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Instituto Politécnico da Maia

Práticas de processo de inventário

Prof. Dr. Raimundo Manuel Silva Queirós

Análise ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto,


09/05/2019; Proc. 798/18.0T8PNF.P1.

Ana Catarina Gonçalves Ramos – Nº30771

Maia, janeiro de 2019


Práticas de processo de inventário

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 09/05/2019, Proc.


798/18.0T8PNF.P1.

Estamos perante um recurso de apelação interposta contra a sentença


anteriormente proferida. De acordo com o presente no artigo 627º do Código de Processo
Civil, podem as decisões judiciais ser impugnadas por meio de recurso, mais acrescenta
que estes podem ser ordinários ou extraordinários, sendo por sua vez ordinários os de
recurso de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de
jurisprudência e a revisão.

o Contextualização do Acórdão do Tribunal.

Os Autores B e respetivo marido, C, D, E e mulher, I, J, K, L, M e N, vêm deste


modo intentar a ação declarativa contra os Réus O e P, pedindo deste modo a sua
condenação uma vez que viram determinado o ato contestado a 24/02/2016 em que os
Réus declaram, por escritura de partilha exarada por estes, a partilha do seu património
comum composto pelas seguintes verbas: prédio urbano e todos os bens que compõem o
recheio do imóvel referido, descritos na petição inicial nos arts. 20º a 25º da petição
inicial, é ineficiente para que de acordo com o art. 616º do Código Civil. Posto isto, e uma
vez que os referidos autores têm o direito de ser restituídos os bens na medida do seu
interesse, os referidos bens compreendidos na partilha e adjudicados ao Réu, poderão ser
executados no património deste, em tudo o que se mostrar indispensável à cobrança do
crédito com o valor de 81.055,90€ acrescendo-lhe juros de mora, vencidos e vincendos,
à taxa legal de 4%, contados a partir de 23/10/2013, vencidos no dia 15/03/2018 com o
valor de 14.241,52€ e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial até ao limite
dos seus créditos.

Em suma, para alicerçar o seu pedido, no âmbito do processo de inventário em


que a Ré licitou bens que excediam o valor do seu quinhão ficou obrigada a dar tornas
aos Autores, o que não aconteceu, tendo sido concretizada a venda dos bens que lhe
pertenceram no processo de inventário, contudo o valor da referida venda não foi
suficiente para que fosse restituído a totalidade das tornas. Os Autores, que pretendiam
que este valor lhes fosse pago, verificaram que a Ré se tinha desfeito dos bens por
escritura de separação de pessoas e bens, pretendem também que seja impugnado este ato
e que seja restituído os bens que couberam ao Réu marido à comunhão conjugal.
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Os réus foram citados devidamente e autonomamente apresentaram as suas


contestações. A Ré O, argumentou a ilegitimidade ativa de alguns do Autores, a sua
ilegitimidade passiva, a existência de abuso de direito ao desejar que bens próprios que
não foram herdados respondam pela divida das tornas provindas do processo de
inventário, mencionando ainda que esta está casada em regime de separação de bens com
o Réu. Contesta ainda, factos alegados pelos Autores, e peleja pela sua absolvição da
instância ou, caso não se entenda desse modo, pela incoerência da ação e a sua absolvição.
Por sua vez, o Réu P, veio arguir o abuso de direito e a iliquidez do crédito exigido,
contestando também factos argumentados pelos Autores. Pede a improcedência da ação
e também pela sua absolvição dos pedidos. A convite do tribunal, por escrito, os Autores
exerceram o contraditório sobre a matéria exposta nestas contestações referidas.

Procedeu-se assim a julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação


parcialmente procedente, determinando que: o ato impugnado a 24/02/2016, que
anteriormente referido é de facto ineficaz em relação aos Autores, nos termos do art. 616º
do Código Civil, declaram ainda que os Autores têm direito à restituição das tornas em
falta com os devidos juros de mora contados desde 15/01/2017 e condena os réus ao
reconhecimento a realidade declara pelo tribunal na proferida sentença.

Contudo, o Réu não se conforma com a decisão e interpõe recurso, pugnado pela
respetiva revogação da sentença proferida e a substituição da mesma por outra que
sentencie a ação como improcedente.

o Problemáticas a reter para a decisão do recurso

A principal problemática que se impõe neste recurso será não só o regime legal
relativo ao pagamento das tornas no âmbito do processo de inventário, mas também a
origem desse mesmo crédito que não poderá ser desconectado da partilha da herança que
constitui a finalidade do processo de inventário.

Isto significa então que, relativamente ao pagamento das tornas, foi


considerado como factos provados anteriormente que a Ré O, licitou mais bens do que
os que correspondiam ao valor do seu quinhão (€18.455,76) ficando deste modo obrigada
à restituição das tornas (€143.061,79) aos interessados o que não aconteceu e a
12/01/2015, a juíza titular do inventário em questão determinou a venda das verbas nºs
11 a 14, que correspondiam a todos os bens imóveis que tinham sido adjudicados à ré O.

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Desta venda resultou uma importância total de €34.099,00 este valor não foi suficiente
para restituir o valor total das tornas.

Outro problema que aqui se coloca é que, que os réus propuseram, por mútuo
consentimento, um processo judicial de pessoas e bens que por sua vez celebram a
escritura de partilha, na última constituía todo o património comum de que os Réus
dispunham, sendo estes adjudicados ao Réu marido, que a seu favor registou a aquisição.
Foi nesta escritura declarada que o réu recebia tornas no valor de €16.609,50 para além
de que na mesma foi atribuído ao imóvel o valor patrimonial de €142.870,00. Após a
venda das referidas verbas adjudicadas à Ré no inventário e perante a insuficiência da
quantia dessas vendas, os Autores intentaram para obter informações sobre os outros
bens pertencentes à Ré que dariam para responder pelo pagamento das tornas,
descobriram um embuste engenhada pelos Réus para que fosse evitado o pagamento das
tornas, com pelo menos a sua meação nos bens comuns do casal. Ficando a referida ré,
sem nenhum bem móvel e imóvel após a referida escritura de partilha. Acontece aqui que,
o valor patrimonial atribuído ao imóvel era menor do que o verdadeiro. O imóvel
partilhado não valeria menos de €200.000,000, o que levou também a um valor declarado
da torna, supostamente paga, menor.

Portanto, outro dos problemas que aqui se colocam é que a separação judicial de
pessoas e bens foi fingida e é, sem dúvida, um meio que os Réus arranjaram para que
fosse difundido todo o património da Ré para que este não pudesse responder pela divida
aos Autores.

Concluímos, então, que de acordo com o objeto do recurso que é delimitado pelas
conclusões das alegações de recurso, as questões relevantes a decidir são:
1. O valor das tornas não é suficiente para restituir o valor em falta;
2. O valor do imóvel não é ao correspondente;
3. A separação judicial de pessoas e bens foi dissimulada.

o Comentário à Decisão ao Recurso

A sentença recorrida percebeu que a totalidade do património do devedor


responde pela dívida de tornas, podendo desse modo ser executado pelo credor de tornas
numa execução comum.

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Impõe isto que se tenha em conta a legalidade do pagamento das tornas no âmbito
do processo de inventário, mas também a origem do crédito pois não pode ser separado
da partilha da herança que constitui o fim do processo de inventário. O processo de
inventário aqui em questão, que originou o direito ao pagamento das tornas, está sujeito
à regulamentação prevista nos arts. 1326º e seguintes do anterior Código de Processo
Civil, refere-se a anterior pois no que respeita ao pagamento das tornas, o novo regime
jurídico que consta agora na Lei 123/2013 de 5 de março, não institui qualquer inovação
relativamente a esta matéria.

De acordo com Lopes Cardoso, in, Partilhas Judiciais, Vol.II, pág. 413: “… tornas
haverá sempre que alguém licite em mais bens do que tem direito, ou quando, por virtude
da composição dos lotes haja excesso da aludida quota.” Conforme o presente no art.
1375º e 1376º do Código Processo Civil após a secretária organizar o mapa da partilha,
vai comunicar no processo a circunstância de que os bens licitados excedem a quota do
respetivo interessado. Aqueles a quem couber receber o valor das tornas serão notificados
para requererem a composição do seu quinhão ou se assim o entenderem, reclamar o
pagamento das tornas, podendo de acordo com o art. 1377º, nº1 do Código de Processo
Civil, optar por duas situações para melhor preencher o seu quinhão: receber as tornas ou
adjudicação das verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.

Se refletirmos em relação ao pagamento das tornas, este deve seguir o previsto no


art. 1778º do CPC. Concluímos então daqui, a pedido do credor das tornas que optou por
recebê-las, o devedor será notificado pelo tribunal para proceder ao pagamento ou ao
depósito. Contudo no caso de o devedor não efetuar o pagamento das tornas ou depósito
o credor poderá, novamente, fazer frente a duas situações:

1. Poderá requerer que lhes sejam adjudicadas, para preenchimento da sua quota,
o que foi excessivamente adjudicado ao devedor, procedendo de imediato ao
depósito das tornas ou;

2. Poderão ainda requerer, a venda dos bens adjudicados ao devedor no processo


de inventário, para que as tornas sejam restituídas.

Concluímos deste modo que, o legislador, arranjou um meio de execução especial


mais rápida e fácil que somente recai sobre os bens adjudicados excessivamente ao
devedor, afastando assim o recurso ao processo executivo comum. Isto significa que, uma
vez adotando o meio de execução especial, está interdito ao credor o recurso ao processo

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executivo comum. Neste sentido, já se pronunciou também o Acórdão do Tribunal da


Relação de Coimbra de 24/04/2007 no proc. 53-D/1998.C1 in. www.dgsi.pt ao
referir: “Em suma, a cobrança coerciva, não só das tornas mas também dos juros devidos
pela demora no pagamento das tornas reclamadas, deve ser efetivada nos termos do n.º3
do art. 1378º do CPC, só podendo a venda incidir sobre bens adjudicados ao devedor de
tornas e realizar-se no processo de inventário. Sempre vedado, pois, ao credor de tornas
e juros instaurar uma execução por apenso ao inventário e penhorar outros bens do
devedor que advieram a este por título diverso da adjudicação em inventário.”

O presente caso, relava nos factos provados que a Ré licitou, em conferência de


interessados, bens cujo montante excedeu o valor do seu quinhão, ficando assim devedora
de tornas aos restantes autores. Como já referido, a Ré foi notificada para realizar o
pagamento das tornas, mas não o fez, fazendo com os interessados optassem por requerer
a venda dos bens que lhe haviam sido adjudicados, fazendo com que o valor dessa venda
fosse repartido proporcionalmente pelos credores das tornas.

Contudo, o valor das tornas recebidos pelos Autores foi inferior ao valor a que a
secretaria chegou no mapa da partilha, que resultou da licitação feita em conferência de
interessados, mas isto resultou apenas do motivo destes mesmos bens serem licitados por
um valor superior aquele pelo qual foram vendidos. Na realidade, foram todos os bens
adjudicados à R. devedora de tornas, como admite o a cima referido art. 1378º, nº3 do
CPC, posto isto passou a ver o seu quinhão na herança sem qualquer bem.

O resultante dos arts. 2068º e 2097º do Código Civil, pelas dividas da herança
apenas respondem o património que a integra e já não o património de cada herdeiro. “No
art.º 2071.º do C.Civil vem contemplada a regra da responsabilidade limitada do
herdeiro pelos encargos da herança, na sequência da consideração da mesma como um
património autónomo, na consagração do princípio de que só os bens da herança
respondem pelos encargos hereditários.”.

Apesar de não estarmos na presença de uma divida de herança, a divida de tornas


no âmbito da partilha do património hereditário tem neste sentido igual pertinência,
fundamentando que a divida das tornas está limitada na sua garantia patrimonial ao
património da herança recebido pelo devedor de tornas, o que também encontra
acolhimento no regime previsto no art. 1378º, nº3 do Código de Processo Civil.

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Concluímos então que, os bens próprios da Ré e a sua meação no que é o


património comum do casal não respondem pela dívida das tornas que foi criada no
processo de inventário, que pode ser paga apenas pelos bens ou direitos que integram a
sua quota hereditária. Portanto, a presente ação pauliana improcede, os atos impugnados
não constituem uma limitação da garantia patrimonial dos Autores, ou seja, outros bens
da Ré não podem ser penhorados, para além daqueles que vieram a compor o seu quinhão
“estando os restantes bens fora da garantia patrimonial do crédito reclamado, os atos
impugnados não constituem uma limitação da garantia patrimonial dos AA., como é
requisito deste instituto, nos termos do art.º 610.º do C.Civil.”.

As restantes questões levantadas pelo Recorrente, ficam lesadas, nomeadamente


as que dizem respeito à verificação dos restantes requisitos da impugnação pauliana ou
com exceção do abuso de direito invocada, com fundamento na discrepância de preços
no que respeita ao valor licitado. Foi então o presente recurso intentado pelo Réu julgado
como procedente, revogando-se dessa maneira o a sentença proferida substituindo-se pela
outra que julga improcedente aqueles pedidos formulados pelos autores absolvendo o
Réu.

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