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16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

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Alysson Leandro Mascaro


(https://www.brasil247.com/authors/alysson-
leandro-mascaro)
(https://ww
É professor da Faculdade de Direito da USP
leandro-
mascaro)

Lawfare: uma introdução


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O livro de Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim, Lawfare: uma
introdução, recém publicado pela Editora Contracorrente, é certamente o estudo mais
relevante e importante já escrito a respeito do tema, tanto em nosso país quanto no mundo
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Série Gratuita
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15 de empiricus.com.br/
janeiro de 2020, 13:58 h
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https://www.brasil247.com/blog/lawfare-uma-introducao 1/13
16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

(Foto: Ricardo Stuckert)

(https://news.google.com/publications/CAAqBwgKMPm1uQIwyvUg)
(https://eepurl.com/dpyB_z)

Do site A Terra é Redonda


(https://aterraeredonda.com.br/lawfare-uma-
introducao/)

Comentário sobre o livro de Cristiano Zanin


Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael
Valim.
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O elemento ideológico mais decisivo das
sociedades contemporâneas é o do direito,
2 porque perpassa a infraestrutura e a
superestrutura do capitalismo. Como aLearn More
apropriação dos meios de produção se faz mediante o
instituto jurídico da propriedade privada e como a exploração das massas trabalhadoras se faz
por intermédio de vínculos jurídicos contratuais, então a ideologia do direito é a sustentação
das ideias constitutivas e das relações basilares do próprio modo de produção capitalista.

Por ser o núcleo da própria sociabilidade presente,


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daí deriva que o direito é visto como
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elemento natural,
empiricus.com.br/ normal, neutro, apartado da esfera da produção e da circulação. No que
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tange ao seu afazer, é tomado como técnico, e seus agentes no seio do Estado – juízes,
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legisladores etc. – são tidos como imparciais. Tal leitura beira a ahistoricidade e a naturalização
do direito – onde há sociedade há direito; a ordem é preferível à desordem; o juiz é a boca da lei
etc.
https://www.brasil247.com/blog/lawfare-uma-introducao 2/13
16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

Quando o quadro da ideologia jurídica é criticado e desmontado pela ciência, é esta então que
passa a ser causa de escândalo perante o senso comum. Via de regra, consideram-se as razões
dos legisladores as melhores. Tomam-se os julgamentos por corretos, neutros. Imagina-se que
a subsunção é o método da decisão jurídica.

Ocorre que, conforme apontam tanto as filosofias do direito não-juspositivistas como as


críticas, o direito se faz e se decide pelo poder, não pela norma jurídica. Indo mais a fundo, a
própria forma jurídica e a forma política estatal são formas sociais, relacionais, derivadas da
mercadoria. Não são maiores nem mais fortes que a dinâmica da apropriação e da acumulação.
A natureza estrutural do direito e do Estado é capitalista; suas formas só para o capital se
aproveitam.

Quando se está em tempos de reprodução social quotidiana, a ideologia jurídica é reinante.


Imparcialidade e neutralidade jurídicas presidem o senso comum. Mas, em momentos de crise
estrutural e de injunções econômicas, políticas e sociais extremas, desnuda-se então a crítica
do direito. À testa da crise presente surge, inclusive, uma figura específica, aquilo que se tem
chamado de lawfare.

O livro de Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim, Lawfare: uma
introdução, recém publicado pela Editora Contracorrente, é certamente o estudo mais
relevante e importante já escrito a respeito do tema, tanto em nosso país quanto no mundo.
Tendo sido o Brasil o palco mais decisivo das atuais guerras jurídicas globais, é também daqui,
pelo trabalho prático de defesa advocatícia e pela reflexão teórica decorrente, que se produz
agora a conceituação mais sistemática sobre o tema.
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A proposta do livro é a de forjar uma teoria a respeito do lawfare, distinguindo-o de outras
mazelas daquela que é a reprodução ordinária do próprio direito, ela também atravessada por
impessoalidades, interesses e disputas. Para tanto, busca-se na própria articulação política da
sociedade contemporânea a causa e o impulso da guerra jurídica – interconectada
necessariamente a uma disputa do capital e da política. No dizer dos autores, não se trata
apenas de concorrência,
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contraposição ou disputa
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de interesses recorrentes. O lawfare é uma
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articulação em grau mais alto, da hostilidade; não é da ordem do antagonismo concorrencial,
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mas da relação entre amigo e inimigo.

https://www.brasil247.com/blog/lawfare-uma-introducao 3/13
16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

A definição proposta pelo livro é a de que “lawfare é o uso estratégico do Direito para fins de
deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo”.Ao se operar na definição idealista do direito –
promotor de valores democráticos e inclusivos –, o lawfare com isto se contrasta. Um uso
estratégico do direito rompe com a imparcialidade e a igualdade proclamadas. Nesse mesmo
diapasão, o escopo do lawfare é o de sobrepor opressões, perseguições e dominações ao
inimigo. A fronteira entre legalidade e ilegalidade se torna indistinta.

O propósito de definição categorial do lawfare exige também destacá-lo de fenômenos que lhe
são contíguos e mesmo parcialmente sobrepostos. O livro confronta o tema com três outros
assuntos: estado de exceção, ativismo judicial e guerras híbridas. Ao primeiro de tais temas,
Rafael Valim dedicou uma obra de grande destaque, Estado de exceção: a forma jurídica do
neoliberalismo (Contracorrente). Os autores distinguem os dois fenômenos na medida em que
reservam ao estado de exceção uma tipologia bastante estrita: a condição de afastamento da
normatividade no julgamento.

O lawfare, lastreando-se em mecanismos jurídicos e normativos, seria outro que não a exceção
na medida em que opera no campo da legalidade, manipulando-a por dentro ou nos seus
limites e interstícios. No que tange ao ativismo judicial, que nas últimas décadas expandiu o
quadro da atuação dos poderes judiciários por todo o mundo, o lawfare não é tomado como
seu sinônimo, mas, sim, como uma espécie de sua exorbitância. Por fim, no que tange às atuais
guerras híbridas, que se valem de induções comunicacionais, políticas e religiosas e culturais
para câmbios governamentais forçados, o lawfare é um de seus instrumentos de excelência.

A proposta de Lawfare: uma introdução é a de desvelar o lawfare a partir das estratégias e


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táticas de hostilidade para as quais este é ferramenta.
Learn More Baseando-se em reflexões de autores
estrangeiros, o livro aponta três dimensões estratégicas: geografia, armamento e
externalidades. No que tange à geografia, o lawfare tanto é um instrumento da geopolítica
quanto, naquilo que lhe é específico, é também uma distorção de jurisdições, competências,
foros, magistrados ou operadores afins. Manipulam-se, assim, a garantia do juiz competente e o
princípio do juiz natural.
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Em relação ao armamento, o lawfare vai se escorando em normativas, institutos e arranjos
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jurídicos especificamente erigidos para os fins da perseguição. A partir dos EUA, instrumentos
como o FCPA – Foreign Corruption Practices Act – dão a dimensão de como tal arsenal jurídico
vai se erigindo nacional e internacionalmente.
https://www.brasil247.com/blog/lawfare-uma-introducao 4/13
16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

Por fim, as externalidades são estratégias fundamentais do lawfare: elas envolvem a preparação
do ambiente social, cultural e político que permitirá a hostilidade. A utilização estreita dos
meios de comunicação de massa é seu mais bem acabado exemplo. A guerra de informações e
as operações psicológicas lhe complementam o quadro.

Em relação às táticas, o lawfare se finca em variados mecanismos que atendem às estratégias


geográficas, de armamentos e de externalidade. No campo geográfico, são táticas típicas o
deslocamento jurisdicional e a manipulação das regras de competência. As táticas de
armamento são aquelas que permitem uma artilharia jurídica contra o inimigo: denúncias sem
materialidade ou justa causa; excesso de prisões preventivas; falsas incriminações mediante
delações premiadas; excesso de acusação; método carrotsandsticks nas negociações criminais;
uso do próprio lawfare contra quem contra ele se levanta ou o denuncia.

No campo das externalidades, o lawfare se vale de táticas como a da manipulação de pautas


mobilizadoras contra o inimigo – a bandeira da corrupção sendo a mais frequente delas –; a
criação de desilusões populares; a perseguição a escritórios de advocacia. As ferramentas
internas e externas do lawfare permitem a identificação dos procedimentos e dos movimentos
de seu quadro tipológico.

O livro se debruça, em sua parte final, em alguns casos paradigmáticos de lawfare. O primeiro
deles, de lawfare empresarial, deu-se contra a empresa alemã Siemens, envolvida por
acusações de corrupção no contexto geopolítico das perseguições dos EUA ao Irã na primeira
década dos anos 2000. O segundo caso estudado pelo livro é de lawfare político, tendo por alvo
o senador estadunidense Ted Stevens. O terceiro e mais paradigmático caso trabalhado pelo
livro, também de lawfare político, é o que envolve o presidente brasileiro Lula da Silva.

Sob jurisdição de uma vara federal de Curitiba, casos envolvendo a chamada operação Lava
Jato foram julgados pelo magistrado Sérgio Moro, depois ministro do governo Bolsonaro.
2 Lawfare: uma introdução chega mesmo a incorporar revelações jornalísticas do site The
Learn More bastidores de tal operação e íntimas
Intercept, a chamada Vaza Jato, que demonstram
conexões entre acusação e julgamento. O impacto político e econômico de tal caso é notório e
está em curso.

A análise categorial do lawfare se presta claramente a desvendar chaves centrais da reprodução


capitalista contemporânea e de sua crise. Em Crise e Golpe (Boitempo), insisto com a ideia de
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que,empiricus.com.br/
num modo de produção de exploração concorrencial e atravessado por contradições, lutas
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e antagonismos, sustentado por uma miríade de opressões, erigem-se a forma política estatal e
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a forma de subjetividade jurídica como correlatos necessários da própria forma mercantil.

https://www.brasil247.com/blog/lawfare-uma-introducao 5/13
16/01/2020 Lawfare: uma introdução - Brasil 247

A acumulação é o motor do capitalismo e de suas instituições e aparatos. Assim, direito e


Estado não são – nem poderão ser jamais – motores imparciais da técnica normativa e
institucional que operam. Regra e exceção se imiscuem reiteradamente. O lawfare é uma
concentração específica do geral da juridicidade e da politicidade. Mas, enquanto concentrado,
permite exatamente vislumbrar aquilo que a ideologia jurídica quotidiana oculta.

Em face do lawfare, duas posições críticas possíveis: a primeira delas, idealista, é a de reclamar
a regra contra sua deturpação. Tal seria a reposição da ideologia jurídica no mesmo lugar de
sempre. Há republicanismo, há legalidade, há imparcialidade, há Estado como ordem
normativa, há judiciário técnico; o lawfare é apenas a negação do ideal que se poderia e se
deveria alcançar.

A segunda das críticas é material: o lawfare não é apenas produto de maus governantes,
empresários, juristas e jornalistas, é sim a margem extrema, sempre possível, do rio de uma
sociedade de exploração, opressão, concorrência e disputa. Assim, não é pela crítica moral que
se alcança a natureza do fenômeno. Sua análise categorial revela, concretamente, os
mecanismos regulares e extremos de uma sociabilidade que usa e destrói variados sujeitos em
favor de um só Sujeito causal e final: o capital.

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