Resenha
Peer t
ey rede
Caer
ZuLa Garcia GiGLio
Doutora em Psicologia da Educagio ¢ pesquisadorado Centro de Meméria/Unicamp-CMU
“As sociedades iradicionais sao fihas da meméria.e a meméria é a base
do equilibrio das tradigGes. A memdria liga os fates entre sie properciona a
compreensio do todo. Para compreender a sociedade tradicional indigena é
preciso entender o papel da memoria na organizagao da trama da vida.” (p 32).
ividido em dez. pequenos capitulos, este
liveo trata dos aspectos bisicos de um
processo educacional, sendo escrito do ponto de
vista de um educador pertencente ae povo
indigena Munduruku, Seu autor € um indio deste
povo ¢ hi muitos anos dedicase a tarefa de
educar criangas ¢ jovens; possui formagio
académica convencional: cursou Faculdade
(Historia ¢ Psicologia), pds graduou-se
(Antropologia Social), mantém atividades
aecadémicas dentro e fora do Brasil e também
envolvese no trabalho de resgatara cultura de
seu povo e de outros povosindigenas do Brasil.
Daniel Munduruku inicia seulivro—o tice
que escreveu para adultos até agora— discutindoo
valor da conseitneia da ancestralidade come
elemento fundador do equilibrio eda idemtidade,
Defende a idgia de que nio hd felicidade sem
identidade, a qual, por sua vez, nio se completa
semligagdes histéricas ¢ continuidadeseulturais,
Traz a complexa questo dos valores aa
educagio, denunciando a mixagem econfusio de
papdisreinantesna Escolacna Familiaeno imbito
de suas relagdes miituas. Pela dtica do indio
discriminado, falae exemplifica o proconceito da
civilizacio ocidental ao diferente, explicivando as
representagies do indie na cultura brasileira que
contribuem para visdes negativas do indigena no
discursoda Escola, nolivro didético. Portrazerao
leitoro duplo Angulo critica - 0 do india e o de
cidadio que é ~ seu texto possui aangiicia necessiria
para provocar no leitor insights sobre com-
portamentos e concepgSes, permitindo uma
compreensio simples ¢ clara de quais sio as
curgéncias da EducacSo hoje
Discorre depoissobreo papel da meméria
naorganizacio da vida: comoa meméria (ancestral)
confere significado e sentido is regras. Falasobre
comoa Nanureza pode ensinar adisciplina essencial
avide.
RESGATE (10), 2001. Giglio, ZG. [20Resenha,
Explica areveréncia pela terra entre os povos
senas ¢ os principios de organizagio que esta
revertndiarege:
1) A visio daterracomo mie;
2) Todosos homens vimo-mesmo caminho
eomesmo valor;
3)O mundo tem umaalmas
4) Existe uma gratidiio essencial Mite Terra.
A manifestago desta gratidio & que faz.0
homem ser o banquete dos deuses. O compor-
tamentoharménico eco-criaive do homem com
scumeio ecom seus pares € que geraacnergia que
mantém os deuses vives e dispostes ainvestirna
humanidadeeem seu planeta... Esta éamevifora
dapropostaindigenapara nossa sobrevivéncia e
felicidade, dai o nome do livre que explica com
simplicidade o para qué-da cdtucacio.
O Autor desenvolve em seguida a idéia da
vida como teia, segundo a tradigio do pave
Mundurikusestamos—tudo e todos ~interligados.
Desta concepgia emerge sua metodologia. O
primeiro passo educative ¢ ouvir os jovens ouvir
seus suules —e ensinddus a ouv irene si usm.
) na socedade indigena, educer € arroncar de dentro
parsfiral_ ~ pig. 7.
A convivéncia estreita com os pais 6, da
propria, oaprendizado do ambiente, das arelas, de
tudo que & necessirio & sobrevivieia, Todos
participam: avidada familia ¢ vivida inte re
portodos ¢énaturalmente que cada um se apossa
do saber de todos, através dessa vivénda partilhada.
Fala da mentalidade brasileira “iaglirmtrire
transferidora de responsabilidad" (pig. 81), queleva a
uma letargia de certa forma cultivada pelos
mecanismosdedifusio ideologicado Estado, Conta
ahistéria dos drgios governamentais voltados para
oindio eoefeito desastroso de sua politica para as
comunidades indigenas, desde os primeiros tempos
dasexpedigdesdo Mal. Rondon até chegara Funai
dos anos 90. Comenta com indignac3o, mas
também com serenidade, que a indiferenca dos
brancos pela dizimago dos povos indigenas tema
mesma raiz da letargia do povo diante dos
desmandos politicos. Segundo o autor,emnossa
sociedadeas pessoas no perceberam que somos
todos uma unidade, um organismo, cuja vida
depende da interagio responsivel de cada parte do
todo, por isto nossa sociedade padece ainda de
tantosdesequilibrios.
Ele discorre sobre o respeito ¢ prioridade
concedidos ts pessoas mais velhas - embora elas
niio sejam as detentorasdo-conhecimento, que é
partilhado por todosnatribo. “4 ela (a pessoa mais
vvelha) ¢ dao o dirito ce ser mesie ede exercer si
sabedoria” (pig. 92).
Faladaoralidade tio exencial i nossacultura,
herdada dasinfluénciasindiaeafricana,¢ do poder
da palavra, ferramentado educador queo Autor
considera como sendo ainda.a essencial.
As referéncias bibliogrificas sie todas
vomeutatlas pelo autor no final. Com isto 0 leinor
tem aoess0a uma compreensio maisamph dotexto
e das raaiies pelas quais as diversas obras foram
citadas pelo excritor, Ainda, leitor ganha uma
orientacio para evenvuais leieuras no ambivo da
temiticada obra,
OO Beniguete das Duvets ¢ uma leitura significativa
especialmente porque o educador quea produztraz
oponto devistade um grupo minoritario, sendo
capaz. de fazer com legitimidade uma critica de
dentro para foradealguns principios quetém regido
a politica nacional deeducacio. De forma bastante
clara ecom simplicidade, este livro provocainsights
quanto a preconceitos mal advinhados naculturae
a posturas hegembnicas destrutivas dentro do
sistema educacional.
120
RESGATE (10), 2001. Giglio, ZG. p. 119-120