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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO

JOSÉ LEBRE DE FREITAS

I – O CONCEITO

1. A instrumentalidade do direito processual civil


O direito é um sistema de normas de conduta (Karl Larenz). Quando se faz esta afirmação,
está-se fundamentalmente pensando no conjunto das normas primárias do direito material
(ou substantivo), que têm por função pautar a atuação dos sujeitos jurídicos de acordo com
valores sociais próprios.

Para que revistam de juridicidade, essas normas primárias (imperativas, proibitivas ou


permissivas) carecem da possibilidade de coactivamente serem feitas respeitar. Toda a norma
primária de conduta é garantida por uma norma secundária sancionatória, que se impõe no
caso de violação da primeira.

A violação da norma é, por natureza, concreta. No campo do direito privado, a norma


abstracta de conduta singulariza-se em situações subjectivas radicadas nos sujeitos jurídicos,
tendo como substrato de fundo o plano das solidariedades de interesses e dos conflitos de
interesses gerados perante bens raros. A violação da norma de conduta surge quando outrem
atua afectando a integridade duma situação jurídica tutelada pelo direito. Sem prejuízo dos
casos em que lhe é permitida a acção direta, o titular da situação jurídica tutelada pode então
recorrer aos tribunais, a fim de a fazer valer, como que, ao procurar assegurar a satisfação do
seu interesse, desencadeia o mecanismo de garantia da norma de conduta violada.

Mas nem só a violação consumada leva os sujeitos de direito privado a recorrer aos
tribunais. Também a prevenção da violação, quando alguém ameaça realizá-la ou falsamente
aparenta ser titular dum interesse tutelado, e o exercício de direitos potestativos podem
justificar o recurso a juízo.

Em todos os casos, o recurso aos tribunais para tutela de situações jurídicas e


concomitante garantia de normas de conduta de direito privado postula a aplicação de normas
instrumentais (ditas adjectivas) que regulem as atuações dos sujeitos de direito privado e dos
tribunais tendentes à concretização jurisdicional do direito substantivo. O conjunto dessas
normas, recortado no âmbito do direito público, constitui o direito processual civil. O processo
civil constitui o seu campo específico de aplicação. O direito processual civil é assim, o
conjunto das normas reguladoras do processo civil, o que nos remete para o conceito de
processo civil. A análise deste conceito pode, na esteia de Castro Mendes, ser feita mediante o
exame sucessivo dos seus elementos fundamentais: a estrutura, a função, o objecto e os
sujeitos do processo civil.

2. Estrutura
2.1. O processo como sequência de atos
O termo processo designa, no sentido vulgar, uma sequência de fenómenos (atos
humanos ou factos naturais) dirigida a um resultado. No campo do direito, o mesmo sentido
mantém-se, mas os fenómenos da sequência são factos jurídicos, máxime atos jurídicos. O
processo de formação da lei, o processo de formação do ato administrativo, o processo de
formação do contrato ou o processo dinâmico da obrigação, desde que se constitui até à sua
extinção, consiste numa ordenação não arbitrária de factos em função dum resultado jurídico
(a lei, o ato administrativo, o contrato, a realização da prestação). O mesmo acontece com o
processo jurisdicional (de constitucionalidade, administrativo, fiscal, penal, civil), que é sempre

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uma sequência de atos jurídicos (das partes, do tribunal, de terceiros intervenientes)


ordenados para um fim.

Estes atos ordenam-se, por sua vez em fases sucessivas. Assim, o processo comum
(art.546º e 549º/1), tem, na acção declarativa em 1ª instância, as seguintes fases:

 Fase dos articulados, ao longo da qual as partes alegam a matéria de facto e de direito
relevante para a decisão (petição inicial, citação do réu, contestação, notificação desta ao
autor; eventualmente, a seguir, réplica);
 Fase da condensação,visando verificar e garantir a regularidade do processo, identificar o
objecto do litígio, decidir o que possa já ser decidido e enumerar os temas da subsequente
prova para julgamento (despacho pré-saneador, marcação da data da audiência prévia,
convocação das partes para esta audiência, audiência prévia; não havendo lugar à
audiência, despacho saneador, despacho de adequação formal, simplificação ou agilização
processual, despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da
prova e despacho de programação da audiência final, proferidos autonomamente, e
notificação destes despachos às partes; eventualmente, a seguir, requerimento de
audiência prévia para apresentação de reclamações desses despachos, marcação da data
desta audiência, notificação às partes e apresentação e decisões das reclamações em
audiência);
 Fase da instrução, repartida em diligências conducentes à prova dos factos alegados pelas
partes, tendencialmente concentradas na audiência final mas podendo, por sua natureza,
ter lugar antes dela (implicando requerimentos das partes, despachos e notificações);
 Fase da discussão, em que as partes exprimem os seus pontos de vista sobre a decisão a
proferir mediante alegações sucessivas, de facto e de direito, dos mandatários judiciais do
autor e do réu;
 Fase do julgamento, mediante prolação da sentença, sua notificação às partes, eventuais
reclamações quando não seja admissível recurso, notificação da contraparte para lhes
responder e decisão delas.

A instrução do processo desdobra-se, por sua vez, em diversos procedimentos probatórios,


não sequenciais entre si, mas constituindo sequências autónomas, que se iniciam com a
prática de atos comuns aos diversos meios de prova (proposição das provas), continuam com
atos próprios de cada meio de prova (admissão e produção) e se concluem com a preciação da
prova pelo julgador.

Constituindo o processo jurisdicional uma sequência de atos jurídicos, dele não fazem
parte factos jurídicos stricto sensu. Tal não significa que os meros factos jurídicos não possam
produzir efeitos no processo, mas sim que, quando tal acontece, estes efeitos são
mediatizados através da prática de atos jurídicos (processuais) que aí os fazem valer. Assim,
por exemplo, “a morte duma das partes suspende a instância (art.269º/1/a), mas só depois de
alegada (e provada (art.270º/1)), salvo o fenómeno da retroactividade”: o facto da morte
ocorre fora da sequência processual e, extinguindo a personalidade judiciária da parte
(art.11º), faz cessar um pressuposto processual; a alegação da parte (art.270º/2), ou a
certificação do falecimento pelo funcionário incumbido da citação (art.351º/2), são atos
integrados na sequência processual, que condicionam a verificação judicial do facto,
subsequente à respectiva prova (art.270º/1).

2.2. O ato processual


Dizer que o processo é uma sequência de atos jurídicos não resolve inteiramente o
problema da qualificação dum ato jurídico como processual. Por um lado, há atos praticados
fora do processo, têm relevância exclusivamente processual (procuração, convenção de

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arbitragem, pacto de jurisdição ou de competência, renúncia ao recurso), por se destinarem a


conformar os requisitos (constitutivos ou impeditivos) dos pressupostos da decisão de mérito
ou de atos da sequência processual [São pressupostos da decisão de mérito ou pressupostos
processuais gerais, entre outros, o patrocínio judiciário, necessitado de procuração passada
pela parte ao advogado (art.43º), e a competência do tribunal, cujas normas determinativas
podem, em determinado condicionalismo, ser afastadas por vontade das partes (arts.94º e 95º
para os pactos de jurisdição e de competência). Por sua vez, a renúncia ao recurso (art.632º)
extingue o direito de recorrer ou, quando antecipada, impede a sua constituição, sendo
pressuposto específico negativo da fase do recurso e, desde logo, do ato inicial da sua
interposição ---- ARMINDO RIBEIRO MENDES], e que por isso hão de também ser qualificados como
processuais, ainda que lhes possa aplicar o regime da validade dos atos de direito substantivo.

2.3. A invalidade do ato de sequência


Voltando aos atos da sequência processual, a circunstância de nela se integrarem gera um
especial regime de invalidade, diverso do de direito civil.

Em direito civil, as causas de nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos e, por


extensão, do ato jurídico stricto sensu (art.295ºCC) são eficazes no âmbito do ato em causa,
sem que, por si, projectem a sua eficácia no regime de outros atos jurídicos. É assim,
inclusivamente, no campo dos negócios de alienação, em que a dependência em que a
transmissão do direito real (de B a C) aparenta estar duma anterior transmissão (de A a B) não
apresenta nunca uma ligação lógica necessária dos efeitos dum negócio aos do outro, mas
uma mera ligação fáctica eventual: se o primeiro negócio de transmissão for nulo, o segundo
sê-lo-á, por via dum vício que é próprio deste (a ilegitimidade negocial do transmitente),
enquanto o aparente direito de B derivar dessa primeira transmissão; mas, se B adquirir o
direito por outra causa, logo a repercussão dos efeitos negativos do primeiro negócio deixa de
se verificar. Por outro lado, pode a celebração dum negócio constituir convalidação (ex:
art.895º CC) ou confirmação (art.288º CC) dum negócio anterior; mas nunca a eficácia do vício
verificado num negócio, seja ele gerador de nulidade ou de anulabilidade, se pode dizer
necessariamente dependente da realização da função de outros negócios posteriores.

Em processo civil, pelo contrário, a nulidade (ou anulação) dum ato da sequência
repercute, em regra, a sua eficácia nos atos subsequentes que entretanto hajam sido
praticados; e, num movimento inverso, o efeito da nulidade (ou anulação) do ato só se verifica
quando o vício é susceptível de afetar a realização da finalidade do processo (como sequência).
De acordo com a regra geral do art.195º/1, constituem irregularidades susceptíveis de integrar
invalidade processual a prática dum ato que a lei não admita e a omissão dum ato ou duma
formalidade que a lei prescreva. Não se trata de vícios que respeitem ao conteúdo do ato, mas
tão-só de vícios atinentes à sua existência ou formalidades. Para determinar a sua ocorrência,
há que verificar se a forma do processo (art.546º e 546º) em que o ato foi praticado ou
omitido o consentia (no primeiro caso) ou exigia (no segundo), no momento sequencial da
prática ou da omissão; se não o permitia e ele foi praticado, se o exigia e ele não foi praticado,
se, sem prejuízo da preclusão das faculdades processuais das partes, foi praticado fora do
momento processual adequando ou se, na sua prática, não fora observadas as formalidades
que a lei prescreve, o vício verifica-se.

Verificado o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como
consequência a invalidade do ato, segue-se verificar a influencia que a prática ou omissão
concreta pode ter no exame ou na decisão da causa (art.195º/1), isto é, na sua instrução,
discussão e julgamento ou, no processo executivo, na realização das providencias executivas
(penhora, venda, pagamento).

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Constatada essa influência, os efeitos da invalidade do ato repercutem-se nos atos


subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes
(art.195º/2). Sempre, por isso, que um ato da sequência pressuponha a prática dum ato
anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do ato
subsequente que porventura entretanto tenha sido praticado (e, por sua vez, dos que,
segundo a mesma lógica, se lhe sigam).

É assim, em grande parte, verdadeira a asserção de que a invalidade do ao processual é


mais uma invalidade do ato enquanto elemento da sequencia do que do ato em si mesmo
considerado.

Tal não impede, porém, que, não obstante a imprecisão da terminologia legal, o regime de
invalidade do ato processual caracterize, em regra, não tanto a nulidade propriamente dita
como a figura da anulabilidade:

a) Só as invalidades dos arts.187º (falta de citação), 191º/2/2ª parte (nulidade de citação,


quando esta seja edital ou não tenha sido indicado prazo para a defesa), 193º (erro na
forma do processo) e 194º (fata de vista ou exame ao Ministério Público como parte
acessória) são, como as nulidades de direito civil, susceptíveis de conhecimento
oficioso (art.196º - tal como também a ineptidão da petição inicial (art.186º), não
obstante a sua diferente natureza -, mas algumas delas só até ao despacho saneador,
se o houver (art.200º/2), e ressalvadas sempre, fora o caso da do art.193º, a
possibilidade de sanação (arts.189º e 194º/1; também art.186º/3);
b) Só a parte interessada na invalidade pode argui-la (art.197º/1 CPC);
c) É admitida a renúncia, expressa ou tácita, à arguição (art.197º/2 CPC);
d) Exceto nos casos do art.194º, a arguição está sujeita a prazo, que é, em regra, de 10
dias sobre o momento do conhecimento, real ou presumido, do vício, ou da sua
cognoscibilidade por uma parte diligente (arts.149º/1 e 199º/1).

Em compensação, quando o vício tenha lugar durante a prática dum ato a que o juiz
presida e seja nele conhecido, deve logo o juiz, oficiosamente, fazer cumprir a lei (art.199º/2).

O regime-regra da invalidade do ato processual, sendo mais próximo do regime da


anulabilidade de direito substantivo, não deixa de revestir aspectos do regime da nulidade,
pelo que constitui um misto de ambas as figuras.

3. Função
3.1. Espécie de acções
A sequência processual dirige-se a finalidades diversificadas, consoante o tipo de
pedido que o autor formula ao tribunal ao instaurar o processo.

Sob a epígrafe “espécies de acções, consoante o seu fim”, o art.10º distingue as


acções declarativas das acções executivas e, dentro das primeiras, as acções de simples
apreciação, de condenação e constitutivas. Nas acções de simples apreciação, o autor pede ao
tribunal que declare a existência ou inexistência de um direito (por exemplo, o autor pretende
ser declarado proprietário de determinada coisa contra alguém que anda afirmando que ele
não o é) ou dum facto jurídico (por exemplo, o autor pretende que seja declarado que a
celebração de determinado contrato de empreitada, que o réu afirma ter tido lugar, na
realidade não se verificou; ou que determinado contrato, que celebrou, é nulo, ou pelo
contrário válido; ou que certo documento, que o réu afirma ter sido por ele, autor, assinado,
na realidade não foi; etc…). Nas acções de condenação, (por exemplo, o autor, afirmando-se
proprietário ou possuidor, pretende que o réu seja condenado a restituir-lhe a coisa própria ou

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possuída; ou, afirmando-se credor, pretende que o réu seja condenado a efectuar a prestação
devida) sem prejuízo de o tribunal dever ainda emitir aquele juízo declarativo, dele se
pretende também (e fundamentalmente) que, em sua consequência, condene o réu na
prestação duma coisa ou dum facto. Pressuposto lógico da condenação é também a violação
dum direito; mas não é necessário que a violação esteja consumada à data do recurso a juízo
ou mesmo à data da sentença, como acontece na acção de restituição do art.1278ºCC ou na de
cumprimento ao art.817ºCC. A acção de condenação pode, com efeito, ter lugar na previsão
da violação do direito, dando então lugar a uma intimação ao réu para que se abstenha de o
violar (art.1276ºCC: acção possessória de prevenção) ou à sua condenação a satisfazer a
prestação no momento do vencimento (arts.557º e 610º). Pela acção constitutiva exerce-se
um direito potestativo (por exemplo, o autor pede ao tribunal que, com determinado
fundamento, declare a dissolução, por divórcio, do seu casamento com a ré; que seja fixada
uma pensão de alimentos; que, com fundamento em erro, seja anulado um negócio jurídico
que celebrou com o réu; etc…). O juízo do tribunal já não se apresenta limitado, como nas duas
subespécies anteriores, pela situação de direito ou de facto pré-existente: perante o pedido de
alteração das situações jurídicas das partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas
entre elas, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que,
embora fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença. O
aspeto declarativo desta, reside fundamentalmente na definição, só para o futuro ou
retroactivamente, da situação jurídica constituída. Diferentemente da acção declarativa, a
acção executiva tem por finalidade a realização coativa de uma prestação devida.

3.2. A tutela do direito material


Para a doutrina clássica, a função do processo civil consiste na tutela do direito
material, entendido este quer no sentido (objectivo) de sistema de normas de conduta, ao
tribunal cabendo impor a sua observância e reprimir a sua violação, quer no sentido
(subjectivo) de direito radicado num sujeito jurídico carecido da ajuda dos tribunais para o
exercer, quer no duplo sentido de direito objectivo e de direito subjectivo, tidos como os dois
lados da mesma medalha.

Nem todas as situações jurídicas subjectivas se reduzem à figura do direito subjectivo.


Por outro lado, através da acção executiva e da acção de condenação pretende-se fazer valer o
direito a uma prestação e através da acção constitutiva pretende-se exercer um direito
potestativo; mas a acção de simples apreciação pode não visar a declaração sobre a existência
de um direito, mas a declaração sobre a existência dum facto jurídico, e aqui trata-se de
tutelar um interesse do autor que é independente da configuração de um direito subjectivo.

Tidas em conta estas constatações, a ideia de que o processo civil tem por função a
tutela de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente protegidos mas não organizados
em direito subjectivo, é adequada a traduzir as finalidades objectivamente visadas pelo autor
ao propor a acção. O art.202º/2 CRP consagra esta ideia, quando diz que aos tribunais incumbe
“assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Tido em
conta o princípio do dispositivo, a perspectiva subjectivista da doutrina clássica sobre a função
do processo civil conserva importantes virtualidades definitórias do elemento teleológico do
conceito e, ao mesmo tempo que reduz a paralela perspectiva objectivista à ideia de que a
tutela do direito objectivo só mediatamente é atingida, permite também identificar alguns
desvios da função processual em normas legais do sistema que, sobrepondo a segurança à
justiça ou os interesses de pessoas públicas aos interesses das pessoas privadas, sacrificam a
tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos à realização de outras
finalidades que à primeira deviam manter-se subordinadas. Por isso também, a

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instrumentalidade do processo civil é um elemento fundamental na interpretação das normas


processuais.

3.3. A justa composição do litígio


Nem sempre a tutela do direito subjectivo (ou do interesse legalmente protegido) se
realiza no processo civil. Para o demonstrar, tem-se argumentado com as regras que regulam a
distribuição do ónus da prova e com a admissibilidade da autocomposição do litígio.

Nos sistemas processuais atuais, a dúvida insanável do juiz acerca da realidade dos
factos alegados pelas partes é resolvida, não através dum non liquet (declaração do tribunal de
que não pode decidir a causa), mas mediante a imputação a uma das partes das consequências
negativas da falta de prova. A determinação da parte que sofrerá essa consequência (e que,
portanto, tem o ónus de fazer a prova do respectivo facto) faz-se de acordo com a regra do
art.342ºCC: a cada uma das partes cabe a prova dos factos constitutivos do facto jurídico cuja
existência quer que seja declarada e à contraparte a prova dos factos impeditivos,
modificativos ou extintivos dessa situação jurídica, ou os elementos impeditivos desse facto,
que fundam as execeções perentórias. Normalmente, ao autor (e ao réu reconvinte) cabe
provar os factos constitutivos e ao réu (e ao autor reconvindo) os factos impeditivos,
modificativos e extintivos, sem prejuízo de ao autor caber ainda a prova dos factos que
impeçam, modifiquem ou extinguem os efeitos dos que o réu alegue; mas nas acções de
simples apreciação negativa dá-se o inverso (art.343º/1 CC). Assim, abstraindo destas últimas,
se não for feita a prova dum facto constitutivo da situação jurídica, ou dum elemento do facto
cuja existência o autor quer que seja declarada, o réu será absolvido do pedido; se não for
feita a prova de nenhum facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica que o
autor se arroga ou do facto cuja existência ele quer ver declarada, o réu será, desde que seja
feita a prova do facto constitutivo, condenado no pedido (art.414º). Em qualquer dos casos, o
tribunal profere uma sentença de mérito, isto é, uma decisão que, constituindo a resposta ao
pedido formulado pelo autor, define as situações jurídicas das partes (ou dá por existente ou
inexistente o facto), tal como faria se tivesse chegado a uma certeza sobre a realidade
(existência ou inexistência) de todos os factos alegados pelas partes. A diferença está em que,
além, a sentença pode não se conformar à realidade dos factos (ocorrida, mas não provada) e,
portanto, à existência efectiva das situações jurídicas definidas, enquanto, aqui, a sentença é
conforme a essa realidade (provada) e, portanto, às situações jurídicas existentes. Quando
exista desconformidade, a sentença acaba por não tutelar a situação jurídica que carecia da
tutela judiciária.

Por outro lado, podem as partes, unilateralmente ou por acordo, pôr cobro a um
processo pendente mediante negócio de autocomposição do litígio, com o que subtraem ao
tribunal o poder de decidir a causa. Assim, pode o autor desistir do pedido, isto é, reconhecer
que a pretensão que formulará é infundada, tal como pode o réu confessar o pedido, isto é,
reconhecer o bem-fundado da pretensão formulada pelo autor (art.283º/1); e podem autor e
réu celebrar transacção, isto é, acordar em concessões recíprocas para porem termo ao litígio
(art.1248º CC e art.283º/2). Também nestes casos se segue uma sentença de mérito, mas
agora com natureza meramente homologatória, pois o tribunal limita-se a verificar se as partes
no negócio eram capazes e tinham legitimidade para se ocupar do objecto negocial, bem como
se este era disponível, só não homologando se se verificar incapacidade duma das partes ou
indisponibilidade, subjectiva ou objectiva, do objecto (arts.289º/1 e 290º/3). Havendo
homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não
mediante aplicação do direito objectivo aos factos provados, isto é, tutelando o direito
subjectivo ou o interesse juridicamente protegido que, em decorrência desses factos, se
verifique existir.

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Além disso, por via de disposição legal que o permita ou, no campo do direito
disponível, por acordo das partes, podem os tribunais – do Estado ou arbitrais - proferir um
julgamento de equidade (art.4ºCC e art.39º/1 da Lei da Arbitragem Voluntária) e, quando o
façam, não aplicam o direito objectivo ao caso concreto nem, consequentemente, verificam a
existência do direito subjectivo, compondo o litígio sem recursos obrigatório à lei substantiva
aplicável.

A constatação destes três tipos de situação tem levado uma importante corrente
doutrinária a dizer que a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos só
tendencialmente constitui a função do processo civil, sendo tão-só o meio normal, ao lado de
outros, de compor os litígios e sendo a justa composição do litígio que constitui a função do
processo civil.

3.4. Decisão de mérito e decisão de absolvição da instância


A finalidade do processo não é alcançada, em nenhuma destas duas vertentes, quando
na acção declarativa, o tribunal não profere uma sentença de mérito ou, na acção executiva,
não ordena as providências executivas por razão diferente da inexistência da obrigação
exequenda, e o processo termina com uma sentença de absolvição da instância.

A sentença de mérito constitui, na acção declarativa, a resposta ao pedido formulado


pelo autor. Pode ser de condenação (do réu) no pedido (a acção é procedente) ou de
absolvição (do réu) do pedido (a acção improcede).

Mas, para que o tribunal se possa ocupar do mérito da causa (decidindo-a ou


ordenando – ou negando – a execução), é necessário que se verifiquem determinadas
condições, que constituem os pressupostos processuais. [Os pressupostos processuais
respeitam às partes (personalidade judiciária, capacidade e representação judiciária,
patrocínio judiciário, interesse processual), ao tribunal (competência), ao objecto do processo
(existência e ausência de contradição, não verificação da litispendência) e à relação entre as
partes e o objecto (legitimidade processual)]. Quando algum deles não se verifique, ocorre
uma exceção dilatória e o juiz profere uma sentença de absolvição do réu da instância
(arts.278º/1 e 577º), salvo se o processo dever ser remetido para outro tribunal ou a falta do
pressuposto puder ser sanada (art.278º/2) [o processo deve sempre ser remetido para outro
tribunal no caso da incompetência relativa – art.105º/3 e, na incompetência absoluta, quando,
sendo decretada depois dos articulados, as partes estejam de acordo em aproveitá-los –
art.99º/2], ou ainda se, destinando-se a exceção dilatória a tutelar o interesse duma das partes
[é o caso da falta de personalidade judiciária de sucursal, agência, filial, delegação ou
representação, da incapacidade judiciária, da representação irregular, da falta de autorização
ou deliberação, da falta de advogado – arts.13º e 14º; 15e 27º/1; 29º; 40º; 41º; 48º; 58º],
nenhum outro motivo obstar, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da
causa e a decisão dever ser inteiramente favorável a essa parte (art.278º/3). Quando é
proferida a absolvição da instância, o resultado atingido não representa o atingir do fim do
processo, podendo, porém, ainda, para que este fim seja atingido, o autor mover nova ação
contra o mesmo réu, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, isto é, repetir a causa
(art.581º/1), para nela conseguir a mesma decisão de mérito ou a realização das mesmas
providencias executivas de que a anterior não chegou a ocupar-se [havendo sentença de
absolvição da instancia, não se produz o caso julgado].

3.5. A simulação do litígio


Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência
dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a

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terceiros, mas não entre si. Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum
acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas
que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa (o art.953ºCC proíbe a doação
entre determinadas pessoas – por exemplo, salvo em certas circunstâncias, entre pessoa
casada e terceiro com quem ela mantenha relação sexual: art.2196º CC).

A simulação do litígio, passa quase sempre, mediante prévio acordo entre as partes duma
versão fáctica não correspondente à realidade. A alegação de factos que se sabe não se terem
verificado e a omissão consciente de factos essenciais para a solução do litígio constituem má
fé processual (art.542º/2/b).

Quando o juiz se aperceba da simulação ou fraude processual, deve obstar ao objectivo


anormal prosseguido pelas partes (art.612º), anulando oficiosamente o processo. E quando,
por não se ter apercebido do desvio funcional, o juiz tiver proferido uma decisão de mérito, o
terceiro que com ela tenha sido prejudicado pode impugná-la, em caso de simulação ou de
fraude a uma lei predisposta para a salvaguarda de interesses particulares, sem que a isso
obste o trânsito em julgado, mediante recurso de revisão (art.696º/g).

4. Objeto
4.1. A pretensão
O processo inicia-se com a apresentação da petição inicial, na qual o autor solicita ao
tribunal uma providência de tutela do seu direito ou interesse legalmente protegido, dirigida
contra o réu, titilar dum interesse em conflito com o seu (art.552º/1/e para a acção
declarativa; art.724º/1/f para a acção executiva). A esta solicitação deve o tribunal dar
resposta, concedendo ou negando a tutela pretendida pelo autor, a menos que se deva abster
de se pronunciar sobre o mérito da causa e absolver o réu da instância.

A resposta do tribunal é, na acção declarativa, precedida de discussão entre as partes,


as quais têm a faculdade de se pronunciar sobre todas as questões, de mérito ou processuais,
com relevo para a decisão a proferir. Destas questões, algumas são meramente instrumentais
relativamente à decisão do litígio: são-no sempre (nas acções autónomas) as de ordem
processual, que visam a verificação da regularidade da constituição e do desenvolvimento do
processo; são-no também as questões de natureza substantiva (de facto ou de direito) que se
situem aquém do thema decidendum, desempenhando a função de fundamentos do pedido,
de exceções perentórias e de fundamento da decisão do mérito.

Resta o pedido em si, que determina o conteúdo da decisão. Ele é o objecto do


processo.

4.2. A relação jurídica material


Estando em causa no processo civil a aplicação de normas de direito civil e
constituindo a técnica da relação jurídica o instrumento de abordagem tradicional dos
institutos do direito civil, surgiu muito naturalmente a ideia de que o processo tem como
objecto a relação jurídica material controvertida (art.30º/3).

Esta configuração do objecto do processo sofre, em primeiro lugar, a repercussão das


críticas que hoje são movidas à utilização exclusiva da técnica da relação jurídica no campo do
próprio direito privado. Por um lado, a figura da relação jurídica não se adequa aos casos de
direito absoluto (de personalidade, real ou outro), em que à posição ativa do titular não se
contrapõe um dever específico dos não-titulares, que estão, vinculados a um dever genérico

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de respeito pelos direitos absolutos alheios. Por outro lado, há situações absolutas que
diferem do direito subjectivo e que tão-pouco se integram em relações jurídicas.

Estas constatações levariam a identificar como objecto do processo, já não uma


relação jurídica, mas a situação jurídica (absoluta ou relativa) que se quer fazer valer em juízo,
se não fosse a constatação ulterior de que o reconhecimento judicial duma situação jurídica
absoluta circunscreve os seus efeitos, nos termos gerais da eficácia do caso julgado, Às partes
processuais (arts.581º/1 e 2; 619º/1).

Outra dificuldade insuperável da identificação do objecto do processo com a relação


(ou situação) jurídica substantiva constitui a acção de simples apreciação, na sua modalidade
de apreciação da existência ou inexistência dum facto. Uma acção em que se faça a declaração
da validade ou da nulidade dum contrato, ou o reconhecimento da genuinidade ou da
falsidade dum documento, não tem por objecto nem uma relação jurídica nem uma situação
jurídica absoluta.

4.3. O litígio
A doutrina italiana intentou ultrapassar estas dificuldades mediante o recurso à ideia
de que o objecto do processo civil é o litígio. Esta conceção, que viria a impregnar o nosso
Código de Processo Civil de 1939, encontrou o seu maior desenvolvimento em Francesco
Carnelutti. Para este autor, o litígio é constituído por dois elementos: o conflito de interesses
(elemento material) e o binómio pretensão-resistência (elemento formal). Situados em planos
distintos, o segundo é a expressão formal da incompatibilidade das posições materiais dos
sujeitos perante um bem apto à satisfação duma sua necessidade: verificado um conflito de
interesses, um dos sujeitos afirma-se titular do interesse tutelado pelo direito, ao qual o outro
deve ser sacrificado (pretensão), enquanto o titular do interesse contraposto se opõe a esta
afirmação, negando-a (resistência no plano intelectual, própria do processo declarativo) ou
recusando a satisfação do interesse (resistência no plano material, própria do processo
executivo).

Esta construção encontra, quanto ao elemento formal, uma dificuldade que Castro
Mendes apontou. A nossa lei processual admite expressamente a propositura de ações de
condenação em que estão em causa obrigações constituendas (art.557º/2) ou obrigações
constituídas, mas não vencidas (art.610º/2), não obstante o devedor (ou futuro devedor) não
as ter impugnado. Casos há, por outro lado, em que a acção de simples apreciação, proposta
contra incertos, visa satisfazer um interesse do autor a cuja satisfação ninguém se opõe: a
acção de declaração de propriedade para justificação de registo predial (art.116ºCRPr), bem
como a de declaração de titularidade de quotas e partes sociais para justificação de registo
comercial (art.115ºCRCom.), visam tão-só possibilitar a feitura duma inscrição registral, ainda
que na ausência de qualquer contestação ou oposição material. Falta então a resistência, quer
na aceção material, quer na aceção intelectual, o que levou Castro Mendes a dispensar a
resistência na configuração do litígio, reduzindo assim ao elemento material e à pretensão.

4.4. Conflito de interesses e pretensão


A referida constatação de Castro Mendes rompe a correspondência existente entre o
elemento material e o elemento formal do litígio carneluttiano. Dessa rotura há consequências
a tira. Na base do processo civil, está sempre um conflito de interesses (art.3º/1). Mas o seu
objecto não é esse conflito, mas a pretensão que, pressupondo-o, é dirigida ao tribunal, que a
ela terá de dar resposta. O conflito de interesses não é ainda o litígio, nele apenas contido
potencialmente; o litígio resulta da pretensão formulada em juízo, independentemente de ela
ser contestada ou de o réu se recusar a satisfazê-la. Daí que, embora normalmente se baseie

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
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na criação duma situação de facto fictícia que se quer que constitua fundamento da sentença,
a simulação do litígio possa também derivar da expressão, pela pretensão, duma vontade que
não se tem.

4.5. A jurisdição voluntária


Constituindo o conflito de interesses a base do processo civil, não há processo civil
onde não haja conflito de interesses. Por isso se situa fora do processo civil a categoria dos
processos de jurisdição voluntária, ainda quando estes são regulados no Código de Processo
Civil (arts.986º e ss.).

Os processos de jurisdição voluntária visam a prossecução de interesses não


organizados em conflito. Casos há em que, através do processo, se intenta prosseguir o
interesse de uma pessoa determinada, sem que outro qualquer seja considerado (exs:
interdição, reunião do conselho de família, autorização ou confirmação de certos atos,
curadoria provisória de bens do ausente) ou ainda que o interesse de outra pessoa deva ser
considerado, mas só num plano secundário (regulação do poder paternal); e outros há em que
se intenta prosseguir os interesses solidários de duas ou mais pessoas (ex: separação ou
divórcio por mútuo consentimento). A submissão destes casos aos tribunais resulta de se
considerar necessária uma cuidadosa avaliação dos interesses particulares em jogo, que o juiz,
melhor do que uma entidade administrativa, está em condições de assegurar.

4.6. Análise da pretensão. A causa de pedir


A pretensão (ou pedido, como a nossa lei a usa chamar) apresenta-se duplamente
determinada: no seu conteúdo, referido ao direito material, consiste na afirmação duma
situação jurídica subjectiva actual ou, na acção constitutiva, da vontade dum efeito jurídico
(situação jurídica a constituir) baseado numa situação subjectiva actual, ou ainda na afirmação
da existência ou inexistência dum facto jurídico; na sua função, consiste na solicitação duma
providência processual para tutela do interesse do autor. Pode assim falar-se duma
determinação material e duma determinação processual da pretensão.

Mas ao autor não basta formular o pedido. Ele tem também de indicar a causa de
pedir, isto é, de alegar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou
negar. Discutiu-se durante algum tempo na doutrina se esta indicação da causa de pedir era
necessária.

Para a teoria da individualização, (defendida por Wach) bastava ao autor indicar o pedido,
com o que todas as possíveis causas de pedir podiam ser consideradas no processo, de tal
modo que, ao responder, afirmativa ou negativamente, à pretensão, a sentença decidia em
absoluto sobre a existência ou inexistência da situação jurídica afirmada pelo autor.

Para a teoria da substanciação, ao invés, a afirmação da situação jurídica tem de ser fundada
em factos que, ao mesmo tempo que integram, tal como os outros factos alegados pelas
partes, a matéria fáctica da causa, exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito
da conformação do objecto do processo. A teoria da substanciação está inequivocamente
consagrada no nosso sistema processual: o autor deve, na petição inicial, expor os factos que
servem de fundamento ao pedido (art.552º/1/d); esses actos constituem a causa de pedir e
esta delimita o pedido para o efeito de, juntamente com ele e com as partes, identificar a
causa (art.581º/4); esta é insusceptível de ser repetida sem ofensa de caso julgado
(arts.580º/1 e 581º/1).

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A nossa lei define a causa de pedir como o facto jurídico constitutivo do efeito
pretendido pelo autor (art.581º/4), como tal contraposto aos factos impeditivos, modificativos
e extintivos desse mesmo efeito.

A parte que invoca o direito tem, de alegar os respectivos factos constitutivos, isto é,
todos aqueles que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o
efeito pretendido. Embora, uma vez identificadas essas normas, não haja ineptidão da petição
inicial, e seja admissível completar a sua previsão com uma alegação tardia de factos que a
petição inicial omitiu, a falta de alegação desses factos dá lugar à absolvição da parte contrária,
por insuficiência da fundamentação de facto do pedido, isto é, por insuficiência duma causa de
pedir que se deixou incompleta.

5. Sujeitos
5.1. Os sujeitos processuais
Os atos do processo são praticados pelas partes e pelo tribunal, através do respectivo
titular (o juiz – ou os juízes, quando o tribunal é colectivo, como acontece nas instâncias de
recurso) e dos serviços auxiliares (a secretaria). São eles os sujeitos da relação jurídica
processual, dita triangular (a relação processual estabelece-se entre cada uma das partes e o
tribunal e entre as duas partes), mas em que o juiz aparece colocado super partes e com
poderes de autoridade.

Há, além disso, no processo, intervenientes acidentais, como as testemunhas e os


peritos (art.521º/1), que, sendo terceiros em face dos interesses em jogo, têm o dever de
cooperar para a descoberta da verdade (art.417º/1).

5.2. As partes
São partes o autor e o réu. É autor o titular dum dos interesses em conflito que solicita
a tutela judiciária, exercendo contra o titular do interesse a ele oposto (o réu) o seu direito de
acção mediante a dedução dum pedido. Pode, porém, também o réu deduzir pedidos contra o
autor, em reconvenção, que mais não é do que uma contra-ação, em que o réu assume a
posição de autor (reconvinte) e o primitivo autor a de réu (reconvindo). E pode também um
terceiro relativamente à relação jurídica processual inicial deduzir, em determinadas
condições, pedidos em processo pendente em que intervém, ou associar-se ao autor no
pedido por este deduzido, constituindo-se parte ativa, bem como pode contra um terceiro, em
determinadas condições, ser deduzido um pedido ou estendido o pedido já deduzido no
processo, ficando ele constituído como parte passiva. Estas constatações levam a uma
conceção ampla do conceito de autor, que abrange todo aquele que, independentemente de
ter sido ele a instaurar o processo, nele deduz a sua pretensão, seja originária seja
subsequentemente, ou adere à pretensão já deduzida, sendo réu no mesmo sentido amplo
todo aquele contra quem uma pretensão é deduzida ou que subsequentemente assume
posição de contrariedade a uma pretensão já deduzida. A lei processual usa normalmente os
termos autor e réu no seu sentido restrito, isto é, na perspectiva da relação jurídica processual
tal como resulta da petição inicial (por exemplo, arts.266º, 552º, 560º, 563º, 569º, 584º,
595º/5).

Além das partes principais, pode haver partes acessórias. Trata-se normalmente de
pessoas que têm interesse dependente do de uma das partes principais e que por isso
intervêm na causa para auxiliar essa parte (art.321º/1 e 326º/1), mediante o exercício de
actividade própria que obrigatoriamente se subordina à da parte que coadjuvam (art.328º/2).

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Em todos os casos, o conceito de parte recorta-se formalmente: é parte quem propõe


a acção, aquele contra quem ela é proposta, o sucessor da parte primitiva e quem
subsequentemente intervenha no processo, independentemente de o ser para o direito
material. A determinação dos sujeitos da relação material controvertida, isto é, dos titulares
das situações jurídicas de direito substantivo que estão em causa no processo, não interessa à
configuração das partes processuais, mas apenas, à determinação da sua legitimidade
(arts.30º/3, 32º/1 e 33º/1). Para a identificação da parte processual releva, a qualidade jurídica
em que o sujeito atua (art.581º/2): em caso de representação, a atuação do representante em
nome do representado leva, semelhantemente ao que acontece no direito civil, a que seja este
a parte processual; diversamente, nos casos de substituição processual é parte o substituto,
que litiga em nome próprio, embora esteja prima facie em causa o interesse do substituído.

Diz-se terceiro todo aquele que não o é, ainda que seja titular dum interesse que
justificaria a sua intervenção na causa, o que o legitime a actuações processuais autónomas,
como os embargos de terceiro (art.342º/1) e o recurso extraordinário de revisão (art.631º/3),
destinadas a infirmar a eficácia de providências tomadas.

5.3. Tutela judiciária e autotutela


O processo realiza-se no tribunal. Ao exercer o direito de acção, o autor solicita a
intervenção dum órgão com poderes de heterotutela.

Só excepcionalmente é consentida ao titular do direito a autotutela:

a) Quando, sendo-lhe impossível o recurso em tempo útil aos tribunais, o recurso à força
privada aparece como o meio adequado a realizar ou assegurar o direito, de outro
modo ameaçado de inutilização prática (art.366ºCC, perante o qual são especiais os
preceitos dos arts.337ºCC, 339ºCC, 1277ºCC, 1314ºCC, 1315ºCC e 397º/2;
b) Nos outros casos em que, fora desse condicionalismo, a lei admite uma atividade
privada À realização extraprocessual da composição do litígio [É o caso da venda de
bens alheios para satisfação de créditos próprios (arts.674ºCC, 675ºCC e 831ºCC) e do
arrancamento e corte de raízes e troncos de árvores e arbustos (art.1366º/1CC)].

5.4. Os tribunais judiciais


Os tribunais a que o autor recorre são normalmente os tribunais do Estado, órgãos de
soberania especificamente investidos na função jurisdicional, isto é, na função de composição
dos litígios mediante a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos, para tanto
exercendo o poder jurisdicional (arts.110 e 202 CRP).

É requisito essencial do exercício da função jurisdicional a imparcialidade dos titulares


do órgão jurisdicional (os juízes), colocados super partes em posição de independência perante
os restantes órgãos do Estado e perante os interesses em conflito.

Consagrada em geral no art.203º CRP, a independência dos tribunais judiciais é


garantida pela existência dum órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial (o
Conselho Superior da Magistratura), pela inamovibilidade dos respectivos juízes e pela sua não
sujeição a quaisquer ordens ou instruções relativas à actividade jurisdicional, salvo o dever de
acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (art.4º/1 da
Lei da Organização do Sistema Judiciária: Lei 62/2013, de 26 de agosto).

Quanto à imparcialidade dos juízes, é garantida positivamente pelas regras de


determinação do juiz natural (o juiz competente por aplicação das normas gerais da

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competência dos tribunais) e negativamente pela enunciação dos casos em que o juiz que
normalmente seria concretamente investido na função jurisdicional fica impedido de a exercer
[Por exemplo, está impedido o juiz que seja parte na causa ou que seja cônjuge, parente ou
afim, até ao segundo grau da linha colateral, duma das partes, bem como aquele que, a outro
título, taxativamente enunciado, tenha tido intervenção na causa (arts.115 e 117)] ou pode ser
afastada por suspeição [Por exemplo, está sujeito a suspeição o juiz que for parente ou afim de
uma das partes em grau para além do segundo da linha colateral, bem como aquele que tiver
grave inimizade ou grande intimidade com uma das partes (art.120)].

A natureza e os requisitos específicos dos tribunais do Estado levam a que, por um


lado, lhes sejam atribuídas, acessoriamente, outras funções para além da função jurisdicional
e, por outro, lhes seja reservada a função jurisdicional. Está esta reserva consagrada no
art.111º CRP e dela resulta que não podem a outras entidades, designadamente às
autoridades administrativas, ser concedidos poderes jurisdicionais.

5.5. Os tribunais arbitrais


Dentro do campo do direito admissível, é admissível que as partes acordem, para
dirimir conflitos entre elas, no recurso a tribunais arbitrais. Estes são constituídos por
particulares e como tal destituídos de jus imperii. O seu poder de decisão deriva da vontade
das partes, tendo fundamento semelhante ao negócio jurídico: tal como os particulares
podem, no domínio da autonomia da vontade, autorregulamentar os seus interesses e,
designadamente, prevenir os litígios ou pôr-lhes cobro mediante negócios de transacção,
assim pode também, no mesmo domínio e desde que uma lei especial não o impeça,
encarregar terceiros de decidir os litígios que entre si surjam ou venham a surgir (art.1º/1 a 3
da Lei da Arbitragem Voluntária).

A convenção de arbitragem, que deve ser sempre reduzida a escrito, pode ter por
objecto um determinado litígio actual, mesmo que já na pendencia dum processo em tribunal
judicial, ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou
extracontratual; no primeiro caso, estamos perante o compromisso arbitral; no segundo caso,
estamos perante uma cláusula compromissória normalmente inserta numa estipulação
contratual, máxime no campo do direito comercial (arts.1º/2; 2º LAV).

Os árbitros são designados pelas partes ou escolhidos pelo modo que elas tiverem
determinado, devendo ser em número ímpar; na falta de tal estipulação e se as partes nada
acordarem, cada uma indicará um árbitro e os dois assim designados escolherão um terceiro,
cabendo ao presidente do tribunal estadual competente fazer a nomeação do árbitro ou
árbitros que não forem designados, no prazo de 30 dias, de acordo com essas regras (arts.8º e
10º LAV). Os árbitros têm o dever de revelar todas as circunstâncias que possam suscitar
dúvidas sobre a sua imparcialidade ou a sua independência (art.13º/1 LAV); só podem ser
recusados se ocorrerem circunstâncias desse tipo (art.13º/3 LAV).

A competência do tribunal arbitral é temporalmente limitada: as partes têm, até à


aceitação do primeiro árbitro, a faculdade de fixar o prazo dentro do qual a decisão deve ser
proferida; se não o fizerem, ele é de doze meses, a contar da data de aceitação do último
árbitro; o prazo é prorrogável, por acordo das partes, ou por decisão do tribunal arbitral a que
as partes não se oponham, por períodos sucessivos de 12 meses, desde que
fundamentadamente; se o prazo para a decisão for excedido, extingue-se o processo arbitral e
a competência dos árbitros, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia,
com base nela se podendo constituir novo tribunal arbitral (art.43º LAV).

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Os árbitros julgam segundo o direito constituído, salvo se as partes estipularem o


julgamento segundo a equidade (art.39º LAV). Se julgarem segundo o direito construído, as
partes podem estipular, na convenção de arbitragem, a possibilidade de recurso para o
tribunal estadual competente; mas, se as partes não a estipularem, a sentença arbitral não é
susceptível de recurso para o tribunal estadual (art.39º/4 LAV).

Tal não implica a supressão total da possibilidade de controlo judicial. Em casos


considerados especialmente graves, que o art.46º/3 LAV taxativamente enuncia, a sentença
arbitral é anulável.

Havendo recurso, a anulabilidade é nele arguida; quando não haja recurso, a


anulabilidade constitui objecto duma acção de anulação a propor no tribunal estadual
competente (art.46º/2 LAV), no prazo de 60 dias a contar da notificação da sentença arbitral
final, ou do esclarecimento de alguma sua obscuridade ou ambiguidade que as partes tenham
pedido (art.46º/2 LAV).

Este direito à anulação da decisão dos árbitros é irrenunciável (art.46º/5 LAV), sem
prejuízo da sanação dos vícios de que a parte tenha conhecimento na pendência do processo
de arbitragem sem logo os arguir (art.46º/4 LAV). Do mesmo modo, é irrenunciável o direito
de oposição à execução da sentença arbitral, que pode ter lugar pelo decurso do prazo para a
acção de anulação nem esta tenha sido definitivamente julgada improcedente (48º LAV).

Nos termos do decreto de ratificação, esta convenção aplica-se em Portugal apenas


quando esteja em causa uma sentença arbitral proferida no território dum Estado a ela
vinculado. De acordo com o art.5º/2 da Convenção, o reconhecimento e execução duma
sentença arbitral em Portugal devem ser recusados pela autoridade competente quando,
segundo a alie portuguesa, o objecto do litígio não pudesse ser resolvido pela arbitragem, bem
como no caso de contrariedade À ordem pública internacional do Estado Português. Mas, fora
destes casos de conhecimento oficioso, o reconhecimento e a execução devem também ser
recusados quando, a requerimento da parte contra quem a sentença é invocada se verifique a
ocorrência de algum dos casos taxativamente enunciados no art.5º/1 da Convenção, que essa
parte tem o ónus de provar. Não se verificando nenhuma destas situações, o Estado Português
está obrigado a reconhecer e a executar, de acordo com as normas processuais internas
aplicáveis, as sentenças arbitrais proferidas no estrangeiro (art.3º da convenção). Estas normas
processuais internas constam actualmente da LAV (arts.56º a 58º), tendo competência para o
reconhecimento, consoante os caos, o tribunal da relação (litígios civis) ou o tribunal central
administrativo (litígios emergentes de relações administrativas e fiscais) em que esteja
domiciliada ou sediada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença.

O regime dos arts.1º a 54º LAV tem aplicação a todas as arbitragens que tenham lugar
em território nacional, ainda que a causa apresente elementos de conexão com outros
espaços jurídicos (art.49º LAV), enquanto a Convenção de Nova Iorque (dentro do respectivo
âmbito de vinculação) e os arts.55º a 58º LAV (fora ou dentro do âmbito da Convenção) se
aplicam quando esteja em causa uma arbitragem efectuada no estrangeiro.

II – OS PRINCÍPIOS GERAIS

1. Introdução
1.1. A importância dos princípios gerais
O direito processual civil é um ramo do direito relativamente recente, estreitamente
conexionado com a organização do Estado e os direitos fundamentais e em que, por isso, o

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
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momento histórico e as particularidades nacionais se fazem muito sentir, os seus princípios


enformadores continuam a ser objecto de discussão e aperfeiçoamento.

Duas décadas depois de HANS KELSEN ter posto, pela primeira vez na Europa, a
questão da necessidade duma jurisdição constitucional e sentido amplo como complemento
da garantia da vinculatividade da norma jurídica, o último pós-guerra marcou o início do
movimento de “constitucionalização das garantias processuais” e, com ele, o de uma atenção
cada vez maior aos princípios gerais do processo civil, que os sistemas autoritários haviam
desprezado. Reposta, de modo institucionalizado, a interrogação sobre os valores
enformadores dos sistemas jurídicos, inclusive no campo processual, constitucionalistas e
processualistas foram reequacionando os princípios fundamentais da jurisdição e do processo,
desenvolvendo o sentido das normas constitucionais que os reafirmaram e a estas procurando
adaptar os códigos e as práticas da sua aplicação. A jurisprudência que o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem vem formando na aplicação dos arts. 6 a 14 da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem (ratificada por Portugal em 1978) constitui, desde 1953, orientações firmes
no sentido da imposição aos Estados Europeus do respeito pelos direitos processuais
fundamentais.

1.2. Direito fundamental à jurisdição e princípios da lei ordinária


Entre os princípios gerais do processo civil, uns há que têm dignidade constitucional, por
respeitarem a direitos considerados fundamentais: o direito de acesso aos tribunais (art.20º
CRP) engloba o direito de acção e o direito de defesa, a exercer perante tribunais
independentes e imparciais; o princípio da equidade, nomeadamente nas vertentes da
contrariedade e da igualdade de armas, o princípio do prazo razoável e o da tutela jurisdicional
efectiva (art.20º/4 e 5 CRP) vêm completá-lo; as audiências devem respeitar o princípio da
publicidade (art.206º CRP); a decisão judicial deve, no seu conteúdo, respeitar o princípio da
legalidade (art.203º CRP) e, na sua forma, o princípio da fundamentação (art.205º/1 CRP). O
conjunto destas garantias constitucionais constitui o chamado direito à jurisdição.

Mas não só da CRP são retirados os princípios gerais do processo civil. Outros há que,
resultando duma opção da lei ordinária, não deixam de constituir traves-mestras do sistema
jurídico-processual dos Estados democráticos contemporâneos: o binómio formado pelo
princípio do dispositivo e pelo princípio do inquisitório; os princípios da preclusão e da
autorresponsabilidade; o princípio da cooperação; o trio formado pelos princípios da
imediação, da oralidade e da concentração; o princípio da livre apreciação da prova; o
princípio da economia processual; o princípio da gestão processual.

2. O acesso aos tribunais


2.1. O art. 20 da Constituição da República
De acordo com o art. 20º/1 da CRP, “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos seus interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos”.

2.2. Direito de ação


2.2.1. Sua natureza
Em primeiro lugar, como aspeto que imediatamente salienta a sua leitura, está
consagrado no art. 20 da Constituição o direito de ação. Sendo a todos garantido o acesso aos
tribunais, qualquer cidadão pode utilizar o meio que, no campo do processo civil, para tanto é
disponibilizado: o de, em tribunal, propor ações para fazer valer os seus interesses que,
embora não organizados em direito subjectivo, sejam tutelados pelo direito material.

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O direito de acção foi outrora considerado uma emanação do direito subjectivo


privado, como tal deste não se distinguindo. Afastada esta conceção, em si negadora da
utilidade do conceito, o direito de acção passou a ser construído como um direito dirigido
contra o Estado e como tal gozando de autonomia em face do direito material. Mas, segundo
uma importante corrente doutrinária, o direito de acção, pressupondo a existência do direito
litigioso, só existiria quando tem existência na realidade o direito que, através da pretensão, se
afirma existir; o direito de acção era, pois, o direito a uma sentença favorável. Também esta
conceção, já balada pela possibilidade de mover acções de apreciação negativa da existência
de direitos e de apreciação da existência ou inexistência de factos, foi há muito afastada com a
constatação de que a pretensão infundada não impede o direito do autor à decisão de mérito,
ainda que desfavorável.

O direito de acção, é por isso, hoje pacificamente entendido como um direito público
totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela
judiciária, afirmando-se como existente: ainda que ela na realidade não exista, a afirmação
basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença. Aliás, nem
sequer a falta dessa afirmação, nem a do conflito de interesses que está na base de todo o
processo civil, dispensa a sentença judicial. Não dispensa tão-pouco a falta de personalidade
judiciária, da qual o direito de acção, como direito abstracto, directamente dimana, nem a
falta de legitimidade do autor, não obstante o art.20º/1 CRP parece exigi-las. Apresentada a
petição inicial, a actividade jurisdicional só é evitada quando ela não apresente os requisitos
formais mínimos cuja existência à secretaria compete verificar (art.558º).

2.2.2. A acção popular


Tal como aparece consagrado no art.20º/1 CRP, o direito de acção tem como
finalidade a tutela dum direito ou interesse próprio de quem o exerce. Consagração paralela é
feita, no art. 268º/4 do texto constitucional, em sede de jurisdição administrativa: a acção a
propor nos tribunais administrativos é garantida aos administrados (e interessados) para tutela
dos “seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Este apelo à titularidade, ainda que meramente afirmada, do direito ou interesse que
se quer fazer valer em juízo é dispensado no exercício do direito de acção popular, que, de
acordo com o art.52º/3 CRP, com o art.1º da Leinº83/95, de 31 de agosto (LAP: Lei da Ação
Popular), e com o art.31º, é conferido, no âmbito dos interesses coletivos e difusos, a qualquer
cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como às associações e fundações que
tenham como objecto estatutário a defesa dos interesses em causa, nomeadamente para
defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural, do
domínio público e da qualidade do consumo de bens e serviços.

Fala-se de interesses colectivos e difusos para qualificar interesses individuais


generalizados, como tais próximos dos interesses públicos, mas de natureza ainda
fundamentalmente privatística. Em causa está sempre a fruição de bens de uso pessoal, não
susceptíveis de apropriação exclusiva. O interesse colectivo reporta-se a uma comunidade
genericamente organizada, cujos membros são como tais identificáveis, mas sem que essa
organização se processe em termos de pessoa colectiva. O interesse difuso reporta-se a um
grupo inorgânico de pessoas, cuja composição é, em cada momento, ocasional e por isso não
permite a identificação prévia dos respectivos titulares. Em ambos os casos, a natureza geral
do interesse leva a atribuir o direito de acção a pessoas em que pode não radicar (pessoas
singulares) ou não radica nunca (associações e fundações) a titularidade individual do interesse
em causa.

2.3. Direito de defesa

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2.3.1. Suas derivações

O direito de acesso aos tribunais não radica apenas no autor, mas também no
réu. Este pode deduzir pedidos contra o autor (art.266º) e, se o fizer, tem lugar a figura
da reconvenção, perante a qual, em inversão de posições processuais, o réu
(reconvinte) é autor e o autor do pedido primitivo (reconvindo) é réu.

2.3.2. O conhecimento do processo


O conhecimento efectivo do processo exige que no ato de citação, pelo qual o réu é
chamado para se defender (art.219º/1), lhe sejam transmitidos os elementos essenciais para
que a defesa possa ter lugar: a remessa ou entrega de duplicado da petição inicial e de cópia
dos documentos que a tiverem acompanhado; a identificação do tribunal e secção onde corre
o processo, se já tiver havido distribuição; a expressa indicação de que fica citado para a acção;
o prazo dentro do qual poderá apresentar a defesa e as cominações em que incorre se não a
apresentar; a obrigatoriedade do patrocínio judiciário, se ocorrer (art.227). A falta de qualquer
destes elementos acarreta a nulidade do ato, arguível, em regra, no prazo que tiver sido
indicado para a contestação (art.191); mas, se o réu não intervier no processo e contra ele for
proferida sentença, poderá ainda arguir a nulidade em recurso de revisão (art.696º/e) ou em
oposição à execução que venha a ser instaurada (art.729º/d.

2.3.3. Dispensa da audiência prévia


Excecionalmente, é permitido tomar providências contra uma pessoa sem que ela seja
previamente ouvida (art.3º/2). Tal acontece, designadamente, no domínio dos procedimentos
pres, quando a realização do direito possa perigar se a pessoa contra quem é realizado tiver
conhecimento do requerimento da providência antes de esta ser executada.

A providência (de natureza declarativa ou executiva) solicitada ao tribunal mediante a


propositura da acção não pode ter imediatamente lugar. Pode mesmo acontecer que, por
razões inerentes a uma composição do litígio, pelo uso sistemático de expedientes dilatórios
ou por inadequação da máquina judiciária à observância do prazo razoável para a decisão ou
para as providências executivas, muito tempo decorra entre a propositura da acção e o termo
do processo. Esta demora na satisfação do direito ou interesse protegido pode prejudicar o
autor e, por isso, a lei faculta-lhe a solicitação de providências, de natureza provisória, que,
antecipando a decisão ou a providência executiva futura, acautelem o direito do autor, sem
prejuízo de excepcionalmente poderem também, como acontece nos casos de fixação de
alimentos provisórios (art.384) e de indemnização provisória (art.388º/1), antecipar a sua
realização.

2.3.4. A cominação da revelia


Divergem os sistemas jurídicos-processuais no regime da revelia do réu (falta de
contestação, em prazo contado da citação); dum lado, estão os sistemas ficta confessio
(sistemas germânicos e anglo-saxónico); do outro, os sistemas de ficta litis contestatio
(sistemas latinos). Nos primeiros, são estabelecidas cominações para o caso de o réu não
contestar. Nos segundos, precludido o direito de contestar com o decurso do respectivo prazo,
o autor continua a ter o ónus da prova dos factos por ele alegados como causa de pedir, tal
como teria de fazer se o réu os tivesse impugnado.

Na nossa opção, o efeito cominatório pleno foi suprimido em 1995-1996 nas formas de
processo comum sumário e sumaríssimo, que passaram a estra sujeitas ao regime cominatório
semipleno. Este continua, no CPC de 2013, a vigorar na forma de processo comum, agora

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

unificada. O efeito cominatório semipleno, que no sistema germânico é atenuado com a


admissão da oposição da parte revel à sentença proferida com base na revelia e no sistema
anglo-saxónico se compadece igualmente com um meio de impugnação da sentença,
correspondente ao nosso recurso de revisão, só pode entre nós ser atenuado pela invocação
de justo impedimento, caso em que, não está propriamente em causa o efeito dum
comportamento omissivo, mas sim o ato positivo que não se praticou e de que se pretende
não ter precludido o direito de praticá-lo.

2.4. Entraves económicos


2.4.1. Não devem existir
Quer para o autor, quer para o réu, o direito de acesso aos tribunais engloba a
inexistência de entraves económicos ao seu exercício, como expressamente refere o art.20º
CRP. Tal implica, designadamente, a concessão de apoio judiciário a quem dele careça e a
proibição de disposições da lei ordinária que limitem o direito à jurisdição por não satisfação
de obrigações alheias ao objecto do processo.

2.4.2. Apoio judiciário


O acesso aos tribunais dá lugar ao pagamento de custas: a taxa de justiça (art.530º),
cujo valor é em função do valor da causa, apurado nos termos dos arts. 296º a 310º e do
art.12º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26 de
fevereiro; os encargos, devidos por determinadas diligências processuais (art.532º); a taxa
sancionatória, excepcionalmente aplicada pelo juiz quando um ato da parte tenha sido
praticado com negligência (art.531). Para garantia das custas, são cobradas as taxas de justiça
inicial e subsequente, que constituem adiantamentos por conta da taxa de justiça final, sem
prejuízo do pagamento, também adiantado, de outros encargos.

O acesso aos tribunais dá também lugar à obrigatoriedade da constituição de patrono


advogado nas acções declarativas e executivas acima de certos valores, nas acções declarativas
que consentem sempre recurso, independentemente do valor, ou que são imediatamente
propostas na Relação ou no Supremo, e nos recursos, bem como à obrigatoriedade da
constituição de patrono advogado, solicitador ou advogado estagiário nas acções executivas
de valor compreendido entre as alçadas da comarca e da Relação (arts.40º e 58º), sendo
facultativa a constituição de advogado ou solicitador nos restantes casos (art.42º).

Ora a parte (autor ou réu) que careça de meios económicos suficientes para fazer face
a estas despesas pode, em qualquer estado da causa e para a propor ou com ela seguir até à
final, solicitar apoio judiciário, consistente na dispensa, total ou parcial, da taxa de justiça e de
pagamento de outros encargos. O apoio é concedido pelos serviços da segurança social, com
recurso para o tribunal (arts.20º e 26º/2 da Lei nº34/2004, de 29 de julho).

2.4.3. Falta de pagamento da taxa de justiça


Até 1995/1996,a falta de preparo inicial (taxa de justiça inicial) pelo autor dava lugar à
extinção da instância, a falta de preparo inicial ou das custas finais pelo recorrente dava lugar à
deserção do recurso, a falta de preparo inicial pelo réu ou recorrido dava lugar ao
desentranhamento da contestação ou das alegações de recurso, a falta do preparo para
despesas (encargos) dava lugar à não efectivação do ato a que respeitava e a falta do preparo
para julgamento em 1ª instancia impedia a parte de produzir qualquer prova.

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

Entendeu-se, quando da revisão do CPC de 1961, que o direito do acesso aos tribunais
impunha a supressão destas cominações, à exceção da relativa à falta de preparo para
despesas, e por isso elas foram suprimidas e substituídas por multa.

O 183/2000, de 10 de agosto, arrepiou caminho. Desde então, é fundamento de


recusa da petição inicial pela secretaria a falta de pagamento da taxa de justiça inicial (a
comprovar com a apresentação da petição inicial), salvo quando tenha sido concedido o apoio
judiciário (art.558º/f) e sem prejuízo de o autor poder ainda fazer e comprovar o pagamento
(ou comprovar ter-lhe sido concedido apoio) nos 10 dias subsequentes (art.560º). Quanto à
contestação, é desentranhada quando o réu, não tendo, à data da apresentação, comprovado
o pagamento (ou o requerimento de apoio judiciário), persista na omissão após convite do juiz,
findos os articulados, para o efectuar com multa (art.570º). [Ver também art. 552º/5].

2.4.4. Falta de pagamento de impostos


Até à revisão do CPC de 1961 em 1995/1996, a falta do pagamento dos impostos,
devidos pelos autor e direta ou indirectamente relacionados com atos ou situações que ele
pretendesse invocar, dava lugar à suspensão da instância até que o devedor provasse ter
regularizado a sua situação tributária. Hoje, o art. 274º, em cumprimento do art.20º CRP,
expressamente declara inadmissíveis estas derrogações ao direito à jurisdição.

2.5. Independência e imparcialidade do tribunal


O direito de acesso aos tribunais implica nestes a existência de certas características
fundamentais. Pelo art.203º CRP é exigida a sua independência. Quer a Declaração Universal
dos Direitos do homem, explicitam a necessidade de que sejam independentes e imparciais.

3. Princípio da equidade
3.1. Suas vertentes
O direito à jurisdição não pode ser entendido em sentido meramente formal: ele não
implica apenas o direito de aceder aos tribunais, propondo acções e contraditando as acções
alheias, mas também o direito efetivo a uma jurisdição que a todos seja acessível em termos
equitativos e conduza a resultados individual e socialmente justos. Esta aceção ampla do
direito à jurisdição levou à consagração expressa, no art. 20º/4 da CRP, do direito a um
processo equitativo. Trata-se da necessidade de observar um conjunto de regras fundamentais
ao longo de todo o processo, nos vários planos em que se desenvolve.

No âmbito da jurisprudência formada na aplicação da Convenção Europeia dos Direitos


do Homem, tem sido entendido que o princípio da equidade, consagrado no seu art. 6,
postula, por um lado, a igualdade das partes (princípio do contraditório e princípio da
igualdade das armas) e, por outro, os direitos à comparência pessoal das partes em certos
casos ou circunstancias, à licitude da prova (do meio de prova em si e do modo de o obter) e à
fundamentação da decisão. Também o princípio da publicidade, como garantia da
transparência do exercício da função jurisdicional, parece constituir emanação do princípio da
equidade, segundo o professor Lebre de Freitas.

3.2. Princípio do contraditório


3.2.1. O direito de influenciar a decisão
Por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que:

a) Formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada
oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão;

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

b) Oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la
e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar.

A esta conceção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de
contraditoriedade, entendida como garantia da participação efectiva das partes no
desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem
em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com
o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente
relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser
a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a
influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito
do processo.

3.2.2. No plano de alegação


No plano da introdução dos factos principais da causa, que constituem, de acordo com
o princípio do dispositivo, um quase-monopólio das partes, o princípio do contraditório exige
que os factos alegados por uma delas (como causa de pedir ou fundamento de exceção),
sendo assim concedida a ambas, em igualdade, a faculdade de sobre todos eles se
pronunciarem.

Constituindo os articulados as peças nas quais as partes alegam, em regra, a matéria


de facto, o princípio do contraditório implica que haja tantos articulados quanto os necessários
para que o direito de resposta seja assegurado.

A opção feita no CPC de 2013, em que foram reduzidas as três formas de processo
comum a uma só, a fase dos articulados nunca tem mais de três articulados, o último dos quais
(a réplica) só quando o réu tenha reconvindo ou, em acção de simples apreciação negativa,
contestando (art.584º).

Mas o princípio do contraditório é respeitado: excecões e contraexceções


eventualmente deduzidas no último articulado admissível podem ter resposta na audiência
prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, como expressamente resulta
do art. 3º/4.

Também na medida em que, excepcionalmente o juiz pode introduzir factos principais


no processo, o princípio do contraditório exige que ambas as partes se possam pronunciar
sobre o exercício desse poder funcional, isto é, sobre a ocorrência dos respectivos
pressupostos e sobre a existência do facto em causa. Nos termos do art.3º/4, às partes deve
ser sempre facultada, antes da decisão, uma tomada de posição sobre o facto que o juiz
oficiosamente se propõe introduzir. Ponto é que se trate dum facto fundamental, pois outro é
o regime dos factos instrumentais.

3.2.3. No plano da prova


No plano da prova, o princípio do contraditório exige:

a) que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios


probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos
(principais ou instrumentais) da causa;
b) que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da
sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo;
c) que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de
ambas as partes;

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

d) que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo
adversário ou pelo tribunal.

A primeira derivação deste direito à prova compadece-se com a limitação razoável do


número de testemunhas a ouvir por cada parte, que a exigência de economia processual
justifica; mas é mais dificilmente conciliável com a atribuição à discricionariedade judicial da
admissão de certo tipo de meio de prova, como acontece com a inspecção judicial
(art.612º/1), ou com a limitação a um pequeno número de testemunhas a inquirir por cada
facto.

A segunda derivação do direito à prova implica:

a) que a proposição dos meios de prova preconstituídos, embora tenha o seu momento
preferencial na fase dos articulados (art.423º/1), possa ter lugar, quando se faça por
apresentação no tribunal (é o caso do documento e de algumas coisas móveis), até ao
encerramento da discussão da causa em primeira instância ou, se tal for considerado
perturbador da audiência final, até data próxima da realização efectiva desta
(arts.423º/2 e 416º/1);
b) que os meios de prova (constituendos) cuja produção deva – ou possa – ter lugar antes
da audiência de discussão e julgamento possam ser propostos no início do processo;
c) que os meios de prova a produzir em audiência possam ser oferecidos com a
antecedência considerada suficiente para assegurar o conhecimento da sua
proposição pela parte contrária.

A terceira derivação referida, implica que, proposta uma prova preconstituída, à parte
contrária seja facultado, antes da admissão, impugnar a sua admissibilidade e força probatória
e que, estando em causa uma prova constituenda, lhe seja facultado impugnar a sua
admissibilidade e intervir no ato da sua produção (art.415º). Mas implica também que as
mesmas faculdades sejam reconhecidas a ambas as partes quando a iniciativa da prova seja
oficiosa.

Por fim, cabendo ao juiz apreciar a prova, as partes têm o direito de, antes da
apreciação final, isto é, antes da decisão sobre a matéria de facto (hoje, integrada na sentença
final), se pronunciarem sobre os termos em que ela deve ser feita (art.3º/3). É-lhes assim
facultado, uma vez produzidas todas as provas, discuti-las, pronunciando-se sobre a matéria
de facto que consideram e aquela que não consideram provada, em debates orais que têm
lugar ainda na audiência (art.604º/3 e 5).

3.2.4. No plano do direito


No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da
sentença, às partes que seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito
em que a decisão se baseie.

Tratando-se de um fundamento de direito na disponibilidade exclusiva das partes, a


possibilidade de discussão resulta naturalmente da sua invocação (necessária) pelo
interessado e do direito de resposta da parte contrária. Mas a proibição da chamada decisão-
surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito
processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver
suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do
tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o
conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em
casos de manifesta desnecessidade (art.3º/3).

Não basta, pois, para que esta vertente do princípio do contraditório seja assegurada,
que às partes, em igualdade, seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de
direito (art.604º/3/e, em 1ªinstância; art.639º, em instância de recurso). É preciso que, mesmo
depois desta alegação, possam fazê-lo ainda quanto a questões de direito novas, isto é, ainda
não discutidas no processo.

Mas, ao verificar se uma questão de direito é nova, o tribunal deve atender ao facto de
as partes terem dado ou não cumprimento ao disposto nos atuais arts.552º/1/d e 572º/b, na
parte em que impõem que na petição inicial sejam expostos os fundamentos de direito da
acção e na contestação os fundamentos de direito de defesa por exceção. Estes preceitos,
tidos até 1995-1996 como meramente indicativos, por a falta dessa exposição não ser
sancionada, passaram, após a revisão do CPC de 1961, a dever ser interpretados como
impondo, respectivamente ao autor e ao réu, um ónus. Se este não for observado no
articulado respectivo, poderá o juiz convidar a parte a suprir a falta, no momento do despacho
pré-saneador (art.90º/2). A inobservância desse ónus pode vir no ato da sua produção
(art.415º). Por fim, cabendo ao juiz apreciar a prova, as partes têm o direito de, antes da
apreciação final, isto é, antes da decisão sobre a matéria de facto (hoje, integrada na sentença
final), se pronunciarem sobre os termos em que ela deve ser feita (art.3º/3). É-lhes assim
facultado, uma vez produzidas todas as provas, discuti-las, pronunciando-se sobre a matéria
de facto que consideram e aquela que não consideram provada, em debates orais que têm
lugar ainda na audiência (art.604º/3, al. e) e 604º/5).

3.3. Princípio da igualdade de armas


O princípio da igualdade de armas constitui, tal como o do contraditório, manifestação
do princípio, mais geral, da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas
posições perante o tribunal. No que particularmente lhe respeita, impõe o equilíbrio entre as
partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem
para apresentar e fazer vingar as respectivas teses. Próximo do princípio constitucional da
igualdade e não discriminação (art. 13º CRP), o princípio da igualdade de armas impõe um
“estatuto de igualdade substancial das partes (art. 4º) e deve jogar igualmente, no caso de
pluralidade de autores ou de réus, entre os vários sujeitos litisconsorciados ou coligados.

No CPC de 2013,o princípio da igualdade das armas não é tido em conta na norma do
art.511º, que limita a 10 (ou 5, nas acções de valor até à laçada do tribunal da 1ª instância) o
número de testemunhas que todos os autores, ainda que me coligação, podem oferecer, mas
admite 10 testemunhas por cada réu que apresente contestação separada. A desigualdade já
existia no CPC de 1961, mas esbatida pelo facto de o limite ser aí até 20 testemunhas (10 no
processo sumário).Com a redução a metade, torna-se mais nítida. É-o ainda mais quando se
tenha em conta que passou a ser negada ao autor, com o novo código, a faculdade de chamar
à intervenção principal litisconsortes voluntários ativos, enquanto o réu pode chamar terceiros
a integrar com ele o lado passivo da relação processual (art.316º): também o chamado, se
intervier com novo articulado de contestação (art.319º/3), passa a ter faculdade de designar
mais 10 (ou 5) testemunhas. O juiz pode corrigir a desigualdade sempre que ela
concretamente se verifique (art.511º/4), mas a lei propicia-a.

3.4. Direito à comparência pessoal

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

Em casos em que o carácter ou o comportamento pessoal de uma das partes contribua


directamente para formar a opinião do tribunal sobre um ponto importante de litígio, o direito
ao processo equitativo implica o direito à comparência pessoal da parte a fim de ser ouvida.

No novo código, é, porém, criado um novo meio de prova: a prova por declarações de
parte (art. 466º). É facultado à parte requerer, até ao início das alegações orais em 1ª
instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou
de que tenha conhecimento direto. Trata-se, pois, dum meio de prova de cuja produção se
pode vir a ter apenas conhecimento no decorrer da audiência. Se a outra parte estiver
presente ou representada, poderá igualmente usar dessa faculdade. Mas, não estando, tem de
lhe ser dado conhecimento (pessoalmente, se tiver advogado constituído) da pretensão da
outra parte, a fim de, ela também, se oferecer, se quiser, para prestar declarações, uma vez
que não tem o dever nem o ónus de estar presente e não é uma hipotética iniciativa da parte
contrária que lhe pode criar esse ónus.

3.5. A licitude da prova


Em sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de
meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se
formaram ou obtiveram por processos ilícitos.

3.6. Dever de fundamentação


O dever de fundamentação das decisões decorre directamente do art. 205º/1 CRP (“as
decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma
prevista na lei”). Em decorrência do preceito constitucional, a fundamentação nunca pode, em
primeiro lugar, ser dispensada na sentença, tanto na parte em que constitui a decisão sobre a
matéria de facto, que na parte em que julga de direito, aplicando as normas jurídicas aos
factos nela própria julgados provados.

Ao declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, o julgador deve
analisar criticamente as provas e especificar motivadamente as que considera decisivas para a
sua convicção, formada normalmente por ilações tiradas de factos instrumentais, e as que têm
valor probatório fixado por lei (art. 607º/3 e 4). Na aplicação do direito aos factos assim
provados, o julgador deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas (art. 607º/3). Há
assim lugar a uma dupla fundamentação – de facto e de direito. A falta de fundamentação da
decisão de facto pode, em caso de recurso, dar lugar à baixa do processo à 1ª instância para o
efeito de a obter (art 662º/1/d). A falta de fundamentação da sentença gera nulidade (art.
615º/1/b). Mas, em segundo lugar, o preceito constitucional vai mais longe, estendendo-se a
qualquer a decisão duma controvérsia ou dúvida levantada (art. 154º/1).

3.7. O princípio da publicidade


De acordo com o preceito do art. 206º da CRP, repetido no art. 606º/1 CPC, as audiências
dos tribunais são públicas. A exigência consta igualmente do art.10º da Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Pela publicidade realiza-se a transparência da função jurisdicional, a fim de evitar o arbítrio


do secretismo e permitir o controlo público da boa administração da justiça. Razões
particulares do caso concreto podem, porém, permitir exceções: o tribunal pode afastar a
publicidade da audiência, desde que faça fundamentadamente e para salvaguarda da
dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.

23
INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

O princípio da publicidade manifesta-se ainda no direito de acesso ao processo, isto é, de o


examinar e consultar na secretaria e de obter cópias ou certidões de quaisquer peças nele
incorporadas, direito esse que o art. 163º/2 concede, para além das partes, a qualquer pessoa
capaz de exercer o mandato judicial (cf. arts. 40º/1 e 2, e 42º) e a quem nisso revele interesse
atendível.

4. O prazo razoável
O entendimento do direito de acesso à justiça como direito efectivo à jurisdição implica
ainda que a resposta judicial à pretensão deduzida tenha lugar em prazo razoável, pois uma
decisão ou providência executiva tardia pode equivaler à denegação de justiça. Constitui
denegação de justiça a falta de resposta à pretensão, isto é, na acção declarativa a não
pronúncia da decisão de mérito.

O art. 6º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem exige que a causa proposta
seja examinada em prazo razoável, preceito que se encontra no art. 2º/1 do CPC, e que veio a
ser consagrado no art. 20º/4 da CRP em 1997 (“Todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável”).

O prazo razoável conta, em processo civil, desde a data da propositura da acção até ao
termo do processo, mas pode mostrar-se excedido no decurso deste, nomeadamente quando
ele se mantenha por um período significativo completamente parado. A sua duração só em
concreto pode ser apreciada, tidas em conta as circunstâncias do caso, sendo de atender,
designadamente, à complexidade da causa, aos interesses em jogo e à contribuição que as
partes possam ter dado para a demora do processo.

A duração dos processos judiciais nos tribunais portugueses ultrapassam frequentemente


o prazo razoável. O CPC de 2013 dá um passo importante no sentido da responsabilização de
magistrados e funcionários judiciais, ao determinar que o órgão com competência disciplinar
seja mensalmente informado dos casos, discriminados, em que se mostrem decorridos:

a) Três meses sobre o termo do prazo para a prática de ato próprio do juiz, sem prejuízo
de este dever consignar no processo a razão concreta da inobservância (arts. 150º/4 e
5);
b) Dez dias sobre o termo do prazo para a prática de ato próprio de secretaria, sem
prejuízo de esta dever abrir conclusão do processo com indicação da razão concreta da
inobservância do prazo (art. 162º/4 e 5).

5. Princípio da legalidade do conteúdo da decisão


5.1. Jura novit curia
Decorre do art. 203º da CRP a sujeição dos tribunais à lei, sem prejuízo de
constitucionalidade da norma jurídica que lhes compete formular (art.204º CRP). Tem, por
isso, o juiz, na decisão final, de “indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas
correspondentes” aos factos previamente considerados provados (art.607º/3).

Na indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, o juiz não está sujeito às
alegações das partes (art.5º/2), o que usa exprimir-se com o brocardo latino jura novit curia.

Este conhecimento oficioso da norma jurídica tem como limite os casos em que a lei
substantiva torna dependente da vontade do interessado a invocação dum direito ou duma
exceção, bem como aqueles em que a lei processual coloca a exclusiva disponibilidade da
parte a invocação da falta de um pressuposto (art.578º), do vício duma ato processual

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
JOSÉ LEBRE DE FREITAS

(art.197º) ou da extinção dos efeitos dum ato (cf. art.763º/1, para a penhora). Trata-se de
casos em que a declaração do interessado constitui um elemento da previsão da norma, sem o
qual o seu efeito não se produz.

Por outro lado, o conhecimento oficioso da norma jurídica está dependente da


introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o
plano de factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio do
dispositivo, e o plano de direito, em que a soberania pertence ao juiz, sem prejuízo ainda, no
que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever no domínio
definido pelo objecto.

5.2. A questão jurídica prejudicial


É controvertido na doutrina o problema de saber se, não obstante o princípio da
legalidade do conteúdo da decisão, as partes podem dispor sobre a solução de questões
jurídicas prejudiciais.

É questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão
de mérito, quer esta necessidade resulte da configuração da causa de pedir, quer da arguição
ou existência duma exceção (perentória ou dilatória), quer ainda do objecto de incidentes em
correlação lógica com o objecto do processo, e seja mais ou menos direta a relação que ocorra
entre essa questão e a pretensão ou o thema decidendum.

Podem as partes, no âmbito do direito disponível, dispor das situações jurídicas objecto da
pretensão, mediante a celebração de negócios de autocomposição do litígio.

6. Princípio do dispositivo
6.1. Disponibilidade da tutela jurisdicional e responsabilidade pela matéria
de facto
O processo civil tem na sua base um conflito de interesses privados, por objecto
pretensões formuladas com fundamento no direito privado e por função a composição
daquele conflito mediante a garantia dos direitos e interesses tutelados por normas de
direito privado.

No âmbito do direito privado, há zonas de direito indisponível, maxime no ramo do


direito de família. Mas, fora dessas zonas, domina o princípio da autonomia da vontade,
caracterizado pela regulação dos interesses em jogo por ato dos próprios titulares.

Na conceção liberal do processo liberal do processo civil, dominante no séc. XIX, o juíz
era reduzido ao papel de árbitro dum jogo que, com determinadas regras, se desenrolava
entre as partes e o princípio do dispositivo exprimiria a possibilidade que estas tinham de
dispor do processo, em termos equivalentes àqueles em que lhe era lícito dispor da relação
jurídica material. Esta conceção está hoje ultrapassada por uma outra que passa pela
atribuição de mais poderes ao julgador e pela exigência da cooperação entre o tribunal e as
partes, como meios preferenciais para alcançar a verdade e, com base nela, realizar o direito.
O princípio do dispositivo continua, porém, a constituir um dos princípios basilares do direito
processual civil. Nele se distinguem, rigorosamente, dois princípios processuais: o princípio do
dispositivo propriamente dito e o princípio da controvérsia.

O princípio do dispositivo (stricto sensu) traduz-se na liberdade de decisão sobre a


instauração do processo, sobre a conformação do seu objecto e das partes na causa e sobre o
termo do processo, assim como, muito mitigadamente, sobre a sua suspensão. É, grosso

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
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modo, redutível à ideia de disponibilidade da tutela jurisdicional, por sua vez distinguível em
disponibilidade da instância em si mesma (disponibilidade do início, do termo e da suspensão
do processo) e disponibilidade da conformação da instância (disponibilidade do objecto e das
partes).

O princípio da controvérsia traduz-se na liberdade de alegar os factos destinados a


constituir fundamento da decisão, na de acordar em dá-los por assentes e, em certa medida,
na iniciativa da prova dos que forem controvertidos. É, grosso modo, redutível à ideia de
responsabilidade pelo material fáctico da causa.

6.2. A disponibilidade da instância


Ao autor cabe solicitar a tutela jurisdicional, sem que o tribunal se lhe possa substituir
neste impulso processual inicial (art. 3º//1).

A partir da proposição (ou propositura) da acção, cabe ao juiz providenciar pelo


andamento do processo, mas podem preceitos especiais impor às partes (ao autor ou ao
reconvinte) o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja
omissão impeça o prosseguimento da causa (art. 6º/1).

Com a proposição (ou propositura) da acção constitui-se a instância (art. 259º/1), como
relação jurídica entre o autor (solicitante da providência jurisdicional) e o tribunal (a quem a
solicitação é dirigida).

6.3. A conformação da instância

Ao propor a acção, o autor formula o pedido, determinado formalmente pela


providência requerida e materialmente pela afirmação duma situação jurídica, dum
efeito querido ou dum facto jurídico, e fundado, de acordo com a imposição da
substanciação, numa causa de pedir, assim conformando o objecto do processo. Mas
este objecto inicial pode ser ampliado pela dedução de pedido do réu contra o autor
(reconvenção: art.266º) e alterado ou ampliado, por acordo das partes, em qualquer
momento do processo, em 1ª ou em 2ª instância (art.264º). Pode ainda qualquer das
partes reduzir o seu pedido em qualquer altura (desistência parcial: art.283º/1), ou
ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância (isto é, até ao fim dos
debates a que se refere o art.604º/3/e) quando a ampliação for desenvolvimento ou
consequência do pedido primitivo (art.265º/2). Pode também o autor, até ao
encerramento da discussão em 1ª instância, pedir a condenação do réu a pagar-lhe
uma renda vitalícia ou temporária, em alteração do pedido inicial de condenação em
quantia certa (art.265º/5). O juiz tem de se ater, na decisão, ao objecto do processo
assim definido pelas partes, não podendo “condenar em quantidade superior ou em
objeto diverso do que se pediu” (art.609º/1), sob pena de nulidade da sentença
(art.615º/1/e).

Na petição inicial, o autor identifica também o réu (art.552º/1/a). Podendo


qualquer das partes vir, na pendência da causa, a ser substituída em consequência de
sucessão mortis causa ou de transmissão inter vivos do direito litigioso (art.262º/a), só
às partes ou ao sucessor ou adquirente cabe requerer a habilitação deste (arts.351º/1
e 356º/2). Pode ainda ocorrer a intervenção superveniente, espontânea ou provocada
por alguma das partes, de terceiro que passa a ocupar, ao lado do autor ou do réu
primitivo ou em posição autónoma perante ambos, a posição de parte, principal ou

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
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acessória, na causa. Em nenhum destes casos pode o tribunal tomar a iniciativa de


chamar o terceiro para intervir. Excetua-se apenas o Ministério Público, que, quando
deva tomar a posição de parte acessória, é para o efeito notificado (art.325º/1). O juiz
pode – e deve – apenas convidar as partes à prática dos atos necessários à modificação
da instância, quando sejam necessários à regularização dela (art.6º/2).

É, portanto, monopólio das partes a conformação da instância, nos seus


elementos objectivos e subjectivos.

6.4. A formação da matéria de facto


6.4.1. Factos principais
Às partes – e só a elas – cabe alegar os factos principais da causa, isto é, os que
integram a causa de pedir e os que fundam as exceções (art.5º/1). A alegação de uns e outros
é feita nos articulados (art.141º/1), incluindo não só os articulados normais (necessários e
eventuais) do processo (petição, contestação, réplica: arts.555º/1/d, 572º/c, 583º/1,
584º/1/2), mas também o articulado superveniente (art.588º/1).

Desde a revisão do CPC de 1961, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar os


articulados, designadamente quando contenham insuficiências ou imprecisões na exposição
da matéria de facto; mas, não podendo substitui-las na introdução dos factos em causa, à
parte convidada cabe apresentar novo articulado em que complete ou corrija o inicialmente
produzido, produzindo assim nova alegação dos factos (hoje: arts.590º/2 e, al.b), 590º/3 e
591º/1/c).

Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, a
falta de alegação dos factos constitutivos do direito do autor, gerando a falta ou a deficiência
da causa de pedir, dá lugar à absolvição do réu, ao passo que a falta de alegação dos factos
impeditivos, modificativos ou extintivos em que se funda a exceção ou a contraexceção
deduzida, gerando a improcedência desta, faz precludir a possibilidade de a fazer valer,
podendo dar lugar à condenação do réu no pedido. Cada uma das partes tem assim o ónus da
alegação dos factos cujo efeito lhe é favorável.

6.4.2. Factos de conhecimento oficioso


A. O monopólio da alegação dos factos principais da causa tem, de acordo com o
art.52º/c, as exceções constantes dos arts.412 (facto notório e facto de que o tribunal
conhece no exercício das suas funções) e 612 (simulação do litígio).
B. Por facto notório entende-se um facto do conhecimento geral, isto é, um facto
conhecido ou facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas de determinada
esfera social, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência.

No domínio do processo civil, a esfera civil que o caracteriza tem de abranger as partes e o
juiz da causa. A concretização do conceito varia assim consoante a localização do litígio,
considerados os sujeitos do processo: um facto notório em Bragança não o é necessariamente
em Portugal inteiro; um facto notório em Portugal pode não o ser em França ou no Japão.

São factos notórios os historicamente estabelecidos. Embora o âmbito da notoriedade


apereça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de
massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela
imprensa, rádio ou televisão, pois se pode, mesmo assim, duvidar da sua ocorrência.

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INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL – CONCEITO E PRINCÍPIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO
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A notoriedade do facto pressupõe que seja indiscutível ter-se verificado, de tal modo que
se torna, uma característica do próprio facto. Daí deriva que, uma vez estabelecida a
notoriedade, o facto em si não carece de prova e é insusceptível de prova contrária.

O facto notório não se confunde com as máximas de experiencia de que o juiz se serve nas
operações de prova, dado o caracter indirecto que esta normalmente reveste. As máximas de
experiencia, necessárias ao raciocínio dedutivo que caracteriza a presunção, revestem
natureza geral, ao passo que o facto notório é um facto concreto de conhecimento geral. No
entanto, as máximas de experiencia estão sujeitas ao mesmo regime dos factos notórios no
que se refere à dispensabilidade de prova e à inadmissibilidade de prova contrária.

C. Não é pacífico o entendimento do que seja o facto de que o tribunal tem


conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Na melhor interpretação, o art.412º/2 constitui manifestação do princípio geral da
eficácia do caso julgado (art.619º/1) ou do valor extraprocessual das provas (art.421).
Se no mesmo tribunal tiver corrido um processo do qual o atua constitui repetição
(art.580º/1), o juiz deve servir-se desse facto, de que tem conhecimento funcional,
para julgar verificada a exceção do caso julgado (art.577º/i); mas já não pode
introduzir no processo o facto de aquela causa ter corrido noutro tribunal, no que está
sujeito à alegação das partes. Se no mesmo tribunal tiver sido proferida, em causa
diversa, mas desfavoravelmente à mesma parte, uma decisão de facto baseada em
depoimentos ou arbitramentos produzidos em audiência contraditória e sem menores
garantias processuais, pode o juiz servir-se, no segundo processo, dos factos que assim
foram provados no primeiro.
Constitui, além disso, facto de conhecimento oficioso o da pendência da
litispendência (arts.577º/i, 579º e 580º/1) ou justificar a suspensão da causa por
prejudicialidade.

D. De acordo com o art.612º, deve o juiz anular o processo quando verifique que entre as
partes foi simulado o litígio para fim de simulação ou fraude processual. Esta
verificação importa o conhecimento dos factos constitutivos do desvio da função
processual praticada.

6.4.3. Factos instrumentais


Estas regras são inaplicáveis aos factos instrumentais que, por natureza, não carecem
de alegação e por isso são oficiosamente considerados decisão de facto (art.5º/2/a).

Diversamente dos factos principais, não constituem condicionantes diretas da decisão.


A sua função é, antes, a de permitir atingir a prova dos factos principais.

A prova só é direta quando o julgador é diretamente confrontado com o facto principal


a provar. Pode isso acontecer na prova por inspecção judicial, mas todos os outros meios de
prova constituem prova indirecta: através deles, chega-se à realidade do facto principal por
dedução, também por forma mais ou menos direta, da realidade de outros factos, de acordo
com regras da experiencia humana que têm na sua base uma convenção social ou uma lei
natural. Os factos que servem de base a essa dedução dizem-se factos probatórios e aqueles
que, jurídica ou naturalmente, permitem ou vedam ao juiz tirar da realidade dos factos
probatórios a conclusão acerca da realidade dos factos principais, ou aumentam ou diminuem
a probabilidade dessa conclusão, dizem-se factos acessórios. Uns e outros constituem a
categoria dos factos instrumentais.

6.5. O acordo sobre os factos da causa

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Não pode, em rigor, dizer-se que as partes têm o poder de disposição dos factos que
introduzem no processo, afirmação esta que implicaria o direito à mentira no processo civil,
que as normas que sancionam a má fé processual demonstram não existir. Nomeadamente, a
figura da admissão, embora a seu propósito a lei fale de acordo das partes (arts. 574º/2 e
607º/4), baseia-se na regra da experiência segundo a qual, na generalidade dos casos, à
manifestação de desinteresse em impugnar uma afirmação corresponde a verdade desta. As
partes são responsáveis pela constituição do material fáctico do processo, mas este não está
sob o seu domínio.

6.6. Princípio do inquisitório


A prova dos factos da causa deixou, no processo civil hodierno, de constituir monopólio
das partes: de acordo com o art. 411º, o juíz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente
as diligências necessárias ao apuramento da verdade. Trata-se do princípio do inquisitório, que
constitui o inverso do princípio da controvérsia: ao juíz cabe, no campo da instrução do
processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade
respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias,
facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados (art. 417º/1).

A revisão de 1995 – 1996 do CPC de 1961 acentuou um pouco mais o princípio do


inquisitório (em termos que o CPC de 2013 mantém), que a lei anteriormente vigente suprimia
ou limitava quanto a determinados meios de prova: o juíz continuou a poder amplamente
determinar a junção de documentos ao processo, que estejam em poder da parte contrária, de
terceiro ou de organismo oficial (art. 436º), assim como ordenar a realização da prova pericial
(arts. 477º e 487º/2, este relativo à segunda perícia; cf. também o art. 468º/1/a), e só ele pode
decidir efectuar inspecção judicial (art. 490º/1), inquirir testemunhas no local da questão (art.
501º) e ouvir as pessoas que entenda, ou ordenar outras diligências probatórias ainda após as
alegações sobre a matéria da causa (art. 607º/1); mas só a partir de 1995-1996 passou a ter
iniciativa do depoimento de parte (art.452º/1), até então de exclusiva iniciativa das partes (a
parte contrária ou um contraparte do depoente), e a ter o dever de ordenar o depoimento
testemunhal de pessoa que haja razões para presumir, no decurso da acção, que tem
conhecimento de factos importantes para a decisão da causa (art. 526º/1), quando até então
tinha o poder discricionário de o fazer só quando a inquirição de outra pessoa tornasse
manifesto o interesse do depoimento.

Não obstante esta possibilidade na prática forense atá hoje pouco utilizada, quase todas as
provas são requeridas pelas partes, no momento processual em que tal lhes é facultado. Sendo
seus os interesses em jogo, cada uma das partes tem o ónus da prova dos factos cujo efeito lhe
é favorável.

Este ónus, paralelo ao da alegação, dele diverge por, no campo da prova, o tribunal ter
poderes de iniciativa que lhe estão vedados no campo da alegação.

De qualquer modo, o ónus da prova só em princípio repousa nas mesmas regras


distributivas do ónus da alegação, pois tal deixa de acontecer quando se dá a sua inversão
(arts. 344º CC e 345º/1 CC), isto é, quando passa a caber à parte contrária àquela que com ele
estava originariamente onerada, por disposição da lei (presunção ou dispensa legal) ou, no
campo do direito disponível, por convenção das partes; a inversão do ónus da prova não
dispensa nunca o ónus da alegação, pelo que não está dispensado de os alegar aquele a quem,
nos temos do art. 342º CC, aproveitam os factos não carecidos de prova.

7. Princípio da preclusão e da autorresponsabilidade das partes

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Vimos como princípio do dispositivo, na vertente do princípio da controvérsia, se baseia, já


não na disponibilidade do processo pelas partes, mas na responsabilidade destas na recolha do
material fáctico do processo e, limitadamente, na sua prova. Esta ideia de responsabilidade
tem, porém, um âmbito de aplicação processual mais vasto.

Diversamente da responsabilidade civil, que é uma responsabilidade para com terceiros,


essa responsabilidade deve ser entendida como responsabilidade das partes para consigo
mesmas, isto é, como autorresponsabilidade. Daí, a necessária articulação do conceito com o
ónus, como situação jurídica que implica a necessidade de certa conduta própria para atingir
um resultado, que tanto pode consistir na não produção duma desvantagem como na
produção duma utilidade ou vantagem para o titular.

Consideremos, no nosso direito, o caso da contestação: o réu tem, por um lado, o ónus de
contestar e o de impugnar e, por outro, o de deduzir todas as exceções que, não sendo de
conhecimento oficioso, tenha contra a pretensão do autor (art.573º). A inobservância de
qualquer deste ónus dá lugar a preclusões (de contestar, de impugnar, de excepcionar); mas
nos dois primeiros casos joga também, em princípio, a cominação da prova imediata dos factos
alegados na petição inicial, enquanto no último o réu apenas perde a possibilidade de, através
da prova do fundamento da exceção, vir a conseguir a sua absolvição, da instância ou do
pedido.

Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com


referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar
dentro de prazos peremptórios. Por prazo peremptório entende-se, aquele cujo decurso
preclude a possibilidade de praticar o ato (art.139º/3), sem prejuízo do justo impedimento, isto
é, da ocorrência de caso fortuito ou de força maior que obste à prática atempada do ato
(art.140º/1). Todos os prazos para a prática de atos de parte, sejam estabelecidos por lei ou
fixados pelo juiz (art.138º/1), são, em princípio, salvo se forem dilatórios (art.139º/2), prazos
peremptórios, só prorrogáveis, salvo disposição especial, por acordo das partes, por uma só
vez e por período, no máximo, igual ao primitivo (art.141º/2). As partes têm assim o ónus de
praticar os atos que devam ter lugar em prazo peremptório, sob pena de preclusão e, nos caos
indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na
consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato. A
autorresponsabilidade pode também exprimir-se na mera possibilidade de consequências
probatórias desfavoráveis da omissão, por via da formação da convicção judicial: tal acontece
quando a lei remete para o julgador a livre apreciação do comportamento omissivo da parte,
que, notificada para depor ou prestar informações ou esclarecimentos, não comparece ou se
recusa a depor, informar ou esclarecer (art.357º/1 CC e 417º/2) ou, notificada para apresentar
um documento, não o faz (art.430º), casos estes em que, não operando uma preclusão nem
uma cominação automática, dificilmente se poderá continuar a falar de ónus em sentido
próprio.

8. Princípio da cooperação
8.1. O dever de cooperar
Revestindo embora o ónus, no direito processual civil, uma importância muito maior
de que no direito civil, onde impera o direito subjectivo e o dever (genérico ou específico) de
conduta, não deixam as partes de estar também sujeitas no processo a deveres processuais,
tais como o de boa fé processual (art.8º), o de cooperação (art.7º e 417º), o de apresentar
documentos (art.430º), o de recíproca correcção (art.269º). Também os terceiros
intervenientes acidentais têm deveres para com o tribunal (cf. arts. 417º, 432º a 434º, 436º e
437º, 469º/1, 497 a contrario). A violação destes deveres dá lugar a sanções pecuniárias

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(obrigação de indemnizar, condenação em multa), não confundíveis com os efeitos da


inobservância dos ónus processuais, mesmo quando dever e ónus tenham a mesma conduta
por objecto.

Partes e juízes devem cooperar entre si para que o processo realize a sua função em
prazo razoável (“para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”: art.
7º/1). O apelo à realização da função processual aponta para a cooperação dos intervenientes
no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela,
se obter a adequada decisão de direito. O apelo ao prazo razoável aponta para a sua
cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as condições para que essa
decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo.
No primeiro sentido, poder-se-á falar duma cooperação em sentido material; no segundo,
duma cooperação em sentido formal.

8.2. Cooperação material


De cooperação em sentido material tratam o art.417º e os nº 2 e 3 do art.7º.

O art. 417º/1, colocado em sede de instrução do processo, faz recair sobre as partes –
também sobre terceiros, para tanto solicitados pelo tribunal – o dever de prestarem a sua
colaboração para a descoberta da verdade, facultando objectos que constituam meios de
prova (documentos ou monumentos: arts. 428 a 431º e 416º), submetendo-se elas próprias à
inspecção judicial e ao exame pericial, prestando depoimento de parte (art.452º) e praticando
os demais atos que o tribunal determine. Este dever tem, porém, de acordo com o art.417º/3,
dois limites: o respeito pelos direitos fundamentais (nomeadamente, o direito à integridade
pessoal, o direito à reserva da vida privada e familiar e o direito à inviolabilidade do domícilio,
da correspondência e dos outros meios de comunicação privada: arts. 25º/, 26º/1 e 34º/1 CRP)
e o respeito pelo direito ou dever de sigilo (sigilo profissional ou dos funcionários públicos, ou
segredo de Estado).

Por sua vez, o art. 7º/2, colocado no campo dos princípios gerais, consagra o poder de,
em qualquer altura do processo, o juiz ouvir as partes, seus representantes ou mandatários,
pedindo-lhes esclarecimentos sobre a matéria de facto ou sobe a matéria de direito da causa.

8.3. Cooperação formal


Da cooperação em sentido formal trata o art.7º/4, assim como o art. 151º.

O art. 7º/4 impõe ao juiz o dever de providenciar pelo suprimento de obstáculos com
que as partes se defrontem na obtenção de informação ou documento necessário ao exercício
duma faculdade, à observância dum ónus ou o cumprimento dum dever processual. Assim, por
exemplo, se, falecida uma parte, o autor invocar dificuldade séria em identificar os seus
herdeiros ou em provar a qualidade destes, deve o juiz notificar o corréu ou um terceiro
familiar do falecido para que preste as informações necessárias à observância do ónus de
requerer a habilitação para poder, seguidamente, prosseguir a causa (art. 270º e 351º/1).

Manifestação do princípio da cooperação em sentido formal, tal como ele resulta do


art. 7º/1, constituem ainda os nºs 1 a 3 do art. 151º (marcação de diligências por acordo com
os mandatários judiciais), bem como os nºs 4 e 5 do art. 155º (comunicação imediata de
impedimento de mandatário ou do juiz para a diligência) e o art. 6º do mesmo artigo
(comunicação pelo juiz de atraso no início da diligência).

8.4. Sua importância

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A progressiva afirmação do princípio da cooperação, considerado uma trave mestra do


processo civil moderno, tem levado a falar duma comunidade de trabalho entre as partes e o
tribunal para a realização da função processual.

9. Princípios da imediação, oralidade e concentração e princípio da livre


apreciação da prova
9.1. Imediação
O julgador da matéria de facto deve ter o contacto mais direto possível com as pessoas
ou coisas que servem de fontes de prova e estas, por sua vez, devem estra na relação mais
direta possível com os factos a provar.

O primeiro enunciado postula que os atos de produção da prova constituenda tenham


lugar perante o tribunal, ao qual compete apreciar a prova e pronunciar-se,
consequentemente, sobre os factos provados e não provados (art. 607º/3 e 4), só se
exceptuando os casos em que a produção de prova deva ter lugar em tribunal diferente do da
causa, por via de expedição de carta precatória ou rogatória (art.172º/1), aqueles em que haja
lugar à produção antecipada de depoimento perante juiz diverso do da causa (art. 419º e
420º/2) e ainda aqueles em que a natureza do meio probatório implique que a produção tenha
lugar antes da audiência ( é o caso da prova pericial: cf. arts. 478º a 485º). Neste último caso,
porém, o princípio da imediação exige que os peritos estejam presentes perante o tribunal que
vai julgar a matéria de facto, para a prestação de esclarecimentos das respostas aos quesitos
que entretanto deram, pelo menos quando o juiz ou as partes o entendam necessário (art.
486º).

O segundo enunciado postula que, quando esteja disponível uma fonte de prova que
implique menos ilações no iter probatório, a ela se deve recorrer, em vez de a uma outra mais
distante do acto fundamental a provar. Assim, por exemplo, não está excluída a inquirição da
chamada “testemunha de ouvir dizer”, mas o depoimento daquela de quem ela ouviu o relato
de factos a provar tem maior valor probatório.

9.2. Oralidade e concentração


Instrumentais relativamente ao princípio da imediação são os da oralidade e da
concentração.

O primeiro implica que a produção dos meios de prova pessoal tenha lugar oralmente,
perante os julgadores da matéria de facto, sem prejuízo da sua gravação em registo adequado
para efeito de reprodução, sempre que necessário, em 1ª instância (antes da decisão de facto)
e no tribunal da relação (para os efeitos do art. 662º). Tem as mesmas exceções do que o
princípio da imediação.

O segundo implica que os atos de instrução e de discussão se façam seguidamente,


com o menor intervalo de tempo entre eles. Sempre com as mesmas exceções, deverão ter
lugar numa mesma audiência final (art. 599º) e esta deve ser contínua (arts. 60º/2 a 4).

9.3. A livre apreciação da prova


Em ligação com os anteriores, o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador
deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no
confronto com os vários meios de prova.

9.4. Certeza e verosimilhança

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No âmbito do princípio da livre apreciação da proa, não é exigível que a convicção do


julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza,
raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente
probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349º e
351º CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir,
nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez de convicção, se
forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do
confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova
oposta pela parte contrária (art. 346º CC), o facto não pode ser dado como provado, em
prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte a
quem o facto aproveitaria (art. 414º).

9.5. Plenitude da assistência dos juízes


Em derivação do princípio da livre apreciação da prova, a decisão de facto só pode ser
dada pelo juiz (ou colectivo de juízes) que tenha assistido a todos os atos de instrução e
discussão praticados na audiência final (princípio da plenitude da assistência dos juízes: art.
605º).

10. Princípio da economia processual


10.1. Noção geral
O resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios. Esta
economia de meios exige que cada processo, por um lado, resolva o maior número possível de
litígios (economia de processos) e, por outro, comporte só os atos e formalidades
indispensáveis ou úteis (economia de atos e formalidades).

10.2. Economia de processos


10.2.1. Suas manifestações
A exigência da economia de processos explica as disposições que permitem o
litisconsórcio inicial, a cumulação de pedidos, o pedido subsidiário, a ampliação do pedido e
da causa de pedir, a reconvenção e os incidentes de intervenção de terceiros. (Todas estas
figuras dizem respeito à configuração e à modificação da instância).

Todas elas são normas permissivas: as partes podem ou não, de acordo com o
princípio do dispositivo, formular no mesmo processo todos os pedidos que a lei permite que
sejam deduzidos e fazer ou não citar para a causa, inicial ou posteriormente, todos os titulares
da relação jurídica material que não tenham de ser obrigatoriamente parte na causa. Mas, se
não o fizerem e forem propostas separadamente, perante o mesmo juiz, ações que podiam ter
sido reunidas no mesmo processo, o juiz poderá determinar oficiosamente a apensação de
todas elas (art.267º/4), sem prejuízo de as partes poderem requerê-la, mesmo que pendam
perante juízes diversos (art.267º/1).

10.2.2. O litisconsórcio
A configuração subjectiva mais simples da instância consiste na existência de um autor
e um réu (além do tribunal). Frequentemente, porém, a instância constitui-se entre vários
autores ou (e) vários réus. É o que acontece, em primeiro lugar, no caso de litisconsórcio: o
mesmo pedido é formulado ou (e) contra várias partes, dando lugar, respectivamente, ao
litisconsórcio ativo ou (e) ao litisconsórcio passivo.

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JOSÉ LEBRE DE FREITAS

O litisconsórcio é necessário quando a lei, o negócio jurídico ou a própria natureza da


relação controvertida exige a intervenção – ou citação – de todos os interessados (art.37º). É
o caso, por exemplo: da acção para o exercício de direito de preferência com vários titulares
(art.419º/1 CC); da acção de cumprimento de obrigação objectivamente indivisível com
pluralidade de devedores (art.535º CC) e, por extensão, da proposta contra compossuidores,
comproprietários ou herdeiros em comunhão hereditária; da acção de exercício de direitos de
compropriedade ou relativos a herança por partilhar, desde que não seja de reivindicação
(arts.1405ºCC e 2091º/1 CC); da acção de declaração da nulidade ou de anulação de negócio
jurídico, a propor contra todos os que o celebraram; da acção de que resulte perda ou
oneração de bens que só por ambos os cônjuges podem ser alienados ou perda de direitos que
só por ambos podem ser exercidos ou ainda, do lado passivo, da que emerja de facto por
ambos praticado (art.34º).

O litisconsórcio é voluntário quando a lei deixa na disponibilidade das partes a sua


constituição, de tal modo que, se não se constituir e apenas um ou alguns dos interessados na
procedência ou improcedência do pedido for parte na acção, o tribunal conhece apenas “a
respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade” (art.32º/1). É o que acontece na
obrigação parciária ou conjunta, a menos que a lei ou o negocio jurídico permita que o direito
seja exercido por um só ou contra um só dos interessados (art.37º/2), como é o caso da
obrigação solidária (art.512º/1 CC), da obrigação objectivamente indivisível com pluralidade de
credores (art.538º/1 CC) e de certas situações de contitularidade como a compropriedade
(art.1405º/2 CC), a composse (art.1286º/1 CC) ou a comunhão hereditária (art.2078º/1 CC). O
art.39º expressamente admite a constituição de litisconsórcio mediante a dedução do mesmo
pedido a título principal contra um réu e a título subsidiário contra outro.

No litisconsórcio necessário, há uma só acção e duas partes, das quais uma, pelo
menos, plural; mas no litisconsórcio voluntário, tal como aliás na coligação, há várias acções e,
portanto, várias partes ocupando o mesmo lado da relação jurídica processual (art.35º). No
primeiro, a intervenção – ou citação – das partes é essencial à regularidade da instância no
aspeto da legitimidade, de tal modo que, quando falta, a parte é ilegítima; mas, para se poder
aproveitar a acção proposta, é facultado au autor o chamamento à intervenção principal do
sujeito em falta, mesmo depois de, com esse fundamento, o réu ter sido absolvido da
instância.

No litisconsórcio voluntário, ao invés, a autonomia de cada uma das partes


litisconsorciadas leva a que, em oposição ao que acontece no litisconsórcio necessário, a falta
de citação de um dos réu não anule os atos subsequentes (art.190º/b), cada parte possa
livremente desistir do pedido, confessar o pedido ou transigir (art.288º/1), o recurso
interposto por uma das partes vencidas não aproveite, em princípio, às restantes (art.634º/3 a
contrario) e o recorrente possa excluir do recurso alguma das partes vencedoras (art.635º/1).

10.2.3. Cumulação de pedidos e pedido subsidiário


A cumulação de pedidos pode ser simples (art.555º); mas pode também combinar-se
com a pluralidade de partes, gerando então a coligação (art.36º).

A cumulação simples tem lugar quando o mesmo autor (ou os mesmos autores
litisconsorciados) deduz (ou deduzem) contra o mesmo réu (ou os mesmos réus
litisconsorciados) mais de um pedido. A sua admissibilidade do ponto de vista material exige
tão-só que os pedidos sejam entre si compatíveis (art.555º/1), sob pena de se verificar a
ineptidão da petição inicial.

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JOSÉ LEBRE DE FREITAS

A coligação tem lugar quando os pedidos cumulados não são deduzidos por ou contra
a mesma pessoa (singular ou plural), mas sim discriminadamente deduzidos por ou contra
partes distintas. [Constituem partes distintas uma parte singular e uma parte plural integrada
pelo mesmo sujeito que constitui a primeira.] A sua admissibilidade do ponto de vista material
exige, além da compatibilidade dos pedidos entre si, alguns dos tipos de conexão referidos no
art.36º: mesma causa de pedir (exs: o mesmo contrato; a mesma deliberação social); relação
de dependência entre os pedidos (exs: anulação do negócio de transmissão/ nulidade da
transmissão subsequente; validade de negócio incumprido/ cumprimento da obrigação de
garantia); identidade de factos essenciais integradores das causas de pedir (ex: colisões de
veículos em cadeia); mesmas normas legais ou cláusulas contratuais aplicáveis (exs: várias
vendas de bens defeituosos; idêntica cláusula dum contrato-tipo).

Pode ainda o autor deduzir pedido subsidiário, destinado a ser tomado em


consideração apenas no caso de não proceder o pedido deduzido a título principal. A dedução
de pedido subsidiário é admitida, quer entre as mesmas partes (art.554º), quer, havendo
dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação jurídica material, entre partes distintas, em
coligação (art.39º).

Para que a dedução de pedidos em cumulação ou em subsidiariedade seja admissível,


exige o art.37º/1, com o qual se conjugam os arts. 554º/2 e 555º/1, que não se verifique
nenhum de dois requisitos negativos, sem os quais eles não se consideram processualmente
compatíveis:

a) A incompetência internacional ou em razão de matéria ou da hierarquia para


conhecer qualquer dos pedidos;
b) A correspondência aos pedidos de formas de processo diversas.

10.2.4. Ampliação e alteração do pedido e da causa de pedir

A. Não é só inicialmente que são admitidas a cumulação de pedidos e a dedução de


pedido subsidiário. Também na pendência da causa a lei as admite: a ampliação do
pedido, por acordo das partes (art.264º) ou, unilateralmente, quando for
consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, pode importar a formulação
dum pedido diverso, que assim se cumula com o inicial; com um condicionalismo ainda
mais apertado (acordo das partes ou, unilateralmente, apenas quando, em acção de
indemnização fundada em responsabilidade civil, o autor queira obter a condenação
do réu no pagamento duma renda vitalícia ou temporária, em vez da condenação em
quantia certa inicialmente pedida: arts.264º e 265º/5), a modificação do pedido pode
consistir, já não na sua ampliação (modificação por acrescimento), mas na sua
alteração ou transformação (em vez do pedido inicial, deduz-se outro, suprimindo-se o
primeiro).
B. Fundando-se todo o pedido numa causa de pedir, esta pode também ser modificada,
por alteração ou ampliação: é ampliada quando os novos factos alegados integram
outro facto constitutivo do direito do autor, a valer ao lado do primeiro; é alterada
quando os novos factos integram um facto constitutivo do direito do autor que este
pretende introduzir em substituição do inicial. Fora o caso de acordo das partes (264º),
a alteração e a ampliação da causa de pedir só podem hoje ter lugar quando os novos
factos sejam introduzidos no processo, já provados, em consequência da confissão
feita pelo réu (art.265º/11), ou sejam supervenientes, isto é, tenham ocorrido ou sido
conhecidos depois da petição inicial (art.88º/1).
C. Desde a revisão do CPC de 1961 em 1995-1996, é expressamente admitida a
modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, isto é, a possibilidade de o

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autor introduzir novo pedido, com fundamento em facto constitutivo diverso do


inicial. Em conformidade com o princípio da economia processual, o pedido e a causa
de pedir passaram a poder ser modificados simultaneamente, por ampliação ou
alteração, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da
controvertida (art.265º/6). O que deve entender-se por relação material controvertida
não é isento de dificuldades, dado que, no seu sentido técnico rigoroso, a relação
jurídica tem por conteúdo um direito, cuja afirmação no processo constitui o conteúdo
da pretensão: fora o caso em que o autor deduza uma pretensão que corresponda
apenas a parte do seu direito, a invocação do facto constitutivo do novo direito do
autor implica, a convolação para uma relação jurídica diversa. O preceito deve ser
entendido como possibilitando a modificação simultânea do pedido e da causa de
pedir, não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidam
com factos que integram a causa de pedir originária ou a causa de pedir
reconvencional, ou fundem exceções deduzidas, mas também quando, pelo menos, o
novo pedido se reporte a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira.

10.2.5. Reconvenção
A ampliação do objecto do processo pode ter também lugar por reconvenção, isto é,
por via de pedido dirigido pelo réu contra o autor (art.266º/1).

Para que a reconvenção seja admissível, tem de se verificar algum dos elementos de
conexão com o pedido do autor que vêm indicados no art.266º/2. Além dos casos específicos
da compensação e das benfeitorias e despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida, a
reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de
fundamento à acção ou à defesa e quando através dela o réu pretende obter, em seu
benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor. No primeiro caso, a reconvenção funda-se na
mesma causa de pedir que o pedido do autor, ou nos factos em que o próprio réu funda uma
exceção peremptória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial.
No segundo caso, a causa de pedir reconvencional é diversa da invocada pelo autor, mas a
identidade do efeito jurídico pretendido (por exemplo, a declaração de propriedade sobre o
mesmo bem ou a anulação do mesmo contrato) justifica a admissão do pedido reconvencional.

O efeito jurídico pretendido pelo réu pode ser materialmente incompatível ou


compatível com o pretendido pelo autor e, neste caso, pode até dele depender. São
incompatíveis, por exemplo, os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade sobre a
mesma coisa e compatíveis os de anulação de contrato ou de condenação em prestações
recíprocas.

A admissibilidade da reconvenção está ainda sujeita à não verificação dos mesmos


requisitos negativos de compatibilidade processual que a cumulação de pedidos (arts.93º/1 e
266º/3).

10.2.6. Intervenção de terceiros


A. Através dos incidentes de intervenção de terceiros, faculta-se a superveniente
constituição como partes de sujeitos jurídicos entre os quais a instância
inicialmente não se constituiu. A posição que ficam ocupando no processo difere
consoante os três tipos de incidente, que desde 1995-1996, ficaram consagrados:
intervenção principal, intervenção acessória e oposição. Na intervenção principal,
o terceiro constitui-se autor ou réu, litisconsorciado com o autor ou o réu
primitivo. Na intervenção acessória, o terceiro constitui-se parte acessória,
coadjuvando uma das partes principais, sem probabilidade de tomar posição

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contrária à que tome a parte principal ou de praticar ato que a parte principal
tenha perdido o direito de praticar (art.337º/2). Na oposição, o terceiro constitui-
se parte principal, numa terceira posição, independente das partes primitivas, se
ambas impugnarem o seu direito, ou como autor ou réu, em substituição da parte
primitiva, se esta reconhecer o seu direito. Qualquer dos incidentes pode surgir
por iniciativa duma das partes primitivas (intervenção ou oposição provocada).

B. A intervenção principal pode ocorrer em três situações:


1) Sendo caso de litisconsórcio necessário, o terceiro pode intervir espontaneamente
(art.311º ou ser chamado a intervir por qualquer das partes, sendo que o autor e o réu
reconvinte o podem fazer mesmo depois de absolvido o réu ou o autor reconvindo por
ilegitimidade (arts.316º/1 e 261º).
2) Sendo caso de litisconsórcio voluntário, o terceiro pode intervir: espontaneamente
(art.311º; a requerimento do autor ou do réu reconvinte, quando se trate de constituir
litisconsórcio com a parte contrária (art.316º/2 e 266º/4); a requerimento do réu,
livremente quando se trate de constituir litisconsórcio ativo e só quando tenha
interesse atendível quando se trate de constituir litisconsórcio passivo (art.316º/3). O
chamamento a requerimento do réu tem uma particularidade: no caso de acção de
condenação na totalidade de prestação devida solidariamente, mas não proposta
contra todos os devedores, os réus podem pedir a condenação dos terceiros
condevedores que chamem a intervir no pagamento, em regresso, da sua quota-parte
na dívida (art.317º/2). Neste caso, o interveniente não se limita a ocupar a posição de
réu perante este, que é autor duma pretensão contra ele, baseada numa relação
jurídica estruturalmente distinta.
3) No caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito passivo “da relação controvertida”
pode o autor deduzir subsidiariamente o mesmo pedido contra terceiro, cuja
intervenção requererá (art.316º/2), assim constituindo situação litisconsorcial de
pluralidade subjectiva subsidiária (art.39º).

C. A intervenção acessória, posto de lado o caso de intervenção do Ministério


Público, pode ocorrer em duas situações:
1) Tendo direito de regresso contra terceiro por via da satisfação do direito do autor,
pode o réu chamar esse terceiro a intervir acessoriamente, desde que este careça de
legitimidade para se constituir como parte principal (art.321º).
2) Todo o terceiro com interesse jurídico em que a decisão da causa seja favorável a uma
das partes pode nela intervir espontaneamente (art.326º).

D. Por sua vez, a oposição pode ter lugar, espontaneamente (art.333º) ou a


requerimento do réu (art.338º), quando um terceiro se arrogue direito próprio
incompatível, total ou parcialmente, com o direito que o autor (ou o réu
reconvinte) pretende fazer valer. A intervenção do oponente traduz-se assim,
quando espontânea, na dedução dum pedido contra o réu (ou o autor
reconvindo), equivalente ao formulado pelo autor (ou reconvinte). Em
consequência haverá duas acções conexas se nehuma das partes reconhecer o
direito do oponente (art.337º/2); mas, se apenas o autor o reconhecer, o processo
segue entre o oponente, na posição de autor e o réu, ao passo que, se for só o réu
a reconhecer o direito do oponente, este assume a posição de réu em face do
autor (art.337º/1). Quando a intervenção é provocada, o réu terá, no regime do
novo código, que proceder logo à consignação em depósito da quantia ou coisa
devida (art.338º), com o que, exonerado ele da obrigação, o processo prossegue
também só entre o autor e o oponente, aplicando-se a norma do art.922º/3 ex vi

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art.341 e, por analogia, a do art.337º81, assumindo o oponente a posição de réu


em face do autor.

E. A intervenção de terceiros provoca sempre, por definição, a modificação


subjectiva da instância (art.262º/b), normalmente mediante a constituição de
compartes do autor ou do réu primitivo, mas podendo gerar a coexistência de três
partes principais com posições processuais diferenciadas. Mas pode também
provocar modificações no objecto do processo, ampliando-o.

Quando, provocada a intervenção, esta não se verificar, o princípio da economia


processual tem a sua expressão na constituição de caso julgado contra terceiro:
sempre, no caso de se requerer a intervenção principal de terceiro (art.320º); com
os limites do art.332º, no caso de provocação de intervenção acessória
(art.323º/4); quando seja requerida a intervenção de oponente que seja citado na
própria pessoa (art.340º/2).

10.3. Economia de atos e formalidades


A segunda vertente do princípio da economia processual implica a adequação da
tramitação processual às especificidades da causa (arts. 547º e 37º/2 e 3), a proibição da
prática de atos processuais inúteis (art. 130º) e a redução da forma dos atos úteis à sua
expressão mais simples (art. 131º/1).

A lei proíbe a prática de atos – do juiz, da secretaria ou das partes – que, não tendo essa
utilidade, apenas teriam o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente atingir
o seu termos (art. 130º). Se for pela parte praticado ato inútil, pode haver lugr a
responsabilidade por má fé (art. 542º/2/d).

O princípio da economia processual, implica ainda a simplificação das formalidades dos


atos praticados no processo, cuja forma, sempre que a lei especial não determine as
formalidades a praticar, deve ser a que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim
que visa atingir (art. 131º/1), sem prejuízo da clareza do seu conteúdo e da garantia da sua
genuinidade (art. 131º/nºs 3 e 4).

11. Princípio da gestão processual


11.1. Direção formal do processo
O aumento exponencial do número de processos e a constatação de que, na sua maior
parte, respeitam a relações de consumo, cujo tratamento não carece da complexidade do
processo cum de declaração, tem levado, um pouco por toda a parte, à criação de formas
legais simplificadas, um pouco por toda a parte, à criação de formas legais simplificadas, mais
adequadas do que as tradicionais à composição eficiente dos litígios de massa; e tem também
conduzido, na acção declarativa, ao reforço dos poderes funcionais do juiz, a quem é
concedida maior liberdade de atuação para uma melhor consecução dos fins do processo.

O princípio do inquisitório aponta já para uma conceção do processo civil, diversa da


primitiva conceção liberal, em que a investigação da verdade é da responsabilidade do juiz. Na
sua pureza, implicaria que a iniciativa do juiz não se limitasse ao plano da prova e, invadindo
igualmente o da recolha do material a provar, se traduzisse na livre investigação judicial dos
factos.

Para além do campo da recolha dos factos e da sua prova, assim como do da discussão
de direito (art.7º/2), ao juiz cabe, em geral, a direcção formal do processo, nos seus aspectos

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técnicos e de estrutura interna. Esta direcção implica a concessão de poderes tendentes a


assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo.

Cabe ao juiz providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais, sempre


que ela seja possível, em obediência à ideia de que devem ser removidos todos os
impedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo. Assim, no esquema posterior a 1995-
1996, a absolvição da instância por procedência duma exceção dilatória só tem lugar quando a
falta de pressuposto é insanável ou quando, dependendo a sanação, por via do princípio do
dipositivo (é o caso dos arts.39º e 261º), da vontade da parte, esta se mantenha inactiva (Em
caso de incapacidade judiciária ou irregularidade de representação do autor ou do ré, bem
como no de falta de autorização ou deliberação, o juiz deve notificar o representante para
seguir com a causa e ratificar, querendo, os atos praticados – art.28º/2. Não tendo sido
prestado o consentimento do cônjuge necessário à propositura da acção, ao juiz cabe notifica-
lo para, querendo, o prestar – art.34º. E assim sucessivamente.).

Para assegurar o andamento do processo, em condições de regularidade e de


celeridade, o juiz deve, dentro dos limites da lei, promover todas as diligências que julgue
necessárias e indeferir os requerimentos das partes que não correspondam a um interesse
sério ou visem fins meramente dilatórios (art.6º/1). Fala também o art.6º/1 do poder-dever de
agilização do processo. Para além do poder de adequação formal, o preceito pouco mais é,
nesta parte, do que um elemento de interpretação de outras normas (que especificamente
concedam ao juiz poderes determinados de atuação no sentido de tornar mais célere o
processo) no sentido de estabelecerem deveres do juiz e não meros poderes discricionários.

Fora do princípio da gestão processual estão as atuações jurisdicionais abrangidas pelo


princípio do inquisitório: embora instrumentalidade subordinada, como todo o processo, à
finalidade de obtenção de uma decisão de mérito, a gestão processual permanece uma gestão
formal.

A direcção formal do processo está estritamente ligada ao cumprimento de deveres de


cooperação do juiz para com as partes e destas para com ele.

11.2. Adequação formal


Ao autor cabe indicar, na petição inicial, a forma do processo (art.552º/1/c); mas se a
forma indicada não corresponder à forma legal, ao juiz cabe mandar segui a forma adequada,
aproveitando os atos que, já praticados, puderem ser aproveitados para esta última
(art.193º/1).

Deve, porém, ainda o juiz, oficiosamente, quando a forma legal não for a que melhor
se adeque às especificidades do caso concreto, adaptar a tramitação abstractamente prevista
na lei, designadamente determinando a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do
processo. O CPC de 2013 veio dar nova redacção ao preceito (agora no art.547º) e integrá-lo
no princípio da gestão processual.

Como manifestação do princípio da adequação formal cabe ao juiz adaptar o conteúdo


e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir (art.547º). Aqui, tal como na
adequação da forma do processo, o princípio da economia processual e o da gestão processual
interpenetram-se.

Entre as normas dos arts.265º/1 e 265º-A do CPC de 1961 e a dos arts.6º/1 e 547º CPC
de 2013 são assinaláveis, além da integração da adequação formal no âmbito da gestão
processual, uma importante diferença: a adequação formal não tem só lugar quando a

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tramitação legal não se adeqúe (em absoluto) ao caso concreto; deve ter também lugar
quando, embora adequada, outra haja que melhor se lhe adeque.

11.3. Impugnabilidade
A concessão ao juiz de amplos poderes de gestão processual constitui-o no dever de o
exercer, não se tratando de um poder discricionário, embora o seu exercício envolva juízos
técnicos de conveniência e oportunidade. Daí decorre a impugnabilidade das decisões de
gestão processual que o juiz venha a tomar.

O não exercício do poder-dever de gestão processual, quando este se imponha,


constitui nulidade, enquanto omissão dum ato processual vinculado, nos termos do
art.195º/1.

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