legitima as pessoas jurídicas da Administração direta, indireta e


fundações à propositura de ações que busquem a defesa do meio ambiente.

Assim, por expressa disposição legal (Lei n. 7.347/1985) estão legitimados a


propositura da ação civil pública em defesa do meio ambiente a União, os Estados, os
Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações e as sociedades de economia
mista.

14
STJ. Resp.n. 31.150 – SP – 2ª T. – j. em 20.05.1996 – rel. Min. Ari Pargendler – Revista de Direito
Ambiental, VOL. 13, p. 122. Registre-se, ainda, que nessa matéria já se entendeu dispensável até a
constituição legal da associação, com reconhecimento de personalidade jurídica da entidade (1º TACiv SP
– Ap. 686.319-4 – 6ª Câm – j. em 3.6.1997 – v.u.- rel. Juiz Windor Santos RT 753/244).
52

O entendimento que tem predominado15 é de que para estas legitimadas exige-se tão
somente a vinculação temática à defesa de bens e valores relacionados a qualidade
ambiental para o ajuizamento da ação.

Entendemos que as associações e entidades da Administração direta, as autarquias,


empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações não estão vinculadas
geograficamente com o local do dano ou bem ambiental atingido. Qualquer delas pode
atuar na defesa do meio ambiente em outro Estado ou Município ou de bens ambientais
nestes situados.

4.2 LEGITIMIDADE PASSIVA

A lei considera poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,


responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art.
3º, inciso IV, Lei n. 6.938/1981).

Assim, todos aqueles que, de alguma forma, forem os causadores do dano


ambiental são legitimados passivos.

O professor Mancuso (2002, p. 171) quando trata da legitimação passiva em seu


livro diz que:

A expressiva amplitude da legitimação passiva nas ações voltadas à tutela


de interesses metaindividuais (que pode chegar a uma não-fixação
apriorística dos demandados) não é casual, mas antes leva em conta
fatores diversos, como as peculiaridades dos casos concretos, as
responsabilidades diversas, diretas e indiretas, emergentes segundo a
natureza do dano produzido, o grau de informação das pessoas
concernentes, a hierarquia entre os órgãos públicos envolvidos, a
conveniência da extensão subjetiva da coisa julgada etc.

O Poder Público poderá sempre figurar no pólo passivo de qualquer demanda


dirigida à reparação do meio ambiente. Se ele não fora o causador do dano poderá estar no

15
“A exegese que nos parece mais lógica, frente ao art. 5º e incisos da Lei 7.347/85, é a seguinte: a) os incs.
I e II se aplicam, ambos, às associações; b) o inc. II se aplica tanto às associações como às entidades
paraestatais mencionadas no caput; c) quanto aos entes políticos e ao Ministério Público, não se aplicam,
por óbvio, as exigências desses incs. I e II do art. 5º daquela lei” (MANCUSO, 2002, p. 149).
53

pólo passivo da ação se for omisso quanto ao dever de fiscalizar e impedir que tais danos
aconteçam. Isto porque a Constituição Federal impôs ao Poder Público o dever de
preservar e defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

4.3 INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

Dentre as intervenções de terceiros admitidas pelo Código de Processo Civil


trataremos da assistência (arts. 50 a 55); denunciação da lide (arts. 70 a 76) e chamamento
ao processo (arts. 77 a 80) pois estas são as que se cogitam diante de uma ação civil
pública ambiental.

4.3.1 Da assistência

A assistência é repudiada na ação civil pública por inúmeros autores16 que ao


discorrerem sobre a matéria explicam que a assistência entre co-titular do direito de agir
não é assistência mas sim litisconsórcio.

Da mesma forma pode se dizer do cidadão particular que pretender ingressar na


ação como assistente do legitimado ativo. Em razão do cidadão não possuir relação jurídica
com a parte assistida e pelo fato de que não será prejudicado em seu direito não se admite
esta intervenção.

Com relação a assistência no pólo passivo, pelos mesmos motivos já expostos,


entendemos que a mesma não tem cabimento: seja porque será litisconsorte do réu ou seja

16
Mazzilli (2005a, p. 330), a vê com reservas. Fiorillo (2004, p. 330) diz: “[...] a vedação da intervenção de
terceiros (em especial os institutos da denunciação da lide e do chamamento ao processo) decorre do
sistema em si mesmo, ou seja, da desconincidência e do antagonismo existentes entre a regra da
responsabilidade objetiva e solidária em relação aos princípios individualistas e exclusivistas do Código
de Processo Civil e do Código Civil”. Mirra (2004, p. 227), não vislumbra a hipótese da intervenção de
terceiro na modalidade assistência pois se tratar de um dos co-legitimados diz configurar litisconsórcio, e
se tratar de cidadão querendo adentrar no pólo ativo da ação, diz ser inadmissível. Quando refere-se ao
pólo passivo, diz ser difícil sua imaginação pois ou será litisconsórcio do réu, ou não terá relação jurídica
para configurar no pólo passivo, estando pois sujeito a eficácia da coisa julgada, pela sentença ao final
proferida. Milaré (2001, p. 249-250), lança posição de que o co-legitimado ingressará no processo como
assistente litisconsorcial visto que nosso sistema não admite a constituição superveniente de litisconsórcio
facultativo unitário. Mancuso (2002, p. 219), por sua vez, admite a assistência nas modalidades
simples/adesiva ou ainda litisconsorcial/qualificada.
54

porque na assistência listisconsorcial não se vislumbra relação jurídica entre o pretenso


assistente e o autor da ação, suscetível de ser atingida com eficácia de coisa julgada, pela
sentença ao final proferida.

4.3.2 Denunciação da lide

Embora possa parecer permissiva à denunciação da lide a ação de regresso prevista


no artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor, esta ação não possui os contornos do
inciso III do artigo 70 do Código de Processo Civil.

A ação de regresso prevista e possível nas ações civis públicas só cabe depois que o
legitimado passivo fizer o pagamento aos prejudicados. Assim, trata-se na verdade de
simples possibilidade de propor ação de regresso e não permissivo para utilizar-se da
denunciação da lide.

Conforme exposição do professor Mazzilli (2005a, p. 252):

Quando a hipótese envolver responsabilidade objetiva, não se admitirá


denunciação da lide para discutir culpa de terceiro nos autos da ação civil
pública ou coletiva, porque a lide secundária (fundada na culpa) não
interessará à solução da lide principal.

4.3.3 O chamamento ao processo

O Código de Defesa do Consumidor previu o chamamento ao processo em seu


artigo 101, inciso II que dispôs sobre respectivo instituto na ocasião da relação jurídica
criada por lei entre o consumidor e o segurador.

E quem melhor explica esta figura é o professor Alvim (apud FIORILLO, 2004, p.
331):

Fosse a matéria regulada pelo processo civil, essa seria hipótese de


denunciação da lide, não de chamamento ao processo. Entretanto, na
denunciação, nunca o denunciado pelo réu poderia ficar diretamente
responsável perante o autor. Assim, o instituto do chamamento ao
processo foi usado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
mas com contornos diversos dos traçados pelo Código de Processo Civil,
55

para maior garantia do consumidor (vítimas e sucessores) [...]. Na


realidade, o sistema adotado pelo CDC, no particular, implica colocar o
segurador como devedor solidário, em relação ao consumidor. É certo,
todavia, que a extensão do possível benefício econômico, decorrente do
chamamento do segurador, fica limitado pelo valor do seguro.

Vale mencionar que a posição do co-responsável deve estar bem caracterizada, não
se podendo conceber discussão paralela entre chamante e chamado, em detrimento do
regular andamento do processo para apuração da responsabilidade civil do réu originário, a
quem o autor endereçou a demanda inicialmente.

Por último, não pode se esquecer que para a admissibilidade do chamamento,


imperioso o preenchimento dos seus pressupostos, isto é, haver previsão legal da
responsabilidade do chamado e que o chamante tenha, também por expressa disposição
legal, o direito de reembolso, total ou parcialmente, contra o chamado.

4.3.4 Do litisconsórcio

A Lei n. 7.347/1985 não apenas reconheceu a legitimação concorrente, como


também facultou aos co-legitimados, na relação processual, darem as mãos e somarem
forças para a luta pela defesa do interesse transindividual em jogo.

Trata-se na hipótese de litisconsórcio facultativo. Isto porque não se exige a


presença de todos os legitimados no pólo ativo da demanda, bastando a iniciativa de um
único legitimado no ajuizamento da ação civil pública ambiental.

Trata-se ainda de litisconsórcio unitário pois o resultado da demanda é sempre


uniforme para todos os litisconsortes, em razão da indivisibilidade do objeto do interesse
ou direito discutido cuja proteção aproveita indistintamente a toda a coletividade
representada pelos legitimados ativos para a causa.

A Lei n. 7.347/1985, no § 5º do seu artigo 5º previu expressamente a possibilidade


de formação de litisconsórcio no pólo ativo da demanda entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados para o fim de atuarem tanto perante a Justiça
Federal quanto perante as Justiças Estaduais.

Em decorrência da responsabilidade solidária em alguns casos de dano ambiental,


56

em que se tem mais de um causador ou responsável poderá haver a hipótese de alguns ou


todos estarem no pólo passivo da ação.

Nestas hipóteses, assim como ocorre quando o litisconsórcio acontece no pólo ativo
da ação, será facultativo e unitário, conforme já exposto anteriormente.

4.3.5 Responsabilidade civil por danos ambientais

A palavra responsabilidade tem sua origem etimológica no verbo latino respondere,


de spondeo, primitiva obrigação de natureza contratual do Direito Romano, pela qual o
devedor se vincula ao credor nos contratos verbais, tendo, portanto, a idéia e concepção de
responder por algo.

A noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito genérico de


obrigação, o direito de que é titular o credor em face do devedor, tendo por objeto
determinada prestação.

Quanto a classificação da responsabilidade civil, há duas teorias: subjetiva e a


objetiva.

A teoria subjetiva tem na culpa seu fundamento basilar, só existindo a culpa se dela
resulta um prejuízo. Todavia, esta teoria não responsabiliza aquela pessoa que se portou de
maneira irrepreensível, distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano.
Aqui, argüi-se a responsabilidade do autor quando existe culpa, dano e nexo causal.

Já na teoria objetiva não se exige a comprovação da culpa, e hodiernamente tem


sido subdividida em pura e impura.

A responsabilidade civil é objetiva pura quando resultante de ato lícito ou de fato


jurídico, como alguém que age licitamente e, mesmo assim, deve indenizar o prejuízo
decorrente de sua ação. Neste caso, a lei deve dizer, expressamente, que o indenizador
deve indenizar independentemente de culpa, como nos danos ambientais (art. 14, § 1º, Lei
n. 6.938/1981), nos danos nucleares (art. 40, Lei n. 6.457/1977) e em algumas hipóteses do
Código do Consumidor.

Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva impura existe quando alguém
57

indeniza, por culpa de outrem, como no caso do empregador que, mesmo não tendo culpa,
responde por ato ilícito de seu empregado (art. 1.521, III, Código Civil; Súmula n. 341,
Supremo Tribunal Federal).

Conforme visto, o legislador pátrio, com a edição da Lei da Política Nacional do


Meio Ambiente – Lei n. 6.938/1981 – criou, em seu artigo 14, § 1º, o regime da
responsabilidade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente. Isto porque o dano
ambiental possui características peculiares (pulverização de vítimas, difícil reparação e
difícil valoração) que tornam insuficiente a teoria da responsabilidade subjetiva para
obrigar o causador a indenizar. Pela teoria adotada (objetiva) é suficiente a existência da
ação lesiva, do dano e do nexo com a fonte poluidora ou degradadora para atribuição do
dever de reparação.

Quando se fala em responsabilidade objetiva em matéria ambiental a doutrina se


divide. Uns defendem que a responsabilidade para reparação do dano ambiental é objetiva
pura e simplesmente, outros dizem que a mesma é objetiva na modalidade do risco
integral, não admitindo, portanto, quaisquer excludentes de responsabilidade. Veremos.

Meirelles (apud STOCO, 2001, p. 658) posiciona-se da seguinte maneira no


assunto:

[...] a responsabildiade do réu na ação civil pública é objetiva, pois


independe de culpa no fato que a enseja (art. 14, § 1º da Lei 6.938/81),
bastando que o autor demonstre o nexo causal entre a conduta do réu e a
lesão ao meio ambiente a ser protegido e indique o dispositivo legal
infringido. Se o fato argüido de lesivo ao meio ambiente foi praticado
com licença, permissão ou autorização da autoridade competente, deverá
o autor da ação – Ministério Público ou pessoa jurídica – provar a
ilegalidade de sua expedição, uma vez que todo ato administrativo traz a
presunção de legitimidade, só invalidável por prova em contrário.

Gonçalves (2003, p. 91) pactua deste mesmo posicionamento aduzindo que: “Com
efeito, é irrelevante a demonstração do caso fortuito ou da força maior como causas
excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico”. E citando o professor Nery
Júnior diz:

[...] essa interpretação é extraída do sentido teleológico da Lei de Política


Nacional do Meio Ambiente, onde o legislador disse menos do que queria
dizer ao estabelecer a responsabilidade objetiva. Segue-se daí que o
58

poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua


atividade, como se isto fora um começo da socialização do risco e de
prejuízo [...]. Mas não só a população deve pagar esse alto preço pela
chegada do progresso. O poluidor tem também sua parcela de sacrifício,
que é, justamente, a submissão à teoria do risco integral, subsistindo o
dever de indenizar ainda quando o dano seja oriundo de caso fortuito ou
força maior (p. 91).

Stoco (2001, p. 659), por sua vez, não pactua deste posicionamento e fundamenta
sua posição da seguinte maneira:

Se é certo que o legislador optou pela responsabilidade sem culpa – e, em


assim sendo, legis habemus, impondo-se obedece-la – não nos parece
correta a afirmação de que o legislador adotou a teoria do risco integral.
Adotou, é certo, a teoria da responsabilidade objetiva, que na previsão
constitucional e na própria lei de proteção ambiental empenha
responsabilidade pela teoria mitigada do risco, de modo que – para a lei –
bastaria o nexo de causalidade entre a atividade exercida e o dano
verificado.

E continua o autor:

Tal, contudo, não significa que se possa afastar a incidência das causas
excludentes da responsabilidade, sob pena de negar a própria teoria, pois
essas causas, de que são exemplos os caso fortuito, a força maior e a
culpa exclusiva da vítima, têm o poder e a força de romper aquele nexo
causal (p. 659).

Pactuamos do entendimento exposto pela maioria dos doutrinadores no sentido de


que o legislador previu para o dano ambiental a responsabilidade objetiva na modalidade
do risco integral. Isto porque as regras do Direito Ambiental são de natureza públicas e
encontram na responsabilidade objetiva uma forma de convivência com a atividade
particular voltada, normalmente, para o lucro (MILARÈ, 2001, p. 434).

Comprovada a lesão ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma


relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele advindo. Para
tanto, não é imprescindível que seja evidenciada a prática de um ato ilícito, basta que se
demonstre a existência do dano para o qual exercício de uma atividade perigosa exerceu
uma influência causal decisiva.

Vale ressaltar que, mesmo sendo lícita a conduta do agente, tal fator torna-se
irrelevante se dessa atividade resulta algum dano ao meio ambiente. Essa nada mais é do
59

que uma conseqüência advinda da teoria do risco da atividade ou da empresa, segundo o


qual cabe o dever de indenizar àquele que exerce atividade perigosa, consubstanciando
ônus de sua atividade o dever de reparar os danos por ela causados.

“Na ação civil pública não se discute necessariamente, a legalidade do ato. É a


potencialidade do dano que o ato possa trazer aos bens e valores naturais e culturais que
servirá de fundamento da sentença” (MILARÈ apud GONÇALVES, 2003, p. 88).

Assim, Nery Júnior (apud GONÇALVES, 2003, p. 88-89),

[...] ainda que haja autorização da autoridade competente, ainda que a


emissão esteja dentro dos padrões estabelecidos pelas normas de
segurança, ainda que a indústria tenha tomado todos os cuidados para
evitar o dano, se ele ocorreu em virtude da atividade do poluidor, há o
nexo causal que faz nascer o dever de indenizar.

Desse modo, a responsabilidade estimula a proteção ao meio ambiente, já que faz o


possível poluidor investir na prevenção do risco ambiental de sua atividade.

4.3.5.1 Dano ambiental

Dano é o prejuízo causado a terceiros, ao se lesar bens juridicamente protegidos.


Ele pode ser visto sob dois aspectos: patrimonial, no qual se atinge o patrimônio
econômico do lesado; e extrapatrimonial ou moral, quando o prejuízo é causado no
psicológico da vítima, ou seja, os direitos da personalidade que são afetados.

O dano ambiental, por sua vez, é o resultado da atividade que, direta ou


indiretamente cause a degradação do meio ambiente ou a um ou mais de seus
componentes.

Ou ainda, dano ambiental pode ser compreendido como sendo o prejuízo causado a
todos os recursos ambientais indispensável para a garantia de um meio ecologicamente
equilibrado, provocando a degradação, e conseqüentemente o desequilíbrio ecológico.

Stoco (apud SILVA, 2002, p. 656), define poluição como “[...] qualquer
modificação das características do meio ambiente, de modo a torná-lo impróprio às formas
de vida que ele normalmente abriga”.
60

Milaré (2001, p. 421-422) diz que “[...] dano ambiental é a lesão aos recursos
ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio
ecológico e da qualidade de vida”.

Stoco (apud MEIRELLES, 2000, p. 83) assim o conceitua: “[...] poluição é toda
alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causado por agente de qualquer
espécie, prejudicial à saúde, à segurança ou ao bem-estar da população sujeita a seus
efeitos”.

Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano
ao meio ambiente representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo,
autônomo, de interesse da coletividade, garantido constitucionalmente para o uso comum
do povo e para contribuir com a qualidade de vida das pessoas.

4.3.5.2 Reparação do dano

A Lei n. 6.938/1981 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente, entre outros
objetivos, visará a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados.

Nas palavras do professor Mirra (2004, p. 303), reparação é o principal efeito da


responsabilidade civil. Segundo ele, se a responsabilidade civil fora utilizada como meio
de obter a cessação ou diminuição de um prejuízo, seu efeito será a reparação; se ela for
utilizada como providência destinada a fazer cessar a atividade que se encontrava na
origem do dano, seu efeito será a supressão de uma situação ou fato danoso; e, ainda, se ela
servir à sanção de uma conduta – comissiva ou omissiva – ela terá o efeito de uma pena
civil.

Dias (apud MIRRA, 2004, p. 306), menciona que “[...] reparação apresenta
invariavelmente a característica de um sucedâneo. Seu papel é o de propiciar um novo
estado de coisas que seja, na medida do possível, assimilável à situação frustrada”.

Existindo um dano ambiental, há o dever de repará-lo. A reparação é composta de


dois elementos: a reparação in natura do estado anterior do bem ambiental afetado e a
reparação pecuniária, ou seja, a restituição em dinheiro.
61

Ocorre que a regra, porém, é buscar-se, por todos os meios razoáveis ir além da
ressarcibilidade (indenização). O valor econômico não tem o condão de substituir a
existência e fruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, quando não for possível o retorno ao status quo, recairá sobre o poluidor a
condenação de um quantum pecuniário, responsável pela recomposição efetiva e direta do
ambiente lesado. Porém, na legislação pátria, não há critérios objetivos para a
determinação do referido quantum imposto ao agente degradador do meio ambiente. A
doutrina, entretanto, dá alguns rumos que devem se seguidos, como, por exemplo, a
reparação integral do dano, não podendo o agente degradador ressarcir parcialmente a
lesão material, imaterial e jurídica causada.

A teor do que estabelece os artigos 14, § 1º da Lei n. 6.938/1981 e 225, § 3º da


Constituição Federal de 1988, não é possível pensar em uma indenização tarifária.

Professor Mirra (2004, p. 318), quem melhor trata da matéria, diz que limitar a
reparação dos danos ambientais em virtude da menor culpa ou da ausência de culpa do
degradador significaria, no final das contas, reinserir na responsabilidade objetiva a
discussão da culpa, o que a Constituição e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
pretende afastar.

Na tentativa de recuperação do status quo ante, a Constituição Federal brasileira, no


seu artigo 225, IV, disciplinou o estudo do impacto ambiental que tem entre suas finalidade
precípuas traçar uma solução técnica adequada à recomposição do ambiente modificado
por atividade licenciada.

É de grande valia ressaltar que, nem todo dano se indeniza. É impossível


determinar o montante a ser pago no caso da extinção de uma forma de vida, da
contaminação do lençol freático ou da devastação de uma floresta. Nesses casos, a
composição monetária é absolutamente insatisfatória.

Milaré (2001, p. 424) cita a difícil tarefa de se apurar o que deve ser reparado. E
neste ponto, descreve a tendência, de lege ferenda, de se instituir no ordenamento jurídico
ambiental brasileiro novas técnicas processuais, como a criação de uma ação revisional dos
danos causados ao ambiente, sempre que os recursos advindos da condenação se
mostrarem insuficientes para a completa reparação dos bens lesados.
62

Há ainda que se examinar a questão do dano extrapatrimonial ambiental e sua


reparação. O dano moral ao meio ambiente é a lesão que desvaloriza imaterialmente o
meio ambiente ecologicamente equilibrado e também os valores ligados à saúde e à
qualidade de vida das pessoas. Se o meio ambiente é um direito imaterial, incorpóreo, de
interesse da coletividade, pode ele ser objeto do dano moral, pois este é determinado pela
dor física ou psicológica acarretada à vítima. É possível afirmar a partir daí, que a
degradação ambiental geradora de mal estar e ofensa à consciência psíquica das pessoas
físicas ou jurídicas pode resultar em obrigação de indenizar aos seus geradores.

4.3.5.3 Nexo

Além do dano, para que haja a responsabilização do causador, é preciso que se


prove o vínculo causal com a atividade. E o nexo é justamente a indagação se o dano foi ou
não causado em razão da atividade exercida. Inclusive, tem-se reconhecido o dever de
indenizar mesmo quando haja concausa não atribuível ao agente que irá indenizar.

4.3.6 Da antecipação de tutela

Tutela antecipada constitui um instrumento processual que permite a antecipação


provisória dos efeitos da sentença, desde que preenchidos certos requisitos previstos em
lei.

Assim, não se trata de provimento meramente instrumental para assegurar a eficácia


da decisão final, mas a própria antecipação dos efeitos desta (ALMEIDA, 2001, p. 123).

O sistema de jurisdição civil coletiva a prevê, criando mais um instrumento de


efetivação do direito material ameaçado ou violado.

Conforme consulta ao artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública vê-se que o legislador
previu a possibilidade da antecipação dos efeitos da sentença desde que haja o
preenchimento dos requisitos periculum in mora e do fumus boni iuris.

Por sua vez, o artigo 84, § 3º do Código de Defesa do Consumidor preceitua que se
for relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
63

provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação


prévia, citado o réu.

Vale frisar que as normas de jurisdição coletiva, diferentemente da jurisdição civil


individual, não reclama para a ocorrência da antecipação postulação das partes pois o juiz
poderá concedê-la de ofício.

Ainda, a qualquer tempo poderá a tutela antecipada ser revogada ou modificada,


devendo ser feito em decisão fundamentada
64

5 COISA JULGADA

Diz-se que coisa julgada é a decisão da qual não caiba mais recurso. A expressão
coisa julgada deriva da expressão latina res iudicata, que significa bem julgado. É que a
sentença, entendida como resultado final de um processo de conhecimento, acaba por
atribuir um bem a alguém. É a definição, por assim dizer, de uma situação, que a partir de
dado momento passa a ser estável ou duradoura, em virtude da chamada coisa julgada. Na
verdade a estabilidade, a imutabilidade ou a intangibilidade exprimem uma qualidade que
se agrega aos efeitos do comando contido na sentença.

O fenômeno impede, até mesmo que o próprio Poder Judiciário se manifeste acerca
daquilo que ficou definido na decisão acobertada pelo manto da coisa julgada. Neste
sentido, conforme o escólio de Wambier e Medina (2005, p. 21), esta é “a função negativa
da coisa julgada”.

Por outro lado o instituto tem a função de conceder segurança e previsibilidade aos
cidadãos de que as decisões emanadas do Poder Judiciário não se podem alterar senão
mediante fundamentos relevantes e por meio dos procedimentos legalmente exigidos.

5.1 COISA JULGADA MATERIAL X FORMAL

Diz-se comumente que o pronunciamento do juiz que põe termo ao procedimento


em primeiro grau de jurisdição seja no processo individual, seja no coletivo, é a sentença.
Trata-se de um pensamento tatutológico, pois, ao se perguntar o que é uma sentença, tem-
se de responder que é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de
jurisdição.

Carnellutti (2000, p. 68) afirmou que o processo de conhecimento consiste, em


essência, na verificação de dados de fato e de direito relevantes para um juízo de certeza
acerca de determinada relação jurídica, ou seja, dos [...] preceitos e dos fatos dos quais
depende sua existência ou inexistência [...]”, e “[...] segundo os resultados desta
verificação, o juiz declara que a situação existe ou que não existe [...]”.

A técnica redacional inserida no artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil é


65

criticável, pois mesmo que os artigos 267 e 269 do mesmo código aludam à extinção do
processo, o que se extingue, na verdade, é o procedimento em primeiro grau.

Os artigos citados dizem respeito quer a sentença, quer a acórdão, cujo conteúdo
seja uma sentença. Acórdão é uma decisão colegiada de tribunal que pode ter como
conteúdo o de uma sentença meritória ou não ou de uma decisão interlocutória.

O certo é que o único meio para se identificar uma sentença é pelo seu conteúdo, o
que vêm expressamente previsto nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil,
aplicáveis ao processo coletivo.

Havendo inconformismo em relação ao conteúdo da decisão, seja meritória ou


processual, a parte interessada poderá interpor recurso. Desta forma o processo não será
encerrado por uma sentença.

Exaurido o prazo sem interposição de recurso ou quando manejados todos os


recursos possíveis não haja mais possibilidade de interposição de qualquer outro, ocorre a
preclusão máxima dentro do processo. Diz-se que a sentença fez coisa julgada.

Genericamente se diz que a coisa julgada é um instituto ligado ao fim do processo e


à imutabilidade do que se decidiu. O direito é um instrumento que se presta, em grande
parte, ao atingimento de segurança. A coisa julgada deve proporcionar a segurança de que
finda a prestação jurisdicional dando-se solução ao caso concreto, se estabeleça de modo
definitivo o direito perseguido inicialmente por um dos demandantes.

Mesmo oferecendo às partes a possibilidade de recurso referente a decisões que


entendam desacertadas, injustas ou inconstitucionais, os recursos não podem perdurar ad
eternum, havendo necessidade de um limite assegurador de estabilidade social.

Depreende-se com Neves (apud BERALDO, 2005, p. 161) que se trata muito mais
de uma exigência política e de ordem prática do que jurídica.

Neste ponto insta salientar que ocorrendo a “preclusão máxima” impede-se


qualquer reexame da sentença como ato processual, permanecendo a mesma imutável no
mesmo processo.

É exigência de ordem pública e do bem comum, a fim de que a tutela jurisdicional


66

entregue se torne estável, segura e indeclinável. Tem por isso, a res judicata, fundamento
precipuamente político (MARQUES, 2001, p. 324).

Diz-se que a coisa julgada formal se dá em relação à estabilização interna do


julgamento, tornando-o imutável dentro do processo, em virtude de não mais caber
reexame recursal do que foi decidido (MARQUES, 2001, p. 325). O artigo 6º, § 3º, da Lei
de Introdução do Código Civil conceitua legalmente a coisa julgada formal, estabelecendo
que: “[...] chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recurso”.

O Código de Processo Civil preceitua que a coisa julgada material é a eficácia que
torna a sentença imutável e indiscutível, porém a coisa julgada formal também torna a
sentença imutável.

É que exaurida a relação processual pelo Estado-Juiz com a entrega definitiva da


prestação jurisdicional, o julgamento em que esta se consubstancia projeta-se fora do
processo, para que a ele se vinculem as partes e interessados, juízes e tribunais. Com isso
se forma a coisa julgada material, que é a imutabilidade do julgamento fora do processo em
que se constituiu, a fim de que se impeça, no futuro, qualquer indagação ou reexame do
que se contém na prestação de tutela jurisdicional ou julgamento (MARQUES, 2001, p.
325).

Em síntese, a coisa julgada formal é a preclusão de todas as impugnações e a coisa


julgada material é relacionado ao “bem da vida”, reconhecido ou denegado pela sentença
irrecorrível.

Dinamarco (2002, p. 7), citando Liebman, traz raciocínio que torna inócua a
discussão acerca da diferenciação entre uma e outra, lecionando que:

[...] não são dois institutos diferentes ou autônomos representados pela


coisa julgada formal e pela material. Trata-se de dois aspectos do mesmo
fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas
relações jurídicas; a distinção entre a coisa julgada formal e material
revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, não dois
institutos diferentes.

Dinamarco (2003, p. 12) menciona que a distinção entre ambas reside em que a
coisa julgada material
67

[...] é a imunidade dos efeitos da sentença que os acompanha na vida das


pessoas após extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal,
processual ou não, que venha a negá-los; enquanto que (b) a coisa julgada
formal é o fenômeno interno ao processo e refere-se à sentença como ato
processual imunizada contra qualquer substituição por outra.

Recente definição é a de Baptista (2002, p. 325) para quem a coisa julgada é “[...] a
qualidade que torna indiscutível o efeito declaratório da sentença, uma vez exauridos os
recursos com que os interessados poderiam alcançá-la”.

A doutrina mais aceita sobre o tema é a de Liebman (1981, p. 142) para quem “[...]
a autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma
qualidade de seus efeitos referentes, isto é, precisamente sua imutabilidade”.

Pode-se concluir que a coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim uma
qualidade que se agrega aos seus efeitos, seja constitutivo, declaratório, condenatório,
mandamental ou executivo lato sensu.

5.2 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO

A Constituição da República assenta que a coisa julgada material não pode ser
atingida por lei posterior, mesmo que esta altere significativamente o regramento legal
aplicado para decidir o litígio. É o disposto no artigo 5º, XXXVI da Constituição da
República: “[...] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”.

A proteção à coisa julgada não impede que a lei preordene regras para a sua
rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa
julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei.
A lei não pode desfazer (rescindir, anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada (SILVA,
2004, p. 435).

Sendo certo que a lei – lex posteriorius – tem de respeitar a coisa julgada, claro que
esta deve manter-se inatingida ainda quando for a lei aplicada jurisdicionalmente
(MARQUES, 2001, p. 329).

Esta tutela constitucional é corolário do princípio da garantia jurisdicional


68

consagrada no artigo 5º, inciso XXXV tornando imutáveis os pronunciamentos judiciais


definitivos para salvaguarda dos direitos subjetivos, os quais uma vez constituídos ou
declarados, nem mesmo a lei pode alterar ou vulnerar. Por isso a coisa julgada pode ser
qualificada como garantia constitucional de tutela a direito individual.

Alexandre de Moraes, após distinguir as noções de coisa julgada formal e material,


expende a posição de que o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República, não
faz qualquer discriminação; a distinção mencionada é feita pelos processualistas. A seu ver
a Constituição assegura proteção integral das situações de coisa julgada (MORAES, 2005,
p. 75). Mas necessário se faz investigar se esta garantia constitucional – intangibilidade da
coisa julgada material – foi guindada ao patamar de princípio constitucional.

Observa-se que o constituinte se preocupou em pôr a coisa julgada a salvo dos


efeitos da lei nova que regulamentasse de maneira diversa a situação ou fato, objeto de
decisão judicial não mais sujeita a recurso, como garantia dos jurisdicionados
(THEODORO JÚNIOR; FARIA, 2005, p. 88). É a consagração do princípio da
irretroatividade da lei nova.

A regra do artigo 5º, XXXVI, da Constituição da República tem destinatário certo,


dirige-se ao legislador ordinário, eis que disciplina e orienta a edição de outras normas
jurídicas (infraconstitucionais), impedindo-o de prejudicar a coisa julgada na elaboração de
normas.

Este é o posicionamento de Beraldo (2005, p. 176) que se filia à corrente que


entende que o legislador, ao tratar da coisa julgada na Constituição da República de 1988
apenas quis colocá-la a salvo da lei nova, ou seja, uma decisão passada em julgado não
poderia ser desfeita se uma lei posterior desse tratamento jurídico diferente àquele
dispositivo utilizado pelo juiz em seu pronunciamento.

É a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo o mais
no instituto é matéria objeto de legislação ordinária (LIMA, 2002, p. 89).

A coisa julgada é regulada pelo Código de Processo Civil que deve ser moldada de
modo a não conflitar com as normas e princípios da Constituição da República de 1988. É
o que se observa da lição de Delgado (2005, p. 45) para quem
69

[...] é perfeitamente constitucional a alteração do instituto da coisa


julgada, ainda que a mudança implique restringir-lhe a aplicação, na
criação de novos instrumentos de seu controle, ou até na supressão, em
alguns ou todos os casos. O que a Carta Política não permite é a
retroatividade da lei para influir na solução dada a caso concreto, por
sentença de que já não caiba recurso.

Portanto, pode-se dizer que há sim um princípio da intangibilidade de coisa julgada


material, todavia trata-se de princípio de ordem infraconstitucional.

Nery Júnior e Nery (2004, p. 867) manifesta, embasado em farta doutrina


estrangeira, que o instituto da coisa julgada é elemento de existência do estado democrático
de direito e sua pedra fundamental no que tange ao exercício da função jurisdicional.

Mesmo concordando com o entendimento do eminente processualista, vale lembrar


que os demais preceitos da Constituição da República de 1988 também são elementos de
existência do estado democrático e de direito.

É diferente do que ocorre no direito comparado.

A Constituição da República portuguesa, em seu artigo 282, n. 3, ressalva dos


efeitos da declaração de inconstitucionalidade a coisa julgada. Tal dispositivo estabelece
uma ressalva dos casos julgados o que significa a possibilidade de se mitigar as sentenças
proferidas com fundamento na lei inconstitucional. Ao mesmo tempo estabelece uma
exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado em matérias de ilícito penal, ilícito
disciplinar e ilícito de mera ordenação social. Isto se justifica em nome do tratamento mais
favorável aos indivíduos que foram sujeitos a medidas sancionatórias penais, disciplinares
ou contra-ordenacionais (CANOTILHO, 2002, p. 1.004).

Nota-se que a Constituição portuguesa, artigo 282 n. 3, regula o “caso julgado”,


com maior vagar, inclusive prevendo as “excepções” em sede de sentenças penais.

Diferentemente no Brasil não ocorre da mesma forma, pois o princípio da


intangibilidade constitucional não tem tratamento constitucional, de modo que se existe um
“princípio da intangibilidade da coisa julgada”, é contemplado somente na legislação
infraconstitucional e está hierarquicamente vinculado a outros princípios constitucionais
como o da razoabilidade e o próprio princípio da constitucionalidade.
70

Assim sendo, permite-se dizer que “[...] a coisa julgada será intangível enquanto tal
apenas quando conforme a Constituição. Se desconforme, estar-se-á diante do que a
doutrina vem denominando coisa julgada inconstitucional” (THEODORO JÚNIOR;
FARIA, 2005, p. 90).

5.3 COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL

A coisa julgada torna a sentença imutável, em regra, inter partes, quer dizer a coisa
julgada produz-se entre as partes fazendo irredutível o direito entre as partes que figuraram
no pleito e seus sucessores (CHIOVENDA apud MARQUES, 2001, p. 340).

O que identifica e limita a lide objetivamente são o pedido e a causa de pedir,


fazendo a sentença coisa julgada entre as partes em que é dada, não beneficiando nem
prejudicando a terceiros. Por isso se diz que existem limites objetivos e subjetivos da coisa
julgada.

O artigo 468 do Código de Processo Civil dispõe que “[...] a sentença que julgar
total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

Somente o dispositivo da sentença passa em julgado17, sendo o que, numa primeira


análise, identifica o limite objetivo da coisa julgada.

Entretanto o artigo 470 do mesmo Codex dispõe que se a questão prejudicial for
decidida através de ação declaratória incidental, haverá coisa julgada.18

17
Artigo 458 do CPC: São requisitos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o
registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.
18
Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e
325), o juiz for competente em razão da matéria e constitui pressuposto necessário para o julgamento da
lide.
71

Assim a coisa julgada alcança a parte dispositiva da sentença ou acórdão, e ainda o


fato constitutivo do pedido – a causa petendi – no tocante à solução dada pelo julgamento,
quando integra fato constitutivo do pedido, ou seja, se foi objeto de ação declaratória
incidental.

O artigo 469 declara o que não faz coisa julgada: I - os motivos, ainda que
importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos
fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial,
decidida incidentemente no processo.

No que se refere às questões que foram implicitamente resolvidas, ou seja, as que


poderiam ter sido argüidas e deduzidas no curso do processo e não o foram, estão sob o
manto da coisa julgada a teor do artigo 474 do Código de Processo Civil.

Quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, com fulcro no artigo 472 do Código
de Processo Civil tem-se que “[...] a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros”. Significa investigar quem será
atingido pela coisa julgada.

Oportuno esclarecer que o julgamento final, como ato emanado do Poder Judiciário
tem eficácia erga omnes, os seus efeitos são imutáveis inters partes, ou seja entre as partes
(MARQUES, 2001, p. 336).

A eficácia natural da sentença vale para todos; mas a autoridade da coisa julgada
atua somente entre as partes.

Assim, não pode atingir terceiros que não participaram do processo onde a coisa
julgada se formou.

O terceiro que tiver interesse jurídico poderá impugnar o julgado que não estiver de
acordo com o direito objeto. É o que se observa nas relações jurídicas conexas a outras
onde surge habitualmente o problema da extensão subjetiva da coisa julgada.

A regra estatuída no artigo 472 do Código de Processo Civil que estabelece que a
coisa julgada somente atinge as partes é correta, porém não explica todos os fenômenos
ligados à coisa julgada.
72

Há de considerar os limites da coisa julgada nas hipóteses de substituição


processual, casos em que a parte era um legitimado extraordinário que comparece em juízo
em nome próprio defendendo direito alheio, quando o legitimado ordinário não foi parte do
processo. Não há dúvidas de que a coisa julgada que se forma para o substituto processual
se forma também para o substituído (CÂMARA, 2004, p. 477).

Outro destaque é o caso da sucessão processual na relação jurídico-processual onde


se formou a coisa julgada. A coisa julgada impede também nova discussão sobre o que foi
decidido para o sucessor. Num processo onde foram partes Fulano e Beltrano, onde a
sentença declara o direito de Fulano, não pode Sicrano, filho deste, pretender após sua
morte rediscutir a mesma questão alegando não ter sido parte no processo (CÂMARA,
2004, p. 477). A imutabilidade e a indiscutibilidade alcançam o sucessor.

Nas ações de estado, a simples leitura do artigo 472 do Código de Processo Civil
leva à conclusão de que nas questões de estado a coisa julgada é oponível erga omnes.
Numa ação que decrete a interdição, após o trânsito em julgado, seria imutável e
indiscutível em relação às partes e a terceiros.

5.3.1 Coisa julgada nas sentenças sobre relações jurídicas continuativas

A relação jurídica continuativa é aquela que se protrai no tempo. É a chamada


sentença determinativa a exemplo do que ocorre na ação de alimentos que é condenatória e
a ação revisional de aluguel, de natureza constitutiva (CÂMARA, 2004, p. 477).

É sentença prolatada em dado momento, mas cujo efeito se prolonga no tempo.


Ocorre que as situações do mundo fenomênico podem se alterar com o passar do tempo
alterando-se as circunstâncias de fato e de direito presentes quando de sua prolação.

É a situação típica do devedor de alimentos que condenado a pagar alimentos de


acordo com sua possibilidade momentânea pode sobre modificação em sua fonte de renda,
diminuindo ou desaparecendo a possibilidade de prestar alimentos. Da mesma forma pode
o alimentado ter melhorada sua situação financeira de modo que sua necessidade alimentar
também diminua.

Nestes casos não se nega a possibilidade de revisão do que ficou decidido na


73

sentença, podendo o interessado propor ação para revisão de alimentos. É o caso também
da ação revisional de aluguel.

Havendo possibilidade de revisão como ficará a coisa julgada? Estas sentenças não
transitam em julgado?

A doutrina é uníssona no reconhecimento de que tais sentenças transitam em


julgado, pois mesmo havendo recurso, haverá momento em que as vias recursais se
esgotarão, encerrando-se a prestação jurisdicional, estabelecendo-se a coisa julgada.

Mas como fundamentar a possibilidade de revisão se a sentença está acobertada


pela coisa julgada formal e material? É que as sentenças determinativas podem ser
alteradas porque contém implícita a cláusula rebus sic standibus. Significa que nas
relações continuativas, as quais se protraem no tempo, pode haver alteração nas
circunstâncias de fato e de direito que envolveram a sua formação, o que permitiria sua
revisão (THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 482).

Grinover (apud CÂMARA, 2004, p. 483) leciona que o Código de Processo Civil
teria optado pela orientação de que as sentenças determinativas poderiam ser revistas em
função de uma especial natureza da relação jurídica deduzida no processo, a qual
implicaria numa sentença que conteria em si própria a autorização para que se procedesse
no futuro, à sua revisão.

Porém, se uma segunda ação não é idêntica à primeira não existe obstáculo à sua
apreciação. Assiste ao beneficiado pela mudança no status quo o direito potestativo de
provocar, mediante ação própria, a revisão de sentença anterior, cuja força vinculativa
permanecerá íntegra enquanto não houver provocação (ZAVASCHI, 2005, p. 119).

Assim, havendo modificação do status quo ante, possível será a propositura da ação
revisional ou ação de modificação anunciada no artigo 471, I do Código de Processo
Civil.19

19
Art. 471 - Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito;
caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
74

A ação revisional tem causa de pedir e objeto distintos da ação original (de
alimentos, v.g.), cuidando-se verdadeiramente de nova demanda, podendo livremente ser
apreciada pelo Poder Judiciário.

5.3.2 Coisa julgada no mandado de segurança

O fenômeno da coisa julgada incide normalmente nas sentenças mandamentais.

O artigo 16 da Lei n. 1.533/1951 dispõe que “[...] o pedido de mandado de


segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o
mérito”. Sendo a sentença meramente terminativa, não apreciando o mérito e por
conseguinte, não faz coisa julgada material, não impedindo a propositura de nova ação.

Deve-se fazer uma abordagem sobre o disposto no artigo 15 da Lei sob análise que
dispõe que “[...] a decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente por
ação própria pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”.

Com base em tais preceitos foi editada a Súmula n. 304 do Supremo Tribunal
Federal, cujo teor é o seguinte: “[...] decisão denegatória de mandado de segurança, não
fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso de ação própria”.

Entretanto, a ação denegatória pode ter diversos fundamentos. Pode ser denegatória
por falta de alguma condição da ação, podendo ser ajuizada novamente.

Quando a improcedência da ação é motivada pela inexistência do direito, deve seu


conteúdo fazer coisa julgada material, tornando-se imutável.

Mas a sentença pode ser improcedente por afirmar que o impetrante não tem direito
líquido, ou seja, o direito não pode ser comprovado de plano (MEIRELLES, 1989, p. 14).

Há doutrina que sustenta que uma sentença nestes moldes não decidiu o mérito,
reconhecendo a ausência de uma condição da ação. Meirelles (1989, p. 75) afirma a
existência da coisa julgada material.

Para Câmara (2004, p. 491), a sentença que afirma a inexistência de direito líquido
e certo é sentença de mérito, impedindo o autor que impetre mandado de segurança
75

novamente contra a mesma autoridade, pela mesma causa de pedir e com o mesmo objeto,
mas nada impede que vá às vias ordinárias. É porque a sentença reconheceu a inexistência
de direito líquido e certo, porém não a inexistência de direito substancial que pode ser
deduzido em juízo em outro processo que permita maior dilação probatória.

Não há, portanto qualquer diferença entre o sistema da coisa julgada do processo
civil e o mandado de segurança individual.

Já as regras concernentes às ações coletivas valem para o mandado de segurança


coletivo.

5.4 COISA JULGADA COLETIVA

É consabido que no direito brasileiro existem instrumentos processuais


estabelecidos para a salvaguarda de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
É a chamada classe de direitos metaindividuais.

No manejo desses remédios processuais, v.g., a ação popular (Lei n. 4.717/1965), a


ação civil pública (Lei n. 7.437/1985) e as ações coletivas para defesa do consumidor (Lei
n. 8.078/1990), merece destaque as regras jurídicas atinentes à coisa julgada.

Na ação popular, o artigo 18 da Lei n. 4.717/1965 prevê que a sentença que julgar o
pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, alcançando todos os membros da
coletividade, além do próprio autor da ação. O mesmo ocorrerá se a sentença for julgada
improcedente, salvo se a sentença foi proferida por insuficiência de provas, hipótese em
que a sentença não alcançará a coisa julgada material. Neste caso, qualquer cidadão
munido de prova inovadora poderá propor nova demanda idêntica.

A coisa julgada se forma secundum eventum litis, isto é, segundo o resultado do


processo. Apesar da criticado tal sistema é necessário ser utilizado em sede de ações
veiculadoras de direitos transindividuais. Câmara (2004, p. 482) menciona exemplo em
que uma ação popular teria sido proposta por um cidadão em conluio com o governante
que praticou ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante
propositadamente não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de
suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes,
76

impedindo qualquer outro membro da comunidade de ingressar com nova ação popular,
mesmo com base em novas provas.

Tal sistema foi aplicado à ação civil pública (art. 16, Lei 7.347/1985), entretanto foi
alterado pela Lei n. 9.494/1997 que alterou o dispositivo pertinente, fixando limite
territorial para a coisa julgada, dizendo que

[...] a sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto quando o pedido for
julgado improcedente por falta de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar nova ação com idêntico fundamento, valendo-
se de nova prova.

Tal dispositivo fere o princípio constitucional implícito da razoabilidade, integrante


do ordenamento jurídico brasileiro por arte do devido processo legal substancial.

Câmara (2004, p. 487) exemplifica:

[...] é de se considerar que os limites territoriais da coisa julgada se


ampliarão conforme o número de recursos interpostos. Sendo certo que o
julgamento de mérito do recurso substitui a decisão recorrida (art. 512 do
CPC), e sendo certo que os limites territoriais da coisa julgada são
fixados pela competência territorial do órgão prolator da decisão
alcançada pela coisa julgada, pode-se ter o seguinte: proferida sentença
em ‘ação civil pública’ por um juízo federal da seção judiciária do Rio de
Janeiro, sua sentença fará coisa julgada nos limites do Estado do Rio de
Janeiro. Havendo apelação contra tal sentença, porém, e, sendo ela
julgada pelo TRF da 2.ª Região, o acórdão por este prolatado faria coisa
julgada nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (que compõem
a 2.ª Região). Tendo sido, porém, interposto (e admitido) recurso
especial, será este julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que
prolatará acórdão capaz de fazer coisa julgada em todo o país.

A decisão fará coisa julgada conforme o órgão que a tenha proferido, isto tudo num
mesmo processo o que não é razoável, portanto, inconstitucional. Por isso, aplica-se para a
ação civil pública o mesmo sistema da ação popular.

Quanto à ação coletiva prevista no Código de Defesa do Consumidor, que tem por
finalidade a proteção de interesses difusos, coletivo lato sensu e interesses individuais
homogêneos o tema vem tratado no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, adota
o mesmo sistema das demandas coletivas em geral.
77

Prevê que a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se for improcedente por
insuficiência de provas quando a demanda versar sobre interesses difusos; ultra partes,
limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo se improcedente por insuficiência de
provas, quando veicular interesses coletivos e erga omnes, apenas nos casos de
procedência do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nos casos de interesses
individuais homogêneos. Neste último caso se a ação for julgada improcedente seja por
insuficiência de provas ou no mérito faz coisa julgada somente para aqueles que
participaram do processo.

Nas ações que versem sobre interesses coletivos, a coisa julgada se fará ultra partes,
afetando não somente as partes, mas também todos os integrantes do grupo, categoria ou
classe (exceto quando improcedente por falta de provas), mesmo que não tenham
participado do processo.

Mazzilli (2005a, p. 432-434) aborda problema neste pormenor criticando a situação


em que a sentença em ação civil pública tutelando interesses coletivos é julgada
procedente, transitando em julgado e for julgado improcedente idêntico pedido formulado
em ação individual. Em seu entendimento mesmo o perdedor deve-se aproveitar da
sentença procedente transita em julgado. Porém o próprio Código de Defesa do
Consumidor no artigo 104 supõe que a coisa julgada coletiva somente beneficiaria o
perdedor se tivesse requerido a suspensão de sua ação individual.

As ações que versam sobre os interesses transindividuais exigem uma visão muito
mais requintada, com trato diferenciado em relação ao direito individual, eis que visam à
defesa dos direitos de 3ª geração (ou dimensão) como o meio ambiente, consumidor e
outros, vêm sendo cada vez mais utilizadas pelo Ministério Público, entre outras entidade
que possuem legitimidade para tanto.

Devido à grande dispersão de seus efeitos na comunidade há de se dispensar


atenção redobrada, sendo mister que impeça a formação da coisa julgada coletiva absurda
ou, até mesmo inconstitucional.
78

5.5 COISA JULGADA AMBIENTAL

A coisa julgada ambiental é disciplinada na forma preconizada para as ações


coletivas, como já mencionado no item anterior, sendo que as características da tutela
jurisdicional do meio ambiente, bem indivisível e que a todos pertence, e do direito ao
meio ambiente como direito fundamental da pessoa (art. 255, Constituição da Federal de
1988), cuja preservação ou agressão a todos aproveita ou prejudica em conjunto,
evidenciam que o resultado da demanda, em litígios dessa natureza, atinge,
inevitavelmente, todos os membros da coletividade. Estes, no mais das vezes não tomaram
parte no processo instaurado (MIRRA, 2004, p. 276).

Por se tratar de típico interesse difuso, mostra-se inadequado o tratamento clássico


dispensado aos direitos individuais, previsto no Código de Processo Civil, limitando-se a
coisa julgada apenas às partes da causa, pois a natureza mesma dos direitos em litígio exige
a extensão dos efeitos da decisão, adotando-se disciplina diversa para o tema.

Portanto, a eficácia da sentença em ação civil pública, ação popular e nas ações
coletivas é ditada pelos modelos previstos no artigo 16 da Lei n. 7.437/1985, artigo 18 da
Lei n. 4.717/1965 e artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente,
como já salientado retro.
79

6 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Nenhum princípio é absoluto nas relações jurídicas, nem mesmo o da segurança,


corolário que é da garantia da coisa julgada. Ambos devem conviver com outro valor de
primeira grandeza, que é a constitucionalidade decisões judiciárias.

O caso julgado deve ser constituído no contexto da Constituição, pois na hipótese


de uma decisão judicial padecer de inconstitucionalidade deve ser mitigada, mesmo depois
de ultrapassado algum prazo preclusivo.

É necessário, contudo, uma posição consciente e equilibrada visando a


harmonização entre a garantia da coisa julgada e a ordem constitucional vigente e, se
necessário for, a relativização obedecendo a determinados critérios.

6.1 O PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE E DA


INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA

O Poder do Estado é dividido em três funções tradicionais, quais sejam:


Legislativo, Executivo e Judiciário.

A Constituição do Brasil, logo em seu artigo 2º, preceitua que “São poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

É salutar para o Estado Democrático e de Direito que nenhum dos poderes se


sobreponha a outro, devendo-se garantir que o controle de freios e contrapesos existente
entre eles seja exercitado de modo a que os poderes dados e um sejam controlados pelos
outros dois.

É o que se vê claramente no Brasil. O Poder Executivo nomeia ministros dos


tribunais superiores, veta ou sanciona leis elaboradas pelo Poder Legislativo; o Poder
Judiciário julga ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade, argüição
de descumprimento de preceito fundamental; o Poder Legislativo sabatina os candidatos à
Procurador-Geral da República, pode derrubar vetos do Presidente da República.

A par disso, nenhum ato praticado por quaisquer dos poderes pode contrariar a
80

Constituição, sob pena de serem submetidos ao juiz constitucional de suas atribuições, o


Supremo Tribunal Federal e, nem mesmo assim, pode-se dizer que há qualquer relação de
superioridade do Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo.

Forçoso reconhecer que se nem a lei ou os atos normativos podem resistir ao


julgamento, a qualquer tempo, de sua constitucionalidade, via controle concentrado ou
difuso de constitucionalidade, é incoerente afirmar que uma sentença judicial passada em
julgado que em algum aspecto contrarie princípios ou normas constitucionais é absoluta e
que não poderia mais ser revista após o prazo decadencial de dois anos da ação rescisória
(art. 497, Código de Processo Civil).

Ao se conceber tratamento diferenciado à sentença, considerada como ato emanado


de um Poder da República, privilegiando-a, em detrimento dos demais atos originados dos
outros poderes constituídos, pode-se concluir que o Poder Judiciário é o mais forte dos
poderes da União. Pode-se arrematar que para este órgão, ao contrário do que ocorre com
os demais, não existe mecanismo de controle de suas decisões, após passada em julgado
(BERALDO, 2005, p. 180).

De forma alguma se expressa a apologia de que deputados e senadores deveriam ou


poderiam ter qualquer poder rescisório de sentença judicial. Mas é forçoso aceitar que num
regime democrático e de direito onde as funções de poder são independentes e harmônicas,
com iguais dimensões, a autorictas rei judicatae, vindo a ferir a norma maior, deve
também sujeitar-se ao crivo do controle de sua constitucionalidade, como acontece com os
demais atos de soberania estatal desconformes ao desejo do poder constituinte originário.

No ponto, urge destacar que, nas sentenças tidas por inconstitucionais, o


magistrado, no mais das vezes, acaba por emitir decisão com carga de vontade da pessoa
que a exarou. É consabido que, fora da lei e da constituição, há “jeito” para tudo. Para
condenar ou para absolver. Não raro, nesses excepcionais casos, há propositada inversão
de valores, adaptando-se a lei ao fato, eternizando-se injustiças ao alvedrio do juiz da
causa.

Tal intento quase nunca é descoberto nem é de fácil comprovação em sede de ação
rescisória.

Muitas vezes, com bem adverte Aristóteles (apud MORAES, 2005, p. 66): “[...] a
81

paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a


lei”.

Nem todos pensam assim.

Para Nery Júnior e Nery (2004, p. 866) as atividades do Poder Judiciário estão
fulcradas no princípio do estado democrático e de direito, exteriorizadas pelo instituto da
coisa julgada. Depreende-se que para os autores a coisa julgada é elemento de existência
do estado democrático de direito.

É frontalmente contrário à teoria da flexibilização da coisa julgada. Para


ele “pretende-se desconsiderar a coisa julgada como se ela não tivesse
existido, utilizando-se do eufemismo da relativização [...] os exemplos
trazidos por esta tendência para justificar a desconsideração da
intangibilidade constitucional da coisa julgada são casos de exceção que
não justificam a criação de regra para quebrar-se o estado democrático de
direito, fundamento constitucional da própria república brasileira (CF 1.º
caput) (NERY JÚNIOR; NERY, 2004, p. 866).

Não se pode discordar, mesmo admitindo-se que se trata de um princípio


infraconstitucional, que o respeito à coisa julgada é um dos princípios que corroboram com
o estado democrático de direito, porém o cumprimento dos princípios e regras estampados
na Constituição da República também os são. O artigo 93, inciso IX da Constituição de
1988 que dispõe sobre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais é consectário
lógico da cláusula do devido processo legal e modernamente é concebido como garantia da
ordem política ou garantia da própria jurisdição. Num Estado Democrático de Direito, é
por intermédio de sentenças fundamentadas e comprometidas com a ordem constitucional
que as partes averiguam se o juiz foi imparcial e decidiu com conhecimento de causa.

Pode até haver espaço para a convivência com sentenças injustas, sob diferentes
óticas, mas não pode haver mais espaço para a convivência com sentenças
inconstitucionais que viciam e enfraquecem o próprio estado democrático de direito.

Seguramente, neste diapasão, a violação à Constituição da República é mais grave


que a violação à coisa julgada, princípio de índole infraconstitucional, como já se afirmou
em outro ponto.

Os princípios de um modo geral são fontes subsidiárias do direito. Eles entram em


cena quando outras falham ou mostram-se insuficientes.
82

A Lei de Introdução ao Código Civil, estabelece em seu artigo 4º que “[...] quando
for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito”.

Diante da ordem constitucional, pós-positivista é compulsório reconhecer que os


princípios já não podem ser aplicados somente quando houver uma lacuna na lei. Os
princípios constitucionais não podem ser considerados normas de integração, antes
ganharam caráter de norma fundamental do sistema jurídico.

6.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PRINCÍPIO DA


RAZOABILIDADE/PROPORCIONALIDADE

O devido processo legal é uma cláusula balizadora desses princípios que devem ser
respeitados pela coisa julgada, mandamento insculpido no artigo 5º, inciso LIV, da
Constituição da República. É cláusula fundamental para a manutenção dos direitos e
garantias fundamentais, impedindo o arbítrio das autoridades legislativas, judiciárias e
administrativas (BULOS. 2003, p. 289).

Segundo Bulos (2003, p. 289), no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988,

[...] a relevância do devido processo legal exsurge, inclusive no embate


entre o interesse particular e os interesses da comunidade. O primeiro só
prevalece quando houver a comprovação de sua imperatividade
(compeling interest). Haverá então a inversão do ônus da prova. O
indivíduo afrontado em seus direitos fundamentais poderá invocar a tutela
de suas prerrogativas. Quanto ao Estado, compete-lhe provar a
inexistência daquele interesse imperativo da comunidade, para o ato
legislativo ou executivo não violar a Constituição.

Tal cláusula é abrangente e extrapola os termos vida, liberdade e propriedade para


proteger os direitos e garantias fundamentais expressos e implícitas na Constituição da
República e dos Tratados Internacionais de que o Brasil seja parte.

É gênero que abrange vários princípios implícitos e explícitos enunciados na


Constituição da República, v.g., o princípio da isonomia (art. 5º caput e I), do contraditório
e da ampla defesa (art. 5º, LV) e princípios da razoabilidade e do duplo grau e jurisdição,
estes dois últimos, exemplos de princípios constitucionais implícitos.
83

O devido processo legal formal é sentido como expressão máxima de reinvidicação


de seus direitos no momento de resolução dos litígios. Nesta acepção, alguém que
demandar em juízo deve ter o direito de ampla informação sobre o teor da acusação e
defesa, ver a causa ser analisada por um juiz imparcial, enfim exercer os ônus e bônus
processuais na mesma extensão e intensidade que o seu oponente.

O devido processo legal substantivo, que é o que interessa neste ponto, considerado
em sua face material, atua em todas as searas do direito na interpretação dos direitos e
garantias fundamentais expressos na Constituição.

Seus reflexos são sentidos quando da interpretação e aplicação dos princípios


pertinentes a cada área do direito, pois o constituinte foi pródigo ao estatuir preceptivos
dessa espécie: tutela da legalidade e dos administrados, controle dos atos administrativos
pelo Judiciário, a liberdade de contratar (autonomia da vontade) desde que observadas as
normas de ordem pública e dos bons costumes, da estrita legalidade tributária, da
presunção de inocência, impossibilidade de ocorrer a prisão civil por dívida, exceto a do
responsável pelo inadimplemento da obrigação alimentar e do depositário infiel, meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Em suma, abarca a tradicional tríade vida, liberdade
e propriedade.

Neste aspecto, constata-se que existe um elo estreito entre a mencionada cláusula e
o princípio da razoabilidade, proporcionalidade ou proibição de excesso, como vetor por
meio do qual se deve buscar a idoneidade, a adequação, enfim, a racionalidade. É por
intermédio do devido processo legal substantivo que se aprecia a razoabilidade dos atos
dos poderes, inclusive, do Poder Judiciário.

Para Barrozo (2003, p. 224) é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público
para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento
jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui
em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente
subjetiva.

Outro princípio correlacionado é o princípio da proporcionalidade. Para Bonavides


(1996, p. 366), o princípio da razoabilidade se diferencia da proporcionalidade que seria
um dos critérios utilizados para sua aplicação do princípio da razoabilidade; ensina que
84

[...] os termos mais utilizados na Alemanha para esse princípio são


“proporcionalidade” (Verhältnismässigkeit) e “proibição de excesso”
(Übermassverbot), via de regra empregados para designar o conjunto de
conceitos parciais ou elementos constitutivos denominados
sucessivamente adequação (Geeignetheit), necessidade (Erferderlichkeit)
e proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit, i. e., Sinn),
que compõem o sobredito princípio.

Como quer Barrozo (2003, p. 220) a cláusula enseja a verificação da


compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a
aferição da legitimidade dos fins. É por intermédio de tal componente que se poderá
avaliar se nos itens que compõem uma sentença transitada em julgado há vínculo de
racionalidade. Deve ser capaz de externar se levou em conta a ordem, a segurança, a paz, a
solidariedade; perseguindo sempre um ideal de justiça.

O intérprete deve analisar o grau de proporcionalidade entre os meios, os motivos e


os fins que justificam a invocação do vetor (BULOS. 2003, p. 292).

Mas poder-se-ia dizer que tal princípio somente leva em consideração o aspecto
subjetivo, sem nenhum critério objetivo de aferição.

Porém, é a própria Constituição o parâmetro objetivo a ser considerado. Deve-se


realizar um exercício mental de adaptação entre a adequação, a necessidade e a finalidade
atingida no momento da realização de um ato administrativo ou do prolatar de uma
sentença. Restará ao exegeta tecer ponderações aptas a questionar a validade da conexão
material entre os meios e os fins que a resultaram, insculpidos na própria Lex Mater
(BULOS. 2003, p. 292).

Interessante mencionar decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre o tema


relacionado ao componente objetivo, citado por Bulos (2003, p. 293):

O meio empregado pelo legislador deve ser o adequado e exigível, para


que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando, com o seu
auxílio, se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o
legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que
seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos
perceptível a um direito fundamental (Bundesverfassungsgericht, 30, 292,
1971).

Neste aspecto o mesmo autor sustenta a existência de dois princípios decorrentes da


85

face objetiva da razoabilidade: O princípio da menor ingerência possível e o princípio da


proporcionalidade em sentido estrito.

O primeiro também rubricado de princípio da exigibilidade ou necessidade da


medida, sinaliza que os meios utilizados para atingimento dos fins colimados intentam
evitar prejuízos para o cidadão. Eis aí a proibição do excesso. Pelo segundo deve ocorrer
uma avaliação do custo-benefício da medida, suas vantagens e desvantagens, avaliando os
danos que sua adoção podem ensejar e os resultados positivos a serem alcançados, devendo
haver correspondência, ponderação entre o ônus imposto e o benefício resultante da
medida.

Apercebe-se que o papel da conjugação do devido processo legal e do princípio da


razoabilidade é impedir a sedimentação de instâncias hegemônicas de poder, evitando o
excesso e o abuso das autoridades, inclusive do judiciário, no exercício de sua função de
poder, o que atentaria contra o Estado Democrático de Direito.

Novamente é Bulos (2002, p. 244) que leciona

Realmente, nos Estados Democráticos, o devido processo legal é o


escudo contra o abuso de poder proveniente de decisões administrativas
ou de deliberações legislativas desproporcionais ou irracionais. Sem
razoabilidade não há que se falar em liberdade, muito menos em
igualdade. Viveríamos num totalitarismo inaceitável, retrocedendo ao
Estado de Polícia (Polizeistaat) em que as decisões eram tomadas sem
qualquer limitação de mérito ou de conteúdo, em nome do despotismo e
não da vontade geral (volunté générale).

Os juízos de exceção comandavam o estado, exarando decisões judiciais


desarrazoadas, sob o pálio de que assim se obedecia o estado de direito, como nos estados
fascistas.

Note-se que os princípios constitucionais são sempre concorrentes não podendo


haver colisão entre eles, devendo o intérprete fazer opção pela aplicação de somente um
deles.

Há casos em que há sintonia entre os princípios constitucionais cabíveis a


determinado caso, porém, há muitos fatos que reclamam o afastamento de um deles, mas
não sua exclusão do ordenamento, em homenagem àquele que mais traduz o espírito do
constituinte incidente no mundo factual.
86

É exatamente este exercício intelectual que se espera do magistrado no momento da


prolação da sentença, mas que pragmaticamente, pouco se testemunha, principalmente nas
lides coletivas, mormente na área ambiental e do consumidor.

Mesmo assim, é de se ter em mente o princípio da unidade da Constituição como


expressão de interpretação sistemática que impõe ao juiz o dever de harmonizar as tensões
e contradições entre as normas. A unidade da Constituição redunda na unidade da ordem
jurídica de um Estado proporcionando o equilíbrio diante de discrepâncias, mesmo diante
da complexidade que a situação possa oferecer. É incompossível aceitar que um ato de
poder, consubstanciado em uma sentença meritória transitada em julgado possa desmerecer
e lesionar princípios fundamentais, gerais ou específicos (âmbito ambiental),
expressamente insculpidos na Constituição da República.

6.3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL

Durante muito tempo se estabeleceu o dogma de que a coisa julgada seria realmente
intocável, verdade absoluta inquestionável. É que se sustenta, seja um direito fundamental
de ordem absoluta, insuscetível de mitigação ou qualquer ataque. Chegou-se a dizer que a
coisa julgada transformava o preto em branco e o branco em preto.

Para o processo civil ortodoxo, forjado para disciplinar as relações de cunho


individual, somente é possível a rescisão da coisa julgada material se for realizada dentro
do prazo decadencial de dois anos previsto para a propositura da ação rescisória, numa das
nove hipóteses elencadas no artigo 485 do Código de Processo Civil.

Assim, mesmo que a sentença seja injusta, equivocada ou inconstitucional, o efeito


de pacificação social surtido e a aparente segurança jurídica seriam mais importantes do
que tudo, devendo em um dado momento ser considerada imutável, visando dar cabo ao
conflito.

Através dos tempos essa idéia foi superada não significando, entretanto, nenhuma
diminuição na soberania da coisa julgada, permanecendo imutável e indiscutível, conceito
que pode ser observado no magistério de processualistas de escol.

Deste modo, mesmo que a sentença de mérito albergue entendimento contrário ao


87

direito, de conteúdo eivado de inconstitucionalidade, uma vez esgotados os recursos


cabíveis ou em se conformando as partes e deixando escoar o prazo recursal sem qualquer
interposição de recurso, ela se tornaria imutável e indiscutível, fazendo emergir um
comando no mundo dos fatos que não poderia ser alterado caso transcorresse o prazo da
rescisória.

A inconstitucionalidade é o mais grave vício que pode afetar um ato jurídico,


principalmente um ato oriundo de um poder constituído. Seria admitir a criatura voltando-
se contra o seu criador.

Quando a sentença que ofende a Constituição da República transita em julgado,


indaga Câmara (2005, p. 136): “[...] será que a coisa julgada, com sua eficácia sanatória
geral, capaz de sanar a inconstitucionalidade contida na sentença?”

Para Dinamarco (2002, p. 27) a contraposição do julgado a algum preceito de


ordem constitucional, torna impossível o efeito substancial do mesmo. Para o autor a coisa
julgada seria apenas formal. Com fundamento nos ensinamentos de Pontes de Miranda,
afirma que o pedido acolhido pela sentença seria juridicamente impossível em face da
ordem constitucional.

Assim a coisa julgada não significa qualquer embaraço para o reconhecimento de


inconstitucionalidade de uma sentença, pois o vício impede até mesmo a formação da coisa
julgada material. O fato de não mais ser possível a recorribilidade em relação a uma
decisão judicial não pode ser empecilho à sua modificação quando ofensiva à Constituição.

“Não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas”


(DINAMARCO, 2002, p. 13).

Delgado (2005, p. 45), sensível à realidade jurisdicional brasileira, destaca a


necessidade de obediência das decisões judiciais aos princípios da moralidade e da
legalidade, assinalando-os como supremos na atividade jurisdicional. O mesmo autor
pugna que qualquer atividade estatal ou privada subordina-se aos princípios da moralidade
e da legalidade (p. 32), portanto também o juiz, ao aplicar a lei está diretamente vinculado
aos princípios.

Para ele a sentença não pode expressar comando acima das regras postas na
88

Constituição, nem violentar os caminhos da natureza, por exemplo, determinando que


alguém seja filho de outrem, quando a ciência demonstra que não o é (DELGADO, 2005,
p. 48).

Pelo exposto, o juiz não tem o poder absoluto e soberano de contrariar a própria
ciência quando ela própria indica caminhos a conclusões seguras no sentido oposto.

6.3.1 Eficácia preclusiva da coisa julgada e a coisa julgada nas relações


sucessivas ou permanentes

Pela eficácia preclusiva da coisa julgada, “[...] passada em julgado a sentença de


mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte
poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido” (art. 474, Código de
Processo Civil). Mas quais temas não deduzidos ficam acobertados pela preclusão?
Conforme o magistério de Marinoni (2005, p. 628), as questões relacionadas à mesma
causa de pedir ficam preclusas. Todas as demais são livremente dedutíveis. Pois bem, isto
implica em admitir que uma vez intentada uma ação de despejo tendo como causa de pedir
os danos ao imóvel, sendo rejeitada a demanda, poderia o vencido demandar pela falta de
pagamento, mas jamais com baliza em outro dano futuro, posterior ao trânsito em julgado
que porventura venha a ocorrer? Pode uma sentença deste jaez manter-se imutável,
magnânima?

Aqui, é claro que com base em nova situação fática, ou seja, a verificação de danos
ao imóvel em data posterior não haveria impedimento, pois se trata de nova causa de pedir,
com lastro em fato diverso daquele que deu azo à primeira demanda.

Situação diferente é a situação do servidor público que teve declarado não ter
direito ao pagamento de adicional de insalubridade, quando vem lei posterior prevendo a
vantagem. Imediatamente terá direito a usufruir da vantagem, cessando a partir daí a
eficácia vinculativa do julgado. É a mesma situação daquele que à vista de incapacidade
temporária para o trabalho tem reconhecido o direito ao benefício de auxílio-doença a qual
tem força vinculativa até que haja a cura do segurado. Havendo cura, cessam os efeitos da
sentença.

A mudança jurídica ocorrida no primeiro exemplo e a fática, constatada no segundo


89

exemplo fizeram com que a força da coisa julgada somente permanecesse até que uma
situação se alterasse em relação àquela quando se afirmou a inexistência do fato ou da
norma jurídica incidente sobre ele. Os efeitos das alterações fáticas ou jurídicas são
automáticas.

Portanto, não há como negar que a coisa julgada tem uma condição explícita nestes
casos, a cláusula rebus sic standibus (ZAVASCHI, 2005, p. 118).

É fenômeno diferente daquele que ocorre nos alimentos provisionais.

Alterando-se o status quo, esta situação não tem efeitos imediatos e automáticos,
assistindo ao alimentante, no entanto, a iniciativa de nova decisão judicial, exercitando seu
direito potestativo pela mudança na situação de fato, provocando a revisão daquela
sentença. Esta terá eficácia ex nunc provocando a mudança da relação jurídica afirmada na
primeira demanda.

A sentença que os fixa está sujeita à cláusula rebus sic standibus, significando que
em havendo alteração do status quo ante a obrigação poderá ser majorada, diminuída ou
até mesmo extinta. Entretanto cumpre ao devedor de alimentos que obteve alteração fática
em sua condição financeira propor a pertinente ação judicial pleiteando o que entender
cabível. Outrossim se em relação ao credor houver acréscimo de suas necessidades
financeiras cabe a ele ingressar em juízo visando a majoração. Isto ocorre porque a
sentença faz coisa julgada rebus sic standibus.

Nas palavras de Zavascki (2005b, p. 120), “[...] são casos excepcionais, que, por
isso mesmo recebem interpretação estrita”, devendo-se ressaltar que a ação revisional não
tem o condão de anular a sentença ou rescindi-la. O que se modifica é a relação de direito
material e não a sentença.

Outro caso é a ação de revisão de sentença que tenha fixado valores locatícios para
ajustá-los a novas condições de mercado.20

Zavascki (2005b, p. 121) defende que é possível a existência de outras pretensões


fundadas na aplicação da cláusula rebus sic standibus às sentenças judiciais, desde que

20
Artigos 19 e 68 da da Lei 8.250/1991.
90

sejam baseadas em alteração ou modificação da extensão ou existência de uma situação


fática e as conseqüências dela decorrentes. Há necessidade, contudo de se propor a ação
própria, diferente da revisional declarando que os efeitos pretéritos já se operaram pela
mudança de fato ou de direito.

Zavascki (2005b, p. 121) exemplifica com um caso onde a alteração de direito teria
ocorrido com revogação de uma lei que serviu de fundamento para a sentença declaratória
de existência de obrigação tributária, em insistindo o Fisco em cobrar o tributo, assiste ao
contribuinte a faculdade de demandar judicialmente a declaração de inexistência da relação
obrigacional tributária e até mesmo a repetição do indébito relativo aos valores cobrados
depois da revogação. Neste caso a sentença de procedência terá natureza declaratória ou
condenatória, eficácia ex tunc, a partir da modificação do estado de direito.

Sem dúvida cuida-se de possibilidade de mitigação da coisa julgada, eis que houve
alteração no estado de direito que serviu de premissa para o julgamento anterior, portanto
estabelecendo novo silogismo se relacionado àquele que foi realizado, face à incidência de
nova lei.

6.3.2 Relativização da decisão passada em julgado no direito de família e os


exames de DNA

Calha trazer à baila breve referência acerca de discussão em voga na área do direito
de família, porém já pacificado nos tribunais. É o caso da sentença que transita em julgado
com base em provas exclusivamente testemunhais e documentais em época pretérita
quando não existia o exame de DNA sendo julgada improcedente. Não poderia ser
rechaçada por intermédio da ciência, havendo exame de DNA que comprove o contrário?

Não teriam, filho e pai, o direito de obter a certeza sobre a paternidade biológica?

Produzindo-se prova científica consistente em exame de DNA que conclua pela


negativa de paternidade ou sua inclusão, pode ser revista a sentença a qualquer tempo,
tendo e, vista a credibilidade que a prova pericial dá à ciência.

Exatamente por isso a tendência contemporânea de se relativizar a sentença


produzida em ação de paternidade que se desenvolveu antes do surgimento do exame.
91

É avanço significativo para se desvendar o vínculo genético o que fez com que boa
parte da comunidade jurídica a ela se curvasse.

Para Wambier e Medina (2005, p. 189) o laudo pericial emitido após o exame de
DNA não está acima ou abaixo de uma decisão judicial anterior, mas algo que deverá
influir significativamente no julgamento da causa, devendo a prova ser apreciada pelo juiz
dentro do conjunto probatório realizado no curso da ação.

Consentâneo com este entendimento indicando a correção da linha de raciocínio o


seguinte excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça:

O afastamento fundamentado do exame hematológico pelo método do


DNA, privilegiando o conjunto probatório amplo, devidamente
especificado, não viola os artigos 125, 131, 145, 436 e 458, II, do Código
de Processo Civil. Ao juiz é dado apreciar livremente a prova produzida,
não sendo o laudo pericial o único elemento de convicção (REsp no
197.906/SP, da minha relatoria, DJ de 06/09/99); por outro lado, o grau
de confiabilidade do DNA não exclui a possibilidade de erro, não pela
técnica em si mesma, mas, sim, pela própria realização, em função da
falibilidade humana, não se cuidando da realização de novo exame de
confirmação.21

Quaisquer provas produzidas em juízo serão capazes de revelar a verdade formal,


mas nem sempre a verdade real. Mesmo o exame de DNA não poderia ser considerado, por
si só capaz de revelar uma verdade inconteste. Claro que ele oferece um plus de
verossimilhança em relação a outras, mas não somente com espeque no exame de DNA.

O que se quer esclarecer é que somente com base na possibilidade de produção de


exame de prova pericial inexistente ao tempo da formação coisa julgada formal não é
possível afirmar que nessas situações não haveria coisa julgada material.

Mas é perfeitamente possível a renovação da demanda investigatória quando a ação


anterior foi julgada improcedente por falta de provas e não foi realizado o exame de DNA,
não se podendo negar ao infante a eficácia dos preceitos constitucionais e legislação
protetiva que se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, pois não se lhe pode limitar a
busca da origem biológica.

21
Recurso especial n° 317.809 - MG (2001/0043198-4), DJU 05.08.2002, Relator Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito.
92

O Superior Tribunal de Justiça ao decidir o REsp n. 226.436-PR de relatoria do


Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira enfrentou a matéria nos seguintes termos:

Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva


ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da
ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a
sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira
ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia
notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação
investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença
julgando improcedente o pedido.
II — Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a
realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque
permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de
certeza” na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência
jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela
verdade real.
III — A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso
de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas
palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se
aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do
processo justo, “a coisa julgada existe como criação necessária à
segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à
sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar,
todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar
acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade.22

Conclui-se do julgado que as ações que discutem o estado de pessoa não seriam
atingidas pela coisa julgada; se na ação precedente não ficou demonstrada a paternidade,
ou sua ausência a sentença não seria atingida pela coisa julgada e que o surgimento do
exame de DNA seria elemento fundamental para a apreciação da questão, tanto que uma
vez não realizado permitiria o ajuizamento de nova demanda.

O correto é que a jurisprudência dominante concede nova oportunidade ao filho de


tentar descobrir quem é o verdadeiro pai. Na fase atual do direito não é possível se persistir
na blindagem de normas formalistas e ultrapassadas a impedir o filho de fazer valer a
verdade real. A coisa julgada deve ceder ao direito do filho em ver declarada a paternidade
real, não a formal.

Enfim, há vozes abalizadas na doutrina que discordam da flexibilização da coisa

22
STJ 4.ª T., REsp 225.436-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 28.06.2001, unânime DJU
04.02.2002, p. 370.
93

julgada nestes casos, mas a jurisprudência é quase que uníssona no sentido da possibilidade
de se flexibilizar a coisa julgada para que uma segunda ação possa ser julgada.

6.3.3 Medida Provisória n. 2.180-25 de 24 de agosto de 2001 e o artigo 741,


parágrafo único do Código de Processo Civil

O direito processual brasileiro abraça o princípio da imediatidade da eficácia das


leis de modo que a lei processual a ser aplicada é aquela que vigora no momento da
pra´tica do ato processual, respeitando-se a coisa julgada.

Outrossim, é de se ressaltar que o ordenamento processual contempla regra


expressa. A Medida Provisória n. 1.984-0 de 28 de julho de 2000 acrescentou um
parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, in verbis:

Para efeito do disposto no inciso II deste artigo considera-se também


inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou interpretação tidas
por incompatíveis com a Constituição Federal.

A mesma medida provisória acrescentou o § 5º ao artigo 88423 da Consolidação das


Leis Trabalhistas com redação idêntica.

Agora, segundo se afirma, a coisa julgada material poderá ser relativizada,


conforme regras do próprio ordenamento processual civil, por intermédio de simples
exceção de pré-executividade ou objeção de não executividade, podendo-se desconstituir a
sentença baseada em premissas inconstitucionais.

Argumenta-se que alteração premiou as Fazendas Públicas, porém, pode ser


manejada por qualquer particular. Sem falar que quando uma norma é benéfica à Fazenda
Pública é indiretamente benéfica a toda a coletividade.

Beraldo (2005, p. 202) justifica que o dispositivo foi colocado no livro do processo
de execução e não no do processo de conhecimento porque o fato de alguém ganhar uma

23
Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.
94

demanda não significa que seja obrigado a executá-la. Assim, seria mais fácil deixar a
faculdade de requerer a declaração de inconstitucionalidade ao juízo de execução.

Marinoni (2005, p. 726) assevera que o dispositivo sob comento está baseado em
“[...] uma falsa suposição de que os embargos do executado devem servir para manter a
uniformidade das decisões jurisdicionais, como se a coisa julgada fosse um valor menor e
insignificante”.

Já se expôs o entendimento de que o princípio da imutabilidade da coisa julgada é


de ordem infraconstitucional, entretanto, mesmo que se aceite ser de status constitucional,
resta claro que havendo conflito entre dois princípios, de um lado o da imutabilidade da
coisa julgada e de outro o princípio da constitucionalidade, deve preponderar o segundo em
relação ao primeiro, com fulcro no que já foi exposto neste trabalho.

Por isso não se pode concordar com o aduzido pelo autor acima.

6.3.4 Da morte presumida

Outro exemplo lembrado é aquele previsto no artigo 1167 do Código de Processo


Civil que prevê que

[...] a sucessão provisória cessará pelo comparecimento do ausente e


converter-se-á em definitiva: I – quando houver certeza da morte do
ausente; II – 10 anos depois de passada em julgado a sentença de abertura
da sucessão provisória; III – quando o ausente contar com 80 anos de
idade e houverem decorridos cinco anos das últimas notícias suas.

Ora, se o ausente aparecer após a cumprimento das regras formais prova-se que ele
realmente está vivo e existe. Certamente que a sentença que decretou sua morte ficta para
fins patrimoniais não persistirá.

O juiz não tem força de determinar a morte de alguém quando esse alguém está
vivo.

O próprio artigo 1.168 do Código de Processo Civil permite ação do presente para
reaver os bens que lhe foram tomados pela sentença ou o ressarcimento dos prejuízos.
95

6.4 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO DIREITO COLETIVO

Na seara dos direitos coletivos, considerados de 3ª dimensão – direitos de


solidariedade – não se pode mais pensar o processo de maneira ortodoxa, forçando o
encaixe das normas processuais atinentes ao processo civil individual, quando se exige do
intérprete uma visão mais requintada e pertinente à compreensão da proteção aos interesses
difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. É que o há idoso Código de
Processo Civil não possui mecanismos capazes de responder adequadamente às demandas
do sociedade contemporânea, sendo forjado o processo civil coletivo para a solução dos
novos conflitos.

A Lei n. 7.347/1985 utilizou a expressão ação civil pública para referir-se à ação
para defesa de interesses transindividuais, a ser proposta por diversos legitimados, a teor
do artigo 5º, entre eles o Ministério Público.

O Código de Defesa do Consumidor agiu bem ao dispor sobre as ações coletivas


também podendo ser manejadas pelos co-legitimados.

Todos os co-legitimados atuam na posição de legitimado extraordinário,


defendendo direito alheio em nome próprio, por isso a noção dos limites subjetivos da
coisa julgada em tais ações sofre um tratamento diferenciado.

Em tese, será ação civil pública aquela movida com baliza na Lei n. 7.347/1985
para defesa de interesses transindividuais pelo Ministério Público ou qualquer legitimado e
ação coletiva aquela fundada nos artigos 81 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor, versando sobre os mesmos interesses. Entretanto a distinção perde a
importância na medida em que o artigo 90 da Lei n. 8.078/1990 preceitua que se aplicam
às ações previstas no Código de Defesa do Consumidor – ações coletivas – as normas do
Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985, inclusive no que
respeita ao inquérito civil, este de exclusividade do Ministério Público.

Noutro giro, em razão da norma constante do artigo 21 da Lei da Ação Civil


Pública, a teor do artigo 117 do Código de Defesa do Consumidor, são aplicáveis às ações
nela calcadas as disposições processuais existentes no Código de Defesa do Consumidor.
96

Pode-se concluir que a Lei n. 7.347/1985 agregou-se ao Código de Defesa do


Consumidor formando um sistema integrado, havendo entre os diplomas perfeita interação.

O artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor conceitua os interesses a serem


defendidos coletivamente:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste


Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.

O artigo 1º da Lei n. 7.347/1985 dispõe que:

Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as


ações de responsabilidade por danos materiais e morais causados :
I - ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração à ordem econômica e à economia popular;
VI – à ordem urbanística.

A regra é a de que a coisa julgada ficará restrita às partes que atuaram no processo.
Não é esta a mentalidade das ações coletivas, desde a Lei da Ação Popular – Lei n.
4.717/1965 –, artigo 1824.

24
A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação
julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se da prova nova.
97

Em ações que versam acerca dos interesses coletivos lato sensu, a sentença fará
coisa julgada de acordo com a natureza do interesse defendido. É o que dispõe o artigo 1625
da Lei n. 7.347/1985 e o artigo10326 do Código de Defesa do Consumidor.

Conclui-se que a imutabilidade da decisão não fica restrita às partes formais


(legitimados extraordinários), mas pode estender-se erga omnes ou ultra partes.

É o caso da procedência das Ações civis públicas ou coletivas quando a


imutabilidade se estenderá para todos aqueles que são substituídos nos autos.

É inócua a restrição trazida no artigo 16 da Lei n. 7.347/1985 no sentido de que a


imutabilidade do decisum ficaria restrita “[...] aos limites da competência territorial do juiz
prolator”. Nas palavras de Mazzilli (2005b, p. 38-39):

Nas ações de natureza coletiva que envolvam danos regionais ou


nacionais, a competência do juiz prolator abrangerá todo o território da
lesão (art. 93 do CDC, aplicável à defesa de qualquer interesse
transindividual, referente ou não ao consumidor, cf. art. 21 da LACP).

Portanto, em termos de ação coletiva a coisa julgada será imutável erga omnes na
ação civil pública ou coletiva que verse sobre interesses difusos ou individuais
homogêneos quando a sentença é de procedência; será erga omnes quando versar sobre
interesses difusos e for improcedente por qualquer motivo diverso da falta de provas; terá
efeito ultra partes se versar sobre interesses coletivos stricto sensu e a sentença for de
procedência ou se for de improcedência por qualquer outro motivo que não por falta de
provas.

25
A sentença civil farpa coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
26
Código de Defesa do Consumidor: Art. 103. nas ações coletivas de que trata este código a sentença fará
coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;II - ultra partes, mas limitadamente ao
grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso
anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;III - erga omnes,
apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese
do inciso III do parágrafo único do art. 81.
98

Não há coisa julgada quando a causa versar sobre interesses difusos e a sentença for
de improcedência por falta de provas; não haverá coisa julgada nas ações coletivas em
sentido estrito se a sentença é de improcedência por insuficiência de provas, menos para os
lesados individuais que tenham intervindo na ação coletiva; não haverá coisa julgada nas
ações que versem sobre interesses individuais homogêneos se a sentença é de
improcedência por insuficiência de provas, menos para os lesados individuais que tenham
intervindo na ação.

Desde logo, nota-se certas peculiaridades na coisa julgada do processo coletivo


como por exemplo a extensão da imutabilidade da decisão para além das partes o que não
ocorre com as ações estritamente individuais. Nem se possa argumentar que os dispositivos
da lei são inconstitucionais, pois encontram fundamento de validade na própria
Constituição da República que estabelece a ação popular, o mandado de segurança coletivo
e a ação civil pública bem como a legitimidade do Ministério Público e outros entes27.

Mazzilli (2005b, p. 41) pontifica que a lei ordinária deu eficácia ao mandamento
constitucional estendendo a imutabilidade dos efeitos da sentença transitada em julgado a
todo o grupo de lesados, mas apenas in utilibus, ou seja, a extensão da coisa julgada
somente ocorrerá quando em benefício de vítimas ou sucessores, mas nunca em prejuízo de
lesados individuais que não tenham intervindo no processo coletivo.

O artigo 97, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor preceitua, porém que o


lesado individual poderá participar da ação coletiva desde que requeira a suspensão do
processo individual, abrindo-se a oportunidade para que opte se deseja ou não habilitar-se
no processo coletivo, mas ao se habilitar, sujeitar-se-á à decisão do feito.

Mas configura-se situação em que o princípio da isonomia é profundamente


abalado, pois, em sendo procedente a ação coletiva, o lesado que continuou com a ação
individual porque nem tomou conhecimento da ação coletiva em curso, devido ao fato de
que muitas vezes os juízes são renitentes em imprimir o procedimento ordinário às ações
coletivas sem aplicar os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, como por
exemplo o artigo 94 que impõe a publicação do edital no órgão oficial, a fim de que os

27
Art. 5º, inc. XXI, LXX, LXXIII; art. 8º, inc. III; art. 129, inc. III e art. 232, todos da Constituição da
República.
99

interessados possam intervir no processo como litisconsortes bem como a divulgação pelos
meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor28.

Outra peculiaridade consiste na natureza dos interesses indivisíveis passíveis de


lesão, os quais, no mais das vezes podem ser considerados direitos fundamentais da
sociedade ou até mesmo da própria humanidade, como é o caso do meio ambiente
(MAZZILLI, 2005b, p. 41).

Por isso o legislador agiu bem em admitir a atenuação da coisa julgada nas ações de
índole coletiva, principalmente quando são julgadas improcedentes por insuficiência de
provas.

Merece destaque decisão que em caráter liminar suspendeu pagamento milionário


pela União de indenização a herdeiros do autor da ação, já falecido, claro.

Nos anos de 1970, a empresa argentina Companhia de Madeiras do Alto Paraná


S/A tinha um crédito com a União equivalente a 200.000 árvores, relativo a negócios
realizados desde os anos de 1940. No entanto, a empresa foi extinta, apresentando-se o
cessionário do crédito, já nos anos de 1980, alegando a transferência dos direitos da
empresa. Atualmente, os herdeiros desse cessionário, que já conseguiram levantar parte da
indenização discutida, tentam executar o remanescente, num total de mais de R$ 300
milhões.

A Ação Civil Pública foi proposta conjuntamente pelo Ministério Público Federal e
pela Advocacia Geral da União (AGU), em defesa do patrimônio público federal,
fundamentada em diversos vícios ocorridos durante o processo que levou à condenação da
União Federal. Alega-se, dentre outros fatos, a inexistência da dívida, por causa da
situação irregular da Companhia de Madeiras do Alto Paraná S/A na época. Além disso, as
cessões de direito apresentadas pela família não seriam válidas, e a perícia judicial teria
sido fraudada, uma vez que os cálculos de valores das árvores seriam embasados em
afirmações falsas, elevando a indenização a ser paga pela União.

A juíza federal da 4ª Vara de Curitiba, concedeu a liminar no dia 04 de julho de

28
Art. 94. Proposta a ação, será publicada no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por
parte dos órgãos de defesa do consumidor.
100

2005, determinando a suspensão de qualquer pagamento referente ao caso, até o


julgamento final da Ação Civil Pública. A juíza levou em conta as incongruências do laudo
em que se baseou a condenação da União, pois, diz ela,

[...] ‘a divergência é tamanha que leva este Juízo a crer que o laudo
pericial está a valorar uma coisa que não se confunde com aquela
valorada nos referidos orçamentos', assim como o valor milionário da
execução, que, se liberada [...], torna 'a possibilidade de restituição aos
cofres públicos remotíssima’ (PROCURADORIA GERAL DA
REPÚBLICA, 2005).

Evidencia-se que a decisão de tal ação pública em defesa do patrimônio público


pode mitigar (se já não o fez) a coisa julgada já formada, com base em princípios
constitucionais como a da proporcionalidade/razoabilidade e moralidade.

6.5 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA AMBIENTAL

A constitucionalização do meio ambiente tem seu cerne na discussão em torno da


natureza jurídica das normas constitucionais ambientais, ou seja, deve-se investigar se tais
normas configuram o meio ambiente como um direito fundamental. Há um direito
subjetivo ao ambiente?

Além disso, em havendo o reconhecimento do direito fundamental ao ambiente,


qual é a conseqüência jurídica?

Os direitos fundamentais, as garantias e as liberdades públicas estão dispostos


expressamente no Título II, da Constituição da República, nos LXXVIII incisos do artigo
5º, onde são mencionados os direitos e deveres individuais e coletivos.

Entretanto, os direitos fundamentais não estão inseridos somente no catálogo


formal do artigo 5º, da Constituição da República e seus incisos, mas também em
dispositivos esparsos na Constituição, a teor do § 2º do próprio artigo sob comento que
encerra fórmula aberta estabelecendo que os direitos e garantias expressos na Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.

Nesta linha, pode-se afirmar com Gavião Filho (2005, p. 37) que
101

[...] a disposição prevista no artigo 225 da Constituição é um enunciado


de direito fundamental que expressa a norma de direito fundamental ao
ambiente. Trata-se de uma norma de direito fundamental porque,
expressamente, dispõe que todos têm direito ao ambiente ecologicamente
equilibrado, considerado como bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, não devendo haver dúvida de que se trata de um
direito fundamental.

Ademais é uma norma que vincula juridicamente o Poder Legislativo, o Executivo


e o Judiciário.

Como já visto alhures é a própria Constituição que prevê a ação civil pública e a
ação popular para defesa do direito ao meio ambiente. Para rechaçar qualquer discussão,
basta a leitura do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição da República, integrante do
Título que cuida dos direitos e garantias fundamentais, onde se pode visualizar norma que
permite a qualquer cidadão a propositura da ação popular para anular ato lesivo ao meio
ambiente.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que o direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado é consagração de um direito típico de 3ª geração – ou terceira
dimensão –, já obteve a guarida no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do
mandado de segurança 22164/SP.29

É de lavra do Ministro Celso de Mello o destaque:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que


compreendem as liberdades clássicas negativas ou formais – realçam o
princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades
positivas, reais, concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos
de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o
princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos
humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis,
pela nota de uma essencial inexauribilidade.30

29
RTJ 155/206.
30
STF – Pleno – MS 22.164/SP – Rel Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, seção I, 17 nov. 1995, p.
39.206. No mesmo sentido: MS 22333-MG – Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça de 0-10-1998
p. 5, Ement. vol-01929-01 pp-00066; e MS 22999/PE - Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07-04-2000 pp-
00044 Ement vol-01986-01 pp-00049.
102

Moraes (2005, p. 26-27) afirma que

[...] modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de


terceira geração, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade,
que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável
qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a
outros direitos difusos.

Não há dúvida de que o direito ao meio ambiente equilibrado e hígido pertence à


categoria daqueles interesses que transcendem a individualidade e titulariza os grandes
conglomerados humanos, considerados indivisivelmente.

Ao proteger o direito ao meio ambiente a Constituição do Brasil, expressamente


coloca sob sua proteção também os subprincípios dele derivados elencados nos parágrafos
e incisos do artigo 225 da mesma, até mesmo por força do enunciado previsto no do § 2º
do artigo 5º da Constituição.

As ações coletivas têm a vocação, por excelência, de viabilizar a proteção


ambiental, dotadas das características e nuances já expostas neste trabalho, inclusive no
que se refere à coisa julgada coletiva.

Como já mencionado no item 6.4 deste estudo uma das peculiaridades nas ações
coletivas é a de que visam a proteção de direito transindividuais de natureza indivisível que
se configuram direitos fundamentais da própria humanidade, como é o caso do meio
ambiente, por isso a mitigação da coisa julgada quando a ação é julgada improcedente por
insuficiência de provas. Mas da mesma forma que qualquer caso julgado, merece
relativização quando conflita com princípios constitucionais, quer em processos
individuais quer coletivos.

A título de ilustração é mais uma vez Mazzilli (2005b, p. 41) quem exemplifica,
descrevendo hipóteses que esclarecem a idéia.

Cita caso em que um pedido feito em uma ação civil pública ou coletiva é julgado
procedente, com efeitos erga omnes e ao mesmo tempo seja julgado pedido em ação
individual com a mesma causa de pedir. Assim é possível que na ação coletiva a coisa
julgada tenha reconhecido um direito extensivo a todos os servidores públicos, enquanto,
ao mesmo tempo, em ação individual, o servidor X viu formar-se coisa julgada a negar-lhe
esse mesmo direito (MAZZILLI 2005b, p. 41).
103

Pela lei de regência este servidor que acionou individualmente ficaria sem
pagamento, posto que não interveio na ação coletiva, suspendendo a sua ação individual,
proporcionando-se a convivência de duas sentenças contraditórias, negando, por
conseguinte, o princípio da isonomia.

Por questão de eqüidade em homenagem ao princípio da isonomia, seria o caso de


considerar tal exigência inconstitucional e conceder efeito transcendente à coisa julgada
que se formou erga omnes.

Especificamente em relação à área ambiental, não há notícia de que concretamente


a matéria já tenha sido enfrentada por qualquer juízo ou tribunal, mas em tese, é possível
vislumbrar situação onde se faz mister a relativização.

Mazzilli (2005a, p. 432-434) ainda exemplifica com o caso de uma ação civil que
pode hoje resultar improcedente, não por falta de provas, mas por se entender, com base
nas perícias, que o resíduo emitido pela chaminé da fábrica do réu não é poluente; antes
conclui a sentença, o resíduo é saudável ou pelo menos é inócuo para o homem. Formada a
coisa julgada erga omnes e vencida a oportunidade da rescisória, pode vir a ser apurado
que as perícias foram fraudulentas; ou então a ciência mais tarde pode demonstrar que
aquele mesmo resíduo é altamente tóxico e prejudicial à humanidade.

O caso não versa uma relação continuativa, ao menos nos termos em que estaria
colocado na decisão. Tal sentença teria reconhecido que o resíduo não era poluente por
entender que havia provas de que não o era. Com novos conhecimentos científicos, mesmo
com uma nova perícia, não se teria uma alteração nem na situação de fato nem no quadro
normativo, mas simplesmente uma nova prova da toxicidade do produto antes recusada
pela sentença. Haveria como dar cumprimento a esta sentença?

Não é incomum que casos similares já estejam até mesmo acontecendo.

Um outro exemplo engendrado pelo autor é o da sentença que desacolha o pedido


feito em ação civil pública visando impedir a pulverização de uma região com um
agrotóxico, porque o juiz considera, com base na provam dos autos, como não prejudicial à
saúde humana. A improcedência não foi por falta de provas, mas sim porque a prova diz
que o agrotóxico não é danoso à saúde humana. Essa sentença transita em julgado. Antes
de ser feita a pulverização, novos estudos científicos indicam que o produto é altamente
104

nocivo e dizimará a população. Não se trata de relação continuativa, como v.g., alimentos
provisionais. Seria possível atender ao comando da sentença transitada em julgado?

São exemplos de sentenças que atentam contra os princípios ambientais


fundamentais insculpidos no artigo 225, caput, visto que o dispositivo assegura o direito de
todos em ter e viver em um meio ambiente saudável, mais especificamente contra o
princípio do desenvolvimento sustentável (art. 225, § 1º, IV e V da Constituição da
República), que busca e prega a desejável conciliação entre o desenvolvimento, a
preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Outro princípio
desrespeitado seria o da precaução (art. 4º, inciso I e IV da Lei n. 6.938/1981 c/c art. 225, §
1º, IV da Constituição da República) , posto que na dúvida sobre a periculosidade de certa
atividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e da sociedade, contra os
interesses do potencial poluidor. Sem falar que é exemplo típico de uma sentença que se
formou contra direitos constitucionais fundamentais da Constituição da República e contra
direitos da própria humanidade.

Vale rememorar um exemplo prático, passível de relativização, já mencionado no


item 2.2.4 desta monografia, quando da análise dos princípios, , caso ao final haja coisa
julgada que contrarie o princípio da precaução.

Em junho de 1999, o Juiz de Direito da 6ª Vara da Secção Judiciária do Distrito


Federal no Processo n. 97.34.00.036170-4 (2001.34.00.007335-3, por dependência)
acolheu expressamente o princípio da precaução na ação judicial proposta pelo Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor contra a União Federal e a Monsanto do Brasil Ltda.,
ao proibir o plantio e comercialização de sementes da soja transgênica enquanto não fosse
apresentado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e enquanto não fosse regulamentado,
pelo Poder Público, as normas de biossegurança e de rotulagem de Organismos
Geneticamente Modificados. Houve apelação interposta pela Monsanto do Brasil Ltda e
União Federal (CTNBIO), entretanto, no mérito, negou-se provimento às apelações e à
Remessa Oficial, tida como interposta, nos termos do voto condutor. Contra o acórdão
foram interpostos vários agravos regimentais, bem como embargos de declaração,
encontrando-se pendente um último embargo, não tendo ainda transitado em julgado31.

31
Apelação Cível n. 1998.34.00.027682-0, TRF da 1ª Região.
105

É de se ter em mente que no trato das lides ambientais, o julgador deve se pautar
em primeiríssimo lugar pelo atendimento dos princípios ambientais inseridos na
Constituição da República por estarem guindados à estatura de princípios fundamentais.

Do próprio artigo 225 da Constituição da República decorre o princípio do direito


humano fundamental, dele decorrendo todos os demais princípios do Direito Ambiental
(ANTUNES, 2005, p. 25).

Não há como deixar de reconhecer o caráter antropocêntrico do Direito Ambiental,


pois isto foi estabelecido na Declaração do Rio/92 e na própria Constituição da República
de 1988, não se podendo olvidar que as relações com as demais criaturas do planeta deve
ser vista de forma caridosa e tolerante, sem que se admita a crueldade, o sofrimento
desnecessário e a exploração interesseira de animais e plantas. A compaixão pelos animais
é uma imposição para todos aqueles que se acreditam frutos da criação de um Poder
Superior que a todos deu origem (ANTUNES, 2005, p. 26).

Portanto, o princípio da precaução, da prudência ou da cautela, como já


mencionado, merece consideração importante, posto que é apto a lidar com situações nas
quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por novos produtos e tecnologias
que ainda não possuam uma acumulação histórica de informações que assegurem,
claramente, em relação ao conhecimento de um determinado tempo, quais as
conseqüências que poderão advir de suas liberação no meio ambiente (ANTUNES, 2005,
p. 26-27).

É importante que, pelo menos, sejam tomadas providências para que resultados
negativos se reduzam a níveis suportáveis, pois caso contrário é q própria sociedade que
arca com os efeitos e custos altíssimos da opção equivocada.

Indubitavelmente, o que se afirmar com exatidão é que não pode prevalecer nem
pode existir o direito de violar o meio ambiente e de destruição do próprio habitat do ser
humano e das outras espécies, pois estar-se-ia infringindo direitos de infindáveis gerações
futuras.

Não é demais lembrar a lição de Cappelletti (apud MAZZILLI, 2005b, p. 43),


quando declara que em matéria de conflitos transindividuais, os tradicionais limites
objetivos e subjetivos da coisa julgada “caem como um castelo de cartas”.
106

Não de pode impedir que à luz de novas descobertas, se revele a falsidade ou até
mesmo o equívoco de um enunciado antigo que serviu ao silogismo da sentença de mérito
anterior, especialmente nas ações coletivas. O que se espera do Direito é que este assegure
que se realizem todas as provas possíveis de convencer o juiz acerca dos fatos litigiosos
sobre os quais deve incidir a prova, entretanto se este ato de inteligência e de vontade for
viciado, seja por qual motivo for, não se pode admitir que prevaleça sobre normas e
princípios alçados ao nível constitucional.

Mesmo admitindo-se a coisa julgada ambiental como princípio de índole


constitucional, quando produzida em desconformidade com os princípios constitucionais
ambientais fundamentais, deve ser relativizada.

Mesmo porque os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, nem mesmo
os princípios, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos e princípios
igualmente consagrados pela Constituição da República.

A coisa julgada ambiental não pode ser utilizada como escudo protetivo para
práticas lesivas e ilícitas contra o meio ambiente sob pena de uma total defenestração e
desrespeito ao Estado de Democrático e de Direito.

Assim ocorrendo a coisa julgada ambiental, quando se julga improcedente uma


ação coletiva, mesmo que supostamente com base nas provas dos autos, esta não pode
prevalecer quando estabelece conflito entre bens jurídicos, contradizendo princípios
constitucionais e direitos da humanidade.

6.6 PROPOSTAS DE SISTEMATIZAÇÃO E CONTROLE DA COISA


JULGADA QUE OFENDEM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
DO MEIO AMBIENTE

O Direito de um modo geral e mais especificamente o Direito Ambiental somente


faz sentido se for capaz de colocar a serviço da sociedade a realidade. Já não atende mais
os anseios da cidadania plena o atendimento de uma verdade formal que nem mesmo ao
juiz convence, mas a que se submete muitas vezes, impedido que está de pronunciar o non
liqued.
107

É necessário que o juiz exare comando concreto que sirva de referência à


sociedade. Não que seja infalível, pois sempre haverá insatisfeitos, mas se sua decisão não
ofender princípios constitucionais estará muito próximo do atendimento do interesse
público primário.

Todavia, se a decisão afeta os princípios constitucionais, mormente os relativos ao


meio ambiente, isto quer dizer que o ato jurisdicional é desprovido de conteúdo material,
não reunindo elementos que lhe dêem consistência, não guardando compatibilidade com a
ordem constitucional o que o torna nulo.

Não se cuida de ato de mera aparência. Ora, uma sentença judicial que transita em
julgado permitindo que determinada empresa se utilize de substância química nociva,
poluidora, depositando-a na natureza, sem atender aos princípios do desenvolvimento
sustentável, da precaução e da prevenção, não pode ser tida por inexistente. Os efeitos
decorrentes da imutabilidade da sentença que se espraiam para o mundo extraprocessual,
são concretos, não se podendo falar de que tal sentença foi inexistente.

Por outro lado se a decisão judicial transitou em julgado, eivada de


inconstitucionalidade, configura-se o ato material, existindo, portanto.

Cuida-se de ato que transgrediu uma regra constitucional, requisito de fundo


indispensável à sua validade, resultando por conseguinte em ato inválido.

Nas palavras de Otero (apud NASCIMENTO, 2005, p. 75), não subsiste ato de
mera aparência, porque neste caso, reúne condições mínimas de identificabilidade. Daí
tratar-se de ato judicial nulo, como de resto ocorre com a lei inconstitucional.

Se a coisa julgada deixou de satisfazer os requisitos indispensáveis à sua


conformação, principalmente o conteúdo substancial que seria a desconformidade com a
constituição.

Segundo Nascimento (2005, p. 75), a inconstitucionalidade da coisa julgada fica


patente e é verificável quando: a) contrária às prescrições constitucionais; b) quando a
sentença pelo seu próprio conteúdo, levar à consagração de um absurdo; c) servir de
veículo para a perpetuação de injustiças, em detrimento da dignidade humana e da
cidadania.
108

Trata-se de ato judicial nulo, da mesma forma que ocorre com a lei tida por
inconstitucional, invalidando todo o processo, podendo ser desconstituído por ação
declaratória de nulidade absoluta da sentença ou da coisa julgada inconstitucional
(NASCIMENTO, 2005, p. 78).

Para Theodoro Júnior e Faria (2005, p. 95) os elementos materiais de existência, no


plano do ser, estão todos presentes. A impotência de alcançar efeitos jurídicos decorre, não
da falta de elementos materiais, mas da situação de contraposição entre o conteúdo da
sentença e o mandamento constitucional.

Outrossim, em tais casos houve demanda – pedido inicial – e o exercício de


jurisdição e conteúdo decisório – dispositivo.

Forçoso concluir que o vício ocorre no plano da validade. Como tal os efeitos da
sentença que venha a ser desconstituída por ser inconstitucional, tem efeitos ex tunc.

6.6.1 Instrumentos processuais aptos ao controle da coisa julgada


inconstitucional

Restando esclarecido que os vícios de inconstitucionalidade verificados no decisum


acobertado pela coisa julgada tornam o ato jurisdicional inválido, a escolha dos remédios
processuais adequados ao seu ataque, no caso concreto, com Dinamarco (2002, p. 33) se
conclui que é um problema bem menor e de solução não muito difícil, a partir de quando se
aceite a tese da relativização dessa autoridade – esse, sim, o problema central, polêmico e
de extraordinária magnitude sistemática.

Para Theodoro Júnior e Faria (2005, p. 124) a parte prejudicada na sentença nula
ipso jure não precisa se utilizar a ação rescisória, muito embora reconheça que o tribunal
não poderá deixar de apreciar a questão se a parte lançar mão da ação do artigo 485 do
Código de Processo Civil.

Salienta que a parte poderá: a) opor embargos quando a parte vencedora intentar
execução de sentença; ou b) propor qualquer ação comum tendente a reexaminar a mesma
relação jurídica litigiosa, inclusive uma ação declaratória ordinária somo sobrevivência da
antiga querela nullitatis.
109

Finaliza afirmando que em se tratando de sentença nula de pleno direito, o


reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em
qualquer procedimento, por ser insanável.

Não há como negar que a chamada querela nullitatis está viva e é perfeitamente
aplicável. Na hipótese poder-se-ia valer a parte, sem observância de qualquer lapso
temporal, da ação declaratória de nulidade da sentença.

A actio querela nullitatis é expressão latina que significa nulidade do litígio. Indica
ação criada e utilizada na Idade Média, para impugnar a sentença, independentemente de
recurso, apontada como a origem das ações autônomas de impugnação (NASCIMENTO,
2005, p. 167-168).

Para Nascimento (2005, p. 166), se a sentença é inconstitucional não cabe


rescisória, por incabível lançar-se mão dos recursos cabíveis na legislação processual. Por
isso entende cabível a ação declaratória de nulidade da sentença.

Exemplo de que persiste a querela nullitatis no ordenamento positivo, pode-se


extrair de acórdãos tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal
Federal que reconhecem a existência do instituto, em caso de citação inválida:

PROCESSUAL CIVIL — NULIDADE DA CITAÇAO


(INEXISTÊNCIA) — QUERELA NULLITATIS - I — A tese da querela
nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer
que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de
nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica
processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por
outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qual quer tempo,
ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à
execução, se for o caso.
II — Recurso no conhecido.32

STF - EMENTA — Ação declaratória de nulidade de sentença por ser


nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida.
1. Para a hipótese prevista no artigo 741, I, do atual CPC —que a da falta
ou nulidade de citação, havendo revelia persiste no direito positivo
brasileiro a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade tia
sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de

32
STJ, REsp 12586-SP, Rel. Min. Valdemar Zveiter, DJ 04.11.1991
110

nu1idade, independentemente do prazo para a propositura da ação


rescisória, que, em rigor, não é cabível para essa hipótese.
2. recurso extraordinário conhecido negando se lhe, porém provimento.33

A ação declaratória de nulidade nada mais seria do que o último resquício da


querella nullitatis insanabilis, quer por procedimento autônomo quer por embargos à
execução com base no artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil.

Somente por intermédio dela se poderia atacar a imutabilidade da sentença


convertida em res judicata, sob o fundamento de que seria absolutamente nula, visando o
judicium rescindens.

Uma vez acolhida a ação declaratória de nulidade absoluta da sentença tida por
inconstitucional, o querelante pode colher nova decisão sobre o mérito da causa.

Como já salientado alhures, o artigo 741, parágrafo único do Código de Processo


Civil possibilita a desconstituição da coisa julgada formada com baliza em lei ou ato
normativo tidos por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tornando o título
inexegível.

Independentemente do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, quer em sede


concentrada ou difusa, a parte final do parágrafo abre às escâncaras a abertura para que o
juiz, no caso concreto, possa analisar a constitucionalidade de dispositivo que embasou a
formação do título executivo judicial, desconstituindo-o.

Além dessas hipóteses Dinamarco (2002, p. 33) retoma as lições de Pontes de


Miranda no que se refere ao leque de possibilidades, sugerindo como instrumentos: a) a
propositura de idêntica demanda, desconsiderada a coisa julgada; b) a resistência à
execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao próprio
processo executivo; e c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive
em peças defensivas.

Na primeira hipótese figura o caso do infante que propõe nova ação de investigação
de paternidade, com base em exame pericial de DNA, por conta de que a anterior fora

33
STF, RE 97589-6, rel. Min. Moreira Alves, 17.11.1982.
111

julgada improcedente com base exclusivamente em outras provas que não o referido, posto
não existia quando prolatada.

Alinha-se também o exemplo de sentença transitada em julgado contra ente estatal,


condenado a indenizar sem ter ocupado imóvel alheio, tendo a Fazenda Pública vindo a
juízo propondo o pedido de anulação do julgado, desconsiderando-se a coisa julgada
anterior.

Por intermédio de embargos registre-se o caso da Fazenda Pública ser condenada


duas vezes ao pagamento de valor em desapropriação pelo mesmo imóvel por duas vezes,
satisfazendo a primeira das execuções. Opôs embargos à segunda delas e esses foram
recebidos.

Resta bem claro que embora não haja necessidade de se valer de ação rescisória
para obtenção de reconhecimento do vício de nulidade absoluta por inconstitucionalidade
do ato judicial típico a ação rescisória poderá ser conhecida para declarar-se a nulidade
absoluta e insanável, mas na pena de Dinamarco (2002, p. 34), deve ser redimensionada no
que tange aos limites de sua admissibilidade.

Para ele na nova ordem de relativização da coisa julgada impõe-se a abertura dos
espíritos para a interpretação dos incisos que tipificam as hipóteses de sua admissibilidade
insertos no artigo 485 do Código de Processo Civil, abarcando a permissão à censura de
sentenças e acórdãos pelo prisma da constitucionalidade das decisões que contém,
flexibilizando-se as hipóteses de admissibilidade da ação rescisória.

6.6.2 Instrumentos para o controle da coisa julgada ambiental


inconstitucional

Especificamente em relação à coisa julgada ambiental quando o ato jurisdicional


lesa princípios constitucionais relacionados ao meio ambiente podem ser utilizados os
mesmos remédios processuais mencionados no tópico anterior, adaptáveis às
especificidades da coisa julgada nas ações coletivas.

Por óbvio, quando em matéria ambiental – interesses difusos por excelência –, a


sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes, exceto se for julgada improcedente
112

por insuficiência de provas, podendo qualquer outro legitimado propor nova ação com
idêntico fundamento, porém com base em novas provas34.

Aqui, de pronto já se registra hipótese de mitigação da coisa julgada não existente e


nem tampouco cabível nos processos individuais. Por conta da legitimação extraordinária,
outro legitimado que não aquele originalmente demandante poderá ingressar com nova
ação, repropondo-a simplesmente, desde que com base em provas substancialmente
inovadoras. O legislador levou em conta a natureza dos interesses em jogo, notabilizados
por serem fundamentais.

Diferentemente do que ocorre com a ação investigatória de paternidade


anteriormente improcedente e reproposta com base em exame pericial de DNA concluindo
pela paternidade, estando em lide interesse ambiental, a própria lei prevê a possibilidade de
qualquer legitimado ingressar com nova ação, aparelhando-a com prova inovadora.
Entretanto só é admitida se o processo original foi considerado improcedente por falta de
provas.

Mas se o processo anterior tiver sido decidido com base em exame pericial,
cotejado com outras provas, vindo esta sentença a transitar em julgado, fará coisa julgada
erga omnes.

A título de argumentação, por mais esdrúxulo que possa parecer, imagine-se um


caso em que uma Constituição Estadual concedesse ao Poder Executivo a competência de
delegar poderes de legislar sobre direito ambiental a uma empresa privada ligada ao setor
madeireiro, a qual poderia expedir licenças ambientais e realizar a fiscalização.

No exercício deste poder, o ente privado estabelece normas isentando atividades


potencialmente poluidoras da realização de Estudo de Impacto Ambiental e, com base
nisso, expede inúmeras licenças ambientais sem observância dos princípios constitucionais
ambientais, autorizando a devastação de madeira nativa indiscriminadamente. Um dos
entes legitimados propõe uma ação coletiva na defesa de interesses difusos e tal situação
fática é veiculada como causa de pedir visando anular todos os atos praticados por tal
empresa, tidos por desconformes à constituição. A sentença de mérito é improcedente,
declarando a legalidade de todos os atos praticados pelos entes público e privado, com

34
Artigo 103, inc. I, Lei n. 8.078/1990.
113

espeque nas provas produzidas no processo. A sentença transita em julgado e produz


efeitos erga omnes, inclusive materiais, agregando-se a imutabilidade aos seus efeitos,
instituindo-se direito à degradação o meio ambiente.

Poderia uma sentença frontalmente inconstitucional, nesses moldes, perdurar no


ordenamento jurídico substancialmente em detrimento dos direitos fundamentais da
humanidade e transgredindo as normas constitucionais de competência?

A resposta negativa se impõe. Como já foi mencionado, não há como admitir a


formação de direitos adquiridos em prejuízo de gerações presentes bem como daquelas que
ainda nem nasceram. Não há como se negar a possibilidade de se relativizar a coisa julgada
formada nessas circunstâncias.

Note-se que a inconstitucionalidade é tão evidente que se faz até mesmo


desnecessária a juntada de nova prova substancialmente inovadora.

O exemplo, à guisa do absurdo, não é de improbabilidade absoluta de ocorrência no


âmbito forense, o qual já registrou casuística bem mais grave do que a aventada.

A ação civil pública pode ser utilizada para, de certa forma, mitigar a coisa julgada
produzida em outra, tendo em vista sua natureza diferenciada diante da sociedade de
massa.

Nas palavras de Marinoni (2005, p. 709):

De início a Lei da Ação Civil Pública foi concebida para regular apenas
as ações de responsabilidade civil, de obrigação de fazer e não fazer, e as
ações cautelares. Hoje, porém, em vista do art. 83 do CDC – que
consagra o direito à adequada tutela jurisdicional -, são capazes de
propiciar a adequada tutela de direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos (art. 81, CDC).

A conduta ilícita e, como efeito mediato, o dano, porque contrária aos princípios
ambientais pode ser evitada até mesmo de maneira preventiva, impedindo-se sua prática,
sua repetição ou continuação. Isto pode se dar por intermédio da tutela inibitória. A Lei da
Ação Civil Pública apenas alude à sentença condenatória (art. 13) e às sentenças
mandamental e executiva (art. 11), silenciando sobre as demais. É de se lembrar, no
entanto que a tutela inibitória é a principal forma de ação coletiva. Se a efetiva proteção a
114

um direito difuso exige a tutela inibitória esta poderá ser alcançada por meio de ação
coletiva, inclusive em pedido liminar.

Por fim é de se ressaltar que a propositura de uma ação coletiva poderá ensejar a
relativização/flexibilização de uma coisa julgada já formada se esta impuser, sem embargo
de permitir uma conduta ilícita, um dano evidente aos princípios constitucionais e
ambientais.

Beraldo (2005, p. 220 e 226) reserva tanta importância ao tema que entende como
conveniente atribuir competência para o processo e julgamento de ações que veiculem a
pretensão de relativização de uma coisa julgada, seja em processo coletivo seja individual
ao Supremo Tribunal Federal, justamente para rebater a preocupação de alguns sobre a
possibilidade de um juiz inexperiente e recém-empossado poder desconstituir a coisa
julgada de uma decisão tomada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (NERY JÚNIOR;
NERY, 2004, p. 866). O que data venia não tem nenhuma relevância.

Do todo, merece destacar que a flexibilização da coisa julgada ambiental, deve ser
vista com reservas quando for utilizada para relativizar sentença de procedência das tutelas
coletivas de proteção ao meio ambiente, sempre devendo-se ter em mente o brocardo in
dúbio pro ambiente, corolário do princípio da precaução/prevenção.

Com Dinamarco (2002, p. 31) não há como não concordar que a fragilização da
coisa julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressão a valores que não
comportam transgressão é suscetível de ocorrer em qualquer área das relações humanas
que são trazidas à apreciação do poder judiciário.

Mesmo as sentenças de mérito de improcedência nas ações coletivas, devem ser


relativizadas dentro da lógica da coerência e do razoável, não se minando a coisa julgada
insensatamente ou transgredindo-a sistematicamente, mas sempre de forma excepcional e
extraordinariamente, policiando-se de forma a alcançar somente as situações de flagrantes
e absurdas agressões à Constituição e aos princípios nela consagrados, pois onde se
vislumbre uma decisão aberrante aos princípios, garantias ou direitos fundamentais, os
efeitos ter-se-ão por juridicamente impossíveis, não incidindo a autoridade da coisa julgada
material, por justamente ter agredido a ordem constitucional (DINAMARCO, 2002, p. 31).
115

7 CONCLUSÃO

Resta claro que a evolução e o debate histórico do direito ao ambiente contribuiu


para a sedimentação de sua importância nas sociedades modernas, acarretando sua
constitucionalização e subseqüente regulamentação pelo legislador ordinário,
reconhecendo-o como um interesse difuso por excelência. No Brasil, as normas
relacionadas ao meio ambiente, direito de 3ª geração, adquiriram status constitucional,
estabelecendo-se princípios e regras a serem fielmente observadas para a disposição do
direito ambiental como um direito fundamental que vincula juridicamente.

Todo e qualquer ato emanado dos Poderes constituídos deve observância aos
princípios e regras constitucionais a eles não estando imunes. Os princípios são as balizas
do sistema jurídico servindo como critério interpretativo ou integrativo de todo o âmbito
em que se aplicam. As regras são mais específicas e de maior rigidez, não sendo possível
aplicar duas regras ao mesmo caso concreto, já os princípios são mais maleáveis e
concorrentes, podendo haver colisão entre eles, ocasião em que somente um deles incidirá.

Como verdadeiras regras, exsurgem no ordenamento jurídico os princípios


expressos e implícitos. Entre eles releva anotar a presença dos princípios da
constitucionalidade, legalidade, moralidade (expressos) o da proporcionalidade e o da
razoabilidade (implícitos) bem como os princípios constitucionais ambientais.

O princípio da constitucionalidade é o mais importante deles, pois é fundamento de


validade dos demais, garantindo o sistema e protegendo-o de ingerências do abuso dos
Poderes da República que, sem embargo de serem harmônicos e independentes entre si,
devem respeito aos princípios expressos ou implícitos contidos na Constituição da
República.

A Constituição da República protege a coisa julgada no artigo 5º inciso XXXVI,


mas apenas com relação à vedação de lei posterior que venha a retroagir e modificar o
decidido. Por isso trata-se de instituto de índole infraconstitucional, tanto é que a sua
rescisão e tratada pelo Código de Processo Civil no artigo 485, impondo prazo decadencial
de dois anos para seu manejo, nas hipóteses que contempla.

A coisa julgada destina-se a garantir a estabilidade e a segurança nas relações


116

jurídicas já decididas, considerando-se que uma decisão transita em julgado quando não
houverem mais recursos cabíveis, de forma que a partir do trânsito em julgado a sentença
torna-se imutável entre as partes, ou seja, a qualidade de imutabilidade que se agrega aos
efeitos da sentença, exterioriza-se ao processo.

Normalmente a regra é a de que a coisa julgada fica limitada às partes do processo


em que foi obtida.

Na seara ambiental, por estarem em jogo interesses difusos, na procedência de ação


civil pública ou ações coletivas, a imutabilidade deverá estender-se a todo o grupo, classe
ou categoria, os quais não estão representados nos autos, mas sim substituídos
processualmente pelos legitimados extraordinários (art. 5º da Lei n. 7.347/1985 e art. 82 da
Lei n. 8.078/1990).

Assim, em matéria ambiental, considerando-se o meio ambiente como um direito


difuso por excelência, a imutabilidade da coisa julgada ocorre erga omnes quando
procedente ou quando se funde em qualquer outro motivo que não seja a falta de provas,
não havendo coisa julgada material, quando a improcedência se dê por falta de provas.

Pelo texto legal, logo se apercebe que a coisa julgada não é valor absoluto, havendo
sua mitigação pela própria lei ordinária, depreendendo-se que não fixou nenhum prazo
para repropositura de ações quando as ações populares, coletivas e civis públicas forem
julgadas improcedentes por falta de provas. Mais uma prova de que se trata de instituto de
natureza infraconstitucional, caso contrário, tal flexibilização somente poderia ser realizada
por meio de emenda constitucional.

A jurisprudência tem entendido que a coisa julgada é relativa quando estão em jogo
direitos ou interesses fundamentais da pessoa, aí incluído o direito ao ambiente, tido por
direito fundamental da própria humanidade.

Dinamarco (2003, p. 35-36), com visão requintada do instituto, considera possível a


relativização da coisa julgada inconstitucional, ainda que boa parte de estudiosos de escol,
mais conservadores, mantenham compreensível indignação.

É de relevo salientar que mesmo as leis provindas do Poder Legislativo e os atos


normativos do Poder Executivo não são imunes ao controle constitucional, portanto, a
117

sentença, ato típico do Poder Judiciário, um Poder da República, também não o é,


principalmente quando atente contra os princípios constitucionais. Se a coisa julgada
material contrariar a Constituição ou seus princípios deverá ser mitigada não valendo o
argumento de que deve prevalecer por segurança jurídica.

Por exemplo, admitindo-se que, com o fito de impedir atividade potencialmente


poluidora, um dos legitimados ativos à defesa do ambiente reste vencido em demanda onde
a prova pericial foi inconclusiva sobre os específicos efeitos deletérios à natureza
decorrentes daquela atividade, pois não havia à época pesquisa e tecnologia capazes de
aferir tais efeitos, sendo certo que potencialmente era sabido que afetava o ambiente e a
saúde humana. É de clareza solar que uma decisão neste sentido infringe os princípios da
precaução, da prevenção e do desenvolvimento sustentável. Por outro lado há manifesta
antinomia entre os princípios da livre iniciativa e da defesa do meio ambiente. Por
conseguinte, por serem todos princípios insertos na Constituição da República, viola-se o
Princípio da Constitucionalidade.

A solução é a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,


posto que prima facie não se pode afirmar qual dos princípios deve prevalecer.

Há de se ponderar a proporcionalidade entre o fim e o meio, com sentido


teleológico e finalístico, indagando-se se, em face do conflito entre dois bens
constitucionalmente protegidos e contrapostos, o ato configura-se adequado, necessário e
proporcional.

Parece que no exemplo reproduzido, já cogitado neste trabalho, os princípios da


precaução, prevenção, do desenvolvimento sustentável e da defesa do meio ambiente, de
longe, são os que se afiguram mais importantes a serem observados pelo julgador.

Realmente a coisa julgada destina-se a garantir a estabilidade e a segurança nas


relações jurídicas já decididas, considerando-se que uma decisão transita em julgado
quando não houverem mais recursos cabíveis, de forma que a partir do trânsito em julgado
a sentença torna-se imutável entre as partes. Entretanto, não se pode concluir que há
segurança jurídica em se manter uma sentença inconstitucional, pois se um ato atenta
contra os princípios ínsitos na Constituição da República, não pode convalidar-se. É ato
nulo.
118

Isto porque não se pode considerá-lo inexistente, pois se assim o for não é sentença,
não há o que rescindir.

Se existe, pode ser considerada absolutamente nula de pleno direito. Assim, o ato
jurisdicional desconforme à Constituição é destituído de aptidão para produção de efeitos
em razão de estar inquinado de inconstitucionalidade, inserindo-se no sistema de
nulidades, tornando a sentença, em razão disso, suscetível de desconstituição por ação
declaratória de nulidade absoluta da sentença ou ação declaratória de nulidade absoluta da
coisa julgada inconstitucional, dependendo do caso concreto.

Os efeitos operam-se ex tunc.

O ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com norma que mitiga a coisa
julgada material quando o legislador infraconstitucional fez constar artigo 741, parágrafo
único, do Código de Processo Civil a seguinte redação:

[...] para efeito dos disposto no inciso II deste artigo, considera-se


também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
declarados inconstitucionais pelo supremo Tribunal Federal ou em
aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição
Federal.

É norma infraconstitucional, mitigando a coisa julgada material. Mais uma vez é a


lei ordinária mitigando a coisa julgada, comprovando-se que se trata de instituto
infraconstitucional, caso contrário somente a Constituição poderia fazê-lo.

Quanto aos instrumentos a serem utilizados, a situação fenomênica é que vai


determinar qual o remédio jurídico adequado a ser manejado, devendo ficar evidenciado
que a relativização da coisa julgada que atente contra os princípios constitucionais, aí
incluídos os princípios ambientais, somente terá lugar quando forem frontalmente
desrespeitados e em situações excepcionalíssimas, não se advogando a banalização de dita
relativização.

Por fim, deve ficar evidente que quando a sentença infringe normas de natureza
infraconstitucional, considerando-se que a natureza da proteção à coisa julgada é também
infraconstitucional, tal decisório deve permanecer incólume e imodificável, distinguindo-se
a coisa julgada ilegal da coisa julgada inconstitucional.
119

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública: doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2005.

BAPTISTA, Ovídio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.

BARROZO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2003.

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