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podemos viver sem o outro?

AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES
DA INTERCULTURALIDADE

Arjun Appadurai
Dipesh Chakrabarty
Eunice de Souza
Filip De Boeck
Jorge Sampaio
Jorge Vala
Karen Armstrong
Katerina Brezinova
Manuela Ribeiro Sanches
Ming Tiampo
Mustapha Tlili
Ruy Duarte de Carvalho
Sherifa Zuhur

lisboa:
tinta­‑da­‑ china
MMIX
Índice

Emílio Rui Vilar: Apresentação 9


António Pinto Ribeiro: Introdução 15

Arjun Appadurai: Diálogo, risco e convivialidade 21


Dipesh Chakrabarty: Identidade e Violência:
Para uma análise crítica de Amartya Sen 39
Eunice de Souza: Literatura e diálogo intercultural 55
Filip de Boeck: Questões de morte:
Tradução:
Arjun Appadurai, Dipesh Chakrabarty intimidade, violência e produção de conhecimento
e Filip De Boeck: Catarina Mira social por jovens urbanos na R. D. do Congo 75
Mustapha Tlili e Sherifa Zuhur: José Gabriel Flores
Eunice de Souza, Karen Armstrong, Katerina Brezinova Jorge Vala: Diferença e semelhança: o peso da identidade 99
e Ming Tiampo: Maria João Ferro Katerina Brezinova: Polémica em torno da diversidade?
Revisão:
Raul Lourenço
A República Checa pós-comunista face às novas
Composição: realidades da diferença 113
Tinta­‑da­‑china
Karen Armstrong: Conseguimos nós viver sem o Outro? 125
Capa:
Tinta­‑da­‑china Ming Tiampo: Distância e mobilidade: para um novo
(a partir de grafismo da r2)
entendimento do Modernismo 139
Imagem da capa:
Yonamine Manuela Ribeiro Sanches: Vulnerabilidade, espaços
e construção de fronteiras 155
1.a edição: Abril de 2009
ISBN: 978­‑ 972­‑ 8955­‑ 95‑3 Mustapha Tlili: A Europa e o Islão: história
Depósito legal: 291918/09 partilhada, identidade partilhada, destino partilhado 177
Edições tinta­‑da­‑china, Lda. Ruy Duarte de Carvalho: Tempo de ouvir o «Outro»
Rua João de Freitas Branco, 35A enquanto o «Outro» ainda existe, antes que haja
1500­‑ 627 Lisboa
Tels.: 21 726 90 28/9 | Fax: 21 726 90 30
só o Outro... ou pré-manifesto neo-animista 189
E­‑mail: info@tintadachina.pt Sherifa Zuhur: Uma abordagem intercultural
www.tintadachina.pt
à questão do extremismo islâmico 203

Fundação Calouste Gulbenkian


Jorge Sampaio: Nota conclusiva 223
Avenida de Berna, 45­‑A
1067­‑ 001 Lisboa
www.gulbenkian.pt Notas biográficas 233
Apresentação

N ão sou dado a devaneios hermetísticos mas gostaria de iniciar


esta minha intervenção, na sessão de abertura da Conferência
Gulbenkian, dedicada aos limites e às possibilidades da intercultura‑
lidade, com experiências recentes que associei imediatamente à pro‑
vocadora questão com que o Professor Arjun Appadurai entendeu
interpelar-nos: «Podemos viver sem o Outro?».
Acabo de regressar de Sevilha, onde decorreu a ix Assembleia do
Foro Iberoamérica, e durante a minha estadia tive a oportunidade de
revisitar o Alcázar, um dos monumentos icónicos da presença muçul‑
mana na Península Ibérica, entre os séculos viii e xv.
Em 1928, há 80 anos, durante uma prolongada visita a Espanha,
Calouste Gulbenkian, o nosso Fundador, a respeito do mesmo Al‑
cázar, anota nos seus diários de viagem: «Fiquei toda a tarde em êx‑
tase e devaneio diante destas inesquecíveis riquezas arquitectónicas,
decorativas e fantasistas das Mil e Uma Noites. Mesmo em sonhos,
não é possível imaginar igual magnificência, semelhantes caprichos
de escultura e de cor. De repente, Sevilha tornou-se para mim um
santuário. No Alcázar, não estamos apenas num paraíso de arte árabe,
mas num paraíso arquitectónico de todos os tempos […]». E termina:
«[…] tudo paira no ar para quem o saiba sentir».
É de facto um lugar mágico, que porventura inspirou também
Carlos v quando ali planeou com Fernão de Magalhães a viagem de
circum-navegação da Terra, a última das grandes viagens da primeira
globalização.
[10] podemos viver sem o outro? apresentação [11]

No próximo número da New York Review of Books, que sai com A intervenção da Fundação neste domínio assenta em três eixos
data de 6 de Novembro de 2008, o Professor Kwame Anthony Appiah fundamentais: reflexão e debate; acções concretas no terreno; e pro‑
assina um artigo intitulado «How Muslims Made Europe» («Como moção do intercâmbio cultural.
os Muçulmanos Fizeram a Europa»), uma extensa recensão do livro Assim, numa questão complexa como esta, é essencial saber
God’s Crucible: Islam and the Making of Modern Europe, do Professor mais e saber mais reflectidamente. Por isso, temos procurado apoiar
David Levering Lewis, que vem acrescentar uma nova tese à questão o estudo e a investigação, o trabalho de natureza académica, o debate
recorrente da identidade europeia. Segundo este autor, houve duas e o pensamento crítico.
coisas que fizeram com que os Europeus pensassem neles próprios Em segundo lugar, temos ensaiado a experiência concreta de
como um povo: uma foi a criação por Carlos Magno do Sacro Im‑ projectos-piloto com vantagens e resultados imediatos e visando
pério Romano; outra foi o desenvolvimento da cultura muçulmana efeitos de demonstração. Por exemplo, o nosso projecto de apoio ao
no Sul da Península Ibérica, a que os Árabes chamavam al-Andalus. reconhecimento das habilitações de médicos e enfermeiros imigran‑
A tese inovadora de Lewis não é, no entanto, a definição da identi‑ tes, que permitiu a sua integração socioprofissional, constitui um
dade pela diferença, mas que, no processo de construção da cultura exemplo feliz deste tipo de intervenção. O sucesso desta iniciativa
de que os Europeus modernos são herdeiros, o legado do al-Andalus foi reconhecido pelo próprio Ministério da Saúde, que recentemente
é, pelo menos, tão importante como o legado dos Francos católicos. decidiu apoiar o lançamento de um novo programa.
Como sintetiza Appiah: «In borrowing from their great Other, they Finalmente, em terceiro lugar, tentamos dar espaço e voz aos
filled out the European Self» («Pedindo emprestado ao grande Outro, imigrantes. O contacto com as comunidades, recolhendo os seus tes‑
preencheram o Ser Europeu»). Ou, por outras palavras, a inclusão en‑ temunhos, favorece uma retórica positiva sobre a imigração e sobre
riquece enquanto a exclusão empobrece. os valores da liberdade e do diálogo entre culturas. O intercâmbio
Não quero prosseguir em divagações históricas, mas parece- cultural constitui também, sem dúvida, uma componente mobiliza‑
me que estas associações nos habilitam para uma resposta liminar à dora de qualquer processo de integração. Por isso foi desenhada uma
questão colocada pelo Professor Appadurai. Não podemos viver sem diversificada e inovadora programação de artes e de criação artística
o Outro, porque o Outro é uma parte inalienável de nós mesmos. que pretendeu dar a conhecer dimensões, a maioria das vezes des‑
Uma questão diferente é, no entanto, como nos relacionamos com o conhecidas, da realidade cultural contemporânea dos imigrantes que
Outro, como tomamos consciência do nosso condicionamento cul‑ vivem e trabalham entre nós.
tural quando convivemos com o Outro. No âmbito das comemorações do cinquentenário da Fundação,
Esta conferência surge como mais uma etapa de reflexão num promovemos a realização de um Fórum Cultural que designámos
processo dinâmico e multidisciplinar que a Fundação Calouste Gul‑ por O Estado do Mundo e que pretendeu ser uma reflexão sobre o
benkian tem vindo a desenvolver desde há seis anos na área das mi‑ estado do mundo actual, marcado pelo processo de globalização,
grações e da interculturalidade. pelo contraponto da homogeneização e da miscigenação com a afir‑
As migrações são uma das áreas prioritárias da nossa intervenção mação, por vezes radical, do direito à diferença; pela intensa circu‑
no domínio social. Trata-se de uma questão relativamente recente na lação de pessoas e bens, pela expectativa da catástrofe, pela impo‑
sociedade portuguesa, mas de relevante dimensão e complexidade, sição da segunda vida virtual, pela presença do fantasma do inimigo
com implicações diversas e multifacetadas, e geradora de reacções habitando entre nós, mas também pela outra energia proveniente
contraditórias, muitas vezes redutoras e, muitas vezes também, ba‑ dos países emergentes. Ao longo de mais de um ano, a produção
seadas em ideias feitas ou estereótipos. de teorias e ideias conviveu com o debate e a crítica; e a criação e
[12] podemos viver sem o outro? apresentação [13]

as práticas artísticas e culturais interagiram com os públicos mais regressar aos países de origem; serão reduzidas as ajudas humanitá‑
diversos. rias a populações necessitadas; serão com certeza reduzidos — por
Este ano (ano do diálogo intercultural da União Europeia) lan‑ escassez de recursos — os financiamentos às ONG que trabalham
çámos o Programa Gulbenkian Distância e Proximidade. Hoje, ao nos países mais desfavorecidos. E, na área da cultura, serão porven‑
iniciarmos esta Conferência, sabemos que muitas destas questões tura menores os apoios à investigação no campo das ciências sociais
que nos têm ocupado estão de novo subentendidas nos textos que a e humanas, aos centros de investigação, que são os nichos onde se
apresentam, nas sinopses dos conferencistas, em muitos dos temas desenvolve o pensamento que trata das matérias que hoje aqui nos
que vão ser expostos. E no entanto sabemos que muito está por com‑ ocupam. O debate sobre o «Outro» ficará por certo adiado ou ainda
preender e, mais ainda, por resolver. Por isso se quis que a Conferên‑ mais distante.
cia, integrada naquele Programa, fosse tão focada, e é isso que todo Como atrás se disse, quisemos que esta Conferência se centras‑
o título diz: Podemos Viver sem o Outro? As Possibilidades e os Limites da se num tema específico e quisemos que este fosse tratado na maior
Interculturalidade. amplitude de pontos de vista e de disciplinas que o tempo e o espaço
Não se trata, pois, de especular sobre a falência de modelos permitem. Por isto a Conferência tem um formato tão transdiscipli‑
de inclusão ou sobre conceitos de alteridade e de etnocentrismo, nar e conta com um conjunto de oradores provenientes de formações
de direitos de minorias ou do direito à diferença. A questão é bem e de regiões culturais tão diversas.
mais precisa: sabendo que a interculturalidade é, por ora, a estratégia A concluir a Conferência teremos a estreia mundial de vinte fil‑
adequada ao reconhecimento de que não é possível excluir o Outro, mes curtos, do mesmo número de realizadores, oriundos das mais
de que é inevitável viver com o Outro, como o fazer? E como o fazer variadas cidades deste mundo. É também uma forma intercultural
a partir de um modo de comunicar eficaz, claro e que resulte da «ne‑ possível, concreta e visual, de «conversar» com estes realizadores,
gociação cultural» com o Outro?! com as suas personagens e histórias, sobre o que nos distingue e nos
Quando olhamos para a nossa experiência, temos claramente a separa e, do mesmo modo, sobre tudo o que podemos partilhar, e que
percepção de que há momentos mais adequados à tomada de deci‑ é imenso. O propósito é que, no final, daqui saiam reflexões e produ‑
sões ou em que são mais propícias as condições para uma reflexão ção teórica que, embora não possam salvar o mundo, o possam tornar
mais pertinente. É isso que se passa hoje. De facto, temos, por um mais habitável por todos e para todos.
lado, o processo de globalização, de que resulta a circulação de pes- Quero agradecer ao Professor Arjun Appadurai o enorme contri‑
soas, bens, capitais e informação a uma escala e a uma velocidade buto que nos deu na concepção desta Conferência, a sua disponibili‑
nunca antes conhecidas, impondo decisões rápidas, excluindo con‑ dade para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos e dizer-lhe da
ceitos que até há bem pouco eram operacionais, alterando rapida‑ expectativa com que aguardamos a sua comunicação. Quero também
mente modos de vida. E, ao mesmo tempo que isto vai decorrendo, manifestar o reconhecimento da Fundação Calouste Gulbenkian a to‑
acontece neste preciso momento e num horizonte curto uma crise dos quantos aceitaram participar e que vão enriquecer o debate com os
financeira à escala global que antecipa uma crise económica e inevitá‑ seus pontos de vista e, em especial, ao Dr. Jorge Sampaio, Alto Repre‑
veis consequências sociais e políticas. Que efeitos pode ter esta crise sentante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, que vai en‑
para o problema que aqui nos propomos tratar? cerrar a Conferência. E felicitar António Pinto Ribeiro, que coordena
Ainda é seguramente cedo para o dizer em toda a dimensão. Mas o Programa Gulbenkian Distância e Proximidade.
alguns efeitos da crise são previsíveis. No imediato, serão mais limi‑ Comecei por evocar Sevilha e o al-Andalus. Vou terminar atraído
tadas as entradas dos imigrantes nos países ricos e alguns terão de pela memória de outra cidade que foi na Antiguidade um exemplo de
[14] podemos viver sem o outro?

cosmopolitismo e hoje parece renascer com a sua nova Biblioteca e a


acção da Fundação Anna Lindt: Alexandria.
No fim do primeiro volume do célebre Quarteto de Alexandria
— Justine —, Lawrence Durrell oferece-nos a tradução de um poema
de Konstantinos Kavafis, «The City», que representa de uma forma
dramática o desassossego emocional que todas as deslocações en‑
volvem, desde as geográficas às espirituais, e de que gostaria de ler
alguns versos: Introdução
You tell yourself: I’ll be gone
E agora que será de nós sem bárbaros?
To some other land, some other sea,
Esses homens eram uma solução.
To a city lovelier far than this
Could ever have been or hoped to be- Muitos de entre vós reconhecerão estes dois últimos versos, tão lumi‑
[…] nosos quanto lúcidos, desse longo poema «Esperando os Bárbaros»1
There’s no new land, my friend, no (1904), de Konstantinos Kavafis, o poeta de Alexandria que trouxe a
New sea; for the city will follow you, Grécia para África.
In the same streets you’ll wander endlessly, Ele sabia então, como o sabemos hoje, que aos novos bárbaros
The same mental suburbs slip from youth to age, — os estrangeiros, imigrantes ou não — eram e continuam a ser im‑
In the same house go white at last- putadas as razões de todos os males: o desemprego, a decadência dos
The city is a cage. costumes e das tradições, a criminalidade, até mesmo o apocalipse
No other places, always this religioso ou político. E, no entanto, as ciências — a estatística, a so‑
Your earthly landfall, and no ship exists ciologia, a história, a psicologia — afirmam-nos que não é assim: a
To take you from yourself. necessidade dos bárbaros e a inevitabilidade da sua presença por mor
[…] da circulação das pessoas na era da globalização (e da crise demográ‑
fica da maioria dos países ocidentais) é uma era que há-de fazer com
Oxalá a cidade que vamos debater seja uma cidade franca e aberta. que todos deixemos de ser cidadãos ou bárbaros para nos tornarmos
cidadãos do mundo. Entretanto, enquanto temos o privilégio de vi‑
Emílio Rui Vilar ver nestes tempos de crises, é-nos imperativo reflectir sobre o modo
como não é possível viver sem o outro. Claro está que este outro há
muito que deixou de ser maioritariamente uma caricatura do estran‑
geiro inferior que hoje habita entre nós, definido essencialmente pela
pronúncia ou pela cor da pele. Numa fase inicial, entrou nas nossas
casas através dos media, ainda num contexto de antropologia cultural

1  «Esperando os Bárbaros», in Poemas de K. Kavafis (trad., estudo e notas de Ísis Borges da


Fonseca), S. Paulo, Ed. Odysseus, 2006, pp. 65-67.
[16] podemos viver sem o outro? introdução [17]

explicativa. Mas rapidamente passou a ser tanto um colega de carteira foi criado o Centre for Contemporary Cultural Studies, na sequência
Erasmus como um comerciante chinês da loja do bairro, um músico de muitos estudos iniciados no princípio do século passado sobre os
senegalês das festas da cidade ou o artista carioca da galeria da cida‑ «outros» de então: a produção cultural da classe operária (termino‑
de. E, no entanto, aquilo que parece uma inevitabilidade, uma forma logia da época), a cultura de massas, as práticas culturais populares,
construtiva da democracia, não é nem pacífica nem clara, e, pelo con‑ os media, o cinema, o jazz. Estávamos no início da década de 1960. E,
trário, alimenta conflitos, reaviva ódios raciais e político-religiosos. se há pioneiros que devem ser aqui evocados, eles são, com certeza,
Os guetos existem, a exclusão social também, a comunicação entre Richard Hogarth (1918) e Stuart Hall (1932). A eles se deve a criação
as comunidades é difícil, do mesmo modo que é conflituosa a relação dos Estudos Culturais, que rapidamente atravessaram o Atlântico e
entre muitas minorias e as maiorias anfitriãs. Onde foi que falhámos? foram acolhidos nas universidades americanas, onde deram lugar a
Que parte da democracia não funcionou? Que erros na educação cul‑ disciplinas e áreas de estudo novas e cheias de energia revolucionária.
tural foram e são cometidos? Algumas destas falhas conhecemo-las, Algumas destas já não se reconhecerão hoje na própria disciplina que
nomeadamente quando reflectimos sobre a sua falência, como no caso os fundou. Há quatro décadas, portanto, que este trabalho sobre o
do multiculturalismo associado a uma perspectiva de co-habitação «outro» tem vindo a ser elaborado por muitos e ilustres intelectuais
estática de grupos, ou da rigidez da legislação sobre contratos sociais e artistas, e temos tido recentemente o privilégio de ouvir e ler al‑
dos Estados-nação. Outros, começamos agora a tentar entendê-los, guns deles. Hoje é mais um dia em que somos favorecidos por esse
nomeadamente quando sabemos que, graças à democracia, «nós», até privilégio, ao termos entre nós, a abrir esta Conferência, o Professor
há muito pouco tempo os anfitriões dos bárbaros, nos demos conta Arjun Appadurai. Eu próprio fui o primeiro a beneficiar deste privi‑
de que o nosso problema tem variáveis a exigir complexas soluções. légio, porque ao longo de um ano tive a oportunidade de conversar,
Vale a pena insistir nesta ideia do «nós» como aqueles que, depois de por telefone ou por e-mail, com o professor Appadurai sobre os te‑
serem países ou comunidades colonizadores, desenvolveram proces‑ mas maiores que aqui nos reúnem, ler artigos e livros de sua autoria,
sos para o entendimento do outro, para o seu conhecimento, para a partilhar com ele os critérios e as ilustres personalidades convidadas
sua negociação. Nós próprios, cidadãos de um país colonizador, e que a participar nesta Conferência. O Professor Appadurai nasceu em
o foi até muito tarde (1975), incluímo-nos nesse processo do Ociden‑ Bombaim. Formou-se no Liceu S. Xavier e licenciou-se no Elphin-
te de reconhecimento do outro na sua totalidade: económica, de ci‑ stone College, iniciando depois uma impressionante carreira acadé‑
dadania, política, artística. Nesta mesma sala, há dois anos pudemos mica nos EUA com um PhD na Universidade de Chicago, onde foi
assistir a um concerto memorável dos Buraka Som Sistema, activida‑ professor. Leccionou muitas outras cátedras notáveis em universida‑
de integrada no programa cultural do Fórum Gulbenkian Imigração, des norte-americanas e é professor convidado em universidades da
que tentou dar visibilidade aos cidadãos originários de outras re- América do Sul e da Índia. O Professor Appadurai é de algum modo
giões culturais vivendo em Portugal. E que não se diga que este pro‑ um activista pela forma como se envolve em projectos humanitários
cesso ocidental de conhecimento do outro é resultado de sentimen‑ promovidos pela UNESCO, pelo WIDER — Instituto Mundial para
tos de culpa mais ou menos colectivos. Se a razão fosse apenas essa, a Pesquisa sobre o Desenvolvimento Económico, a National Science
os resultados seriam um fracasso. Na verdade, e em especial no caso Foundation, entre outros. Mais recentemente, passou a liderar em
dos fóruns intelectuais, políticos ou sociais, é porque os «outros» Bombaim o PUKAR (Partners for Urban Knowledge Action and Re‑
conquistaram este lugar de discussão pública, fruto de um labor e de search), um projecto de longa duração sobre cultura, conflito e crise
um trabalho aturado de estudo e de reivindicações, que tal acontece. social que visa estudar as relações entre violência étnica, habitação,
Recordo-vos que foi em 1964, na Universidade de Birmingham, que pobreza e media.
[18] podemos viver sem o outro? introdução [19]

É um autor prolixo, com centenas de artigos e livros publicados refugiados…) com as tecno-paisagens (as paisagens construídas pelas
que são referências fundamentais para os estudos do mundo con‑ tecnologias que atravessam velozmente todas as fronteiras), as finan‑
temporâneo. Refiro, entre muitas outras edições, co-edições e anto‑ cio-paisagens (a paisagem estranha e misteriosa dos fluxos do capital
logias, Worship and Conflict Under Colonial Rule: A South Indian Case à escala global), as media-paisagens (o resultado da difusão electróni‑
(1981; co-edição com M. Mills e F. Korom), Gender, Genre and Power ca da produção e difusão da informação para espectadores de todo o
in South Asian Expressive Traditions (1991), Modernity at Large: Cultural mundo), as ideo-paisagens (composições de imagens de origem po‑
Dimensions of Globalization (1996), Fear of Small Numbers: An Essay on lítica, produzidas pelos instrumentos ideológicos do Estado ou, ao
the Geography of Anger (2002). Foi ainda um dos fundadores de uma invés, de movimentos orientados para a tomada do Poder, a que se
revista de leitura obrigatória, publicação de vanguarda no domínio associam termos como liberdade, prosperidade, direitos, soberania,
dos estudos culturais, a (revista) Public Culture. representação, etc.).
Seria no mínimo descabido prosseguir na inventariação da obra A terceira questão que vos apresento, retiro-a de um artigo do
do nosso ilustre convidado. Professor Appadurai publicado no vol. 19 da revista Public Culture,
Não posso, contudo, deixar de vos apresentar três das ques‑ sob o título «Hope and Democracy», e segundo o qual, apesar de a
tões a meu ver mais originais e pertinentes da obra do Professor democracia requerer uma visão para o futuro, não tem sido possível
Appadurai, e que estão directamente relacionadas com o tema des‑ conciliar a promessa política com a esperança. Parece que quer os
ta Conferência. valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, quer as regras
A primeira destas questões diz respeito à relação entre os me- como as de participação, por exemplo, são mais utilizados como ar‑
dia e a imigração. Para o Professor Appadurai — que se posiciona gumentos ideológicos de tomada de poder — foi assim com os re‑
na área do antropológico do cultural —, com a globalização e com gimes utópicos do séc. xx — do que como políticas de esperança.
a consequente circulação infinita e permanente de imagens e a cir‑ E, segundo a perspectiva do professor Appadurai, estas políticas de
culação paralela dos imigrantes, alterou-se radicalmente, por um esperança precisam de ser colocadas numa lógica de movimentos
lado, a imagem destes últimos. Por outro, as noções de identidade, transnacionais, com mais imaginação e maior aspiração.
localidade e imaginação foram também alteradas, dando lugar a um Que me desculpe o professor Appadurai se no meu discurso houve
movimento simultâneo — «moving images meet mobile audiences» excesso de interpretação, mas pretendi, antes de tudo, apresentá-lo a
— que, por sua vez, deu origem ao surgimento de identidades híbri‑ quem não teve ainda o prazer de o ler e estudar. Grato lhe fico pelas
das, de localidades em mutação e de imaginários sem referentes ter‑ conversas e pela sua presença. Como também grato estamos ao presi‑
ritoriais rígidos. dente Sampaio pelos seus contributos para a sessão sobre as questões
Note-se ainda que, para o bem e para o mal, são os media os prin‑ religiosas incluídas nesta Conferência. E grato, finalmente, a todos
cipais responsáveis pela criação do arquivo sobre a imigração (Moder- os nossos ilustres oradores, que aceitaram partilhar connosco as suas
nity at Large; 1996). ideias, teorias, problemas ou imagens, como também é o caso do artis‑
Uma segunda questão relaciona-se com uma original arquitectu‑ ta Yonamine, a quem devemos a imagem geral desta Conferência.
ra conceptual que explica o trabalho da imaginação colectiva — tema Quando iniciámos este Programa Gulbenkian Distância e Proxi-
desenvolvido em muitos textos pelo Professor Appadurai — e que midade, recordo-me de ter escrito: «Só haverá um futuro mais pacífi‑
muito sumariamente se traduz na explicação dos mundos imagina‑ co possível para a Humanidade se a Interculturalidade for possível»,
dos. Trata-se de relacionar as etno-paisagens (paisagem das pessoas e acrescentava que não deveríamos confundir o lugar de resolução
que constituem o mundo em deslocamento — turistas, imigrantes, dos vários problemas que a Interculturalidade supõe. Estamos num
[20] podemos viver sem o outro?

lugar de estudo, de reflexão e de produção teórica, onde têm um pa‑


pel fundamental todos os interlocutores desta Conferência, maiori‑
tariamente personalidades típicas do séc. xxi, pois são cidadãos da
diáspora, das várias diásporas. Deles esperamos um contributo para
um futuro mais pacífico para a Humanidade.
Arjun Appadurai
António Pinto Ribeiro
Diálogo, Risco e Convivialidade
A presentarei aqui uma breve reflexão sobre a natureza do diá‑
logo. Ninguém pode envolver­‑se num diálogo sem correr sérios
riscos. Esta perspectiva contraria a do senso comum, que vê o diálo‑
go como casual, quotidiano, ou mesmo secundário relativamente ao
funcionamento real do poder e da riqueza. Se aceitarmos que o diá‑
logo é sempre uma transacção arriscada, podemos questionar­‑nos so‑
bre quais são os riscos nele envolvidos e sobre as razões por que vale
a pena, ou por que é forçoso, corrê­‑los hoje em dia. A minha reflexão
incide principalmente no diálogo entre sociedades ou grupos sociais
organizados, como as nações, as religiões, os movimentos políticos e
os partidos, ou ainda os grupos de interesses. Contudo, é importante
notar que o diálogo começa como uma ideia de troca entre pessoas.
Ao discutir os riscos do diálogo na actualidade, penso sobretudo nas
culturas e civilizações, mas acredito que esses riscos estão presentes
independentemente do nível a que o diálogo possa ocorrer.

Os Riscos do Diálogo

O primeiro risco do diálogo é que o interlocutor pode não compreen‑


der o que queremos dizer. O risco do mal­‑entendido é inerente a toda
a comunicação humana e temos vindo a desenvolver muitas maneiras
de o reduzir. Procuramos escolher cuidadosamente as nossas palavras
e acções, prestamos atenção ao idioma e à tradução, tentamos imagi‑
[24] podemos viver sem o outro? a r j u n a p pa d u r a i [25]

nar os pressupostos mentais da outra parte e esforçamo­‑nos por ser testar melhor esta ideia. A compreensão mútua completa, integral e
tão intersubjectivos quanto possível e encontrar as melhores vias para precisa é uma bitola impossível, desde logo se tivermos em conta os
atravessar as fronteiras que separam o emissor do receptor. Escusado desafios colocados pela separação entre indivíduos e comunidades em
será dizer que, quando nos envolvemos num diálogo com sinceridade, função da cultura, da língua e da história. Mas a compreensão comple‑
tentamos também ouvir com a mesma atitude mental, de forma a mi‑ ta ao nível das convicções éticas, religiosas ou políticas fundamentais
nimizar os riscos de mal­‑entendido ou falta de comunicação. implica ainda um outro perigo: o impulso para eliminar totalmente
O segundo risco do diálogo é exactamente o contrário, ou seja, as diferenças fundamentais. Isto acontece porque, se pretendermos
o risco de podermos de facto ser entendidos claramente. Este para‑ estabelecer um terreno comum ao nível das convicções fundamen‑
doxo assenta em parte na preocupação de que o outro possa ver para tais, as de alguém terão de mudar, o que significa, geralmente, que
lá das expressões superficiais e entenda motivos ou intenções que as convicções mais profundas de uma das partes se tornam a medida
preferimos ocultar. Esse é sempre um perigo na era da epistemologia da base comum. É deste modo que os falsos universalismos podem
da suspeição, com origem em Marx, Nietzsche e Freud. Mas o risco obliterar as verdadeiras diferenças. O diálogo implica assim, necessa‑
mais profundo de sermos inteiramente compreendidos é o de que a riamente, uma decisão sobre a extensão da exigência de negociação
outra parte consiga ver as nossas convicções mais arraigadas, as nos‑ quanto aos elementos fundamentais. Neste sentido, todo o diálogo
sas opiniões fundamentais e mesmo as nossas dúvidas. Isto é um ris‑ é uma forma de negociação e a negociação não pode basear­‑se numa
co porque o diálogo não diz respeito a tudo. Para que seja um diálogo compreensão mútua completa ou num consenso total que atravesse
eficaz terá de se basear­, até certo ponto, em terreno comum, con‑ qualquer espécie de fronteira de diferenciação.
cordância selectiva e consenso conjuntural. Quando as convicções
fundamentais estão em cima da mesa, o elemento de improvisação
no diálogo corre perigo e a parada torna­‑se excessivamente alta, uma A Importância dos Debates Internos
vez que as convicções básicas têm de ser tornadas comensuráveis.
Um grande exemplo desse risco é o diálogo actual entre o mundo Há ainda um outro risco associado ao diálogo: o da relação do diálogo
islâmico e o mundo cristão europeu, em que o diálogo rapidamente com diferenças internas existentes em cada uma das partes interve‑
se desloca para bases doutrinais e éticas, sem que seja prestada aten‑ nientes. Todos os indivíduos têm dúvidas interiores, diferenças e di‑
ção a arenas mais limitadas e específicas. Uma discussão acerca dos visões em si mesmos, como, por exemplo, entre objectivos de curto
lenços de cabeça nas escolas não tem necessariamente de se tornar e longo prazo, motivações mais e menos elevadas, interesses cons‑
uma discussão sobre visões incompatíveis da universalidade humana. cientes e inconscientes, etc. Quando mudamos de escala para obser‑
Pode não passar de um problema de conduta pública ou códigos de varmos os grupos, as comunidades, as civilizações e outras grandes
etiqueta. Assim, quando nos envolvemos num diálogo temos de ser formações sociais, passamos a ter também as diferenças internas en‑
cuidadosos: não podemos exigir demasiada compreensão nem expor tre jovens e idosos, entre a elite e as pessoas comuns, entre o tribunal
excessivamente as nossas convicções mais profundas. Sei que isto e a rua, entre homens e mulheres, para nomear apenas as categorias
parece sugerir que temos de ser hipocríticos ou cínicos. Na verdade, mais simples da divisão interna. Na era da globalização, essas dife‑
limito­‑me a aconselhar prudência e concordância limitada. renças internas são ainda exacerbadas pelos movimentos de migra‑
Permitam­‑me que adiante uma conclusão provisória e sugira que, ção para novos destinos, pelas diversas ansiedades identitárias dos
quando nos envolvemos num diálogo, um risco ainda maior do que o jovens e dos idosos no seio das populações migrantes, pela natureza
de haver mal­‑entendidos é o do excesso de compreensão. Podemos da comunicação de massas e electrónica, elementos que permitem
F oi com muito gosto que aceitei o amável convite que o Senhor
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian e meu querido
amigo, Dr. Rui Vilar, me endereçou para encerrar os trabalhos desta
Conferência.
Gosto redobrado não só pela temática aqui abordada mas tam‑
bém pela extrema oportunidade desta iniciativa, inscrita quer no
Ano Europeu do Diálogo Intercultural, quer na trama do denso pro‑
grama que a Fundação Gulbenkian tem desenvolvido em torno da
problemática das migrações.
A este conjunto de razões, acresce ainda o particular significado
que esta Conferência reveste para o Alto Representante das Nações
Unidas para a Aliança das Civilizações, não só pela qualidade das refle‑
xões aqui feitas, e que são um precioso indicador da complexidade e das
dificuldades que esta tarefa encerra, mas também pela ocasião que me
é oferecida para partilhar convosco algumas das minhas preocupações.
Por tudo isto, quero agradecer e felicitar calorosamente a Fun‑
dação Gulbenkian e todos quantos participaram nesta Conferência,
por estas duas intensas jornadas de aprendizagem e reflexão.
De facto, se dúvidas houvesse acerca do sentido da resposta à
interrogação que nos reúne aqui hoje — «Podemos viver sem o ou‑
tro?» —, estes dois dias de diálogos mostram, sem equívocos, que não
podemos nem queremos viver uns sem os outros — e permitam-me
que vinque o plural —, e que estamos, aliás, condenados a viver uns
com os outros.
[226] podemos viver sem o outro? j o r g e s a m pa i o [227]

Caros amigos, confesso que o que ouvi aqui, ontem e hoje, me não para casa… e isso é bom, é muito positivo, por isso o exercício vale
deixou indiferente — de tal forma que esta manhã decidi alterar as no‑ tanto a pena!
tas que inicialmente tinha preparado para a minha intervenção.
É sempre extremamente enriquecedor cruzar os saberes de uns e *
de outros, sobrepor perspectivas e articular prismas de análise. Pelo
menos para as funções que exerço, interessa-me muito a miscigena‑ O tema aqui tratado — do uno e do múltiplo, do ser e do tempo,
ção dos conhecimentos, das abordagens e das experiências. Interes‑ do eu e do outro, da essência e da existência, da individuação e da
sa-me passar do particular ao geral e, do geral, voltar ao particular. socialização, da alteridade e da intersubjectividade, do Homo sapiens,
Interessam-me conceitos transversais que permitam desenhar uma do ser ou da pessoa humana e da nossa vida em sociedade — perpassa
estratégia de acção sólida. toda a história da humanidade.
Por tudo isto, deixem-me frisar o quão importante é que os Atravessou a reflexão filosófica desde o pensamento mítico até
especialistas, os académicos e os investigadores façam um esforço às teorias mais recentes dos limites lógicos da razão, tem fascinado
de comunicação e que dediquem mais tempo ao que hoje se cha‑ poetas e mobilizado escritores e, claro, deu origem a um sem-número
ma «diplomacia pública» e que, dantes, se apelidava «vulgarização de disciplinas científicas, desde a sociologia à psicologia, passando
científica» — ou seja, importa socializar o conhecimento científi‑ pela antropologia, pela etnologia, pela arquitectura e pelo urbanismo,
co, importa que a democracia possa beneficiar da ciência, que haja na diversidade de correntes e das multidisciplinaridades possíveis.
mais vasos comunicantes entre o mundo tendencialmente fechado Não é naturalmente por aqui que vou entrar — para tal não te‑
da academia e a sociedade em geral, incluindo aqui o conjunto dos nho nem conhecimentos suficientes, nem habilitação própria. Ao in‑
decisores com responsabilidades próprias na governação dos bens vés, gostaria de tentar o exercício inverso e recolocar no quotidiano
públicos. algumas das questões aqui evocadas.
A complexidade das questões com que nos confrontamos hoje Mas afinal de que estivemos a tratar durante estes dois dias? De
exige este intercâmbio, sem o qual nenhuma visão de futuro é susten‑ que forma a questão que serviu de fio condutor — «Podemos viver
tável. Este é um primeiro apelo que aqui deixo. uns sem os outros?» — nos convoca e interpela como indivíduos e
Confesso também que Conferências deste género são igualmen‑ como cidadãos? De que forma é que esta questão se tornou um tema
te um exercício de paciência e de reconhecimento de ignorância por‑ de sociedade absolutamente central? De que modo é que este tema
que não podemos pretender que estamos suficientemente equipados de sociedade se transformou também numa matéria de política ex‑
do ponto de vista intelectual para perceber os meandros de tudo o terna, numa prioridade da agenda internacional e num dos pontos
que ouvimos, a subtileza de algumas distinções ou até o alcance de críticos da governação mundial?
certas afirmações. Quantas vezes nos assalta a impressão de sermos Estas são, meus amigos, as questões que quero aqui desenvolver
uma espécie de intrusos numa conversa para a qual não fomos con‑ brevemente. Que me desculpem este regresso ao terreno, ao frag‑
vidados a participar? Quantas vezes sentimos que a linguagem utili‑ mentado, ao complexo, ao dia-a-dia, à actualidade.
zada nos é completamente opaca ao ponto de parecer um subcódigo E, para ser ainda mais concreto, convido-os a fazer comigo um
hermético, apenas acessível a um pequeno grupo de iniciados? pequeno exercício.
E, no entanto, há sempre uma infinidade de pistas que se abrem, Passemos em revista os títulos da imprensa que fizeram as pri‑
um comentário que fica, um dado novo que aprendemos, uma refe‑ meiras páginas do passado mês de Agosto, que, abone-se em nome da
rência que desperta atenção, dúvidas e interrogações que levamos verdade, este ano pouco teve de silly season…
[228] podemos viver sem o outro? j o r g e s a m pa i o [229]

«American-Islamic group seeks title change for the forthcoming movie uma constante, levando a uma considerável densificação do tecido
Towelhead, Reuters reported, because the term is considered a “racial and étnico, cultural e religioso da maioria das nossas sociedades.
religious slur”». Na Europa, esta é uma realidade particularmente visível, de que,
«Muslim headscarves test the limits of German Tolerance» (Spiegel on- aliás, Portugal é um caso emblemático, ao ter-se transformado tam‑
line) bém num país de imigração, procurado por povos que nada faria ima‑
«Polémique sur Aïcha, la Mère des Croyants à propos d’un nouveau ro- ginar que nos escolhessem para lugar de residência.
man qui va paraître bientôt». (Le Monde) A este propósito, costumo sempre lembrar uma visita que, quan‑
«Les traductions vers l’arabe de Pinocchio et Harry Potter interdites en do era Presidente, efectuei a uma escola da periferia de Lisboa, onde
Israel». (Le Monde) os professores tinham mais de vinte nacionalidades numa mesma
«Violence in India is fueled by religious and economic divide». turma.
«Thailand’s smile fades — in recent weeks the border between northern Agora pergunto: neste caso concreto, terão os professores sido
Malaysia and southern Thailand has seen an increase in inter-religious formados para tirar partido deste público tão diverso? Terão sido pre‑
violence». (BBC) parados para agir e reagir adequadamente nesta situação radicalmen‑
«Civilian casualties are mounting in the southern Philippines, where te nova? Terá a escola integrado nas suas práticas esta inédita realida‑
fighting between Muslim guerrillas and the army has killed up to 187 people de da diversidade cultural e religiosa da comunidade que serve?
in the past 10 days», Reuters reported. Terão as freguesias e os municípios desenhado uma estratégia
«Anti-Semitism on rise in Europe — attacks against Jews in Europe de diálogo e de integração das populações que acolhem? Estarão as
have sharply increased, says a report by a European anti-racism watchdog.» nossas cidades — lugar privilegiado de encontros e desencontros de
«Far-right mobilizes against Cologne Mega-Mosque». culturas, civilizações, histórias e continentes — preparadas para lidar
«Integrating Islam into the West — for all its good intentions, European com esta nova realidade, para a entender e gerir adequadamente?
multiculturalism fails to make a place for religion». (Spiegel online) Terão os poderes públicos desenvolvido uma nova concepção de
«Italy’s fingerprinting of members of the country’s Roma community is a cidadania inclusiva, ditada pelo respeito dos direitos e das liberdades
direct act of racial discrimination, the European Parliament has said». fundamentais, pela igualdade de oportunidades e por novas práticas
«Saudis launch Islamic unity drive — Saudi Arabia’s monarch has de participação cívica?
urged Muslims to speak with one voice in preparation for interfaith dialogue Meus amigos, a Aliança das Civilizações, uma iniciativa lançada
with the Jewish and Christian worlds». em 2005 sob o impulso inicial de Espanha e da Turquia, mas logo en‑
«Tibet’s spiritual leader has repeated his call for dialogue between dossada pelas Nações Unidas, tem precisamente por objectivo tratar
Chinese and Tibetan leaders». deste conjunto de desafios.
Parte do pressuposto de que, se nada fizermos — em termos polí‑
O que pretendo com estes exemplos? ticos, no plano global, mas também nacional e local —, os problemas
Precisamente mostrar o quanto a questão dos outros, a questão com que hoje nos confrontamos irão degenerar num conflito entre
de como viver todos em conjunto, é hoje um tema social e político culturas ou, pior ainda, num choque de civilizações.
candente que desafia os próprios mecanismos da democracia, assim E porquê esta certeza? Por um sem-número de indícios e razões
como a paz e a estabilidade mundiais. várias, de que destaco:
Obviamente desde sempre se registaram movimentos de popu‑ Porque estamos perante um desafio global, comum a todas as
lações. Mas, hoje, a mobilidade e os fluxos migratórios tornaram-se sociedades. Porque nos deparamos com um problema de fundo,
[230] podemos viver sem o outro? j o r g e s a m pa i o [231]

que exige medidas de longo prazo, focalizadas essencialmente na Por isso quero deixar aqui um apelo, o segundo. É que cada um,
prevenção. Porque, nos nossos dias, um conflito localizado é fa‑ ao seu nível, promova uma nova atitude, que, a meu ver, é indispen‑
cilmente generalizável, convertendo-se num ápice numa crise glo‑ sável se quisermos ganhar esta batalha. Uma nova atitude em relação
bal. Porque todas as sociedades se confrontam com o extremismo, aos nossos concidadãos, à sociedade, à diversidade que ela reveste
a radicalização, o aumento da violência, da xenofobia e do racismo. — nas escolas, nos locais de trabalho, no bairro, no prédio.
Porque os poderes públicos experimentam uma certa desorienta‑ Uma nova atitude na partilha do espaço público, em que con‑
ção e impotência, na ausência de instrumentos políticos adequa‑ vivem sempre mais e diversos grupos e culturas. Uma nova atitude
dos para intervir de forma eficaz. Porque, afinal, a modernização, em relação à nossa identidade singular e colectiva, aos valores que a
que todos pensávamos conduzir a uma secularização generalizada talham, às componentes que nela se entrelaçam de forma dinâmica e
das sociedades, veio dar uma nova premência à questão religiosa e aberta. Uma nova atitude também em relação ao que a democracia e
das relações entre o Estado e a Igreja, entre o político e o religioso, a igualdade de direitos e liberdades significam em termos de respon‑
o poder temporal e espiritual. sabilidades e de respeito mútuo quando aplicadas a este contexto de
Pela minha parte, não tenho dúvidas de que, pelo menos na Eu‑ crescente diversidade cultural. Uma nova atitude, por fim, em relação
ropa, nos defrontamos com um extenso desafio de integração das à forma de estar na nossa aldeia global, em que nada está totalmente
minorias, com particular destaque para as minorias muçulmanas, isolado e em que o destino da humanidade se joga.
e de que este só será vencido com uma política adequada, articulada Como aqui foi indicado por uns e outros, se bem que de forma
em torno do conceito de uma cidadania inclusiva e participativa, ba‑ diferente e às vezes com algumas nuances, resumido ao essencial,
seada na igualdade de oportunidades e de respeito pela diversidade o que está em jogo é uma questão de Educação.
cultural. Educação para os direitos do homem, educação para a cidadania
Pela minha parte, não tenho dúvidas de que só através de políti‑ e para o respeito pelos outros. Educação para a diversidade e o diálo‑
cas e de práticas de «boas governação da diversidade cultural» conse‑ go. Educação sobre media literacy. Educação sobre religiões e crenças
guiremos não só viver em conjunto harmoniosamente, mas também e para o diálogo inter-religioso.
fazer desta convivência forçada uma oportunidade de enriquecimen‑ Temos de aprender e ensinar competências interculturais aos
to cultural e humano, no plano pessoal e colectivo. nossos cidadãos. Temos de criar estratégias urbanas e políticas para o
Como transformar estes votos piedosos em objectivos concre‑ diálogo intercultural. Precisamos de políticas para os jovens baseadas
tos, interrogar-se-ão. na igualdade de direitos e de oportunidades. Precisamos de mobilizar
Pois bem, não é simples, mas é viável desde que haja vontade po‑ a sociedade civil em geral, os jovens, os líderes religiosos e os media.
lítica e uma alargada participação da sociedade civil. Precisamos também de aprofundar a agenda do diálogo intercultural
Para já, propus aos governos que elaborassem Estratégias Na‑ no contexto das relações internacionais e de lhe conferir prioridade
cionais para o diálogo intercultural que abranjam medidas no campo máxima.
da educação, da juventude, da integração das minorias e dos media. Claro que não são políticas de diálogo intercultural que irão re‑
E propus que o fizessem não de cima para baixo, mas de baixo para solver problemas e conflitos de natureza política, que só podem ser
cima, ou seja, não só através de uma vasta consulta aos actores rele‑ resolvidos por canais de negociação próprios.
vantes da sociedade civil (ONG, associações, fundações, sector priva‑ Mas também é verdade que não basta assinar tratados para que a
do, igrejas, etc.), mas também com a sua participação e envolvimento paz se torne duradoura, e que é necessário criar condições de diálogo
na fase da implementação de tais Planos Nacionais. e de reconciliação entre os homens para que seja sustentável.
[232] podemos viver sem o outro?

* Notas Biográficas
Termino como comecei, respondendo à pergunta que nos juntou
aqui — «Podemos viver sem os outros?» — com uma negação categó‑
rica: «Não», não podemos nem queremos viver uns sem os outros — o Emílio Rui Vilar
plural, três vezes sublinhado. Estamos condenados a viver uns com os Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste
outros até porque o outro de nós mesmos, entregue a si próprio, es‑ Gulbenkian (2002), de que foi Administrador desde 1996. Presidente do
gota-se e esvazia-nos, como bem ilustra a figura solitária de Narciso Conselho de Administração da Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation.
Desde 1996, Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal.
ao espelho…
Professor convidado da Faculdade de Economia e Gestão da Universida‑
Mas podemos ser mais ambiciosos e lutar para que os outros re‑ de Católica Portuguesa (Porto) desde 1998. Presidente do Centro Europeu
presentem não o inferno de Sartre, mas antes a oportunidade do en‑ de Fundações e Presidente do Centro Português de Fundações. Co-Presi‑
contro do «eu» e do «tu», na afirmação mutuamente apreciadora das dente do Fórum Luso-Espanhol. Trustee da iniciativa «A Soul for Europe»,
diferenças, da alteridade e da diversidade de ideias, opiniões, valores Presidente da Comissão Executiva do Projecto «Europe in the World» do
e concepções do mundo e da vida, onde se pode cultivar, como tão EFC, senador do Parlamento Cultural Europeu e membro-fundador do Ins‑
bem se diz em língua francesa, «le goût des autres», sem o qual, aliás, tituto Português de Corporate Governance. Foi Presidente da Comissão
nenhum cosmopolitismo faz qualquer sentido… de Fiscalização do Teatro Nacional de S. Carlos (1980-1986), Vice-Presi‑
dente da Fundação de Serralves (1989-1990) e Comissário Geral da Euro‑
pália’91 (1989-1992). No campo político, foi co-fundador e primeiro Pre‑
sidente da SEDES, Secretário de Estado do Comércio Externo e Turismo
(I Governo Provisório), Ministro da Economia (II e III Governos Provi‑
sórios), Deputado (1976 e 1979), Ministro dos Transportes e Comunicações
(I Governo Constitucional), Vogal do Conselho Nacional do Plano (1978-
-1979). Foi Director do Banco Português do Atlântico, Consultor da Ban‑
que Franco-Portugaise, Vice-Governador do Banco de Portugal (1975-1985),
Presidente do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (1985-1986),
Director-Geral da Comissão das Comunidades Europeias (1986-1989),
Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos
(1989-1996) e Presidente do Conselho de Administração da Galp Energia,
Sgps (2001-2002).

António Pinto Ribeiro


Nasceu em Lisboa. A sua formação académica foi feita nas áreas da Filo‑
sofia, das Ciências da Comunicação e dos Estudos Culturais. É nestas
áreas que tem desenvolvido o trabalho de investigação e de produção teó‑
rica publicado em revistas da especialidade. É professor-conferencista de
várias universidades internacionais. A par da sua actividade de investigador
e de professor, tem tido uma prática de programação artística e de gestão
cultural com a organização de vários programas e exposições nacionais e
internacionais. Foi Director Artístico da Culturgest desde a sua criação, em
[234] podemos viver sem o outro? notas biográficas [235]

1992, até Abril de 2004. Foi programador geral do fórum cultural O Estado que escrevem em inglês, Talking Poems. Coordenou a edição de livros raros
do Mundo na Fundação Calouste Gulbenkian, do Programa Gulbenkian de pela Sahitya Akademi. Escreveu textos destinados ao público infantil e
Criatividade e Criação Artística e do Programa Gulbenkian Distância e Pro- elaborou, com Melanie Silgardo, um livro de poesias para crianças.
ximidade. É, actualmente, programador do Programa Gulbenkian Próximo
Futuro. Da sua obra publicada destaca-se: A Dança da Idade do Cinema (1991), Filip De Boeck
Dança temporariamente Contemporânea (1994), Por Exemplo a Cadeira – Ensaio Nasceu em Antuérpia, em 1961. Como coordenador do Instituto para a In‑
Sobre as Artes do Corpo (1997), Corpo a Corpo – Sobre as Possibilidades e os Limites vestigação Antropológica sobre África (IARA, ex-Centro de Estudos Áfri‑
da Crítica (1997), Ser Feliz é Imoral? Ensaios Sobre Cultura, Cidades e Distribuição ca), unidade de investigação da Faculdade de Ciências Sociais da Universi‑
(2000), Melancolia (romance, 2003), Abrigos – Condições das Cidades e Energia dade Católica de Lovaina, está activamente ligado ao ensino e à promoção,
da Cultura (2004). coordenação e supervisão de projectos de investigação. Desde 1987, tem
realizado trabalho de campo extensivo em comunidades rurais e urbanas da
Arjun Appadurai República Democrática do Congo (ex-Zaire). Os seus interesses teóricos de
Nasceu e estudou em Bombaim. Frequentou a St. Xavier’s High School investigação incluem as subjectividades locais da crise, a memória pós-colo‑
e obteve um diploma de estudos intermédios em Artes, no Elphinstone nial, a juventude e as políticas culturais, e ainda a transformação dos espa‑
College, antes de se fixar nos Estados Unidos. Licenciou-se na Brandeis ços públicos e privados em contextos urbanos no continente africano.
University (1970) e foram-lhe conferidos os graus de Mestre (1973) e Doutor
(1976) pela Universidade de Chicago. É assessor principal para as Iniciativas Jorge Vala
Globais e tem a posição honorífica de Professor John Dewey para as Ciên‑ Doutorado em Psicologia pela Universidade de Lovaina, foi professor cate‑
cias Sociais em The New School (Nova Iorque), onde foi, até recentemente, drático do ISCTE e é investigador, coordenador e presidente do Conselho
alto dirigente e vice-presidente titular para os Assuntos Académicos. Científico no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Foi
professor convidado em várias Universidades, entre as quais a Universidade
Dipesh Chakrabarty de Paris V, a EHESS e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi mem‑
É Professor Insigne Lawrence A. Kimpton de História, Línguas e Civili‑ bro da direcção da European Association of Experimental Social Psychology.
zações Sul-Asiáticas na Universidade de Chicago. É membro fundador do É coordenador nacional do European Social Survey, membro da comissão
Subaltern Studies Collective, co-editor da Critical Inquiry e editor da Post- executiva e da comissão científica do European Values Study e membro
colonial Studies, desde a fundação. Pertenceu aos conselhos editoriais da do conselho científico da Fondation Suisse pour la Recherche en Sciences
American Historical Review e da Public Culture. É membro da Academia Ame‑ Sociales (FORS). Na área da psicologia social, tem trabalhado nos processos
ricana de Artes e Ciências e da Academia Australiana das Humanidades. sociocognitivos, nomeadamente no campo das representações sociais e das
identidades sociais. Os projectos em curso incidem no estudo do racismo,
Eunice de Souza da justiça social e da validação do conhecimento quotidiano. Os seus pro‑
Aposentou-se como presidente do Departamento de Inglês do St. Xavier’s jectos de investigação têm sido financiados pela Fundação para a Ciência e
College (Universidade de Bombaim), após 31 anos de ensino. Publicou a Tecnologia, pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela European Science
quatro livros de poesia: Fix (1979), Women in Dutch Painting (1988), Ways Foundation.
of Belonging: Selected Poems (1990) e New and Selected Poems (1994), tendo
este último sido publicado em Portugal numa edição bilingue com o título Karen Armstrong
Poemas Escolhidos (Livros Cotovia, 2001). Assinou duas novelas, Dangerlok Ex-freira da Igreja Católica Romana, abandonou um convento britânico
e Dev and Simran (Penguin Books). Organizou, para a Oxford University para fazer a licenciatura em Literatura Moderna em Oxford. Em 1982 escre‑
Press, várias antologias de poesia, prosa e ficção, escritas na Índia durante veu um livro sobre os sete anos que passou no convento, Through the Narrow
o séc. xix e início do séc. xx, bem como o volume Nine Indian Women Poets, Gate, de que se diz ter afrontado os católicos de todo o mundo. É considera‑
no domínio da poesia contemporânea, e um livro de conversas com poetas da como uma das pensadoras mais estimulantes e originais acerca do papel
[236] podemos viver sem o outro? notas biográficas [237]

da religião no mundo moderno. No seu livro The Spiral Staircase, analisa rio» na Pós-Colonialidade (Cotovia, 2006), Deslocalizar a «Europa». Antropologia,
o despertar espiritual que experimentou após a saída do convento, altura Arte, Literatura e História na Pós-Coloniali­dade (Cotovia 2005) e, com Carlos
em que começou a desenvolver a sua postura iconoclasta relativamente às Branco Mendes e João Ferreira Duarte, Connecting Peoples. Identidades Discipli-
grandes religiões monoteístas. É autora de mais de 20 livros, que expõem nares e Transculturais / Transcultural and Disciplinary Identi­ties (Colibri, 2004).
as suas ideias sobre o que o islamismo, o judaísmo e o cristianismo têm em
comum e sobre os efeitos destas religiões em acontecimentos mundiais. En‑ Ming Tiampo
tre eles conta-se o magistral A History of God and Holy War: The Crusades and Professora auxiliar de História da Arte na Carleton University (Otava,
Their Impact on Today’s World. A sua obra mais recente intitula-se The Bible: Canadá). Actualmente, prepara o livro Gutai: Japan’s Transnational Modernism
A Biography. As reflexões que desenvolve acerca da fé pessoal e da religião (University of Chicago Press, 2009), recorrendo ao estudo de casos das acti‑
(autodesigna-se monoteísta freelance) suscitam o debate, destacando-se a sua vidades transnacionais do movimento Gutai, para propor novos parâmetros
perspectiva sobre o fundamentalismo, que é visto num contexto histórico e para o entendimento do modernismo. A obra defende a inclusão do Gutai
como consequência da cultura moderna. na história do modernismo e explora a forma como o movimento pode ser
reinterpretado para a periferia e a partir dela, contribuindo para uma teo‑
Katerina Brezinova rização do modernismo que ultrapassa o contexto euro-americano. Entre
Historiadora e antropóloga, estudou em universidades da República Che‑ os seus projectos anteriores conta-se a exposição Electrifying Art: Atsuko
ca, dos Estados Unidos, de Espanha, do México e da Grã-Bretanha. É in‑ Tanaka 1954-1968 (Galeria Grey, Nova Iorque, e Galeria Belkin, Vancouver,
vestigadora no Instituto de Estudos Latino-Americanos, na Universidade 2004­‑2005), premiada pela Associação Internacional de Críticos de Arte
Carolina (Praga) e tem desempenhado funções de professora convidada nas (AICA). É membro fundador do Centro de Estudos Culturais Transnacio‑
universidades Carlos III (Madrid, Espanha), Washington (St. Louis, EUA), nais da Carleton University e membro associado do Instituto para a Investi‑
e no Colegio de México (México). O seu trabalho centra-se na forma como gação Cultural (ICI) de Berlim.
a cultura e as artes reflectem questões relacionadas com políticas de iden‑
tidade, multiculturalismo e migrações, com especial incidência nas regiões Mustapha Tlili
da América Latina, Rússia e Europa Central e de Leste. A sua tese de dou‑ Mustapha Tlili estudou na Sorbonne, e desempenha diversas funções na
toramento, sobre a iconografia política do Movimento Chicano nos EUA, New York University: investigador académico, fundador e director do Cen‑
foi distinguida com um prémio e será publicada pela editora da Universida‑ ter for Dialogues e senior fellow no Remarque Institute. Ainda em Nova Ior‑
de Carolina. É directora do Centro Multicultural Praga (www.mkc.cz), um que, leccionou na School of International and Public Affairs, da Columbia
núcleo de reflexão que se dedica, desde o final dos anos 90, à investigação University. Foi quadro superior das Nações Unidas, ocupando os cargos
social aplicada nas regiões da Europa Central e de Leste, cada vez mais di‑ de director de comunicação no Departamento de Informação Pública da
versificadas em termos culturais. Pertence à direcção da Fundação Cultu‑ ONU, chefe dos programas Namíbia, Anti-Apartheid, Palestina e Descolo‑
ral Europeia (www.eurocult.org), estrutura dedicada à promoção do papel nização (nesse departamento) e director do Centro de Informação em Fran‑
da cultura e das artes no contexto das sociedades europeias multiculturais. ça (Paris). Romancista, Mustapha Tlili é Cavaleiro da Ordem Francesa das
Consultora em várias instituições da União Europeia e em países não indus‑ Artes e das Letras. É também membro do Human Rights Watch’s Advisor
trializados. Vive actualmente em São Paulo (Brasil). Committee para o Médio Oriente e Norte de África.

Manuela Ribeiro Sanches Ruy Duarte de Carvalho


É professora auxiliar com agregação da Faculdade de Letras da Universidade Ruy Duarte de Carvalho nasceu em 1941, em Portugal, mas naturalizou-se
de Lisboa, e investigadora no Centro de Estudos Comparatistas dessa mes‑ angolano em 1975, no ano da independência de Angola. Entre 1975 e 1981
ma instituição, coordenando o projecto «Dislocating Europe. Post-Colonial realizou filmes para a Televisão e para o Instituto de Cinema angolanos.
Perspectives in Literary, Anthropological and Historical Studies». Recente‑ Em 1982 obteve, com o filme Nelisita, o diploma da Escola de Altos Estu‑
mente, organizou os volumes Portugal Não É Um País Pequeno. Contar o «Impé- dos em Ciências Sociais (Paris), onde se doutorou em Antropologia Social e
[238] podemos viver sem o outro? notas biográficas [239]

Etnologia (1986). A partir de 1987, ensinou Antropologia Social nas univer‑ ramos de Direito, tendo desempenhado, igualmente, funções directivas na
sidades de Luanda (Angola), de São Paulo (Brasil) e de Coimbra (Portugal), Ordem dos Advogados. Em 1978, Jorge Sampaio adere ao Partido Socialista
inquirindo, sobretudo, junto de sociedades pastoris e agro-pastoris do Su‑ (PS). Em 1979, é eleito deputado à Assembleia da República, pelo círculo de
doeste de Angola e do Noroeste da Namíbia. Tem publicadas cerca de duas Lisboa, e passa a integrar o Secretariado Nacional do PS. No ano de 1989,
dezenas de livros de poesia, ficção, narrativa e ensaio. Iniciou a sua obra é eleito Secretário-Geral do Partido Socialista, cargo que exerce até 1991,
poética com Chão de Oferta (1972), prosseguindo, entre outros, com Ob- e é designado, pela Assembleia da República, como membro do Conselho
servação directa (2000) e, mais recentemente, com Lavra — poesia reunida de Estado. Em 1989, decide concorrer à presidência da Câmara Municipal
1970/2000 (2005). Na ficção, publicou Como se o mundo não tivesse leste (1977), de Lisboa, cargo para o qual é então eleito, e depois reeleito em 1993. Em
Os papéis do Inglês (2000), Paisagens propícias (2005) e Desmedida. Luanda, São 1995, Jorge Sampaio apresenta a sua candidatura às eleições presidenciais, e
Paulo, São Francisco e Volta. Crónicas do Brasil (2006). É ainda autor de Vou lá em 14 de Janeiro de 1996 é eleito à primeira volta. Apresentou-se de novo e
visitar pastores (1999), vasto fresco sobre os kuvale, sociedade pastoril do Su‑ voltou a ser eleito à primeira volta, em 14 de Janeiro de 2001, para um novo
doeste de Angola, e dos ensaios Actas da Maianga. Dizer da(s) guerra(s) em An- mandato.
gola (2003) e A câmara, a escrita e a coisa dita… Fitas, textos e palestras (2008). Em Maio de 2006 foi designado Enviado Especial do Secretário-Geral das
Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose e, em Abril de 2007, foi no‑
Sherifa Zuhur meado, pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Alto Representante para
Professora de Estudos Islâmicos e Regionais, tem leccionado e desempe‑ a Aliança das Civilizações.
nhado funções em instituições universitárias como o Instituto de Tecnolo‑
gia de Massachusetts (MIT, EUA), a Universidade da Califórnia (Berkeley e
Los Angeles, EUA) e a Universidade Americana (Cairo, Egipto). A sua inves‑
tigação abrange áreas como movimentos islâmicos, guerra e paz no Médio
Oriente, política moderna no Médio Oriente, filosofia política e religiosa
no Islão e aspectos do desenvolvimento social e cultural. É autora de textos
sobre a emergência dos movimentos terroristas islâmicos, a insurreição e o
conflito entre seitas no Iraque, a influência xiita no Médio Oriente, o Es‑
tado islâmico no Irão, a guerra islâmica e a nova jihad, o problema da se‑
gurança numa Arábia Saudita em processo de mudança, a democratização,
a segurança e o nacionalismo no Médio Oriente.

Jorge Sampaio
Jorge Sampaio nasceu em Lisboa em 1939.
Em 1961, licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universi‑
dade de Lisboa. Na Universidade, desenvolveu uma relevante actividade
académica, iniciando assim uma persistente acção política de oposição à
Ditadura. Foi eleito Presidente da Associação Académica da Faculdade de
Direito em 1960/61, e Secretário-Geral da Reunião Inter Associações Aca‑
démicas (RIA), em 1961-62. Nessa qualidade, é um dos protagonistas da cri‑
se académica do princípio dos anos 60, a qual esteve na origem de um longo
e generalizado movimento de contestação estudantil, que durou até ao 25
de Abril de 1974, e que abalou profundamente o Regime. Deu, entretan‑
to, início a uma intensa carreira de advogado, que se estendeu por todos os
foi composto em caracteres
hoefler text e impresso na
guide, artes gráficas, sobre
papel besaya de 90 grs., numa
tiragem de 1500 exemplares,
em abril de 2009.

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