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Terceiro conto

Venham, venham, um homem será crucificado,


Há coisas belas para se ver em Gólgota!
Largue cinzel e a pá, oh plebeus,
E chame suas filhas e os moleques da brincadeira.
E pare com o trabalho, o seu trabalho, mas só por hoje!
Largue o martelo, a trolha (colher de pedreiro), a plaina, o tear!
Apenas venham... lá tem coisa bonita para se ver!
Apenas venham ... um viva para Gólgota!
Viva, viva Gólgota!

- Dessa vez, graças a Deus, vai ser belo de se ver!


Ele ainda parece jovem, e tem alguma coisa no olhar
Que indica resistência... veja, ele diz algo baixinho:
Ele até aparenta ser fraco! A cruz é pesada...
Eu ouvi: essa é a melhor de todas as madeiras! Dizem,
(Mas NATHAN, se é verdade eu não sei)
Dizem que foi ele mesmo quem fez,
Quando ele ainda trabalhava como carpinteiro
Então vizinho, antes que ele, e eu não sei o que fez de errado,
e se fez algo de errado, NATHAN, eu não sei...
Mas antes que tivesse feito aquilo que os outros dizem que ele fez,
Ele era carpinteiro como nós

- Como ele se chama?


- Isso eu não sei, dizem que é hanootzri...1
Ou então, o pai dele era hanootzri. Ele parece fraco
Para uma profissão como essa, mas fez um bom trabalho
Tropeçou de novo (pro lado, JOCA!
Ei, me deixa ver um pouco... você fica na minha frente
Como se o espetáculo todo fosse só para você!) Ele está suando:
Eu bem que te falei que ele não era forte, NATHAN.
Mas ainda assim acredito que é resistente, e que não
Vai nos enganar como aquele último que era ladrão
Que só estava meia hora pendurado quando a cabeça
Caiu para o lado... e fim! Não falou nem uma palavra
Para nos compensar pelo esforço. Você estava junto?
(Segura um pouco pequena Miriam, JOQUEBEDE!)
Me diz então, oh NATHAN BEN DAÖUD, você estava
Quando aquele ladrão nos roubou tanto esforço para nada?

- Naquele dia eu tinha uma farpa no pé,


E nenhuma vontade de sair e me divertir
Mas ouvi que...

- Eu estava lá, amigo NATHAN!

Eu vestia meu manto de seda verde,


E o meu turbante de caxemira
Porque estava fresco... olha, ele tropeçou de novo,
Mas já levantou. Mas o que eu estava dizendo mesmo?

1
Ha nootzri: carpinteiro
- Aquele ladrão que te enganou.
- Já sei. Então naquele dia

Estava quente como hoje... não, não, tão quente não estava:
Porque... você não acha que está muito quente hoje
O sol me queima o crânio. Uma pena
Que eu não tenha trocado meu turbante pela minha caxemira,
Que é mais clara e fresca... é isso que faz a pressa:
Não me dei tempo – e é isso que acontece –
Agora me arrependo... Gólgota é longe!
Uma peça tão escura suga o calor sufocante
E é uma pena mesmo que Gólgota seja tão longe...
Mas o que eu estava dizendo mesmo?

- Aquele ladrão safado..

- Ah sim! Por horas o acompanhei, e ofegante como agora


(Calor maldito... não tão depressa, JOCA!)
Eu já estava cansado antes mesmo da metade do caminho... e o ladrão
(preste atenção como ele nos enganou de forma escandolosa)
Caminhou com a cruz como se fosse um galho de palmeira!
Não suou e não tropeçou sequer uma vez...
Mas quando foi pendurado, morreu num piscar de olhos!
E esse – olha, tropeçou de novo – e esse
Não tem o corpo tão grande e robusto
Mas parece tomar partido dos músculos... mas o olhar
Mostra que já sofreu muito e suportou
Mas que pode ainda aguentar um longo período!
Eu tenho certeza que ele vai falar alguma coisa na cruz,
E essa é precisamente a melhor parte!
As crianças só vão para poder ouvir...
O outro ladrão já estava morto antes que minha mulher,
Que andava devagar – porque estava grávida de MIRIAM
na época (segura a ovelhinha, JOQUEBEDE!)
O ladrão estava morto antes que ela pudesse chegar lá, NATHAN!
E todos falaram que foi uma vergonha!
(me dá a MIRIAM, JOQUEBEDE! Aqui minha filha,
op... opa... nos ombros do pai! Você pode ver?
Coloca a mãozinha assim ... em volta do pescoço do pai,
E segura firme!) O que eu estava dizendo mesmo?

- Aquele outro ladrão...

- Já sei! A vizinhança inteira


Veio só para ver o homem.
Estavam com a gente RUBEM, EFRAIM,
BAANÁ com as crianças, HIDDAL BEN ELIA,
As filhas de URIAS, SAMUEL, o negociante
(Estou vendo ele agora, acabou de jogar esterco no homem)
Ele é aquele último que foi expulso do templo,
Porque ele regateava na Casa de JEOVÁ

- Quem o expulsou?
- Dizem alguns que foi ISHA...
YESHU, filho de JOSÉ, de uma grande
família, que com um chicote o escurraçou feito um cachorro
E derrubou a tenda de ouro e prata, e as moedas
Saltitando, para direita e esquerda, pipocaram no chão
E rolando fugiram embaixo da multidão

- Quem deu o direito a ele


De exercer tamanha autoridade?

- Isso eu não sei, NATHAN, não

Mas não está certo regatear na casa de JEOVÁ!


Meu EFRAIM... mas, NATHAN BEN DAOUD,
Eu vou te dizer em segredo, e eu espero que...
(SAMUEL jogou esterco no crucificado de novo)
O que eu estava dizendo mesmo?

- Você falava de EFRAIM,


E dos comerciantes do templo...

- Exatamente!

Eu vou te dizer em confiança, e espero


Que você não vá trair a minha! Meu filho,
Que viu tudo enquanto fechava um negócio,
Inclinando-se às pressas, como que para oferecer ajuda
Mas procurando – mas não conte para ninguém, BEN DAUD! –
Ele teve olhos de águia e mão lisa...,
Para resumir, foi um negócio abençoado naquele dia:
Ele veio para casa com 30 moedas de prata!
Acredite em mim, NATHAN, aquele filho do JOSÉ tinha razão...
Isto não se faz no tempo de JEOVÁ
Profaná-lo com tendas de ouro e prata:
YESHU BEN JOSE tinha toda razão!
É por isso que EFRAIM, meu filho,
Está sempre a procura dele e o seguindo... no caso dele
Purificar o tempo de Deus novamente, com seu chicote,
Mas há uma semana que ele não o vê mais
(Olhá lá, SAMUEL jogou esterco no crucificado novamente)

- Aquele outro ladrão

- Sim, exatamente! Nós todos o acompanhamos, a vizinhança inteira...


E quando ele foi pendurado, acabou imediatamente, BEN DAUOD!
(Oh pequena, não aperte tanto o meu pescoço!)
Está quente – ele tropeçou de novo – ele parece cansado...
Eu te disse, isso não significa nada, amigo NATHAN
Você sabe como aquela madeira é flexível, não quebra,
E como a dura estala na mínima curvada:
Aquele homem também... eu te disse, ele é resistente!

- Oh querida, veja... aquela mulher! ... será a mulher dele?


A mulher que segue chorando, e prostra-se,
Como se ela mesma carregasse a cruz sobre o ombro!
Ela estende a mão magra o tempo todo,
Como se quisesse sustentar o crucificado... é a esposa dele?

- Isso eu realmente não sei... ela me parece muito velha.


E além disso... eu não vejo filhos! Não,
Essa é certamente sua mãe... veja, ela cambaleia!
Eu já vivenciei a Via Crúcis tantas vezes,
(as crianças adoram, pobres ovelhas!)
E tenho sempre observado quem tem uma mulher
E crianças, que os seguem chorando até a cruz,
(fique quieta, MIRIAM: o pai está cansado!)
Não tão resistentes quanto este homem, NATHAN BEN DAOUD!
Eu vou te dizer mais uma vez: esse homem é resistente:
Um pai não seria tão resistente, NATHAN!
Ele está um pouco cansado pela caminhada, mas quando for pendurado,
O cansaço vai embora! Amigo NATHAN, me ajuda a passar a criança
Para o outro ombro... assim!
Fica pesado depois de um tempo, apesar de parecer leve no início!
(fique parada, minha filha) Sim, este está um pouco cansado
Talvez pela perda de sangue,
(não fique balançando de um lado para o outro, minha criança: me machuca!)
Dizem que ele foi chicoteado... você vê as costas dele?
Tente ver entre o povo, amigo NATHAN!

- Eu tenho a JOCA bem na minha frente...


- Você pode ver ele, JOCA?

- Eu vejo apenas o topo e as pontas da cruz


Que balançam vagarosamente enquanto ele cambaleia, mas desaparecem
Assim que ele cai

- Isso eu mesmo vejo

Tão bem quanto você, JOCA! Eu eu gostaria


De saber se as suas costas... como uma criança pode ser tão pesada!
Não seja tão agitada, pequena: seu pai está cansado...
Você pode ver as costas dele, filha, suas costas nuas?
As costas do homem, que traz a cruz desde lá, filha,
E que foi lameada pelo Samuel?
Vou te levantar... vê bem... mas rápido,
Porque estou cansado, MIRIAM! E agora?

- As costas estão vermelhas...

Você ouviu, BEN DAOUD... isso o enfraquece!


Eles o chicotearam primeiro, isso o deixa fraco!
Mas isso vai passar, quando ele for pendurado. Ele
Não irá deitar a cabeça para o lado tão facilmente...
(fique quieta, minha filha, você me faz muito peso!)
Eu te disse, NATHAN, esse homem é resistente!
É uma pena que eu não a minha caxemira comigo...
(Sente quieta, criança, ou o pai vai te botar no chão:
Estou cansado!) E todos disseram, BEN DAOUD:
Aquilo foi um escandalo... acabou num minuto!
Mas esse não vai morrer tão rápido na cruz,
Ele vai com certeza dizer alguma coisa antes que deite a cabeça!
As crianças repetem euforicamente,
E fazem jogos engraçados com o que ele disse,
E brincam de crucificado, por semanas!
Isso levanta os ânimos em tempos tão difíceis!
Mas se ele se cala na cruz, então não vale a pena
Ir tão longe – faz tanto calor,
Se tiver uma outra vez, vou colocar minha caxemira! –
Eu te falei que ele era persistente, BEN DAOUD!
Ele caiu de novo... mas não é nada! Espere até que seja pendurado
(parada, MIRIAM!) então você vai ver e ouvir...
Pega a criança de volta, JOQUEBEDE: Eu estou cansado...
Mas mantenha a ovelhinha no colo.

Venham, venham, há algo de belo para se ver!


Apenas venham... um homem será crucificado!
O que ele fez? Eu não sei o que ele fez de errado...
Alguns dizem que ele realmente fez....
Mas isso não importa! Deixe a contabilidade de lado,
Esqueça seu café e seu açúcar, plebeu...
Sua carteira, sua função, e suas amostras de tabaco,
Seu comércio de alimentos roubados,
Seu evangelho e seu lucro!
Deixe por um momento seus negócios e a moral,
Teologia... moderna, antiga... todas as coisas!
Tire do armário sua melhor roupa,
Ornamente o pescoço com a mais branca cambraia,
E largue seu trabalho, o seu trabalho, por hoje,
E chame suas filhas e os moleques da brincadeira.

Venham, venham, um homem será crucificado,


Há coisas belas para se ver em Gólgota!
Eu te falei que ele era resistente, aquele que vai lá...
Ele não deitará a cabeça para o lado tão depressa...
Ele não morrerá, por Deus, silenciosamente na cruz!
E para seus filhos valerá a pena
Ouvir – e depois repetir – o que ele disse!
Prometa a eles um alegre jogo do crucificado,
Isso levanta os ânimos em tempos tão difíceis!
Eu te disse que ele é resistente, esse homem,
Que ele não vai te trapacear, como o último
Aquele outro ladrão, que logo deitou a cabeça para o lado
e pronto, foi o fim! Mas esse homem é resistente,
Apesar de parecer fraco de corpo. Nota-se olhando para ele
Que ele carregou muito, mas força ele tem para carregar muito mais,
Que ele sofre muito, mas pode sofrer muito ainda mais!
Ele já está falando... ouça: “Eli Sabactani!” (deus, porque me abandonaste)
Ele chama por ELIAS... crianças, xinguem ele...
E o provoquem, que assim ele diz algo mais na cruz,
Ou melhor, atirem – como o amigo Samuel – esterco nele:
Provavel que ele resista menos a repulsa do que a dor:
Op... opaaa... levante as crianças! Assim elas veem.
En ouvem como o crucificado fala,
E guardam para depois brincar de crucificado...
Venham todos! Viva Golgota!
Venham, venham, um homem será crucificado:
Chamem RUBEM aqui, e NATHAN BEN DAOUD...
JACÓ, NAFTALI, ALBERTO! ELIEZER...
As damas e os cavalheiros da vizinhança,
Parentes, primos, sobrinhas, irmãos, e o resto,
Conservadores, liberais, homens do bolsa,
E do tribunal e da chancelaria! Diretores
Trabalhadores autonomos, a oposição e os ministros,
Os membros do senado em Haia,
E aqueles que lá se deixam descansar, depois de um governo ruim,
E aqueles que não tiveram tempo de cumprir suas obrigações
Mas provavelmente agora tem tempo para o teatro cômico,
Chamem MOISES, ISSACAR, e todo Willemspark,
PEDRO, PAULO, EZEQUIEL... chame tudo aquilo que tem um nome,
Chamem o que foi batizado, ou circuncidado!
Chamem todos os que aplaudem: “Eu te agradeço pela minha virtude”
Chamem tudo que geme: “Seja minha graça, Senhor!”
Chamem o que está condenado, e aquele que compartilha de misericórdia
O que pode andar, ver e ouvir (seja o que for!)
Jesuitas – protestantes e católicos –
De um ordem ou não de uma ordem, maçons,
Que falam sobre boas, belas palavras
Mas o abstem de lutar contra o mal!
Você que sabe nomear todos os filhos da viúva, mas sua mão
Não estende para carregar a cruz do filho dela!
Chamem todos que oram ou negociam no templo,
Tudo que espera pelo chicote de NABI ISSA!
Tudo que com olhos de águia e mão lisa
Segue-o sorrateiramente – ou às vezes cai parar agarrar
O dinheiro, que rolando foge embaixo da multidão –
E depois conversa sobre regimes e princípios!
Chamem todos que se tornam gordurosos pela comida roubada,
Todos que se gabam pela primeira semente-plantada,
Todos que tem um bezerro de ouro em um brasão,
Tudo o que rói os insulíndicos ossos
Tudo o que suga a vaca insulíndica
Tudo o que resta do mamilo esfolado
Tudo o que incha por conta do sangue sugado!
Venham todos... JOQUEBEDE com a pequena...
(E mantenha sobretudo a ovelhinha no alto, JOQUEBEDE!)
Chamem o filho de JOÃO, de PEDRO, BEN LEVI, BEN DAOUD...
BEN... disso, BEN... daquilo, todos os filhos!

Chamem também SAMUEL

Sim, o SAMUEL em especial, e JUDAS filho de JUDAS!

Venham todos, venham todos para Golgota!


Por Deus... Há belas coisas para se ver hoje lá!
Venham todos, um homem será crucificado!
Venham, venham... Um viva para Golgota!
Viva, viva para Golgota!

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