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CURSO DE

CRIMINOLOGIA

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Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167
Portal Educação

P842c Criminologia / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012.

132p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-229-9

1. Criminologia. 2. Crime - Delinquência. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 364

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SUMÁRIO

1 A CRIMINOLOGIA E A ANOMIA ...............................................................................................7

1.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINOLOGIA.......................................................................7

1.2 CONCEITO................................................................................................................................ 9

1.3 CLASSIFICAÇÃO E OBJETO DA CRIMINOLOGIA ..................................................................10

1.3.1 Classificação............................................................................................................................10

1.3.2 Objeto .......................................................................................................................................11

1.4 A CRIMINOLOGIA E AS CIÊNCIAS AFINS ..............................................................................11

1.5 CRIMINALIDADE E PSICANÁLISE ...........................................................................................13

1.6 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM A CRIMINOLOGIA .......................................................14

1.7 SOCIEDADE CRIMINÓGENA E A CONDUTA DELITIVA .........................................................16

1.8 EXPRESSÃO SOCIOLÓGICA DA CRIMINOLOGIA ................................................................18

1.8.1 Comportamento de desvio (Anomia) .....................................................................................18

1.8.2 Teorias de Durkheim e Merton em relação ao comportamento de desvio (Anomia) .........19

1.9 FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE ...............................................................................22

2 CRIME E SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO ..................................................24

2.1 CRIME ...................................................................................................................................... 24

2.1.1 Conceito ...................................................................................................................................24

2.1.2 Elementos do crime.................................................................................................................25

3
2.1.3 Divisão do crime ......................................................................................................................25

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMINOSOS (ENRICO FERRI) ........................................................26

2.3 SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO ..................................................................27

2.3.1 Comportamento e personalidade ..........................................................................................27

2.3.2 Sistemas de comportamento ..................................................................................................28

2.4 DELINQUÊNCIA JUVENIL ........................................................................................................33

2.4.1 Delinquência juvenil (Causas sociais) ...................................................................................34

2.4.2 Delinquência juvenil (Idade penal e idade biológica) ...........................................................36

2.4.3 Delinquência juvenil (Será que existe solução?) ..................................................................40

2.5 HOMICIDAS SERIAIS ..............................................................................................................41

3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE ............................................................................................. 43

3.1 VIOLÊNCIA .............................................................................................................................. 43

3.1.1 Introdução ................................................................................................................................43

3.1.2 Conceito de violência .............................................................................................................44

3.1.3 Violência e criminalidade ........................................................................................................45

3.1.4 Agressividade (conduta violenta) ..........................................................................................47

3.2 FATORES QUE CAUSAM VIOLÊNCIA.................................................. ...................................47

3.3 FORMAS DE VIOLÊNCIA .........................................................................................................50

3.3.1 Violência criminosa .................................................................................................................50

3.3.2 Violência institucionalizada ....................................................................................................51

3.3.3 A violência policial ..................................................................................................................52

4
3.3.4 Violência política .....................................................................................................................52

3.3.5 Violência das drogas ...............................................................................................................53

3.3.6 Violação urbana .......................................................................................................................54

3.4 VIOLÊNCIA, MEDO E INSEGURANÇA ....................................................................................55

3.5 SOMOS TODOS VIOLENTOS ..................................................................................................59

3.6 A VIOLÊNCIA E A EXPANSÃO GLOBAL DA CRIMINALIDADE...............................................61

4 VITIMOLOGIA E PENOLOGIA .................................................................................................63

4.1 HISTÓRICO DA VITIMOLOGIA.................................................................................................63

4.2 HISTÓRICO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE VITIMOLOGIA NO BRASIL...........................65

4.3 A VÍTIMA ...................................................................................................................................67

4.3.1 Conceito ...................................................................................................................................67

4.3.2 Classificação de vítima segundo Benjamin Mendelsohn.....................................................68

4.3.3 Classificação vitimológica de Hans Von Hentig ...................................................................69

4.3.4 Classificação de vítimas segundo Guaracy Moreira Filho ...................................................72

4.4 O PAPEL DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL ........................................................................73

4.5 RELAÇÃO DA CRIMINOLOGIA E DA VITIMOLOGIA...............................................................75

4.6 A CRIMINOLOGIA RADICAL E A VITIMOLOGIA .....................................................................76

4.7 PENOLOGIA, CRIMINOLOGIA E PENAS.................................................................................78

5 CRIMINALIDADE E O SISTEMA PRISIONAL......................................................................... 83

5.1 HISTÓRIA DAS PRISÕES ........................................................................................................83

5.2 O SURGIMENTO DOS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS............................................................85

5.3 O SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL .......................................................................................87

5
5.3.1 Histórico sobre o penitenciarismo no Brasil.........................................................................87

5.3.2 Visão do ponto de vista sociológico sobre as questões penitenciárias ...........................89

5.3.3 Tratamento no sistema penitenciário brasileiro ...................................................................92

5.4 FUNCIONÁRIOS DO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO .................................95

5.4.1 Funcionários do cárcere .........................................................................................................95

5.4.2 Ressocialização .......................................................................................................................96

5.5 CRIMINOSOS IRRECUPERÁVEIS ...........................................................................................98

5.6 REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL ................................................................................. 100

5.7 ALGUMAS MUDANÇAS NO SISTEMA PRISIONAL............................................................... 102

5.7.1 Privatização.............................................................................................................................102

5.7.2 Videoconferência em penitenciárias federais ......................................................................103

5.7.3 Mudanças no sistema prisional.............................................................................................104

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................107

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1 A CRIMINOLOGIA E ANOMIA

1.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINOLOGIA

Historicamente, o interesse pela etiologia do crime, isto é, a motivação e a preocupação em


saber por que o homem furta, agride, mata, enfim, viola determinadas normas de conduta social, surgiu
desde a antiguidade. Platão via no crime uma doença da alma, enquanto Aristóteles, em algumas de
suas obras, se refere ao crime e ao criminoso.

Na Idade Média, São Tomás de Aquino (1226/1274) considerava a miséria um dos fatores da
criminalidade. No século XVIII, as obras de Beccaria, com seu esforço renovador, e as iniciativas de
John Howard despertavam imenso interesse pelos problemas jurídico-penais, abrindo caminho para os
estudos criminológicos.

Durante o século XIX intensificou-se o interesse pela sistemática das pesquisas


criminológicas, notadamente sob o influxo do socialismo. Cesar Lombroso (1978), médico e professor
italiano de psiquiatria, salientava “que a mesma dificuldade que se apresenta no estudo do crime,
dentre os animais em geral, observa-se em relação aos seres humanos primitivos”.

Certos animais, por exemplo, da mesma espécie, vivem em comum, mas os mais fortes
devoram os mais fracos, isso é comum entre os peixes. É habitual não só o canibalismo entre os
animais, mas o infanticídio e o parricídio. Como exemplo, a fêmea do crocodilo, que às vezes come
seus filhotes que não sabem nadar e ainda há roedores, como a fêmea do rato, que devora seus
filhotes quando molestados.

O canibalismo e o parricídio são encontrados também entre as raposas, cujos filhotes se


devoram e às vezes à própria mãe. Entre os selvagens foram criminalizadas no curso da civilização,
como, por exemplo, o aborto. O aborto premeditado, desconhecido dos outros animais, foi comum
entre os selvagens, tanto nas primitivas tribos orientais, como na América, por meio de expedientes

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rústicos, tais como, pancadas redobradas no ventre.

As mesmas causas do aborto tornaram frequente o infanticídio entre os primitivos, quando se


sacrificava àquele que vinha logo após o primogênito ou o segundo, e de preferência as meninas, como
ocorriam na Austrália e na Melanésia. Na Índia, do Ceilão ao Himalaia, o infanticídio é consagrado pela
religião.

No Japão e na China, segundo Marco Polo, o infanticídio era uma forma de reduzir o
crescimento populacional. Da mesma maneira, na América e na África.
Na África, quando as mulheres não podiam criar seus filhos, desesperadas pela fome, os jogavam no
rio.

Na Europa, Ásia, África e América havia o hábito de matar os velhos e os doentes. Além do
que, ocorriam homicídios de crianças, mulheres e homens sadios, seja por motivos religiosos, seja por
instintos ferozes. Às vezes, por ira, as disputas conjugais acabavam pelo assassinato da mulher; o
marido, após matá-la, comia o seu coração com um guisado de cabra.

Enrico Ferri (1856 a 1929), penalista e político italiano, professor da Universidade de Siena,
na Itália, embora não contestasse a teoria lombrosiana, destacou outro aspecto na formação do
criminoso:

O homem é um produto do meio social em que vive uma roda na engrenagem da


convivência, incapaz, por tal motivo, de livre arbítrio, agindo como autônomo, não
possuindo vontade própria e com independência somente aparente. (FERRI, 1978,
p. 36).

Já Rafael Garofalo (1978) destacou que “o crime não era visto apenas pela sua gravidade,
mas também pela periculosidade do agente, com o exame da periculosidade do criminoso, diante do
direito penal.” O autor foi quem batizou a nova ciência com o título da obra, “Criminologia”, que publicou
em 1916. Assim, deve-se a Lombroso, Ferri e Garofalo a sistematização e o lançamento das bases
científicas da criminologia.

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1.2 CONCEITO

A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez em 1883. É uma ciência que estuda o
fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas, que isolada ou cumulativamente atuam
sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labores-terapêuticos ou pedagógicos de
reintegrá-lo ao grupamento social. Ou, ainda, define-se Criminologia como “ciência empírica e
interdisciplinar” que se ocupa da circunstância da esfera humana e social, relacionadas com o
surgimento, a comissão ou omissão do crime, assim como o tratamento dos violadores da lei.

A criminologia é um corpo de conhecimento relativo ao crime como fenômeno social. Inclui o


processo de fazer leis, infringi-las e reagir à transgressão das mesmas. Esse processo possui três
aspectos, uma sequencia mais ou menos unificada de interações. Para Nelson Hungria (1963), a
criminologia “é o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a etiologia e tentar a
sua debelação por meios retificativos ou curativos e preventivos”.

Isto é, o conjunto de observações que, colhidas segundo o método experimental, pretende


assumir o caráter de ciência causal-explicativa, em torno ao fenômeno social e humano de
delinquência. Na definição de Roberto Lyra:

Criminologia é a ciência que estuda as causas, as concausas da criminalidade e a


periculosidade preparatória da criminalidade; estuda também as manifestações, os
efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade, a
etiologia da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade, suas
manifestações e seus efeitos. (LYRA, 1964, p. 39).

Para ele, a criminologia é a ciência social ou não é ciência. Ciência social filiada à sociologia
e não à outra ciência social solta.

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1.3 CLASSIFICAÇÃO E OBJETO DA CRIMINOLOGIA

1.3.1 Classificação

Para Orlando Soares, em sua obra “Curso de Criminologia” (1986): “a delinquência é


composta de quatro fenômenos, que são: o crime, o delinquente, a pena e a vítima”. Dessa forma, o
criminologista indica, com descortino, que a Criminologia é ciência que pesquisa as causas e
concausas da criminalidade; as causas da periculosidade preparatória da criminalidade; as
manifestações e os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade; a
política a opor assistencialmente à etiologia da criminalidade e à periculosidade preparatória da
criminalidade.

A criminologia ainda poderá ser desmembrada em dois ramos, como por exemplo:
Criminologia Geral e a Criminologia Clínica. A primeira é encarada em razão de suas tendências, dos
tipos criminosos e da violência empregada. A segunda, em última instância, tem por finalidade o estudo
da personalidade do delinquente e o seu tratamento. A Psiquiatria Criminal se restringe à perícia
psiquiátrica e à avaliação da responsabilidade criminal. No plano científico, na verdade, a Criminologia
Clínica principia o momento em que finda a Psiquiatria Médico-Legal, melhor dizendo, onde se
abandona o domínio patológico.

O estudo da Criminologia Clínica deverá absorver sua interdisciplinaridade e também os


seguintes temas: Penologia, Direito Penitenciário, exame médico-psicológico e social do delinquente,
classificação penitenciária e plano de tratamento reeducativo do preso, espécies de tratamento
institucional em semiliberdade, etc., métodos de trabalho reeducativo, assim como pedagógicos,
psicológicos, psiquiátricos, sociológicos e, ainda, a execução do processo de cura reeducativo (labor
nos centros de observação, nas casas de reeducação, nos nosocômios de custódia e assistência
psiquiátrica, etc.).

Já segundo Luis Jiménez de Asúa, os três elementos relacionados ao fenômeno penal – o


crime, o delinquente e a pena – constituem o centro das preocupações das ciências penais no seu
todo, ou seja, a denominada Enciclopédia das Ciências Penais:

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a) Ciências Histórico-Filosóficas: História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito
Penal Comparado.

b) Ciências Causal-Explicativas: Criminologia, Antropologia Criminal, Sociologia Criminal,


Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise Criminal.

c) Ciências Jurídico-Repressivas: Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito


Penitenciário.

d) Ciências Auxiliares e de Pesquisa: Penologia, Política Criminal, Medicina Legal, Psiquiatria


Forense, Polícia Judiciária Científica, Criminalística, Psicologia Judiciária e Estatística Criminal.

1.3.2 Objeto

A Criminologia tem objeto independente e determinado. Sendo uma ciência realista e não
normativa possui como objeto a dimensão naturalística do evento criminoso.

1.4 A CRIMINOLOGIA E AS CIÊNCIAS AFINS

A criminologia é a ciência causal-explicativa composta de quatro ramos sendo eles a


antropologia criminal, psicologia criminal, sociologia criminal e penologia, distinta das ciências jurídico-
repressivas como, direito penal, direito processual penal e política criminal e ainda da ciência da
investigação criminal, compreendendo política criminal, medicina legal, penologia, psiquiatria forense,
polícia judiciária científica, criminalística, psicologia judiciária e estatística criminal.

A criminologia é considerada uma ciência do ramo da Sociologia que trata do crime e do


criminoso, apoiando-se em várias outras disciplinas, tais como:

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• Biologia, sob o aspecto da biotipologia criminal e estudo das doenças mentais.

• Endocrinologia, quanto à influência do bom ou mau funcionamento das glândulas de


secreção interna na conduta do homem.

• Genética, quanto à transmissão hereditária, de pais e filhos, de certos caracteres morais


físicos, como a agressividade, ou de um terreno constitucional propício para o desenvolvimento
de certas moléstias.

É importante frisar, que:

Os caracteres morais não se transmitem por hereditariedade e sim pelo convívio e


exemplo, pois a maioria dos psicólogos concorda que o homem não tem mais
moralidade ao nascer do que qualquer outro animal. A criança é primitivamente
amoral e só começa a exibir uma conduta moral na medida em que atuam sobre ela
as proibições e as coações dos maiores. (MIRA Y LÓPEZ, 1995, p. 89).

A moral penetra então, de fora para dentro, como uma cunha, na criança, sob a forma de
regras de conduta, impostas pela força.

• A Psicologia que embora não tenha o privilégio de explicar as razões que levam o
homem a furtar, a agredir e a matar, contribui com o estudo da conduta ou comportamento do ser
humano. Psicologia Criminal é o ramo da Psicologia que estuda as manifestações psíquicas, por meio
da classificação dos processos psíquicos do homem delinquente.

• A Psicanálise tem uma estreita relação com a Criminologia ao se ocupar de


problemas básicos e aspectos importantes do fato criminal. Assim, a psicanálise oferece uma rica
gama de explicações para o comportamento delitivo. Sua contribuição criminologicamente mais
significativa das doutrinas psicanalíticas discorre em dois planos, o teórico e o clínico, trazendo uma
sugestiva explicação do delito e do castigo, e uma nova terapia, útil para determinadas perturbações

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psíquicas. Psicanálise Criminal é o ramo da Psicanálise que se dedica ao estudo da personalidade do
delinquente, partindo das angústias e dos complexos de culpa que o afligem, levando-o à procura da
bebida, da droga, enveredando pelos caminhos do crime, para a solução dos seus problemas íntimos.

• A Psiquiatria é o estudo de psicoses ou doenças mentais declaradas, revela as


anomalias das personalidades antissociais e perversas.

• A Sociologia parte do ponto de vista da influência do meio físico na gênese do crime e


discorre até que momento o crime é um fenômeno da vida sociocultural, por isso que determinados
autores como, por exemplo, Roberto Lyra, liga a Criminologia à Sociologia. Sociologia Criminal é a
ciência que estuda o fenômeno criminal do ponto de vista da influência do meio social sobre a conduta
humana criminosa.

1.5 CRIMINALIDADE E PSICANÁLISE

A Psicanálise ou análise da psique, foi concebida por Freud, se funda em postulados


científicos e filosóficos, envolvendo conceitos relativos a um novo aspecto da personalidade humana. A
Psicanálise de Sigmund Freud (1856 a 1939) foi recebida friamente na Alemanha, despertou algum
interesse em outros países e teve uma grande aceitação nos Estados Unidos, onde, por algum tempo,
tornou-se o processo de tratamento das neuroses mais usado naquele país.

Luis Jiménez de Asúa estudou os criminosos e degenerados do inferno de Dante,


comparando-os com aqueles descritos pela Escola Criminológica. Dizia que:

Cada indivíduo guarda em sua personalidade psíquica a herança psicológica inteira


do criminoso, ao que se supõe a herança selvagem, e sobre as duas juntas se
estabelece a organização recente de ego atual civilizado. (ASÚA, 1898).

Segundo a concepção psicanalítica, a maior ou menor tendência para o crime resulta de


complexos que se manifestam por intermédio do impulso agressivo ou sádico. Uma grande corrente

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adota a posição crítica reservada às dúvidas sobre a utilidade e os resultados sobre o valor da
Psicanálise na Criminologia. Já outros defendem sua utilidade principalmente para os delinquentes
sexuais.

A psicanálise poderá ser utilizada criminologicamente na investigação de alguns casos de


delitos. Assim, todas as escolas e métodos psicológicos, as ciências antropológicas e sociológicas,
ajudarão a mostrar o enfoque de alguns delinquentes. A Antropologia, a Biologia Criminal, e seus
aspectos particulares, como a Psicologia, poderão ajudar a reduzir a Criminologia. Um tratamento
psicanalítico exige entrevistas frequentes, longo tempo, impondo ao paciente uma série de condições,
além de alto custo operacional.

1.6 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM A CRIMINOLOGIA

O estudo do Direito Penal pode abranger unicamente seu conteúdo normativo, ou ainda
outras áreas disciplinares correlatas aos fenômenos sociais que integram as infrações e as penas. Sob
o conteúdo normativo, valorativo e interpretativo, o Direito Penal também é conhecido, como preferem
seus estudiosos, como Dogmática Jurídico-Penal, que nada mais é que a teoria do Direito Penal.

Já a Política Criminal dirige sua finalidade para uma exegese crítica do direito penal vigente,
estabelecendo critérios aptos a torná-lo um ideal de justiça, efetivamente condizente com a realidade
social do meio aplicável. Tem por pressupostos critérios de oportunidade e atualidade. Precisamente,
consiste naquele setor da política que guarda relação com a forma de tratar a delinquência (refere-se
ao conjunto de critérios empregados ou a empregar no tratamento da criminalidade).

O Direito Penal é definido como uma disciplina jurídica da reação social contra o crime.
Entende como fatos juridicamente tipificados como crimes, enquanto a criminologia entende como os
pressupostos naturalísticos do crime, considerada como fenômeno individual ou como de massa. Isso
quer dizer que o Direito Penal é uma ciência normativa, que impõe regras de conduta, eminentemente
proibitivas, punindo àqueles que as violam.

O Direito Penal, sendo uma ciência normativa, é a ciência da repressão social ao crime, por
meio de regras punitivas que ele mesmo elabora. O seu objeto, portanto, é o crime como um ente

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jurídico e, como tal, passível de suas sanções. Entre o Direito penal e a Criminologia há uma relação
de necessidade, fornecendo os indicadores da criminalidade para as ações estratégicas.

O movimento criminológico do Direito Penal teve início com os estudos do médico italiano e
professor em Turim César Lombroso, expondo suas teorias e abrindo nova etapa na evolução das
ideias penais. O Direito Penal tem por objeto o estudo das normas penais, com enfoque sistemático, e
a Criminologia possui o encargo de estudar o delito não como fato jurídico, mas, geralmente, como fato
social, visando fortalecer os instrumentos de prevenção e repressão.

A criminologia ocupa-se de estudar também o crime e o infrator, mas não sob o aspecto
normativo interpretativo e sim sob o prisma sociológico, biológico, natural, englobando toda a
fenomenologia dos delitos e também das penas. A Criminologia é uma ciência causal-explicativa, tem
por objeto a incumbência de não só se preocupar com o crime, mas conhecer o criminoso, montando
esquemas de combate à criminalidade.

Assim, a Criminologia não é uma ciência jurídica, mas pré-jurídica, porque contribui não só
para o aprimoramento da elaboração da norma penal, como para o tratamento adequado do criminoso
e melhor realização da justiça penal. Tanto pelo método quanto pelo objeto o Direito Penal e a
Criminologia não se confundem, constituindo ciências autônomas.

Mas observamos que há enorme influência da Criminologia sobre o Direito Penal, no tocante
dos estudos e pesquisas criminológicas, não só do ponto de vista de encarar o ser humano, como
agente do crime, no sentido de que a pena tenha finalidade mais terapêutica e de ressocialização do
que punitiva, como também do ponto de vista da interpretação da natureza da ação ou omissão
criminosa, em função e consideração de determinadas contingências sociais, isto é, os fatores
criminológicos que podem e devem ser neutralizados, pois constituem causas da criminalidade.

É importante frisar que Criminologia e direito penal têm que atuar em conjunto para que
permita ao Estado uma política criminal que consiga, efetivamente, prevenir e controlar a criminalidade.
Atualmente, a Criminologia evoluiu para um estágio denominado de Criminologia Crítica, que procura
enxergar não somente os fenômenos do delito, como também questionamentos sobre fatos relevantes
não somente ao autor, mas aos órgãos de controle social.

Assim, tanto a criminologia como o direito penal estudam o mesmo objeto, qual seja, o delito.
Mas divergem quanto ao método. Não obstante, junto com a Política Criminal se completam, formando

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o universo das ciências penais. Colaboram ainda, em um mesmo terreno, a Medicina Legal e a
Criminalística.

1.7 SOCIEDADE CRIMINÓGENA E A CONDUTA DELITIVA

Valorar a ação humana e definir se algo é indesejável ou não, frequentemente denota a ideia
de um direito distinto do Direito Positivo, ou seja, o direito posto e o imposto pelo Estado,
fundamentado na ideia de que certo e errado são determinados por um padrão eterno, universal e
imutável.

Imaginar um Direito Natural significa conceber uma ordem normativa natural como expressão
da natureza das coisas e adequada à vida prática, ao senso comum, o conjunto de opiniões e
sentimentos que nos são impostos pela tradição e por pressentimento. Por pressentimentos ou tradição
somos levados a definir determinadas condutas como irritantes, perigosas e até mesmo crime, e a
reconhecer que existe gente malvada, irrecuperável, até mesmo por conta da personalidade voltada ao
crime.

Podemos concluir, então, que a sociedade é criminógena, produz e reproduz crime e


violência, promove desigualdade e exploração, intensificando diferenças e promovendo condições que
levam as pessoas a cometerem infrações. A sociedade seria, portanto, um caldo de cultura da
criminalidade, razão pela qual temos os criminosos que merecemos e não podemos acusar ninguém,
pois somos todos culpados.

O crime é primordialmente um conjunto de complexo fenômeno social, reflexo de atos


políticos enraizados em conflitos decorrentes de profundas desigualdades entre grupos sociais e
classes antagônicas. Não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa para o
universo heterogêneo da criminalidade. Por exemplo: os roubos praticados nas esquinas, por meninos
pobres, que vivem nas ruas cheirando cola, abandonados à própria sorte, sem acesso à educação e ao
amor de uma família que os respeite, evidentemente expressam esse contexto social.

É claro que esses crimes são indissociáveis desse quadro social. O mesmo vale para as
drogas, juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino.

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Oferecem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas pelo mercado de
trabalho. Outros, como os operadores do tráfico de armas, que atuam no atacado, levando dinheiro no
mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza nem da desigualdade, suas práticas são
estimuladas, geralmente, pela impunidade.

Só que a ideia de impunidade é também uma simplificação relacionada com a nossa


disposição em encarar certos atos criminosos como comportamento normal. Por exemplo, a pirataria
(modalidade de crime organizado que o cinema e a cultura popular romantizaram) praticada há muito
tempo, desde quando os navegadores fenícios saqueavam os portos do Mediterrâneo.

Grandes cidades como Nova York, Boston, Filadélfia e Buenos Aires somente sobreviveram e
se viabilizaram graças à pirataria, ao comércio ilegal sustentado por sua clientela de receptadores,
funcionários corruptos e consumidores que, assim como hoje, não dispensam os serviços do crime
organizado. No caso do narcotráfico é preciso acabar com o círculo vicioso (traficantes e consumidores
de drogas), pois uma ponta alimenta a outra.

Para investigar as causas determinantes da conduta delitiva do homem torna-se obrigatório o


conhecimento não só das causas gerais da criminalidade, como também de noções básicas sobre a
Criminogênese. Trata-se do capítulo da Criminologia que estuda os mecanismos de natureza biológica,
psicológica e social, por meio dos quais se engendram e desencadeiam os comportamentos delituosos.

Os componentes pessoais de uma conduta delitiva são determinados componentes de


vulnerabilidade, expressando-se por intermédio desse conceito a predisposição à conduta delitiva
provocada pelos fatores sociais, isto é, a presença desses componentes no choque com uma situação
social desfavorável e difícil, que determina a conduta delitiva.

Os itens de vulnerabilidade são representados pelas insuficiências, instabilidade, ausência de


ideais, etc. As circunstâncias do crime, a sua gravidade, os motivos determinantes da conduta do autor
integram-se ao lado das condições familiares e sociais.

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1.8 EXPRESSÃO SOCIOLÓGICA DA CRIMINOLOGIA

1.8.1. Comportamento de desvio (Anomia)

Para que o sistema social se mantenha em equilíbrio é importante que haja uma
padronização dos comportamentos dos seus membros, sem a qual ela entra em processo de anomia.
Em qualquer sociedade do mundo, por mais eficientes que sejam as suas normas de conduta e bem
estruturadas e aparelhadas as suas instituições jurídicas, vamos encontrar comportamento de desvio,
como um verdadeiro fenômeno universal.

Pode variar de intensidade, ou seja, em uma sociedade encontraremos maior incidência de


comportamento anômico que em outra, em algumas haverá a incidência de um tipo de desvio, mas o
fenômeno sempre existirá. Se as leis são boas, bem elaboradas, adequadas aos interesses sociais e
se as instituições destinadas a manter a ordem jurídica são eficientes e bem estruturadas, em princípio
não deveria ocorrer comportamento anômico. Todos deveriam estar empenhados em manter um
comportamento em harmonia com as normas de conduta social, de sorte a não existir desvio. Mas não
é o que ocorre.

É importante distinguir “causa” de “fator” que são coisas diferentes, mas muito confundidas.
Por “causa” entende-se aquilo que determina a existência de uma coisa: a circunstância sem a qual o
fenômeno não existe, pois o agente é o causador do fenômeno social, sua origem, princípio, motivo ou
razão de ser. Eliminada a causa, o fenômeno haverá de desaparecer.

Já o “fator”, embora não dê causa ao fenômeno, concorre para a sua maior ou menor
incidência. É a circunstância que, de qualquer forma, concorre para o resultado. Pode-se dizer, por
exemplo, que a pobreza é um fator de criminalidade, porque, segundo estatísticas, a maioria da
população carcerária é constituída de pessoas provenientes das classes sociais mais humildes. Mas
não é certamente a causa de crime, porque há um número muito grande de pobres que não delinquem.

Pode-se dizer, ao mesmo tempo, que o analfabetismo e a ignorância são outros fatores de
criminalidade, porquanto na mesma população carcerária podemos encontrar boa parte de pessoas
analfabetas ou portadoras apenas de instrução primária. Mas não é causa de criminalidade, porque há
milhões de analfabetos no Brasil que não enveredam pelos caminhos do crime. Devemos nos

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preocupar com as causas e não com os fatores.

Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias nações mundiais, são dos mais
diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma marca que vem sangrando há
gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes culturas. E há casos em que ela é gerada
de forma pessoal, quando a própria pessoa constrói fatores que acabam resultando em situações
violentas, como o desrespeito, o uso de drogas, a ambição e até mesmo resultado da educação
familiar. Não adianta combater os fatores sem eliminar as causas. Seria como secar a árvore daninha,
arrancando-lhe simplesmente as folhas, sem cortar-lhe a raiz.

1.8.2. Teorias de Durkeim e Merton em relação ao comportamento de desvio (Anomia)

Sociologicamente, pode-se afirmar que comportamento anômico indica desvio de


comportamento ou comportamento desviante que pode ocorrer por ausência de lei, conflito de normas
ou ainda desorganização pessoal. Sociólogos empenham-se em encontrar as causas do
comportamento anônimo, entretanto, dois sociólogos dedicaram-se particularmente ao estudo da
anomia: Durkheim e Merton. Esses autores desenvolveram, em períodos diversos, uma teoria sobre a
anomia com grande repercussão no meio acadêmico.

O conceito de anomia, como tantos outros conceitos sociológicos, passou por várias
modificações por meio de diversos autores. Durkheim, sociólogo francês, usou a palavra anomia (falta
de lei ou ausência de norma de conduta) pela primeira vez, em seu famoso estudo sobre a divisão do
trabalho social, em um esforço de explicar certos fenômenos que ocorrem na sociedade.

De acordo com a Teoria de Durkheim (2007), “a causa comum está no fato de o homem ter
em princípio desejos ilimitados. Somente a sociedade pode impor regras, ou seja, colocar limites aos
desejos do indivíduo, propiciando um equilíbrio entre as necessidades pessoais e os meios disponíveis
para obter satisfação. No caso de uma brusca mudança das condições econômicas, os indivíduos
perdem as referências anteriores e a sociedade não consegue imediatamente impor novas regras.

Nessa situação caótica podem desencadear-se os desejos ilimitados, como por exemplo: o
rico que vive uma catástrofe não pode conformar-se com a sua nova realidade e isso o leva ao

19
desespero. Por outro lado, a pessoa que enriqueceu bruscamente entra em uma dinâmica de ambição
insaciável: entra em luta contínua e árdua e o menor insucesso pode levá-lo também ao desespero,
não conseguindo mais distinguir entre aquilo que deseja obter e realmente pode obter. Trata-se de uma
situação de perda de referenciais.

A teoria da anomia surge com a tentativa de Durkheim de explicar as formas e as


consequências patológicas da divisão de trabalho, principalmente a presente tendência de uma visão
cada vez maior do trabalho ser acompanhada por uma coordenação imperfeita das partes, com
redução da solidariedade social e conflito entre as classes sociais. Tais condições surgiam quando os
indivíduos que desempenhavam funções especializadas na divisão de trabalho não possuíam entre si
uma interação suficientemente estreita e contínua que permitisse o desempenho gradativo de um
sistema de regras e entendimentos comuns.

Na falta de tais regras, ampliando-se a impossibilidade e a incerteza, as pessoas são


dominadas por objetivos contraditórios, de que resulta confusão, realização insuficiente de funções
sociais essenciais e tendências à desintegração social. Enfim, decompõe-se o corpo de regras comuns,
que é o principal mecanismo de regulamentação das normas entre os elementos do sistema social.
Durkheim conceituou tal situação de anomia como ausência de normas.

A tese de Durkheim apresenta muitos pontos verdadeiros no que concerne às sociedades


superdesenvolvidas, contudo o mesmo não acontece em relação às sociedades subdesenvolvidas, na
qual se verifica o maior índice de comportamento de desvio, especialmente no que tange à
criminalidade, entre os menos especializados ou mesmo sem nenhuma especialização. Por essa razão
a Teoria de Durkheim foi contestada por muitos.

Só quarenta anos depois, Robert King Merton, sociólogo americano, escreveu um artigo
famoso de apenas dez páginas, que teve o mérito de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral
da anomia. Segundo sua teoria:

Em toda sociedade há metas sociais a serem alcançadas, entendendo-se como


metas, em uma sociedade capitalista, o sucesso na vida, sendo esta traduzida como
fortuna, poder, prestígio, popularidade, etc. Para atingir as metas há os meios (os
recursos) oferecidos pela sociedade para alcançar aqueles objetivos. Os meios
existentes são insuficientes, nem estão ao alcance de todos, acarretando, assim, um
desequilíbrio entre os meios e as metas. (MERTON, 2007, p. 199-200).

20
Assim, segundo Merton, o insucesso em atingir as metas culturais devido à insuficiência dos
meios institucionalizados pode produzir o que ele denomina de anomia. Acontece quando o indivíduo
não respeita as regras de comportamento que indicam os meios de ação socialmente aceitos. Surge
então o desvio, ou seja, o comportamento desviante. Um exemplo típico refere-se à criminalidade, mas
também podem ser incluídas as faltas disciplinares, os comportamentos não convencionais e os que
demonstram desinteresse pelas metas culturais. Em todos esses casos, detecta-se a inobservância
das regras de conduta social.

Merton classificou os comportamentos de desvio como:

• Conformista - conduta seguida pela sociedade (buscam as metas prescritas por


intermédio dos meios institucionalizados), por exemplo: respeita as normas fixadas pela sociedade;

• Ritualista - abandona as metas sociais e inverte os valores quanto aos meios. Esse
comportamento torna-se prejudicial à sociedade. Por exemplo: quando as autoridades recusam
mudanças ou reformas sociais, mesmo sabendo que as instituições e legislações não estão adequadas
às realidades sociais, renuncia às metas, apegando-se aos meios.

• Evasão - rejeita as metas culturais e valores (renuncia a tudo que a sociedade oferece
ou determina), como por exemplo: hippies ou comportamentos autodestrutivos, alcoolismo e
dependentes de drogas.

• Rebelião - derruba todos os meios e metas sociais. Manifesta-se nos momentos de


grandes crises sociais (buscam novas terras, terrorismo e manifestações violentas. Enfim, uma nova
estrutura social).

• Inovacionista - comportamento de desvio mais frequente na sociedade. Funciona no


seu aspecto negativo (são retratadas todas as formas de delinquência) por motivos econômicos. Para
atingir a riqueza recorre ao delito, realizando assim os seus objetivos. Os inovacionistas adotam a

21
filosofia de que os fins justificam os meios, ainda que não sejam socialmente aprovados. Procuram
vencer na vida sem fazer força. E no aspecto positivo visam criar novos meios, mais eficientes para
realização dos meios sociais, inovações que trouxeram benefícios à sociedade, desenvolvimento, como
por exemplo: a luz elétrica.

O sociólogo investiga a causa em um sentido cientifico e normalmente busca uma


confirmação estatística. O que se pode dizer é que nem os fatores criminológicos individuais, nem as
condições ambientais econômicas e sociais são adequados para justificar qualquer ação individual.
Podem existir algumas circunstâncias nas quais os fatores individuais desempenham um papel
relacionado a um meio social específico (psicopatas), o impulso é mais por fatores individuais do que
sociais. São as desvantagens sociais e econômicas que devem ser objeto de maior atenção.

A delinquência não é resultado só de fatores individuais, tampouco de um nocivo meio social,


originando-se de uma resposta individual aos estímulos do ambiente socioeconômico que a circunda. A
explicação para a ausência de sucesso de uma satisfatória explicação para a etiologia criminal ressalta
da necessidade de incrementar a investigação interdisciplinar, os fatores psicológicos e sociais, pois
essa investigação é necessária para explorar totalmente a multiplicidade de fatores individuais e sociais
que conduzem ao delito.

1.9 FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE

O comportamento criminal não pode ser estudado in vácuo, como se fosse um


comportamento à parte. A possibilidade da ação delitiva varia inversamente com as probabilidades
abertas a um indivíduo para a satisfação de suas necessidades por meios legítimos, estabelecendo-se
uma correlação entre as inferiores condições de vida, o baixo nível de educação, desemprego, etc.
Portanto, a criminologia passou a ter uma direção voltada para a realidade e não ao campo de
especulação teórica e da discussão acadêmica, ao qual estava condicionada.

A criminologia pertence ao âmbito das ciências empíricas, significando que seu objetivo
(delito, delinquente, vítima e controle social) se insere no mundo real, do verificável, do mensurável, e
não dos valores. Que conta com um sólido substrato ontológico, apresentando-se ao investigador como

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um fato a mais, como um fenômeno da realidade.

23
2 CRIME E SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO

2.1. CRIME

2.1.1. Conceito

O Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890 traziam o conceito de crime. Na


legislação atual isso não ocorre. Portanto, o Código Penal não apresenta uma definição de crime,
sendo a questão estudada pela doutrina. Para Fragoso, “crime é uma conduta (ação ou omissão
contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena)”. Conforme Carmignani, “crime é qualquer ação
legalmente punível”. Já para Maggiore, “crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça da
pena”.

O crime é um fato típico, antijurídico e culpável, para fins de aplicação de pena. É a conduta
humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. O crime é, antes de
qualquer coisa, um fato que vem previsto em lei e do qual pode resultar a pena cominada na regra
sancionada. É um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídicos-penalmente)
protegidos.

Crime ou delito é a violação da norma contida no texto penal. Tal definição baseia-se na
afirmativa de que todo o direito penal alicerça-se sobre o binômio “delito e pena”. O comportamento
delituoso do homem pode revelar-se por atividade positiva ou omissão. Porém, para constituir delito,
deverá ser ilícito, contrário ao direito e revestir-se de antijuridicidade.

24
2.1.2 Elementos do crime

Em uma visão inicial e panorâmica do fato típico punível do crime, são elementos do crime:

• Fato típico em si – comportamento humano previsto como infração penal (é o


comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto em lei
penal como infração.

• Fato antijurídico – contrário ao ordenamento jurídico (é a relação de contrariedade


entre o fato típico e o ordenamento jurídico).

• Culpabilidade – juízo de reprovação (não é característica, aspecto ou elemento do


crime, e sim mera condição para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta).

2.1.3 Divisão do crime

Dividem-se os crimes, conforme o Código Penal, em doloso e culposo.

• Crime Doloso – é aquele em que o agente quer o resultado ou assume o risco de


produzi-lo. Dolo é a consciência e a vontade na realização da conduta típica, isto é, a representação e
vontade em referência a um fato punível, que o agente pratica sabendo ser o mesmo ilícito.

• Crime Culposo – é aquele em que o agente causa o resultado por imprudência,


imperícia ou negligência. Isto é, a culpa é a prática não intencional do delito, mediante imprudência,
imperícia ou negligência.

25
Portanto, a diferença entre eles resume-se em que no crime doloso a pessoa efetua o ato
“com a intenção de causar algum dano a outro indivíduo”, isto é, ela tem o propósito de cometer o
crime e consegue o resultado, pois doloso se origina da palavra dolo, que significa má-fé, ação
praticada com a intenção de violar o direito alheio.

Já quando o crime é culposo significa que o agente do ato não teve a intenção de praticar o
mal, não tinha a intenção de praticar o crime, mas mesmo assim obteve o resultado. Não havendo
intenção de o agente cometer determinado crime, a pena para um crime culposo é bem menor do que
a de um crime doloso.

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMINOSOS (ENRICO FERRI)

A classificação dos criminosos, feita por Enrico Ferri, considerada em 1885 como a melhor no
Congresso Internacional de Criminologia, em Roma, são as seguintes:

• Criminoso louco – os clássicos não concebiam, era, entretanto, classificado pelos


positivistas, que entendiam que não há uma responsabilidade moral e sim responsabilidade social.
Hoje, ao invés de loucos, são doentes mentais.

• Criminoso nato – é o tipo instintivo do criminoso, com os seus estigmas de


degeneração indicativos de forte inclinação ao delito, com o seu traço característico essencial e
dominante, a completa atrofia do senso moral.

• Criminoso habitual – é aquele que faz do crime uma profissão. Vive para o delito. Sai
da prisão para voltar a delinquir, vive constantemente cumprindo pena.

• Criminoso passional – é um homem de sensibilidade exagerada, que o leva a cometer

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delito. O criminoso passional confessa amplamente o delito praticado, sinceramente se arrepende,
razão pela qual quase sempre se suicida ou tenta seriamente fazê-lo.

• Criminoso ocasional ou acidental – é aquele que delinque porque surgiu a ocasião


propícia. Débil é o seu temperamento, o seu caráter, e ele facilmente se conduz ao crime, impedido por
transitórias sugestões do ambiente.

2.3 SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO

2.3.1 Comportamento e personalidade

O comportamento criminoso é o resultado de certa característica da personalidade ou, então,


a característica é o resultado de experiências criminosas. Em outras palavras, ou uma determinada
característica da personalidade estava presente no início de uma carreira de delinquente, ou a
característica que se desenvolveu durante a carreira não é manifestada.

O estudo da personalidade, assim, é o estudo dos fatores que determinam a periculosidade


social do réu e a criminologia coloca-se no lugar do Direito Penal como a ciência que investiga todas as
causas do crime, consideradas em seu conjunto e indica os meios mais idôneos para eliminá-las.

A criminologia não pode estudar o indivíduo prescindindo da análise do ambiente em que


viveu e agiu, pois são vários fatores, individuais e sociais, que agem e que se influenciam
diversamente, com os mais diferentes resultados. O criminólogo deve propor analisar, gradativamente,
de que maneira o delinquente chega à ação criminosa, não apenas justificar os motivos por conta
própria. Deve atribuir-lhe um valor, assim como também sentir-se levado a realizá-la. Certo é que o
criminólogo deve procurar compreender a ação delituosa de um homem, buscando os motivos que
agiram sobre o seu ânimo.

27
2.3.2 Sistemas de comportamento

A cada variedade de crime corresponde não apenas uma definição jurídica, contida na lei,
mas também um ou mais sistemas de comportamento ou de ação social de estrutura estável, cujas
funções transcendem as necessidades dos infratores, gerando até mesmo benefícios no sistema social
como um todo, usando como referência as definições contidas na lei.

Identificamos vários sistemas de comportamento criminoso, mas examinaremos alguns


contidos no Código Penal, não incluindo todos os atos que a lei proíbe como veremos nos tópicos
abaixo.

• a) Crime violento contra a pessoa

Sistema de comportamento criminoso composto de atos envolvendo relacionamentos que


resultam em conflito, lesão física grave ou morte. Incluem formas específicas, como homicídio,
periclitação da vida e da saúde, estupro, sedução, corrupção de menores, todas de difícil prevenção,
uma vez que em geral não são premeditadas, resultam de sentimentos irracionais, paixões ou medo.

A relação íntima que caracteriza a maioria desses crimes violentos, às vezes, facilita o
trabalho da polícia na descoberta do agressor, mas também dificulta o controle das ações,
frequentemente enredadas em situações de emotividade, como triângulos amorosos, desavenças,
briga por dinheiro e disputas por propriedade, envolvendo pessoas que se conhecem e até se amam.

• b) Crime ocasional contra o patrimônio

Sistema de comportamento criminoso que denota tipos e modalidades de furto, roubo,


extorsão, apropriação indébita, estelionato, etc. quando cometidos de forma infrequente ou irregular,
não raro por gente inexperiente. Os infratores não o fazem no exercício de uma carreira, são pés de
chinelo ou menores de idade que assaltam, roubam veículos ou praticam atos de vandalismo em grupo

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ou para obter alguma vantagem econômica.

Não se consideram criminosos nem estão suficientemente familiarizados com a subcultura do


crime. As técnicas que utilizam são deficientes e pouco desenvolvidas. Caso roubem, fazem-no para
satisfazer necessidades imediatas, sem planejamento, até por desespero motivado por situação
temporária de penúria, ou então por brincadeira ou aventura.

• c) Crime organizado (Macrodelinquência)

A expressão macrodelinquência é modernamente utilizada para indicar o crime organizado,


envolvendo a prática de ilícitos sofisticados, em que a vítima é a coletividade. Os delitos são praticados
com o emprego da moderna tecnologia e decorrem, basicamente, do uso abusivo de instrumentos da
economia, como, por exemplo, fraude, falsificação de moeda, lavagem de dinheiro obtido ilicitamente.

É possível conceituar crime organizado como àquele praticado por, no mínimo, três pessoas,
permanentemente associadas, que cometem determinados crimes de forma reiterada, em consonância
com a realidade de cada país. O conceito de crime organizado varia conforme a visão daquele que o
estuda. Segundo Alberto Franco:

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na


medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características
assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa
estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as
fraquezas estruturais do sistema penal; provoca dano social de alto vulto; tem
grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem
vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna
tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos
delinquenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida
social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe
um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações.

A escassez de recursos, a má distribuição de renda, seguida das desigualdades locais,


regionais e mundiais, atreladas à busca irascível de poder e riqueza fazem proliferar os mais diversos

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tipos de atividades clandestinas, irregulares e ilícitas, que encontram, nesse cenário difuso das
relações humanas e no avanço tecnológico mal utilizado, campo fértil para fazer germinar a semente
da criminalidade organizada, que passa a contar com uma série de elementos que permitem o
desempenho racional de atividades ilícitas, voltadas a fornecer à sociedade bens e serviços de
obtenção difícil, por isso mesmo caro e rentável.

O fenômeno do crime organizado não mais é negado pelas agências formais internacionais,
havendo estimativas concretas das cifras que seus negócios movimentam no mundo. Sistema
criminoso importante, mas coberto apenas superficialmente pelo Código Penal.

O crime contra a paz pública, por exemplo, envolve incitação e apologia ao fato criminoso,
formação de quadrilha ou bando, que diz respeito a atividades especializadas, de uso ou ameaça para
recorrer à força, violência, coerção e causar dano ao patrimônio, em geral praticadas por criminosos
profissionais ou gangues, que perpetram crimes como sequestro e roubo de carga, têm objetivos
financeiros e envolve armamento pesado, planejamento cuidadoso e coordenação precisa. Ou seja, o
crime organizado possui estrutura, base, ramificações, poder e agilidade. Enfrentá-lo exige, no mínimo,
organização também.

As organizações criminosas são associações minimamente organizadas por pessoas,


qualificadas, sobretudo, pela busca cada vez maior de penetração social e econômica, assim como
pela obtenção sempre mais ampla de poder, infiltrando-se e confundindo-se com as estruturas do
poder público, não mais atuando paralelamente ao Estado ou com ele disputando posições, senão
passando a agir livremente por intermédio dele.

Definido esse contorno básico das organizações criminosas como ente e do crime organizado
como fenômeno criminológico, surge uma segunda dificuldade, agora ligada às estratégias de
neutralização e combate a essa criminalidade específica. A criminalidade organizada, especialmente a
narcocriminalidade, tem evoluído muito nos últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que
dispõem de meios financeiros de origem ilícita e cuja capacidade operativa supera as das clássicas
organizações de delinquentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se mostram
insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações e aproximar-se dos seus chefes.

Essas organizações criminosas utilizam meios eficazes para a destruição de provas de


autoria delitiva, possuindo mecanismos modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da polícia,
dirimindo-se, assim, de sua culpabilidade. Os integrantes de algumas organizações criminosas

30
passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados
pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou micro câmeras instalados
nos ambientes por eles frequentados comprometendo, assim, a obtenção da prova.

Serão necessárias algumas medidas de cunho político e judicial, de combate ao crime


organizado, configurando uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade, pois é
impossível comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa
necessidade de se especializar a força policial e, ainda, purificá-la, expulsando aqueles policiais já
viciados e que integram organizações criminosas.

É preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que implica no
treinamento constante de sua força, sem o que qualquer ação nesse campo do crime organizado
restará ineficaz. Ainda é necessária a especialização do Ministério Público, como já vem acontecendo
em vários estados, com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações
criminosas.

Necessário também que o estado abandone os antigos conceitos de crime e criminoso,


passando a adotar uma postura mais agressiva, especializada e ágil para frear essa ordem criminosa,
sob pena de tal inovação corroer as próprias bases do estado, como ocorre em outros países, como a
Colômbia. Várias têm sido as sugestões de medidas para o combate ao crime organizado. No Brasil,
por exemplo, algumas já estão sedimentadas na Lei n° 9.034, de 1995, enquanto outras são discutidas
em projeto de lei, doutrina e debates sobre o tema.

Entretanto, tomando por base o ponto do qual parte o objeto desse estudo entende-se que
nenhuma delas chegará próximo da eficácia, caso se ignore a relevante característica de conexão do
crime organizado com o poder público. Realmente, se tivermos em mente que este ponto de estratégia
é fundamental para assegurar o desempenho, ocultação e impunidade de suas atividades, qualquer
medida que se imagine será facilmente neutralizada, do momento em que a organização possua uma
eficiente rede de conexão com órgãos públicos, capaz de amortecer, de alguma forma, a atuação das
agências de combate.

A transnacionalidade é uma das maiores dificuldades no combate à macrocriminalidade. Os


criminosos utilizam países de acordo com os seus interesses e as facilidades que neles encontram,
pois o Direito Penal e a atuação da polícia são limitados pelo princípio da territorialidade e da soberania
dos estados. Estão entre os países preferidos, os chamados paraísos fiscais, onde o dinheiro ilícito

31
entra e sai com facilidade.

Outra dificuldade no combate a esse tipo de crime resulta do fato de conseguirem os


criminosos adaptar-se rapidamente às constantes mudanças da economia. A estrutura política e
econômica existente está de tal forma montada que oculta e protege essa criminalidade dourada.
Devemos nos conscientizar, enquanto tivermos crimes e criminosos acima da lei, de que nada
adiantará a repressão à criminalidade convencional, pois é a macrocriminalidade que provoca
desníveis sociais, crises econômicas, condições de vida subumanas, causas principais, por sua vez, da
criminalidade comum.

• d) Crime de colarinho branco

Trata-se de uma categoria não convencional de crimes e criminosos. Ela se distingue da


criminalidade convencional pelo fato de ser integrada por pessoas de alta classe e respeitabilidade,
detentoras do poder político ou econômico, que por isso mesmo, encontra-se acima da lei. A sociedade
geralmente ignora que nos segmentos socioeconômicos mais elevados há indivíduos e grupos que se
comportam de forma criminosa, mas como seguem padrões de comportamento diferentes das classes
inferiores conseguem contornar os procedimentos concebidos para criminosos sem recursos.

Observamos que existem diferenças entre crime de colarinho branco e crime organizado. O
primeiro são os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; crime da elite, que atinge a coletividade e
abala a estrutura econômica do país. Há desvio de verbas, sonegação fiscal, fraude em concurso
público, expedição irregular de alvarás, licenças, tráfico de influência, entre outros.

Já o crime organizado é formado por bando ou quadrilha, com vínculo permanente e estável,
possui estrutura, base, poder, agilidade. A estrutura desse crime pode ser rígida e hierárquica, isolada
em relação ao mundo exterior, de estilo nitidamente familiar, como a máfia, cujos capôs e tenentes
comandam amplas redes de soldados (marginais, policiais, prostitutas, menores infratores, etc.).

O crime organizado pode ter dimensões de grande empresa (a droga, por exemplo, possui
fases de industrialização, exportação e distribuição, em que entram em cena enormes somas de capital
investido em infraestrutura, laboratórios, matérias-primas caras, vendas controladas, etc.

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Os crimes de colarinho branco são perpetrados por empresários, profissionais e funcionários
do governo, no decurso de suas funções normais. Esse crime não é o meio de vida nem a carreira
escolhida por essas pessoas, mas uma coisa que ocorre em conjunto com suas atividades legítimas.

Lamentavelmente, a nossa legislação penal ainda é deficiente na configuração e punição


dessa criminalidade, chamada de colarinho branco, sequer dispomos de recursos técnicos para a sua
rápida e eficiente apuração, o que faz crescer o sentimento de impunidade para os que não são
pobres.

2.4 DELINQUÊNCIA JUVENIL

A delinquência juvenil compreende os comportamentos antissociais praticados por menores e


que sejam tipificados nas leis penais. O significado da expressão delinquência juvenil deve restringir-se
o mais possível às infrações do Direito Penal. Foi usada pela primeira vez na Inglaterra, em 1815, por
ocasião do julgamento de cinco meninos de 8 a 12 anos de idade. Desde o Código Criminal do Império
(1830) já existia uma grande preocupação com a criminalidade infanto-juvenil. Nelson Hungria acredita
que:

O delinquente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor


socialmente abandonado, e a sociedade, perdendo-o e procurando, no mesmo
passo, reabilitá-Io para a vida, resgata o que é, em elevada proporção, sua própria
culpa. (HUNGRIA, p. 353).

Da mesma forma em relação aos adultos, diversas causas endógenas e exógenas influem
sobre a conduta delituosa do menor. Essas causas podem ser de natureza genética, psicológica,
patológica, econômica, sociológica ou familiar. Assim como adultos psicopatas, o delinquente juvenil
com essa natureza é desprovido de sentimentos de culpa ou remorso, características inerentes às
pessoas de bem. São más em suas essências.

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2.4.1 Delinquência juvenil (Causas sociais)

É estarrecedor observar que crianças e adolescentes que deveriam estar brincando ou


folheando livros nas escolas trafiquem drogas, empunhem armas e apertem gatilhos sem qualquer
vestígio de piedade. Lógico que não podemos negar que muitas delas são influenciadas pelo meio
social, no entanto, outras possuem inclinação voraz e inata ao crime, em que as condições de vida
miseráveis dos pais, fome, subnutrição, alcoolismo, consumo de drogas, falta de condições mínimas de
higiene e outros aspectos marcam a vida do novo ser antes do seu nascimento.

Em relação aos fatores criminógenos, de natureza exógena, relacionados ao meio social, aos
aspectos psicológicos e psiquiátricos, que atuam negativamente sobre a criança e o adolescente,
destacam-se:

• Família sem coesão;


• Pai delinquente e hostil;
• Mãe indiferente e hostil;
• Famílias numerosas, com problemas econômicos, dentre outros.

Realmente, as nossas crianças e adolescentes se veem desamparados pela sociedade, que


lhe é hostil ou omissa, pela complexidade dos problemas sociais, políticos e econômicos dos nossos
dias. Elas são pessoas em formação, sofrendo muitos problemas sociais, tanto no âmbito familiar
quanto na estrutura social em vigor, que propicia a ausência de formação, diante dos problemas
educacionais e econômicos vividos pelo país, resultando na violência desenfreada.

Sem perspectivas de boa educação escolar e um futuro promissor na área profissional, e,


dificilmente, a construção de um lar harmonioso, os jovens assumem o caminho da criminalidade,
acreditando que terão dinheiro e poder. Esse caminho começa cedo, quando ainda crianças são
espancadas rotineiramente por um pai bêbado, que chega a casa, exaurido pelo desgaste do trabalho,
de pelo menos 12 horas por dia, para ganhar um salário-mínimo no fim do mês.

Tudo isso influencia os jovens a iniciarem o caminho da criminalidade. Primeiro porque a

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criança não nasce totalmente má, nem totalmente boa. A maldade e a bondade são adquiridas na
formação familiar, pois não é necessário questionar que um jovem desencaminhado, em sua maioria, é
vítima de maus cuidados morais e higiênicos, em que vive a maior parte das famílias que residem nas
favelas, resultado da estrutura social e política posta em ordem no país.

Assim, uma infância e adolescência vivida na mais completa miséria, a instabilidade


afetiva, lares destruídos, educação inadequada e desempregos são causas da criminalidade de jovens
no Brasil, já que por não terem formação de personalidade são diretamente influenciados pela estrutura
capitalista imposta no país.

Para Roberto Lyra, “as causas da criminalidade começam e acabam na sociedade. Para
Heleno Cláudio Fragoso (1991, p. 441):

A criminalidade aumenta, e provavelmente continuará aumentando, porque está


ligada a uma estrutura social profundamente injusta e desigual, que marginaliza
cada vez mais a extensa faixa da população, apresentando quantidades alarmantes
de menores abandonados ou em estado de carência. Enquanto não se atuar nesse
ponto, será inútil punir, como será inútil, para os juristas, a elaboração de seus belos
sistemas.

Importante destacar que os crimes cometidos na faixa etária do menor são consequentes do
sistema capitalista implantado no mundo. Vivendo nesse sistema, as pessoas nunca estão satisfeitas
com o que têm, querem sempre mais. A grande jogada do capitalismo é a propaganda. Outra
consequência é a desigualdade social, uns tendo de sobra (porém, ainda querendo mais), e outros não
tendo nada. Essa disparidade social e, em contrapartida, o desejo incontrolado de consumo causam as
manifestações dos atos delituosos.

Agora, é importante frisar que o desvio dos jovens não acontece somente nas classes sociais
de baixa renda, mas também com àqueles de classe média alta, destinados a um bom ensino escolar,
dispondo de facilidades como automóveis e excelentes vestimentas. Sem limites, estes se entregam ao
crime, geralmente por adquirirem o vício de drogas ilícitas e, em consequência de tal dependência,
furtam acessórios e veículos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente precisa atuar. A Lei 8.069/90 é eficaz, precisa e

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muito bem elaborada, entretanto, não é mais possível permitir que fique somente no papel. O
cumprimento desse princípio inclui manter a criança e o adolescente dentro da escola e longe da
criminalidade. A lei é boa, mas para ser eficiente necessita ser aplicada. Para isso é preciso
entrosamento do governo, do legislador, enfim, do Estado e do povo.

2.4.2 Delinquência juvenil (Idade Penal e Idade Biológica)

Sempre que nos deparamos com crimes bárbaros cometidos por crianças e adolescentes,
somos tomados por um sentimento de grande perplexidade. Isso acontece porque os seres humanos
têm grandes dificuldades em acreditar que existem crianças e adolescentes genuinamente más. As
crianças costumam ser associadas de forma universal à bondade, à pureza e à ingenuidade.

Reconhecer que a maldade existe, de fato, é uma realidade com a qual não gostamos de
lidar. Ficamos estarrecidos com aquilo que desafia a racionalidade humana e foge à compreensão do
que consideramos ser uma criança ou uma pessoa normal. Na Inglaterra, em 1993, dois garotos de 10
anos assassinaram brutalmente um menino de apenas dois anos de idade, perto de Liverpool. Ele foi
sequestrado, abusado, torturado e morto com golpes de pedra e ferros na cabeça. Os assassinos
tentaram esconder o corpo no fundo do poço, mas forjaram um desastre de trem e o largaram sobre os
trilhos da linha férrea. O bebê foi cortado ao meio.

Esse foi um dos crimes que mais chocou a Grã-Bretanha e o mundo. Os assassinos foram
julgados e condenados como adultos à prisão, por prazo indeterminado. Mas, sob protestos e
indignação populares, em 2001, eles foram soltos de forma sigilosa e com novas identidades. Essa
decisão foi motivo de debates e controvérsias: se a Inglaterra teria sido dura demais em condenar os
dois assassinos com idades precoces ou se afrouxou excessivamente em libertá-los.

Como dois indivíduos de apenas 10 anos, deliberadamente, puderam planejar um crime com
tamanha crueldade? É possível que eles não tivessem a menor ideia do que estavam fazendo? Será
que toda a trama sórdida, requintada de maldade e de total frieza foi fruto de mentes imaturas e
inconsequentes? Compreende-se que, independentemente da idade dos assassinos, as respostas se
resumem ao fato de serem meninos perversos. O certo é que essas questões servem para reflexão.

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Nos Estados Unidos, volta e meia à população defronta com casos que envolvem crianças e
adolescentes que matam de forma impiedosa, como tiroteio em escolas, etc. O Brasil, infelizmente,
também faz parte desse cruel panorama, como o caso que aconteceu em fevereiro de 2007, um crime
monstruoso que chocou todo o país, quando o menino João Hélio Fernandes, de apenas seis anos de
idade, foi arrastado até a morte por mais de sete quilômetros pelas ruas da Zona Norte do Rio de
Janeiro.

O crime ocorreu depois que o carro em que João Hélio se encontrava foi assaltado. A mãe e
a irmã mais velha conseguiram escapar, mas o garoto ficou preso no cinto de segurança, enquanto os
criminosos arrancavam com o carro em alta velocidade. Eles andavam em zigue-zague com o veículo,
tentando se livrar do menino. Após prisão dos cinco envolvidos, constatou que um deles era menor de
idade. Esse crime provocou revolta e mobilizou toda a sociedade pela sua brutalidade. O Brasil
protestou contra a violência e o descaso das autoridades.

O clamor social acaba demandando atitudes por parte de nossos legisladores, com o intuito
claro de dar uma satisfação imediata à sociedade. Não é de hoje que vários projetos são apresentados
com o objetivo de mudar as leis que cuidam de menores infratores, que ao final caem em
esquecimento. Com isso, em resposta a essa comoção, àquilo que estava guardado na gaveta pulou
para a ordem do dia. Entre algumas medidas podemos destacar as seguintes:

• Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, de 1993, de autoria de Benedito


Domingues, que visa à redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos.

• Projeto de Lei n° 287, de 2000, do deputado Darcísio Perondi, que altera o ECA, com
objetivo de aumentar o tempo máximo de internação de adolescentes que entram em conflito com a lei.

O prazo de três anos passaria para oito quando se tratasse de crimes como drogas e quando
houvesse grave ameaça ou violência à pessoa (homicídios e crimes hediondos, como sequestro,
latrocínio e estupro). Esse projeto já foi aprovado pela comissão de Segurança Pública da Câmara dos
Deputados, que ainda está em tramitação e divide opiniões.

Existe uma dificuldade em se estabelecer o momento exato a partir do qual o indivíduo pode

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ser considerado responsável por suas ações. O desafio para se fixar uma idade mínima para a
imputação penal é tão complexo que em todos os países do mundo é motivo de muita polêmica e
discussões acaloradas. Para que tenhamos uma ideia do problema, vejamos as idades mínimas para a
responsabilidade penal em diversos países:

• Brasil, Colômbia e Luxemburgo (18 anos)

• Equador (12 anos)

• EUA (em alguns estados, a partir de 6 anos de idade, cabendo ao juiz decidir se o
jovem infrator deverá ser julgado como adulto ou não).

• Inglaterra (desde 1967 não tem idade mínima preestabelecida. Uma criança de 10
anos ou menos pode ser julgada como adulto, dependendo da gravidade do crime e de acordo com os
costumes do próprio país).

• Argentina, Chile e Cuba (16 anos)

• Austrália e Suíça (7 anos)

A própria ONU, por intermédio de seu órgão destinado à infância e à adolescência (a


UNICEF), recomenda em seu manual que a maioridade penal se inicie entre 7 e 18 anos.
Convenhamos que uma margem de 11 anos, entre a menor e a maior idade penal, demonstra, de
forma clara, toda a incerteza ao redor do tema.

Não podemos esquecer que as necessidades de adotarmos uma idade penal mínima têm
como base a ideia universalmente aceita de que crianças não possuem discernimento sobre o certo e o
errado. Além do mais, elas ainda não desenvolveram controle adequado sobre seus impulsos.

Dessa forma, crianças não podem ser culpabilizadas por suas atitudes ilícitas. A maioridade
penal hoje estabelecida se deve ao fato de que alguns pesquisadores e muitos legistas abraçam a tese
de que durante a adolescência o cérebro está sujeito a intensas transformações biofísicas. Dessa
forma, os comportamentos, impulsivo, imediatista e explosivo dos adolescentes são explicados, em
parte, pela imaturidade biológica de seus cérebros, o que impede que tenham um comportamento

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plenamente adequado.

Pesquisadores que estudam personalidade infanto-juvenil postulam que algumas pessoas


demonstram de maneira indubitável possuir uma estrutura de personalidade problemática ainda
precocemente. Hoje em dia, um jovem (criança ou adolescente) que apresenta características como
insensibilidade, mentiras recorrentes, transgressões às regras sociais, agressões, crueldade, etc.,
recebe o diagnóstico de “transtorno de conduta” (antes conhecido como delinquência).

Cientistas de diversos países, como do Inglaterra, EUA, Canadá e Austrália, fizeram testes
em crianças e adolescentes com comportamentos frios e transgressores e revelou que eles
apresentam critérios de psicopatias semelhantes aos dos adultos, inclusive com os mesmos riscos
elevados de reincidência criminal. De acordo com esse ponto de vista podemos afirmar que alguns
indivíduos menores de 18 anos, independentemente da maturidade biológica de seus cérebros, já
possuem uma personalidade disfuncional. O comportamento e o temperamento desses jovens
funcionam como os de pessoas plenamente desenvolvidas, que sabem perfeitamente distinguir o certo
do errado e que compreendem o caráter ilícito dos seus atos.

Dessa forma, já deveriam ser responsabilizados e penalizados pelos seus comportamentos


transgressores com o mesmo rigor das leis aplicadas aos adultos. Sem incorrer em qualquer erro,
podemos afirmar que esses jovens são os responsáveis por grande parte dos crimes brutais, que
despertam nossos sentimentos de perplexidade e de repulsa às suas ações.

Importante destacar que os jovens que cometem tais tipos de delitos o fazem em função de
sua natureza fria e cruel. Como não se bastasse, eles são favorecidos por uma legislação específica
que atenua as suas punições, propiciando de forma quase irresponsável a liberdade precoce e a
reincidência criminal. Pelo ECA, o tempo máximo permitido em internações é de três anos, mesmo que
o crime tenha sido de natureza cruel.

Acrescenta-se a isso o fato de que, após ter cumprido as medidas socioeducativas, seus
antecedentes criminais não ficam registrados. Se eles reincidirem após os 18 anos, são considerados
réus primários. Isso implica dizer que suas fichas criminais voltam a ficar limpas, como se nunca
tivessem cometido nenhum delito.

Não podemos contestar que o ECA trouxe avanços, como em relação à violência contra
crianças, ao trabalho infantil, mas sua parte punitiva se mostra excessivamente complacente com

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menores que comentem crimes graves. O caso a seguir exemplifica de forma bem clara a deficiência
dessas leis:

 Em 1999, Rogério da Silva Ribeiro matou o estudante de jornalismo Rodrigo Damus,


de 20 anos, três dias antes de completar 18 anos. Rogério planejou o assalto e o executou com
cumplicidade de mais três indivíduos, todos maiores de idade. O motivo era obter dinheiro para realizar
a sua festa de aniversário. Os três estão presos após terem sido condenados à pena de 22 anos. Já
Rogério, como ainda era menor de idade no dia do crime, foi punido com medidas socioeducativas.
Após um ano e oito meses de internação na Fundação Casa, Rogério foi solto.

2.4.3. Delinquência juvenil (Será que existe solução?)

Por tudo que foi exposto, não há dúvidas de que estamos diante de um grande dilema. Como
observamos a problemática do menor no Brasil não é de natureza jurídica, em grande maioria é de
natureza política e socioeconômica. A recuperação de adolescentes infratores, em especial quando
envolve a privação de liberdade, ainda é o maior ponto fraco da aplicação do estatuto.

Nossa consciência coletiva está ficando cada vez mais perdida diante de tantos
acontecimentos bárbaros, fazendo com que a sociedade não saiba mais de que lado ficar, para onde
seguir. E, tudo isso, chegou nesse estágio porque os valores fundamentais, previstos na Constituição e
no Estatuto da Criança e do Adolescente, estão desacreditados, afinal não acontecem, parece que não
existem.

No Brasil, as maiores cidades do país vivem tendo problemas com seus adolescentes
infratores. O que fazer quando criminosos perversos nesse país são menores de idade? Que medidas
podem ser tomadas para que a sociedade não fique à mercê de jovens de natureza tão ruim? Reduzir
a maioridade penal? Criar novas leis? Ou tentar uma melhor solução?

O Estado da Bahia provou que há solução, por exemplo: a comunidade de atendimento


socioeducativo CASE vem provando ser possível resolver o problema do menor que comete delitos de
uma forma criativa e eficiente. Os garotos recebem educação regular e frequentam cursos de

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profissionalização de padaria, artefato de cimento, horticultura, informática, artes gráficas e lapidação,
além de atividades artísticas e esportivas.

Mantido pela secretaria do trabalho e ação da Bahia, com apoio de diversas entidades, é um
dos projetos brasileiros mais elogiados pela UNICEF. Os menores vivem em ambiente de comunidade,
em seis casas na sede da CASE, livres, mesmo em um espaço fechado. Dormem em quartos com
capacidade para três adolescentes e recebem tratamento médico e odontológico. O ambiente e o
tratamento em nada lembram a maioria dos explosivos presídios para adolescentes infratores do Brasil.

É fundamental destacar que a redução da maioridade penal pouco contribui para a


diminuição da violência ocasionada por jovens perigosos, que são maus na sua essência. Os jovens
precisam e podem ser reeducados a qualquer tipo de medida socioeducativa. Contudo, devemos
avaliar a personalidade do infrator, a sua capacidade de entendimento dos seus atos, os seus
sentimentos e a gravidade do crime cometido. Isso levaria a se considerar cada caso com sua justa
individualização.

Os irreparáveis e incompatíveis com o convívio social devem ser rigorosamente punidos


como adultos. Caso contrário, só iremos amargar cada vez mais a infeliz certeza de que eles não vão
parar nunca.

2.5 HOMICIDAS SERIAIS

São indivíduos que cometem uma série de homicídios, com um intervalo entre eles, durante
meses ou anos, até que seja preso ou morto. As vítimas têm o mesmo perfil (prostitutas, crianças,
idosos) e mesma faixa etária, sexo, raça etc. As vítimas são escolhidas ao acaso dentro desse perfil e
mortas sem razão aparente, objeto da fantasia do homicida serial. São criminosos que matam várias
pessoas num período de horas, dias ou semanas, e não passa por fases e se acalma até precisar
matar novamente. Ele pode parar de matar tão rápido quanto começou.

Para ser considerado um homicida serial é necessário que um assassino faça mais de três
vítimas e que se passe um intervalo de tempo mínimo entre um assassinato e outro. Esse intervalo
varia de acordo com o criminoso com o qual se está lidando, ele pode ser de dias, semanas, ou até

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meses. Quanto mais crimes ele comete, mais se afunda em sua fantasia, portanto sente cada vez mais
vontade de continuar matando. Por isso, um homicida serial raramente deixa de matar. Na maioria das
vezes ele prossegue com seus crimes até que seja preso ou que morra.

Temos exemplos, como os casos da condessa húngara do século XVI, que adorava tomar
banho em sangue, pois acreditava que assim permaneceria com aspecto jovem. O número estimado
de moças assassinadas para levar a cabo 10 anos de tratamento de beleza varia entre 40 e 600.
Também há o caso de Alexander (Sasha) e Lyudmila Spesivtsev, que atraía suas vítimas das ruas e
estações de trem para sua casa, localizada na cidade de Novokuznetsk, Sibéria, como crianças de rua,
donas de uma aparência agressiva e adulta, mas desesperadamente abandonadas, famintas e viciadas
em cola. Crianças que, em geral, fugiram de pais bêbados e violentos.

Spesivtsev matou no mínimo 19 crianças de rua, que ele via como detritos da sociedade,
como futuros viciados e prostitutas. Com a ajuda de sua mãe, Lyudmila, ele as cozinhava e comia. Na
prisão, gastou todo tempo sendo submetido a testes psiquiátricos e escrevendo poesias sobre o
demônio da democracia. A mãe internou-se em si mesma e não emitiu uma palavra desde sua prisão.

O casal Fred e Rosemary foi acusado de matar 10 mulheres e jovens durante um período de
16 anos, terminado em 1987. Eles gostavam de atrair fugitivas com oferecimento de carona,
alojamento ou trabalho de babá. Depois de dominadas dentro de sua “Casa dos Horrores”, as meninas
eram despidas, amarradas com fita adesiva, estupradas, torturadas e depois mortas, desmembradas e
enterradas. O casal foi preso em sua casa letal, onde foram descobertos restos mortais também de sua
filha de 16 anos.

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3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE

3.1 VIOLÊNCIA

3.1.1. Introdução

A violência é praticada em diversos episódios. A ideologia autoritária privilegia a manutenção


da desigualdade econômico-social, na qual a ordem ocupa o lugar de destaque. A crença cega nas
autoridades e a edificação do Estado no Brasil seguiram os pressupostos básicos do autoritarismo que,
historicamente, utilizou estratégias de ordenação, racionalização e exclusão, sobretudo dos pobres,
para a edificação de um modelo dominador e agregado das tensões sociais.

A institucionalização de mecanismos repressivos sobre as camadas excluídas vem de longa


data no Brasil, exemplo disso é a violência do passado, que tinha como última finalidade do Estado
proteger-se por meio de perseguição aos indivíduos indesejáveis, que ameaçavam a sua segurança.
Assim, os hereges foram identificados e punidos como inimigos e criminosos.

Depois, os negros, os índios e os pobres em geral foram culpabilizados como inferiores,


sofrendo penas severas. Os maus-tratos contra os escravos no Brasil mostram que, para se discutir a
violência brasileira, é necessário olhar mais amplamente a nossa história. Buscar respostas em nosso
passado talvez nos leve a entender situações vivenciadas no dia a dia da maioria da população.

Foi criado, a partir dessa mentalidade excludente, estigmas de cor, religião, raça e
diferenciação social, que absorvidos pela população moldaram um contexto de autoritarismo, que faz
parte da personalidade de todo brasileiro, infelizmente, até os dias atuais. Nossa sociedade,
constantemente envolta por problemas sociais e econômicos, ressente-se de traços de solidariedade e
do referencial de cidadania.

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Cidadania é entendida apenas como direito ao voto e à participação política. Repensar a
participação política e a cidadania está na raiz da discussão da violência no Brasil. Dessa forma, a
violência não é um fenômeno recente. Na nossa história, atos extremamente violentos, em que muitas
das vezes ocorreu a coação da pessoa, foram encabeçados pelo Estado ou tiveram o seu
consentimento. A violência também está presente na vida privada. Estamos falando da violência
doméstica, contra criança e contra a mulher, resultante em maior parte da incompreensão, falta de
diálogo, crise conjugal e situação financeira difícil.

A violência contra a mulher também revela preconceitos que foram se construindo


historicamente, na medida em que o poder passou a ser símbolo de força e frieza. A mulher,
representada a partir de modelos de fragilidade, esteve à margem da participação política e pública,
situação que não se sustenta mais em nossa sociedade atual. A nossa meta a seguir é discutir
questões sobre violência que estão ligadas à criminalidade.

3.1.2 Conceito de violência

O termo deriva do latim violentia, ou seja, força ou vigor contra qualquer coisa ou ente. Dessa
forma, violência é o uso da força que resulta ferimentos, tortura ou morte, ou o uso de palavras ou
ações que machucam as pessoas ou, ainda, abuso do poder. A violência é característica do animal
humano, faz parte dele, provém do instinto. Porém, após o longo processo de civilização do ser
humano, conseguimos atenuar o nível de violência do homem, classificando-o como civilizado.

Civilizado significa capaz de conviver em harmonia com outro ser humano. Para àqueles
incapazes de conviver em harmonia criamos a segregação, ou seja, separação do ser humano
impossibilitado de ser civilizado. Essa solução é o ápice ao qual chegamos para a solução do problema
atualmente, pelo menos do ponto de vista da aprovação social. Segundo o Dicionário Aurélio, violência
“é a ação ou efeito de violentar, de empregar força física, contra alguém ou algo, ou ainda, intimidação
moral contra alguém”.

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Para a Comunidade Internacional de Direitos Humanos:

A violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis, como a vida,
a propriedade, a liberdade de ir e vir, de consciência e de culto. Políticos, como o
direito a votar e a ser votado, ter participação política. Sociais, como habitação,
saúde, educação, segurança. Econômicos, como emprego e salário. Culturais, como
o direito de manter e manifestar sua própria cultura.

Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau


significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Mas especialistas afirmam que o conceito é muito mais
amplo e ambíguo do que essa mera constatação de que a violência é a imposição de dor, a agressão
cometida por uma pessoa contra outra; mesmo porque a dor é um conceito muito difícil de ser definido.

Violência é um comportamento que causa dano à outra pessoa, ser vivo ou objeto. Invade a
autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro. Diferencia-se de força, palavras
que costumam estar próximas na língua e pensamento cotidiano. Enquanto força designa, em sua
acepção filosófica, a energia ou firmeza de algo, a violência caracteriza-se pela ação corrupta,
impaciente e baseada na ira, que não convence ou busca convencer o outro, simplesmente o agride.

Sendo assim, a violência é um dos temas mais avassaladores, dentre tantos quantos
assaltam nossa preocupação quotidiana, tanto nas ruas e nos campos quanto nas rodovias e nas
cidades. Violência dolosa, violência culposa, violência preterintencional. Violência é o uso abusivo ou
injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento, tortura ou morte.

3.1.3 Violência e criminalidade

Existe uma grande diferença entre violência e criminalidade, pois há crimes que não são
cometidos com violência física e existem atos violentos que não constituem crime, por exemplo, Luta
de Box, Karatê, esportes com golpes violentos que muitas vezes fraturam ou provocam cortes, mas
que não são considerados crimes. Já uma briga de rua tem caráter violento e se trata de um crime. A
violência e criminalidade não são sinônimas. Enquanto a violência é constrangimento físico ou moral, a

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criminalidade é a expressão dada pelo conjunto de infrações que são produzidas em um tempo e lugar
determinado, é o conjunto dos crimes.

Quando matematizada objetiva o índice de criminalidade, por exemplo: a escalada semanal


da violência começa na sexta-feira à noite, atingindo o ápice no domingo. Na época do verão a
violência cresce e, consequentemente, os índices de criminalidade aumentam, porque as pessoas
saem mais de casa. Por isso o verão é clima de risco. Então, a criminalidade é o resultado da violência.
Claro que robustecida pela agressividade, sendo essa uma disposição para o desencadeamento de
condutas hostis, destrutivas. E o comércio de drogas está grandemente por trás disso.

O que vemos também é que há uma guerrilha urbana contra a comunidade e o Estado, que
se caracteriza, por exemplo, por meio de assalto a banco, rapto de pessoas influentes e mesmo um
sequestro relâmpago (tipo de crime em que, sob a mira de uma arma, a vítima, posta em obediência
inquestionável, é rendida e tem seu dinheiro sacado, mediante seu próprio cartão magnético, em favor
do marginal).

Em virtude disso tudo, as grandes cidades estão se tornando um amontoado de pequenos


castelos murados, isto é, mora-se em prisões. O crime evolui com o tempo e a tecnologia tem auxiliado
os marginais e modernizado as condições para a ação delitiva. Portanto, a tecnologia interfere
negativamente na segurança pessoal, robustecendo a criminalidade, a exemplo da internet na pedofilia.

O aumento da violência e criminalidade é um fenômeno social complexo, do qual ainda não


detemos conhecimento suficiente para identificar com precisão seus fatores, mas sabemos que existem
vários. Afirmamos isso, porque inúmeros casos de violência nem sequer chegam a serem comunicados
às autoridades, de modo que as estatísticas não podem ser consideradas confiáveis.

Dessa forma, diante da omissão do Estado surgiram as organizações não governamentais


(ONGs), ligadas a movimentos sociais e a questões relevantes do desenvolvimento humano. As ONGs
vinculadas ao combate e prevenção à violência atuam diretamente no seio da população,
desenvolvendo projetos na escola e nas comunidades, instaurando nas pessoas o senso de cidadania.
O ambiente escolar é o mais propício para a disseminação de informações porque os jovens levarão
seus conhecimentos aos adultos de sua família, de forma que a semente da cidadania brotará na
família toda.

O Estado tem falhado no controle e repressão da violência e a prevenção tem advindo da

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própria sociedade organizada. Nesse cenário, a impunidade corrói a estrutura do poder constituído,
taxando-o de incapaz. A população sem perspectiva cede a qualquer proposta aparentemente de fácil
aplicabilidade e que propicie bons resultados, como a pena de morte e a prisão perpétua.

3.1.4. Agressividade (Conduta violenta)

Atos de destruição e violência acompanham o processo civilizatório desde os albores. As


tentativas de manutenção da paz fundamentaram-se na agressividade ou no temor de destruição. A
agressividade e a violência têm merecido estudos de cientistas sociais, médicos, psiquiatras e biólogos.
Cada um em seu campo vem procurando, por meio de pesquisas, chegar a uma teoria básica capaz de
elucidar o centro de irradiação, o polo nuclear, a causa, enfim, do comportamento agressivo.

No domínio das Ciências Sociais, a análise tem-se voltado para as dimensões ecológicas do
comportamento. A violência tem sido associada à agressividade como uma de suas formas de
expressão. A agressão apresenta-se sob diversos formatos, individual ou coletivo, explícito ou
sublimado, físico ou psíquico. A cultura desempenha importante função nas transformações dos
impulsos agressivos, modificando-os, orientando-os ou inibindo-os.

No ato violento, na crueldade e no uso da força, o aspecto jurídico é definido como sendo o
constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de
outrem, isto é, coação. O ser humano nasce violento ou é o ambiente, o meio que o torna com essa
característica, contrária ao direito e à justiça? A violência e a agressividade são uma manifestação do
medo e da ignorância do ser humano. Sempre tem sido assim desde os primórdios.

3.2 FATORES QUE CAUSAM VIOLÊNCIA

Sabemos que são múltiplas as causas da violência, incluindo, de um modo bem simplista e
didático, gene, cérebro, drogas, indicadores socioeconômicos e até mesmo programação televisiva.
Quando falamos em televisão, bem sabemos que é ela muito útil, mas não é preciso engolir tudo o que

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nela se vê. É preciso selecionar o que é facilitado por um simples apertar de botão do controle remoto,
aliado à tomada de consciência do que é bom e não simplesmente prazeroso.

Com isso a televisão, apesar de ter o que presta, também tem o que não presta, como
palavrões, violência, sexo, etc. Em um canal fechado, por exemplo, a escolha é farta, propiciando
excelentes programas que falam da natureza, do meio ambiente, da história, da ciência, ou seja, há um
grande leque de boas opções. Esses canais não dependem do Ibope, por isso escapam do que os
outros não conseguem escapar.

O Ibope está ligado aos índices de público, em canal aberto e, por isso mesmo, à venda do
comercial, que não está obrigatoriamente adstrito aos bons programas. O ser humano é naturalmente
sádico, por isso a violência na televisão faz mal. No olhar, a pessoa começa a se acostumar e deixar
de ficar horrorizada com a violência, que acaba tornando-se natural. Muitas das reações não são
exatamente pensadas, podendo levar o indivíduo a reagir de forma semelhante ao que viu
anteriormente na televisão.

Assim, nesse módulo, vamos indagar toda a causalidade da violência e as possíveis


soluções. Isso ajuda a entender melhor a crueldade e poderá nos ajudar não só a viver, mas a existir e
conviver melhor, pois é para isso que ela existe. Com esperança de que no futuro as coisas melhorem.

O tema violência voltou a ocupar amplo espaço na mídia brasileira e internacional nos últimos
tempos, seja em decorrência do aumento da violência urbana, seja por causa dos atentados terroristas
contra os EUA. Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias nações mundiais, são dos mais
diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma marca que vem sangrando há
gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes culturas. E há casos nos quais ela é
gerada de forma pessoal, a própria pessoa constrói fatores que acabam resultando em situações
violentas, como o desrespeito, o uso de drogas e a ambição.

Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do
mundo. Hoje, o país tem altíssimos índices de violência, tal como àquelas praticadas nas ruas,
resultando em assaltos, sequestros, etc., a violência doméstica e a violência contra a mulher, que em
geral é praticada pelo marido, namorado ou ex-companheiro. Temos, ainda, como causa da violência, o
desrespeito, a prepotência, crises de raiva causadas por fracassos e frustrações, crises mentais, como
loucura consequente de anomalias patológicas que, em geral, são casos raros.

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Poderíamos dizer também que uma das causas da violência seria o desemprego, a fome,
viver em favelas, o crime organizado, a omissão do poder público, a pobreza, a desigualdade social,
etc. Enfim, são várias as causas que contribuem para esse cenário. A questão que precisamos
descobrir é porque os índices de violência aumentaram tanto nos últimos anos. Onde estaria a raiz do
problema? Como minimizar a escalada da violência? Investir na educação, gerar empregos, criar e
investir em políticas públicas, selecionar, treinar, remunerar melhor os policiais ou aumentar os
números de policiais?

Sabemos que o ser humano, em geral, não comete violência sem motivo. Quando um
cidadão agride o outro, ou mata, normalmente o faz em função de alguma situação que considerou
desrespeitosa, mesmo que a questão inicial tenha sido banal, como um simples empurrão ou até
mesmo um palavrão pode se transformar em desrespeito e produzir violência.

Assim, o desrespeito pode ser causador de violência, pois acumula tensões nervosas nas
pessoas que, mais tarde, explodem sob a forma de agressão. Se o desrespeito é a causa, podemos
então combater a violência diminuindo os diferentes tipos de desrespeito, seja o desrespeito
econômico, social, conjugal e familiar. E, ainda, podar o excesso de liberdades, principalmente na TV e
no sistema educativo do país, pois a vulgaridade praticada nos últimos anos vem destruindo valores
morais e tornando as pessoas irresponsáveis, imprudentes, desrespeitadoras e inconsequentes.

Precisamos restabelecer a punição infanto-juvenil, tanto em casa quanto na escola. Isto é,


educar nossos adolescentes com mais realismo e seriedade para mantê-los longe de problemas,
fracassos, marginalidade e violência. Sabemos também que a educação básica é considerada, de
forma quase unânime, como a principal responsável pela pobreza e desigualdade social no Brasil.
Diante disso, precisamos melhorar e muito a nossa educação.

Podemos citar como causa da violência o grande número de pessoas que acabam buscando
refúgio sob viadutos, nas galerias de edifícios e embaixo de marquises, sendo um caminho fácil à
prática criminosa, inclusive por parte dos menores, que vivem sob essas condições.

O consumismo representa outro fator criminógeno, são os chamados estímulos publicitários


da sociedade capitalista, que têm como único objetivo o lucro individual, sem que importem os meios
empregados e as consequências que daí possa advir. Temos produtos supérfluos e nocivos à saúde,
sem qualquer controle por parte das autoridades públicas, como, por exemplo, a publicidade insidiosa

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em torno das bebidas alcoólicas e até o oferecimento nos supermercados.

3.3. FORMAS DE VIOLÊNCIA

O homem moderno vive cercado de violência, principalmente a que vem dos meios de
comunicação, como a televisão, que adentra os lares influindo na formação das crianças e mesmo no
comportamento dos adultos. Existe também violência no campo administrativo, quando há uso indevido
do dinheiro público, que não é destinado a obras assistenciais e prioritárias, mas sim desviado para
propagandas do governo que anunciam obras que, apesar de supervalorizadas, acabam nem sendo
concluídas.

Por outro lado, há a violência criminosa, na forma de assaltos frequentes, tráfico de drogas,
tortura e assassinatos. As leis existentes nunca punem suficientemente os criminosos e, quando isso
acontece, eles nem chegam a cumprir as penas, beneficiados por omissão e indiferença dos próprios
legisladores, que nada fazem para mudar esse quadro. Enfim, existem muitas formas de violência, que
vêm degradando os costumes e denegrindo nossa imagem no exterior, contribuindo para o descrédito
de nossas instituições e solapando os valores sociais. A seguir abordaremos algumas formas de
violência, ainda que superficialmente.

3.3.1. Violência criminosa

A prática de crimes em nosso país tem sido corriqueira, diária, incontrolável e impunível.
Praticam-se pequenas ou grandes infrações sem nenhum temor, já que a impunidade é uma constante
em nosso sistema judiciário. Isso sem falar nos chamados desvios de conduta, inclusive por parte dos
próprios profissionais mais liberais.

Os governantes têm sido indiferentes à ocorrência de crimes, parecendo-lhes até natural o


quadro existente. Os fatos se agravam de tal maneira que os crimes graves também deixam de ser
punidos, estimulando a criminalidade violenta que, juntamente com a morosidade da justiça,

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contribuem muito para o descrédito da população.

Ninguém se sente seguro em um país em que o perigo é mostrado diariamente pela imprensa
escrita, falada e televisionada, com pessoas sendo vítimas indefesas de crimes nas ruas públicas. A
insensibilidade da população diante de crimes públicos é outro fator que contribui para o aumento
dessa violência criminosa.

3.3.2. Violência institucionalizada

As nossas leis são, em regra, mal feitas, mal elaboradas e instituídas sem qualquer
discussão. Por isso mesmo, não chegam a ser aplicadas, pois se ressentem de vícios de origem. Os
nossos legislativos, integrados por homens sem formações e sem escrúpulos, salvo raríssimas
exceções, comportam-se de maneira violenta contra o povo, ao atuarem conforme as conveniências
momentâneas e em função de privilégios de certos grupos de pessoas.

Nossa Constituição já nasceu predestinada a uma revisão para cinco anos após sua
promulgação (art. 3° das Disposições Transitórias). As tentativas de revisão constitucional constituíram
um verdadeiro fracasso, com correntes bastante antagônicas, alimentadas por grupos econômicos e
sindicais que não pouparam violência nas suas manifestações dentro e fora das casas legislativas,
numa demonstração clara de falta de patriotismo.

Se as leis feitas padecem de graves defeitos, principalmente na esfera penal, que são
estímulos à criminalidade crescente e violenta, a sua aplicação pelo Judiciário também constitui em
desserviço à causa pública, pois a morosidade da justiça, além de decisões que só beneficiam políticos
e corruptos, tem levado a população ao descrédito dos seus juízes.

Também o Ministério Público que deveria por princípio ser uma instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, sempre atenta à defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais, conforme o art. 127 da CF está comprometido seriamente com a
política partidária de muitos de seus membros, o que também precisa ser vedado de modo absoluto em
favor da própria instituição e da sociedade.

O Executivo, por sua vez, gasta somas fabulosas em obras faraônicas e em propaganda,

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enquanto as prioridades, como saúde, educação, assistência à infância continuam relegadas. Isso é
violência institucional, que nos degrada, oprime e nos enche de desânimo e desesperança.

3.3.3. A violência policial

A função da polícia, seja civil ou militar, é extremamente delicada, já que o policial enfrenta
diretamente os problemas que lhe surgem, devendo tomar decisões de plano, sem qualquer
possibilidade de exame ou estudo da questão. O policial se depara com o caso concreto e tem de
resolvê-lo na hora e da melhor maneira possível, o que lhe exige bom-senso, equilíbrio, ponderação,
energia e disposição. Ainda que esteja também sujeito a erros, pelo número de diligências efetuadas
até que não decepciona muito.

Quando se fala em violência policial deve-se ter a cautela de verificar que, se ela existe, deve
ser atribuída a uma minoria insignificante em meio ao grande número de policiais existentes, tanto na
polícia civil como na militar, que é muito mais numerosa. Alguns policiais abusam de suas funções.
Existem àqueles violentos, truculentos e até mesmo criminosos, mas cumpre aos chefes da corporação
puni-los com severidade para que os maus exemplos não frutifiquem. O que não é admissível é que
esses “elementos” continuem trabalhando e expondo sua corporação a críticas indevidas, por mera
omissão de seus superiores. Temos que combater a violência de alguns policiais maus e desonestos.

3.3.4. Violência política

Vemos os nossos políticos aspirando ao poder, impondo suas ideias e programas por meio
de métodos pouco honestos e convincentes. A verdadeira política deveria ter como fim primordial o
bem público, mas isso não ocorre em nosso país. Interesses pessoais, de grupos econômicos ou de
partidos são colocados sempre em primeiro lugar, o que é uma violência contra o povo.

A violência política manifesta-se claramente, não só no Congresso Nacional, onde as


disputas partidárias são evidentes, mas também na distribuição de verbas para entidades fantasmas e

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nas negociações partidárias escusas e contrárias aos interesses nacionais. Essa forma de violência se
torna mais acintosa nas programações de televisão custeadas pelo Estado, em que os políticos
conhecidos por sua desonestidade procuram vender uma imagem que não possuem, já que o povo
está cansado de saber dos seus antecedentes.

Mesmo assim há políticos que, aproveitando-se dessas facilidades proporcionadas pelo


erário público, insistem em aparecer e falar. A violência está também na falta de trabalho, pois
enquanto deveriam ser feitas as leis que o país tanto precisa, continuam a ser discutidas questões de
pouco interesse. A cada ano existe novo assunto que toma conta dos debates políticos, sem que as
questões vitais sejam realmente discutidas.

Não deixa de ser também uma violência política o número de assessores mantidos pelos
parlamentares, o que faz do Congresso um logradouro de excesso de funcionalismo. Muitos desses
assessores nunca saíram de suas cidades e nunca trabalharam, apesar de receberem mensalmente
seus vencimentos.

3.3.5. Violência das drogas

O mundo vem sendo perturbado cada vez mais pelo tráfico de drogas, que tem feito vítimas
frequentes, principalmente entre os jovens, que são a presa mais fácil dos traficantes. O crime de
tráfico de drogas em nossa legislação é equiparado aos crimes hediondos. Embora punido com
benignidade, tem preocupado as autoridades e recebido à devida atenção, ainda que não tenha
diminuído. Ao contrário, o uso de drogas tem aumentado consideravelmente, fazendo inúmeras vítimas
e propiciando altos ganhos. Como se sabe, é um comércio altamente rendoso.

Dessa forma, a violência causada pelas drogas e pelo álcool está intimamente ligada à
criminalidade, além do mal causado à saúde da própria pessoa. As drogas causam desequilíbrio da
personalidade, perturbam e alteram a capacidade de entendimento, insuflando a agressividade e
levando as pessoas à prática dos mais diversos crimes, sendo alguns tão bárbaros e cruéis que só
encontram justificativas na anormalidade psíquica de seus agentes. A criminalidade está associada ao
uso abusivo e indevido de drogas, que conduz à violência do assassínio em virtude da disputa desse

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negócio ilícito e proibido.

3.3.6. Violação urbana

A violência urbana é fato público e notório. Na realidade, atingiu patamares vergonhosos e


insuportáveis, gerando sentimentos de insegurança generalizados e sem precedentes, que atinge
cidadão, moradias, escolas, hospitais e o comércio em geral. Nunca os assaltantes agiram com tanta
ousadia e desenvoltura como na última década. A violência urbana é uma das maiores causas de
morte e sequelas em todo o mundo. Depois das doenças do aparelho respiratório, as causas exteriores
da violência urbana configuram o segundo grupo de causa mortis.

Quando se fala em violência urbana não devemos relacionar o fato apenas à polícia, como
segurança e prevenção. Há que se lembrar também, e acima de tudo, que os aspectos nevrálgicos, os
mais dolorosos da violência urbana acham-se presente nos serviços de atendimento de emergência
dos hospitais, prontos-socorros e institutos médico-legais. Por isso mesmo, resta perguntar se a
violência urbana é questão só de segurança pública ou também de saúde pública?

A violência urbana está a dizer algo além do mero crime. Isto é, diz respeito à mudança de
hábitos cotidianos, à exacerbação de conflitos sociais, à adoção de soluções que desafiam o exercício
democrático do poder, à demarcação de novas fronteiras sociais, ao esquadrinhamento de novos
espaços de realização pessoal e social, ao sentimento de desordem e caos que se espelha na
ausência de justiça social. Não compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provoca sobre as
pessoas e as regras de convívio na cidade.

A violência urbana interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações sociais, corrói
a qualidade de vida das pessoas. Enfim, a crise de insegurança é geral, atingindo pobres, ricos,
adultos, crianças, trabalhadores, donas de casa. A causa dessa violência urbana não é somente a
miséria, a fome, a pobreza, a falta de moradia ou de investimento na educação, mas a omissão do
Estado (União, Estados e municípios) na seleção, treinamento, remuneração dos policiais e aumento
de seus efetivos.

O tráfico cresceu e ganhou status de negócio, suscitando disputas armadas, guerras

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particulares de gangues pelo controle dos pontos de maior lucratividade e investimentos muito maiores
em armamentos eficazes para sustentar a guerra. O combate à violência urbana não depende somente
de medidas sociais, porque ela não é promovida pelos pobres, desempregados, muito menos pelos
favelados. No comando está o crime organizado, quadrilhas de traficantes e armas, que na ausência do
Estado ocuparam os espaços deixados e formaram um verdadeiro poder paralelo.

A organização é tão forte que muitos chefões continuam no comando mesmo depois de
presos. Esse poder paralelo é mais forte do que admitem as autoridades policiais, não sendo suficiente
para enfrentá-lo a mera criação de um gabinete de gestão pelo Secretário de Segurança Pública.

É necessária, urgentemente, a valorização dos bons policiais, melhoria das condições de


trabalho dos mesmos, a mudança no estatuto das polícias, reposição do efetivo (que não vem sendo
feita) e a criação de novos métodos de treinamento e reciclagem de grande parte do efetivo. Os
corruptos precisam ser substituídos por bons policiais o mais rápido possível.

Igualmente, é preciso uma ação integrada da União, Estados e Municípios, planejada e


duradoura, pois não haverá reconquistas dos espaços perdidos, muito menos da segurança que todos
almejamos.

3.4 VIOLÊNCIA, MEDO E INSEGURANÇA

Como a violência afeta a mente e a vida de todos nós, um dos efeitos mais cruéis da
violência é o medo que se espalha entre as pessoas, sendo a insegurança uma das principais causas
de transtorno mental. Dessa forma, analisaremos os sentimentos de medo e insegurança diante dos
fatos violentos, medo e segregação social.

A violência é um problema presente em nossa rotina diária. É fato público e notório, que
atingiu patamares vergonhosos e insuportáveis, gerando um sentimento de insegurança que atinge
cidadãos, escolas, moradias, hospitais e comércios em geral. Cada um, particularmente, tem uma
história a ser contada. Uns já foram vítima de furto dentro do transporte coletivo ou assaltados em via
pública, outros tiveram sua residência arrombada, seu veículo particular furtado e encontrado, alguns
dias depois, completamente transfigurado: sem motor, sem pneus, sem aparelho de som, etc.

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Quando a pessoa não foi protagonista imediata desses fatos, pelo menos ouviu falar de fatos
semelhantes ocorridos com um vizinho, um parente, uma personalidade pública, que se torna familiar
devido à proximidade no tempo e no espaço que a imprensa escrita e mídia eletrônica nos
proporcionam. Há também àqueles cujas histórias são dramáticas. Viveram durante certo tempo, por
vezes até muito longo, com a vida suspensa, submetidos a maus-tratos, confinados em cubículos, sem
poder ver, ouvir ou falar. Outros, após permanecerem em um cativeiro, acabam libertados, desfecho
que resulta de tensas negociações entre a família e os sequestradores. Nem todos, porém, têm o
mesmo desfecho, culminando na morte da vítima.

Muitos brasileiros acreditam, não sem motivos, que a agressão criminal é hoje mais frequente
e grave do que no passado. Os atos de violência, em qualquer de suas formas, desde a coletiva, como
é o caso da guerra, dos atentados, das violações de direitos, etc., até a violência individualizada, como
os assaltos, os estupros, a tortura, podem ser comparados a uma espécie de câncer da alma. A
violência está dentro do indivíduo e ele procura meios para exteriorizá-la, independe de classe e
condição social, trata-se de algo interno. Isso se transforma em motivo para atacar homossexuais,
prostitutas, empregadas domésticas, torcidas rivais e por aí vai.

Como podemos observar, a violência tem sido o principal problema mundial. Em todos os
países do globo é perceptível a preocupação governamental com a segurança interna e externa dos
países, mormente após os ataques de 11 de setembro, quando o World Trade Center sucumbiu após a
colisão de duas aeronaves conduzidas por terroristas, deixando sequelas psicológicas no povo
americano e trazendo a sensação de insegurança, vulnerabilidade e impotência.

O medo é uma sensação incômoda para a maioria dos indivíduos. Se durante o dia tememos
ser vítimas de assaltos e agressões sem que haja agentes de segurança nas vias públicas para a
devida proteção legal, durante a noite ninguém nos grandes centros sequer quer se arriscar a sair de
casa. A insegurança, o medo e a desproteção não existem somente nas vias públicas, mesmo em casa
ninguém se sente seguro em virtude dos assaltos constantes, o que desmente nossos governantes
quando dizem que estão investindo altas verbas na segurança pública.

Existem vários fatores que contribuem para potencializar o medo do crime, tais como: residir
em uma cidade violenta, já ter sido vítima de algum crime, isolamento social, etc. Embora nos
dicionários especializados de Sociologia e Ciência Política não haja definições, pode-se dizer que, no
domínio das Ciências Sociais e Humanas, esse sentimento traduz reações de retraimento, individual ou

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coletivo, diante de fatos, acontecimentos, situações ou contextos percebidos como ameaças ou
agressões à integridade física, psíquica ou moral dos seres humanos, ao patrimônio privado ou público,
à identidade dos grupos sociais, aos bens coletivos protegidos pelas leis, aos valores tidos como
sagrados e dignos de respeito em comunidades e sociedades.

Medo é definido no Dicionário Aurélio como “o sentimento de grande inquietação ante a


noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça, susto, pavor, temor, receio”. O medo pode
matar e isso não é nenhuma novidade na medicina. A ansiedade, que é a versão civilizada do medo,
também mata. Sentimos saudades do tempo em que se podiam deixar as janelas abertas e portas
destrancadas, as crianças brincavam nas calçadas e praças sem qualquer constrangimento que não
fosse àquele decorrente das imposições de seus pais, namorava-se despreocupadamente à porta de
entrada de residências e edifícios de moradias sem o risco de ser importunado por eventuais
agressores criminais, circulava-se a pé, pelas ruas, à noite, com certa tranquilidade.

Além do mais, havia a rádio patrulha, cuja ronda noturna assegurava sonos ininterruptos e o
sonho de uma vida cotidiana, se não feliz ao menos um pouco mais livre do sobressalto inesperado da
ofensa criminal. Naquela época a polícia era uma instituição confiável, portadora de autoridade e moral.
Hoje, vivemos em uma terra sem lei ou onde a lei se funda no emprego da força física, que desconhece
limites.

As pessoas se fecham em suas casas, se protegem com grades e muros, enclausuradas em


condomínios, adquirem sistemas de segurança pessoal e seguros de toda espécie, achando que assim
estão contribuindo para reduzir as taxas de violência. Outras procuram viver no anonimato, evitam
circular nas zonas de perigo, andam acompanhadas, dirigem com os vidros de seus carros cerrados e
não conferem atenção a desconhecidos. Algumas se armam, ao menor sinal de perigo, e a apontam,
chegando a acioná-las. Nesse clima de convivência social não há solidariedade que se sustente.
Ninguém se sente estimulado a socorrer quem quer que se encontre em situação de risco.

Os medos dominantes na história das sociedades que existiram no passado não são
idênticos aos medos que hoje predominam nas modernas sociedades urbano-industriais. As reações
também variam diante das revoluções, das guerras ou de processos de comoção ou crise social em
face das catástrofes, dos desastres, dos ciclos agudos de fome e miséria, das ondas de crime e de
violência interpessoal ou ainda durante abruptos processos de mudança social, cujo significado e
direção escapam da compreensão dos indivíduos neles envolvidos.

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Os sentimentos de medo são compartilhados coletivamente, as reações individualizadas
podem ser de intensidade e alcances diferenciados. Diante das mesmas ameaças, alguns poderão
reagir com manifestações de dor e sofrimento, outros com silêncio, outros ainda com violência e
agressão. Por fim, se as reações têm origem subjetiva, nascem sentimentos tão profundos no indivíduo
que parecem não ser compartilhados com nenhum outro ser humano. Tendem a ser tornar
comportamentos padronizados e objetivos, em uma sociedade determinada e em momento igualmente
certo de sua história, traduzindo a disseminação de preconceitos contra pessoas ou grupos
responsabilizados pelas ameaças ou potenciais agressões.

O medo não é independente das suas formas de comunicação e de circulação. Circulam por
intermédio de gestos, expressões corporais, imagens, símbolos, rituais, textos diversos. Essas formas
estão encarnadas em estórias contadas de geração em geração, falas sobre fatos e acontecimentos,
rumores, depoimentos, testemunhos.

Não raro, também contribuem para potencializar a insegurança e reproduzir a violência que
traz subjacente às narrativas. Como exemplo, temos a narrativa, boca a boca, transmitida entre os
povos nativos e colonizadores das Américas, no início do século XIX (1791), quando os negros
escravizados revoltados assassinaram impiedosamente parcelas substantivas da classe proprietária.

Rapidamente disseminou-se por toda a América, Central e Sul, sentimentos de pânico e


terror, que reforçaram os controles repressivos dos brancos contra os revoltosos para evitar a repetição
daqueles fatos. Esses acontecimentos aparecem narrados, aqui e acolá, na literatura ou no jornalismo
em países como Brasil, Argentina e outros.

Os primeiros estudos sobre o medo relacionado à violência criminal surgiram na década de


1960, nos Estados Unidos, em decorrência da explicação dada pelas pessoas de que seus medos
estariam associados à criminalidade. Incentivados pelo governo, esses estudos tentavam demonstrar a
veracidade dessa relação. Um marco foi a Comissão Katzenback, de 1967, ou Comissão Presidencial,
que reclamava da falta de estudos sobre o medo do crime.

As transformações sociais causadoras do medo e da insegurança também foram postas em


evidência por pesquisadores brasileiros nas décadas de 1980 e 1990. Como lidar com o medo nosso
de cada dia? Qual seria a solução? O mais correto seria a busca contínua da educação e do
autoconhecimento? Solução seria em investimento em repressão policial e policiamento ostensivo? É a
melhor saída? Como solução haveria o ataque à má distribuição de renda e ao desemprego? Estariam

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corretas porque ambas são fonte de redução de criminalidade.

Sabemos que, como sempre, isso não vai dar em nada, pois há muita gente envolvida nesse
lado podre da polícia. Correto é que precisamos de reformulação da segurança no país, de forma
imediata, a começar pela maneira como a violência é encara pelas autoridades. A população precisa
sentir que há ordem instituída, que não está à mercê de grupos criminosos, sendo urgente acabar com
essas quadrilhas de criminosos que ameaçam o poder instituído.

Se o cidadão sentir que há ordem em sua cidade será consequência o desarmamento


progressivo. O Estado tem o dever de administrar a insegurança existente e ela sempre irá existir, de
modo a propiciar ao cidadão o mínimo de dignidade humana quando for à rua ou ao trabalho. Não
podemos aguardar a solução dos problemas sociais brasileiros para alcançar um patamar razoável de
segurança.

Faz parte da responsabilidade do Estado reprimir a violência e a repressão policial é a única


forma conhecida de viabilizar a convivência pacífica no modelo democrático. A polícia é a instituição
criada pelo homem para desempenhar o papel de guardião da sociedade na questão segurança. A
força policial deve ser um instrumento de controle da criminalidade a serviço da sociedade e por ela
constantemente vigiada para que os direitos civis e humanos sejam respeitados. A violência deve ser
coibida pela polícia e não por ela praticada sob o pretexto de reprimir a violência.

A inexistência ou fracasso da polícia é um fator relevante para o aumento da criminalidade,


vez que fica a sensação de impunidade e de falta de controle social. É nesse ponto que está a maior
falha nas políticas públicas de segurança. Somente a polícia preparada para o tipo de criminalidade
peculiar de cada local é capaz de reprimir eficazmente a violência. Diante disso tudo é fácil perceber
que o fator social não é o único criador de violência e criminalidade. Enfim, existem várias outras
formas de violência que não foram abordadas nesse capítulo, como àquela contra a criança, no
trânsito, na educação, no esporte, etc.

3.5 SOMOS TODOS VIOLENTOS

A verdade é que todos se queixam da violência do próximo, mas poucos procuram conter a

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sua própria.

Na família, quantas vezes não praticamos certos atos contra o cônjuge ou nossos filhos que
não deixam de ser formas sutis de violência, já que ofendem, desgostam e aborrecem? No trabalho
também estamos sujeitos a certa agressividade com colegas, de maneira ostensiva ou velada, ou até
mesmo por meio de comentários maldosos e inverídicos referentes à pessoa de nossos superiores
que, por não podermos atingir diretamente, o fazemos de forma indireta. Por sua vez, sabe-se de casos
de superiores ou chefes muitas vezes tomam atitudes desrespeitosas para com suas secretárias,
molestando-as de tal forma que as obrigam a pedir demissão mesmo necessitando do emprego. No
trânsito, como motoristas, nota-se cidadão que deixa de acatar regras mínimas de circulação,
colocando em risco a segurança das demais pessoas. Pessoas agressivas, sem paciência no trânsito,
que por uma ultrapassagem até matam.

É por isso que o nosso trânsito é o mais violento do mundo, pelo índice de acidentes com
vítimas fatais ou incapacitadas pelo resto da vida. Graças à educação, no seu sentido mais amplo e
profundo, como conjunto de conhecimentos, de modelos de conduta, princípios, normas e valores, é
que por intermédio de introjeção e da identificação vai ser plasmada a expressão social e volitiva da
personalidade, ou seja, o caráter da pessoa.

Por isso mesmo, durante a puberdade, em que predomina a vida instintivo-emocional, se a


educação liberta o excesso de tendências instintivas, o jovem corre o perigo das reações antissociais,
das práticas inconvenientes e dos devaneios voluptuosos. A educação deve mostrar ao jovem que a
moral, que estabelece as regras que devem reger a conduta individual e social, não é um código de
proibições, mas, ao contrário, uma doutrina destinada a tornar os homens melhores.

Se todos nós temos um instinto de violência adormecido, o importante é que saibamos


dominá-lo e educá-lo para que não se converta em atos danosos a nossos semelhantes. É necessário
que cada um, pessoalmente, procure domesticar e conter os seus impulsos de violência. Isso será uma
vitória individual que, somada a outra, tornará a sociedade mais pacífica, melhor para todos. A violência
precisa, portanto, ser combatida a partir de uma resolução pessoal, só assim transformaremos a face
da Terra em um paraíso de paz. Sentimos muito melhor quando vivemos em paz conosco e com os
outros.

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3.6 A violência e a expansão global da criminalidade

Desde o início do ano 2000 as promessas onipotentes do neoliberalismo entraram em crise e


se registraram em todo o mundo expressões de repúdio e resistência, que chegaram até a violência
explícita. Enquanto isso, pauperização firmemente instalada gerou rápidos processos de concentração
marginal urbana precária, que colocaram à administração e ao controle situações mais incontroláveis e
complexas que quaisquer das conhecidas durante o século XX. Nasceu uma nova gestão do espaço
das cidades em que o Estado não pôde manejar. O campo delitivo também se globalizou, dando
sobradas mostras de poder.

Podemos citar como exemplo quando, em 2006, narcotraficantes brasileiros presos em São
Paulo planificaram e fizeram executar, dando ordens de dentro das prisões, ataques em massa contra
delegacias e estabelecimentos comerciais que geraram um estado de guerra e foi necessária a
intervenção do exército para recuperar e manter o controle da cidade. No Rio de Janeiro, também em
2006, ocorreram episódios similares, com dezenas de vítimas inocentes, que também forçaram a
intervenção do exército.

Outro exemplo que podemos citar são grupos islâmicos extremistas que recrutam militantes
de distintos países não islâmicos, inclusive de primeiro mundo, que dominam tecnologias de pontas e
se valem dos recursos da lavagem de dinheiro para financiar suas operações. Todos seus contatos se
fazem por meio da rede e em diversos idiomas e países. Conceitos como narcoterrorismo da Colômbia
ou capitalismo mafioso da Rússia e outros países estão na ordem do dia e podem ser analisados em
qualquer jornal ou informativo. Essas organizações delitivas complexas evoluíram tanto e têm se
mesclado com o mundo dos negócios.

A América Latina já estava habituada, há mais de uma década, a situações como o emprego
de assassinos de aluguel, exploração infantil generalizada, lavagem de dinheiro mediante inversões em
obras faraônicas, delitos informáticos, tráfico de armas e corrupção de altos funcionários em níveis
grotescos e com impunidade escandalosa. Esses fenômenos delitivos superam todos os aparatos
estatais de controle, desnudando sua ineficiência para neutralizá-los ou julgá-los. Em conjunto, isso
indica que estamos ante um agravamento da realidade delitiva, que evidencia a ligação entre a
deterioração social e seus efeitos da violência, degradação humana e delito.

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À parte, a globalização gerou um fenômeno muito mais complexo que uma mera sofisticação
da criminalidade comum, certas manobras que antes foram delitos contra a economia nacional são
agora condutas lícitas na economia mundial. A magnitude crescente do delito econômico tende a
apoderar-se da economia mundial e a corrupção convencional fica obscurecida pela corrupção
macroeconômica, sem que exista um poder regulador capaz de controlar essa massa de negócios
turvos por cifras astronômicas, das quais dependem já as grandes economias do planeta.

A retirada do estado das funções de custódia e segurança levou à perda cada vez maior do
controle da ordem pública, enquanto os grupos delitivos aumentavam seu número, poder e audácia,
alcançando, como na Colômbia ou no Brasil, níveis paramilitares capazes de pôr em xeque as
autoridades e gerar situações de ingovernabilidade cada vez mais longas.

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4 VITIMOLOGIA E PENOLOGIA

4.1. HISTÓRICO DA VITIMOLOGIA

Ao longo do século passado, o sistema penal evoluiu e funcionou, concentrando-se em um dos


protagonistas do fato delitivo, o autor. A proteção dos bens jurídicos foi assumida pelo Estado como
parte do processo histórico que Foucault chamou de confiscação dos conflitos, que retirou,
gradualmente, dos vitimizados, todo protagonismo, cuja palavra, nos processos penais, foi emudecida.
O ramo criminológico penal, que assumiu o objetivo de investigar e recuperar o protagonismo das
vítimas dos delitos chama-se Vitimologia, o qual tem exigido, inclusive, autonomia científica.

A revalidação do papel das vítimas orienta-se não somente a dar-lhes uma melhor satisfação,
mas, também, protagonismo, a fim de que o Direito atente realmente a seus interesses e razões, por se
tratar de frequentes titulares exclusivos do bem jurídico agredido. Essa última tendência é mais recente
na Vitimologia e afirma-se nos anos oitenta como resultado da evolução da Psicologia social, das
pesquisas de vitimização e dos movimentos feministas, assim como da intenção de contrabalancear
teórica e político criminalmente certa idealização do delinquente como vítima social, resultado da forte
predileção antissistema da Criminologia Crítica.

A necessidade de reparar mais eficazmente os prejuízos, mas também a possibilidade de


evitar as soluções puramente punitivas, em uma grande porcentagem dos casos, reavivou o interesse
em direção à desaminada Vitimologia dos anos oitenta, especialmente na Alemanha, onde diversos
autores enxergaram a possibilidade de solucionar conflitos penais mediante acordos entre vítimas e
vitimizadores.

A Vitimologia é uma corrente organizada internacionalmente que tem realizado importantes


congressos, conta com publicações especializadas e uma abundante bibliografia em diferentes
idiomas.

A Vitimologia como o estudo do papel representado pela vítima, na gênese e nas

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conseqüências do crime, era classificada como um capítulo da criminologia.

A Vitimologia consiste em focalizar a personalidade da vítima e saber se ela é mesmo vítima ou


os motivos que proporcionou para se tornar tal.

Sugerindo por exemplo, que o supermercado, adotando o sistema de autosserviço, com as facilidades
proporcionadas ao público quanto ao manuseio dos artigos, facilita com isso o furto.

Outro exemplo, nos crimes de estelionato (art.171 do CP), em que o emprego do logro, artifício
e ardil denuncia a influência exercida pelo autor com a complacência do lesado, que se deixa enlear
por simpatia, fascínio e atração, exercida pelo estelionatário.

Estelionato é caracterizado pela utilização de um artifício para enganar a vítima, muitas vezes a
própria ganância intrínseca nas pessoas. A ânsia de ganhar dinheiro faz com que a vítima cometa um
erro. No caso de uma população mal instruída, a incidência de sucesso nos golpes aplicados pelos
estelionatários é grande.

Sob certo aspecto, a vítima passa a ser encarada pelo novo estudo não apenas como sujeito
passivo, mas como colaboradora do ato criminoso.

Segundo Guaracy Moreira Filho:

Vitimologia é o estudo científico das vítimas com o intuito de adverti-las, orientá-las,


protegê-las e repará-las contra o crime.

É o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico,
psicológico e social, quer do da sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua
inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos.

Em sua visão mais moderna, a Vitimologia surge com Benjamim Mendelson, em 1947, através
de uma conferência (Um horizonte novo na Ciência Biopsicosocial - a Vitimologia).

Seus parceiros de estudo e pesquisas, de ontem e de hoje, do velho e do novo mundo, a partir
daí, não mediram esforços para levar aos conflitos do universo das ciências as reflexões sobre essa
nova disciplina no que se refere ao agente vitimizador, sobre a vítima e sobre o processo de

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vitimização, em todas as esferas das ciências sociais ou do comportamento humano.

Por fim, o estudo vitimológico oferece à SBV ferramentas para a diminuição da criminalidade
na medida em que dificulta a ação de criminosos ocasionais, diante de realização de campanhas que
promovem um alerta às possíveis vítimas e auxilia a justiça, não somente em relação ao julgamento da
responsabilidade e culpabilidade do indivíduo, como também vislumbrando as maneiras de viabilização
de uma sistemática recuperacional.

A prioridade da Vitimologia é o estudo do comportamento da pessoa vitimizada, de sua


gênese, de seu desenvolvimento, do estudo do processo de vitimização, na dinâmica entre o
vitimizador e sua vítima, do exame de sua classificação doutrinária. Seu objetivo é criar condições
sócio jurídicas para que ela supere o dano sofrido, restituindo-se integralmente, no aspecto material e
moral, seu prejuízo.

4.2 HISTÓRICO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE VITIMOLOGIA NO BRASIL

A SBV (Sociedade Brasileira de Vitimologia) foi fundada em 28 de julho de 1984, quando


especialistas das áreas de Direito, Medicina, Psiquiatria, psicologia, Sociologia e Serviço Social, além
de outros estudiosos das ciências sociais, se uniram para consolidar no Brasil os conhecimentos
relacionados com a ciência Vitimologia, que anteriormente era apenas um capítulo da Criminologia.

Sob a denominação de Sociedade Brasileira de Vitimologia o seu art.1° diz que:

Fica constituída uma sociedade civil sem fins lucrativos, que se regerá pelo presente
estatuto, por instruções normativas e por disposições legais aplicáveis.

A Vitimologia é uma ciência nova que teve um desenvolvimento extraordinário desde que se
realizou o I simpósio Internacional, em 1973, ingressando no terceiro milênio com embasamento teórico
respaldado em pesquisa feita nos cinco continentes e objetivos práticos, de restituição e ressarcimento
de dano e humanísticos, de assistência às vítimas.

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No início, a Vitimologia foi considerada um campo paralelo à criminologia ou o reverso da
criminologia, mas posteriormente adquiriu maior abrangência e o seu estudo e aplicação passaram
comportar todo o gênero de vítimas de acidentes, havendo correntes da Vitimilogia que se ocupam da
assistência de vítimas de catástrofes naturais.

Desta forma, analisando a Vitimologia, ciência multidisciplinar, verificamos a sua vinculação


com disciplinas como a Psiquiatria, Psicologia, Medicina, Assistência Social, Psicanálise, além da
Criminologia de onde se originou.

O estudo da Vitimologia é abrangente necessitando da colaboração de profissionais de várias


áreas de atuação para atingir uma visão holística da questão, que contribuirá para realizar o potencial
científico e humanístico emergente da vocação natural da Vitimologia. E também, sua afinidade com a
esfera policial, que geralmente tem os primeiros contatos com a vítima e a comunicação, outro campo
multidisciplinar que permeiam outros.

De acordo com a SBV em seu art. 3° de seu estatuto, tem por finalidade:

I – a realização de estudos, pesquisas, seminários e congressos ligados à pesquisa


vitimológica;

II – formular questões que sejam submetidas ao estudo e decisão da Assembleia Geral;

III – manter contato com outros grupos nacionais e internacionais, promovendo reuniões
regionais, nacionais ou internacionais sobre aspectos relevantes da ciência penal e
criminológica, no que concerne à vitimologia.

Seu estudo envolve o comportamento dos delinquentes em relação às suas vítimas; o


comportamento de suas vítimas em relação aos criminosos; a responsabilidade das vítimas para a
ocorrência do crime e também, a história do homem criminoso, isto é, o que o levou a praticar tal crime,
fator vitimógeno.

66
4.3 A VÍTIMA

4.3.1 Conceito

Vítima pode ser pessoa arbitrariamente condenada à morte; pessoa ferida ou assassinada,
ou que sucumbe a uma desgraça, ou morre em acidente, epidemia, etc.

Já em relação à Criminologia, observamos que o estudo do Direito Penal sempre se deu, até
meados da década de 1940, voltado para o estudo do delito, do delinqüente e da pena. A vítima, o
outro componente do contexto criminal, até então não havia sido analisado.

Diante disso, em 1956, Mendelson examinou causas e efeitos dos crimes e deu forma
definitiva às suas idéias e estudos sobre a vítima, caracterizando a Vitimologia como disciplina
criminológica.

È bom lembrar, que alguns criminólogos consideram Hans Von Hentig como o verdadeiro
fundador da Vitimologia, sendo também, um dos pioneiros do estudo sobre a vítima.

A vítima pode ser definida sob vários sentidos, no sentido jurídico geral refere ao indivíduo
que é prejudicado de forma direta em decorrência da ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo Direito.

No sentido jurídico penal (restrito) trata-se da pessoa que diretamente é vítima da violação da
norma penal.

No sentido jurídico penal (amplo) inclui tanto a pessoa como a comunidade que sofreram de
forma direta as consequências do delito.

Agora, vitimizar é desencadear qualquer direito básico do homem, nele incluídos os Direitos
Humanos, os Direitos Fundamentais agasalhados na Constituição e os princípios densificadores do
Estado Democrático de Direito.

67
4.3.2 Classificação de vítima segundo Benjamin Mendelsohn

Segundo Benjamin Mendelsohn as vítimas podem ser classificadas como:

• Vítima completamente inocente ou vítima ideal


Trata-se da vítima completamente estranha à ação do criminoso, não provocando nem
colaborando de alguma forma para a realização do delito. Como exemplo, uma senhora que tem sua
bolsa arrancada pelo bandido na rua.

• Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância


Ocorre quando há um impulso não voluntário ao delito, mas de certa forma existe um grau de
culpa que leva essa pessoa à vitimização. Como exemplo, temos um casal de namorados que mantém
relação sexual na varanda do vizinho e lá são atacados por ele, por não aceitar esta falta de pudor.

• Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator


Ambos podem ser o criminoso ou a vítima. Como exemplo, temos uma Roleta Russa (um só
projétil no tambor do revólver e os contendores giram o tambor até um se matar).

• Vítima mais culpada que o infrator


Enquadram-se nessa hipótese as vítimas provocadoras, que incitam o autor do crime, as
vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem, ainda que haja uma
parcela de culpa do autor.

• Vítima unicamente culpada que podem ser: vítima infratora, ou seja, a pessoa comete um
delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima defesa; vítima
simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um indivíduo a ser acusado de um

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delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; ou ainda vítima imaginária, que se trata de uma
pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário à
erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal
delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação da vítima.

4.3.3 Classificação vitimológica de Hans Von Hentig

Segundo Hans Von Henting, as vítimas podem ser classificadas como:

• Vítima isolada
A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em
decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.

• Vítima por proximidade


Este grupo de vítimas subdivide-se em: Vítima por proximidade espacial que se torna
vítima pelo fato de estar em proximidade excessiva do autor do delito em um determinado local, como
ocorre nos casos de furto no interior de um ônibus; Vítima por proximidade familiar, a qual ocorre no
núcleo familiar, como pode ser visto no caso do parricídio, em que o filho mata seu próprio genitor; e
ainda, vítima por proximidade profissional, que geralmente ocorre no caso de atividades profissionais
que requerem um estreitamento maior no relacionamento profissional, como no caso do Médico.

• Vítima com ânimo de lucro


São taxadas dessa forma as vítimas que pela cobiça, pelo anseio de se enriquecer de maneira
rápida ou fácil, acaba sendo ludibriada pelos estelionatários ou vigaristas.

• Vítima com ânsia de viver


Ocorre com o indivíduo que, com o fundamento de não ter aproveitado sua vida até o presente
momento de uma forma mais eficaz, passa a experimentar situações de aventuras até então não

69
vividas que o colocam em situações de risco ou perigo.

• Vítima agressiva
Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor da
violência, pois chega um momento que por não suportar mais a agressão sofrida, ela irá rebater tal ato
de modo hostil.

• Vítima sem valor


Trata-se da vítima que em decorrência de seus atos não recomendáveis praticados perante a
sociedade, acaba sendo indesejada ou repudiada no meio social em que vive. Por praticar certos atos
não aceitos pela sociedade, este indivíduo vem a sofrer agressões físicas, verbais, ou até mesmo
podendo ser morto. Como exemplo, temos o caso do estuprador ou assassino que é morto pela
sociedade, pela polícia, ou por sua própria vítima.

• Vítima pelo estado emocional


Essas vítimas são qualificadas desta forma em decorrência de seus sentimentos de
obcecação, medo, ódio ou vingança que vem a sentir por outras pessoas.

• Vítima por mudança da fase de existência


O indivíduo passa por várias fases em sua vida, sendo que ao mudar para certa fase de sua
existência, poderá se tornar vítima em consequência de alguma mudança comportamental relacionada
com alguma das fases.

• Vítima perversa
Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite
algum de respeito em relação às outras, tratando-as de um modo como se fossem objetos que podem
ser manipulados.

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• Vítima alcoólatra
O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais levam as pessoas a se tornarem
vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.

• Vítima depressiva
Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do indivíduo,
pois poderá levar a pessoa à sua autodestruição.

• Vítima voluntária
São as pessoas que por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo que o
autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo de vítima
são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.

• Vítima indefesa
Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial lhes
causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa e acabam deixando
de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos ocorridos nas
ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.

• Vítima falsa
São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade se
autovitimam para que possam se valer de benefícios.

• Vítima imune
São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função, ou
algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer tipo de
ação delituosa que possa transformá-las em vítimas, como exemplo, temos um padre.

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• Vítima reincidente
Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter passado
por tal episódio, não passa a tomar qualquer tipo de precaução para que não volte a ser vitimizada.

• Vítima que se converte em autor


Nesse caso, a vítima que era atacada pelo autor da agressão se prepara para o contra
ataque, como exemplo tem o crime de guerra.

• Vítima propensa
Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas.
Podendo decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo que
esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.

• Vítima resistente
Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma forma,
sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do dever. Neste
caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.

• Vítima da natureza
São pessoas, que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como no
caso de uma enchente, um terremoto.

4.3.4. Classificação de vítimas, segundo Guaracy Moreira Filho

De acordo com Guaracy Moreira Filho, as vítimas devem ser classificadas como:

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• Vítimas inocentes
São as pessoas que não contribuem de nenhuma forma para a ocorrência do delito, ou seja,
não há nenhuma participação da vítima na consumação da ação criminosa.

• Vítimas natas
Tratam-se das vítimas que contribuem de alguma forma para a eclosão de um crime, seja por
seu comportamento agressivo ou por sua personalidade insuportável.

• Vítimas omissas
Neste grupo encontram-se as pessoas que não vivem em integração com o meio social, pois
não participam da sociedade, nem sequer para reclamar de uma violência ou arbitrariedade sofrida.

• Vítimas inconformadas ou atuantes


Ao contrário do que ocorrem com as vítimas omissas, que não buscam relatar às autoridades
competentes seus direitos violados, estas cumprem de forma ativa seus papéis de cidadãos, pois
sempre que são violadas em seus direitos, buscam a efetiva reparação judicial.

4.4 O PAPEL DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL

Sabemos sobre o esquecimento a que a vítima foi relegada durante longo tempo. Podemos
dizer que a história praticamente teve três grandes fases em relação à vítima.

Uma fase em que ela era a verdadeira protagonista do sistema criminal, até o grande período
de se esquecimento, principalmente quando o Estado chamou a si a responsabilidade de resolver,
como se pudesse, todos os problemas sociais e jurídicos.

Com isso, ele próprio se encarregaria de instaurar e movimentar os processos criminais e


daria a resposta.

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O Estado deixou a vítima de lado, sendo considerada apenas uma colaboradora dentro do
sistema. Semelhante a uma testemunha, ela vem apenas prestar informes dentro do processo, para a
solução de uma determinada causa.

A vítima foi realmente esquecida durante um longo tempo, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial, devido os problemas que advieram dos próprios conflitos, do número de vítimas
elevadíssimo e da intensa criminalidade nos grandes centros urbanos, se desperta novamente para a
vítima.

O problema da vítima passou, novamente a ser motivo de preocupação, e com isso foram
gerados vários encontros no mundo todo, o que culminou entre nós no Brasil com a criação da
Sociedade Brasileira de Vitimologia.

A vítima, apesar de toda essa redescoberta de que se fala hoje em dia, não tem o papel que
deveria ter no nosso sistema processual penal. Pode realizar várias atividades, e são oferecidas a ela
várias perspectivas dentro do processo, mas há muito para ser melhorado.

O que poderia ser feito para melhorar o papel da vítima no processo penal brasileiro?

O primeiro passo seria o de definir a vítima dentro do processo penal brasileiro. O que, na
realidade, a vítima?

O Código de processo penal usa várias expressões: fala em vítima, em pessoa ofendida e em
lesado.

A palavra vítima aparece pouco, em alguns artigos apenas. Encontramos maior referência ao
ofendido e a pessoa ofendida, que são utilizadas largamente dentro do Código de Processo Penal.

Já o termo lesado, é utilizado quase sempre, no sentido da pessoa que sofreu um prejuízo de
ordem civil, de ordem patrimonial, e que tem também, algum espaço dentro do processo penal
brasileiro. Mas é como ofendido que na realidade, se trata a vítima no Código, como para ativar, como
parte dentro do processo criminal.

Para nós, no Brasil, o ofendido é o sujeito passivo da infração penal, mas não só aquele
sujeito passivo imediato, como também o chamado sujeito passivo secundário. Para se ter uma ideia,
imaginemos um crime de estelionato, onde poderíamos ter mais de um sujeito passivo.

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Teríamos como sujeito passivo aquele que sofre o prejuízo decorrente do crime de
estelionato, porque tem o seu patrimônio diminuído, mais também teríamos como ofendido e como
sujeito passivo, nesse conceito mais amplo, aquele que tivesse sido enganado e que por isso também
teria sofrido em relação àquela conduta.

Temos um exemplo que é significativo do nosso sistema e é onde nos apegamos para
verificar essa conceituação mais ampla, é o ofendido do crime de penal que tem por objeto o estudo do
crime e de seu autoexercício arbitrário das próprias razões.

Por fim, o processo penal tem por finalidade fazer valer o direito da vítima e uma eficaz
atenção ao respeito a seus direitos fundamentais.

4.5. RELAÇÃO DA CRIMINOLOGIA E DA VITIMOLOGIA

Criminologia assim como o termo de vitimologia deriva da junção de duas clássicas palavras:
victima e logos, a criminologia também é palavra composta dos vocábulos gregos kriminos e logos é a
ciência penal que tem por objeto de estudo do crime e de seu autor, do ponto de vista causal
explicativo, com ênfase à prevenção, criando estratégias ou modelos operacionais, para a redução da
criminalidade.

Já a vitimologian nasceu do seio da criminologia, assim como esta adveio do direito penal.

Em razão disso, a vitimologia adotou a terminologia e metodologia criminológicas, embora


hoje em seu todo, de forma alguma possam ser confundidas. A criminologia, como visto, é ciência
penal que tem por objeto o estudo crime (comportamento desviante de seu agente e,
consequentemente, da pena, ora como resposta do Estado ao infrator, ora como mecanismos de
ressocialização e retorno do condenado retorno do condenado ao convívio social.

A vitimologia, por sua vez, estuda o comportamento da vítima, no processo de vitimização,


sua relação consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou não com o agente vitimizador.

Em suma, a criminologia é ciência do fenômeno criminal, em seu conjunto, enquanto que a


vitimologia estuda a vítima, um dos protagonistas da trama criminosa, e sua relação com o vitimizador.

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No exame das relações entre a criminologia e a vitimologia, vale lembrar que, enquanto esta
tem como objeto o estudo do comportamento da vítima no cenário do crime ou em face de um dano de
natureza civil, aquele, a criminologia, pó se tratar de uma ciência causal explicativa, essencialmente de
caráter preventivo, prioritariamente objetiva o oferecimento de estratégias, por meio de modelos
operacionais, de maneira a minimizar os fatores estimulantes da criminalidade, assim como o emprego
de táticas que utilizem fatores inibidores dessa mesma criminalidade.

Criminologia e vitimologia vivem entre si em perfeita sintonia, em face de que, na dupla penal,
agente e vítima podem ser encontrados, consciente ou inconscientemente, em certos casos, num atuar
comum, como se fossem duas forças que se atraem ou se completam.

Enfim, a criminologia cuida do estudo do crime e de seu agente, e suas tradicionais


classificações de delinquentes, ao passo que a vitimologia estuda o comportamento da vítima, face ao
crime ou a alguma situação de vitimização de natureza civil, buscando ainda, no exame de sua
personalidade, a classificação da vítima, cuja tipologia defluirá de sua participação ou não na prática do
processo vitimizador e na medida dessa participação, bem como ela estende seus tentáculos, quer
prevenindo-as no processo vitimizatório, quer adotando mecanismos de resgate dos danos causados
pelo crime ou pelo dano, de natureza civil, oportunizado pelo agente vitimário.

Sendo assim, demonstrando-se essas diferenças não distanciamos a vitimologia da


criminologia, mas demonstramos sua íntima ligação.

4.6. A CRIMINOLOGIA RADICAL E A VITIMOLOGIA

A partir do início dos anos 70, surge uma verdadeira anticriminologia baseada nas teses de
Taylor, Walton e Young, ou seja, a Criminologia Radical, também conhecida como Criminologia
Interacionista, entendendo essa nova perspectiva criminológica que a corrente tradicional, clássica,
conservadora, positivista, esgotara seu ciclo histórico, por se tornar insuficiente para apresentar
soluções para o fenômeno criminal.

Essa Criminologia Radical não se propõe a analisar o crime em si, como resultado de
circunstâncias próprias, mas sim, criticar o ordenamento e buscar respostas para uma criminalidade tão

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crescente, de níveis altíssimos. Realmente o que mais interessa é essa epidemia de criminalidade e
não um simples fato considerado em si mesmo.

Ela se distingue de outras criminologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método
dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre sua existência e desenvolvimento, pela
base social de seus compromissos ideológicos, por seus objetos políticos estratégicos e táticos e por
seu programa alternativo de política criminal.

Juarez C. dos Santos, um dos paladinos dessa nova criminologia diz que Criminologia
Radical é:

A crítica sistemática aos conceitos, método e ideologia da criminologia tradicional


possibilitou a redefinição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da
criminologia radical, desde a orientação para o estudo dos criminosos reais, em
posição de influência e de poder nos quadros da ordem econômica e política da
sociedade capitalista, até a inserção das questões políticas gerais: quem controla e
se beneficia da ordem, como é distribuído o poder e a riqueza, como pode ocorrer à
transformação social. (1981, p. 44)

Segundo ele, o compromisso primário da criminologia radical é com a abolição das


desigualdades sociais em riqueza e poder.

Qualquer que seja a espécie de sociedade, em seu seio, encontra-se vítimas de qualquer
natureza.

Vitimas de crimes e abuso de poder, da desigualdade social, da exploração do homem pelo


próprio homem, do desemprego, do salário do trabalhador, das manobras politiqueiras do estado, da
má distribuição de renda, do analfabetismo, do difícil acesso à justiça que com tantas mudanças, ainda
é precário, da violência urbana e rural, do narcotráfico e de tantos outros processos vitimizatórios,onde
estiver presente o homem vitimizador, apesar de ser ele, como homem, a medida de todas as coisas,
haverá vítima, daí, também, onde a criminologia, aí a vitimologia.

Em resumo, a Criminologia Radical tem por objeto geral as relações sociais de produção, como
estrutura de classes e de reprodução político-jurídica como superestruturas de controle da formação
social, que produzem e reproduzem seu objeto específico de conhecimento científico: o crime e o
controle social.

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Vimos então, que tanto a criminologia tradicional como a nova criminologia têm afinidades
profundas com a vitimologia, pois, em qualquer de suas dimensões, busca-se o exercício dos direitos
fundamentais da pessoa humana.

4.7. PENOLOGIA, CRIMINOLOGIA E PENAS

Podemos conceituar a Penologia como a disciplina vinculada à Criminologia que estuda as


penas e suas modalidades de aplicação.

O vocábulo Penologia foi empregado pela primeira vez em 1834 por Francis Lieber, publicista
germânico que viveu nos Estados Unidos.

Sobre penologia, Armida Bergamini Miotto, assim se manifestou:

O estudo da pena, especialmente pelo aspecto filosófico e pelo aspecto sociológico,


adquiriu tal importância que já se sustenta a necessidade de uma ciência autônoma
da penalidade. Penologia com objeto próprio, isto é, o estudo filosófico, histórico,
científico, jurídico das penas e medidas de segurança, bem como das instituições
incumbidas de velar pela efetiva readaptação dos egressos”. (Miotto, 1977, p. 166)

O objeto da penologia é a pena sob os pontos de vista teórico, abrangendo sua história, sua
psicologia, sua sociologia, sua filosofia, legislativo quanto a sua cominação e judiciário, isto é, quanto à
sua aplicação, incidentalmente, poderá ser abrangido o delinquente a quem foi aplicada a pena, ou
seja, o sujeito passivo da pena.

A criminologia se mostra como uma área de saber relativamente sistematizada, explicativa e


causal. A diferença que vai entre a ficção abstrata e a dogmática da penologia até ao território objetivo
e experimental da criminologia é bem nítida e esclarecedora. Isto é, assume-se cada vez mais como
uma ciência que conhece as causas e o desencadear de todo o processo causal que leva à
delinquência.

O direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos e das penas para o estudo daquele que

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comete o delito. Deve analisar os criminosos em suas peculiaridades psicossociológicas. A partir desta
operação, estabelecer-se penas adequadas a características de personalidade.

O crime que anteriormente era definido como transgressão à lei penal, converte-se em
indício, em manifestação superficial que aponta para a personalidade do criminoso.

Contraria-se também o princípio do direito penal onde “não há pena sem lei”. Pois que a pena
deve basear-se, mais do que na violação de um artigo do CP, no estudo da personalidade do
criminoso.

Segundo os criminólogos, o direito penal teria saído de um estágio embrionário, rudimentar,


de um tempo em que se assumiam formas semisselvagens, incivilizadas, para chegar, depois de lenta
evolução, a período em que se baseava finalmente em métodos científicos.

Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis, a tortura era aplicada sem
limites, confundia-se a lei com a religião e o crime com pecado.

A sociedade, dizem-nos os criminólogos, regia natural e espontaneamente contra seus


detratores, mas esse tipo de reação social era desordenado, excessivamente cruel e acabava muitas
vezes por voltar-se contra a sociedade mesma, já que a violência acabava por dizimar parte da
população.

Num período intermediário, o direito horroriza-se com a crueldade das penas. Torna-se mais
humano e justo, as penas são aplicadas com maior uniformidade. É o período ético humanista
inaugurado por Beccaria, com o estabelecimento do princípio da proporcionalidade das penas e dos
delitos, da igualdade perante a lei, da não retroatividade da lei penal e da responsabilidade como
fundamento do direito de punir.

Mas se por um lado há um avanço no sentido de humanização, por outro há certa


ingenuidade, ignorância até, no entender dos criminólogos. Por prescindir de bases científicas nas
quais se fundamentou, o direito perdeu-se em considerações metafísicas e, principalmente, descuidou-
se de sua tarefa básica de defender a sociedade.

Enfim, o momento tático inicial que inaugura a criminologia traz como efeitos, de um lado, a
promessa de um direito penal que pode conhecer cientificamente o crime e os meios para seu combate
e, de outro, a denúncia de que o direito liberal é ineficaz.

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Pena, é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma
sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um
bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua
readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade, isto é, a
pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através de ação penal, ao autor de uma infração
penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é
evitar novos delitos. Isto é, são sanções impostas pelo Estado contra pessoa que praticou alguma
infração penal.

Pena, num sentido amplo, é a sanção que o Estado impõe àqueles que se insurge contra seu
ordenamento jurídico.

As teorias preventivas da pena são aquelas teorias que atribuem à pena a capacidade e a
missão de evitar que no futuro se cometam delitos.

Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou eficaz, devia ser legítima, ou seja, fundada
em lei anterior e aplicada em indivíduos responsável.

A criminologia inaugura a noção de que as penas devem, antes de tudo, ser eficazes. Sua
legitimidade baseia-se não mais em considerações estritamente jurídicas, mas científicas.

Para Magalhães Noronha , a pena é retribuição, é previsão de bens jurídicos, imposta ao


criminoso em face ao ato praticado.

Para Guilherme de Souza Nucci, pena:

É a sanção imposta pelo Estado, através da Ação Penal, ao criminoso, cuja


finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes (Nucci,
2005; p. 335).

O objetivo da pena deve servir para corrigir o indivíduo, para que este não volte a delinquir.
Busca ainda a pena a proteção da sociedade. A manutenção da paz social e a proteção dos bens
juridicamente tutelados.

As penas aplicadas sobre os delitos que o indivíduo praticou não podem, de maneira alguma,

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representar uma vingança da vítima sobre o culpado.

A finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal
injusto praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico. A pena tem dupla
função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação.

A proporcionalidade entre os delitos e as penas deve ceder lugar a considerações quanto à


modalidade de pena a ser aplicada, de modo a corrigir uma anormalidade e, ao mesmo tempo, dotar o
Estado de meios eficazes na defesa contra estes seus inimigos anormais.

Surge a noção de pena indeterminada, graduada segundo o grau de anormalidade do


criminoso. As penas vão ser criticadas por sua ineficácia, pelo seu fracasso em combate a reincidência.
Quanto aos efeitos de intimidação e arrependimento que as penas deveriam produzir sobre a moral do
criminoso, a criminologia vai demonstrar, através de uma observação da prisão e de sua crítica, que
isso não ocorre.

Em razão da própria anormalidade do criminoso, ele não seria intimidável ou capaz de


recuperação por meio de punição.

Um dos maiores alvos da crítica a ser desfechada pela criminologia é o júri popular. O direito
liberal definia a função de julgar como de bom senso, experiência de vida, de moralidade. Pois a lei,
sendo oriunda de um parlamento, é expressão do consenso político, em última análise, da vontade dos
cidadãos, expressa por seus representantes eleitos.

Ainda assim, ao aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio saber e especialização, poderia
hipertrofiar-se em suas funções.

O júri popular, formado por representantes do povo, seria um elemento de moderação a


impor limites ao arbítrio do juiz.

Deveria ser composto por homens do trabalho ativo, pessoas que se atêm ao lado prático da
vida, contrastando com os próprios juízes, que, por força da profissão, estariam relativamente
afastados dos embates quotidianos.

Ora, o discurso criminológico veiculará outro tipo de visão sobre a atividade de julgar.

O júri popular passa a ser compreendido como um obstáculo a uma compreensão mais

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científica do criminoso e do crime. É tornado incompetente para julgar porque não detém um saber, que
só a magistratura togada é capaz de possuir.

Julgar passa a ser uma função técnica, noção essa que se complementa com uma
concepção naturalista e não política quanto a origem das leis.

Elas são frutos da necessidade, determinada pela vida coletiva, de que a sociedade se
defenda de seus detratores, opondo, ao mesmo tempo, no nível individual, um freio aos instintos e
afetos que governam todo ser humano, impedindo-o de livremente decidir sobre seus atos.

Qual o fundamento das leis? Qual a legitimidade da punição imposta a quem as transgride?
Com o advento da criminologia, as leis são consideradas como fundamentadas na necessidade natural
de defesa da sociedade.

A questão da legitimidade cede lugar à da eficácia.

O Judiciário pode aparecer como um regulador autônomo e técnico da sociedade, entendida


em sentido genérico, isenta de contradições, cuja lenta evolução fez finalmente com que se produzisse
um saber científico (a criminologia) capaz de armá-la de meios adequados para sua defesa.

82
5 CRIMINALIDADE E O SISTEMA PRISIONAL

5.1. HISTÓRIA DAS PRISÕES

As prisões têm sido um dos terrenos temáticos mais transitados para a investigação
criminológica, a partir da ótica positivista. Foram necessários enfoques modernos para essa
problemática, a fim de contribuir com a reformulação do controle penal. Sabemos que o cárcere sempre
existiu. Porém, sua finalidade não era semelhante a que temos hoje. Destinava-se à guarda de
escravos e prisioneiros de guerra. Em matéria penal servia, basicamente, para a custódia de infratores,
à espera da punição e do próprio julgamento, para que não fugissem e para que fossem submetidos à
tortura, método de produção de prova antes considerado legítimo.

Antigamente os réus não eram condenados especificamente à perda da liberdade por um


período determinado de dias, meses ou anos. Eram punidos com morte, suplício, açoite, amputação de
membros, trabalhos forçados, confisco de bens, etc. Para viabilizar a punição imposta, permaneciam
presos durante dias, meses ou anos. O encarceramento era um meio, não o fim da punição. Nesse
contexto, não existia preocupação com a qualidade do recinto nem com a própria saúde do prisioneiro.
Bastava que o cárcere fosse inexpugnável.

Resquícios de prisões medievais estão preservados como museus na Europa. É o caso das
masmorras anexas ao palácio dos Doges, em Veneza, aonde se chega pela travessia da famosa Ponte
dos Suspiros. A partir do século XVIII, a natureza da prisão se modifica. A necessidade de aproveitar o
contingente de pessoas economicamente marginalizadas, o racionalismo político e o declínio moral da
pena de morte, estimulou o desenvolvimento de uma reação alternativa por determinado período de
tempo.

A prisão torna-se, então, essência do sistema punitivo. A finalidade do encarceramento passa


a ser isolar e recuperar o infrator. O cárcere infecto, capaz de fazer adoecer seus hóspedes e matá-los
antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no tormento físico, é substituído

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pela ideia de um estabelecimento público, severo, regulamentado, higiênico, intransponível, capaz de
prevenir o delito e ressocializar quem o comete.

É uma mudança histórica gigantesca, ainda que muitas vezes essas últimas características
só estejam asseguradas no papel, por isso, geralmente, o desenvolvimento da prisão é associado ao
humanismo. Na perspectiva marxista, o surgimento da prisão acontece não por um propósito
humanitário, mas pela necessidade de domesticar setores marginalizados pela nascente economia
capitalista.

Havia um contingente de homens expulsos do campo e ainda despreparados para assumir


seu papel nas cidades. Uma classe perigosa perambulava pelas estradas e a prisão aparecia como
mecanismo de controle social. O sistema punitivo moderno foi construído a partir da segunda metade
do século XVIII. Devido a uma série de críticas à realidade da época, propõe-se a criação de
estabelecimentos especiais para o cumprimento das penas.

Sugere-se alguns critérios de separação de presos, o isolamento noturno para o condenado e


a religião como instrumento regenerativo. Defende-se, também, a criação de mecanismos de controle
externo, hoje consagrados em todo o mundo, pelo menos no plano formal (a administração de uma
prisão é coisa importante para abandoná-la completamente aos cuidados de um carcereiro).

A contribuição do pensador inglês Jeremy Bentham (1748-1832) é decisiva. Além de


antecipar traços das atuais propostas de privatização do sistema punitivo, sugere a adoção de um
castigo moderado, com disciplina severa, alimentação grosseira e vestimenta humilhante, tudo com o
objetivo de recuperar o criminoso. É uma grande qualidade da pena, que pode servir para a emenda do
delinquente, não só pelo temor de ser castigado novamente, mas também pela mudança em seu
caráter e seus hábitos.

Para Bittencourt (1993, p. 50):

Conseguir-se esse fim analisando o motivo que produziu o delito e aplicando-lhe


uma pena adequada para enfraquecer esse motivo. Uma casa de correção, para
atingir esse objetivo, deve ser suscetível à separação dos delinquentes em
diferentes seções, para que possam ser adotados meios diversos de educação à
diversidade de estado moral.

84
Em 1791, Bentham proporia a construção do Panóptico, um prédio circular em torno de uma
torre, por onde o interior da cela de cada detento poderia ser visualmente controlado por vigilância. O
edifício era como uma colmeia, cujas pequenas cavidades poderiam ser vistas todas de um ponto
central, surgindo, assim, as bases arquitetônicas das prisões modernas e uma chave para
compreender o próprio processo de erosão da privacidade, cada vez mais profundo.

5.2. O SURGIMENTO DOS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

Desde o século XVI existem as maisons de force, onde eram recolhidos os mendigos, os
vagabundos e as prostitutas, com trabalho obrigatório. Esses estabelecimentos apareceram em
Londres (1550), Nuremberg (1558) e Amsterdam (1598). A prisão como pena que serve de meio à
reeducação deve considerar-se inaugurada na Holanda, nos fins do século XVI, com o estabelecimento
de casas correcionais em Amsterdam, em 1595 e 1597, respectivamente, para homens e mulheres.

Essas duas prisões, destinadas, em princípio, a ser uma sorte de presídio policial para
vadios, mendigos, prostitutas, transformaram-se depois em penitenciárias. Apareceram, a seguir, casas
com a mesma finalidade em Bremem (1609), Hamburgo (1622) e assim por diante. No século XVIII
surgiram estabelecimentos de detenção na Inglaterra, Alemanha, Holanda e França, onde não havia
qualquer seleção prisional e eram aplicados castigos implacáveis.

O primeiro grande sistema penitenciário foi o da Filadélfia, conhecido como sistema filadélfico
ou pensilvânico, caracterizado pelo rigor externo, absoluto isolamento de dia e de noite, recebendo o
preso, visitas apenas do capelão, do diretor ou guarda da prisão. Era uma prisão tumular, em vida.

Nos EUA surgiu a reação contra tal sistema, inaugurando-se na Cidade de Auburn o
chamado regime auburneano, em que o isolamento era praticado somente no período noturno,
havendo durante o dia trabalho em comum dos presos. Dessa forma, o sistema de Auburn acabou
prevalecendo nos EUA, onde o isolamento absoluto e as refeições foram, desde logo, apontados como
modalidade de punição cruel.

Na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, aparece o mark system, ou sistema


progressivo, criação de Alexander Maconochie. Sob esse sistema, o cumprimento da pena era dividido

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em três fases, como veremos a seguir:

• No primeiro estágio (relativamente curto, aplicava-se o sistema filadélfico);


• No segundo estágio (o auburneano);
• E, no último, que era a grande inovação do sistema (aparece o livramento condicional)
deferido ao preso de bom comportamento, que passava a viver em liberdade, em lugar determinado e
fiscalizado pela polícia.

Já na Irlanda, Walter Crofton introduziu uma inovação entre a segunda e a terceira fases do
regime progressivo que era o recolhimento intermediário em penitenciárias agrícolas. A vantagem do
sistema de Auburn em relação ao sistema da Filadélfia estava na possibilidade de adaptação do preso
à rotina industrial, como o trabalho em oficinas, durante oito ou dez horas diárias, que compensava
custos do investimento e dava perfil mais racional ao presídio. Na Filadélfia o trabalho era artesanal e
não remunerado, em Auburn, a organização do trabalho estava entregue às empresas.

Conhecem-se, assim, três sistemas penitenciários: o sistema Filadélfia consiste em manter o


detento, durante todo o tempo da pena, no absoluto isolamento. Nesse sistema o preso permanece na
cela dia e noite, podendo realizar curtos passeios em pátios. Ali trabalha, por dispositivo especial,
assiste aos ofícios religiosos e à aula. Já no sistema de Auburn, apresenta como característica o
isolamento noturno e o trabalho em comum durante o dia, em silêncio.

Em rigor, os dois sistemas, tal como concebidos, se revelariam impraticáveis pela quantidade
crescente de presos e pelo preço elevado da construção de penitenciárias com celas individuais.
Inflexíveis também, os dois modelos não ofereciam estímulo aos detentos, limitados a obedecer à
rotina de comportamento e trabalho imposta pela administração do presídio e há aguardar o tempo
passar. Por fim, o sistema progressivo ou irlandês, de origem inglesa, teve por objetivo obter
aperfeiçoamento moral do condenado, por meio de sucessivas fases, paulatinamente alcançadas;
sendo a primeira dessas fases o isolamento, por um determinado período.

Após, passa a realizar, no interior do presídio, trabalhos diversos e de acordo com a aptidão
do detento. Dessa forma, podendo os detentos ser mais bem observados no sentido de verificar se a
terapêutica penal vem atuando sobre os mesmos, em caráter benéfico. Antes de reconquistar

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totalmente a liberdade, o sentenciado recebia o benefício do livramento condicional. Diante disso, a
partir da Europa, desenvolveu-se o sistema progressivo de cumprimento de pena, que se importaria
depois como o mais adequado aos ideais de regeneração. É esse o sistema adotado pelo nosso
Código Penal.

O Código Penal brasileiro de 1940, que adotou o sistema progressivo, admitiu certas
particularidades, que não se enquadram rigorosamente no sistema idealizado por Walter Crofton.

5.3. O SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL

5.3.1 Histórico sobre o penitenciarismo no Brasil

Não se conhece exatamente a situação e tipo de tratamento prisional dispensado aos


reclusos na época colonial. Sabe-se, porém, que frequentemente presos a correntes esmolavam o
próprio alimento aos transeuntes. Outras vezes, presos a uma coluna, o famigerado pelourinho, erguida
nas vilas e cidades, os criminosos padeciam de ignomínia ou castigo, expostos à execração pública.

Em 1551 já se mencionava a existência em Salvador, uma cadeia muito boa e bem acabada,
com casa de audiência e câmara em cima, tudo de pedra e barro, rebocadas de cal e telhado com
telha. Nas cidades e vilas, as prisões se localizavam no andar térreo das Câmaras Municipais e faziam
parte constitutiva do poder local. Serviam para recolher desordeiros, escravos fugitivos e,
evidentemente, criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram cercados por muros, os
presos tinham contatos por meio de grades, recebiam esmolas, alimentos e informações.

As prisões estavam alocadas também em prédios militares e fortificados que com tempo
perderam a função. Nas velhas prisões do Rio de Janeiro não existia tratamento correcional, elas
apenas mantinham os presos em severíssima custódia, com alimentação vinda principalmente da
Santa Casa da Misericórdia, o que ocorreu em 1883. Em 1669 foi autorizada a construção de um novo
prédio para substituir o antigo estabelecimento existente no Morro do Castelo, construído por
determinação de Mem de Sá, logo após a derrota dos franceses e tamoios, em 20 de janeiro de 1567.

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O novo prédio, cujo pavimento térreo serviu de prisão, foi o edifício conhecido como Cadeia
Velha, designação que emprestou à rua que o ladeava, mais tarde Rua da Assembleia. Dessa Cadeia
velha saiu o Alferes Tiradentes para pagar na forca o preço de ter sonhado com a independência, a
abolição da escravatura e a república, em 1789.

Próximo ao local onde hoje existe a Praça Mauá havia um sombrio edifício (a Cadeia de
Aljube), mandado construir pelo bispo frei Antônio de Guadalupe, entre 1735 e 1740, e destinado aos
misteres no foro especial, o juízo eclesiástico, ali purgando seus pecados os padres desobedientes.
Mais tarde, o Aljube foi cedido pela igreja para servir de prisão comum após a chegada da Família
Real, em 1808. Era horrível, continha 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de
0,60 por 1,20 metros.

Em 1831 o número de presos passaria de 500. Em 1856, prestes a ser desativado, o Aljube
seria definido pelo chefe de polícia da corte como um protesto vivo contra o nosso progresso moral. Um
decreto de 1821 marca o início da preocupação das autoridades com o estado das prisões do país, a
intenção era que ninguém seria lançado em masmorra estreita, escura ou infecta, porque a prisão
deveria guardar as pessoas e nunca para adoecer e flagelar. A Constituição de 1824, além de ter
abolido o açoite (mantidos para os escravos), a tortura, a marca de ferro quente e outras penas cruéis,
determinava que as cadeias fossem seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para
separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes.

Durante a Regência, em 1833, o Ministro da Justiça, Aureliano de Souza, mais tarde


Visconde de Sepetiba, daria o primeiro passo no sentido de encarar-se o condenado não como um
animal, mas como um ser humano, suscetível de regeneração. Em 1920 foi inaugurada a penitenciária
de São Paulo, no bairro do Carandiru, tido como o marco na evolução das prisões e era visitada por
juristas e estudiosos do Brasil e do mundo.

Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de prisão,
oficinas, enfermarias, escolas, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo parecia
perfeito. Isto é, a nova penitenciária se encaixava num amplo projeto de organização social elaborado
pelas elites do período, no qual um estabelecimento prisional deveria estar à altura do progresso
material e moral.

Em 1922 os estabelecimentos penais do Rio de Janeiro eram autônomos ou subordinados ao


Ministério da Justiça. A impressão que se tinha, em termos de penitenciarismo, é que o que se vinha

88
realizando deixava ainda muito a desejar. Em 1940 foi editado o Código Penal, atualmente em vigor,
com algumas alterações, como por exemplo, 1977, 1984, 1989. Outro símbolo da história das prisões
brasileiras foi à Casa de Detenção de São Paulo, também no Carandiru, que chegou a hospedar mais
de 8 mil homens, apesar de só ter 3.250 vagas.

Inaugurada em 1956 para presos à espera de julgamento, sua finalidade se corrompeu ao


longo dos anos, pois a Casa de Detenção passou a abrigar também condenados. O governo estadual
anunciava em 2002 a sua desativação, que batizou a iniciativa como o fim do inferno. Ela ficou
conhecida mundialmente pela miséria de seu interior e pela extensa coleção de motins, fugas e
episódios de desmando e violência, sobretudo o massacre dos 111 presos em 1992 pela Polícia Militar.

5.3.2 Visão do ponto de vista sociológico sobre as questões penitenciárias

Vimos que a história das prisões no Brasil expõe a fraqueza e a deficiência do Estado em
gerir políticas públicas de segurança. Mas a legislação define o que deve ser prisão e exibe requisitos
mínimos. Portanto, precisam ser corrigidas as deficiências sociais e institucionais. O que não pode é
continuar com essa fragilidade e a ineficiência do aprisionamento sem uma perspectiva plena de
recuperação dos internos, pois muitos presos reincidem, ou seja, voltam a cometer novos delitos
quando retornam à sociedade livre.

Isso prova a ineficácia da pena privativa de liberdade, que só agrava a exclusão social dessa
parcela da sociedade. De quem deve ser a culpa pelo fato de seres humanos serem enviados para
hediondos depósitos de presos que se tornam as delegacias de polícia e as penitenciárias? De acordo
com a visão sociológica de Edna Del Pomo de Araújo (1997, p. 31):

A grande maioria dos indivíduos que ingressam no sistema prisional nunca foi
socializada, no sentido de se sentirem parte integrante da sociedade e de terem
seus direitos civis respeitados. Ou seja, são os chamados excluídos sociais, cuja
passagem pelo sistema prisional produz a perpetuação de sua marginalização
social.

89
Diz ela que o fato de não possuírem recursos materiais suficientes que os possibilitem uma
ascensão social e o consequente ingresso na sociedade de consumo, aliado ao sucateamento dos
serviços públicos e gratuitos, impossibilita a milhares de jovens o acesso à saúde, educação, cultura e
lazer. O sistema econômico, político e social são responsáveis pela desestruturação familiar, já que
introduzem o indivíduo no subemprego e na criminalidade.

A única alternativa para uma parcela significativa da população é a criminalidade e, diante


desse fato, o Estado intensifica sua repressão sobre as camadas mais pobres da população em um
processo denominado por alguns intelectuais como criminalização da pobreza. As unidades prisionais
devem ser espaços onde o interno cumpra sua pena com dignidade e respeito de forma a prestar
serviços à sociedade.

Instituições que valorizam o ser humano e que acreditam que a plena recuperação de vidas é
possível devem servir como um exemplo a ser seguido para todo o país. Isto é, devem ser espaços
destinados à formação de indivíduos que, em busca da reconquista de dignidade, devem prestar
serviços à sociedade, já que cometeram crimes. Não adianta apenas aprisionar as pessoas, mantendo-
as desocupadas. É preciso libertar os indivíduos por meio do trabalho e da educação, porque os
homens que estão presos hoje serão livres amanhã e, caso não tenham cumprido sua pena em busca
da recuperação de suas vidas, provavelmente voltarão a delinquir.

Parcelas significativas da população não têm outra opção senão o caminho da criminalidade.
Diante desse grave problema social, as políticas públicas para área da segurança foram as de um
aumento do aparato estatal coercitivo. Certo é que a miséria provocada pelo desemprego e a falta de
dinheiro não são os únicos motivos que levam indivíduos a praticarem algum crime.

Estimulados pelos meios de comunicação em massa, que diariamente impõem a


necessidade do consumo, alguns delitos são cometidos com o intuito de obter um ganho material
imediato que possibilite a resolução rápida de seus problemas financeiros. Segundo dados do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), os indivíduos ficam presos durante anos e, caso não
sejam estimulados com educação e trabalho, não serão recuperados e, consequentemente,
ressocializados.

De acordo com Mariano Ruiz (1984, p. 186):

90
A prisão não é só para conter os homens e nem para fazê-los expiar os seus crimes,
nem sequer para reformá-los somente. O que há de se lograr mediante a prisão é
uma educação nacional, que desperta no recluso o sentimento de comunidade e o
fortaleça, sentimento que é fundamental para que possa desenvolver as aptidões
sociais.

A aptidão para a vida livre não se restringe apenas a não permanecer preso, mas sim, na
observação dos princípios da liberdade que tem seu pressuposto maior calcado nos limites sociais,
políticos e econômicos, próprios de cada ser humano e nos valores, morais e éticos que todo ser
humano livre compreende, aceita e tem interiorizado. Quando Mariano Ruiz falou em educação
nacional quis dizer que o estudo ajuda na ressocialização, pois com estudo encontram a melhor
maneira de compreender valores morais. Por isso, a importância da educação nacional.

Para os sociólogos, os criminosos são criações da sociedade excludente na qual estamos


inseridos. A sociedade civil organizada deve lutar por um sistema prisional que privilegie ações no
sentido de recuperar vidas, com medidas alternativas para os delitos leves e com atividades
socioeducativas para os internos das unidades prisionais brasileiras.

A socialização de indivíduos deve ser a prioridade das políticas governamentais. Possibilitar


que as pessoas tenham oportunidades iguais na vida deve ser o objetivo das políticas de inclusão
social. Punições deveriam ser aplicadas conforme o número de oportunidades que o indivíduo possuiu
durante a vida. Se essa lógica fosse aplicada, o raciocínio jurídico se transformaria radicalmente, pois
os maiores penalizados seriam àqueles que possuiriam melhores condições materiais de vida e não o
contrário.

O apoio familiar e as visitas constituem um fator fundamental para a recuperação e a


valorização de vidas. O apoio familiar constitui-se em elemento fundamental, pois leva ao interno a
intenção de não repetir os erros que o induziram ao cárcere. É importante lembrar que muitos
familiares e companheiras deixam de visitar seus maridos, filhos, pais etc. justamente por falta de
dinheiro para o deslocamento até a unidade prisional.

Alguns internos são oriundos do interior do Estado do Rio de Janeiro, quando não são de
outros estados. Esse fator dificulta as visitas e distancia os detentos de seus familiares, uma vez que a
renda familiar principal é extraída do trabalho masculino, que têm a função de abastecer as famílias.

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O serviço social de uma penitenciária é responsável pelo resgate da identidade familiar dos
presos, quando os familiares distantes são contatados, estimulados a visitarem os internos e a
comparecerem durante a manhã para conversarem cerca de uma hora em um espaço reservado.

Outro aspecto relevante para a recuperação dos detentos são as visitas íntimas, que
cumprem uma função importante no sentido em que a troca de afetos entre o interno e sua
companheira ajuda a aliviar o estresse e a depressão provocados pelo ambiente prisional. Nesse
sentido, é organizado de maneira criteriosa pelo setor de Serviço Social, que cadastra a companheira
do interno e oferece palestras a ambos sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

O ser humano é fruto do meio no qual está inserido, mas, a ele, não basta apenas possuir um
meio digno para viver. É preciso que esse indivíduo se sinta parte de um todo mais amplo, mesmo
sendo a totalidade, para a grande maioria da população brasileira, o bem-estar de sua família e de
seus amigos mais próximos. Outro elemento importante é que, mesmo muitos internos estando cientes
da existência da discriminação aos ex-presidiários por parte da sociedade, eles afirmam que o apoio
familiar e dos amigos é o suficiente para superar os obstáculos do preconceito.

As prisões devem ser espaços de formação de indivíduos que serão reinseridos na sociedade
sob uma nova lógica, a de se sentirem úteis em alguma atividade que estejam dispostos a realizar e,
fundamentalmente, com um suporte psicológico capaz de os fazerem suportar as mazelas provocadas
pela falta de emprego e dinheiro. Assim, no campo social, ou seja, as assistentes sociais dos presídios
trabalham para que a reeducação do infrator seja prioridade com vistas a capacitá-lo à reintegração
social. Dessa forma, a ressocialização do infrator só será de fato alcançada quando este se integrar no
sistema social.

5.3.3 Tratamento no sistema penitenciário brasileiro

A prisão é frequentemente descrita como o lugar aonde vai se operar uma transformação na
personalidade do preso. Assim, ela teria como virtude possibilitar a reflexão, a introspecção, o
arrependimento. Pela disciplina ela possibilitaria a internacionalização da lei, a aquisição de valores
morais, substituindo um estado de incultura ou uma subcultura por uma cultura caracterizada pelo
respeito à lei e à ordem, pois a pena de prisão é regeneradora. Na construção dessa imagem enquanto

92
espaço terapêutico aparece com insistência à referência ao trabalho.

A prisão seria uma espécie de oficina escola onde os presos poderiam curar-se do mal da
ociosidade, admitido como fator que induz ao crime. Uma vida de trabalho e disciplina é, no entanto,
uma exceção ou uma virtualidade nas prisões. O trabalho prisional atende, além disso, a muitos
interesses para além da recuperação do preso. No cárcere tudo se converte em um bem negociável e
isso também ocorre com as oportunidades de trabalho, ou seja, a possibilidade de estar mais próximo
da administração e com isso obter certas vantagens, como o acesso mais fácil ao mundo lá fora, uma
melhor classificação de comportamento, proteção contra os inimigos na cadeia, boa alimentação, etc.

Além disso, o trabalho nas prisões brasileiras chega a ser privilégio de algumas pessoas da
população carcerária, que atuam como cozinheiros, bombeiros, eletricistas, pintores, faxineiros lidando
com a manutenção da cadeia, ou até funcionários burocráticos, em substituição àqueles inexistentes.

O preso que trabalha geralmente é aquele que cumpre a menor pena, mais confiável e
menos perigoso do ponto de vista da administração. O trabalho prisional atende a necessidade da
instituição, tanto material, como forma de suprir as tarefas de muitos funcionários que seriam onerosos
para o Estado, quanto de segurança. O preso que labora pode ser usado como um aliado na
instituição, em determinados ocasiões.

O “faxina” (designação do preso que trabalha, na gíria carcerária) é geralmente escolhido por
suas características colaboracionistas. Há também aqueles que trabalham em favor de seus
companheiros como assistentes jurídicos, escrevendo cartas para os que não sabem escrever, etc.
Mas o que deve ser ressaltado é que o trabalho é algo a ser compreendido no jogo das múltiplas forças
institucionais: a possibilidade de trabalhar é vista pelo preso como um privilégio, em virtude dos
benefícios secundários que acarreta. Além disso, ela é um imperativo, do ponto de vista da
preservação da sanidade mental, para alguém mantido em confinamento por longos anos.

Esse talvez seja o único lucro do preso que trabalha a preservação de sua saúde psíquica.
Fora esse aspecto, lucra sempre a instituição, realizando um ideal antigo do capitalismo (o trabalhador
barato, servil, que deseja apenas trabalhar, exigindo muito pouco). Assim, o fato de um preso trabalhar
no cárcere diz pouco sobre suas possibilidades de reinserção social e muito sobre sua situação no jogo
de poder institucional. Não trabalhar pode significar, por outro lado, apenas não ter tido acesso a esse
privilégio.

93
A crença na eficácia do chamado tratamento penitenciário é algo que dificilmente poderá ser
compartilhado por teóricos ou mesmo autoridades nessa área. Tem sido exaustivamente demonstrado
que a prisão, ao contrário de qualquer efeito recuperador sobre o delinquente, parece ter sempre como
subproduto indesejável a reincidência e a preparação para uma carreira de criminoso crônico da qual é
quase impossível escapar, pois isolado de seus laços familiares, ao indivíduo preso só resta
estabelecer novos laços com possíveis futuros cúmplices.

Estigmatizado como ex-presidiário frequentemente, retorna ao mundo sem esclarecimentos


ou orientação sobre os documentos de que necessita, ou sobre como conseguir emprego. Com isso, é
presa fácil da polícia num país de desempregados, onde estar sem trabalho era considerado até pouco
tempo como crime (vadiagem) e onde ter estado no cárcere significa ter uma ficha suja.

O cárcere é uma instituição totalitária que, com o passar dos anos, deforma a pessoa e
acentua seus desvios morais. Reclamar a alguém do tratamento recebido dentro da prisão pode
significar retaliação futura e silenciosa. Há relatos de espancamentos de jovens criminosos nos EUA,
por terem se esquecido de pronunciar a palavra sir (senhor em inglês) quando se dirigiram a seus
carcereiros. No Brasil também acontece dessa forma.

Exemplo é o caso de Fernando Dutra, sequestrador da filha de Silvio Santos, em 2002. “Ele
foi espancado um mês antes, com canos de ferro, por não tratar de senhor o diretor da prisão. O
episódio não foi apurado na época, segundo versão oficial, porque a vítima do espancamento não
quis”. (Jornal O Globo, p. 4).

O equilíbrio das penitenciárias é mantido por força de concessões de privilégios e tolerâncias


que acabam estabelecendo focos de poder capazes de submeter todos a uma nova e inevitável rede
de violência. A condição de encarceramento pode até ser melhorada, mas, na essência, a prisão
continuará a mesma, um atentado à condição humana.

Se a prisão degenera não há quem sugira um cenário sem sua presença, os índices de
criminalidade e a necessidade de segregar delinquentes perigosos, capazes de matar, assaltar,
sequestrar, extorquir, etc. conspiram contra essa utopia. Mas a prisão pode ser estrategicamente
reservada para situações em que a liberdade do condenado constitui ameaça concreta, quando não há
alternativa possível. Enfim, tudo se passa como se a prisão produzisse exatamente o contrário daquilo
que seria sua missão primordial, como se ao invés de curar o criminoso ela agravasse o mal.

94
Esse fracasso da prisão tem sido admitido até mesmo por autoridades do sistema
penitenciário, policiais, autoridades judiciárias. Críticas existem muitas, tentativas de reformas são tão
antigas quanto à própria prisão. Apesar de tudo isso, o perito encontra razões para afirmar a eficácia da
prisão em seus pareceres, em algum nível o sistema carcerário precisa desta imagem de eficácia para
que se mantenha em funcionamento.

O técnico é funcionário encarregado de fabricar esse sonho, o da eficácia da prisão em fazer


de um criminoso um homem de bem. A fabricação dessa imagem da prisão eficaz aparece aqui como
uma das funções do técnico enquanto funcionário da instituição carcerária. A função dos sempre
fracassados projetos de reforma prisional é também esta, perante a opinião pública mais esclarecida ou
perante a boa consciência dos psicólogos, psiquiatras, etc. É como se dissessem que a prisão reprime,
mas, estamos fazendo o possível para praticar alguma coisa mais digna, mais edificante, como tratar e
recuperar.

Sabemos que uma vida exemplar no cárcere pode apenas significar adequação às normas
disciplinares, nada a ver com a saúde psíquica que certamente seria necessária para que um indivíduo
pudesse, à saída da prisão, reorganizar sua vida, vencer o estigma dos criminosos e do ex-presidiário,
arrumar um emprego, regenerar-se.

5.4 FUNCIONÁRIOS DO CÁRCERE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

5.4.1 Funcionários do cárcere

Uma instituição não é algo abstrato que paira acima das cabeças daqueles que nela
trabalham. Ela se reproduz nas diferentes tarefas que a constituem. É assim que cada um, ao seu
modo, do guarda ao diretor do presídio, do psicólogo ao psiquiatra ou assistente social, se encontra
envolvido na tarefa última e mais importante que é a colocação em marcha da engrenagem carcerária.

Com relação à ética profissional, por exemplo, o que reza a respeito do sigilo profissional o
Código de Ética do Psicólogo:

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Art. 25 §1°- É vedado ao psicólogo remeter informações confidenciais a pessoas ou
entidades que não estejam obrigadas a sigilo por código de ética ou que, por
qualquer forma, permitam a estranhos o acesso ás informações.

§2° - Nos casos de laudo pericial, o psicólogo deverá tomar todas as precauções a
fim de que, servindo à autoridade que o designou, não venha a expor indevida e
desnecessariamente seu examinando.

Em uma situação de exame estabelecido no interior de uma instituição carcerária,


sabidamente os resultados dos mesmos, alguns deles supostamente reveladores, não serão matéria
privativa do técnico e de seu examinando. Ao contrário, poderão ser veiculados no interior de equipes
interdisciplinares, das quais participam inclusive elementos da segurança do estabelecimento. Serão
remetidos ao juiz solicitante ou a outras autoridades judiciárias.

Já os agentes penitenciários que trabalham em estabelecimentos prisionais desempenham


as mais diversas funções, que vão desde cuidar da segurança da penitenciária, evitar fugas, revistar
presos e visitantes, receber documentos referentes às penas, conduzir presos a audiências e a
atendimentos médicos até administração do patrimônio do Estado. Além deles existem também os
carcereiros, que são policiais civis encarregados da custódia temporária de presos, enquanto ocorrem
os procedimentos policiais iniciais.

5.4.2 Ressocialização

Ressocialização é socializar-se novamente, isto é, um meio para a reintegração. O egresso


precisa novamente reaprender a viver e conviver em sociedade, aceitando os limites impostos para que
sua presença, seu Ser, sua pessoa sejam aceitáveis outra vez no meio social. E, claro, subentende-se
que esta lição lhe seja dada por intermédio da privação da liberdade, que é o bem maior da vida de
qualquer ser humano.

E a partir do momento em que o réu deixa de ser réu e passa a ser egresso possível será
concluir que a sociedade o aceitará novamente, pois se pagou por sua má conduta, obedeceu aos

96
ditames da lei e cumpriu o que em sentença lhe fora determinado. Por que, então, a sociedade o exclui,
priva-o de todos os direitos e lhe impõe uma segunda punição? O Estado protetor dos direitos das
pessoas promulga leis para proteger àquele que precisa se ressocializar e se reintegrar à sociedade e
aí tudo começa a se perder:

• A sociedade continua com seus valores perfeitos, acabados, irredutíveis, mutáveis só


em longo prazo;
• O Estado cria leis, mas não cria condições de colocá-las em prática, para tornar real o
desespero de uma vida inútil e a ajuda pessoal não existe porque o ser humano, que poderia ter
aprendido valores morais, espirituais mais condizentes à sua sobrevivência entre seus semelhantes,
não teve chance de aprendê-los, melhorá-los, ampliá-los ou mudá-los.

Os conceitos morais da sociedade são mutáveis, basta olhar para uns 20 anos atrás, quantos
conceitos já não são os mesmos, como por exemplo, a família, quanta coisa mudou! Mas por que, com
relação a um ex-presidiário, que já pagou por seu crime, tudo continua na estaca zero, inerte como
sempre foi? Parece simples a resposta: é preciso um trabalho profundo por parte do Estado. É
necessário que a sociedade esteja envolvida nesse trabalho e que todos, Estado, políticos,
profissionais e estudantes de direito, empresários e a sociedade como um todo estejam voltados para a
busca desse objetivo.

A lei é clara, está implícita nos artigos 10 e 18 da LEP, a ideia de que:

Se alguém comete um delito, ser-lhe-á aplicada uma pena, dependendo do crime


ele perderá sua liberdade, desta forma, depois de cumprida a pena, sairá da prisão
e, tendo ele, lá estudado, poderá ter chances de se reeducar, reinserindo-se na
sociedade e, consequentemente, não será marginalizado.

A Lei de Execuções Penais tomou por base a necessidade social de trazer ao preso
condições para que, quando egresso do sistema prisional, participe no seio da sociedade de todos os
seus direitos e deveres, em iguais condições e com as mesmas finalidades que qualquer cidadão. Não
se pode querer ressocializar e reintegrar um egresso do sistema prisional à sociedade se não lhe dão

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chance de ter sua autoestima melhorada e ampliada.

Enquanto permanecer na lembrança do povo, ou enquanto alguém insistir em colocar a


expressão ex-presidiário à frente de qualquer qualidade boa que o egresso possa ter, ele continuará a
ser condenado socialmente, à margem de qualquer condição favorável à sua ressocialização ou
reintegração social. Sabemos que o preso marginaliza-se e as prisões são escolas de aperfeiçoamento
para àqueles que tenham algum elo forte com o crime e, pior, é a melhor escola para o aprendizado
negativo àqueles que foram privados de sua liberdade por um passo em falso ou levados por falsos
amigos ou, tristemente, por um momento de infortúnio que a vida lhes ofereceu.

Muitas vezes cometem-se delitos por estar no lugar errado, na hora errada e com a pessoa
errada. Cai-se e não se levanta mais. Apesar de tudo, existem leis que teoricamente vão orientá-lo e
apoiá-lo para que se reintegre à sociedade. Todos são direta ou indiretamente culpados pela não
ressocialização e não reintegração do egresso no meio social.

5.5 CRIMINOSOS IRRECUPERÁVEIS

Existe muita discussão filosófica não só a respeito do direito de punir e de suas finalidades,
utilitárias ou não, como também sobre o livre arbítrio ou o determinismo que levariam o criminoso a
delinquir. Também no que se refere ao fim da pena, se seria realmente defesa social, castigo,
reeducação ou ressocialização, o que não se resolve com a visão em si da aplicação da pena somente,
mas em face de vários fatores circunstanciais, de acordo com o tempo e o espaço de sua aplicação.

É bem verdade que as penas evoluíram através dos tempos, sendo humanizadas em muitos
aspectos, principalmente em se tratando das penas restritivas de direito, com a prestação de serviços à
comunidade e a limitação de fim de semana por exemplo. Mas, infelizmente, mesmo com muitas
mudanças, há criminosos que são realmente incorrigíveis.

Vimos na análise dos presídios brasileiros que a situação ainda é caótica. Os governos
federais e estaduais abandonam o sistema penitenciário, com isso os casos de reincidência são
grandes. Se o índice de reincidência é altíssimo, como esperar que o condenado seja reeducado e
ressocializado em um sistema penitenciário quase falido? Dessa forma, em um sistema penitenciário

98
falho, promíscuo, ocioso, retrógrado e quase sempre abandonado, onde os criminosos tudo podem, os
condenados que chegam a cumprir suas penas reincidem ao obter a liberdade.

A reincidência poderia ser atribuída ao próprio meio penitenciário, que fabrica seus
criminosos, pois esses não recebem qualquer apoio reeducativo, voltam a delinquir com mais violência.
Além dos criminosos produzidos pelo meio, que reincidem perigosamente, temos aqueles marcados
por estigmas pessoais, que foram denominados natos, isto é, têm ausência total do senso ético-moral
em sua personalidade. Àqueles que partem cedo para o crime, cínicos e imputáveis, irrecuperáveis,
que devem ser tratados em reformatório penal, prisão fechada. São reincidentes genéricos, que
passam rapidamente da ideia ao ato delinquencial.

Para melhor ilustrar esses delinquentes podemos dizer que são pessoas marcadas por um
conjunto de características físicas que conservam algumas taras ancestrais. Para esses indivíduos, que
matam inútil e insensivelmente, sem qualquer respeito pela vida de seu semelhante, ou seja, os
chamados criminosos irrecuperáveis, por exemplo, psicopatas que matam, estupram e promovem toda
a sorte de barbaridades, serão sempre criminosos incorrigíveis, não sendo considerados seres
humanos.

Exteriormente eles ainda têm uma aparência humana, mas isso faz ou não deles seres
humanos? Poderia ser aplicada a pena de morte? Mesmo que em determinados países muitas
estatísticas demonstrem que a criminalidade não se tornou significativamente menor nos países em
que a pena capital foi adotada. Mas mantidos vivos, continuaram ceifando vidas inocentes, que seriam
úteis à sociedade. Eles, que matam, não teriam o direito de continuar vivendo?

Para profissionais de saúde, alguns presos são irrecuperáveis. Para especialistas em Direito,
eles devem receber tratamento adequado para voltar ao convívio social. O certo é que, transgressores
irrecuperáveis ou de difícil recuperação devem ser acompanhados para o resto da vida, pois a nossa
Constituição é clara: pena de morte é cláusula pétrea.

Há recuperação para esses criminosos? Recentemente o jornal Gazeta noticiou a vida de


Romualdo Costa, que já liderou rebeliões e é um exemplo de que é possível mudar:

Liderava rebeliões na Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), em Cariacica,


e assaltava nas ruas. Um dia reassumiria seu nome de batismo: Romualdo Costa de
Almeida. Hoje, aos 23 anos, mostra que recuperou bem mais do que seu nome, mas

99
também a sua dignidade. Os tempos de bandidagem – que começaram cedo, aos
11 anos e o apelido da vida no crime – ficaram no passado. Quando não conseguia
fugir, cavava túneis, quebrava e ateava fogo nos ambientes, agredia, fazia rebeliões,
manipulava outros adolescentes. “Fui um dos adolescentes mais complicados que já
passaram pela UNIS. Era agressivo e revoltado porque, ao contrário dos demais
colegas, não recebia visitas, não tinha família. Muitos diziam que o meu futuro era
cadeia ou caixão. Hoje sou casado, tenho uma linda filha e ajudo a mudar a vida de
outros adolescentes. É por isso que afirmo, com convicção: se eu não acreditar que
eles podem mudar, é como se eu não acreditasse em minha própria história. Mas
não sou o único. Há muitas histórias de transformação”, contou.

5.6 REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL

Depois de mais de 200 anos de experiência prevalece ainda o sentimento de que a prisão
não recupera, degenera. Limpa ou imunda, transbordando de pessoas, ou adequadamente ocupada,
próxima ou distante, pública ou privada, a prisão é vista como um mal, muitas vezes inútil. Começamos
com uma realidade notória, o Brasil registra aumento no índice de criminalidade e os crimes praticados
estão cada vez mais ousados. Expande-se a dificuldade do Estado em manter a ordem pública em face
do crescimento e evolução das organizações criminosas.

A superlotação das prisões e as condições de detenção – cruéis, desumanas e degradantes


–, cominadas com a falta de controle do Estado, que levam os presos a se rebelarem, fazerem visitas e
agentes penitenciários reféns e tentarem fugir em massa, a falta de pessoal para uma estrutura
prisional completamente destruída e a conivência de alguns agentes penitenciários e policiais militares
que guardam as prisões só fazem denegrir a imagem dos presídios no Brasil.

Pois é, a situação do complexo prisional brasileiro, com raras exceções, é caótica, ou seja, a
superlotação das unidades, as condições de vida dos presos, o crescimento de organizações
criminosas e da corrupção dentro das prisões, aliado à falta de segurança e juízes despreparados não
permitem que os estabelecimentos carcerários cumpram sua função.

Exemplo foi o que aconteceu com o traficante Luiz Claudio Santana, de 49 anos, condenado
a 141 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, que fugiu do hospital onde estava internado, no Rio de

100
Janeiro. Ele havia conseguido autorização da Justiça para ser operado no Hospital Espanhol, que é
particular. Depois de receber alta, no dia 8 de fevereiro desse ano, ele deixou a unidade de saúde.
Lico, como era conhecido Luiz Claudio, estava sem escolta por determinação da Vara de Execuções
Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Rio. De acordo com o hospital, a direção da unidade não sabia
que ele era presidiário.

A justiça lhe concedeu prisão albergue domiciliar, justificando que ele deveria ser submetido a
uma cirurgia na tíbia e no perônio e que o hospital penitenciário não tinha condições de tratá-lo. Lico
ficou quatro meses em um hospital particular sem escolta policial e o médico que o internou foi o
mesmo que lhe deu alta, não pertencendo ao corpo clínico do hospital. O juiz Carlos Augusto Borges,
que lhe concedeu esse benefício, disse que Luiz Claudio, por ter descoberto a sua vocação artística no
presídio, era considerado regenerado, pois realizava um trabalho social integrando outros colegas de
cela, provando que a ressocialização é possível, justificou.

A prisão albergue domiciliar é um benefício previsto na Lei de Execuções Penais, quando o


detento cumpre pena em sua própria residência e é prevista quando o condenado tem mais de 70 anos
ou é portador de doença grave, o que não era o caso do criminoso acima mencionado. Isso indica a
superlotação dos hospitais penitenciários e a falta de estrutura para atendimentos dos internos. Por
exemplo, a interdição do Hospital Penal Fábio Soares Maciel, no Complexo de Gericinó, no Rio de
Janeiro, tem levado presos para a rede pública de saúde, pois desde julho de 2010 o Ministério Público
constatou a falta de condições do hospital e decidiu o fechamento.

Outra realidade são os presídios de segurança máxima não terem condições físicas para
manter seus presos, mostrando deficiências na construção, como rachaduras e concreto de baixa
qualidade. É preciso elaborar uma proposta para ampliação e construção de presídios urgentemente.
Tendo em vista a atual situação criminal brasileira, um dos desafios do Brasil foi elaborar uma política
criminal que delimitasse com clareza e racionalidade o futuro de suas prisões, isto é, combater a
criminalidade por meio de estratégias de política criminal.

Porém, apesar de avanços recentes, relacionados com a punição de delitos menos graves, a
tendência das autoridades, pressionadas pela opinião pública e pela mídia, tem sido a de recrudescer.
Seria possível enxergar melhores perspectivas nesse sentido em razão da política criminal em curso?

101
5.7 ALGUMAS MUDANÇAS NO SISTEMA PRISIONAL

5.7.1 Privatização

Privatização dos presídios: problema ou solução? Privatização das prisões é subsidiar certos
serviços públicos ao setor privado, desafogando parte do trabalho estatal na condução dos presídios. A
atividade da iniciativa particular deve se resumir na administração do espaço físico prisional, com a
possibilidade de ser empregador do preso.

A privatização foi implantada nos EUA a partir da década de 1980, quando as penitenciárias
estavam superlotadas. A justiça exigia adequação do número de vagas ao número de presos e não
havia recursos para gerenciar e construir novos presídios. Foi introduzido também na Inglaterra, França
e Austrália, mas é nos EUA que o processo se revela mais rigoroso.

O poder público inseriu a iniciativa privada no sistema prisional porque, além da capacidade
alternativa de financiamento, ela tem experiência na gestão de empresas de segurança e operações
hoteleiras. Os empresários prometem não apenas eficiência administrativa e economia de recursos
públicos, mas também condições objetivas para que os condenados se regenerem.

A experiência norte-americana tem cerca de 150 prisões de administração privatizada em 28


estados. No Brasil, sempre houve pressões políticas mais amplas de privatização, mas as experiências
são, por enquanto, localizadas, por exemplo, dois estabelecimentos foram criados como protótipos, a
Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, que foi a pioneira, e a Penitenciária Regional
Industrial do Cariri, no Ceará. Elas são administradas pela Humanista Administração Prisional S/C
Ltda., constituída por duas empresas de segurança patrimonial que se encarregaram da prestação de
todos os serviços, como recursos humanos, segurança, alimentação, etc.

Essas penitenciárias abrigam presos de bom comportamento, que trabalham em oficinas


instaladas por indústrias locais. Os presos só ficam livres das câmeras quando entram nas celas. Outra
medida eficazmente implantada é o rodízio de funcionários e a proibição de quaisquer intimidades com
os presos, com isso, a corrupção latente nas prisões administradas pelo governo é barrada. Esse é um
exemplo real da utilidade de tal sistema. Existem outros estados que privatizaram suas penitenciárias,

102
por exemplo, a Bahia.

Assim, a privatização das prisões, válida e eficaz, representa parte da solução desse
problema intrínseco no Brasil, pois admite a participação da sociedade e da iniciativa privada para
colaborar com o Estado na importante função de gerir as unidades prisionais. Porém, é importante
lembrar que num país como o Brasil, carente de recursos para construir e adequar penitenciárias, a
gerência de iniciativa privada é arriscada. As relações entre o poder público e as empresas são ditadas
pelos vícios da corrupção, da falta de transparência e do favorecimento. Não é raro, por exemplo, que
governantes deixem de cumprir obrigações contratuais com empreiteiras e prestadoras de serviços.

5.7.2 Videoconferência em penitenciárias federais

Sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Projeto de Lei 11.900/09 permite o
uso de videoconferência em tempo real para o interrogatório de presos, sem que esses deixem os
estabelecimentos prisionais, podendo ser usado quando houver risco à segurança pública, ou quando
da impossibilidade do comparecimento do preso em juízo.

A videoconferência vem aparecendo como uma ferramenta tecnológica para realização célere
e efetiva da prestação jurisprudencial, sendo amplamente debatida entre aqueles que a apontam como
meio legal para o combate à morosidade judicial e aqueles que a taxam de inconstitucional. Mas, visto
com bons olhos, seu principal objetivo é tornar mais célere o trâmite processual, evidenciando-se como
fator preponderante no ato on-line a segurança, tanto dos magistrados quanto das partes envolvidas e
da sociedade durante todo o processo.

Além do mais, existem benefícios quanto à economia no cofre público, poupando recursos
com escoltas e transportes dos presos, uma vez que o Estado tem altíssimos custos para tal
procedimento judicial. O governo criou também, um programa de visitas virtual para presos das
penitenciárias federais. Por videoconferência, os presos e seus parentes podem se ver, mesmo
separados por milhares de quilômetros.

O projeto começou no segundo


semestre de 2010 e até o final daquele ano beneficiou 80 presos. Outros 440, dos 551 detidos nas

103
penitenciárias, estavam na fila para o ano seguinte. O projeto da visita parcial é uma parceria da
Defensoria Pública da União com o Departamento de Penitenciária Nacional. A iniciativa do encontro é
do preso, a conversa precisa ser pré-agendada e os familiares são cadastrados e vão até uma sala
onde há equipamento no interior do presídio. No ano de 2012, 232 presos de um total de 446, ou seja,
52% dos detidos, realizaram 870 visitas, envolvendo 2.215 familiares.

Os encontros são às sextas-feiras e duram 30 minutos. Eles não podem estar com punhos
algemados, para não constranger a família, ficam com as algemas nas canelas, fora do alcance da
câmera, e um agente penitenciário fica do lado de fora da sala. Acho interessante esse programa, pois
os presídios federais ficam longe dos grandes centros, como por exemplo, o de Catanduva (PR).

Por decisão judicial foram instaladas escutas nas salas reservadas para conversa entre
advogados e presos, nos quatro presídios federais. A OAB é contra o monitoramento de conversas
entre presos e familiares e advogados nas penitenciárias federais de segurança máxima. Para a OAB,
a gravação indiscriminada é uma agressão à intimidade e à privacidade, além de ferir a inviolabilidade
do sigilo profissional e o respeito às prerrogativas dos advogados. Diante disso, o julgamento para
pedidos de visita foi interrompido e não há previsão para ser retomado.

A polêmica veio à tona porque advogados foram acusados de repassar ordens que
culminaram na onda de violência no Rio de Janeiro em 2010. Certo é que se devem respeitar os
princípios da Constituição, mas temos que levar em conta que nesses presídios federais de segurança
máxima só há criminosos perigosos, considerados irrecuperáveis, como o traficante Fernandinho Beira-
Mar, um dos presos de mais alta periculosidade do país.

5.7.3 Mudanças no sistema prisional

Segundo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da


Justiça, o número de presos no Brasil aumentou quatro vezes nos últimos 20 anos, e de acordo com os
dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2000 e 2010 o número de presos por
envolvimento com o tráfico de drogas passou de 9% para 22% da população carcerária. Esse aumento
ocorreu em face da expansão do narcotráfico. Em 2014, o Brasil atingiu a marca de 600 mil presos,
conforme Ministério da Justiça. Este número aponta um crescimento em 25 anos de sete vezes a

104
população carcerária no ano de 1989.

Diante desses resultados, novas mudanças precisam ser tomadas urgentemente, pois várias
propostas se encontram na Câmara para serem apreciadas e votadas, como o Projeto de Lei n°
7.824/10, que permite descontar da pena o tempo que o condenado em regime fechado ou semiaberto
dedica aos estudos. Isto é um incentivo para a estruturação do sistema carcerário, para que haja
estudo para os detentos dentro do presídio e, sendo assim, aquele que estiver preso e estudar poderá
ter sua pena diminuída. Essa proposta foi sugerida pelo deputado Paulo Teixeira de São Paulo, líder da
bancada do PT na Câmara.

Concluindo, em relação ao sistema prisional sabemos que as dificuldades são muitas, que
muitas entidades e empresas particulares estão dando passos decisivos para traçarem novos rumos
capazes de mudar a história dos presos, o que se estende ao egresso, pois que essas iniciativas
podem ajudá-lo, enquanto presidiário, a conquistar uma chance de continuar merecendo a atenção
daqueles que, na prisão, lhe estenderam as mãos.

Essa iniciativa de mudanças se faz principalmente por intermédio do trabalho, pois é a maior
e melhor orientação que qualquer ser humano precisa ter para levantar-se socialmente, visto que sem
trabalho não há dignidade. Algumas empresas começam a despertar e lançam pequenos desafios
direcionados a ajudar encarcerados, dando-lhes trabalho e aceitando alguns egressos em seus
estabelecimentos. Porém, essa iniciativa ainda é tímida.

Há muito se sabe que o trabalho é a melhor maneira de promover o crescimento humano.


Empresas sem rótulo e com dignidade social são àquelas que contratam presidiários para trabalharem
e desenvolverem suas funções dentro ou fora das penitenciárias, obedecendo aos regulamentos legais,
mas com salário e produtividade. Não basta legislar. Não basta fazer a lei com artigos tão claros,
importantes, necessários. É necessário criar, também e simultaneamente, condições para que a lei
possa ter eficácia. O Estado é inerte e omisso, muitas vezes por intermédio dos que fazem as leis. A
pena de prisão busca a ressocialização do indivíduo, para que ele encontre condições de ser inserido
na sociedade, não voltando a delinquir. Mas para alcançar esse objetivo é necessário que a
permanência no estabelecimento carcerário seja adequada a esta reabilitação.

Vimos que a melhor maneira de ajudar o egresso é proporcionando-lhe estudo e trabalho,


inteiração com os meios sociais aptos a ampliar seus valores morais e éticos, sua autoestima, para que
todos os segmentos sociais, sem exceção, possam se beneficiar com isso. O Estado de Minas Gerais,

105
por exemplo, dá ênfase à preparação educacional, profissionalizante e social dos presos para sua
integração no mercado de trabalho e na sociedade.

O objetivo maior é reeducar e reintegrar, respeitando os direitos e a dignidade dos presos,


como caminho para conquistar a proteção social almejada. O desenvolvimento do trabalho é a forma
utilizada pelo Estado de Minas Gerais para que o reeducando possa melhorar-se profissionalmente, ou
mesmo aprender uma profissão e buscar sua sobrevivência ao terminar o cumprimento de sua pena
intramuros.

Muito gratificante é a forma de enxergar aqueles que querem realmente mudar de vida e que
com trabalho eles poderão batalhar por suas chances de sobrevivência. Tendo profissão, as
dificuldades serão menores. Vimos, então, que o Estado de Minas Gerais tomou consciência de que é
necessário haver um trabalho ressocializador, no sentido de encaminhar o reeducando ao mercado de
trabalho para, assim, devolvê-lo à sociedade com dignidade e com condições de sobrevivência.

Quando se percebe que há uma chance de mudar de vida todos querem aprender uma
profissão ou estudar, por exemplo, com cursos profissionalizantes. Em Juiz de Fora essa ideia está a
todo vapor e já se observa mudanças valiosas na Penitenciária José Édson Cavalieri, onde todos os
profissionais (professores, psicólogos, assistentes sociais, agentes penitenciários, etc.) estão altamente
envolvidos na proposta, dando o melhor de si para alcançar êxitos. Enfim, muitas penitenciárias
brasileiras buscam condições para que o preso trabalhe. Minas Gerais deu um passo à frente. Várias
são as sugestões de medidas para o combate à criminalidade, como providências de cunho
administrativo (o aumento do número de vagas e a construção de penitenciárias). Basta torná-las
realidade!

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