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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FACULDADE DE MEDICINA
INTERNATO EM SAÚDE MENTAL

Tendo como base alguma(s) situação(ões) vivenciada(s) junto a usuário/a(s) durante o estágio no
CAPS Casa Verde, escreva uma reflexão crítica, utilizando de três a quatro páginas. Utilize e cite,
obrigatoriamente, pelo menos o material disponibilizado: filme “Em nome da razão” e texto sobre a
Reforma Psiquiátrica.

Nome do/a estudante: FELIPE DIAS DO SANTOS.


Turma e período de estágio: GRUPO 2; 9º PERÍODO.

O estágio no CAPS Casa Verde, em contraste com o estágio no HEPR, permitiu a imersão no
modelo assistencial em saúde mental, reorientado a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os


Dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira. É o surgimento destes serviços que passa a
demonstrar a possibilidade de organização de uma rede substitutiva ao
Hospital Psiquiátrico no país. É função dos CAPS prestar atendimento clínico
em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospitais
psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos
mentais através de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de
assistência em saúde mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção
à saúde mental na rede básica (BRASIL, 2005, p. 2).

O fato de atenção ser diária facilita o acolhimento e a inserção do usuário, além de manter um
acompanhamento mais próximo. Todos os dias o clima era agradável à chegada, os usuários
passavam a impressão de estarem satisfeitos em estar ali logo cedo pela manhã. A primeira
atividade que participei foi o alongamento com músicas selecionadas antecipadamente pelos
próprios pacientes e, em seguida, foi iniciada a caminhada na área verde arborizada no entorno do
imóvel. Além do objetivo de exercício físico, foi possível o entrosamento entre os usuários e os
estagiários (da medicina e da terapia ocupacional com a supervisora). Daí que se construíram os
primeiros diálogos ao mesmo tempo que começamos a conhecer um pouco da história de cada
um. Ao término, todos se reuniram em um círculo para dizer algumas palavras de agradecimento e
de positividade para o início do dia. A maioria dos usuários participou e transpareceu
contentamento pelo momento, outros ficaram sentados apenas observando. Vale ressaltar a livre
escolha em participar da atividade, sem obrigação ou dever imposto pela equipe assistencial.
A nova inserção social por meio da intersetorialidade ficou bastante evidente com um
episódio ocorrido com a usuária R. Ela foi estimulada no serviço a realizar um trabalho artesanal
com desenho, pintura e bordado. No primeiro dia de estágio, mostrou quais eram os materiais
utilizados, explicou a técnica e apresentou alguns artigos já confeccionados (Figura 1). A usuária
R tinha o desejo de praticar o ballet, sendo assim, a equipe ciente disso, convenceu o pai dela a
levá-la, junto com a enfermeira do serviço, a uma escola de ballet e ficou acertado que um dia no
CAPS fosse substituído pela nova atividade. O relato é um exemplo clássico do quanto a arteterapia
pode ser inclusiva e trazer benefícios para o usuário, com foco em inclusão, elevação da
autoestima, desenvolvimento de habilidades, sendo possível explorar os limites e as
potencialidades.

Figura 1. Trabalho artesanal da usuária R.

Em conversação com os usuários, nota-se que não são poucos aqueles institucionalizados
previamente no HERP, uma ou mais vezes. Nesse sentido, não é difícil perceber o relevante
contraste entre pacientes hospitalares e usuários do CAPS, com relação à autonomia do indivíduo,
ao contato com familiares e amigos, ao foco da assistência entre a patologia e o sujeito. O modelo
assistencial hospitalocêntrico se baseia num arcaico processo de exclusão e isolamento dos
pacientes, com modos de funcionamento habituais que implicam constantemente na ausência de
instrumentos básicos para o exercício da cidadania (BRASIL, 2005). JÁ a rede de saúde mental
com a qual se intenciona substituir e não complementar os hospitais, tendo o CAPS como clínica
modelo e porta de entrada, deve adotar uma conduta inclusiva, compreensiva, humanizada. Os
documentários “Em nome da razão” (1979) e “Holocausto Brasileiro” (2016) retratam de forma
impactante os efeitos nocivos aos cidadãos provocados pela reclusão e negação da convivência
social.
O curta-metragem “Trajetórias de Uma Crise” (2015), roteirizado, produzido e encenado por
usuários da rede pública de saúde mental de Guarulhos, com direção de Marco Ribeiro, é uma obra
baseada em fatos reais, em que se retrata a trajetória de duas pessoas em situação de sofrimento
psíquico que recebem atendimentos contrastantes. Durante um evento agudo, Santiago Cruz de
Souza é levado ao Hospital Municipal de Urgências (HMU), onde é contido fisicamente e medicado
compulsoriamente. Em contrapartida, Joana dos Anjos é levada ao CAPS, onde inicialmente é
acolhida e ouvida. Como parte do tratamento, ela é inserida em atividades lúdicas, a citar, oficinas
de teatro, de música e de leitura e é medicada mediante consentimento. Esta obra é exemplo
concreto dos benefícios e potencialidades do funcionamento pleno e aplicação adequada dos
recursos do CAPS.
O CAPS não se faz isolado e é por este motivo que a boa articulação da rede de saúde
mental é de extrema importância para sua concretude. O estágio possibilitou a participação em
reunião da equipe multidisciplinar para discussão dos casos clínicos e de assuntos administrativos.
Durante o momento, evidenciou-se a prática da intersetorialidade, quando se contatou o CREA e
cogitou-se emprestar o carro de alguma secretaria para ir ao domicílio de um usuário faltoso.
Exploraram-se os casos na busca de soluções práticas dentro das possibilidades e recursos do
serviço. No geral, a experiência foi riquíssima e inédita na graduação para mim e meus colegas
uma vez que demonstrou o quanto uma equipe integrada e focada em dar boas condições de
assistência pode ter um amplo alcance e poder de resolutividade.
Diante do exposto, afirmo que o CAPS-Casa Verde é um referencial para muitas famílias
que puderam ver recuperados seus integrantes, com restabelecimento do funcionamento social e
de certa autonomia. O serviço tem necessidades a suprir nos quesitos diversificação de oficinas,
de atividades terapêuticas de grupo, prática esportiva e lazer, alimentação balanceada e nutritiva
Como parte do Sistema Único de Saúde, sofre com a escassez de recursos e incentivos que
promovam a melhoria contínua de suas atividades. Cabe apelação aos gestores públicos para que
adotem uma visão valorativa que impulsione e poencialize o aparelho.

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