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Romagnoli, R. C.

“A cartografia e a relação pesquisa e vida”

A CARTOGRAFIA E A RELAÇÃO PESQUISA E VIDA*

Roberta Carvalho Romagnoli


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar reflexões acerca da cartografia, método de pesquisa
fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari, e que vem sendo utilizado em pesquisas de campo
para o estudo da subjetividade. Inicialmente, são apresentados os métodos de pesquisa em Psicologia, baseados
no paradigma moderno, que possui como sustentáculos a razão, a objetividade e a busca da verdade. Em um
segundo momento, discutimos a complexidade e os impasses atuais da Psicologia, que convocam a necessidade
de novos métodos, dentre eles a cartografia. Concluímos que, em uma tentativa de lidar com a complexidade,
a cartografia, a partir de uma leitura esquizoanalítica da realidade, sustenta-se na invenção e na implicação do
pesquisador, religando a pesquisa com a vida.
PALAVRAS-CHAVE: metodologia de pesquisa; cartografia; complexidade; esquizoanálise; subjetivação.

CARTOGRAPHY AND RELATIONSHIP BETWEEN RESEARCH AND LIFE


ABSTRACT: This article intends to present some reflections on cartography, a research method, based on Félix
Guattari and Gilles Deleuze’s idea, which has been used in field researches in the context of subjectivity studies.
Initially, some methods of research used in Psychology are presented based upon the modern paradigm, sustai-
ned by reason, objectivity and truth investigation. After that, we discussed the complexity and the Psychology’s
contemporary dilemma that demands the necessity of other methods, among them the cartography. We concluded
that, in an attempt to deal with the complexity, the cartography, based on a squizoanalytical point of view, supports
itself on the invention and on the researcher’s involvement, connecting research and actual life.
KEYWORDS: research methodology; cartography; complexity; schizoanalysis; subjectivation.

Descrição das
O Paradigma Moderno e a Psicologia e naturais, que estavam de acordo com os pressupostos
Ciências Modernas
desse momento histórico, pois é nelas que se encontra
As ciências surgem no Ocidente, favorecendo a a possibilidade de fundamentação das evidências mate-
migração do polo religião, central nas sociedades tra- máticas, base sobre a qual se desenvolverá o pensamento
dicionais, para o polo razão, sustentáculo da chamada tecnológico e manipulativo. Nessa proposta iluminista,
Modernidade. Nesse deslocamento, a ciência, criada o formalismo metodológico sustenta-se na neutralidade/
pelo homem, determinista, matematizada e fundamen- objetividade, com forte mitificação da racionalidade.
tada em leis, apropria-se do lugar central da sociedade, E o homem torna-se um ser basicamente racional, que
ocupado por Deus, uma vez que os fenômenos naturais usa sua capacidade unida a uma cuidadosa observação
e sociais eram apreendidos, até então, por explicações do mundo exterior, para a produção de conhecimento
divinas. Baseada em esquemas de eficácia e rendimento, científico e o consequente domínio da natureza, tendo
conquista um espaço absoluto, impondo-se como força como meta abordar a natureza essencial das “coisas”,
hegemônica na cultura ocidental moderna, relegando ao a partir da noção de verdade.
descrédito e ao esquecimento todos os outros saberes No seu surgimento, as Ciências Humanas se in-
que não estão em consonância com seus pressupostos serem no contexto da época, altamente positivista. Sua
básicos, a saber: objetividade, causalidade, sistema- ascensão foi marcada pela abordagem empírica, traduzida
tização e produtividade. Permite, assim, um avanço por meio de experimentos, com o intuito de compreen-
progressivo da ação do homem sobre a natureza, pro- der a realidade. A Psicologia se torna ciência aliada às
porcionado pela primazia da razão. Ciências Naturais, no final do século XIX, produzindo
Vale lembrar que, conforme Veiga-Neto (2002), conhecimento através do método experimental, que tem
o paradigma da ciência moderna encontra-se calcado na na objetividade, na quantificação e na generalização os
razão, na consciência, no sujeito soberano, no progresso sustentáculos da pesquisa. Para esse método, as leis da
e na totalidade do mundo 1. Nesse sentido, notamos natureza são o reino da simplicidade e da regularidade,
inicialmente uma grande ascensão das ciências exatas onde é possível observar e medir com rigor, na crença

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de que as Ciências Humanas têm que imitar as Ciências propondo-se a abarcar o conhecimento como fruto das
Naturais. Ou seja, essa perspectiva defende que é preciso relações sociais, visando encontrar na parte a relação
estudar os fenômenos sociais como se fossem naturais. com o todo, indo ao encalço da interioridade e da ex-
Nesse sentido, é científico o quantitativo que permite o terioridade como constitutivas dos fenômenos. Desses
manejo pragmático dos fatos, inserido em um mundo princípios deriva que, para se conhecer realmente uma
objetivo e determinista. Torna-se necessário, então, realidade, é necessário estudá-la em todos os seus as-
basear-se na utilização dos termos matemáticos para a pectos, relações e conexões, pois tudo está em constante
compreensão da realidade e apropriação da linguagem transformação e correlação, partindo-se da premissa
de variáveis para especificar atributos e qualidades do de que, no objeto de estudo, está sempre presente algo
objeto de investigação, em busca da generalidade e da que nasce, se desenvolve, se contradiz. Com forte
regularidade dos fatos (Chizzotti, 1998). crítica à neutralidade científica, surge a pesquisa-ação,
Positivismo >> Até a 2ª metade do séc. XX, a pesquisa experi- também chamada de pesquisa participante, enfatizan-
Fenomenologia mental e seu método constituíam o padrão de produção do o envolvimento do pesquisador com seu objeto de
de conhecimento científico, inclusive para a própria estudo, pois a pesquisa passa a ser também um fator de
Psicologia. A partir dessa época, no entanto, paralela à transformação social 2.
vertente positivista, base desse tipo de pesquisa, surge A abordagem dialética se propõe a abarcar, ao
um movimento filosófico, que sustenta a visão de mundo mesmo tempo, o sistema de relações do mundo que nos
existencial, em que a vivência e a percepção que o ser rodeia, como modo de conhecimento exterior ao sujeito,
humano tem de suas experiências torna-se essencial. O pois acredita que é a matéria que origina a consciência; e
conhecimento científico se alia, dessa maneira, ao méto- também as representações sociais que traduzem o signi-
do fenomenológico como recurso para se investigar a vi- ficado deste mundo. Nesse sentido, coloca-se como uma
vência do sujeito através da consciência, em associação terceira alternativa frente ao método experimental e ao
com o Existencialismo, que propaga a subjetividade e a método fenomenológico, acreditando que o quantitativo
atribuição de significados como a verdadeira essência da e o qualitativo caminham lado a lado, pensando a rela-
existência. Essa leitura inaugura uma mudança radical ção da quantidade como uma das qualidades dos fatos
da investigação científica e insiste no homem que tem e fenômenos. Todo fenômeno ou processo social deve
consciência de sua própria vida e da dos seres com ser entendido nas suas determinações e transformações
quem se relaciona, como peça fundamental do trabalho dadas pelos sujeitos, mediante uma relação intrínseca de
investigativo, enfatizando não o que existe na realidade oposição e complementaridade entre mundo natural e so-
em si, mas a realidade a partir da sua existência para a cial, entre pensamento e base material. Dessa maneira, a
consciência (Forghieri, 1993). cientificidade está associada à complexidade da natureza
Inaugura-se a era das pesquisas qualitativas, e não e das culturas, e o conhecimento sempre vem associado
somente quantitativas, que visam ao aprofundamento à práxis, pois a lógica do pensamento está vinculada aos
no mundo dos significados das ações e das relações processos históricos das mudanças, dos conflitos sociais
humanas. Surge nesse momento histórico a distinção e suas contradições. De acordo com Haguette (1987),
entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa (Smith, esse tipo de pesquisa faz uma proposta de união entre
1994). Guardadas as devidas diferenças entre métodos o saber acadêmico – conquista do conhecimento – e
distintos, a pesquisa qualitativa persegue o mundo social a práxis – transformação através da ação –, visando à
através das interpretações dos fenômenos, buscando as mobilização e à tomada de consciência. Valoriza ainda
vivências, as experiências e a cotidianidade. Sendo assim, a contradição dinâmica do fato observado e a atividade
a análise social deve ser realizada através da compreensão criadora do sujeito que observa, as oposições contradi-
da dinâmica das relações sociais que são depositárias tórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do
de crenças, valores, atitudes e hábitos, como propaga a agir com a vida social dos homens.
Fenomenologia, ou da luta de classes, como defende a Embora revolucionárias em relação às pesquisas
Dialética, que veremos adiante. É necessário ressaltar quantitativas e experimentais, a pesquisa fenomenológi-
que não existe apenas uma forma de pesquisar. Tanto ca e a pesquisa-ação, fundamentadas na fenomenologia
a pesquisa quantitativa quanto a pesquisa qualitativa e na dialética, respectivamente, se amparam ainda no
podem oferecer importantes recursos para as Ciências paradigma moderno que concebe o método científico
Humanas, dependendo da temática a ser estudada e do como um instrumento, por excelência, de explicitação
objetivo proposto. Todas as duas correntes possuem suas das verdades do mundo, guardadas as devidas dife-
aplicações, suas utilidades e suas limitações. renças epistemológicas. Para alcançar esse patamar, é
Dialética Retornando à pesquisa em Psicologia, observa- necessário transitar por um campo teórico estabelecido
mos ainda forte influência da Dialética, que tenta fazer e legitimado e realizar estudos coerentes com o esta-
um desempate entre os métodos citados anteriormente, tuto de cientificidade. Nessa articulação, produção de

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conhecimento versus realidade, a teoria é aplicada ao que seja objeto de grande questionamento nas Ciências
objeto de estudo de forma interpretativa, sustentando Humanas, a garantia de seu alcance.
um conhecimento que é, em si, reducionista e homo-
geneizante, com a pretensão de compreensão plena O Paradigma Emergente e a Cartografia
dessa relação. Ou seja, o paradigma moderno parte
do pressuposto de que a teoria é separada do objeto Durante muito tempo, essas perspectivas episte-
e de que não são, de fato, indissociáveis. Além disso, mológicas sustentaram o conhecimento em Psicologia
presume que a realidade deva estar em consonância no Brasil (Kahhale, 2002). Todavia, hoje, a própria
com a teoria, sendo passível de ser interpretada pela ciência está em crise. De acordo com Santos (2002),
perspectiva teórica escolhida pelo pesquisador. Além “Estamos no fim de um ciclo de hegemonia de certa
da teoria, no paradigma moderno, a pesquisa se funda ordem científica. As condições epistêmicas das nossas
em procedimentos metodológicos que permitem certo perguntas estão inscritas no avesso dos conceitos que
domínio do objeto de estudo. utilizamos para lhes dar resposta” (p. 9). Ou seja, passa-
Em Psicologia, lidamos com uma variedade de se a considerar que a teoria não transcende a realidade
metodologias e técnicas que se mesclam conforme a e nem está dissociada da prática, também fazendo parte
necessidade e a viabilidade do trabalho proposto. Cabe do processo de construção histórica da realidade. Com
ao pesquisador a sua seleção, para executar seu estudo o grande avanço científico moderno e sua enorme e
e elucidar os princípios que regem a compreensão das importante produção, tornou-se evidente a fragilidade
questões levantadas por ele. Tudo isso conduzindo a de suas ferramentas para abranger o que ocorre, de
uma sistematização do material, trilhando caminhos fato, na vida. Dessa maneira, nos deparamos com a
para a viabilização do trabalho acadêmico e outorgando complexidade da realidade, e também da subjetividade,
cientificidade ao processo. opondo-se frontalmente a um conhecimento que se im-
É necessário pontuar que cada método possui põe como verdade, generalizante e simplificado, e que
sua explicação do que ocorre entre sujeito e objeto. O tem como objetivo alcançar a previsibilidade a partir
método experimental parte do pressuposto de que essa de um espaço inteligível de certezas (Morin, 1996).
articulação é mediada por relações ordenadas entre De acordo com Veiga-Neto (2002), vivemos hoje a
fatos observados empiricamente. O objeto é exterior emergência de um pensamento pós-moderno que visa
ao sujeito – nessa interação são as consequências do a um questionamento contínuo das ações com análise
comportamento sobre o ambiente e como essas incidem crítica. Esse pensamento possui como características: a
no organismo que possibilitam uma análise funcional humildade epistemológica, ao não perseguir a verdade;
das contingências, passíveis de serem mensuradas a busca de ferramentas úteis para o entendimento do
quantitativamente. A partir de critérios de objetividade mundo e o abandono da ideia de um lugar privilegiado
científica, pode-se estudar o comportamento que é a partir do qual podemos compreender definitivamente
observável publicamente (Vicentini, 2001). O método as relações que nos circundam.
fenomenológico, por sua vez, busca nessa relação a Nesse sentido, Morin (1983) faz uma crítica ao
consciência que daí emerge, através dos significados paradigma moderno, chamando-o de paradigma da
que o sujeito atribui ao objeto. Essa relação não tem a simplificação. Nesse viés hegemônico da ciência, há, de
ver somente com a objetividade, mas, sobretudo com a fato, um primado da disjunção e da redução, para embasar
inscrição do objeto na consciência e sua experienciação uma visão da realidade ordenada e simplificada, operando
(Amatuzzi, 2006). Por outro lado, o método dialético através de reducionismos que visam eliminar o problema
tem como objetivo abranger a articulação entre o dia- da complexidade. Para tal, há uma insistência no estudo
a-dia de determinado grupo social, de certo objeto de dos fenômenos isolados e dissociados. A disjunção separa
estudo, com o sistema de ideias e representações que o o objeto do meio, o físico, do biológico, o biológico, do
constitui e que deriva na alienação, no desconhecimento humano, divide o que vai ser estudado em categorias e
do sujeito dos processos que ele está vivendo em seu disciplinas, operando pelo estabelecimento de elemen-
cotidiano, da desigualdade do sistema social. Ou seja, tos não-ligados. Ocorrem, por outro lado, a redução do
na relação dinâmica entre sujeito e objeto, deve-se humano ao biológico, do biológico ao físico-químico,
observar a prática social intrínseca e sempre contradi- do complexo ao simples, com o que se chega a uma
tória e conflitiva, portadora de dimensões históricas e unificação abstrata que anula a diversidade.
ideológicas (Paulon, 2005). Em contrapartida, vem à tona um conhecimento
Nessas abordagens, o método científico é um não dualista, que não faz a separação entre natureza/
instrumento para a explicitação da verdade, embasado, cultura, objetivo/subjetivo, quantitativo/qualitativo. Além
como vimos, na conexão assídua entre teoria e proce- disso, insiste na produção de um conhecimento local e
dimentos metodológicos. E a racionalidade, mesmo transitório que reconhece a necessidade de uma plurali-

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Justificativa
dade metodológica, pois “Cada método é uma linguagem, as pesquisas baseadas no paradigma moderno, que se
e a realidade responde na língua em que foi perguntada” fundamentam em cisões e dicotomias, não contribuem
(Santos, 2002, p. 48), destacando-se a operação reducio- efetivamente para os desafios que precisamos enfrentar.
nista que daí deriva. Pretende-se, nessa fase de transição Sem dúvida, houve uma época em que a produção de
da ciência, driblar as certezas e os reducionismos, em uma conhecimento deveria se atrelar ao paradigma moderno.
tentativa de apreender a complexidade que, de fato, faz Entretanto, a contemporaneidade e a Psicologia atual nos
parte de todo e qualquer objeto de estudo. instigam a buscar outros modos de conhecer.
Além da ênfase na complexidade, vivemos hoje Para tentar apreender, mesmo que transitoriamen-
vários impasses no campo da Psicologia, a saber: a am- te, a processualidade que a transdisciplinaridade propa-
pliação dos campos de trabalho, o convite à promoção ga, pode-se trabalhar com a cartografia, método proposto
de saúde, o questionamento dos efeitos de nossas práti- por Deleuze e Guattari, utilizado em pesquisas de campo
cas na gerência cada vez maior da vida, dentre outros. voltadas para o estudo da subjetividade (Kastrup, 2007;
Tudo isso, no nosso entender, nos impele a produzir Kirst, Giacomel, Ribeiro, Costa, & Andreoli, 2003). A Cartografia
dispositivos singulares que não estejam a serviço da cartografia se apresenta como valiosa ferramenta de
serialização instituída, seja no campo da produção de investigação, exatamente para abarcar a complexidade,
conhecimento, seja no campo da intervenção. E aponta zona de indeterminação que a acompanha, colocando
para uma lacuna entre nossa formação, ainda efetuada problemas, investigando o coletivo de forças em cada
nos moldes iluministas, calcada na premissa de que a situação, esforçando-se para não se curvar aos dogmas
razão tem como atividade principal iluminar o homem, reducionistas. Contudo, mais do que procedimentos
e a realidade que os psicólogos irão enfrentar ao sair da metodológicos delimitados, a cartografia é um modo
academia. No nosso entender, a formação dominante de conceber a pesquisa e o encontro do pesquisador
favorece um despreparo para enfrentar as profundas com seu campo. Entendemos que a cartografia pode ser
mudanças culturais, sociais e subjetivas em que nos en- compreendida como método, como outra possibilidade
contramos. Observamos que, cada vez mais, o psicólogo de conhecer, não como sinônimo de disciplina intelec-
é convocado a intervir na complexidade, em campos de tual, de defesa da racionalidade ou de rigor sistemático
atuação em que os “especialismos” de nossas áreas e sua para se dizer o que é ou não ciência, como propaga o
tradicional divisão, em área da saúde, da educação, do paradigma moderno. Cabe salientar que, não raro, a Método vs
trabalho e da comunidade, não se sustentam no cotidiano. ideia de método é atrelada à de metodologia que, por Metodologia
Como exemplo desses novos campos de atuação, temos sua vez, trata do formalismo e das prescrições para se
as ONGs, o PSF, o CRAS, dentre outros. alcançar a cientificidade, explicitando os procedimentos
A crise da ciência, aliada ao momento atual da que já estariam consolidados dentro da ciência. Dessa
nossa profissão, nos leva a defender a não separação da maneira, a metodologia corresponde aos instrumentos
Psicologia em áreas e nem em polarizações antagônicas, para se fazer ciência, centrando-se no “como” fazer
com o intuito de driblar as dicotomias e insistir na trans- ciência, traduzindo o caminho do pensamento e a prática
disciplinaridade. Passos e Benevides de Barros (2000) exercida na abordagem da realidade. Também não é essa
discutem o desafio de se pensar a clínica nessa perspec- a proposta. Retornando ao conceito de método, aqui o
tiva, rastreando o que ela tem de potência de criação. utilizamos no sentido atribuído por Drawin (2001), em
Não se restringindo a esse campo, acreditamos que esse que método corresponderia a um caminho levado a um
processo possa e deva estar presente em toda a Psico- fim, associado a uma “reivindicação de um trabalho, de
logia, que ainda mantém as dicotomias sujeito-objeto, um renovado esforço, o que não seria necessário se já se
teoria-prática e insiste em fronteiras rígidas na definição possuísse uma fórmula prefixada, e se o caminho para
das disciplinas, de seus métodos e objetos de pesquisa. o conhecimento já houvesse sido conquistado” (p.10).
Segundo os referidos autores, a transdisciplinaridade Nessa perspectiva, o método é uma nova proposta para
busca exatamente a perda da identidade de cada teoria, reencontrar o saber que se encontra em crise. Nesse
de cada prática, para ocorrer algo no “entre”, a partir da sentido, a cartografia é um método, pois não parte de
desestabilização das “certezas” de cada disciplina, apos- um modelo pré-estabelecido, mas indaga o objeto de
tando ainda na criação de uma relação de intercessão com estudo a partir de uma fundamentação própria, afirman-
outros saberes/poderes/disciplinas, pois é nesse “entre” do uma diferença, em uma tentativa de reencontrar o
que a invenção acontece, como nos chama a atenção conhecimento diante da complexidade.
Benevides de Barros (2005). E toda essa processualidade A cartografia, como portadora de certa concepção
exige da academia uma produção de conhecimento que de mundo e de subjetividade, a serem apresentados
fundamente a fase de transição em que nossa profis- abaixo, traz um novo patamar de problematização, con-
são se encontra, pois, como vimos, estamos no fim de tribuindo para a articulação de um conjunto de saberes,
certa ordem científica. Nesse sentido, acreditamos que inclusive outros que não apenas o científico, e favorecen-

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do a revisão de concepções hegemônicas e dicotômicas. trilhar novos caminhos via agenciamentos maquínicos,
Nessa proposta, o papel do pesquisador é central, uma produtivos, a habitar novas formas de viver. Esse é o
vez que a produção de conhecimento se dá a partir das movimento próprio da vida, da criação. As linhas da
percepções, sensações e afetos vividos no encontro com subjetividade compõem o território existencial, o modo
seu campo, seu estudo, que não é neutro, nem isento de de existência de cada um de nós, e também possibilitam
interferências e, tampouco, é centrado nos significados que se exerça a invenção.
atribuídos por ele. É isso o que leva Mairesse (2003) a Esse raciocínio aborda a realidade através de
dizer que a cartografia acontece como um dispositivo, superfícies, de planos simultâneos que coexistem sem
pois, no encontro do pesquisador com seu “objeto”, hierarquia nem determinação. O plano de organização
diversas forças estão presentes, fazendo com que ambos corresponde ao que está instituído socialmente de forma
não sejam mais aquilo que eram. Nesse sentido, o mé- molar, ordenando o mundo e a subjetividade em seg-
todo cartográfico “desencadeia um processo de dester- mentos, estratos, de maneira dicotômica e dissociativa,
ritorialização no campo da ciência, para inaugurar uma codificando-a, registrando-a em processos classifica-
nova forma de produzir o conhecimento, um modo que tórios, via operações de transcendência, que formam
envolve a criação, a arte, a implicação do autor, artista, estratos, segmentos que homogeneizam os fluxos da
pesquisador, cartógrafo” (Mairesse, 2003, p. 259). vida. Nessa superfície, os fluxos são presos a códigos,
A cartografia parte ainda de outra leitura da reali- e cada termo ganha sentido opondo-se a outro. Por ou-
dade, pois não quer só buscar o qualitativo, mas também tro lado, o plano de consistência é o plano invisível de
romper com a separação sujeito e objeto 3. Em contrapo- expansão da vida, composto pelas forças moleculares
sição a uma forma de pensar dicotômica, essa vertente e invisíveis que atravessam o campo social. É nesse
convoca a imanência, a exterioridade das forças que plano que se dão os encontros e os agenciamentos que
atuam na realidade, buscando conexões, abrindo-se para vão gerar novos sentidos, novas formas de expressão e
o que afeta a subjetividade. Esta última deve ser pensada promover a resistência ao que tende a se reproduzir no
como um sistema complexo e heterogêneo, constituído plano de organização. Nessa superfície não há oposição,
não só pelo sujeito, mas também pelas relações que ele mas os fluxos se encontram em uma variação contínua
estabelece. Essas relações denunciam a exterioridade de intensidades. Esses dois planos se apoiam no plano
de forças que incidem tanto sobre o pesquisador quanto de imanência, que dá suporte às relações entre as for-
sobre o objeto de estudo, e atuam rizomaticamente, de ças componentes da realidade, molares e moleculares,
uma maneira transversal, ligando processualmente a compondo o “meio” em que tudo se dá – dimensão de
subjetividade a situações, ao coletivo, ao heterogêneo. fluxos, segmentos, rupturas e conexões.
A subjetividade é constituída por múltiplas linhas e É necessário ressaltar que a distinção entre molar e
planos de forças que atuam ao mesmo tempo: linhas molecular nos planos não se dá pelo tamanho – grande e
duras, que detêm a divisão binária de sexo, profissão, pequeno -, mas pelo sistema de referência considerado,
camada social, e que sempre classificam, sobrecodificam sendo a diferença qualitativa. O molecular indica a re-
os sujeitos; e linhas flexíveis, que possibilitam o afeta- lação com o fluxo intensivo que o atravessa, e o molar,
mento da subjetividade e criam zonas de indeterminação, por sua vez, se define por sua relação com a linha de
permitindo-lhe agenciar. Esse afetamento da subjetivi- segmento que tenta capturar a heterogeneidade, a ener-
dade pelo que não é ela, pelas relações efetuadas, pela gia intensiva da vida, que sempre escapa. Essa relação
intersecção com o “fora”, forma um agenciamento. entre molecular e molar não se dá por antagonismo, mas
Quando isso ocorre, linhas de fuga são construídas, por coexistência e justaposição. Embora com funcio-
convergindo em processos que trazem o novo. Esses namentos distintos, “Nem por isso deixa de haver uma
processos são sempre coletivos, conectando-se ao que correlação dos dois aspectos, pois é com a linearização
está aquém e além do sujeito e construindo novos terri- e a segmentarização que um fluxo se esgota, e é delas
tórios existenciais (Deleuze & Parnet, 1998). também que parte uma nova criação (Deleuze & Guatta-
Na leitura esquizoanalítica, essa é a dinâmica dos ri, 1996, p. 96). Dessa maneira, os fluxos, em estado de
processos de subjetivação 4. Os deslocamentos da sub- imanência, estão presentes em todos os planos, e o que
jetividade se dão a partir do “fora”, portador de forças se altera é sua composição: segmentar, estratificada, no
estranhas que pedem uma decifração ao desestabilizar plano de organização, e fluida, conectiva, no plano de
o território existencial conhecido. Essas forças, quando consistência. Segundo Deleuze e Guattari (1996), a for-
entram em contato com a subjetividade, aumentam ma segmentar estanca a circulação da vida e opera cortes
a impressão de estranheza do mundo e conduzem a e recortes que produzem o modo estabelecido de nos
rupturas de sentido. De acordo com Rolnik (1999), as colocarmos no mundo, tendo como objetivo estabelecer
rupturas de sentido ocorrem quando a subjetividade é métodos de hierarquização e de organização. Por outro
lançada na processualidade da vida e se vê forçada a lado, a forma fluida é mutante e criadora e corresponde

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à possibilidade de agenciar, de construir uma linha de Na implicação do pesquisador é que se encontra um


fuga, outro território existencial. O plano de organização dos mais valiosos dispositivos de trabalho no campo.
sustenta as linhas duras da subjetividade, enquanto o É a partir de sua subjetividade que afetos e sensações
plano de consistência sustenta suas linhas flexíveis, irrompem, sentidos são dados, e algo é produzido.
que podem se transformar em linhas de fuga que se O conhecimento, por sua vez, emerge do plano de
dirigem para a invenção, para a estranheza da vida. Um forças que compõe a realidade, ora operando em prol
território existencial é formado quando os elementos daquilo já estabelecido, ora operando a favor de agen-
heterogêneos que compõem a subjetividade ganham ciamentos produtivos, de acontecimentos que trazem o
alguma homogeneidade, determinada composição. Esse novo, processual e singularmente. Mas sempre tentando
território localiza-se na interface entre o que se repete desarticular as práticas e os discursos instituídos, elu-
e é conhecido e o que pode afetar, desterritorializar, cidar os processos complexos, as relações despoten-
produzir outra composição, via agenciamentos. cializadoras que impedem a invenção – é nesse jogo
A realidade, apreendida pelo viés da imanência e que se dá a construção do conhecimento. Vale lembrar
da exterioridade, é, sobretudo, uma reunião de linhas que, nessa perspectiva, o rigor e a precisão localizam-
subjetivas e sociais, de natureza e de cultura. Essa não se exatamente na sustentação da pressão exercida pelas
separação é possível porque, nessa perspectiva, tudo é forças desses planos, que, como vimos acima, possuem
atravessado por segmentaridades molares e desterrito- funcionamentos distintos, ora tendendo à estabilização,
rializações moleculares, por planos, superfícies sobre- ora à caotização. Dessa maneira, a cartografia se contra-
postas, que deslizam o tempo todo, processualmente. põe às pesquisas cientificistas tradicionais, objetivando
Os fluxos da vida são ora mutantes e conectivos, ora romper com as dicotomias teoria-prática, sujeito-objeto,
codificados e reterritorializados, não pertencendo a articulando pesquisador e campo de pesquisa.
um indivíduo ou a determinado grupo social. Eles são
detentores de funcionamentos diferentes de acordo com Considerações Finais
o plano em que se inserem, conforme as relações que
são desenvolvidas. Nesse contexto, cada pesquisador Tendo em vista que a realidade não é dada, mas
e cada objeto de estudo habitam um “meio”, circulam sim construída também através de produções de conhe-
em formas de se relacionar, constituindo um território cimento que se constituem como práticas discursivas,
que envolve marcas, estratos, conexões, relações. São sociais e históricas, precisamos nos indagar acerca de
as circunstâncias, os elementos que se estabelecem qual psicologia estamos produzindo. Nesse sentido,
entre os encontros que podem ou não trazer outras mar- podemos pensar, retornando à complexidade e aos im-
cas, romper com sentidos conhecidos e fundar outros passes atuais da psicologia, pontuados no início desse
impensáveis. Logo, são essas relações que devem ser texto, quais os efeitos da produção de conhecimento que
mapeadas no método cartográfico, para se conhecer a geramos e sua efetiva contribuição para o que ocorre
realidade em sua complexidade. no mundo ao nosso redor. Sabemos que as respostas
O que a cartografia persegue, a partir do território a essas questões são transitórias e locais, encontrando-
existencial do pesquisador, é o rastreamento das linhas se nos impasses que enfrentamos em nosso cotidiano
duras, do plano de organização, dos territórios vigentes, de trabalho. Com certeza, os paradigmas emergentes e
ao mesmo tempo em que também vai atrás das linhas a cartografia ainda constituem desafios para nós, pes-
de fuga, das desterritorializações, da eclosão do novo. quisadores formados dentro de uma tradição moderna,
Cartografar é mergulharmos nos afetos que permeiam os acostumados a fragmentar, a racionalizar e a perseguir a
contextos e as relações que pretendemos conhecer, per- verdade. Esse é um campo em construção, que combate
mitindo ao pesquisador também se inserir na pesquisa uma lógica da racionalidade hegemônica na pesquisa, e
e comprometer-se com o objeto pesquisado, para fazer se fundamenta, como salientam Barros e Lucero (2005),
um traçado singular do que se propõe a estudar. Nesse em uma perspectiva ético-política que “afirma a vida
sentido, a cartografia tem como eixo de sustentação do na sua potência de diferenciação, nas suas modulações,
trabalho metodológico a invenção e a implicação do na sua polaridade, lutando contra diferentes formas
pesquisador, uma vez que ela baseia-se no pressuposto de captura colocadas em funcionamento por modelos
de que o conhecimento é processual e inseparável do padronizados de ser e estar no mundo” (p.7).
próprio movimento da vida e dos afetos que a acom- Nessa perspectiva, supomos que a cartografia
panham (Rolnik, 1989). Na invenção, é preciso estar aponta para a construção de saídas e inspirações para
atento aos encontros, às virtualidades que estalam nos quem se propõe a estudar a realidade, promovendo
agenciamentos e que são oriundos das desestabiliza- uma flexibilização metodológica, que tem como intuito
ções que, no processo de trabalho, acometem tanto o escapar da reprodução e do acomodamento intelectual,
pesquisador quanto seu objeto de estudo, seu campo. características necessárias para acompanhar as mudan-

171
Romagnoli, R. C. “A cartografia e a relação pesquisa e vida”

ças em curso na Psicologia. Entretanto, no nosso en- ção, ao mesmo tempo em que coexistem fechamentos e
tender, também a cartografia contém riscos. O primeiro reproduções. A vida é rizoma, e pode ser percorrida em
deles, e o mais usual, é ser utilizada como um modelo, diversas direções, sendo reinventada em cada viagem e
um padrão a ser seguido, usado em obediência à nossa por cada um que a percorre. É feita de direções flutuantes,
formação dentro do paradigma moderno, fórmula que que transbordam, sem remeterem a uma unidade. Isso não
se afasta sinistramente do que esta propõe: a ousadia seria o próprio ato de conhecer/pesquisar? Observamos
de rastrear a heterogeneidade, a complexidade. Nesse que a produção de conhecimento calcada na cartografia
sentido, operaria para a reprodução e não para a cria- implica um exercício de desapego às formas acadêmicas
ção, estancando a circulação da vida, operando cortes e dominantes e instituídas, ainda que elas estejam imanen-
recortes no processo de pesquisa, organizando de forma temente presentes. Nesse sentido, é preciso aventurar-se
fascista o objeto de estudo e desqualificando de maneira na criação de um circuito de conhecimento que atue como
transcendente outras formas de pesquisar. um dispositivo para formar planos de expansão da vida,
Outro risco que percebemos no uso desse método para expressar e encarnar as sensações que as relações,
é o da produção de trabalhos sem fundamentação, que a exterioridade, os meios estão produzindo nas subjeti-
constituem um aglomerado de saberes desconectados. vidades, religando a pesquisa com a vida.
Embora seja preciso escapar à postura defensiva de
correntes da Psicologia, sejam as adeptas do para- Notas
digma moderno, sejam as seguidoras dos paradigmas
emergentes, não é desejável, nesse processo, encobrir * Este texto faz parte da pesquisa intervenção cartográfica “As
confusões conceituais, apresentando-se superficial relações equipe-família no Centro Psicopedagógico Renato
e leviano com a produção de conhecimento. Essa De Avelar Azeredo”, financiada pela Fundação de Amparo à
também não é a proposta desse método. A cartografia Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG, abordando os estudos
exige rigor e, no caso, não se trata somente da susten- teórico-metodológicos do projeto.
tação da singularidade e da invenção, mas também o
1
A palavra “paradigma” foi introduzida por Kuhn (1975) para
descrever uma troca do modelo dominante em uma ciência,
uso dos conceitos incorporados à processualidade da possuindo dois significados: um, ligado à constelação de cren-
pesquisa, sustentando a pressão exercida pelo plano ças, valores e técnicas que afetam toda comunidade científica,
de forças no território acadêmico. Por outro lado, seu e o outro, ligado ao modelo que embasa as transformações
uso não deve ser dogmático, hermético. A força dos científicas. Nesse texto é usada no segundo sentido.
conceitos localiza-se fora deles, em sua potência de 2
Os termos pesquisa-ação e pesquisa participante têm a mesma
criar, em sua capacidade de associar ideias, incitar origem, a Psicologia Social de Kurt Lewin, e alguns pontos
em comum, tais como a crítica à pesquisa tradicional, ao dis-
pensamentos, leituras, de entrecruzar linhas e pontos
tanciamento entre sujeito e objeto de estudo, à participação da
temporariamente arranjados, para mais adiante serem população pesquisada e à necessidade de transformação social.
desconectados ou reconectados em outra composição. Haguette (1987) coloca que, apesar desses vários pontos unifi-
Os conceitos sempre possuem um compromisso com o cadores, há uma diferenciação de terminologia relacionada
campo problemático que lhes dá sentido, gerando uma aos países em que elas ocorrem. Na Europa, principalmente
consistência que unifica traços intensivos, promovendo na França, este tipo de pesquisa recebe o nome de pesquisa-
ação, associada à corrente psicossociológica, e direciona-se
formas de expressão, e não devem ser desconsiderados,
para as instituições sociais e para os movimentos sociais.
pois “os conceitos são exatamente como sons, cores ou Na América Latina, esse tipo de pesquisa recebe o nome de
imagens, são intensidades, que lhes convêm ou não, que pesquisa participante e caracteriza-se por um distanciamento
passam ou não passam” (Deleuze & Parnet, 1998, p. da corrente psicossociológica, fundamentando-se nos princí-
12), vigorosos dispositivos para a presença da realidade, pios humanistas, marxistas e religiosos. Preocupada com as
potentes intercessores para a invenção. desigualdades sociais, teve forte influência de Paulo Freire.
Acreditamos na necessidade de apostar em pro-
3
Ainda com esse mesmo objetivo, embora com metodologias
distintas, percebemos a genealogia de Michel Foucault e as
dução, transmissão e aplicação do conhecimento em
propostas construtivistas baseadas nos Novos Paradigmas,
Psicologia, não de maneira reprodutiva e sedimentada, fundamentando pesquisas na Psicologia. A genealogia é um
mas de forma que valorize a singularidade e a inven- método com forte preocupação com a produção de modos
ção, arriscando novas maneiras de pensar e também de de subjetivação que atravessam e atualizam os saberes e as
viver. Somente sustentando a heterogeneidade da vida relações de poder. Busca apreender a relação entre os sujeitos
e da realidade podemos contribuir para uma expansão e a sociedade, atravessados pelas práticas discursivas e pelo
momento histórico. Em Foucault (2004), a genealogia parte
da Psicologia que nos conduza a outras práticas sociais,
da realidade como campo de forças, como luta de intensi-
como estamos sendo convocados a fazer. De acordo com dades e trabalha com uma noção de história “efetiva” que se
Zourabichvili (2004), a vida, a partir de um raciocínio contrapõe à história tradicional, que lida com a temporalidade
deleuziano, pode ser entendida como uma potência, uma linear, a homogeneidade, a busca da origem e da verdade. A
positividade indeterminada e informe, que é em si cria- história “efetiva” é genealógica e se produz a partir de uma

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Psicologia & Sociedade; 21 (2): 166-173, 2009

fragmentação da linearidade, destacando a singularidade Cartografias e devires: a construção do presente (pp. 91-101).
do acontecimento. Os Novos Paradigmas correspondem a Porto Alegre: UFRGS.
mudanças no pensamento científico contemporâneo, ocor- Kuhn, T. (1975). A estrutura das revoluções científicas. São
ridas em diversos campos: na Física e na Química com Ilya Paulo: Perspectiva.
Prigogine; na Biologia com Humberto Maturana e Francisco Mairesse, D. (2003). Cartografia: do método à arte de fazer
Varela; na Cibernética de segunda ordem com Henry Von pesquisa. In T. M. G. Fonseca & P. G. Kirst (Orgs.), Carto-
Foerster. Essas ideias são orientadas para a complexidade e grafias e devires: a construção do presente (pp. 259-271).
embasadas na premência de se trabalhar com o acaso, com Porto Alegre: UFRGS.
o indeterminismo, com a incerteza. Os Novos Paradigmas Morin, E. (1996). Epistemologia da complexidade. In D. Schnit-
fundamentam as propostas construtivistas no campo da man (Org.), Novos paradigmas, cultura e subjetividade (pp.
pesquisa e insistem que a realidade é sempre construída 274-286). Porto Alegre: Artes Médicas.
e atravessada a todo instante pela autorreferência e pela Morin, E. (1983). O problema epistemológico da complexidade.
reflexividade (Schnitman, 1996). Lisboa: Publicações Europa-América.
4
As ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari recebem vários Passos, E. & Benevides de Barros, R. D. (2000). A cons-
nomes, dentre eles, Filosofia da Diferença, Pragmática Uni- trução do plano da clínica e o conceito de transdi-
versal, Paradigma Estético, Paradigma Ético Estético, não ciplinaridade. Psicologia: teoria e pesquisa, 16(1),
somente Esquizoanálise, uma vez que os autores não tinham 71-79. Acesso em 15 de junho, 2006, em http://www.
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71822007000100003&lng=pt&nrm=iso 1ª revisão: 28/03/2009
Kirst, P. G., Giacomel, A. E., Ribeiro, C. J. S., Costa, L. A., &
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