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Fábio Merçon, Pedro Ivo Canesso Guimarães e Fernando Benedito Mainier

Corrosão é um conceito químico conhecido e usualmente empregado no cotidiano. Apesar de ser


comumente associado aos metais, este é um fenômeno muito mais amplo e também ocorre com materiais
não metálicos. Devido aos seus diversos tipos, esse processo está presente em diferentes situações, sempre
associado à redução da vida útil de um determinado bem. No presente trabalho, pretende-se abordar os
principais aspectos da corrosão e alguns métodos de prevenção.


corrosão, eletroquímica, cotidiano

Recebido em 23/09/03; aceito em 12/04/04

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e um modo geral, a corrosão é partes de equipamentos e instalações Reação catódica (redução):
um processo resultante da deterioradas pela corrosão (Nunes e 2H2O + 2e– → H2 + 2OH– (2)
ação do meio sobre um de- Lobo, 1990). 2+
terminado material, causando sua Cientificamente, o termo corrosão Neste processo, os íons Fe mi-
deterioração. A primeira associação tem sido empregado para designar o gram em direção à região catódica,
que se faz é com a ferrugem, a cama- processo de destruição total, parcial, enquanto os íons OH– direcionam-se
da de cor marrom-avermelhada que se superficial ou estrutural dos materiais para a anódica. Assim, em uma re-
forma em superfícies metálicas. Apesar por um ataque eletroquímico, químico gião intermediária, ocorre a formação
da estreita relação com os metais, esse ou eletrolítico. Com base nesta defini- do hidróxido ferroso:
fenômeno ocorre em outros materiais, ção, pode-se classificar a corrosão em: Fe2+ + 2OH– → Fe(OH)2 (3)
como concreto e polímeros orgânicos, eletroquímica, química e eletrolítica.
entre outros. Sem que se perceba, pro- Em meio com baixo teor de oxi-
cessos corrosivos estão presentes Corrosão eletroquímica gênio, o hidróxido ferroso sofre a se-
direta ou indiretamente no nosso A corrosão eletroquímica é um pro- guinte transformação:
cotidiano, pois podem ocorrer em gra- cesso espontâneo, passível de ocor- 3Fe(OH)2 →
des, automóveis, eletrodomésticos e rer quando o metal está em contato Fe3O4 + 2H2O + H2 (4)
instalações industriais. com um eletrólito, onde acontecem,
Do ponto de vista econômico, os simultaneamente, reações anódicas e Por sua vez, caso o teor de oxigê-
prejuízos causados catódicas. É mais fre- nio seja elevado, tem-se:
atingem custos extre- Corrosão é um processo qüente na natureza e 2Fe(OH)2 + H2O + 1/2O2 →
mamente altos, re- resultante da ação do meio se caracteriza por rea- 2Fe(OH)3 (5)
sultando em conside- sobre um determinado lizar-se necessaria-
ráveis desperdícios material, causando sua mente na presença
deterioração 2Fe(OH)3 → Fe2O3.H2O + 2H2O (6)
de investimento; isto de água, na maioria
sem falar dos aciden- das vezes a tempe- Assim, o produto final da corrosão,
tes e perdas de vidas humanas provo- ratura ambiente e com a formação de ou seja, a ferrugem, consiste nos
cados por contaminações, poluição e uma pilha de corrosão. Como exemplo, compostos Fe3O4 (coloração preta) e
falta de segurança dos equipamentos. tem-se a formação da ferrugem Fe2O3.H2O (coloração alaranjada ou
Estima-se que uma parcela superior a (Equações 1 a 6). castanho-avermelhada).
30% do aço produzido no mundo seja Reação anódica (oxidação): Outro exemplo desse tipo de cor-
usada para reposição de peças e Fe → Fe2+ + 2e– (1) rosão ocorre quando se colocam dois

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metais diferentes ligados na presen- sitar de água, corresponde ao ataque
ça de um eletrólito. Na Figura 1, tem- de um agente químico diretamente
se o exemplo de uma pilha galvânica, sobre o material, sem transferência de
onde a área anódica (Fe) sofre o des- elétrons de uma área para outra.
gaste. O eletrólito é uma solução con- No caso de um metal, o processo
dutora ou condutor consiste numa rea-
iônico que envolve si- A corrosão química ção química entre o
multaneamente as decorre do ataque de um meio corrosivo e o
áreas anódicas e ca- agente químico material metálico, re-
tódicas. diretamente sobre o sultando na forma-
Um outro exem- material, sem transferência ção de um produto
plo desse tipo de cor- de elétrons de uma área de corrosão sobre a
rosão, agora em um para outra sua superfície. Um
monumento histó- exemplo desse pro-
rico, é apresentado na Figura 2. cesso é a corrosão de zinco metálico
A intensidade do processo de cor- em presença de ácido sulfúrico:
rosão é avaliada pela carga ou quan- Zn + H2SO4 → ZnSO4 + H2 (7)
tidade de íons que se descarregam
no catodo ou pelo número de elétrons Os polímeros (plásticos e borra-
que migram do anodo para o catodo, chas) também podem sofrer corro-
sendo que a diferença de potencial são, ou melhor, uma degradação, pe-
da pilha (ddp) será mais acentuada la ação do meio, de solventes ou de
quanto mais distantes estiverem os oxidantes enérgicos. Nessa corrosão,
metais na tabela de potenciais de ele- as reações químicas levam à cisão
trodo - Tabela 1 (Nunes e Lobo, 1990). das macromoléculas, em geral com
12 comprometimento das propriedades
Corrosão química físicas e químicas do material, como
A corrosão química, também co- ocorre na hidrólise do poli(tereftalato
nhecida como seca, por não neces- de etileno) (PET), apresentada na
Equação 8. Dessa forma, há a des-
Figura 2: Corrosão eletroquímica, decor-
caracterização do material com a rente da exposição atmosférica, no gradil
perda da rigidez e da flexibili- em monumento de ferro fundido situado
dade, acarretando o seu des- na Praça Tiradentes (Centro do Rio de
gaste, além de mudanças no seu Janeiro): (a) vista da coluna do gradil; (b)
aspecto. detalhe ampliado da base da coluna.

Tabela 1: Alguns valores de potenciais padrões de eletrodo*.


Reação do eletrodo Potencial padrão, E0 / V
Mg2+ + 2e– Mg -2,372
3+ –
Al + 3e Al -1,662
2+ –
Ti + 2e Ti -1,630
2+ –
Zn + 2e Zn -0,762
Cr3+ + 3e– Cr -0,744
2+ –
Fe + 2e Fe -0,447
2+ –
Ni + 2e Ni -0,257
2+ –
Pb + 2e Pb -0,126

2H+ + 2e– H2 0

Cu2+ + 2e– Cu 0,342


Ag+ + e– Ag 0,800
Pd2+ + 2e– Pd 0,951
3+ –
Au + 3e Au 1,498
Figura 1: Pilha de corrosão eletroquímica com dois eletrodos *CRC handbook of chemistry and physics. 79ª ed. Boca
diferentes (adaptado de Nunes e Lobo, 1990). Raton: CRC Pres, 1979.

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A destruição do concreto, obser- tróleo e de água potável, em cabos A proteção anódica baseia-se na
vada nas pontes e viadutos, tem telefônicos enterrados, em tanques formação de uma película protetora nos
como uma de causas a corrosão quí- de postos de gasolina etc. Geralmen- materiais metálicos por aplicação de
mica, devida à ação dos agentes te, essas correntes são devidas a defi- corrente anódica externa, causando a
poluentes sobre seus constituintes ciências de isolamento ou de ater-
(cimento, areia e ramento, fora de es-
agregados de dife- A corrosão eletrolítica se pecificações técni-
rentes tamanhos). caracteriza por ser um cas. Normalmente,
Essa corrosão tam- processo eletroquímico, acontecem furos iso-
bém afeta a estabili- que se dá com a aplicação lados nas instala-
dade e durabilidade de corrente elétrica ções, onde a corren-
das estruturas, sen- externa, ou seja, trata-se te escapa para o
do muito rápida e de uma corrosão não- solo. A Figura 4 apre-
progressiva. Fatores espontânea senta furos em tubos
mecânicos (vibra- de aço-carbono cau-
ções e erosão), físicos (variação de sados por esse tipo de corrosão.
temperatura), biológicos (bactérias)
ou químicos (em geral ácidos e sais) Como minimizar os efeitos da
são os responsáveis por esse proces- corrosão?
so (Gentil, 2003). A corrosão é um permanente de-
safio ao homem, pois quanto mais a
ciência cria, evolui e a tecnologia
avança, mais ela encontra espaço e
maneiras de se fazer presente.
Às vezes, o custo de um novo ma-
terial que substituirá o antigo é de 20 13
a 50 vezes mais alto, o que inviabiliza
a reposição. Assim, na maioria das
vezes, é necessário o emprego de
O concreto é constituído principal- uma técnica anticorrosiva. Os proces-
mente por silicatos e aluminatos de sos mais empregados para a preven-
cálcio e óxido de ferro, que se decom- ção da corrosão são a proteção
põem ao entrar em contato com áci- catódica e anódica, os revestimentos
dos, conforme representado na Equa- e os inibidores de corrosão. Figura 3: Corrosão química em concreto
ção 9. A proteção catódica é a técnica armado: (a) poste; (b) mureta (Boa
que transforma a estrutura metálica Viagem, Niterói - RJ).
3CaO.2SiO2.3H2O + 6HCl →
que se deseja proteger em uma pilha
3CaCl2 + 2SiO2 + 6H2O (9)
artificial, evitando, assim, que a estru-
Uma segunda causa para a dete- tura se deteriore (Dutra e Nunes,
rioração do concreto é a corrosão ele- 1987). É graças à proteção catódica
troquímica que ocorre nas armadu- que tubulações enterradas para o
ras de aço-carbono em seu interior. transporte de água, petróleo e gás, e
A Figura 3 ilustra dois exemplos de grandes estruturas portuárias e plata-
corrosão química em concreto arma- formas marítimas operam com segu-
do e conseqüente exposição da es- rança. A proteção catódica de estru-
trutura de vergalhões de aço, a qual turas metálicas é baseada na injeção
é passível de corrosão eletroquímica. de corrente elétrica por meio de duas
técnicas: a proteção por anodos gal-
Corrosão eletrolítica vânicos (espontânea) e a proteção
A corrosão eletrolítica se carac- por corrente impressa (não-espontâ-
teriza por ser um processo eletroquí- nea).
mico, que se dá com a aplicação de A Figura 5 mostra um exemplo de
corrente elétrica externa, ou seja, tra- proteção catódica por anodos de
ta-se de uma corrosão não-espontâ- zinco, em navios, onde há a formação
nea. Esse fenômeno é provocado por de uma pilha na qual, em função de Figura 4: Corrosão eletrolítica em tubos
correntes de fuga, também chamadas seu maior potencial de oxidação, o de aço-carbono provocada por corrente
de parasitas ou estranhas, e ocorre zinco atua como anodo e protege o de fuga: (a) em parte de um equipamento;
com freqüência em tubulações de pe- ferro do casco do navio. (b) em uma tubulação industrial.

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Figura 5: Proteção catódica por anodo de zinco em casco de navio: (a) vista inferior do navio em dique seco; (b) fixação do anodo de
zinco no casco do navio.

passivação do metal. Apesar desse também têm investido em pesquisas (canesso@uerj.br), doutor em Ciência e Tecnologia
de Polímeros pela UFRJ, químico industrial pela
método ser eficiente, apresenta no sentido de repensar projetos e Universidade Federal Fluminense (UFF) e licenciado
aplicação restrita pois necessita de processos em busca de soluções em Química pela UERJ, é docente do Departamento
condições específicas (Gentil, 2003). combinatórias, ao mesmo tempo de Química Orgânica do IQ-UERJ. Fernando
Os revestimentos protetores geral- mais eficazes e menos onerosas. Benedito Mainier (mainier@nitnet.com.br), doutor
em Ciências e engenheiro químico pela UFRJ, é
mente são aplicados sobre superfí- docente do Departamento de Engenharia Química
cies metálicas formando uma barreira A corrosão no ensino de Química da UFF.
entre o metal e o meio corrosivo e, Ao avaliar os diferentes tipos de
14 conseqüentemente, impedindo ou corrosão, tem-se um conjunto de Referências bibliográficas
minimizando o processo de corrosão. fenômenos químicos que represen-
DUTRA, A.C. e NUNES, L.P. Proteção
As tintas, como as epoxídicas e o tam situações comuns no dia-a-dia catódica - Técnica de combate à cor-
zarcão, são revestimentos muito utili- do aluno de Ensino Médio, como da- rosão. Rio de Janeiro: Editora Técnica,
zados na proteção de tubulações nos em eletrodomésticos e monu- 1987.
industriais, grades e portões. A galva- mentos históricos. Assim, esse tema GENTIL, V. Corrosão. 4ª ed. Rio de
nização é um método que consiste permite desenvolver diversos conteú- Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,
na superposição de um metal menos dos, como reações de compostos 2003.
nobre sobre o metal que será prote- inorgânicos, oxi-redução, cinética quí- NUNES, L.P. e LOBO, A.C.O. Pintura
industrial na proteção anticorrosiva. Rio
gido. É uma técnica muita empre- mica, equilíbrio químico e eletroquí-
de Janeiro: Livros Técnicos e Cientí-
gada, como no caso de parafusos de mica, além dos casos de corrosão em ficos, 1990.
ferro galvanizados com zinco. polímero orgânicos. Ao se contextua-
Os inibidores de corrosão são lizar o ensino, tem-se a possibilidade Para saber mais
substâncias inorgânicas ou orgânicas de abordar a relação entre a Química BOCCHI, N.; FERRACIN, L.C. e
que, adicionadas ao meio corrosivo, e os aspectos sociais, econômicos, BIAGGIO, S.R. Pilhas e baterias: fun-
objetivam evitar, prevenir ou impedir ambientais e históricos, bem como do cionamento e impacto ambiental. Quí-
o desenvolvimento das reações de desenvolvimento de atividades inter- mica Nova na Escola, n. 11, p. 3-7,
corrosão, sejam elas na fase gasosa, disciplinares. 2000.
POURBAIX, M. Lições de corrosão
aquosa ou oleosa.
electroquímica. 3ª ed. Trad. M.E.M.
Nas últimas décadas, com o in- Fábio Merçon (mercon@uerj.br), licenciado em Almeida e C.M. Oliveira. Bruxelas:
tuito de evitar ou minimizar os incon- Química e engenheiro químico pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), doutor em
CEBELCOR, 1987.
venientes causados pelos processos Ciências (Engenharia Química) pela Universidade MAINIER, F.B.; GUIMARÃES, P.I.C. e
corrosivos, têm sido desenvolvidos e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é docente do MERÇON, F. Experimentos utilizados
estudados novos materiais mais Departamento de Ciências da Natureza do Instituto na determinação de taxas de corrosão
resistentes e duradouros, como ligas de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da em materiais metálicos. Anais do XXX
UERJ e do Departamento de Tecnologia dos Congresso Brasileiro de Ensino de
metálicas, polímeros e cerâmicas. Processos Bioquímicos do Instituto de Química da
Engenharia. Piracicaba, SP, 2002.
Grandes indústrias em todo o mundo UERJ (IQ-UERJ). Pedro Ivo Canesso Guimarães

Abstract: Corrosion – A Common Example of Chemical Phenomenon – Corrosion is a known and commonly used chemical concept. In spite of being usually associated to metals, this is a much
more wide-ranging phenomenon that occurs with non-metallic materials too. Due to its several types, this process is present in different situations, always associated to the reduction of the useful life
of a given good. This work deals with the main aspects of corrosion and some of its prevention methods.
Keywords: corrosion, electrochemistry, quotidian

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