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Manual prático de Falcoaria

Apresentação
Não me recordo com exatidão qual foi o momento exato que
despertei o meu interesse pela falcoaria. Quando fecho meus olhos e
procuro uma resposta para essa pergunta umas das primeiras imagens
que vem a minha cabeça e a abertura do programa América Selvagem
apresentado por Marty Stouffers que era exibido a tarde pela TV Cultura
nos anos 90, até então tudo o que eu conhecia sobre aves de rapina era
através de livros. Assistir cenas de Águias, Gaviões, Corujas e falcões
caçando era algo difícil de se ver na televisão que na época era a única
janela para o mundo lá fora. TV a cabo era algo fora da minha realidade
e a internet um sonho distante para a grande maioria de brasileiros.
Acreditem meus amigos, mas já houve um período em que vivíamos sem
TV a cabo e internet e ainda sim éramos muitos felizes. No ano de 2004
conheci o Sr. Jorge Sales Lisboa, então presidente da ABFPAR, na época
ele havia sido transferido para Lagoa Santa, Minas Gerais. Foi através
do Sr. Jorge que tive a oportunidade de colocar pela primeira vez uma
ave em punho, daquele momento em diante eu soube o que queria para
o resto da minha vida. Mas quantos casos afortunados como o que vivi
os senhores conhecem? De ter o privilégio de se iniciar na falcoaria com
um falcoeiro com tamanha experiência e conhecimento? Poucos creio
eu. As palavras as quais pretendo deixar gravadas aqui são um pouco das
experiências que vivenciei ao longo dos anos relacionadas a falcoaria no
Brasil que vão ajudar a dar um norte a quem pretende começar ou já
começou a trilhar esse caminho fascinante que e a falcoaria.

Falcoaria
Rise

Gonna rise up
Burning black holes in dark memories
Gonna rise up
Turning mistakes into gold

Eddie Vedder

Todo aprendizado requer dedicação, humildade e principalmente


paciência ainda mais se tratando de uma arte milenar onde o
aprendizado e eterno. Nem um campo e igual ao outro na falcoaria,
assim como nenhuma ave e igual a outra, sendo assim jamais devemos
esperar qualquer singularidade de quem as maneja. A ética deve sempre
prevalecer sobre qualquer técnica agindo sempre como um fator
decisivo em qualquer situação onde você será o senhor de suas escolhas.
A falcoaria e a compreensão mais intima que podemos ter em relação a
vida e morte daqueles que escolhemos dedicar toda uma vida. Muitas
vezes nos deparamos com pessoas as quais afirmam terem estudado
muito e que finalmente consideram ter chegado o momento em adquirir
sua ave, mas que algumas dúvidas ainda pairam sobre suas cabeças,
como que ave comprar, que tipo de alimentação será melhor para aquela
espécie, a melhor metodologia de treinamento e uma outra series de
dúvidas. Diante de situações como essa a minha conclusão e que essa
pessoa ainda não está preparada para ser responsável por uma ave de
rapina. Tais duvidas não significam que ela não tenha estudado
corretamente, simplesmente mostra que ela não compreendeu a
responsabilidade que assumimos perante aos homens e os animais
quando decidimos nos tornar falcoeiro. Quando escolhemos trilhar o
caminho da falcoaria devemos sempre lembrar que levamos mais do que
uma ave em punho, levamos tradição, cultura, responsabilidades e
acima de tudo uma vida. Ao se tornar falcoeiro devemos estar cientes
que seremos questionados em algum momento por pessoas que desejam
compreender melhor o que fazemos com uma ave de rapina,
questionado por autoridades que querem saber se você pode estar com
essa ave no punho e também será questionado por aqueles que
independente do motivo não querem ver uma ave em seu punho. Para
cada questionamento que nos depararmos seja ele qual for nossas
respostas devem sempre serem blindadas com segurança, empatia,
conhecimento e ética para aqueles que ouvirem a resposta vão saber que
estão lidando com uma pessoa bem informada e responsável pela vida
que carrega junto a luva. A falcoaria e uma espécie de arte, ciência e
sacerdócio que vem sendo passada a milhares de anos geração após
geração, muitas vezes de pai para filho. Um filho jamais vai ter a
possibilidade de escolher quem será o seu pai, já na falcoaria você pode
ter o privilégio de escolher quem será aquele que vai dedicar grande
parte do seu tempo a lhe ensinar a falcoaria. Se tratando de Brasil, um
pais de proporções continentais onde a falcoaria para muitos e algo
novo, ter acesso a um falcoeiro experiente com disponibilidade para lhe
ensinar pode ser algo complicando.
O inicio
Através das redes sócias podemos ter acesso ao dia, dia de milhares de
falcoeiros ao redor do mundo, acompanhar treinamentos de várias
espécies que até então só conhecemos em livros, assistir em tempo real
nascimento de filhotes e até mesmo a falcoaria na pratica em pleno
campo. Esse fácil acesso que utilizado para adquiri conhecimento pode
em muitos momentos ser uma faca de dois gumes. E cada vez mais
comum ver pessoas interessadas em adentrar no mundo falcoaria
pedindo auxilio nas redes sociais, sejam fóruns, Facebook e até mesmo
grupos no WhatsApp, o problema acontece quando quem transmite o
conhecimento não tem a menor noção do que está falando, e como a
grande maioria dos iniciantes não se dá ao mínimo de trabalho em ler
sobre o assunto acaba não sabendo filtrar aquilo que lhe e dito.
Informações erradas são perigosas e podem trazer inúmeros problemas,
não apenas na falcoaria, em qualquer situação. Mas de quem é a culpa?
Quando você vai fazer um vestibular você antes procura saber sobre a
instituição, se ela tem aprovação do MEC, se ela e bem-conceituada no
mercado. Quando vamos comprar um imóvel e de praxe que se consulte
sobre a construtora, se suas construções são de qualidade, se existe
reclamações sobre a mesma no nos órgãos de defesa do consumidor e
assim fazemos com tudo antes de fechar um negócio, com a falcoaria não
deveria ser diferente, quem é a pessoa que está lhe aconselhando? Qual
é a sua real experiência? A quanto tempo ele pratica falcoaria? Quais
espécies ela manejou? Na grande maioria das vezes podemos sanar essas
dúvidas questionando diretamente aquele que está disposto a lhe
ensinar, mas qual e a garantia que vamos escutar somente a verdade? A
não ser que você perca seu tempo contratando um detetive particular a
melhor saída e se filiar a uma associação ou clube de falcoaria. Se
associar e o primeiro passo para aquele que quer dar início no seu
aprendizado, além da ABFPAR – Associação Brasileira de Falcoeiros e
Preservação de Aves de Rapina, temos a ANF – Associação Nordestina
de Falcoaria e vários outros clubes e associações regionais. Antes de se
associar procure saber quais são só objetivos da associação, se ela possui
algum projeto para qualificação de novos falcoeiros, se ela possui
falcoeiros em sua região que possam lhe auxiliar na sua formação. A
possibilidade de ter um tutor através de uma associação e muito grande,
sendo o mesmo designado pela associação aumenta em muito as
chances de ser uma pessoa qualificada para lhe transmitir todo o seu
aprendizado. Além de lhe garantir um aprendizado de qualidade, ao se
filiar você soma força com as instituições que lutam pelos seus interesses
e diretos, dessa forma todos saem ganhando, principalmente a falcoaria.

Tutor
A falcoaria e uma tradição passada através de milênios entre professor e
aprendiz, em muitos casos de pai para filho, o termo mais utilizado hoje
em dia para se referir ao professor e o termo tutor. O bom tutor age como
um verdadeiro pai, transmitindo todo o seu aprendizado para o
aprendiz, essa relação tende ser eterna, aprendiz e tutor estarão sempre
ligados pelo vinculo da falcoaria, pois, a troca de aprendizado e eterna,
e ambos aprendem um com o outro no caminhar dessa ‘estrada. Para se
tornar um bom aprendiz existem três virtudes as quais são
indispensáveis: Humildade, paciência e dedicação. Considero a
humildade a maior das três virtudes, e ela que lhe possibilita absorver
todo o conhecimento que lhe e transmitido. Trabalhar com animais,
especificamente as aves requer um nível de paciência muito grande, pois
na maioria das vezes quem dita o tempo e a ave, cada indivíduo e único
no seu aprendizado, esperar o tempo necessário para nascer aquela pena
ou um tratamento de saúde pode ser uma verdadeira escola. Uma das
perguntas que mais escuto e relacionada a quanto tempo se leva para se
tornar um falcoeiro, sempre respondo que vai depender da sua
dedicação como aprendiz. Aprender falcoaria não e muito diferente de
uma faculdade, você precisa estudar todos os dias, frequentar a sala de
aula e abdicar de muitas coisas. Certamente um falcoeiro que tem um
contato diário com o seu tutor estará apto para ter a sua própria ave bem
antes daquele que só tem os finais de semana para se dedicar, lembrando
que para se obter êxito na falcoaria e necessário que parte pratica e
teórica andem de mão dadas e nas devidas proporções, estar em campo
com uma ave e tão importante quanto ter o habito de ler bons livros e
vídeos sobre o tema, dificilmente vai faltar material bibliográfico para
um falcoeiro. Apesar de ser uma atividade milenar, todos os dias
descobrimos algo novo, seja um novo método de treinamento, uma
espécie nova a qual ninguém havia treinado antes ou um novo
equipamento de telemetria. Ninguém melhor do que o seu tutor para lhe
indicar bons livros, ele sempre será o seu Norte, mesmo quando você
estiver voando a sua ave e a ele que você sempre deve recorrer, ninguém
conhece melhor os nossos pontos fortes e fracos do que o nosso tutor o
qual nos acompanhou desde e o começo.

Logística

Em muitos aspectos, a falcoaria se assemelha à paternidade.


Quando planejamos ter uma ave, é recomendável que o enxoval já tenha
sido preparado, que o quarto/recinto já esteja pronto para recebe-la.
Quando o seu tutor sentir que você está preparado para assumir a
responsabilidade de ter uma ave, dá-se início a um dos grandes
momentos da vida do falcoeiro, uma das sensações mais incríveis que
esse meio nos reserva.
Mas como se compra uma ave de rapina no Brasil? Hoje contamos
com 5 criadouros comerciais, sendo três em Minas Gerais, um no Rio de
Janeiro e o outro no Sul do país. São mais de 15 espécies de aves de
rapina reproduzidas no Brasil, em sua maior parte, excelentes espécies
para a prática da falcoaria. A grande maioria dos criadouros trabalha
com reserva, em que 50% do valor da ave é dado como entrada e o
restante na retirada. Esse tipo de sistema é literalmente contar com o
ovo no C$%$ do gavião, e quem aceita jogar esse jogo deve estar ciente
das suas regras. Não existem garantias de que um filhote vai nascer, de
que ele será do sexo desejado e, muito menos, de que ele sobreviverá até
a entrega. Assim, para que ambas as partes possam negociar sem
maiores complicações, principalmente, no caso de infortúnios, faz-se
necessária a criação de um contrato que deixe tudo às claras: valores
pagos, data de entrega, obrigações e direitos. Todo criadouro trabalha
para que tudo dê certo, acredito que deve haver uma enorme satisfação
para o criadouro ver a sua ave sendo bem treinada nas mãos de um bom
falcoeiro, mas sabemos que nem tudo depende do criadouro, então para
que ninguém saia no prejuízo, a elaboração de um contrato de compra é
imprescindível. Outro fator muito importante para o sucesso do
treinamento é a utilização de bons equipamentos.

Os equipamentos básicos são em sua grande maioria, fabricados pelo


próprio falcoeiro. Fazer um capuz ou uma luva requer muita dedicação
e habilidade, com isso, compra-los é uma opção melhor do que tentar
fabricá-los. Outros equipamentos como correias e braceletes, que são
bem mais simples, o falcoeiro tem obrigação de saber fabricar, não saber
confeccioná-los seria comparável a dirigir um carro e não saber trocar
um pneu. A logística, entretanto, vai muito além dos equipamentos,
manter um animal em constante treinamento é algo que pode sair
relativamente caro. Por exemplo, em Belo Horizonte, o campo mais
próximo que uso para treinar minhas aves está a exatos 40km,
totalizando 80km cada vez que vou a campo. Hoje, com a gasolina a
R$5,00, gasto em média R$40,00 para cada ida ao campo. Assim, indo
três vezes na semana, o gasto mensal giraria em torno de R$500,00 só
de combustível, sem contabilizar pedágio e desgaste do carro. Por isso,
é muito importante conhecer o tipo de campo ideal para cada tipo de ave
e se ele é acessível, visto que boa parte dos campos possuem
proprietários, que nem sempre permitem que adentremos em suas
propriedades. Entrar sem autorização é crime, não se esqueça disso.
Além disso, é necessário saber se é um lugar seguro para se frequentar,
afinal você estará com sua ave, que tem um grande valor agregado. Não
se deve considerar apenas o valor da compra, pois existe muita
dedicação, e muito tempo de treino, além da cumplicidade e do amor do
falcoeiro para a ave, fora os equipamentos. A melhor maneira de
minimizar os custos e os riscos é realizando as atividades com amigos
também interessados na falcoaria. Volta a dizer, se existe algum clube
ou associação que tenha membros próximo de você, o melhor a ser feito
é se filiar: você contribui com a falcoaria e ainda contribui para o seu
aprendizado. Não havendo nenhuma instituição com membros na sua
região, peça apoio aos demais clubes regionais para criar um clube: você
divulga a falcoaria e consegue novos adeptos com os quais as
experiências podem ser compartilhadas bem como os custos.
Um outro ponto muito importante na logística de todo falcoeiro é a
alimentação, a melhor maneira de manter a sua ave de rapina sempre
saudável é proporcionando uma alimentação balanceada que consiste
em carne fresca, preferencialmente, carne do tipo de animal que ela
comeria em vida livre. Se a ave tem o hábito de se alimentar de outras
aves, você tem a opção de ofertar codorna, pombo e pintinho, todos esses
alimentos são de fácil acesso, inclusive você pode até mesmo criar se
tiver condição. Caso a ave tenha hábitos alimentares de predar
mamíferos, a criação de coelhos, porquinhos da índia, ratos e
camundongos é a melhor saída. Tenha muito cuidado na forma que esses
alimentos são acondicionados, não ofereça alimentos que estão há mais
de 4 meses congelados, pois depois do terceiro mês de congelamento
esses alimentos começam a perder os nutrientes. Lembre-se de que, na
natureza, a as aves de rapina consomem toda a presa. Dessa forma, a
única parte que julgo essencial de ser removida do alimento é o trato
digestivo porque é a que contém a maior parte dos parasitas. Antes de
abater o alimento, é necessário fazer algumas verificações para
confirmar se o alimento é de qualidade. Quando o alimento for pombo,
o cuidado deve ser redobrado, visto que o pombo é hospedeiro de uma
série de doenças que são facilmente transmissíveis para as nossas aves.

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