Você está na página 1de 19
alea FINANCIAMENTO topes eprrores CCONSELHO EDITORIAL ‘CONSELHO consULTVO (Gerace ar Sentai) (Unare de to Puy (Garde cer Migs Gert Arai Cortes Ste Pass) (Ginecol (Gnade de Bama) ry ee (anne de Sta (terscuem apres) ‘Unrate en —Fene) (Gries Groen (Unters Unto Pau) (irae nin Be Pay (Grasp xanga Sina = (Urano Sonny (Gnade to do le Grande do ie Msc) EsTupos | ousno 1 aR NEOLATINOS asco ve 200 ales: estuses neous Hera estan en ees Ness se Sasol. et Ema anodic Assnatuas, bugs even 22040000" fade rake ‘ee(ss 2) 230 959 fees) 260506 Febldat de ste “UF = Wein a anc, 200, ‘ssw 1817064 00 eo? alea Sumario A biblioteca da meméria: uma leitura de Borges “TANIA FRANCO CARVALHAL, Benjamin ¢ Baudelaire: reflexdes sobre a arte ea historia MARCELO JACQUES DE MORAES Rimbaud e a violéncia Cartas e letras roubadas: intertextualidade e inter~ sexualidade em L'Ewfant de Sable, de Tahar Ben Jelloun OBERT HARVEY Letra, trago e olho: Guimaraes Rosa, Arlindo Daibert e ‘Maureen Bisilliat VERA CASA NOWA Imagens pict6ricas e verbais da identidade mexicana Jardim Brasil: conto, os lados do infinito JOSE ELIAS NEDER I, Ainda a tradigto do impasse Sobre os quatro discursos de Lacan: um exercfcio de apropriagao #910 DURIO n a 48 107 121 1s 1a Dossié bilingiie ‘Mohammed Cohen ua fraternidade apesar da Historia ‘Mohammed Cohen ou la fraternité & Yépreave de THistire MONCEF RAEN Resenhas Visitando Céline sustavo eeRNaRoo Visconti e a estética decadentista CELINA MARIA MOREIRA DE MELLO Gald6s Buftuel ou quando ser moderno inelui atradigno ‘TERESA CRISTINA CERDEIRA DA SILVA 181 186 alea Contents ‘The library of memory: a reading of Borges Benjamin and Baudelaire: thoughts on art and history [MARCELO JACQUES DE MORAES Rimbaud and violence FRANCISCO BOSCO Purloined letters: intertextuality and intersexuality nfent de Sable in Tahar Ben Jelloun's L’ Letter, trace and eye: Guimaraes Rosa, Arlindo Daibert and Maureen Bisiliat ERA CASA Nova Pictorial and verbal images of Mexican identity Jardim Brasit- conto, the sides of the infinite JOSE ELIAS NEDER J, Still the tradition of deadlock RACHEL UMA (On Lacan's four discourses: an exercise of appropriation Fabio OURKO u 21 43 13 107 181 rey Bilingual Dossier ‘Mohammed Cohen ‘or brotherhood in spite of History Mohammed Cohen cu la fraternité a Tépreuve de THistoire MONCEF KHEMIRI Reviews Visiting Céline custavo BennanDo Visconti and decadentist aesthetics ‘CELINA MARIA MOREIRA DE MELLO Galdés and Bunuel or when being modern includes tradition TERESA CRISTINA CERDEIRA DA SLVA 158 1st 186 Editorial Em seu segundo némero, a revista Alea: estudos neolatinos vern refletir a presenga plural de escritores, tedricos e criticos de lingua espanhola, francesa e italiana no que tem sido produzi- do na érea de Letras e em éreas afins em universidades brasi- leiras e estrangeiras, Seis artigos estao diretamente centrados na obra de eseri- tores de linguas neolatinas: autores célebres, como Borges, Baudelaire e Rimbaud, e outros menos conhecidos do piiblico brasileiro, como o mexicano Mariano Azuela, o marroquino ‘Tahar Ben Jelloun e 0 tunisiano Claude Kayat. Este dltimo inaugura 0 dossiébilingit. ois outros artigos abordam a obra de escritores brasilei- 10s. O primeito deles vale-se de perspectivas te6ricas de autores ‘como Barthes e Compagnon para propor uma articulagio do didlogo entre o texto de Grande Sertdo: Veredas, de Guimartes Rosa, ¢ alggumas das imagens por ele inspiradas. O segundo propée uma leitura intertextual do romance Jardim Brasil: conto, de Ronaldo Lima Lins, apontando em sua construgdo a pre senga de vozes de diversos escritores e artistas do século XX. (Os dois artigos restantes tratam especificamente de proble- ‘mas tebrioos com que se depara o crtico literdrio contempordneo. © primeiro analisa, com o auxilio de tesricos norte-america- nos e franceses, a situaglo atual da critica no Brasil, enquanto © segundo serve-se de Lacan para discutir os pontos de vista do critica a respeito das relagbes entre verdade e ficgto. ‘Além disso, a lea vem também propor, a partir deste se~ gundo niimero, uma segfo de resenhas de dissertagdes e teses produzidas nas universidades brasileiras, que nem sempre, ou {quase nunca, logram atingir o leitor fora de seus muros. S40 resenhadas uma tese de doutorado em Literatura Comparada sobre a obra de Céline, uma tese de doutorado em Lingua © senjmin, apo Pateras-chne betas ‘xperiinga Recsbide em 15/12/1999 25/02/2000 esauivaao fo cronogioo linea reuer pao historicma 0 are para um itr nat. A ese fo, iz Benn ‘scpan os igre nos qui tranmsso se meron cora ce qu er ram dle leu pla ree pela hntria «que rtm so setdee ue o present Ihe quer incesentement impor qu me vet pode nda pensar com Benin e Bada since ‘gotavel produgio humana de arte e de historia, : Marcelo Jacques de Moraes Doutor em Lingua e Literatura Francesa pela UFRJ e Professor da ‘mesma Universidade. Publicou varios artigos em periédicos e anais Ae congressos.E pesquisador-bolsista do CNPa, Resumo Reflexao sobre as relagdes entre bist arte ex histria a partir da con frontagto de textos criticos e poéticos de Charles Baudelaire —e de alguns outos eseritors critics ranceses — com certs eoncits le Walter Benjamin, tis como deaura e ode experiénc oe de experitncia (Erfahrang Abstract, Résumé Thoughts on the relationship Reflexion sur les rapport entre between art and history Tartet Thstte heer ee seringingtom teeontontton — colfontaton de textes ootians betweencrcalandpoetctexs et" pottques de" Charlee by Baudeire—and othererte= Bauder“ et de qusguerutes writers = bated on some dervinsiiqustinats wee cnjamiian concepts such ss certins eomepa de Wales Bay, sum md eprce(Epehnag— in nr a nih experi (Efirnget ath jut. soUNE? 220 MER L Rimbaud e a violéncia Francisco Bosco Hagiografias, mistificagoes ¢ apropriagdes & parte, no imagi- nério da literatura moderna o nome Rimbaud esta inevitavel- mente associado aos dados biograficos que Ihe sto atribuidos. ‘Numerosas biografias ja Ihe foram dedicadas, produgbes cine matogréficas dio énfase a sua vida e, dentre as diversas cor~ rentes que abordam a sua obra, a “biografante” é sem divide tuma das que mais encontra adeptos. Nada disso, obviamente, € por acaso, Trata-se de uma vida atribulada, marcada por aconte- cimentos dramaticos e sob a égide irresistivel da precocidade. Se langarmos um olhar abrangente para sua trajetéria, nfo nos seré diffel reduzi-la a um movimento fundamental: a rup- tra, Rimbaud — nfo precisamos retomar extensivamente 0 {que tanto jé foi dito — rompe inicialmente com sua provincia natal, mais tarde rompe com Paris, rompe igualmente com a intensa amizade dedicada a Verlaine e, finalmente, rompe com 1 prépria poesia e continente europeu. No interior dessas rrupturas, note-se, multiplicam-se outras, Note-se, outrossim, {que as rupturas no plano do deslocamento fisico correspondem ‘outras no nfvel do pensamento:oafastamento da tradigio crista familiar e da educaglo voltada para os estudos cléssicos,a pas- sagem de uma poética obediente a retbrica da época para uma tentativa de atualizagio da poesia, as rupturas constantes no interior dessa tentativa, por fim a ruptura com a atividade pottica. Lembramos tudo isso para propor uma leitura desses atos de ruptura segundo a qual obedecem estes a um, paradoxal- ‘mente, imutavel prinefpio: 0 da violéucia. Chamamos de vio~ léncia, portanto, 0 principio que se opde a toda e qualquer or~ dem, cristalizagdo, estabilidade. Em Rimbaud, a violénciaé uma determinada postura existencial em relagio ao desejo: uma postura que se define por uma estratégia de obedigncia 20 movimento desejante, Trata-se de uma posigZo rara, pois afas- ta-se radicalmente das estratégias dominantes que norteiam, parece-nos plausivel supor, arelagio das pessoas com seus de~ sejos, a saber, as estratégias de negociagdo, Em Rimbaud, se nos permirtirmos ler au-deld de suas préprias formulagoes — que fo so poucas — a este respeito, seremos levados 20 entendi- mento de quea violéncia é0 movimento por exceléncia do desejo, seja por ser este condenado a um eterno nomadismo (e af estamos dliante da concepeo platénica do desejo, vinculada 8 fall), seja or sero mesmo inevitavelmente orientado na direslo de um utd pico horizonte: aquele de sua realizacao plena, ou seja, de sua ‘extingio.! Mais: somos levados a identificar no signo da violéncia a verdade postico-existencial de Rimbaud, a verdade que estabe- Jece um fio de continuidade de sua obra a seu silencio. No interior desua experigneia,portanto,a violéncia— que éruptura, quebra da ordem, desagregasto, partida — é também continuidade: é a fidelidade a seu prinelpio que constitui urna verdade,* Isto posto, o presente estudo sera voltado a0 exame das uestdes relativas ao desejo: nfo s6 0 principio da violencia, regulador e incontornével, mas toda uma cartografia do dese Jo, aque chamaremos figuras do dese. Tentaremos mapear o desenvolvimento dessas quesides na dinmica da obra de Rimbaud, a fim de verificar as modulagées sofridas nos diver- 505 tempos e constatar a irremediabilidade da violéncia para luma postura existencial definida por sua entrega ao desejo impossivel do préprio desejo, Figuras do Desejo Utopia do real Antes de passarmos & matéria propriamente dita, vale dizer «ue, ainda que nao venhamos a citar trechos especificos da bi- ografia de Rimbaud, esta deve ser levada em conta ao exami hharmos a dimensio do real em sua poesia. Isso é importante pois, num primeiro momento, a realidade € 0 lugar onde se Promete a reslizagao do desejo, Nesse momento, verifica-se * Operremon om x noo de daa no dcr deste rato tl come la noe arse par itr de Rue son geen pecs eerlnante. Somos partslarmene nin entrant antec M.D Magno no canted formes repo do paddles garter pee om en eos (Magna M.D, “alts (o Nendo ee. Ee Packs Pp) ‘Slr Bi oars et Ltes a a "Quanto qed verde cme des um movimento pti ister ver Hato, A. “Literspn’ Em Le Milos eed fe Balin tons.) * mpeegaos «expres, ver um poutine, pared ser apston ee econ de sigan modocome tessa St ‘um movimento bilateral em que, de um lado, o desejo é anun- ciado no poema e a realidade 60 horizonte de sua satisfagao; de ‘outro, o desejo é trabalhado na realidade e o poema é 0 lugar de sua consumacio. Entendemos este duplo movimento no mesmo sentido do que Yves Bonnefoy chama de “experimen tar a palavra” (éprowver la parole)": correspondéncia no plano real dos desejos enunciados no poema, A série de poemas en rowte fornece-nos exemplos dessa quest2o; antes de passarmos a eles, entretanto, analisemos um dos primeiros poemas de Rimbaud, que nos introduz diretamente no assunto: Picador pre er Mee nee CCalado segguirei, nao pensarei em nada: ns pres pas je ne penser ln Mas infnito amor dentro do peiteabrigo, Mais our infin re montpa dans Fe, E como um botmio irl, bem longe pela estrada, Et jr lan fe on commen taiion, Felis —qual se levsse ia mule omg. — + Notese qu ete expres, em coma a stare desenobvida por 6s afnas como jensament de Octavio Pr sore ince Anima pl es {hu energie que mone «hs, pals pox] & prefecla e eonsuo {fea vida seul dear profes. A alr ener, € pci prit PaO, Signe otra Sho Paulo Perper, 10090) Exe lava ecanads, rp ae tal lt tra uu resizagopans, nas ver, no gb chamaros de topad relimedia £prssarens ou carter spc que leva Rimbaud ‘andor ios et de qu Une ain nee (Uma aia no nfra) ¢ tmafesto eo tstamente Ain gh etaos de sor com Ortevio Ps 50 resi nmr non cnn ona {Siva du palava pare matravarce na Matra” (bor, ara nés 0 senio estes det "hi — ap mi ini enquanto pare Par sa eng apresentese em un dnenso paliia, coli) Assn, como Acnelercmos adit, Unesoion. brn anter see ums topics — ‘palersencarnada arate sva~—do que tendon da poesia ltr com © Guess capleae fate de conforme seared stunt, lute teres i ‘Scritan em grande pars, aps sql poems "Tadao rads de pose de Rimbaud transite ete nist da storia devo Baron cj edie ds Fos cmplet Bio de nr Topbock, tooo) eda Pro pc (od faci: Topo 198) ram ast tlzdne pret, prt, sere que framon por be pea nosso esto o texto em francs quem alguns cog a nterpretyo sujet rao de Barroso implica ue dives Geeta completamente erent dag que propomos | ‘Neste poema, intitulado “Sensation” (Sensacao), importa- nos sobretudo observar o emprego dos verbos no tempo futuro, para onde aponta a realizagzo dos atos nele enunciados. A evi- déncia do real deixa-se ler também pelos elementos da nature- 2a ¢ pela oposigio que Ihes faz o elemento da razdo: “Je ne parlerai pas, je ne penserai rien”. Esta oposicgo permite-nos Jangar a hipétese — a ser desenvolvida mais adiante — de que 4 realizagto absoluta do desejo tem seu lugar, ou sua utopia, ‘numa relagdo do ser com a realidade que nao seja mediada pela linguagem. O poema de inspiraggo pantefsta “Soleil et chat” (Sol e carne) corrobora-o: Nossa frouxa razdo nos encobre o infnitol ‘Note pile sn nou ache i! ‘Queremos contemplar a Duvida nos pune! ‘Now vuln regater le Doe nous punt A Dévida, ave triste, anos rogar su asa edo, morne olen nous Tape de sen it ~O horizonte a fugirem sua fuga eternal = Ec horizon senfi eie ern.” E antecipa a nogio de eternidade, mais tarde fixada de modo definitivo no poema homénimo. A razto é 0 que subtrai o ser do infinito, o que o afssta da eternidade. O poema, assim, ul- ‘apassa a nostalgia roméintica de um pantefsmo perdido, pois 4 natureza ndo seria suficiente para dar-nos o infinito: arazao, ‘que estamos condenadios, permanece como um impedimento, Imposstvel nao notar essa contradig&o; a razio —leia-se lin guagem — afasta-nos do infinito, contudo a poesia é um in- Yestimento precisamente na linguagem, Pode-se objetar que Rimbaud refere-se antes & raz30 como projeto cientificista,afi~ rnando-se a0 coro romantico de reaglo ao racionalismo estreme iluminista, e nfo & razao em seu fimdamento. Provavelmente, Anda assim, em seu desenvolvimento a poesia acaba por con- figurar essa contradisao, no limite, inescapével. Neste primei- Fo momento, contudo, o impasse nao conseqiiéncia de uma resignagao — ja que se esté condenado a linguagem, deve-se ‘tentar explorar suas possibilidades — mas antes de uma espe- ‘ranga: @ poesia como via privilegiada de acesso ao real. Essa ‘esperanga nio se encontre, contudo, formilada em Rimbaud; ‘rata-se de uma tendéncia e de uma tensio que apresentam os oemas da fase inicial de sua trajetéria. Certo, Rimbaud nao’ problematiza a questio como, por exemplo, Artaud —em cyjo pensamento ressoa o desespero diante da linguagem como mediaglo do real e conseqUentetentativa de sua superacto = mas 0 problema dexa-se entrever no horizon de seus poemas.Ademais,ndo hé propriamenteconfito entre lingua- gem e real a tensto a que nos referimos, talvez por no ser formulada, € antes da ordem da esperanga igualmente nao consciente; dat, insistrmos nese terme, Vallembrar por fin {que a marca do real nos poemas iniciais nfo implica de modo slgom uma inguagem relist o elemento visual eum léxico orientado pelo efeito aurpresa evidenciam a preocupaglo com © aspecto material da linguagem NNo intuito de deixar clara a leitura proposta, mencione- ‘mos ainda dais outros poemas em que 0 real aparece como horizonte de renizagto do deseo: "REvé pour Thiver” (A ver nosno inverno)e°Les parties de Ning” (Asréplicas de Nin) O primeira aglutina os temas da partida e do e sentido estito) para descrever uma cena imagin zar-seno fitiro.O segundo opera com os mesos temas, po- +rém por intesiieago, Nesteo poeta convoca uma mulher para uma jornada iden, enumera comm entusiasmno crescente todos {8 seis deseos por fin, ouve a resposta lacGnica: Eo meu emprego?”. Temos aqui a recorrenteoposigo entre a postura txirtncal do poeta, mareade plo princpo de suboranagso as exigtncias do deseo, ea postura caracteristica do que se pode chamar uma burgusia eisencal, definida pela estagna- ¢20 ealienagto do proprio descjo — a esse respito ver. por exemplo,"A la rusique” (A mesica) ou “Les assis" (Os assen- tados). Passemos a0 outro sentido do duplo movimento anterior= mente mencionado. O poems, neste caso, torna-seo lugar de consumasio da realidad, reiterandoo vincul entre apoesie o real presente nease momento em Rimbaud. Os poemas aque nos rferimos foram escrtos en row, numa das fugas da pro- Vincia. Sto, entre outros, “Le dormeur du val’ (O adormecido "Bo queemtendemos quando Artaud open refi sO aro ese dp, ‘utara vida: "Provesto contra aii seprad que fda cultura comose de umladoestivesse cultura do cutro, aida; «como se verdadsirs ultra no fosse um meio apuredo de compreender e exercer a vida” (Sto Palo: Max Limonad, 198-18. Tradagto de Teieirs Coelho). A nosso ver exe “verdadeira cultura” encerano limite eam utopia de uma inguagem gue nos oerecesse © ral Sem que com ie, simultaneamente no-o reewanse. usu Awoisren a = do vale), “Au Cabaret-Vert (Ao Cabaré Verde), “La maline” (A maliciosa) e “Ma bohéme" (Minha botmia). Neles nao ha tum desejo tensionado na diregio de uma realizago, mas a pré- pria realizagio — essa palavra deve ser relativizada, bem en- tendido — do que havia sido anunciado. A partida se afigura ‘como instante e lugar possfvel da realizagao do desejo. A que- bra de vinculos, 0 aberto, 60 lugar mesmo da experiéncia (© meu dinico par de cleastinha furos. Mon urate elo ave n ge tow. ~Pequeno Polegar do sono a0 meu redor Petl-Poueet eur ronnie das a course [Rimes espalho. Albergo-me i Ursa Malor. Des imes, Mon suberge tea Is Grani-Ourse”™ Os poemas tornam-se uma forma de celebragao do real, refe- vindo-se as cenas mais corriqueiras, entretanto langam mio de luma quase exuberante visualidade, fundando um espaso de confluéncia da carnecom a con ~No Clare Fide chego «peso frends “Feu Cte demand de rine [Na manteigae prenungo assim como ee ext Da iar tambon it mo C3 s Presunto réseo e branco e morno, a que perfuma jam rove tebe arid ne goutse ‘Um dente de alho,e dé-me um chope imenso, a espuma Dat emia chpe iment, ate 3 mouse [Num raio a se doirar do sol amortecide, ‘Que dorian rayon de sol rig” ‘Trangressao e amor E nesse mesmo sentido de violéncia, obediéneia ao movimen- to desejante, que propomos 0 entendimento da transgressdo.em, Rimbaud. Para fins operatdrios, chamaremos de transgressio ato de violar uma determinada ordem ou discurso limitador. Orientado para um absoluto impossivel, aquele de sua prépria ‘cessapio, o desejo tem nos limites sua grande esperanca: en- contrar, do “outro lado do muro”, sua perfeita realizagio. Tra~ ta-se de uma ilusio, certamente, mas nao de todo: no préprio ato de transgressfo, no interior de seu instante, o desejo é rea- lizado, mas a transgressio nto é um estado, nlo tem durago, s6 existe em ato — uma vez o limite ultrapassado, desaparece a linha divis6ria e 0 outro lado do muro torna-se 0 mesmo lado.’ Essa dinimica da transgressio, um tanto abstrata, pode ser empregada na evoluclo formal da poesia de Rimbaud. © que leva o poeta dos alexandrinos tradicionais de “Les étrennes des orphelins” (A consoada dos érifios) & atualizagao poética de “Ce qu’on dit au poste & propos de fleurs’ (O que dizem ao poeta a propésito das flores), e do hermetismo que se segue ao abandono da estética anunciada neste poema a prosa poética de Une saison en enfére finalmente & “prose de vers"*de Iiluminations (Iluminagies) € 0 mesmo desaparecimento/ realocamento dos limites acima mencionados. Importa ressal- vvar, contude, que isso nfo se aplica do mesmo modo a outros tipos de transgressto. Pensemos no cristianismo, por exem- plo, Neste caso 0 limite — 0 idedrio cristfo — é uma norma, uma moral, um discurso deminante, Sabemos que Rimbaud foi obcecado por esse idedrio, contra o qual se insubordinou por bastante tempo, Mais adiante retomaremos o tema do cris tianismo; interessa-nos agora apenas indicar que este se afigu- a para Rimbaud uma norma resistente A sua transgressao, ‘Ainda um exemplo distinto 6 0 da transgressto politico-soci- al. Nesse caso a questo é simples: enquanto uma determinada ordem social se mantiver, alimentard o desejo de sua trans- gresslo, No contexto do presente trabalho, importa-nos ape nas demonstrar que a poesia social de Rimbaud obedece 20 ‘mesmo principio geral de violencia, de desestruturacio da ordem que orienta sua poesia. O poema “L'orgie parisienne” (Orgia parisiense) formula-o claramente Embora seja atroz rever-te assim coberta ‘oigu elt ecu det rei covert De slceras «jamais esse ume cidade i quo ac cama det © oxor da chaga expostoa verde Naren “lhe pa poe etre ert Bis que o Poeta te di: “Que espiéndida Beleza! ° ee Par eede pone et Bet Sagroute a tempestade em suprems poesia . ea nage te mcr spre pie? * Besa descrip abstrata de um ato de tranagressio 6uma simplieagto da ‘que se encontra no “Preficio A trangresdo", de Foucault (A preface to transgression. Em Booting, Fe Wilbon, S (og) Bataileaeriual nade New ‘Yorks Blackwell 1898). * Acexpresto, a nsao ver flcsima, de J Roubsud, tad por Pasaline ‘Mourier-Casile (Place Ems Rimbaud, A. Ore det ede au dart Pais och, 100}. Fs pros de verso demarcaadiferanc, por exemple entre as ‘Mluninations, de Ribavd © O pln de Pars Baudelaire, mono Avesnen ‘onde oc, ‘compara da cidade x uma frida aber em seguida sua eelebragto como una beet eaplndid por Sm so. cgi diag poss fo dirs bate sess quanto ao entendimento de uma experineia pote pars Rimbaud. . 2 - ‘Alndaumapalavra sobre trangresso.Identicames um outro sentido potent que the arb o pot: eaparidade de inflconar o deseo Este dejo inflaconada, litem nome anor. Freqientementesplavra aparece no poemas de con ‘oc sempre neste meso seni ~Cidadio cidade! 10 pasado negro je coye pst samtre otomarmon store! ra, at quid mops a tort Em nosso corago alga havia i aor aE our avo qu cote cor comme Taner Que tombava,esval Ouem"Morts de Quatrewinge-douze et de Quatre-vinge-teize” (O mortos de Noventa edois/Noventa etrés) Hoomens fortes febris, que na tormenta, avante, Hommes exit et grande dae I torment CCoragoes a saltar de amor, e esfarrapaios, ; Vows dit coi et ener sos” ‘Ou ainda em “Les mains de Jeanne-Marie” (As mos de Jeanne- Marie} Desfaleceram, sonbadoras, Ties oe pl, nerves, ‘Ao sol do amor que entao sgn $a rand tl amour har No bronze das metralhadoras oe Sari re dos miraewes Pela Paris que se insurgial = 2 travers Pars nag? ‘Nao importa o contexto, o amor aparece geralmente associado & aslo: “Amor, grito de vida e eAntico de agao", levando-nos a inverter a famosa passagem “o amor precisa ser reinventado": parece antes que, para Rimbaud, Vamour est la réinvention(o amor 6a reinvenglo), ou se, o desejo mesmo de transgredir. Em que pese 0 reducionismo, acreditamos ser plausfvel ler a experiéncia erética com Verlaine nesse sentido, ao qual se deve aduzir a vitalidade atribuida & violéncia como principio de manutengio/ reprodugio do desejo, Mais tarde, jé enn Une saisom en enfer encon- ‘ramos o trecho em que aparece a passagem acima transcrita eer que-a leitura ora proposta é corroborada ‘Nao amo as mulheres. amor precisa serreinventado, bem sa- Ibemos. Blas 86 podem querer a seguranga. Uma vez obtida, pplem de lado a beleza e 0 cora- ‘elo: resta um frie desdém, que sont mis de e8té il ne reste que alimenta hoje em dia o case- froid dédain, V'aliment du mento, mariage, aujourd'hui” Je n’aime pas les femmes. Lamour est réinventer, on le sait. Elles ne peuvent plus que vouloir une position assurée. La position gagnée, coeur et beaut Aqui o amor esté explicitamente associado & violencia, ao ser oposto & estabilidade, Rimbaud prope um amor que no se fundamente na seguranga — garantia de queda de produgto desejante — mas que antes obedeca as exigencias da violén- cia: “Pos forga & que umn dia eu me va para bem longe™, afirma le alguns pargrafos depois. Consciéneia e impasse “Le bateau ivre”(O barco ébri), para nés, é menos um marco estilistico na poesia de Rimbaud do que um marco de consci- éncia da sua propria experiéncia. Do ponto de vista do proce- dimento, o qual cabe-nos apenas indicar, entendemos esse po- ema como uma radicalizaglo de certos trags jé prenunciados em poemas anteriores, A autonomia das imagens em relagdo 8 sua ncora de nexo légico tlvea o elemento mais importante no nivel esilstico, pode ser verifcada, em estado embrioné- rio, no poema “Les assis", por exemplo. Aj entretanto as ima- gens ainda remetem & realidade, embora bastante deformada, éenquanto o poema do barco ébrio desenrols-se num plano ima- ginério-alegérico que a certa altura desliza para uma coneretude absoluta da linguagem. Contudo em “Voyelles” (Vogais), poema anterior a “Le bateau ivre", encontra-se rea- Tizada a autonomia das imagens; mais do que neste timo, preso a.uima narrativae, por conseguinte, a um discurso l6gic. Lem- bremos ainda que a preocupagdo quanto A materialidade da linguagem esté presente na poesia de Rimbaud desde os seus primérdios, sea sob o aspecto sonora, visual — observe-se 0 roe Avextnen a a upd cans ire Oe cardter pictdrico de pesas como "Le dormeur du val’ “Au Caberet-Vert” ou "Venus anadyoméne” (Vénus anadiomene), seja através de um léxico minuciosamente orientado pelo prin- cipio da raridade e estranheza, Interessa-nos, portant destacar “Le bateat ivre” como divisor de éguas na experiéncia de Rimbaud por ter nele 0 poeta atingido uma ucidez sobre seu movimento que o obrign a repensé-lo. Até este momento hé uma poesia tensionada na diregao de um absoluto — “areiver a Tinconnu” (‘hegar 20 desconhecido"), manda o programa’ — afirmando sua violén- cia contra toda espécie de ordem e estagnagio. O poema em questio inicia-e fazendo mengao & trajetéria até entio per-

Você também pode gostar