Você está na página 1de 4

DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA PERANTE OS CONCEITOS

JURIDICOS INDETERMINADOS

Autora: Rita Tourinho, 2008

CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E DISCRICIONARIEDADE


ADMINSTRATIVA: UM ESTUDO A PARTIR DA TEORIA DA
ADEQUABILIDADE NORMATIVA.

Autor: Flávio Henrique Unes Pereira, 2008

Este tópico busca analisar a questão da indeterminabilidade do conceito de


interesse público, característica tão criticada pela nova doutrina administrativista.
Assim, será averiguado como o ordenamento jurídico brasileiro trata a questão de
conceitos plurissignificativos.
De antemão, deixa-se evidente que há divergência doutrinária a respeito da
possível discricionariedade administrativa perante conceitos fluidos. Para alguns autores
a discricionariedade administrativa é característica que não cabe nos conceitos jurídicos
indeterminados, para outros é possível falar que conceitos jurídicos plurissignificativos
possuem como uma de suas características a discricionariedade administativa.
Ressalta-se a necessidade deste tópico, pois quando for abordado a incidência
do interesse público na Unidade de Conservação Parque Sumaúma, será analisado a sua
aplicação sendo um conceito jurídico indeterminado – esta tarefa é de suma
importância, pois ambos os institutos (conceitos jurídicos indeterminados e
discricionariedade administrativa) possuem efeitos de aplicabilidade, que serão exibidos
a seguir.
Tourinho (2008, p. 1) ensina que o estudo dos conceitos jurídicos
indeterminados surgiu no século XIX, com a finalidade de descobrir se tal instituto
poderia ser ou não controlado pelos tribunais administrativista austriacos.
Nas palavras da autora, os conceitos jurídicos plurissignificativos “são
formados por símbolos, que nada mais são do que signos linguísticos, com base
fonética, aos quais são conferidos significados através do uso.” (TOURINHO, 2008).
Os conceitos jurídicos podem se apresentar de duas formas no caso concreto:
ou a sua aplicação se limita a pura constatação, sem que haja dúvida a respeito do
aspecto material abrangido pelo conceito; ou sua aplicação possuirá um amplo campo
de significação, buscando, através da interpretação, o real sentido para o caso concreto
aplicado – o interesse público se apresenta como esta ultima forma, pois há uma
inequivocidade dificil de ser alcançada do seu conceito, necessitando, no caso concreto,
da aplicação da atividade interpretativa. (TOURINHO, 2008, p. 2).

Os conceitos jurídicos indeterminados, cuja extensão, denotativa não pode


ser determinada de antemão, não se limitam ao campo do direito público,
sendo comum em todas as esferas do Direito. A boa-fé, a autonomia da
vontade, o conceito de fidelidade são alguns exemplos de conceitos jurídicos
indeterminados aplicaods no direito privado. A diferença é que, no primeiro
caso, a atividade interpretativa, em princípio, será desenvolvida pelo
administrador público. Na segunda hipótese, caberá ao juiz o alcance da
significação do conceito impreciso. (TOURINHO, 2008, p. 3).

Tourinho (2008, p. 3) aponta que a grande controvérsia a respeito deste terma


diz respeito a existência ou não de discricionarieade nos conceitos jurídicos
indeterminados.

As duas teses, apesar de posssuírem aspectos particulares, são idênticas no


essencial, quer dizer, ambas concordam que os conceitos jurídicos
indeterminados admitem valorações diversas. Em consequência, diante dessa
diversidade de valoração, seria a Administração Pública melhor indicada para
dizer qual a solução melhor aplicável a espécie, uma vez que possui
conhecimento especializado quanto ao problema administrativo
(TOURINHO, 2008, p.11).

Esta problemática encontra-se no âmbito de todos os ramos do Direito.


Entretanto, o tema ganha maior prestígio no campo do Direito Administrativo, visto que
a aplicação destes conceitos é feita pelo Estado. (PEREIRA, 2008, p. 4).
Tal divergência doutrinária tem origem alemã. Entretanto, no Brasil, Tourinho
(2008, p. 7) afirma que a questão é enfrentada, ainda que não haja um posicionamento
uniforme, e remete ao autor Celso Antônio Bandeira de Mello, que abordou o problema
dos conceitos jurídicos indeterminados quando trabalhou em seu livro sobre
discricionariedade e controle judicial.
Para Mello (2008) os conceitos jurídicos indeterminados são considerados
como um ato de compreensão, ao passo que a discricionariedade administrativa é
considerada como um ato de vontade. Embora haja esta diferenciação, o autor afirma
que ambas possuem os mesmo efeitos jurídicos – qual seja, os efeitos da da
discricionariedade administrativa – de forma que o controle judicial será limitado.
Vejamos:
Ressalta-se, afinal, sublinhadamente, que o Judiciário tanto interpreta a lei –
para corrigir atos que desbordem das possbilidades abertas pela moldura
normativa – nos casos em que verifica se os conceito vagos ou imprecisos
foram apreendidos pela Administração dentro da significação contextual que
comportavam, como quando, para os mesmo fins, verifica se a opção de
conveniência e oportunidade se fez sem desvio de poder, isto é, obsequiosa às
finalidades da lei. Não há diferença entre uma e outra situação no que
concerne à correção judicial cabível. Em abos os casos o Judiciário pratica,
desde logo, o ato de intelecção da lei, interpretando-a e confrontando-a com o
caso concreto, para aferir se foi bem ou mal aplicada. Nenhuma diferença
existe entre estas análises e em ambas a extensão de investigação judicial é a
mesma. Assim, tanto em uma como em outra, se for o caso, terá de concluir
que o ato administrativo não é passível de censura porque a Administração
atuou dentro de esfera legítima, isto é, dentro do campo de liberdade
(intelectiva ou volitiva) que a lei lhe proporciona, seja porque não excedeu a
esfera de intelecção razoável de um conceito fluido, seja porque não se
excedeu ao decidir que tal ou qual comportamento era o mais conveniente e
oportuno, por ter se mantido dentro dos limites da razoabilidade. Assim,
também nisto se confirma a total parificação jurídica das situações. (MELLO,
2008, p. 27).

Divergentemente, Tourinho (2008) se posiciona aos pensamentos de Mello


(2008), dispondo-se aos que defendem a distinção entre os conceitos jurídicos
indeterminados e a discricionariedade administrativa. Inclusive o Superior Tribunal de
Justiça, por meio da decisão emanada no Agravo Regimental na Medida Cautelar n.º
4.053 – RS manifestou-se sobre a diferenciação entre conceitos jurídicos
indeterminados e discricionariedade.
A discricionariedade administrativa é acobertada por uma pluralidade de
soluções justas, havendo uma liberdade, ainda que limitada, na eleição da melhor
decisão administrativa de mérito, através das circunstâncias de conveniência e
oportunidade.
No mesmo sentido, Pereira (2008, p. 1) afirma que inexiste descrição
administrativa quando se falar em atividade interpretativa nos casos de aplicação de
conceitos jurídicos indeterminados. Isto porque a discricionariedade administrativa
envolve margem de liberdade para o administrador, que diante de vários
comportamentos possíveis, escolhe o melhor deles ao caso concreto – sendo que tais
comportamentos são igualmente válidos no ordenamento jurídico.
Já os conceitos jurídicos indeterminados dizem respeito a normas com
conceitos os quais dependem da atividade interpretativa para alcançar seu sentido, que
poderá variar dependendo do caso concreto – neste caso, acontece um juízo de
legalidade, diferentemente do que ocorre no caso de discricionariedade administrativa,
na qual se processa um juízo de conveniência e oportunidade. (PEREIRA, 2008, p.8).
Neste sentido, “o intérprete, ao desenvolver o racíocínio de uma interpretação,
chegará a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possível adotar tal ou
qual conceito, guiado por uma liberdade subjetiva”. (TOURINHO, 2008, p. 9-10).
Neste mesmo sentido é o pensamento de Pereira (2008, p. 3) que afirma que na
aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, o que ocorre, na verdade, é a aplicação
da lei – o que não enseja intervenção subjetiva do julgador.

Ora, deparando-se com conceitos jurídicos indeterminados caberá apreender-


lhes o sentido através de operação interpretativa, consistente em uma mera
intelecção da lei, ao contrário da discricionáriedade administrativa que
permite uma opção administrativa volitiva, observados os limites normativos.
A indeterminação dos conceitos jurídicos somente concerne ao seu enunciado
e não a sua aplicação, que permite a princípio, uma única solução justa,
verificados critérios de tempo e espaço. Diferentemente, na
discricionariedade, brinda-se um conjunto opcional de soluções, devendo ser
escolhida aquela que melhor convenha ao fim que recomenda o ordenamento
jurídico. (TOURINHO, 2008, p. 10)

Desta forma, tanto Tourinho (2008) quanto Pereira (2008) afirmam que a
aplicação de conceitos jurídicos indeterminados não compromete o amplo controle
judicial, visto que é uma atividade interpretativa e de aplicação da lei, verdadeiro juízo
de legalidade. Não se trata de uma apreciação pautada em juízo de conveniência e
oportunidade, até porque o controle, neste caso, é inicialmente restrito, visto que é uma
opção administrativa.

Dessa forma, sustentar a existência de discricionariedade administrativa


quando presente “fluidez significativa do pressuposto ou da finalidade da
norma”, nas hipóteses em que se pode admitir mais de um ponto de vista
razoável ou que haveria dúvida ineliminável, é ignorar a existência de um
plano de justificação (legislação) que se diferencia do plano de aplicação das
normas. (PEREIRA, 2008, p. 19).

Desta forma, quando nos depararmos com o caso concreto do Parque Estadual
Sumauma, poderemos analisar se a incidência do interesse público foi utilizada como
um conceito jurídico indeterminado, e se houve a discricionariedade administrativa no
atos que fundamentaram a aplicação deste interesse.

Você também pode gostar