CRIMINOLOGIA
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Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-229-9
CDD 364
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SUMÁRIO
1.2 CONCEITO................................................................................................................................ 9
1.3.1 Classificação............................................................................................................................10
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2.1.3 Divisão do crime ......................................................................................................................25
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3.3.4 Violência política .....................................................................................................................52
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5.3.1 Histórico sobre o penitenciarismo no Brasil.........................................................................87
5.7.1 Privatização.............................................................................................................................102
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................107
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1 A CRIMINOLOGIA E ANOMIA
Na Idade Média, São Tomás de Aquino (1226/1274) considerava a miséria um dos fatores da
criminalidade. No século XVIII, as obras de Beccaria, com seu esforço renovador, e as iniciativas de
John Howard despertavam imenso interesse pelos problemas jurídico-penais, abrindo caminho para os
estudos criminológicos.
Certos animais, por exemplo, da mesma espécie, vivem em comum, mas os mais fortes
devoram os mais fracos, isso é comum entre os peixes. É habitual não só o canibalismo entre os
animais, mas o infanticídio e o parricídio. Como exemplo, a fêmea do crocodilo, que às vezes come
seus filhotes que não sabem nadar e ainda há roedores, como a fêmea do rato, que devora seus
filhotes quando molestados.
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rústicos, tais como, pancadas redobradas no ventre.
No Japão e na China, segundo Marco Polo, o infanticídio era uma forma de reduzir o
crescimento populacional. Da mesma maneira, na América e na África.
Na África, quando as mulheres não podiam criar seus filhos, desesperadas pela fome, os jogavam no
rio.
Na Europa, Ásia, África e América havia o hábito de matar os velhos e os doentes. Além do
que, ocorriam homicídios de crianças, mulheres e homens sadios, seja por motivos religiosos, seja por
instintos ferozes. Às vezes, por ira, as disputas conjugais acabavam pelo assassinato da mulher; o
marido, após matá-la, comia o seu coração com um guisado de cabra.
Enrico Ferri (1856 a 1929), penalista e político italiano, professor da Universidade de Siena,
na Itália, embora não contestasse a teoria lombrosiana, destacou outro aspecto na formação do
criminoso:
Já Rafael Garofalo (1978) destacou que “o crime não era visto apenas pela sua gravidade,
mas também pela periculosidade do agente, com o exame da periculosidade do criminoso, diante do
direito penal.” O autor foi quem batizou a nova ciência com o título da obra, “Criminologia”, que publicou
em 1916. Assim, deve-se a Lombroso, Ferri e Garofalo a sistematização e o lançamento das bases
científicas da criminologia.
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1.2 CONCEITO
A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez em 1883. É uma ciência que estuda o
fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas, que isolada ou cumulativamente atuam
sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labores-terapêuticos ou pedagógicos de
reintegrá-lo ao grupamento social. Ou, ainda, define-se Criminologia como “ciência empírica e
interdisciplinar” que se ocupa da circunstância da esfera humana e social, relacionadas com o
surgimento, a comissão ou omissão do crime, assim como o tratamento dos violadores da lei.
Para ele, a criminologia é a ciência social ou não é ciência. Ciência social filiada à sociologia
e não à outra ciência social solta.
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1.3 CLASSIFICAÇÃO E OBJETO DA CRIMINOLOGIA
1.3.1 Classificação
A criminologia ainda poderá ser desmembrada em dois ramos, como por exemplo:
Criminologia Geral e a Criminologia Clínica. A primeira é encarada em razão de suas tendências, dos
tipos criminosos e da violência empregada. A segunda, em última instância, tem por finalidade o estudo
da personalidade do delinquente e o seu tratamento. A Psiquiatria Criminal se restringe à perícia
psiquiátrica e à avaliação da responsabilidade criminal. No plano científico, na verdade, a Criminologia
Clínica principia o momento em que finda a Psiquiatria Médico-Legal, melhor dizendo, onde se
abandona o domínio patológico.
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a) Ciências Histórico-Filosóficas: História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito
Penal Comparado.
1.3.2 Objeto
A Criminologia tem objeto independente e determinado. Sendo uma ciência realista e não
normativa possui como objeto a dimensão naturalística do evento criminoso.
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• Biologia, sob o aspecto da biotipologia criminal e estudo das doenças mentais.
A moral penetra então, de fora para dentro, como uma cunha, na criança, sob a forma de
regras de conduta, impostas pela força.
• A Psicologia que embora não tenha o privilégio de explicar as razões que levam o
homem a furtar, a agredir e a matar, contribui com o estudo da conduta ou comportamento do ser
humano. Psicologia Criminal é o ramo da Psicologia que estuda as manifestações psíquicas, por meio
da classificação dos processos psíquicos do homem delinquente.
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psíquicas. Psicanálise Criminal é o ramo da Psicanálise que se dedica ao estudo da personalidade do
delinquente, partindo das angústias e dos complexos de culpa que o afligem, levando-o à procura da
bebida, da droga, enveredando pelos caminhos do crime, para a solução dos seus problemas íntimos.
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adota a posição crítica reservada às dúvidas sobre a utilidade e os resultados sobre o valor da
Psicanálise na Criminologia. Já outros defendem sua utilidade principalmente para os delinquentes
sexuais.
O estudo do Direito Penal pode abranger unicamente seu conteúdo normativo, ou ainda
outras áreas disciplinares correlatas aos fenômenos sociais que integram as infrações e as penas. Sob
o conteúdo normativo, valorativo e interpretativo, o Direito Penal também é conhecido, como preferem
seus estudiosos, como Dogmática Jurídico-Penal, que nada mais é que a teoria do Direito Penal.
Já a Política Criminal dirige sua finalidade para uma exegese crítica do direito penal vigente,
estabelecendo critérios aptos a torná-lo um ideal de justiça, efetivamente condizente com a realidade
social do meio aplicável. Tem por pressupostos critérios de oportunidade e atualidade. Precisamente,
consiste naquele setor da política que guarda relação com a forma de tratar a delinquência (refere-se
ao conjunto de critérios empregados ou a empregar no tratamento da criminalidade).
O Direito Penal é definido como uma disciplina jurídica da reação social contra o crime.
Entende como fatos juridicamente tipificados como crimes, enquanto a criminologia entende como os
pressupostos naturalísticos do crime, considerada como fenômeno individual ou como de massa. Isso
quer dizer que o Direito Penal é uma ciência normativa, que impõe regras de conduta, eminentemente
proibitivas, punindo àqueles que as violam.
O Direito Penal, sendo uma ciência normativa, é a ciência da repressão social ao crime, por
meio de regras punitivas que ele mesmo elabora. O seu objeto, portanto, é o crime como um ente
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jurídico e, como tal, passível de suas sanções. Entre o Direito penal e a Criminologia há uma relação
de necessidade, fornecendo os indicadores da criminalidade para as ações estratégicas.
O movimento criminológico do Direito Penal teve início com os estudos do médico italiano e
professor em Turim César Lombroso, expondo suas teorias e abrindo nova etapa na evolução das
ideias penais. O Direito Penal tem por objeto o estudo das normas penais, com enfoque sistemático, e
a Criminologia possui o encargo de estudar o delito não como fato jurídico, mas, geralmente, como fato
social, visando fortalecer os instrumentos de prevenção e repressão.
A criminologia ocupa-se de estudar também o crime e o infrator, mas não sob o aspecto
normativo interpretativo e sim sob o prisma sociológico, biológico, natural, englobando toda a
fenomenologia dos delitos e também das penas. A Criminologia é uma ciência causal-explicativa, tem
por objeto a incumbência de não só se preocupar com o crime, mas conhecer o criminoso, montando
esquemas de combate à criminalidade.
Assim, a Criminologia não é uma ciência jurídica, mas pré-jurídica, porque contribui não só
para o aprimoramento da elaboração da norma penal, como para o tratamento adequado do criminoso
e melhor realização da justiça penal. Tanto pelo método quanto pelo objeto o Direito Penal e a
Criminologia não se confundem, constituindo ciências autônomas.
Mas observamos que há enorme influência da Criminologia sobre o Direito Penal, no tocante
dos estudos e pesquisas criminológicas, não só do ponto de vista de encarar o ser humano, como
agente do crime, no sentido de que a pena tenha finalidade mais terapêutica e de ressocialização do
que punitiva, como também do ponto de vista da interpretação da natureza da ação ou omissão
criminosa, em função e consideração de determinadas contingências sociais, isto é, os fatores
criminológicos que podem e devem ser neutralizados, pois constituem causas da criminalidade.
É importante frisar que Criminologia e direito penal têm que atuar em conjunto para que
permita ao Estado uma política criminal que consiga, efetivamente, prevenir e controlar a criminalidade.
Atualmente, a Criminologia evoluiu para um estágio denominado de Criminologia Crítica, que procura
enxergar não somente os fenômenos do delito, como também questionamentos sobre fatos relevantes
não somente ao autor, mas aos órgãos de controle social.
Assim, tanto a criminologia como o direito penal estudam o mesmo objeto, qual seja, o delito.
Mas divergem quanto ao método. Não obstante, junto com a Política Criminal se completam, formando
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o universo das ciências penais. Colaboram ainda, em um mesmo terreno, a Medicina Legal e a
Criminalística.
Valorar a ação humana e definir se algo é indesejável ou não, frequentemente denota a ideia
de um direito distinto do Direito Positivo, ou seja, o direito posto e o imposto pelo Estado,
fundamentado na ideia de que certo e errado são determinados por um padrão eterno, universal e
imutável.
Imaginar um Direito Natural significa conceber uma ordem normativa natural como expressão
da natureza das coisas e adequada à vida prática, ao senso comum, o conjunto de opiniões e
sentimentos que nos são impostos pela tradição e por pressentimento. Por pressentimentos ou tradição
somos levados a definir determinadas condutas como irritantes, perigosas e até mesmo crime, e a
reconhecer que existe gente malvada, irrecuperável, até mesmo por conta da personalidade voltada ao
crime.
É claro que esses crimes são indissociáveis desse quadro social. O mesmo vale para as
drogas, juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino.
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Oferecem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas pelo mercado de
trabalho. Outros, como os operadores do tráfico de armas, que atuam no atacado, levando dinheiro no
mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza nem da desigualdade, suas práticas são
estimuladas, geralmente, pela impunidade.
Grandes cidades como Nova York, Boston, Filadélfia e Buenos Aires somente sobreviveram e
se viabilizaram graças à pirataria, ao comércio ilegal sustentado por sua clientela de receptadores,
funcionários corruptos e consumidores que, assim como hoje, não dispensam os serviços do crime
organizado. No caso do narcotráfico é preciso acabar com o círculo vicioso (traficantes e consumidores
de drogas), pois uma ponta alimenta a outra.
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1.8 EXPRESSÃO SOCIOLÓGICA DA CRIMINOLOGIA
Para que o sistema social se mantenha em equilíbrio é importante que haja uma
padronização dos comportamentos dos seus membros, sem a qual ela entra em processo de anomia.
Em qualquer sociedade do mundo, por mais eficientes que sejam as suas normas de conduta e bem
estruturadas e aparelhadas as suas instituições jurídicas, vamos encontrar comportamento de desvio,
como um verdadeiro fenômeno universal.
É importante distinguir “causa” de “fator” que são coisas diferentes, mas muito confundidas.
Por “causa” entende-se aquilo que determina a existência de uma coisa: a circunstância sem a qual o
fenômeno não existe, pois o agente é o causador do fenômeno social, sua origem, princípio, motivo ou
razão de ser. Eliminada a causa, o fenômeno haverá de desaparecer.
Já o “fator”, embora não dê causa ao fenômeno, concorre para a sua maior ou menor
incidência. É a circunstância que, de qualquer forma, concorre para o resultado. Pode-se dizer, por
exemplo, que a pobreza é um fator de criminalidade, porque, segundo estatísticas, a maioria da
população carcerária é constituída de pessoas provenientes das classes sociais mais humildes. Mas
não é certamente a causa de crime, porque há um número muito grande de pobres que não delinquem.
Pode-se dizer, ao mesmo tempo, que o analfabetismo e a ignorância são outros fatores de
criminalidade, porquanto na mesma população carcerária podemos encontrar boa parte de pessoas
analfabetas ou portadoras apenas de instrução primária. Mas não é causa de criminalidade, porque há
milhões de analfabetos no Brasil que não enveredam pelos caminhos do crime. Devemos nos
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preocupar com as causas e não com os fatores.
Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias nações mundiais, são dos mais
diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma marca que vem sangrando há
gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes culturas. E há casos em que ela é gerada
de forma pessoal, quando a própria pessoa constrói fatores que acabam resultando em situações
violentas, como o desrespeito, o uso de drogas, a ambição e até mesmo resultado da educação
familiar. Não adianta combater os fatores sem eliminar as causas. Seria como secar a árvore daninha,
arrancando-lhe simplesmente as folhas, sem cortar-lhe a raiz.
O conceito de anomia, como tantos outros conceitos sociológicos, passou por várias
modificações por meio de diversos autores. Durkheim, sociólogo francês, usou a palavra anomia (falta
de lei ou ausência de norma de conduta) pela primeira vez, em seu famoso estudo sobre a divisão do
trabalho social, em um esforço de explicar certos fenômenos que ocorrem na sociedade.
De acordo com a Teoria de Durkheim (2007), “a causa comum está no fato de o homem ter
em princípio desejos ilimitados. Somente a sociedade pode impor regras, ou seja, colocar limites aos
desejos do indivíduo, propiciando um equilíbrio entre as necessidades pessoais e os meios disponíveis
para obter satisfação. No caso de uma brusca mudança das condições econômicas, os indivíduos
perdem as referências anteriores e a sociedade não consegue imediatamente impor novas regras.
Nessa situação caótica podem desencadear-se os desejos ilimitados, como por exemplo: o
rico que vive uma catástrofe não pode conformar-se com a sua nova realidade e isso o leva ao
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desespero. Por outro lado, a pessoa que enriqueceu bruscamente entra em uma dinâmica de ambição
insaciável: entra em luta contínua e árdua e o menor insucesso pode levá-lo também ao desespero,
não conseguindo mais distinguir entre aquilo que deseja obter e realmente pode obter. Trata-se de uma
situação de perda de referenciais.
Só quarenta anos depois, Robert King Merton, sociólogo americano, escreveu um artigo
famoso de apenas dez páginas, que teve o mérito de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral
da anomia. Segundo sua teoria:
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Assim, segundo Merton, o insucesso em atingir as metas culturais devido à insuficiência dos
meios institucionalizados pode produzir o que ele denomina de anomia. Acontece quando o indivíduo
não respeita as regras de comportamento que indicam os meios de ação socialmente aceitos. Surge
então o desvio, ou seja, o comportamento desviante. Um exemplo típico refere-se à criminalidade, mas
também podem ser incluídas as faltas disciplinares, os comportamentos não convencionais e os que
demonstram desinteresse pelas metas culturais. Em todos esses casos, detecta-se a inobservância
das regras de conduta social.
• Ritualista - abandona as metas sociais e inverte os valores quanto aos meios. Esse
comportamento torna-se prejudicial à sociedade. Por exemplo: quando as autoridades recusam
mudanças ou reformas sociais, mesmo sabendo que as instituições e legislações não estão adequadas
às realidades sociais, renuncia às metas, apegando-se aos meios.
• Evasão - rejeita as metas culturais e valores (renuncia a tudo que a sociedade oferece
ou determina), como por exemplo: hippies ou comportamentos autodestrutivos, alcoolismo e
dependentes de drogas.
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filosofia de que os fins justificam os meios, ainda que não sejam socialmente aprovados. Procuram
vencer na vida sem fazer força. E no aspecto positivo visam criar novos meios, mais eficientes para
realização dos meios sociais, inovações que trouxeram benefícios à sociedade, desenvolvimento, como
por exemplo: a luz elétrica.
A criminologia pertence ao âmbito das ciências empíricas, significando que seu objetivo
(delito, delinquente, vítima e controle social) se insere no mundo real, do verificável, do mensurável, e
não dos valores. Que conta com um sólido substrato ontológico, apresentando-se ao investigador como
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um fato a mais, como um fenômeno da realidade.
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2 CRIME E SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO
2.1. CRIME
2.1.1. Conceito
O crime é um fato típico, antijurídico e culpável, para fins de aplicação de pena. É a conduta
humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. O crime é, antes de
qualquer coisa, um fato que vem previsto em lei e do qual pode resultar a pena cominada na regra
sancionada. É um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídicos-penalmente)
protegidos.
Crime ou delito é a violação da norma contida no texto penal. Tal definição baseia-se na
afirmativa de que todo o direito penal alicerça-se sobre o binômio “delito e pena”. O comportamento
delituoso do homem pode revelar-se por atividade positiva ou omissão. Porém, para constituir delito,
deverá ser ilícito, contrário ao direito e revestir-se de antijuridicidade.
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2.1.2 Elementos do crime
Em uma visão inicial e panorâmica do fato típico punível do crime, são elementos do crime:
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Portanto, a diferença entre eles resume-se em que no crime doloso a pessoa efetua o ato
“com a intenção de causar algum dano a outro indivíduo”, isto é, ela tem o propósito de cometer o
crime e consegue o resultado, pois doloso se origina da palavra dolo, que significa má-fé, ação
praticada com a intenção de violar o direito alheio.
Já quando o crime é culposo significa que o agente do ato não teve a intenção de praticar o
mal, não tinha a intenção de praticar o crime, mas mesmo assim obteve o resultado. Não havendo
intenção de o agente cometer determinado crime, a pena para um crime culposo é bem menor do que
a de um crime doloso.
A classificação dos criminosos, feita por Enrico Ferri, considerada em 1885 como a melhor no
Congresso Internacional de Criminologia, em Roma, são as seguintes:
• Criminoso habitual – é aquele que faz do crime uma profissão. Vive para o delito. Sai
da prisão para voltar a delinquir, vive constantemente cumprindo pena.
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delito. O criminoso passional confessa amplamente o delito praticado, sinceramente se arrepende,
razão pela qual quase sempre se suicida ou tenta seriamente fazê-lo.
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2.3.2 Sistemas de comportamento
A cada variedade de crime corresponde não apenas uma definição jurídica, contida na lei,
mas também um ou mais sistemas de comportamento ou de ação social de estrutura estável, cujas
funções transcendem as necessidades dos infratores, gerando até mesmo benefícios no sistema social
como um todo, usando como referência as definições contidas na lei.
A relação íntima que caracteriza a maioria desses crimes violentos, às vezes, facilita o
trabalho da polícia na descoberta do agressor, mas também dificulta o controle das ações,
frequentemente enredadas em situações de emotividade, como triângulos amorosos, desavenças,
briga por dinheiro e disputas por propriedade, envolvendo pessoas que se conhecem e até se amam.
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ou para obter alguma vantagem econômica.
É possível conceituar crime organizado como àquele praticado por, no mínimo, três pessoas,
permanentemente associadas, que cometem determinados crimes de forma reiterada, em consonância
com a realidade de cada país. O conceito de crime organizado varia conforme a visão daquele que o
estuda. Segundo Alberto Franco:
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tipos de atividades clandestinas, irregulares e ilícitas, que encontram, nesse cenário difuso das
relações humanas e no avanço tecnológico mal utilizado, campo fértil para fazer germinar a semente
da criminalidade organizada, que passa a contar com uma série de elementos que permitem o
desempenho racional de atividades ilícitas, voltadas a fornecer à sociedade bens e serviços de
obtenção difícil, por isso mesmo caro e rentável.
O fenômeno do crime organizado não mais é negado pelas agências formais internacionais,
havendo estimativas concretas das cifras que seus negócios movimentam no mundo. Sistema
criminoso importante, mas coberto apenas superficialmente pelo Código Penal.
O crime contra a paz pública, por exemplo, envolve incitação e apologia ao fato criminoso,
formação de quadrilha ou bando, que diz respeito a atividades especializadas, de uso ou ameaça para
recorrer à força, violência, coerção e causar dano ao patrimônio, em geral praticadas por criminosos
profissionais ou gangues, que perpetram crimes como sequestro e roubo de carga, têm objetivos
financeiros e envolve armamento pesado, planejamento cuidadoso e coordenação precisa. Ou seja, o
crime organizado possui estrutura, base, ramificações, poder e agilidade. Enfrentá-lo exige, no mínimo,
organização também.
Definido esse contorno básico das organizações criminosas como ente e do crime organizado
como fenômeno criminológico, surge uma segunda dificuldade, agora ligada às estratégias de
neutralização e combate a essa criminalidade específica. A criminalidade organizada, especialmente a
narcocriminalidade, tem evoluído muito nos últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que
dispõem de meios financeiros de origem ilícita e cuja capacidade operativa supera as das clássicas
organizações de delinquentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se mostram
insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações e aproximar-se dos seus chefes.
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passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados
pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou micro câmeras instalados
nos ambientes por eles frequentados comprometendo, assim, a obtenção da prova.
É preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que implica no
treinamento constante de sua força, sem o que qualquer ação nesse campo do crime organizado
restará ineficaz. Ainda é necessária a especialização do Ministério Público, como já vem acontecendo
em vários estados, com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações
criminosas.
Entretanto, tomando por base o ponto do qual parte o objeto desse estudo entende-se que
nenhuma delas chegará próximo da eficácia, caso se ignore a relevante característica de conexão do
crime organizado com o poder público. Realmente, se tivermos em mente que este ponto de estratégia
é fundamental para assegurar o desempenho, ocultação e impunidade de suas atividades, qualquer
medida que se imagine será facilmente neutralizada, do momento em que a organização possua uma
eficiente rede de conexão com órgãos públicos, capaz de amortecer, de alguma forma, a atuação das
agências de combate.
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entra e sai com facilidade.
Observamos que existem diferenças entre crime de colarinho branco e crime organizado. O
primeiro são os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; crime da elite, que atinge a coletividade e
abala a estrutura econômica do país. Há desvio de verbas, sonegação fiscal, fraude em concurso
público, expedição irregular de alvarás, licenças, tráfico de influência, entre outros.
Já o crime organizado é formado por bando ou quadrilha, com vínculo permanente e estável,
possui estrutura, base, poder, agilidade. A estrutura desse crime pode ser rígida e hierárquica, isolada
em relação ao mundo exterior, de estilo nitidamente familiar, como a máfia, cujos capôs e tenentes
comandam amplas redes de soldados (marginais, policiais, prostitutas, menores infratores, etc.).
O crime organizado pode ter dimensões de grande empresa (a droga, por exemplo, possui
fases de industrialização, exportação e distribuição, em que entram em cena enormes somas de capital
investido em infraestrutura, laboratórios, matérias-primas caras, vendas controladas, etc.
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Os crimes de colarinho branco são perpetrados por empresários, profissionais e funcionários
do governo, no decurso de suas funções normais. Esse crime não é o meio de vida nem a carreira
escolhida por essas pessoas, mas uma coisa que ocorre em conjunto com suas atividades legítimas.
Da mesma forma em relação aos adultos, diversas causas endógenas e exógenas influem
sobre a conduta delituosa do menor. Essas causas podem ser de natureza genética, psicológica,
patológica, econômica, sociológica ou familiar. Assim como adultos psicopatas, o delinquente juvenil
com essa natureza é desprovido de sentimentos de culpa ou remorso, características inerentes às
pessoas de bem. São más em suas essências.
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2.4.1 Delinquência juvenil (Causas sociais)
Em relação aos fatores criminógenos, de natureza exógena, relacionados ao meio social, aos
aspectos psicológicos e psiquiátricos, que atuam negativamente sobre a criança e o adolescente,
destacam-se:
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criança não nasce totalmente má, nem totalmente boa. A maldade e a bondade são adquiridas na
formação familiar, pois não é necessário questionar que um jovem desencaminhado, em sua maioria, é
vítima de maus cuidados morais e higiênicos, em que vive a maior parte das famílias que residem nas
favelas, resultado da estrutura social e política posta em ordem no país.
Para Roberto Lyra, “as causas da criminalidade começam e acabam na sociedade. Para
Heleno Cláudio Fragoso (1991, p. 441):
Importante destacar que os crimes cometidos na faixa etária do menor são consequentes do
sistema capitalista implantado no mundo. Vivendo nesse sistema, as pessoas nunca estão satisfeitas
com o que têm, querem sempre mais. A grande jogada do capitalismo é a propaganda. Outra
consequência é a desigualdade social, uns tendo de sobra (porém, ainda querendo mais), e outros não
tendo nada. Essa disparidade social e, em contrapartida, o desejo incontrolado de consumo causam as
manifestações dos atos delituosos.
Agora, é importante frisar que o desvio dos jovens não acontece somente nas classes sociais
de baixa renda, mas também com àqueles de classe média alta, destinados a um bom ensino escolar,
dispondo de facilidades como automóveis e excelentes vestimentas. Sem limites, estes se entregam ao
crime, geralmente por adquirirem o vício de drogas ilícitas e, em consequência de tal dependência,
furtam acessórios e veículos.
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muito bem elaborada, entretanto, não é mais possível permitir que fique somente no papel. O
cumprimento desse princípio inclui manter a criança e o adolescente dentro da escola e longe da
criminalidade. A lei é boa, mas para ser eficiente necessita ser aplicada. Para isso é preciso
entrosamento do governo, do legislador, enfim, do Estado e do povo.
Sempre que nos deparamos com crimes bárbaros cometidos por crianças e adolescentes,
somos tomados por um sentimento de grande perplexidade. Isso acontece porque os seres humanos
têm grandes dificuldades em acreditar que existem crianças e adolescentes genuinamente más. As
crianças costumam ser associadas de forma universal à bondade, à pureza e à ingenuidade.
Reconhecer que a maldade existe, de fato, é uma realidade com a qual não gostamos de
lidar. Ficamos estarrecidos com aquilo que desafia a racionalidade humana e foge à compreensão do
que consideramos ser uma criança ou uma pessoa normal. Na Inglaterra, em 1993, dois garotos de 10
anos assassinaram brutalmente um menino de apenas dois anos de idade, perto de Liverpool. Ele foi
sequestrado, abusado, torturado e morto com golpes de pedra e ferros na cabeça. Os assassinos
tentaram esconder o corpo no fundo do poço, mas forjaram um desastre de trem e o largaram sobre os
trilhos da linha férrea. O bebê foi cortado ao meio.
Esse foi um dos crimes que mais chocou a Grã-Bretanha e o mundo. Os assassinos foram
julgados e condenados como adultos à prisão, por prazo indeterminado. Mas, sob protestos e
indignação populares, em 2001, eles foram soltos de forma sigilosa e com novas identidades. Essa
decisão foi motivo de debates e controvérsias: se a Inglaterra teria sido dura demais em condenar os
dois assassinos com idades precoces ou se afrouxou excessivamente em libertá-los.
Como dois indivíduos de apenas 10 anos, deliberadamente, puderam planejar um crime com
tamanha crueldade? É possível que eles não tivessem a menor ideia do que estavam fazendo? Será
que toda a trama sórdida, requintada de maldade e de total frieza foi fruto de mentes imaturas e
inconsequentes? Compreende-se que, independentemente da idade dos assassinos, as respostas se
resumem ao fato de serem meninos perversos. O certo é que essas questões servem para reflexão.
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Nos Estados Unidos, volta e meia à população defronta com casos que envolvem crianças e
adolescentes que matam de forma impiedosa, como tiroteio em escolas, etc. O Brasil, infelizmente,
também faz parte desse cruel panorama, como o caso que aconteceu em fevereiro de 2007, um crime
monstruoso que chocou todo o país, quando o menino João Hélio Fernandes, de apenas seis anos de
idade, foi arrastado até a morte por mais de sete quilômetros pelas ruas da Zona Norte do Rio de
Janeiro.
O crime ocorreu depois que o carro em que João Hélio se encontrava foi assaltado. A mãe e
a irmã mais velha conseguiram escapar, mas o garoto ficou preso no cinto de segurança, enquanto os
criminosos arrancavam com o carro em alta velocidade. Eles andavam em zigue-zague com o veículo,
tentando se livrar do menino. Após prisão dos cinco envolvidos, constatou que um deles era menor de
idade. Esse crime provocou revolta e mobilizou toda a sociedade pela sua brutalidade. O Brasil
protestou contra a violência e o descaso das autoridades.
O clamor social acaba demandando atitudes por parte de nossos legisladores, com o intuito
claro de dar uma satisfação imediata à sociedade. Não é de hoje que vários projetos são apresentados
com o objetivo de mudar as leis que cuidam de menores infratores, que ao final caem em
esquecimento. Com isso, em resposta a essa comoção, àquilo que estava guardado na gaveta pulou
para a ordem do dia. Entre algumas medidas podemos destacar as seguintes:
• Projeto de Lei n° 287, de 2000, do deputado Darcísio Perondi, que altera o ECA, com
objetivo de aumentar o tempo máximo de internação de adolescentes que entram em conflito com a lei.
O prazo de três anos passaria para oito quando se tratasse de crimes como drogas e quando
houvesse grave ameaça ou violência à pessoa (homicídios e crimes hediondos, como sequestro,
latrocínio e estupro). Esse projeto já foi aprovado pela comissão de Segurança Pública da Câmara dos
Deputados, que ainda está em tramitação e divide opiniões.
Existe uma dificuldade em se estabelecer o momento exato a partir do qual o indivíduo pode
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ser considerado responsável por suas ações. O desafio para se fixar uma idade mínima para a
imputação penal é tão complexo que em todos os países do mundo é motivo de muita polêmica e
discussões acaloradas. Para que tenhamos uma ideia do problema, vejamos as idades mínimas para a
responsabilidade penal em diversos países:
• EUA (em alguns estados, a partir de 6 anos de idade, cabendo ao juiz decidir se o
jovem infrator deverá ser julgado como adulto ou não).
• Inglaterra (desde 1967 não tem idade mínima preestabelecida. Uma criança de 10
anos ou menos pode ser julgada como adulto, dependendo da gravidade do crime e de acordo com os
costumes do próprio país).
Não podemos esquecer que as necessidades de adotarmos uma idade penal mínima têm
como base a ideia universalmente aceita de que crianças não possuem discernimento sobre o certo e o
errado. Além do mais, elas ainda não desenvolveram controle adequado sobre seus impulsos.
Dessa forma, crianças não podem ser culpabilizadas por suas atitudes ilícitas. A maioridade
penal hoje estabelecida se deve ao fato de que alguns pesquisadores e muitos legistas abraçam a tese
de que durante a adolescência o cérebro está sujeito a intensas transformações biofísicas. Dessa
forma, os comportamentos, impulsivo, imediatista e explosivo dos adolescentes são explicados, em
parte, pela imaturidade biológica de seus cérebros, o que impede que tenham um comportamento
38
plenamente adequado.
Cientistas de diversos países, como do Inglaterra, EUA, Canadá e Austrália, fizeram testes
em crianças e adolescentes com comportamentos frios e transgressores e revelou que eles
apresentam critérios de psicopatias semelhantes aos dos adultos, inclusive com os mesmos riscos
elevados de reincidência criminal. De acordo com esse ponto de vista podemos afirmar que alguns
indivíduos menores de 18 anos, independentemente da maturidade biológica de seus cérebros, já
possuem uma personalidade disfuncional. O comportamento e o temperamento desses jovens
funcionam como os de pessoas plenamente desenvolvidas, que sabem perfeitamente distinguir o certo
do errado e que compreendem o caráter ilícito dos seus atos.
Importante destacar que os jovens que cometem tais tipos de delitos o fazem em função de
sua natureza fria e cruel. Como não se bastasse, eles são favorecidos por uma legislação específica
que atenua as suas punições, propiciando de forma quase irresponsável a liberdade precoce e a
reincidência criminal. Pelo ECA, o tempo máximo permitido em internações é de três anos, mesmo que
o crime tenha sido de natureza cruel.
Acrescenta-se a isso o fato de que, após ter cumprido as medidas socioeducativas, seus
antecedentes criminais não ficam registrados. Se eles reincidirem após os 18 anos, são considerados
réus primários. Isso implica dizer que suas fichas criminais voltam a ficar limpas, como se nunca
tivessem cometido nenhum delito.
Não podemos contestar que o ECA trouxe avanços, como em relação à violência contra
crianças, ao trabalho infantil, mas sua parte punitiva se mostra excessivamente complacente com
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menores que comentem crimes graves. O caso a seguir exemplifica de forma bem clara a deficiência
dessas leis:
Por tudo que foi exposto, não há dúvidas de que estamos diante de um grande dilema. Como
observamos a problemática do menor no Brasil não é de natureza jurídica, em grande maioria é de
natureza política e socioeconômica. A recuperação de adolescentes infratores, em especial quando
envolve a privação de liberdade, ainda é o maior ponto fraco da aplicação do estatuto.
Nossa consciência coletiva está ficando cada vez mais perdida diante de tantos
acontecimentos bárbaros, fazendo com que a sociedade não saiba mais de que lado ficar, para onde
seguir. E, tudo isso, chegou nesse estágio porque os valores fundamentais, previstos na Constituição e
no Estatuto da Criança e do Adolescente, estão desacreditados, afinal não acontecem, parece que não
existem.
No Brasil, as maiores cidades do país vivem tendo problemas com seus adolescentes
infratores. O que fazer quando criminosos perversos nesse país são menores de idade? Que medidas
podem ser tomadas para que a sociedade não fique à mercê de jovens de natureza tão ruim? Reduzir
a maioridade penal? Criar novas leis? Ou tentar uma melhor solução?
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profissionalização de padaria, artefato de cimento, horticultura, informática, artes gráficas e lapidação,
além de atividades artísticas e esportivas.
Mantido pela secretaria do trabalho e ação da Bahia, com apoio de diversas entidades, é um
dos projetos brasileiros mais elogiados pela UNICEF. Os menores vivem em ambiente de comunidade,
em seis casas na sede da CASE, livres, mesmo em um espaço fechado. Dormem em quartos com
capacidade para três adolescentes e recebem tratamento médico e odontológico. O ambiente e o
tratamento em nada lembram a maioria dos explosivos presídios para adolescentes infratores do Brasil.
São indivíduos que cometem uma série de homicídios, com um intervalo entre eles, durante
meses ou anos, até que seja preso ou morto. As vítimas têm o mesmo perfil (prostitutas, crianças,
idosos) e mesma faixa etária, sexo, raça etc. As vítimas são escolhidas ao acaso dentro desse perfil e
mortas sem razão aparente, objeto da fantasia do homicida serial. São criminosos que matam várias
pessoas num período de horas, dias ou semanas, e não passa por fases e se acalma até precisar
matar novamente. Ele pode parar de matar tão rápido quanto começou.
Para ser considerado um homicida serial é necessário que um assassino faça mais de três
vítimas e que se passe um intervalo de tempo mínimo entre um assassinato e outro. Esse intervalo
varia de acordo com o criminoso com o qual se está lidando, ele pode ser de dias, semanas, ou até
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meses. Quanto mais crimes ele comete, mais se afunda em sua fantasia, portanto sente cada vez mais
vontade de continuar matando. Por isso, um homicida serial raramente deixa de matar. Na maioria das
vezes ele prossegue com seus crimes até que seja preso ou que morra.
Temos exemplos, como os casos da condessa húngara do século XVI, que adorava tomar
banho em sangue, pois acreditava que assim permaneceria com aspecto jovem. O número estimado
de moças assassinadas para levar a cabo 10 anos de tratamento de beleza varia entre 40 e 600.
Também há o caso de Alexander (Sasha) e Lyudmila Spesivtsev, que atraía suas vítimas das ruas e
estações de trem para sua casa, localizada na cidade de Novokuznetsk, Sibéria, como crianças de rua,
donas de uma aparência agressiva e adulta, mas desesperadamente abandonadas, famintas e viciadas
em cola. Crianças que, em geral, fugiram de pais bêbados e violentos.
Spesivtsev matou no mínimo 19 crianças de rua, que ele via como detritos da sociedade,
como futuros viciados e prostitutas. Com a ajuda de sua mãe, Lyudmila, ele as cozinhava e comia. Na
prisão, gastou todo tempo sendo submetido a testes psiquiátricos e escrevendo poesias sobre o
demônio da democracia. A mãe internou-se em si mesma e não emitiu uma palavra desde sua prisão.
O casal Fred e Rosemary foi acusado de matar 10 mulheres e jovens durante um período de
16 anos, terminado em 1987. Eles gostavam de atrair fugitivas com oferecimento de carona,
alojamento ou trabalho de babá. Depois de dominadas dentro de sua “Casa dos Horrores”, as meninas
eram despidas, amarradas com fita adesiva, estupradas, torturadas e depois mortas, desmembradas e
enterradas. O casal foi preso em sua casa letal, onde foram descobertos restos mortais também de sua
filha de 16 anos.
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3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
3.1 VIOLÊNCIA
3.1.1. Introdução
Foi criado, a partir dessa mentalidade excludente, estigmas de cor, religião, raça e
diferenciação social, que absorvidos pela população moldaram um contexto de autoritarismo, que faz
parte da personalidade de todo brasileiro, infelizmente, até os dias atuais. Nossa sociedade,
constantemente envolta por problemas sociais e econômicos, ressente-se de traços de solidariedade e
do referencial de cidadania.
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Cidadania é entendida apenas como direito ao voto e à participação política. Repensar a
participação política e a cidadania está na raiz da discussão da violência no Brasil. Dessa forma, a
violência não é um fenômeno recente. Na nossa história, atos extremamente violentos, em que muitas
das vezes ocorreu a coação da pessoa, foram encabeçados pelo Estado ou tiveram o seu
consentimento. A violência também está presente na vida privada. Estamos falando da violência
doméstica, contra criança e contra a mulher, resultante em maior parte da incompreensão, falta de
diálogo, crise conjugal e situação financeira difícil.
O termo deriva do latim violentia, ou seja, força ou vigor contra qualquer coisa ou ente. Dessa
forma, violência é o uso da força que resulta ferimentos, tortura ou morte, ou o uso de palavras ou
ações que machucam as pessoas ou, ainda, abuso do poder. A violência é característica do animal
humano, faz parte dele, provém do instinto. Porém, após o longo processo de civilização do ser
humano, conseguimos atenuar o nível de violência do homem, classificando-o como civilizado.
Civilizado significa capaz de conviver em harmonia com outro ser humano. Para àqueles
incapazes de conviver em harmonia criamos a segregação, ou seja, separação do ser humano
impossibilitado de ser civilizado. Essa solução é o ápice ao qual chegamos para a solução do problema
atualmente, pelo menos do ponto de vista da aprovação social. Segundo o Dicionário Aurélio, violência
“é a ação ou efeito de violentar, de empregar força física, contra alguém ou algo, ou ainda, intimidação
moral contra alguém”.
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Para a Comunidade Internacional de Direitos Humanos:
A violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis, como a vida,
a propriedade, a liberdade de ir e vir, de consciência e de culto. Políticos, como o
direito a votar e a ser votado, ter participação política. Sociais, como habitação,
saúde, educação, segurança. Econômicos, como emprego e salário. Culturais, como
o direito de manter e manifestar sua própria cultura.
Violência é um comportamento que causa dano à outra pessoa, ser vivo ou objeto. Invade a
autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro. Diferencia-se de força, palavras
que costumam estar próximas na língua e pensamento cotidiano. Enquanto força designa, em sua
acepção filosófica, a energia ou firmeza de algo, a violência caracteriza-se pela ação corrupta,
impaciente e baseada na ira, que não convence ou busca convencer o outro, simplesmente o agride.
Sendo assim, a violência é um dos temas mais avassaladores, dentre tantos quantos
assaltam nossa preocupação quotidiana, tanto nas ruas e nos campos quanto nas rodovias e nas
cidades. Violência dolosa, violência culposa, violência preterintencional. Violência é o uso abusivo ou
injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento, tortura ou morte.
Existe uma grande diferença entre violência e criminalidade, pois há crimes que não são
cometidos com violência física e existem atos violentos que não constituem crime, por exemplo, Luta
de Box, Karatê, esportes com golpes violentos que muitas vezes fraturam ou provocam cortes, mas
que não são considerados crimes. Já uma briga de rua tem caráter violento e se trata de um crime. A
violência e criminalidade não são sinônimas. Enquanto a violência é constrangimento físico ou moral, a
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criminalidade é a expressão dada pelo conjunto de infrações que são produzidas em um tempo e lugar
determinado, é o conjunto dos crimes.
O que vemos também é que há uma guerrilha urbana contra a comunidade e o Estado, que
se caracteriza, por exemplo, por meio de assalto a banco, rapto de pessoas influentes e mesmo um
sequestro relâmpago (tipo de crime em que, sob a mira de uma arma, a vítima, posta em obediência
inquestionável, é rendida e tem seu dinheiro sacado, mediante seu próprio cartão magnético, em favor
do marginal).
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própria sociedade organizada. Nesse cenário, a impunidade corrói a estrutura do poder constituído,
taxando-o de incapaz. A população sem perspectiva cede a qualquer proposta aparentemente de fácil
aplicabilidade e que propicie bons resultados, como a pena de morte e a prisão perpétua.
No domínio das Ciências Sociais, a análise tem-se voltado para as dimensões ecológicas do
comportamento. A violência tem sido associada à agressividade como uma de suas formas de
expressão. A agressão apresenta-se sob diversos formatos, individual ou coletivo, explícito ou
sublimado, físico ou psíquico. A cultura desempenha importante função nas transformações dos
impulsos agressivos, modificando-os, orientando-os ou inibindo-os.
No ato violento, na crueldade e no uso da força, o aspecto jurídico é definido como sendo o
constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de
outrem, isto é, coação. O ser humano nasce violento ou é o ambiente, o meio que o torna com essa
característica, contrária ao direito e à justiça? A violência e a agressividade são uma manifestação do
medo e da ignorância do ser humano. Sempre tem sido assim desde os primórdios.
Sabemos que são múltiplas as causas da violência, incluindo, de um modo bem simplista e
didático, gene, cérebro, drogas, indicadores socioeconômicos e até mesmo programação televisiva.
Quando falamos em televisão, bem sabemos que é ela muito útil, mas não é preciso engolir tudo o que
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nela se vê. É preciso selecionar o que é facilitado por um simples apertar de botão do controle remoto,
aliado à tomada de consciência do que é bom e não simplesmente prazeroso.
Com isso a televisão, apesar de ter o que presta, também tem o que não presta, como
palavrões, violência, sexo, etc. Em um canal fechado, por exemplo, a escolha é farta, propiciando
excelentes programas que falam da natureza, do meio ambiente, da história, da ciência, ou seja, há um
grande leque de boas opções. Esses canais não dependem do Ibope, por isso escapam do que os
outros não conseguem escapar.
O Ibope está ligado aos índices de público, em canal aberto e, por isso mesmo, à venda do
comercial, que não está obrigatoriamente adstrito aos bons programas. O ser humano é naturalmente
sádico, por isso a violência na televisão faz mal. No olhar, a pessoa começa a se acostumar e deixar
de ficar horrorizada com a violência, que acaba tornando-se natural. Muitas das reações não são
exatamente pensadas, podendo levar o indivíduo a reagir de forma semelhante ao que viu
anteriormente na televisão.
O tema violência voltou a ocupar amplo espaço na mídia brasileira e internacional nos últimos
tempos, seja em decorrência do aumento da violência urbana, seja por causa dos atentados terroristas
contra os EUA. Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias nações mundiais, são dos mais
diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma marca que vem sangrando há
gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes culturas. E há casos nos quais ela é
gerada de forma pessoal, a própria pessoa constrói fatores que acabam resultando em situações
violentas, como o desrespeito, o uso de drogas e a ambição.
Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do
mundo. Hoje, o país tem altíssimos índices de violência, tal como àquelas praticadas nas ruas,
resultando em assaltos, sequestros, etc., a violência doméstica e a violência contra a mulher, que em
geral é praticada pelo marido, namorado ou ex-companheiro. Temos, ainda, como causa da violência, o
desrespeito, a prepotência, crises de raiva causadas por fracassos e frustrações, crises mentais, como
loucura consequente de anomalias patológicas que, em geral, são casos raros.
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Poderíamos dizer também que uma das causas da violência seria o desemprego, a fome,
viver em favelas, o crime organizado, a omissão do poder público, a pobreza, a desigualdade social,
etc. Enfim, são várias as causas que contribuem para esse cenário. A questão que precisamos
descobrir é porque os índices de violência aumentaram tanto nos últimos anos. Onde estaria a raiz do
problema? Como minimizar a escalada da violência? Investir na educação, gerar empregos, criar e
investir em políticas públicas, selecionar, treinar, remunerar melhor os policiais ou aumentar os
números de policiais?
Sabemos que o ser humano, em geral, não comete violência sem motivo. Quando um
cidadão agride o outro, ou mata, normalmente o faz em função de alguma situação que considerou
desrespeitosa, mesmo que a questão inicial tenha sido banal, como um simples empurrão ou até
mesmo um palavrão pode se transformar em desrespeito e produzir violência.
Assim, o desrespeito pode ser causador de violência, pois acumula tensões nervosas nas
pessoas que, mais tarde, explodem sob a forma de agressão. Se o desrespeito é a causa, podemos
então combater a violência diminuindo os diferentes tipos de desrespeito, seja o desrespeito
econômico, social, conjugal e familiar. E, ainda, podar o excesso de liberdades, principalmente na TV e
no sistema educativo do país, pois a vulgaridade praticada nos últimos anos vem destruindo valores
morais e tornando as pessoas irresponsáveis, imprudentes, desrespeitadoras e inconsequentes.
Podemos citar como causa da violência o grande número de pessoas que acabam buscando
refúgio sob viadutos, nas galerias de edifícios e embaixo de marquises, sendo um caminho fácil à
prática criminosa, inclusive por parte dos menores, que vivem sob essas condições.
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em torno das bebidas alcoólicas e até o oferecimento nos supermercados.
O homem moderno vive cercado de violência, principalmente a que vem dos meios de
comunicação, como a televisão, que adentra os lares influindo na formação das crianças e mesmo no
comportamento dos adultos. Existe também violência no campo administrativo, quando há uso indevido
do dinheiro público, que não é destinado a obras assistenciais e prioritárias, mas sim desviado para
propagandas do governo que anunciam obras que, apesar de supervalorizadas, acabam nem sendo
concluídas.
Por outro lado, há a violência criminosa, na forma de assaltos frequentes, tráfico de drogas,
tortura e assassinatos. As leis existentes nunca punem suficientemente os criminosos e, quando isso
acontece, eles nem chegam a cumprir as penas, beneficiados por omissão e indiferença dos próprios
legisladores, que nada fazem para mudar esse quadro. Enfim, existem muitas formas de violência, que
vêm degradando os costumes e denegrindo nossa imagem no exterior, contribuindo para o descrédito
de nossas instituições e solapando os valores sociais. A seguir abordaremos algumas formas de
violência, ainda que superficialmente.
A prática de crimes em nosso país tem sido corriqueira, diária, incontrolável e impunível.
Praticam-se pequenas ou grandes infrações sem nenhum temor, já que a impunidade é uma constante
em nosso sistema judiciário. Isso sem falar nos chamados desvios de conduta, inclusive por parte dos
próprios profissionais mais liberais.
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contribuem muito para o descrédito da população.
Ninguém se sente seguro em um país em que o perigo é mostrado diariamente pela imprensa
escrita, falada e televisionada, com pessoas sendo vítimas indefesas de crimes nas ruas públicas. A
insensibilidade da população diante de crimes públicos é outro fator que contribui para o aumento
dessa violência criminosa.
As nossas leis são, em regra, mal feitas, mal elaboradas e instituídas sem qualquer
discussão. Por isso mesmo, não chegam a ser aplicadas, pois se ressentem de vícios de origem. Os
nossos legislativos, integrados por homens sem formações e sem escrúpulos, salvo raríssimas
exceções, comportam-se de maneira violenta contra o povo, ao atuarem conforme as conveniências
momentâneas e em função de privilégios de certos grupos de pessoas.
Nossa Constituição já nasceu predestinada a uma revisão para cinco anos após sua
promulgação (art. 3° das Disposições Transitórias). As tentativas de revisão constitucional constituíram
um verdadeiro fracasso, com correntes bastante antagônicas, alimentadas por grupos econômicos e
sindicais que não pouparam violência nas suas manifestações dentro e fora das casas legislativas,
numa demonstração clara de falta de patriotismo.
Se as leis feitas padecem de graves defeitos, principalmente na esfera penal, que são
estímulos à criminalidade crescente e violenta, a sua aplicação pelo Judiciário também constitui em
desserviço à causa pública, pois a morosidade da justiça, além de decisões que só beneficiam políticos
e corruptos, tem levado a população ao descrédito dos seus juízes.
Também o Ministério Público que deveria por princípio ser uma instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, sempre atenta à defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais, conforme o art. 127 da CF está comprometido seriamente com a
política partidária de muitos de seus membros, o que também precisa ser vedado de modo absoluto em
favor da própria instituição e da sociedade.
O Executivo, por sua vez, gasta somas fabulosas em obras faraônicas e em propaganda,
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enquanto as prioridades, como saúde, educação, assistência à infância continuam relegadas. Isso é
violência institucional, que nos degrada, oprime e nos enche de desânimo e desesperança.
A função da polícia, seja civil ou militar, é extremamente delicada, já que o policial enfrenta
diretamente os problemas que lhe surgem, devendo tomar decisões de plano, sem qualquer
possibilidade de exame ou estudo da questão. O policial se depara com o caso concreto e tem de
resolvê-lo na hora e da melhor maneira possível, o que lhe exige bom-senso, equilíbrio, ponderação,
energia e disposição. Ainda que esteja também sujeito a erros, pelo número de diligências efetuadas
até que não decepciona muito.
Quando se fala em violência policial deve-se ter a cautela de verificar que, se ela existe, deve
ser atribuída a uma minoria insignificante em meio ao grande número de policiais existentes, tanto na
polícia civil como na militar, que é muito mais numerosa. Alguns policiais abusam de suas funções.
Existem àqueles violentos, truculentos e até mesmo criminosos, mas cumpre aos chefes da corporação
puni-los com severidade para que os maus exemplos não frutifiquem. O que não é admissível é que
esses “elementos” continuem trabalhando e expondo sua corporação a críticas indevidas, por mera
omissão de seus superiores. Temos que combater a violência de alguns policiais maus e desonestos.
Vemos os nossos políticos aspirando ao poder, impondo suas ideias e programas por meio
de métodos pouco honestos e convincentes. A verdadeira política deveria ter como fim primordial o
bem público, mas isso não ocorre em nosso país. Interesses pessoais, de grupos econômicos ou de
partidos são colocados sempre em primeiro lugar, o que é uma violência contra o povo.
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nas negociações partidárias escusas e contrárias aos interesses nacionais. Essa forma de violência se
torna mais acintosa nas programações de televisão custeadas pelo Estado, em que os políticos
conhecidos por sua desonestidade procuram vender uma imagem que não possuem, já que o povo
está cansado de saber dos seus antecedentes.
Não deixa de ser também uma violência política o número de assessores mantidos pelos
parlamentares, o que faz do Congresso um logradouro de excesso de funcionalismo. Muitos desses
assessores nunca saíram de suas cidades e nunca trabalharam, apesar de receberem mensalmente
seus vencimentos.
O mundo vem sendo perturbado cada vez mais pelo tráfico de drogas, que tem feito vítimas
frequentes, principalmente entre os jovens, que são a presa mais fácil dos traficantes. O crime de
tráfico de drogas em nossa legislação é equiparado aos crimes hediondos. Embora punido com
benignidade, tem preocupado as autoridades e recebido à devida atenção, ainda que não tenha
diminuído. Ao contrário, o uso de drogas tem aumentado consideravelmente, fazendo inúmeras vítimas
e propiciando altos ganhos. Como se sabe, é um comércio altamente rendoso.
Dessa forma, a violência causada pelas drogas e pelo álcool está intimamente ligada à
criminalidade, além do mal causado à saúde da própria pessoa. As drogas causam desequilíbrio da
personalidade, perturbam e alteram a capacidade de entendimento, insuflando a agressividade e
levando as pessoas à prática dos mais diversos crimes, sendo alguns tão bárbaros e cruéis que só
encontram justificativas na anormalidade psíquica de seus agentes. A criminalidade está associada ao
uso abusivo e indevido de drogas, que conduz à violência do assassínio em virtude da disputa desse
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negócio ilícito e proibido.
Quando se fala em violência urbana não devemos relacionar o fato apenas à polícia, como
segurança e prevenção. Há que se lembrar também, e acima de tudo, que os aspectos nevrálgicos, os
mais dolorosos da violência urbana acham-se presente nos serviços de atendimento de emergência
dos hospitais, prontos-socorros e institutos médico-legais. Por isso mesmo, resta perguntar se a
violência urbana é questão só de segurança pública ou também de saúde pública?
A violência urbana está a dizer algo além do mero crime. Isto é, diz respeito à mudança de
hábitos cotidianos, à exacerbação de conflitos sociais, à adoção de soluções que desafiam o exercício
democrático do poder, à demarcação de novas fronteiras sociais, ao esquadrinhamento de novos
espaços de realização pessoal e social, ao sentimento de desordem e caos que se espelha na
ausência de justiça social. Não compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provoca sobre as
pessoas e as regras de convívio na cidade.
A violência urbana interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações sociais, corrói
a qualidade de vida das pessoas. Enfim, a crise de insegurança é geral, atingindo pobres, ricos,
adultos, crianças, trabalhadores, donas de casa. A causa dessa violência urbana não é somente a
miséria, a fome, a pobreza, a falta de moradia ou de investimento na educação, mas a omissão do
Estado (União, Estados e municípios) na seleção, treinamento, remuneração dos policiais e aumento
de seus efetivos.
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particulares de gangues pelo controle dos pontos de maior lucratividade e investimentos muito maiores
em armamentos eficazes para sustentar a guerra. O combate à violência urbana não depende somente
de medidas sociais, porque ela não é promovida pelos pobres, desempregados, muito menos pelos
favelados. No comando está o crime organizado, quadrilhas de traficantes e armas, que na ausência do
Estado ocuparam os espaços deixados e formaram um verdadeiro poder paralelo.
A organização é tão forte que muitos chefões continuam no comando mesmo depois de
presos. Esse poder paralelo é mais forte do que admitem as autoridades policiais, não sendo suficiente
para enfrentá-lo a mera criação de um gabinete de gestão pelo Secretário de Segurança Pública.
Como a violência afeta a mente e a vida de todos nós, um dos efeitos mais cruéis da
violência é o medo que se espalha entre as pessoas, sendo a insegurança uma das principais causas
de transtorno mental. Dessa forma, analisaremos os sentimentos de medo e insegurança diante dos
fatos violentos, medo e segregação social.
A violência é um problema presente em nossa rotina diária. É fato público e notório, que
atingiu patamares vergonhosos e insuportáveis, gerando um sentimento de insegurança que atinge
cidadãos, escolas, moradias, hospitais e comércios em geral. Cada um, particularmente, tem uma
história a ser contada. Uns já foram vítima de furto dentro do transporte coletivo ou assaltados em via
pública, outros tiveram sua residência arrombada, seu veículo particular furtado e encontrado, alguns
dias depois, completamente transfigurado: sem motor, sem pneus, sem aparelho de som, etc.
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Quando a pessoa não foi protagonista imediata desses fatos, pelo menos ouviu falar de fatos
semelhantes ocorridos com um vizinho, um parente, uma personalidade pública, que se torna familiar
devido à proximidade no tempo e no espaço que a imprensa escrita e mídia eletrônica nos
proporcionam. Há também àqueles cujas histórias são dramáticas. Viveram durante certo tempo, por
vezes até muito longo, com a vida suspensa, submetidos a maus-tratos, confinados em cubículos, sem
poder ver, ouvir ou falar. Outros, após permanecerem em um cativeiro, acabam libertados, desfecho
que resulta de tensas negociações entre a família e os sequestradores. Nem todos, porém, têm o
mesmo desfecho, culminando na morte da vítima.
Muitos brasileiros acreditam, não sem motivos, que a agressão criminal é hoje mais frequente
e grave do que no passado. Os atos de violência, em qualquer de suas formas, desde a coletiva, como
é o caso da guerra, dos atentados, das violações de direitos, etc., até a violência individualizada, como
os assaltos, os estupros, a tortura, podem ser comparados a uma espécie de câncer da alma. A
violência está dentro do indivíduo e ele procura meios para exteriorizá-la, independe de classe e
condição social, trata-se de algo interno. Isso se transforma em motivo para atacar homossexuais,
prostitutas, empregadas domésticas, torcidas rivais e por aí vai.
Como podemos observar, a violência tem sido o principal problema mundial. Em todos os
países do globo é perceptível a preocupação governamental com a segurança interna e externa dos
países, mormente após os ataques de 11 de setembro, quando o World Trade Center sucumbiu após a
colisão de duas aeronaves conduzidas por terroristas, deixando sequelas psicológicas no povo
americano e trazendo a sensação de insegurança, vulnerabilidade e impotência.
O medo é uma sensação incômoda para a maioria dos indivíduos. Se durante o dia tememos
ser vítimas de assaltos e agressões sem que haja agentes de segurança nas vias públicas para a
devida proteção legal, durante a noite ninguém nos grandes centros sequer quer se arriscar a sair de
casa. A insegurança, o medo e a desproteção não existem somente nas vias públicas, mesmo em casa
ninguém se sente seguro em virtude dos assaltos constantes, o que desmente nossos governantes
quando dizem que estão investindo altas verbas na segurança pública.
Existem vários fatores que contribuem para potencializar o medo do crime, tais como: residir
em uma cidade violenta, já ter sido vítima de algum crime, isolamento social, etc. Embora nos
dicionários especializados de Sociologia e Ciência Política não haja definições, pode-se dizer que, no
domínio das Ciências Sociais e Humanas, esse sentimento traduz reações de retraimento, individual ou
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coletivo, diante de fatos, acontecimentos, situações ou contextos percebidos como ameaças ou
agressões à integridade física, psíquica ou moral dos seres humanos, ao patrimônio privado ou público,
à identidade dos grupos sociais, aos bens coletivos protegidos pelas leis, aos valores tidos como
sagrados e dignos de respeito em comunidades e sociedades.
Além do mais, havia a rádio patrulha, cuja ronda noturna assegurava sonos ininterruptos e o
sonho de uma vida cotidiana, se não feliz ao menos um pouco mais livre do sobressalto inesperado da
ofensa criminal. Naquela época a polícia era uma instituição confiável, portadora de autoridade e moral.
Hoje, vivemos em uma terra sem lei ou onde a lei se funda no emprego da força física, que desconhece
limites.
Os medos dominantes na história das sociedades que existiram no passado não são
idênticos aos medos que hoje predominam nas modernas sociedades urbano-industriais. As reações
também variam diante das revoluções, das guerras ou de processos de comoção ou crise social em
face das catástrofes, dos desastres, dos ciclos agudos de fome e miséria, das ondas de crime e de
violência interpessoal ou ainda durante abruptos processos de mudança social, cujo significado e
direção escapam da compreensão dos indivíduos neles envolvidos.
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Os sentimentos de medo são compartilhados coletivamente, as reações individualizadas
podem ser de intensidade e alcances diferenciados. Diante das mesmas ameaças, alguns poderão
reagir com manifestações de dor e sofrimento, outros com silêncio, outros ainda com violência e
agressão. Por fim, se as reações têm origem subjetiva, nascem sentimentos tão profundos no indivíduo
que parecem não ser compartilhados com nenhum outro ser humano. Tendem a ser tornar
comportamentos padronizados e objetivos, em uma sociedade determinada e em momento igualmente
certo de sua história, traduzindo a disseminação de preconceitos contra pessoas ou grupos
responsabilizados pelas ameaças ou potenciais agressões.
O medo não é independente das suas formas de comunicação e de circulação. Circulam por
intermédio de gestos, expressões corporais, imagens, símbolos, rituais, textos diversos. Essas formas
estão encarnadas em estórias contadas de geração em geração, falas sobre fatos e acontecimentos,
rumores, depoimentos, testemunhos.
Não raro, também contribuem para potencializar a insegurança e reproduzir a violência que
traz subjacente às narrativas. Como exemplo, temos a narrativa, boca a boca, transmitida entre os
povos nativos e colonizadores das Américas, no início do século XIX (1791), quando os negros
escravizados revoltados assassinaram impiedosamente parcelas substantivas da classe proprietária.
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corretas porque ambas são fonte de redução de criminalidade.
Sabemos que, como sempre, isso não vai dar em nada, pois há muita gente envolvida nesse
lado podre da polícia. Correto é que precisamos de reformulação da segurança no país, de forma
imediata, a começar pela maneira como a violência é encara pelas autoridades. A população precisa
sentir que há ordem instituída, que não está à mercê de grupos criminosos, sendo urgente acabar com
essas quadrilhas de criminosos que ameaçam o poder instituído.
A verdade é que todos se queixam da violência do próximo, mas poucos procuram conter a
59
sua própria.
Na família, quantas vezes não praticamos certos atos contra o cônjuge ou nossos filhos que
não deixam de ser formas sutis de violência, já que ofendem, desgostam e aborrecem? No trabalho
também estamos sujeitos a certa agressividade com colegas, de maneira ostensiva ou velada, ou até
mesmo por meio de comentários maldosos e inverídicos referentes à pessoa de nossos superiores
que, por não podermos atingir diretamente, o fazemos de forma indireta. Por sua vez, sabe-se de casos
de superiores ou chefes muitas vezes tomam atitudes desrespeitosas para com suas secretárias,
molestando-as de tal forma que as obrigam a pedir demissão mesmo necessitando do emprego. No
trânsito, como motoristas, nota-se cidadão que deixa de acatar regras mínimas de circulação,
colocando em risco a segurança das demais pessoas. Pessoas agressivas, sem paciência no trânsito,
que por uma ultrapassagem até matam.
É por isso que o nosso trânsito é o mais violento do mundo, pelo índice de acidentes com
vítimas fatais ou incapacitadas pelo resto da vida. Graças à educação, no seu sentido mais amplo e
profundo, como conjunto de conhecimentos, de modelos de conduta, princípios, normas e valores, é
que por intermédio de introjeção e da identificação vai ser plasmada a expressão social e volitiva da
personalidade, ou seja, o caráter da pessoa.
60
3.6 A violência e a expansão global da criminalidade
Podemos citar como exemplo quando, em 2006, narcotraficantes brasileiros presos em São
Paulo planificaram e fizeram executar, dando ordens de dentro das prisões, ataques em massa contra
delegacias e estabelecimentos comerciais que geraram um estado de guerra e foi necessária a
intervenção do exército para recuperar e manter o controle da cidade. No Rio de Janeiro, também em
2006, ocorreram episódios similares, com dezenas de vítimas inocentes, que também forçaram a
intervenção do exército.
Outro exemplo que podemos citar são grupos islâmicos extremistas que recrutam militantes
de distintos países não islâmicos, inclusive de primeiro mundo, que dominam tecnologias de pontas e
se valem dos recursos da lavagem de dinheiro para financiar suas operações. Todos seus contatos se
fazem por meio da rede e em diversos idiomas e países. Conceitos como narcoterrorismo da Colômbia
ou capitalismo mafioso da Rússia e outros países estão na ordem do dia e podem ser analisados em
qualquer jornal ou informativo. Essas organizações delitivas complexas evoluíram tanto e têm se
mesclado com o mundo dos negócios.
A América Latina já estava habituada, há mais de uma década, a situações como o emprego
de assassinos de aluguel, exploração infantil generalizada, lavagem de dinheiro mediante inversões em
obras faraônicas, delitos informáticos, tráfico de armas e corrupção de altos funcionários em níveis
grotescos e com impunidade escandalosa. Esses fenômenos delitivos superam todos os aparatos
estatais de controle, desnudando sua ineficiência para neutralizá-los ou julgá-los. Em conjunto, isso
indica que estamos ante um agravamento da realidade delitiva, que evidencia a ligação entre a
deterioração social e seus efeitos da violência, degradação humana e delito.
61
À parte, a globalização gerou um fenômeno muito mais complexo que uma mera sofisticação
da criminalidade comum, certas manobras que antes foram delitos contra a economia nacional são
agora condutas lícitas na economia mundial. A magnitude crescente do delito econômico tende a
apoderar-se da economia mundial e a corrupção convencional fica obscurecida pela corrupção
macroeconômica, sem que exista um poder regulador capaz de controlar essa massa de negócios
turvos por cifras astronômicas, das quais dependem já as grandes economias do planeta.
A retirada do estado das funções de custódia e segurança levou à perda cada vez maior do
controle da ordem pública, enquanto os grupos delitivos aumentavam seu número, poder e audácia,
alcançando, como na Colômbia ou no Brasil, níveis paramilitares capazes de pôr em xeque as
autoridades e gerar situações de ingovernabilidade cada vez mais longas.
62
4 VITIMOLOGIA E PENOLOGIA
A revalidação do papel das vítimas orienta-se não somente a dar-lhes uma melhor satisfação,
mas, também, protagonismo, a fim de que o Direito atente realmente a seus interesses e razões, por se
tratar de frequentes titulares exclusivos do bem jurídico agredido. Essa última tendência é mais recente
na Vitimologia e afirma-se nos anos oitenta como resultado da evolução da Psicologia social, das
pesquisas de vitimização e dos movimentos feministas, assim como da intenção de contrabalancear
teórica e político criminalmente certa idealização do delinquente como vítima social, resultado da forte
predileção antissistema da Criminologia Crítica.
63
conseqüências do crime, era classificada como um capítulo da criminologia.
Sugerindo por exemplo, que o supermercado, adotando o sistema de autosserviço, com as facilidades
proporcionadas ao público quanto ao manuseio dos artigos, facilita com isso o furto.
Outro exemplo, nos crimes de estelionato (art.171 do CP), em que o emprego do logro, artifício
e ardil denuncia a influência exercida pelo autor com a complacência do lesado, que se deixa enlear
por simpatia, fascínio e atração, exercida pelo estelionatário.
Estelionato é caracterizado pela utilização de um artifício para enganar a vítima, muitas vezes a
própria ganância intrínseca nas pessoas. A ânsia de ganhar dinheiro faz com que a vítima cometa um
erro. No caso de uma população mal instruída, a incidência de sucesso nos golpes aplicados pelos
estelionatários é grande.
Sob certo aspecto, a vítima passa a ser encarada pelo novo estudo não apenas como sujeito
passivo, mas como colaboradora do ato criminoso.
É o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico,
psicológico e social, quer do da sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua
inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos.
Em sua visão mais moderna, a Vitimologia surge com Benjamim Mendelson, em 1947, através
de uma conferência (Um horizonte novo na Ciência Biopsicosocial - a Vitimologia).
Seus parceiros de estudo e pesquisas, de ontem e de hoje, do velho e do novo mundo, a partir
daí, não mediram esforços para levar aos conflitos do universo das ciências as reflexões sobre essa
nova disciplina no que se refere ao agente vitimizador, sobre a vítima e sobre o processo de
64
vitimização, em todas as esferas das ciências sociais ou do comportamento humano.
Por fim, o estudo vitimológico oferece à SBV ferramentas para a diminuição da criminalidade
na medida em que dificulta a ação de criminosos ocasionais, diante de realização de campanhas que
promovem um alerta às possíveis vítimas e auxilia a justiça, não somente em relação ao julgamento da
responsabilidade e culpabilidade do indivíduo, como também vislumbrando as maneiras de viabilização
de uma sistemática recuperacional.
Fica constituída uma sociedade civil sem fins lucrativos, que se regerá pelo presente
estatuto, por instruções normativas e por disposições legais aplicáveis.
A Vitimologia é uma ciência nova que teve um desenvolvimento extraordinário desde que se
realizou o I simpósio Internacional, em 1973, ingressando no terceiro milênio com embasamento teórico
respaldado em pesquisa feita nos cinco continentes e objetivos práticos, de restituição e ressarcimento
de dano e humanísticos, de assistência às vítimas.
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No início, a Vitimologia foi considerada um campo paralelo à criminologia ou o reverso da
criminologia, mas posteriormente adquiriu maior abrangência e o seu estudo e aplicação passaram
comportar todo o gênero de vítimas de acidentes, havendo correntes da Vitimilogia que se ocupam da
assistência de vítimas de catástrofes naturais.
De acordo com a SBV em seu art. 3° de seu estatuto, tem por finalidade:
III – manter contato com outros grupos nacionais e internacionais, promovendo reuniões
regionais, nacionais ou internacionais sobre aspectos relevantes da ciência penal e
criminológica, no que concerne à vitimologia.
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4.3 A VÍTIMA
4.3.1 Conceito
Vítima pode ser pessoa arbitrariamente condenada à morte; pessoa ferida ou assassinada,
ou que sucumbe a uma desgraça, ou morre em acidente, epidemia, etc.
Já em relação à Criminologia, observamos que o estudo do Direito Penal sempre se deu, até
meados da década de 1940, voltado para o estudo do delito, do delinqüente e da pena. A vítima, o
outro componente do contexto criminal, até então não havia sido analisado.
Diante disso, em 1956, Mendelson examinou causas e efeitos dos crimes e deu forma
definitiva às suas idéias e estudos sobre a vítima, caracterizando a Vitimologia como disciplina
criminológica.
È bom lembrar, que alguns criminólogos consideram Hans Von Hentig como o verdadeiro
fundador da Vitimologia, sendo também, um dos pioneiros do estudo sobre a vítima.
A vítima pode ser definida sob vários sentidos, no sentido jurídico geral refere ao indivíduo
que é prejudicado de forma direta em decorrência da ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo Direito.
No sentido jurídico penal (restrito) trata-se da pessoa que diretamente é vítima da violação da
norma penal.
No sentido jurídico penal (amplo) inclui tanto a pessoa como a comunidade que sofreram de
forma direta as consequências do delito.
Agora, vitimizar é desencadear qualquer direito básico do homem, nele incluídos os Direitos
Humanos, os Direitos Fundamentais agasalhados na Constituição e os princípios densificadores do
Estado Democrático de Direito.
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4.3.2 Classificação de vítima segundo Benjamin Mendelsohn
• Vítima unicamente culpada que podem ser: vítima infratora, ou seja, a pessoa comete um
delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima defesa; vítima
simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um indivíduo a ser acusado de um
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delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; ou ainda vítima imaginária, que se trata de uma
pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário à
erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal
delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação da vítima.
• Vítima isolada
A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em
decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.
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vividas que o colocam em situações de risco ou perigo.
• Vítima agressiva
Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor da
violência, pois chega um momento que por não suportar mais a agressão sofrida, ela irá rebater tal ato
de modo hostil.
• Vítima perversa
Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite
algum de respeito em relação às outras, tratando-as de um modo como se fossem objetos que podem
ser manipulados.
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• Vítima alcoólatra
O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais levam as pessoas a se tornarem
vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.
• Vítima depressiva
Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do indivíduo,
pois poderá levar a pessoa à sua autodestruição.
• Vítima voluntária
São as pessoas que por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo que o
autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo de vítima
são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.
• Vítima indefesa
Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial lhes
causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa e acabam deixando
de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos ocorridos nas
ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.
• Vítima falsa
São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade se
autovitimam para que possam se valer de benefícios.
• Vítima imune
São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função, ou
algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer tipo de
ação delituosa que possa transformá-las em vítimas, como exemplo, temos um padre.
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• Vítima reincidente
Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter passado
por tal episódio, não passa a tomar qualquer tipo de precaução para que não volte a ser vitimizada.
• Vítima propensa
Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas.
Podendo decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo que
esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.
• Vítima resistente
Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma forma,
sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do dever. Neste
caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.
• Vítima da natureza
São pessoas, que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como no
caso de uma enchente, um terremoto.
De acordo com Guaracy Moreira Filho, as vítimas devem ser classificadas como:
72
• Vítimas inocentes
São as pessoas que não contribuem de nenhuma forma para a ocorrência do delito, ou seja,
não há nenhuma participação da vítima na consumação da ação criminosa.
• Vítimas natas
Tratam-se das vítimas que contribuem de alguma forma para a eclosão de um crime, seja por
seu comportamento agressivo ou por sua personalidade insuportável.
• Vítimas omissas
Neste grupo encontram-se as pessoas que não vivem em integração com o meio social, pois
não participam da sociedade, nem sequer para reclamar de uma violência ou arbitrariedade sofrida.
Sabemos sobre o esquecimento a que a vítima foi relegada durante longo tempo. Podemos
dizer que a história praticamente teve três grandes fases em relação à vítima.
Uma fase em que ela era a verdadeira protagonista do sistema criminal, até o grande período
de se esquecimento, principalmente quando o Estado chamou a si a responsabilidade de resolver,
como se pudesse, todos os problemas sociais e jurídicos.
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O Estado deixou a vítima de lado, sendo considerada apenas uma colaboradora dentro do
sistema. Semelhante a uma testemunha, ela vem apenas prestar informes dentro do processo, para a
solução de uma determinada causa.
A vítima foi realmente esquecida durante um longo tempo, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial, devido os problemas que advieram dos próprios conflitos, do número de vítimas
elevadíssimo e da intensa criminalidade nos grandes centros urbanos, se desperta novamente para a
vítima.
O problema da vítima passou, novamente a ser motivo de preocupação, e com isso foram
gerados vários encontros no mundo todo, o que culminou entre nós no Brasil com a criação da
Sociedade Brasileira de Vitimologia.
A vítima, apesar de toda essa redescoberta de que se fala hoje em dia, não tem o papel que
deveria ter no nosso sistema processual penal. Pode realizar várias atividades, e são oferecidas a ela
várias perspectivas dentro do processo, mas há muito para ser melhorado.
O que poderia ser feito para melhorar o papel da vítima no processo penal brasileiro?
O primeiro passo seria o de definir a vítima dentro do processo penal brasileiro. O que, na
realidade, a vítima?
O Código de processo penal usa várias expressões: fala em vítima, em pessoa ofendida e em
lesado.
A palavra vítima aparece pouco, em alguns artigos apenas. Encontramos maior referência ao
ofendido e a pessoa ofendida, que são utilizadas largamente dentro do Código de Processo Penal.
Já o termo lesado, é utilizado quase sempre, no sentido da pessoa que sofreu um prejuízo de
ordem civil, de ordem patrimonial, e que tem também, algum espaço dentro do processo penal
brasileiro. Mas é como ofendido que na realidade, se trata a vítima no Código, como para ativar, como
parte dentro do processo criminal.
Para nós, no Brasil, o ofendido é o sujeito passivo da infração penal, mas não só aquele
sujeito passivo imediato, como também o chamado sujeito passivo secundário. Para se ter uma ideia,
imaginemos um crime de estelionato, onde poderíamos ter mais de um sujeito passivo.
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Teríamos como sujeito passivo aquele que sofre o prejuízo decorrente do crime de
estelionato, porque tem o seu patrimônio diminuído, mais também teríamos como ofendido e como
sujeito passivo, nesse conceito mais amplo, aquele que tivesse sido enganado e que por isso também
teria sofrido em relação àquela conduta.
Temos um exemplo que é significativo do nosso sistema e é onde nos apegamos para
verificar essa conceituação mais ampla, é o ofendido do crime de penal que tem por objeto o estudo do
crime e de seu autoexercício arbitrário das próprias razões.
Por fim, o processo penal tem por finalidade fazer valer o direito da vítima e uma eficaz
atenção ao respeito a seus direitos fundamentais.
Criminologia assim como o termo de vitimologia deriva da junção de duas clássicas palavras:
victima e logos, a criminologia também é palavra composta dos vocábulos gregos kriminos e logos é a
ciência penal que tem por objeto de estudo do crime e de seu autor, do ponto de vista causal
explicativo, com ênfase à prevenção, criando estratégias ou modelos operacionais, para a redução da
criminalidade.
Já a vitimologian nasceu do seio da criminologia, assim como esta adveio do direito penal.
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No exame das relações entre a criminologia e a vitimologia, vale lembrar que, enquanto esta
tem como objeto o estudo do comportamento da vítima no cenário do crime ou em face de um dano de
natureza civil, aquele, a criminologia, pó se tratar de uma ciência causal explicativa, essencialmente de
caráter preventivo, prioritariamente objetiva o oferecimento de estratégias, por meio de modelos
operacionais, de maneira a minimizar os fatores estimulantes da criminalidade, assim como o emprego
de táticas que utilizem fatores inibidores dessa mesma criminalidade.
Criminologia e vitimologia vivem entre si em perfeita sintonia, em face de que, na dupla penal,
agente e vítima podem ser encontrados, consciente ou inconscientemente, em certos casos, num atuar
comum, como se fossem duas forças que se atraem ou se completam.
A partir do início dos anos 70, surge uma verdadeira anticriminologia baseada nas teses de
Taylor, Walton e Young, ou seja, a Criminologia Radical, também conhecida como Criminologia
Interacionista, entendendo essa nova perspectiva criminológica que a corrente tradicional, clássica,
conservadora, positivista, esgotara seu ciclo histórico, por se tornar insuficiente para apresentar
soluções para o fenômeno criminal.
Essa Criminologia Radical não se propõe a analisar o crime em si, como resultado de
circunstâncias próprias, mas sim, criticar o ordenamento e buscar respostas para uma criminalidade tão
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crescente, de níveis altíssimos. Realmente o que mais interessa é essa epidemia de criminalidade e
não um simples fato considerado em si mesmo.
Ela se distingue de outras criminologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método
dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre sua existência e desenvolvimento, pela
base social de seus compromissos ideológicos, por seus objetos políticos estratégicos e táticos e por
seu programa alternativo de política criminal.
Juarez C. dos Santos, um dos paladinos dessa nova criminologia diz que Criminologia
Radical é:
Qualquer que seja a espécie de sociedade, em seu seio, encontra-se vítimas de qualquer
natureza.
Em resumo, a Criminologia Radical tem por objeto geral as relações sociais de produção, como
estrutura de classes e de reprodução político-jurídica como superestruturas de controle da formação
social, que produzem e reproduzem seu objeto específico de conhecimento científico: o crime e o
controle social.
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Vimos então, que tanto a criminologia tradicional como a nova criminologia têm afinidades
profundas com a vitimologia, pois, em qualquer de suas dimensões, busca-se o exercício dos direitos
fundamentais da pessoa humana.
O vocábulo Penologia foi empregado pela primeira vez em 1834 por Francis Lieber, publicista
germânico que viveu nos Estados Unidos.
O objeto da penologia é a pena sob os pontos de vista teórico, abrangendo sua história, sua
psicologia, sua sociologia, sua filosofia, legislativo quanto a sua cominação e judiciário, isto é, quanto à
sua aplicação, incidentalmente, poderá ser abrangido o delinquente a quem foi aplicada a pena, ou
seja, o sujeito passivo da pena.
O direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos e das penas para o estudo daquele que
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comete o delito. Deve analisar os criminosos em suas peculiaridades psicossociológicas. A partir desta
operação, estabelecer-se penas adequadas a características de personalidade.
O crime que anteriormente era definido como transgressão à lei penal, converte-se em
indício, em manifestação superficial que aponta para a personalidade do criminoso.
Contraria-se também o princípio do direito penal onde “não há pena sem lei”. Pois que a pena
deve basear-se, mais do que na violação de um artigo do CP, no estudo da personalidade do
criminoso.
Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis, a tortura era aplicada sem
limites, confundia-se a lei com a religião e o crime com pecado.
Num período intermediário, o direito horroriza-se com a crueldade das penas. Torna-se mais
humano e justo, as penas são aplicadas com maior uniformidade. É o período ético humanista
inaugurado por Beccaria, com o estabelecimento do princípio da proporcionalidade das penas e dos
delitos, da igualdade perante a lei, da não retroatividade da lei penal e da responsabilidade como
fundamento do direito de punir.
Enfim, o momento tático inicial que inaugura a criminologia traz como efeitos, de um lado, a
promessa de um direito penal que pode conhecer cientificamente o crime e os meios para seu combate
e, de outro, a denúncia de que o direito liberal é ineficaz.
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Pena, é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma
sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um
bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua
readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade, isto é, a
pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através de ação penal, ao autor de uma infração
penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é
evitar novos delitos. Isto é, são sanções impostas pelo Estado contra pessoa que praticou alguma
infração penal.
Pena, num sentido amplo, é a sanção que o Estado impõe àqueles que se insurge contra seu
ordenamento jurídico.
As teorias preventivas da pena são aquelas teorias que atribuem à pena a capacidade e a
missão de evitar que no futuro se cometam delitos.
Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou eficaz, devia ser legítima, ou seja, fundada
em lei anterior e aplicada em indivíduos responsável.
A criminologia inaugura a noção de que as penas devem, antes de tudo, ser eficazes. Sua
legitimidade baseia-se não mais em considerações estritamente jurídicas, mas científicas.
O objetivo da pena deve servir para corrigir o indivíduo, para que este não volte a delinquir.
Busca ainda a pena a proteção da sociedade. A manutenção da paz social e a proteção dos bens
juridicamente tutelados.
As penas aplicadas sobre os delitos que o indivíduo praticou não podem, de maneira alguma,
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representar uma vingança da vítima sobre o culpado.
A finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal
injusto praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico. A pena tem dupla
função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação.
Um dos maiores alvos da crítica a ser desfechada pela criminologia é o júri popular. O direito
liberal definia a função de julgar como de bom senso, experiência de vida, de moralidade. Pois a lei,
sendo oriunda de um parlamento, é expressão do consenso político, em última análise, da vontade dos
cidadãos, expressa por seus representantes eleitos.
Ainda assim, ao aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio saber e especialização, poderia
hipertrofiar-se em suas funções.
Deveria ser composto por homens do trabalho ativo, pessoas que se atêm ao lado prático da
vida, contrastando com os próprios juízes, que, por força da profissão, estariam relativamente
afastados dos embates quotidianos.
Ora, o discurso criminológico veiculará outro tipo de visão sobre a atividade de julgar.
O júri popular passa a ser compreendido como um obstáculo a uma compreensão mais
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científica do criminoso e do crime. É tornado incompetente para julgar porque não detém um saber, que
só a magistratura togada é capaz de possuir.
Julgar passa a ser uma função técnica, noção essa que se complementa com uma
concepção naturalista e não política quanto a origem das leis.
Elas são frutos da necessidade, determinada pela vida coletiva, de que a sociedade se
defenda de seus detratores, opondo, ao mesmo tempo, no nível individual, um freio aos instintos e
afetos que governam todo ser humano, impedindo-o de livremente decidir sobre seus atos.
Qual o fundamento das leis? Qual a legitimidade da punição imposta a quem as transgride?
Com o advento da criminologia, as leis são consideradas como fundamentadas na necessidade natural
de defesa da sociedade.
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5 CRIMINALIDADE E O SISTEMA PRISIONAL
As prisões têm sido um dos terrenos temáticos mais transitados para a investigação
criminológica, a partir da ótica positivista. Foram necessários enfoques modernos para essa
problemática, a fim de contribuir com a reformulação do controle penal. Sabemos que o cárcere sempre
existiu. Porém, sua finalidade não era semelhante a que temos hoje. Destinava-se à guarda de
escravos e prisioneiros de guerra. Em matéria penal servia, basicamente, para a custódia de infratores,
à espera da punição e do próprio julgamento, para que não fugissem e para que fossem submetidos à
tortura, método de produção de prova antes considerado legítimo.
Resquícios de prisões medievais estão preservados como museus na Europa. É o caso das
masmorras anexas ao palácio dos Doges, em Veneza, aonde se chega pela travessia da famosa Ponte
dos Suspiros. A partir do século XVIII, a natureza da prisão se modifica. A necessidade de aproveitar o
contingente de pessoas economicamente marginalizadas, o racionalismo político e o declínio moral da
pena de morte, estimulou o desenvolvimento de uma reação alternativa por determinado período de
tempo.
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pela ideia de um estabelecimento público, severo, regulamentado, higiênico, intransponível, capaz de
prevenir o delito e ressocializar quem o comete.
É uma mudança histórica gigantesca, ainda que muitas vezes essas últimas características
só estejam asseguradas no papel, por isso, geralmente, o desenvolvimento da prisão é associado ao
humanismo. Na perspectiva marxista, o surgimento da prisão acontece não por um propósito
humanitário, mas pela necessidade de domesticar setores marginalizados pela nascente economia
capitalista.
84
Em 1791, Bentham proporia a construção do Panóptico, um prédio circular em torno de uma
torre, por onde o interior da cela de cada detento poderia ser visualmente controlado por vigilância. O
edifício era como uma colmeia, cujas pequenas cavidades poderiam ser vistas todas de um ponto
central, surgindo, assim, as bases arquitetônicas das prisões modernas e uma chave para
compreender o próprio processo de erosão da privacidade, cada vez mais profundo.
Desde o século XVI existem as maisons de force, onde eram recolhidos os mendigos, os
vagabundos e as prostitutas, com trabalho obrigatório. Esses estabelecimentos apareceram em
Londres (1550), Nuremberg (1558) e Amsterdam (1598). A prisão como pena que serve de meio à
reeducação deve considerar-se inaugurada na Holanda, nos fins do século XVI, com o estabelecimento
de casas correcionais em Amsterdam, em 1595 e 1597, respectivamente, para homens e mulheres.
Essas duas prisões, destinadas, em princípio, a ser uma sorte de presídio policial para
vadios, mendigos, prostitutas, transformaram-se depois em penitenciárias. Apareceram, a seguir, casas
com a mesma finalidade em Bremem (1609), Hamburgo (1622) e assim por diante. No século XVIII
surgiram estabelecimentos de detenção na Inglaterra, Alemanha, Holanda e França, onde não havia
qualquer seleção prisional e eram aplicados castigos implacáveis.
O primeiro grande sistema penitenciário foi o da Filadélfia, conhecido como sistema filadélfico
ou pensilvânico, caracterizado pelo rigor externo, absoluto isolamento de dia e de noite, recebendo o
preso, visitas apenas do capelão, do diretor ou guarda da prisão. Era uma prisão tumular, em vida.
Nos EUA surgiu a reação contra tal sistema, inaugurando-se na Cidade de Auburn o
chamado regime auburneano, em que o isolamento era praticado somente no período noturno,
havendo durante o dia trabalho em comum dos presos. Dessa forma, o sistema de Auburn acabou
prevalecendo nos EUA, onde o isolamento absoluto e as refeições foram, desde logo, apontados como
modalidade de punição cruel.
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em três fases, como veremos a seguir:
Já na Irlanda, Walter Crofton introduziu uma inovação entre a segunda e a terceira fases do
regime progressivo que era o recolhimento intermediário em penitenciárias agrícolas. A vantagem do
sistema de Auburn em relação ao sistema da Filadélfia estava na possibilidade de adaptação do preso
à rotina industrial, como o trabalho em oficinas, durante oito ou dez horas diárias, que compensava
custos do investimento e dava perfil mais racional ao presídio. Na Filadélfia o trabalho era artesanal e
não remunerado, em Auburn, a organização do trabalho estava entregue às empresas.
Em rigor, os dois sistemas, tal como concebidos, se revelariam impraticáveis pela quantidade
crescente de presos e pelo preço elevado da construção de penitenciárias com celas individuais.
Inflexíveis também, os dois modelos não ofereciam estímulo aos detentos, limitados a obedecer à
rotina de comportamento e trabalho imposta pela administração do presídio e há aguardar o tempo
passar. Por fim, o sistema progressivo ou irlandês, de origem inglesa, teve por objetivo obter
aperfeiçoamento moral do condenado, por meio de sucessivas fases, paulatinamente alcançadas;
sendo a primeira dessas fases o isolamento, por um determinado período.
Após, passa a realizar, no interior do presídio, trabalhos diversos e de acordo com a aptidão
do detento. Dessa forma, podendo os detentos ser mais bem observados no sentido de verificar se a
terapêutica penal vem atuando sobre os mesmos, em caráter benéfico. Antes de reconquistar
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totalmente a liberdade, o sentenciado recebia o benefício do livramento condicional. Diante disso, a
partir da Europa, desenvolveu-se o sistema progressivo de cumprimento de pena, que se importaria
depois como o mais adequado aos ideais de regeneração. É esse o sistema adotado pelo nosso
Código Penal.
O Código Penal brasileiro de 1940, que adotou o sistema progressivo, admitiu certas
particularidades, que não se enquadram rigorosamente no sistema idealizado por Walter Crofton.
Em 1551 já se mencionava a existência em Salvador, uma cadeia muito boa e bem acabada,
com casa de audiência e câmara em cima, tudo de pedra e barro, rebocadas de cal e telhado com
telha. Nas cidades e vilas, as prisões se localizavam no andar térreo das Câmaras Municipais e faziam
parte constitutiva do poder local. Serviam para recolher desordeiros, escravos fugitivos e,
evidentemente, criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram cercados por muros, os
presos tinham contatos por meio de grades, recebiam esmolas, alimentos e informações.
As prisões estavam alocadas também em prédios militares e fortificados que com tempo
perderam a função. Nas velhas prisões do Rio de Janeiro não existia tratamento correcional, elas
apenas mantinham os presos em severíssima custódia, com alimentação vinda principalmente da
Santa Casa da Misericórdia, o que ocorreu em 1883. Em 1669 foi autorizada a construção de um novo
prédio para substituir o antigo estabelecimento existente no Morro do Castelo, construído por
determinação de Mem de Sá, logo após a derrota dos franceses e tamoios, em 20 de janeiro de 1567.
87
O novo prédio, cujo pavimento térreo serviu de prisão, foi o edifício conhecido como Cadeia
Velha, designação que emprestou à rua que o ladeava, mais tarde Rua da Assembleia. Dessa Cadeia
velha saiu o Alferes Tiradentes para pagar na forca o preço de ter sonhado com a independência, a
abolição da escravatura e a república, em 1789.
Próximo ao local onde hoje existe a Praça Mauá havia um sombrio edifício (a Cadeia de
Aljube), mandado construir pelo bispo frei Antônio de Guadalupe, entre 1735 e 1740, e destinado aos
misteres no foro especial, o juízo eclesiástico, ali purgando seus pecados os padres desobedientes.
Mais tarde, o Aljube foi cedido pela igreja para servir de prisão comum após a chegada da Família
Real, em 1808. Era horrível, continha 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de
0,60 por 1,20 metros.
Em 1831 o número de presos passaria de 500. Em 1856, prestes a ser desativado, o Aljube
seria definido pelo chefe de polícia da corte como um protesto vivo contra o nosso progresso moral. Um
decreto de 1821 marca o início da preocupação das autoridades com o estado das prisões do país, a
intenção era que ninguém seria lançado em masmorra estreita, escura ou infecta, porque a prisão
deveria guardar as pessoas e nunca para adoecer e flagelar. A Constituição de 1824, além de ter
abolido o açoite (mantidos para os escravos), a tortura, a marca de ferro quente e outras penas cruéis,
determinava que as cadeias fossem seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para
separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes.
Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de prisão,
oficinas, enfermarias, escolas, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo parecia
perfeito. Isto é, a nova penitenciária se encaixava num amplo projeto de organização social elaborado
pelas elites do período, no qual um estabelecimento prisional deveria estar à altura do progresso
material e moral.
88
realizando deixava ainda muito a desejar. Em 1940 foi editado o Código Penal, atualmente em vigor,
com algumas alterações, como por exemplo, 1977, 1984, 1989. Outro símbolo da história das prisões
brasileiras foi à Casa de Detenção de São Paulo, também no Carandiru, que chegou a hospedar mais
de 8 mil homens, apesar de só ter 3.250 vagas.
Vimos que a história das prisões no Brasil expõe a fraqueza e a deficiência do Estado em
gerir políticas públicas de segurança. Mas a legislação define o que deve ser prisão e exibe requisitos
mínimos. Portanto, precisam ser corrigidas as deficiências sociais e institucionais. O que não pode é
continuar com essa fragilidade e a ineficiência do aprisionamento sem uma perspectiva plena de
recuperação dos internos, pois muitos presos reincidem, ou seja, voltam a cometer novos delitos
quando retornam à sociedade livre.
Isso prova a ineficácia da pena privativa de liberdade, que só agrava a exclusão social dessa
parcela da sociedade. De quem deve ser a culpa pelo fato de seres humanos serem enviados para
hediondos depósitos de presos que se tornam as delegacias de polícia e as penitenciárias? De acordo
com a visão sociológica de Edna Del Pomo de Araújo (1997, p. 31):
A grande maioria dos indivíduos que ingressam no sistema prisional nunca foi
socializada, no sentido de se sentirem parte integrante da sociedade e de terem
seus direitos civis respeitados. Ou seja, são os chamados excluídos sociais, cuja
passagem pelo sistema prisional produz a perpetuação de sua marginalização
social.
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Diz ela que o fato de não possuírem recursos materiais suficientes que os possibilitem uma
ascensão social e o consequente ingresso na sociedade de consumo, aliado ao sucateamento dos
serviços públicos e gratuitos, impossibilita a milhares de jovens o acesso à saúde, educação, cultura e
lazer. O sistema econômico, político e social são responsáveis pela desestruturação familiar, já que
introduzem o indivíduo no subemprego e na criminalidade.
Instituições que valorizam o ser humano e que acreditam que a plena recuperação de vidas é
possível devem servir como um exemplo a ser seguido para todo o país. Isto é, devem ser espaços
destinados à formação de indivíduos que, em busca da reconquista de dignidade, devem prestar
serviços à sociedade, já que cometeram crimes. Não adianta apenas aprisionar as pessoas, mantendo-
as desocupadas. É preciso libertar os indivíduos por meio do trabalho e da educação, porque os
homens que estão presos hoje serão livres amanhã e, caso não tenham cumprido sua pena em busca
da recuperação de suas vidas, provavelmente voltarão a delinquir.
Parcelas significativas da população não têm outra opção senão o caminho da criminalidade.
Diante desse grave problema social, as políticas públicas para área da segurança foram as de um
aumento do aparato estatal coercitivo. Certo é que a miséria provocada pelo desemprego e a falta de
dinheiro não são os únicos motivos que levam indivíduos a praticarem algum crime.
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A prisão não é só para conter os homens e nem para fazê-los expiar os seus crimes,
nem sequer para reformá-los somente. O que há de se lograr mediante a prisão é
uma educação nacional, que desperta no recluso o sentimento de comunidade e o
fortaleça, sentimento que é fundamental para que possa desenvolver as aptidões
sociais.
A aptidão para a vida livre não se restringe apenas a não permanecer preso, mas sim, na
observação dos princípios da liberdade que tem seu pressuposto maior calcado nos limites sociais,
políticos e econômicos, próprios de cada ser humano e nos valores, morais e éticos que todo ser
humano livre compreende, aceita e tem interiorizado. Quando Mariano Ruiz falou em educação
nacional quis dizer que o estudo ajuda na ressocialização, pois com estudo encontram a melhor
maneira de compreender valores morais. Por isso, a importância da educação nacional.
Alguns internos são oriundos do interior do Estado do Rio de Janeiro, quando não são de
outros estados. Esse fator dificulta as visitas e distancia os detentos de seus familiares, uma vez que a
renda familiar principal é extraída do trabalho masculino, que têm a função de abastecer as famílias.
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O serviço social de uma penitenciária é responsável pelo resgate da identidade familiar dos
presos, quando os familiares distantes são contatados, estimulados a visitarem os internos e a
comparecerem durante a manhã para conversarem cerca de uma hora em um espaço reservado.
Outro aspecto relevante para a recuperação dos detentos são as visitas íntimas, que
cumprem uma função importante no sentido em que a troca de afetos entre o interno e sua
companheira ajuda a aliviar o estresse e a depressão provocados pelo ambiente prisional. Nesse
sentido, é organizado de maneira criteriosa pelo setor de Serviço Social, que cadastra a companheira
do interno e oferece palestras a ambos sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
O ser humano é fruto do meio no qual está inserido, mas, a ele, não basta apenas possuir um
meio digno para viver. É preciso que esse indivíduo se sinta parte de um todo mais amplo, mesmo
sendo a totalidade, para a grande maioria da população brasileira, o bem-estar de sua família e de
seus amigos mais próximos. Outro elemento importante é que, mesmo muitos internos estando cientes
da existência da discriminação aos ex-presidiários por parte da sociedade, eles afirmam que o apoio
familiar e dos amigos é o suficiente para superar os obstáculos do preconceito.
As prisões devem ser espaços de formação de indivíduos que serão reinseridos na sociedade
sob uma nova lógica, a de se sentirem úteis em alguma atividade que estejam dispostos a realizar e,
fundamentalmente, com um suporte psicológico capaz de os fazerem suportar as mazelas provocadas
pela falta de emprego e dinheiro. Assim, no campo social, ou seja, as assistentes sociais dos presídios
trabalham para que a reeducação do infrator seja prioridade com vistas a capacitá-lo à reintegração
social. Dessa forma, a ressocialização do infrator só será de fato alcançada quando este se integrar no
sistema social.
A prisão é frequentemente descrita como o lugar aonde vai se operar uma transformação na
personalidade do preso. Assim, ela teria como virtude possibilitar a reflexão, a introspecção, o
arrependimento. Pela disciplina ela possibilitaria a internacionalização da lei, a aquisição de valores
morais, substituindo um estado de incultura ou uma subcultura por uma cultura caracterizada pelo
respeito à lei e à ordem, pois a pena de prisão é regeneradora. Na construção dessa imagem enquanto
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espaço terapêutico aparece com insistência à referência ao trabalho.
A prisão seria uma espécie de oficina escola onde os presos poderiam curar-se do mal da
ociosidade, admitido como fator que induz ao crime. Uma vida de trabalho e disciplina é, no entanto,
uma exceção ou uma virtualidade nas prisões. O trabalho prisional atende, além disso, a muitos
interesses para além da recuperação do preso. No cárcere tudo se converte em um bem negociável e
isso também ocorre com as oportunidades de trabalho, ou seja, a possibilidade de estar mais próximo
da administração e com isso obter certas vantagens, como o acesso mais fácil ao mundo lá fora, uma
melhor classificação de comportamento, proteção contra os inimigos na cadeia, boa alimentação, etc.
Além disso, o trabalho nas prisões brasileiras chega a ser privilégio de algumas pessoas da
população carcerária, que atuam como cozinheiros, bombeiros, eletricistas, pintores, faxineiros lidando
com a manutenção da cadeia, ou até funcionários burocráticos, em substituição àqueles inexistentes.
O preso que trabalha geralmente é aquele que cumpre a menor pena, mais confiável e
menos perigoso do ponto de vista da administração. O trabalho prisional atende a necessidade da
instituição, tanto material, como forma de suprir as tarefas de muitos funcionários que seriam onerosos
para o Estado, quanto de segurança. O preso que labora pode ser usado como um aliado na
instituição, em determinados ocasiões.
O “faxina” (designação do preso que trabalha, na gíria carcerária) é geralmente escolhido por
suas características colaboracionistas. Há também aqueles que trabalham em favor de seus
companheiros como assistentes jurídicos, escrevendo cartas para os que não sabem escrever, etc.
Mas o que deve ser ressaltado é que o trabalho é algo a ser compreendido no jogo das múltiplas forças
institucionais: a possibilidade de trabalhar é vista pelo preso como um privilégio, em virtude dos
benefícios secundários que acarreta. Além disso, ela é um imperativo, do ponto de vista da
preservação da sanidade mental, para alguém mantido em confinamento por longos anos.
Esse talvez seja o único lucro do preso que trabalha a preservação de sua saúde psíquica.
Fora esse aspecto, lucra sempre a instituição, realizando um ideal antigo do capitalismo (o trabalhador
barato, servil, que deseja apenas trabalhar, exigindo muito pouco). Assim, o fato de um preso trabalhar
no cárcere diz pouco sobre suas possibilidades de reinserção social e muito sobre sua situação no jogo
de poder institucional. Não trabalhar pode significar, por outro lado, apenas não ter tido acesso a esse
privilégio.
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A crença na eficácia do chamado tratamento penitenciário é algo que dificilmente poderá ser
compartilhado por teóricos ou mesmo autoridades nessa área. Tem sido exaustivamente demonstrado
que a prisão, ao contrário de qualquer efeito recuperador sobre o delinquente, parece ter sempre como
subproduto indesejável a reincidência e a preparação para uma carreira de criminoso crônico da qual é
quase impossível escapar, pois isolado de seus laços familiares, ao indivíduo preso só resta
estabelecer novos laços com possíveis futuros cúmplices.
O cárcere é uma instituição totalitária que, com o passar dos anos, deforma a pessoa e
acentua seus desvios morais. Reclamar a alguém do tratamento recebido dentro da prisão pode
significar retaliação futura e silenciosa. Há relatos de espancamentos de jovens criminosos nos EUA,
por terem se esquecido de pronunciar a palavra sir (senhor em inglês) quando se dirigiram a seus
carcereiros. No Brasil também acontece dessa forma.
Exemplo é o caso de Fernando Dutra, sequestrador da filha de Silvio Santos, em 2002. “Ele
foi espancado um mês antes, com canos de ferro, por não tratar de senhor o diretor da prisão. O
episódio não foi apurado na época, segundo versão oficial, porque a vítima do espancamento não
quis”. (Jornal O Globo, p. 4).
Se a prisão degenera não há quem sugira um cenário sem sua presença, os índices de
criminalidade e a necessidade de segregar delinquentes perigosos, capazes de matar, assaltar,
sequestrar, extorquir, etc. conspiram contra essa utopia. Mas a prisão pode ser estrategicamente
reservada para situações em que a liberdade do condenado constitui ameaça concreta, quando não há
alternativa possível. Enfim, tudo se passa como se a prisão produzisse exatamente o contrário daquilo
que seria sua missão primordial, como se ao invés de curar o criminoso ela agravasse o mal.
94
Esse fracasso da prisão tem sido admitido até mesmo por autoridades do sistema
penitenciário, policiais, autoridades judiciárias. Críticas existem muitas, tentativas de reformas são tão
antigas quanto à própria prisão. Apesar de tudo isso, o perito encontra razões para afirmar a eficácia da
prisão em seus pareceres, em algum nível o sistema carcerário precisa desta imagem de eficácia para
que se mantenha em funcionamento.
Sabemos que uma vida exemplar no cárcere pode apenas significar adequação às normas
disciplinares, nada a ver com a saúde psíquica que certamente seria necessária para que um indivíduo
pudesse, à saída da prisão, reorganizar sua vida, vencer o estigma dos criminosos e do ex-presidiário,
arrumar um emprego, regenerar-se.
Uma instituição não é algo abstrato que paira acima das cabeças daqueles que nela
trabalham. Ela se reproduz nas diferentes tarefas que a constituem. É assim que cada um, ao seu
modo, do guarda ao diretor do presídio, do psicólogo ao psiquiatra ou assistente social, se encontra
envolvido na tarefa última e mais importante que é a colocação em marcha da engrenagem carcerária.
Com relação à ética profissional, por exemplo, o que reza a respeito do sigilo profissional o
Código de Ética do Psicólogo:
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Art. 25 §1°- É vedado ao psicólogo remeter informações confidenciais a pessoas ou
entidades que não estejam obrigadas a sigilo por código de ética ou que, por
qualquer forma, permitam a estranhos o acesso ás informações.
§2° - Nos casos de laudo pericial, o psicólogo deverá tomar todas as precauções a
fim de que, servindo à autoridade que o designou, não venha a expor indevida e
desnecessariamente seu examinando.
5.4.2 Ressocialização
E a partir do momento em que o réu deixa de ser réu e passa a ser egresso possível será
concluir que a sociedade o aceitará novamente, pois se pagou por sua má conduta, obedeceu aos
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ditames da lei e cumpriu o que em sentença lhe fora determinado. Por que, então, a sociedade o exclui,
priva-o de todos os direitos e lhe impõe uma segunda punição? O Estado protetor dos direitos das
pessoas promulga leis para proteger àquele que precisa se ressocializar e se reintegrar à sociedade e
aí tudo começa a se perder:
Os conceitos morais da sociedade são mutáveis, basta olhar para uns 20 anos atrás, quantos
conceitos já não são os mesmos, como por exemplo, a família, quanta coisa mudou! Mas por que, com
relação a um ex-presidiário, que já pagou por seu crime, tudo continua na estaca zero, inerte como
sempre foi? Parece simples a resposta: é preciso um trabalho profundo por parte do Estado. É
necessário que a sociedade esteja envolvida nesse trabalho e que todos, Estado, políticos,
profissionais e estudantes de direito, empresários e a sociedade como um todo estejam voltados para a
busca desse objetivo.
A Lei de Execuções Penais tomou por base a necessidade social de trazer ao preso
condições para que, quando egresso do sistema prisional, participe no seio da sociedade de todos os
seus direitos e deveres, em iguais condições e com as mesmas finalidades que qualquer cidadão. Não
se pode querer ressocializar e reintegrar um egresso do sistema prisional à sociedade se não lhe dão
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chance de ter sua autoestima melhorada e ampliada.
Muitas vezes cometem-se delitos por estar no lugar errado, na hora errada e com a pessoa
errada. Cai-se e não se levanta mais. Apesar de tudo, existem leis que teoricamente vão orientá-lo e
apoiá-lo para que se reintegre à sociedade. Todos são direta ou indiretamente culpados pela não
ressocialização e não reintegração do egresso no meio social.
Existe muita discussão filosófica não só a respeito do direito de punir e de suas finalidades,
utilitárias ou não, como também sobre o livre arbítrio ou o determinismo que levariam o criminoso a
delinquir. Também no que se refere ao fim da pena, se seria realmente defesa social, castigo,
reeducação ou ressocialização, o que não se resolve com a visão em si da aplicação da pena somente,
mas em face de vários fatores circunstanciais, de acordo com o tempo e o espaço de sua aplicação.
É bem verdade que as penas evoluíram através dos tempos, sendo humanizadas em muitos
aspectos, principalmente em se tratando das penas restritivas de direito, com a prestação de serviços à
comunidade e a limitação de fim de semana por exemplo. Mas, infelizmente, mesmo com muitas
mudanças, há criminosos que são realmente incorrigíveis.
Vimos na análise dos presídios brasileiros que a situação ainda é caótica. Os governos
federais e estaduais abandonam o sistema penitenciário, com isso os casos de reincidência são
grandes. Se o índice de reincidência é altíssimo, como esperar que o condenado seja reeducado e
ressocializado em um sistema penitenciário quase falido? Dessa forma, em um sistema penitenciário
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falho, promíscuo, ocioso, retrógrado e quase sempre abandonado, onde os criminosos tudo podem, os
condenados que chegam a cumprir suas penas reincidem ao obter a liberdade.
A reincidência poderia ser atribuída ao próprio meio penitenciário, que fabrica seus
criminosos, pois esses não recebem qualquer apoio reeducativo, voltam a delinquir com mais violência.
Além dos criminosos produzidos pelo meio, que reincidem perigosamente, temos aqueles marcados
por estigmas pessoais, que foram denominados natos, isto é, têm ausência total do senso ético-moral
em sua personalidade. Àqueles que partem cedo para o crime, cínicos e imputáveis, irrecuperáveis,
que devem ser tratados em reformatório penal, prisão fechada. São reincidentes genéricos, que
passam rapidamente da ideia ao ato delinquencial.
Para melhor ilustrar esses delinquentes podemos dizer que são pessoas marcadas por um
conjunto de características físicas que conservam algumas taras ancestrais. Para esses indivíduos, que
matam inútil e insensivelmente, sem qualquer respeito pela vida de seu semelhante, ou seja, os
chamados criminosos irrecuperáveis, por exemplo, psicopatas que matam, estupram e promovem toda
a sorte de barbaridades, serão sempre criminosos incorrigíveis, não sendo considerados seres
humanos.
Exteriormente eles ainda têm uma aparência humana, mas isso faz ou não deles seres
humanos? Poderia ser aplicada a pena de morte? Mesmo que em determinados países muitas
estatísticas demonstrem que a criminalidade não se tornou significativamente menor nos países em
que a pena capital foi adotada. Mas mantidos vivos, continuaram ceifando vidas inocentes, que seriam
úteis à sociedade. Eles, que matam, não teriam o direito de continuar vivendo?
Para profissionais de saúde, alguns presos são irrecuperáveis. Para especialistas em Direito,
eles devem receber tratamento adequado para voltar ao convívio social. O certo é que, transgressores
irrecuperáveis ou de difícil recuperação devem ser acompanhados para o resto da vida, pois a nossa
Constituição é clara: pena de morte é cláusula pétrea.
99
também a sua dignidade. Os tempos de bandidagem – que começaram cedo, aos
11 anos e o apelido da vida no crime – ficaram no passado. Quando não conseguia
fugir, cavava túneis, quebrava e ateava fogo nos ambientes, agredia, fazia rebeliões,
manipulava outros adolescentes. “Fui um dos adolescentes mais complicados que já
passaram pela UNIS. Era agressivo e revoltado porque, ao contrário dos demais
colegas, não recebia visitas, não tinha família. Muitos diziam que o meu futuro era
cadeia ou caixão. Hoje sou casado, tenho uma linda filha e ajudo a mudar a vida de
outros adolescentes. É por isso que afirmo, com convicção: se eu não acreditar que
eles podem mudar, é como se eu não acreditasse em minha própria história. Mas
não sou o único. Há muitas histórias de transformação”, contou.
Depois de mais de 200 anos de experiência prevalece ainda o sentimento de que a prisão
não recupera, degenera. Limpa ou imunda, transbordando de pessoas, ou adequadamente ocupada,
próxima ou distante, pública ou privada, a prisão é vista como um mal, muitas vezes inútil. Começamos
com uma realidade notória, o Brasil registra aumento no índice de criminalidade e os crimes praticados
estão cada vez mais ousados. Expande-se a dificuldade do Estado em manter a ordem pública em face
do crescimento e evolução das organizações criminosas.
Pois é, a situação do complexo prisional brasileiro, com raras exceções, é caótica, ou seja, a
superlotação das unidades, as condições de vida dos presos, o crescimento de organizações
criminosas e da corrupção dentro das prisões, aliado à falta de segurança e juízes despreparados não
permitem que os estabelecimentos carcerários cumpram sua função.
Exemplo foi o que aconteceu com o traficante Luiz Claudio Santana, de 49 anos, condenado
a 141 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, que fugiu do hospital onde estava internado, no Rio de
100
Janeiro. Ele havia conseguido autorização da Justiça para ser operado no Hospital Espanhol, que é
particular. Depois de receber alta, no dia 8 de fevereiro desse ano, ele deixou a unidade de saúde.
Lico, como era conhecido Luiz Claudio, estava sem escolta por determinação da Vara de Execuções
Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Rio. De acordo com o hospital, a direção da unidade não sabia
que ele era presidiário.
A justiça lhe concedeu prisão albergue domiciliar, justificando que ele deveria ser submetido a
uma cirurgia na tíbia e no perônio e que o hospital penitenciário não tinha condições de tratá-lo. Lico
ficou quatro meses em um hospital particular sem escolta policial e o médico que o internou foi o
mesmo que lhe deu alta, não pertencendo ao corpo clínico do hospital. O juiz Carlos Augusto Borges,
que lhe concedeu esse benefício, disse que Luiz Claudio, por ter descoberto a sua vocação artística no
presídio, era considerado regenerado, pois realizava um trabalho social integrando outros colegas de
cela, provando que a ressocialização é possível, justificou.
Outra realidade são os presídios de segurança máxima não terem condições físicas para
manter seus presos, mostrando deficiências na construção, como rachaduras e concreto de baixa
qualidade. É preciso elaborar uma proposta para ampliação e construção de presídios urgentemente.
Tendo em vista a atual situação criminal brasileira, um dos desafios do Brasil foi elaborar uma política
criminal que delimitasse com clareza e racionalidade o futuro de suas prisões, isto é, combater a
criminalidade por meio de estratégias de política criminal.
Porém, apesar de avanços recentes, relacionados com a punição de delitos menos graves, a
tendência das autoridades, pressionadas pela opinião pública e pela mídia, tem sido a de recrudescer.
Seria possível enxergar melhores perspectivas nesse sentido em razão da política criminal em curso?
101
5.7 ALGUMAS MUDANÇAS NO SISTEMA PRISIONAL
5.7.1 Privatização
Privatização dos presídios: problema ou solução? Privatização das prisões é subsidiar certos
serviços públicos ao setor privado, desafogando parte do trabalho estatal na condução dos presídios. A
atividade da iniciativa particular deve se resumir na administração do espaço físico prisional, com a
possibilidade de ser empregador do preso.
A privatização foi implantada nos EUA a partir da década de 1980, quando as penitenciárias
estavam superlotadas. A justiça exigia adequação do número de vagas ao número de presos e não
havia recursos para gerenciar e construir novos presídios. Foi introduzido também na Inglaterra, França
e Austrália, mas é nos EUA que o processo se revela mais rigoroso.
O poder público inseriu a iniciativa privada no sistema prisional porque, além da capacidade
alternativa de financiamento, ela tem experiência na gestão de empresas de segurança e operações
hoteleiras. Os empresários prometem não apenas eficiência administrativa e economia de recursos
públicos, mas também condições objetivas para que os condenados se regenerem.
102
por exemplo, a Bahia.
Assim, a privatização das prisões, válida e eficaz, representa parte da solução desse
problema intrínseco no Brasil, pois admite a participação da sociedade e da iniciativa privada para
colaborar com o Estado na importante função de gerir as unidades prisionais. Porém, é importante
lembrar que num país como o Brasil, carente de recursos para construir e adequar penitenciárias, a
gerência de iniciativa privada é arriscada. As relações entre o poder público e as empresas são ditadas
pelos vícios da corrupção, da falta de transparência e do favorecimento. Não é raro, por exemplo, que
governantes deixem de cumprir obrigações contratuais com empreiteiras e prestadoras de serviços.
Sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Projeto de Lei 11.900/09 permite o
uso de videoconferência em tempo real para o interrogatório de presos, sem que esses deixem os
estabelecimentos prisionais, podendo ser usado quando houver risco à segurança pública, ou quando
da impossibilidade do comparecimento do preso em juízo.
A videoconferência vem aparecendo como uma ferramenta tecnológica para realização célere
e efetiva da prestação jurisprudencial, sendo amplamente debatida entre aqueles que a apontam como
meio legal para o combate à morosidade judicial e aqueles que a taxam de inconstitucional. Mas, visto
com bons olhos, seu principal objetivo é tornar mais célere o trâmite processual, evidenciando-se como
fator preponderante no ato on-line a segurança, tanto dos magistrados quanto das partes envolvidas e
da sociedade durante todo o processo.
Além do mais, existem benefícios quanto à economia no cofre público, poupando recursos
com escoltas e transportes dos presos, uma vez que o Estado tem altíssimos custos para tal
procedimento judicial. O governo criou também, um programa de visitas virtual para presos das
penitenciárias federais. Por videoconferência, os presos e seus parentes podem se ver, mesmo
separados por milhares de quilômetros.
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penitenciárias, estavam na fila para o ano seguinte. O projeto da visita parcial é uma parceria da
Defensoria Pública da União com o Departamento de Penitenciária Nacional. A iniciativa do encontro é
do preso, a conversa precisa ser pré-agendada e os familiares são cadastrados e vão até uma sala
onde há equipamento no interior do presídio. No ano de 2012, 232 presos de um total de 446, ou seja,
52% dos detidos, realizaram 870 visitas, envolvendo 2.215 familiares.
Os encontros são às sextas-feiras e duram 30 minutos. Eles não podem estar com punhos
algemados, para não constranger a família, ficam com as algemas nas canelas, fora do alcance da
câmera, e um agente penitenciário fica do lado de fora da sala. Acho interessante esse programa, pois
os presídios federais ficam longe dos grandes centros, como por exemplo, o de Catanduva (PR).
Por decisão judicial foram instaladas escutas nas salas reservadas para conversa entre
advogados e presos, nos quatro presídios federais. A OAB é contra o monitoramento de conversas
entre presos e familiares e advogados nas penitenciárias federais de segurança máxima. Para a OAB,
a gravação indiscriminada é uma agressão à intimidade e à privacidade, além de ferir a inviolabilidade
do sigilo profissional e o respeito às prerrogativas dos advogados. Diante disso, o julgamento para
pedidos de visita foi interrompido e não há previsão para ser retomado.
A polêmica veio à tona porque advogados foram acusados de repassar ordens que
culminaram na onda de violência no Rio de Janeiro em 2010. Certo é que se devem respeitar os
princípios da Constituição, mas temos que levar em conta que nesses presídios federais de segurança
máxima só há criminosos perigosos, considerados irrecuperáveis, como o traficante Fernandinho Beira-
Mar, um dos presos de mais alta periculosidade do país.
104
população carcerária no ano de 1989.
Diante desses resultados, novas mudanças precisam ser tomadas urgentemente, pois várias
propostas se encontram na Câmara para serem apreciadas e votadas, como o Projeto de Lei n°
7.824/10, que permite descontar da pena o tempo que o condenado em regime fechado ou semiaberto
dedica aos estudos. Isto é um incentivo para a estruturação do sistema carcerário, para que haja
estudo para os detentos dentro do presídio e, sendo assim, aquele que estiver preso e estudar poderá
ter sua pena diminuída. Essa proposta foi sugerida pelo deputado Paulo Teixeira de São Paulo, líder da
bancada do PT na Câmara.
Concluindo, em relação ao sistema prisional sabemos que as dificuldades são muitas, que
muitas entidades e empresas particulares estão dando passos decisivos para traçarem novos rumos
capazes de mudar a história dos presos, o que se estende ao egresso, pois que essas iniciativas
podem ajudá-lo, enquanto presidiário, a conquistar uma chance de continuar merecendo a atenção
daqueles que, na prisão, lhe estenderam as mãos.
Essa iniciativa de mudanças se faz principalmente por intermédio do trabalho, pois é a maior
e melhor orientação que qualquer ser humano precisa ter para levantar-se socialmente, visto que sem
trabalho não há dignidade. Algumas empresas começam a despertar e lançam pequenos desafios
direcionados a ajudar encarcerados, dando-lhes trabalho e aceitando alguns egressos em seus
estabelecimentos. Porém, essa iniciativa ainda é tímida.
105
por exemplo, dá ênfase à preparação educacional, profissionalizante e social dos presos para sua
integração no mercado de trabalho e na sociedade.
Muito gratificante é a forma de enxergar aqueles que querem realmente mudar de vida e que
com trabalho eles poderão batalhar por suas chances de sobrevivência. Tendo profissão, as
dificuldades serão menores. Vimos, então, que o Estado de Minas Gerais tomou consciência de que é
necessário haver um trabalho ressocializador, no sentido de encaminhar o reeducando ao mercado de
trabalho para, assim, devolvê-lo à sociedade com dignidade e com condições de sobrevivência.
Quando se percebe que há uma chance de mudar de vida todos querem aprender uma
profissão ou estudar, por exemplo, com cursos profissionalizantes. Em Juiz de Fora essa ideia está a
todo vapor e já se observa mudanças valiosas na Penitenciária José Édson Cavalieri, onde todos os
profissionais (professores, psicólogos, assistentes sociais, agentes penitenciários, etc.) estão altamente
envolvidos na proposta, dando o melhor de si para alcançar êxitos. Enfim, muitas penitenciárias
brasileiras buscam condições para que o preso trabalhe. Minas Gerais deu um passo à frente. Várias
são as sugestões de medidas para o combate à criminalidade, como providências de cunho
administrativo (o aumento do número de vagas e a construção de penitenciárias). Basta torná-las
realidade!
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