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sub specie alteritatis

experiências de antropologia especulativa

A floresta poliglota // Bruce Albert


A floresta poliglota, por Bruce Albert

(link para o original: https://www.academia.edu/26224296/La_for%C3%AAt_polyglotte)

tradução: Vinícius Alves


revisão: Hugo Simões

“Para aqueles que cresceram no silêncio da floresta, o barulho das cidades é doloroso.” – Davi
Kopenawa

A floresta amazônica é um bioma-continente de cerca de 6,5 milhões de quilômetros


quadrados (dez vezes o tamanho da França) que se distribui sobre o território de
nove países latino-americanos e representa quase metade das florestas tropicais
úmidas remanescentes no planeta. Essa imensa área florestal, que abriga uma
variedade considerável de ecossistemas terrestres e aquáticos, engloba a maior parte
da biodiversidade mundial conhecida. Hoje, porém, ela se encontra gravemente
ameaçada[1], em particular devido à expansão das atividades agrícolas (pecuária e
de cultivo de soja). A Amazônia tem sido habitada há pelo menos onze mil anos por
um mosaico complexo de povos ameríndios que, apesar de vários séculos de
espoliação e dizimação, ainda representam um pouco mais de 400 grupos indígenas
que falam aproximadamente 240 línguas diferentes[2]. A Amazônia tem, portanto,
uma longa história cultural que, ao modificar ao longo do tempo a distribuição de
plantas e animais, influenciou profundamente a sua história natural[3]. Longe de ser
(ou melhor, de ter sido) uma floresta virgem, a Amazônia sempre foi uma floresta
habitada, estudada e transformada por seus habitantes ameríndios há milhares de
anos. Sua excepcional biodiversidade está, portanto, intrinsecamente ligada à
história de sua sociodiversidade.

A floresta amazônica abriga, conforme o estado ainda limitado de nossos


conhecimentos, 1.300 espécies de aves, 427 espécies de anfíbios e 425 espécies de
mamíferos[4]. Apesar de sua grande variedade, essa fauna é essencialmente
dependente de recursos alimentares vegetais, distribuídos de maneira bastante
heterogênea e sujeitos a importantes variações sazonais[5]. A fauna se torna,
portanto, escassa e altamente móvel, uma vez que grande parte dos animais de caça
procurado pelos caçadores ameríndios é noturno e/ou arbóreo[6]. Todas essas
características tornam sua atividade uma tarefa complexa e muito difícil, com
resultados sempre imprevisíveis.

Além disso, como podemos imaginar, o emaranhamento vegetativo e a grande


diversidade floral deste ambiente florestal – 50.000 espécies de plantas e árvores[7] –
criam uma trama vegetal que, para além de uma curta distância, é impenetrável à
visão. Assim, em geral os caçadores são apenas capazes de supor a localização ou, na
melhor das hipóteses, vislumbrar as presas, que são sempre furtivas, depois de
terem, com alguma sorte, detectado indícios de sua presença no solo.

É essencialmente o uso da audição que lhes permite detectar a presença e os


movimentos da caça nas vegetações rasteiras ou nos dosséis. Assim, compreende-se
tanto por que os caçadores ameríndios têm um conhecimento acústico notável do
ambiente florestal, e isso desde a mais tenra idade, quanto o porquê de o concerto de
sons de origem animal que com frequência os cerca aparecer profundamente
impregnado em sua linguagem e cosmologia. A experiência acústica dos índios
Yanomami do Norte do Brasil, com quem tenho tido o privilégio de dialogar por
várias décadas, oferece uma boa ilustração dessa influência da biofonia[8] da floresta
tropical no conhecimento dos povos amazônicos. Evocarei aqui, em homenagem ao
trabalho de Bernie Krause, alguns exemplos ilustrativos, desde os diálogos dos
caçadores com as vozes da floresta até o mito de origem das línguas animais,
passando pelo aprendizado das canções cerimoniais e xamânicas.

Yaro pë heã: as vozes da floresta

Ao longo de seus itinerários de caça ou coleta, os Yanomami mantêm um diálogo


constante com a multiplicidade de vozes da floresta. Sua escuta da biofonia florestal
é, dessa forma, objeto de atenção constante, sendo eles sempre rápidos com o
mimetismo sonoro em resposta aos seus interlocutores não-humanos. Além disso,
essa concentração acústica extrema é duplicada pela decodificação permanente de
um elaborado sistema de correspondências sonoras que eles associam à noção de heã.

Com esse termo os caçadores designam os cantos, gritos e chamados de um grande


número de aves (mas também de anfíbios e certos insetos) que eles consideram como
índices acústicos que podem revelar a presença na floresta de presas, frutas ou
plantas que lhes estejam associadas. Como um deles resumiu laconicamente para
mim, “quando muitas vozes animais falam na floresta, nós dizemos que há sinais
sonoros de caça entre elas”.
Nesse sistema de correspondências sonoras, o arrulhar de um papa-formiga-barrado
é assim tido como revelador da presença de uma anta, e o canto ondulado do
surucuá-de-cauda-preta anuncia um rebanho de pecaris. A aproximação dos
macacos-aranhas é indicada pelos dois tons estridentes dos pequenos papagaios de
cabeça azul, a passagem de um veado-mateiro pelo trinado espasmódico do
arapaçu-pardo, enquanto o assobio do pinto-do-mato-carijó denuncia a proximidade
de um tatu-galinha.

No domínio vegetal, a canção melodiosa do sábia-da-mata revela a existência de


cajazeiras e os assobios agudos do furriel anunciam a presença de frutos da árvore
Pseudolmedia laevigata. Os trinados e zumbidos do cabeça-de-ouro são por sua vez o
heã da liana Lonchocarpus utilis, planta usada como veneno para asfixiar a pesca. Já as
notas melancólicas do urutau encontram os frutos da árvore cabarí[9], enquanto a
maturação das nozes da castanha-do-brasil é sinalizada pelo canto do gaviãozinho.

A etimologia provável do termo heã é composta por he, “cabeça”, que remete à noção
de extremidade, de “ponto limite”, e por ã, que se refere ao som e à voz. O verbo
intransitivo heãmuu significa “marcar sua presença por um som”. Assim, quando se
assobia para anunciar a chegada em uma casa coletiva amigável, se diz fazer husi
heãmuu. Podemos, portanto, aproximar esse termo da ideia de “sinais sonoros”. A
complexa rede de associações entre vozes animais indiciais e a presença de caça ou
plantas úteis na floresta de heã yanomami constitui um sistema de identificação
acústica ensinado desde a infância e que, sendo ao mesmo tempo rígido e
constantemente mutável, se torna sempre capaz de orientar caçadores e coletores
dentro da “grande orquestra animal” da floresta[10]. Como nos lembra o xamã
yanomami Davi Kopenawa:

As vozes animais da floresta que nós conhecemos, os chamados heã de que estamos
falando, são palavras que ouvimos de nossos anciãos e que eles nos deixaram,
dizendo: “Esta música é a heã dessa caça ou desses frutos!” e nós as mantemos em
nós desde a infância até agora[11].

Além disso, alguns desses chamados também são considerados índices sonoros para
eventos climáticos e ecológicos[12]. Dessa forma, uma dupla nota grave do cri-crió
seguida de seu chamado ressonante são considerados como o heã das trovoadas,
enquanto a assombrosa canção matutina do udu-de-coroa-azul anuncia o “tempo
dos macacos gordos” (pico da estação chuvosa de junho a agosto) e as rajadas de
gorjeios agudos do pipira-vermelha indicam o começo do “tempo da fruta da
pupunha” (de janeiro a março). Por fim, as fortes estridulações das grandes cigarras
marcam a chegada de Omoari a, o ser da estação seca.

À esta escuta atenta às vozes da floresta, junta-se uma preocupação não menos
zelosa dos caçadores de se comunicar com os animais que eles esperam atrair ao
alcance de suas flechas, relacionando-se com estes pela imitação do chamado de seus
companheiros, de seus congêneres do sexo oposto ou de seus descendentes. Este
amplo repertório de simulações de vozes de animais geralmente utiliza chamados
assobiados de vários tipos[13] (huxomuu) ou imitações fônicas baseadas em
onomatopeias. O único chamado desses que eu vi ser usado pelos Yanomami é um
assobio produzido por um apito de madeira em forma de “T” utilizado para
falsificar o chamado da anta.

Os animais que são possíveis “chamar” (nakai) e “fazer responder” (wã huamãi) na
floresta são, é claro, múltiplos. Em função da variedade de talentos dos meus
interlocutores, pareceu-me, durante nossas conversas, que essas iscas acústicas
poderiam ser utilizadas para a maior parte dos animais caçados pelos Yanomami,
desde os tucanos, araçaris, araras, jacamins, jacus, mutuns, codornizes, de grandes a
pequenos inhambus até antas, queixadas, veados e onças, cutias, macacos-aranha,
macacos bugios, caxiús-preto e cairaras. Essas capacidades de imitação acústica se
estendem para além da atividade cinegética, vindo a cobrir quase toda a vida
selvagem na região da floresta conhecida e percorrida pelos caçadores (é assim que a
maioria dos nomes de pássaros yanomami é formada a partir da onomatopeia de
seus cantos)[14].

As técnicas de caça através de iscas acústicas destinam-se a “fazer correr” (rërëmãi)


um animal em direção a um caçador que esconde sua aparência humana sob uma
máscara sonora para se tornar, ao menos por meio da voz, um dos seus congêneres
animal (semelhante, parceiro ou filho). Estas técnicas são, portanto, concebidas como
estratégias de sedução ou ternura projetadas para tornar a caça acessível e dócil,
waroro, termo que descreve igualmente as disposições abertas e generosas das
relações amigáveis, amorosas ou parentais (o verbo waroroai significa “deixar-se
deslizar”). No entanto, os Yanomami usam, para descrever o resultado desta isca
sonora, o mesmo termo que designa a artimanha vingativa reservada aos aliados
desleais ao atraí-los para uma festa intercomunitária reahu por falsas demonstrações
de amizade com a intenção de flecha-los (nomihirimãi). Ouçamos a história, por Davi
Kopenawa, da caça por chamariz de uma anta:

Quando um grande caçador de antas segue os rastros de um desses animais na


floresta para o flechar, ele imita sua voz e, aproximando-se dele, faz com que ele
responda ao chamado. Isto é assim quando o rastro de uma anta ainda está fresco e
ela está por perto, deitada no mato. Nós imitamos sua voz, então, para atraí-la e
poder acertá-la. Nós lhe dizemos: “assobio de dois tons agudo” e ela responde:
“ẽẽẽẽiii!” Então ele sai da vegetação emaranhada. Continuamos imóveis e ainda a
chamamos: “assobio”. Ela responde: “ẽẽẽiii!” e então se aproxima: “tëk tëk tëk!”
(imitação dos passos). Em seguida, falamos com ela de perto: “série de cliques
duplos aspirados”, ficando ainda escondidos para enganá-la porque senão ela fugiria
imediatamente. Então começamos novamente: “séries de cliques aspirados, séries de
assobios agudos”. Se ela suspeita e quer voltar atrás, tentamos novamente: “dois
longos assobios”. Então ela volta e corre para nós pensando que este é o chamado de
seu filhinho[15].
A comunicação que a atração acústica procura estabelecer, mesmo na forma de um
diálogo, não é, evidentemente, apenas uma. Sua mensagem, uma falsa-semelhança
interespecífica, se se mantém brevemente como uma ilusão de familiaridade, não
espera por qualquer outra resposta do animal que não seja a realização de seu
destino de caça para satisfazer a “fome de carne” (naiki) canibal dos seres humanos.
Canibal, porque os animais atuais, descendentes dos ancestrais animais dos
primeiros tempos, são considerados como um povo humano com outra aparência
(corpo):

No início, os animais eram humanos, mas eles se tornaram caça. Embora ainda
humanos, eles agora têm a falsa aparência de animais e são moradores da floresta
apenas porque é o lugar onde eles se metamorfosearam. Eles assim pensam nos
humanos de hoje: “Nós somos as mesmas pessoas que eles, mas eles têm um tal
desejo pela nossa carne que nós acreditamos que sejam como seres malignos! Mas
eles não são. Eles são nossos companheiros!”. Isso mesmo. Somos outras pessoas do
mesmo tipo que os animais e ainda as comemos![16]

Davi Kopenawa termina sua descrição da caça à anta com uma série de
onomatopeias evocando a morte do animal: “thaiii (estalo da corda do arco atirando)!
kosho (impacto da flecha)! uwooo hoo hoo hoo (gemidos de dor da anta)! tëk tëk tëk
(passos de sua fuga) kurai (som de sua queda)!” O uso de onomatopeias e ideofones
é onipresente na arte narrativa dos Yanomami, mais uma vez demonstrando a
importância do ambiente acústico da floresta nas formas ameríndias de expressão
linguística. Mas, além dessa riqueza mimética habitual, quando os narradores
querem acentuar a delicada intensidade de alguns episódios de sua história, como é
o caso aqui, eles amplificam esta propensão à iconicidade sonora a ponto de
substituir inteiramente as proposições descritivas de sua narração por sequências de
onomatopeias codificadas. É então, por estas sequências de imagens fônicas
perfeitamente óbvias para o seu público, que eliminam totalmente as restrições
formais da narrativa dos acontecimentos relatados, escolhendo se esforçarem para
restaurar uma experiência de simulação acústica o mais próximo possível da que
partilham com o universo sensível da floresta[17].

Amoã hi ki: as árvores com cantos

Os coros de cigarras, anfíbios ou macacos bugios são descritos na língua Yanomami


pelo verbo herii. Este termo também designa o canto coletivo dos humanos. Assim,
durante as suas grandes festas funerárias reahu entre casas aliadas, homens e
mulheres Yanomami cantam, noite após noite, alternadamente, os cantos (amoã
pë[18]) que são destinados a celebrar a abundância de alimentos cerimoniais vindos
de suas plantações (bolos de mandioca, cozidos de banana, suco de fruta da
pupunha) e de animais caçados e defumados para a ocasião. Cantando, as mulheres
se movem para frente e para trás na praça central da casa coletiva, alinhadas em uma
ou mais linhas e martelando seus pés no chão[19]. Enquanto isso, os homens
percorrem um atrás do outro a circunferência da praça central, caminhando ou
promovendo uma espécie de corrida dançada. Esses grupos são guiados por uma
cantora ou cantor conhecidos por sua voz e repertório, a quem é também conferido o
papel de solista. O solista, que é chamado de “árvore dos cantos” (amoã hi), entoa sua
melodia primeiro sozinho e então a boca na curva de seu braço direito lhe repete
enquanto o cantor coloca a mão em seu ombro para promover ressonância em sua
voz. Imediatamente em seguida, seus companheiros reproduzem seu canto em um
coro cuja a uníssona é muitas vezes prejudicada por explosões de riso ou imitações
de jovens brincalhões em meio à euforia.

Os amoã pë consistem em frases musicais muito curtas, algumas das quais são
repetidas ritmicamente. Altamente apreciadas e populares, elas são trocadas por
cantores durante o reahu e circulam entre os grupos aliados em vastas áreas do
território Yanomami. Seu conteúdo é geralmente composto de notas fugazes a partir
dos movimentos e sons observados na floresta (de animais, frutas, ventos, rios), à
maneira de haicais livres apoiados por uma linha melódica simples:

“Keakeamuu keakeamuu a-ëëë (bis)! Wixa xina a ka keakeamuu keakeamuu a-ëëë!”

[Ela sobe e desce, sobe e desce! A cauda do macaco saki preto sobe e desce!]

“Reiki reiki kë-ëëë (bis)! Mõra maki uxuhu a ka reiki reiki kë-ëëë!”

[Pendurados, pendurados! Os frutos maduros da árvore Dacryodes burseraceae


pendurados, pendurados![20]

A origem dessas canções é atribuída a Yõrixiamari a, o ancestral mítico do sabiá-da-


mata. Escutados à corrente das margens do rio onde os machos da espécie se reúnem
em grupo à noite para dar concertos coletivos, seus cantos consistem em uma
alternância de frases musicais melodiosas. O mito diz que Yõrixiamari a, chegando
um dia inesperadamente a uma festa de reahu dada por mulheres-sapos, fica com
medo de seus feios coaxos e acaba ensinando-lhes sua própria maneira de cantar. No
entanto, a origem dos cantos amoã pë, pelas quais nenhum autor humano é
reconhecido, é atribuída às distantes “árvores com cantos” (amoã hi ki) criadas pelo
demiurgo Omama nos confins da floresta urihi a; cada um desses cantos é
correspondente a um dos dialetos regionais yanomami.

Os xamãs Yanomami veem essas árvores vocalistas sob a forma de enormes troncos
cobertos de bocas vibrantes e adornadas com plumas tão brancas que cegam, os
quais deixam escapar infinitos cantos harmoniosos. Como explica Davi Kopenawa,
os cantos amoã pë apresentados nas festas reahu “são as imagens de melodias
provindas das árvores amoã hi ki. Os convidados que os apreciam os mantêm em
seus […] peitos para que possam ser reproduzidos posteriormente nas festas que
fizerem em suas casas. É assim que os cantos se espalham de casa em casa[21].”

O aprendizado das canções dos espíritos auxiliares xapiri é o alfa e o ômega de


qualquer iniciação xamânica yanomami:
Se nos candidatarmos a responder o xapiri, as imagens do pássaro yõrixiama a e da
árvore com cantos reã hi chega até nós rapidamente. Eles nos emprestam sua
garganta e fortalecem nossa língua. Como resultado, as palavras do canto dos
espíritos aumentam depressa dentro de nós, como num gravador. Nós bebemos a
yãkoana[22] com os olhos fixados em sua dança de apresentação e assim perdemos
todo o medo de cantar na frente das pessoas da nossa casa[23].

Os cantos que os espíritos xapiri entoam através de seus “pais” xamãs têm o mesmo
nome que os dos coros herii (amoã pë) e dizem ter se originado das mesmas “árvores
com cantos”. Certa vez foi dito que os espíritos tinham que cortar ramos das
“árvores com cantos” para adquirir suas melodias[24], e as gaitas oferecidas durante
as primeiras visitas dos napë pë (estrangeiros, “brancos”) eram assim também
qualificadas como “árvores com cantos”. Mais recentemente, são os gravadores que,
por sua vez, foram designados por essa expressão (ou a expressão de “objetos do
sabiá-da-mata”, yõrixia kiki). A descrição do modo de aquisição de seus cantos pelos
xapiri seguiu essa mesma relação semântica:

Os espíritos dos sábia yõrixiama e dos japim ayokora – mas também dos pássaros
sitipari si e taritari axi – são os primeiros a acumular esses cantos em grandes cestos
sakosi. Colhem-nos um por um com objetos invisíveis semelhantes aos gravadores
dos brancos. Porém, os cantos são tão numerosos que nunca se pode esgotá-los!
Entre esses espíritos de aves, os dos sábia yõrixiama a são realmente os sogros das
canções, seus verdadeiros mestres[25].

Os pássaros mencionados são todos, como o sabiá-da-mata, cantores notáveis. No


entanto, não são seus próprios cantos que os distinguem como tal, mas sim sua
surpreendente capacidade de imitação. Entre eles, o japim é particularmente notável,
tanto nos termos de sua estética e de sua visibilidade, quanto de seu excepcional
talento como poliglota. Essa ave dos extremos da floresta, que vive em grandes
colônias, é realmente capaz de imitar mais de quarenta espécies de pássaros,
mamíferos, anfíbios e insetos ou mesmo os sons vindos das casas humanas (gritos,
choros, latidos) interpondo suas imitações dentro de seus próprios cantos e
chamados[26].

Trata-se, portanto, de uma espécie de cantor emblemático, um meta-cantor capaz de


reproduzir a maioria das músicas de animais da floresta. Sem dúvidas, é por esta
razão que o espírito xapiri desta ave possui uma importância tão peculiar no
xamanismo Yanomami: é o único espírito que permite aos xamãs regurgitar à vista
de todos as plantas de feitiçaria e os objetos malignos que eles extraem do corpo dos
doentes. O mimetismo sonoro do japim lhe confere esse privilégio xamânico que
ecoa o mimetismo ontológico dos xamãs, cujo trabalho consiste justamente em se
identificar com as “imagens” dos ancestrais animais dos primeiros tempos que eles
“chamam”, “fazem descer”, e “fazem dançar” na forma de espíritos auxiliares,
adotando sua subjetividade e sua expressão vocal[27].
Em geral, podemos observar, durante as sessões xamânicas yanomami, dois modos
de “tornar-se imagem” e se identificar com os espíritos xapiri. De acordo com o
primeiro modo, os xamãs executam uma dança de apresentação[28] própria dos
espíritos que chamam, e seus cantos narrativos descrevem, apesar da distância, e
com um grande luxo de detalhes estéticos, a aparência e os movimentos dessas
entidades, bem como as paisagens cosmológicas ou situações mitológicas em que
eles se transformam[29]. De acordo com o segundo modo, frequentemente mais
curto e esporádico, o corpo do xamã é repentinamente apanhado por uma relação de
identidade mais estreita com os xapiri específicos que eles invocam sucessivamente.
Sua gestualidade e sua vocalização – tornadas sucessões de onomatopeias animais –
referem-se muito diretamente àquelas dos ancestrais dos animais presentificados por
seu corpo.

É esta vocação mimética – esse “tornar-se-imagem xapiri” (xapiripruu) – visando


restaurar a condição humana e animal dos primeiros antepassados e deixar as
tribulações mitológicas da especiação para trás, que vem a ser o objeto primordial de
aprendizado dos jovens xamãs. A dimensão acústica desta experiência de regressão
ontológica, que é o desafio de sua iniciação, é primordial, como explica Davi
Kopenawa:

Quando inalamos o pó de yãkoana, não distinguimos mais tão bem os seres humanos.
Eles assumem uma aparência perturbadora com fedor de fumaça, e seu barulho se
torna assustador. No momento em que o poder da yãkoana cresce em nós, nos
tornamos muito agitados e é impossível ficar descansando na rede. Apenas a floresta
parece boa e você só se sente bem quando a ouve. Isto é assim porque os xapiri
querem ser ouvidos apenas no silêncio dos humanos. Eles odeiam nosso burburinho
e fogem assim que o ouvem.

Uma vez mortos sob o efeito de yãkoana, vemos as árvores se tornarem seres
humanos, com olhos e boca. Também ouvimos as vozes dos animais da floresta
falando como eu estou fazendo agora. Nós os compreendemos claramente. Aqueles
que não tomaram yãkoana não podem vê-los. Eles ouvem suas vozes apenas através
de nossas canções em que os espíritos se nomeiam eles mesmos. Eles acham que
essas palavras são realmente belas. Nessas canções, os xapiri descrevem os lugares
desconhecidos de onde vêm, evocam lugares habitados por outros humanos e
florestas e colinas distantes que visitaram.

Quando alguém morre sob o efeito de yãkoana, nossa cabeça e nossa boca encolhem.
Os xapiri se revelam para nós e só os ouvimos. Eles são vistos como uma nuvem
iluminada por plumas ou abelhas. Eles aparecem e desaparecem constantemente.
Quando eles dançam juntos, suas músicas são realmente lindas. Primeiro ouvimos
suas vozes chegarem a nós como o zumbido de um besouro voando. Então
distinguimos pouco a pouco suas bocas, seus olhos e seus ornamentos. É quando
podemos realmente respondê-los imitando-os.[30]
Yaro pëã hwaiwii pëã: a origem das línguas animais

A maioria das “histórias dos primeiros tempos” (hapao tëhëmë thëã) que os antigos
yanomami contam são sobre as vicissitudes finais de uma época em que homens e
animais ainda eram indistintos. É por uma longa série de caprichos,
desentendimentos e transgressões relatados por essas histórias que os primeiros
ancestrais, os Yarori pë[31], perderam sua condição “humanimal” original. Essa
perda, cujas vicissitudes são contadas com um humor muitas vezes exuberante, é, no
entanto, considerada um infortúnio fundamental. O tempo que essas histórias
descrevem é o de uma separação ontológica lamentável entre humanos (predadores)
e animais (comestíveis; de caça)[32]. É, literalmente, o “tempo do mal-devir dos
ancestrais” (në pata pë xi ka wãrirãeni tëhë), o “tempo do devir-caça dos ancestrais” (në
pata pë ka yaroprariyoni tëhë).

Durante suas sucessivas metamorfoses, esses antepassados perderam corpo e língua


humana em troca de uma multiplicidade de “peles” (pei siki) e “vozes” (pei wã[33])
animais que apresentam as características em virtualidade de sua zoonimia original.
Além disso, suas imagens interiores (utupa pë[34]) também deram origem a muitas
classes de espíritos xamânicos como a variados nomes ancestrais contidos nessa
zoonimia[35]: “Os antepassados Yarori pë dos primeiros tempos se transformaram
em espíritos xapiri e em animais. Suas imagens se tornaram xapiri e suas peles se
tornaram animais de caça[36].”

Ao contrário de nosso evolucionismo naturalista, aqui são os animais que


descendem do homem[37]. A animalidade e suas descontinuidades emergem de
uma humanidade original que condensa os atributos dessas duas ordens e ainda
continua a constituir sua base comum. Deste ponto de vista, os seres humanos não
têm nada a ver com uma “natureza animal” anterior e exterior de que seriam o ápice
e da qual estariam destinados a se tornar “mestres e possuidores”. Eles antes
constituem, muito mais humildemente, um dos muitos povos existentes que habitam
o vasto mundo da Terra-floresta urihi a e formam a paisagem cosmopolitíca e
interlocutiva desse todo.

Por conseguinte, os Yanomami consideram que as diferentes espécies animais e as


pessoas que eles englobam são povos igualmente dotados de subjetividade e
sociabilidade (qualidades primárias) como as pessoas humanas (em suas
variedades), e que se distinguem apenas pela sua corporalidade e suas diferentes
vocalizações (qualidades secundárias). As cores e os padrões das plumagens e
pelagens são, nesse aspecto, tantas quanto as pinturas corporais, assim como os
gritos e chamados são tantos quanto as línguas naturais; todos são traços distintivos
adquiridos como resultado da metamorfose dos primeiros antepassados. É assim
que em uma das histórias dos primeiros tempos se reporta à origem das cores dos
animais e de suas línguas[38], história cujo anti-herói é Sarigue (Narori), um
pretendente risível e preguiçoso que, vendo-se lamentavelmente rejeitado, inventou
a feitiçaria para ser capaz de se vingar de seu rival mais afortunado, o mestre do
mel[39]. Tendo matado Sarigue, esmagado por uma rocha enorme contra o tronco
oco onde ele havia se refugiado depois de ter matado seu rival, os ancestrais dos
animais usaram o seu sangue, seu cérebro e sua bile para adquirir cores e os
desenhos distintivos de suas penas e vestidos (esta é também a origem das pinturas
corporais humanas de agora):

Então, uma vez que eles terminaram, começaram a tentar falar suas línguas. Naquela
época a floresta ainda era nova e crua, cheirava muito bem. As pessoas animais se
reuniram em grande número e alguns, que se tornaram araras, começaram a dizer:

“Nós que estamos aqui, nós vamos primeiro experimentar nossas palavras! Mas
como vamos conversar? Não! Não devemos nos perguntar isso! Nós vamos falar
como araras! Vamos nos fazer ouvir da seguinte forma: ããã ã ã ã ã ! “

Os outros responderam: “Sim! Tente-as primeiro!

– As nossas palavras são bonitas também?

– Sim, elas são belas!

– Muito bem! Vamos todos conversar assim! ããã ã ã ã ã !”

Eles imediatamente proferiram exclamações de alegria: hi! wẽ wẽ wẽ wẽooo!” E


voaram para longe em bandos barulhentos para o topo das árvores onde eles estão
se alimentando desde então[40].

Muitos grupos / espécies de ancestrais dos primeiros tempos repetiram o mesmo


diálogo antes de se tornarem animais e se estabelecerem em seus diferentes habitats
florestais de hoje. Os Yanomami consideram que as vocalizações animais são formas
de linguagem equivalente às das “pessoas humanas” (yanomae thë pë) e os termos
que descrevem sua comunicação são muitas vezes os mesmos que são aplicados à
comunicação humana (conversas, diálogos cerimoniais, cantos, lamentações). Além
disso, a descrição da biofonia florestal por um “mise en sons” das conversas animais
sob a forma de cadeias de onomatopeias e diálogos humanos é também uma
constante nas histórias Yanomami sobre a floresta, tais como as descritas neste
exemplo sobre a riqueza do despertar progressivo dos cantos e dos chamados dos
animais.

Longe do nosso antropocentrismo, os Yanomami julgam que os animais são


humanos antigos que assumiram a aparência (uma pele) de animais de caça aos
olhos dos humanos de hoje (mais tarde criados pelo demiurgo Omama), embora
mantendo sua subjetividade original. A partir dessa premissa, portanto, eles
acreditam que os animais, apesar de sua diferenciação corporal, sempre concebem os
humanos como seus pares (habitantes de casas). Meus interlocutores, assim que nos
aproximávamos do assunto, não deixaram de insistir no fato de que, a esse respeito,
os humanos são, sem dúvida, animais, ou antes “outros” animais (ai yama ki hwëtu)
[41]. Eles às vezes complementam explicando que, por outro lado, os xapiri
derivados da imagem dos primeiros ancestrais consideram os seres humanos como
fantasmas, enquanto esses espíritos são eles mesmos, para os animais, “pais” (yaro pë
hwiie pë) dos quais eles são apenas “representantes” imperfeitos na floresta.

Não é surpreendente, portanto, e em última análise, que a um cosmopolitismo


ontológico dos pontos de vista humano e não humano esteja intimamente ligado um
poliglotismo “humanimal” de igual complexidade; poliglotismo que, para os
Yanomami, dá toda a sua textura sonora à “calma silenciosa” da floresta (tisi ã wai) e
se opõe ao “clamor desordenado” (tisi ã thethe) da cidade. O confronto entre esse
silêncio ordeiro da polifonia de vozes da floresta e nossa cacofonia industrial, que
obstrui o pensamento em uma sobrecarga de escuridão (nas palavras de Davi
Kopenawa) é precisamente o cerne do trabalho de Bernie Krause, que, como poucos,
soube encontrar nos povos autóctones seus mestres em escutar.

Paris, dezembro de 2015[42]

Notas

[1] Alguns especialistas preveem uma perda de 40% de sua cobertura florestal até
2050; ver Britaldo Silveira Soares-Filho et al., “Modelling Conservation in the
Amazon Basin”, in Nature, vol. 440, n° 7083, 23 mar 2006.

[2] Ver Eduardo Góes Neves, “Arqueologia da Amazônia”, Jorge Zahar Editor, Rio
de Janeiro, 2006 ; coica.org.ec ; Francisco Queixalós et Odile Renault-Lescure (dir.),
As línguas amazônicas hoje, ISA-MPEG, São Paulo, 2000.

[3] Ver William Balée, “Cultural Forests of the Amazon. A Historical Ecology of
People and Their Landscapes”, University of Alabama Press, Tuscaloosa, 2013 ;
Charles R. Clement et al., « The Domestication of Amazonia Before European
Conquest », in Proceedings of the Royal Society B, vol. 282, n° 1812, 7 ago 2015.

[4] Ver Russell Alan Mittermeier et al., “Wilderness and Biodiversity Conservation”,
in Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 100, n° 18, 2 set 2003.

[5] Sementes e frutos de árvores caídas no chão ou de disponibilidade direta no


dossel da floresta. A decomposição de folhas mortas na floresta fornece poucos
nutrientes.

[6] Ver Leslie E. Sponsel, “Amazon Ecology and Adaptation”, in Annual Review of
Anthropology, vol. 15, out 1986.
[7] Ver Kenneth J. Feeley et Miles R. Silman, “Extinction Risks of Amazonian Plant
Species”, in Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 106, n° 30, 28 jul
2009.

[8] Devemos o conceito de biofonia (sons de origem biológica não humana) ao


notável trabalho de Bernie Krause; Ver “Le Grand Orchestre Animal”, Flammarion,
Paris, 2013.

[9] Frutos tóxicos tornados comestíveis uma vez cortados em fatias e colocados em
uma sucessão de inúmeras imersões no fluxo de um rio e um longo cozimento em
água fervente.

[10] Uma criação sonora inspirada neste tema (Hẽa, de Stephen Vitiello) foi
apresentada na exposição Yanomami, o espírito da floresta apresentada na Fundação
Cartier de Arte Contemporânea em 2003.

[11] Esta citação de Davi Kopenawa, assim como a maioria das informações
anteriores, vem de uma conversa com Bruce Albert e Stephen Vitiello na Casa
Coletiva de Watoriki em janeiro de 2003.

[12] Os sinais acústicos heã também podem estar associados a eventos de origem
humana (aproximação de feiticeiros,de convidados, guerreiros, visitantes brancos),
bem como à personagens e eventos míticos ou xamânicos. O termo heã se aplica aos
cantos propiciatórios relacionados aos alimentos cerimoniais das grandes festas
reahu.

[13] Assobios simples (soprados ou aspirados) feitos com a ajuda de uma folha
dobrada, os dedos, o estreitamento do lábio inferior ou da bochecha, como também
com as mãos entrelaçadas em concha.

[14] Os Yanomami distinguem animais que podem se “fazer vir à nós por imitação”
(haxamãi) daqueles que “nos contentamos de apenas imitar a voz” (wã uëmãi pio),
como em uma história de caça ou uma história mítica.

[15] Extraído de uma conversa entre Davi Kopenawa, Bruce Albert e Stephen
Vitiello, Watoriki, janeiro de 2003.

[16] Trechos de conversas entre Davi Kopenawa e Bruce Albert, Watoriki, 1997.

[17] Ver Eduardo O. Kohn, “Runa Realism. Upper Amazonian Attitudes to Nature
Knowing”, in Ethnos, vol. 70, n° 2, 2005.

[18] De amo, “centro”, “interior”, e ã, “o som”, “a voz”.

[19] A metáfora Yanomami aproxima “martelar” à pisada dos cervídeos (haya


mahasimuu)

[20] Esses dois exemplos vêm da região do Rio Catrimani e datam da década de
1970. O recente CD Reahu heã. Cantos da festa yanomami, produzido pela associação
yanomami Hutukara, contém cerca de vinte exemplos dessas músicas transcritas e
traduzidas.

[21] Davi Kopenawa e Bruce Albert, La Chute du ciel. Paroles d’un chaman
yanomami, Plon, Paris, 2010, p. 118. As “árvores dos cantos” às vezes também são
chamadas yõrixiama hi ki, “árvores sábia” ou pelo nome xamânico de reã hi ki.

[22] Pó alucinógeno.

[23] Davi Kopenawa e Bruce Albert, op. cit., p. 168.

[24] Ver o capítulo 4 da tese de de Maria Inês Smiljanic, O corpo cósmico.

O xamanismo entre os Yanomae do Alto Toototobi, Universidade de Brasilia, Brasilia,


1999.

[25] Davi Kopenawa e Bruce Albert, op. cit., p. 116.

[26] Ver Thiago V. V. Costa, Christian B. Andretti et Mario Cohn-Haft, « Repertório


vocal e imitação de cantos em Cacicus cela na Amazônia central, Brasil », in XV
Congresso Brasileiro de Ornitologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2007. O sabiá de Lawrence é provavelmente o mais talentoso
pássaro poliglota da Amazônia. No entanto, sua grande discrição (floresta primária
fechada, canto no alto dossel, pouco visível corporalmente e apenas presente na
parte mais ocidental do território Yanomami) provavelmente o fez se eclipsar no
universo xamânico desses índios pelo japim (Mario Cohn-Haft, em comunicação
pessoal).

[27] Os xamãs são qualificados por “pessoas espirituais” (xapiri thë pë) enquanto a
ação xamãnica se nomeia “agir em espírito” (xapirimuu).

[28] Esta dança de apresentação é aquela reproduzida por convidados em festas


reahu

entre casas coletivas.

[29] Existem vários exemplos de músicas narrativas traduzidas por jovens


Yanomami letrados no CD da associação Hutukara já mencionado.

[30] Trecho de uma conversa entre Davi Kopenawa, Bruce Albert et Stephen Vitiello,
Watoriki, janeiro 2003.

[31] “Humanos com nomes de animais”, os Yarori pë são, literalmente, o “povo


animal das origens”.
[32] O termo traduzido neste texto por “animais” significa em yanomami “caça”
(yaro pë), em oposição a “animais domésticos” (hiima pë) que não são comestíveis. Os
seres humanos primordiais eram canibais, e os humanos tornaram-se caçadores. Os
animais mantêm sua interioridade humana original, o canibalismo selvagem dos
primeiros tempos foi substituído por este canibalismo derivado, tão equilibrado, que
é a caça.

[33] A palavra wã (ou ã) significa tanto “ruído”, “canto”, “voz” e “palavra”. O verbo
wã hai pode assim ser genericamente traduzido como “emitir um som” ou, mais
especificamente, “falar”.

[34] O conceito de utupë a (plural utupa pë) refere-se, entre outras coisas, à imagem
corporal de qualquer pessoa humana ou não humana como princípio de identidade
vital. Também se refere à forma ontológica original de tudo que existe no “primeiro
tempo”, forma cujo componente da pessoa em questão é uma espécie de vestígio
interior.

[35] Os xapiri pë retêm a aparência humana dos ancestrais animais de onde vieram,
mas de uma forma infinitesimal. Além disso, cada nome de espírito constitui uma
classe de entidades (espécies) que abrange uma multiplicidade infinita de seres de
imagem idênticos (indivíduos).

[36] Trecho de uma conversa entre Davi Kopenawa e Bruce Albert, Watoriki, 1997.

[37] Sobre este ponto, ver Claude Lévi-Strauss citando Constantin Tastevin sobre os
Kaxinawá na introdução de “La Potière jalouse” (Plon, Paris, 1985, p. 14).

[38] Existem várias versões desse mito em Johannes Wilbert et Karin Simoneau,
“Folk Literature of the Yanomami Indians”, UCLA Latin American Center
Publications, Los Angeles, 1990, p. 229-268. Esta é uma versão gravada em 2003 com
o sogro de Davi Kopenawa. Esta história evoca um tema clássico da mitologia
ameríndia: “L’Origine de la couleur des oiseaux”, in Comme un oiseau, Fondation
Cartier pour l’art contemporain / Gallimard, Paris, 1996. Esta versão tem, no
entanto, a originalidade de tratar da escolha de dialetos animais menos usualmente
destacados.

[39] Sarigue é um personagem famoso das Mitológicas de Claude Lévi-Strauss, e


seria interessante analisar a presença incomum nesse tipo de mito. O Sarigue, ou
gambá comum, é um pequeno marsupial conhecido por seu mau cheiro. Ele é
dotado, além disso, de uma longa cauda descascada e de um pêlo opaco e amarelado
misturado com preto, o que lhe confere, segundo Buffon, “uma figura
desagradável”. Solitário, noturno e onívoro, é também um pobre caçador. Seu rival é
frequentemente associado com abelhas yamanama naki (Scaptotrigona sp.),perfumadas
e muito apreciadas.

[40] Histórias de Lourival Yanomami à Bruce Albert, gravadas por Stephen


Vitiello,Watoriki, janeiro de 2003.
[41] Variante yanomami do “animismo padrão” segunda a expressão de Philippe
Descola (“Par-delà nature et culture”, Gallimard, Paris, 2005, p. 198).

[42] O autor deseja expressar sua gratidão a Stephen Vitiello (artista) por fornecer
generosamente suas gravações com os Yanomami de 2003. Ele também agradece a
Helder Perri Ferreira (lingüista) e a Mario Cohn-Haft (ornitólogo) por sua paciência
e a precisão de suas respostas a suas perguntas durante a redação deste artigo, bem
como Uirá Garcia (antropólogo) por comunicar sobre seu trabalho em curso sobre a
etno-acústica da caça ao awá-guajá (ver Uirá Garcia, Karawara. “A caça e o mundo
dos Awá-Guajá”, tese de doutoramento, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010,
capítulo 7).

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5 de novembro de 2018
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