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Lombalgia nos adolescentes: identificação de factores de risco psicossociais

Article · January 2005

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Raul Oliveira
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Lombalgias

Lombalgia nos adolescentes: identificação


de factores de risco psicossociais. Estudo
epidemiológico na Região da Grande Lisboa

LUÍS COELHO
VANESSA ALMEIDA
RAÚL OLIVEIRA

Objectivos: determinar a influência de factores de risco Resultados: a prevalência da lombalgia foi de 39,4%.
psicossociais na ocorrência de lombalgia durante o ano Encontrámos relação entre a prevalência de lombalgia e a
lectivo de 2002-2003 em adolescentes com idades com- ausência de actividade física (p = 0,001), o tempo gasto em
preendidas entre os 11 e os 15 anos moradores na Região jogos electrónicos (p < 0,001), os indivíduos que não reali-
da Grande Lisboa. zavam as deslocações casa-escola-casa a pé (p < 0,001) e o
Desenho do estudo: transversal e retrospectivo (tipo (baixo) nível de autoconceito (p < 0,001). A relação entre as
survey), baseado num questionário de auto-resposta e variáveis — anos de prática desportiva e os níveis compe-
numa escala de validados. titivos e outras actividades sedentárias (dormir, ver televi-
Métodos: amostra constituída por 208 adolescentes (103 são) — e a ocorrência de lombalgia parece estar sobretudo
rapazes e 105 raparigas) com idades entre os 11 e os 15 relacionada com outro factor (autoconceito). A relação
anos (média de 12,8 ± 1,44) e com distribuição homogénea entre o tabagismo e a dor lombar não pode ser estabelecida
nas principais variáveis. O questionário incluiu dados pes- de forma concludente. O ponto de prevalência presente foi
soais, factores psicossociais (tabagismo, participação des- de 16,3% e a prevalência cumulativa de 48,1%. Na maioria
portiva, hábitos sedentários), escala visual análoga da dor, dos casos (72%), a lombalgia foi «uma situação benigna»
e foi, em conjunto com a escala de autoconceito de Piers- resolvida espontaneamente em dois dias, mas pelo menos
Harris, distribuído e recolhido pelos autores em escolas e um em cada quatro jovens «sofredores» recorreu ao apoio
clubes da Região de Lisboa. externo (por exemplo tratamento médico, fisioterapia).
13% tornaram-se «sofredores» de lombalgia com agrava-
mento do quadro inicial.
Conclusões: a lombalgia nos jovens é um fenómeno comum
que deve ser entendido como «uma experiência normal de
Luís Coelho é licenciado em Fisioterapia, fisioterapeuta no Hospi-
vida». Existe uma associação entre a lombalgia e a ausên-
tal CUF e investigador na área das lombalgias juvenis.
Vanessa Almeida é licenciada em Fisioterapia, fisioterapeuta e in- cia de prática desportiva, a ausência de deslocações casa-
vestigadora na área das lombalgias juvenis. -escola-casa a pé, o tempo gasto em jogos electrónicos e o
Raúl Oliveira é doutorando em Fisioterapia, assistente na Facul- baixo nível de autoconceito. Os factores psicológicos, como
dade de Motricidade Humana – UTL e professor na Escola Supe- o autoconceito, são importantes variáveis a ter em conta
rior de Saúde de Alcoitão – SCML; investigador sobre perturba- nos estudos de identificação de factores psicossociais asso-
ções músculo-esqueléticas da coluna. ciados à lombalgia.

Submetido à apreciação: 25 de Maio de 2004. Palavras-chave: saúde dos adolescentes; lombalgias; facto-
Aceite para publicação: 16 de Março de 2005. res de risco; psicossociologia da saúde.

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Lombalgias

1. Introdução diversas realidades contextuais, também elas ligadas


à lombalgia, como é o caso do estrato social e do
A lombalgia inespecífica constitui um problema de perfil psicológico do sujeito fumador.
origem multifactorial que afecta, nos países desen- A dimensão psicológica parece possuir uma crucial
volvidos, uma parte considerável da população. Ela influência em termos da presença/ausência e/ou agra-
poderá ter sérias repercussões a diferentes níveis vamento da dor lombar. Diversos estudos relacionam
(funcional, psicossocial e sócio-económico), sendo a experiência anterior, a intensidade depressiva e/ou
que a população jovem é especial e comummente o nível de ansiedade com o comportamento da dor
afectada (e. g., Balagué, Troussier e Salminen, 1999, referida (Harma et al., 2002; Linton, 2000; Pincus et
Fairbank et al., 1984, Oliveira, 1999, e Salminen, al., 2002).
1984), com resultados de prevalência de dor a varia- Por outro lado, a atitude/comportamento do sujeito
rem entre os 12% (Burton, Tillotson e Troup, 1989) em relação à dor sentida, o significado atribuído à
e os 57% (Ebrall, 1994). sintomatologia e as estratégias de coping arroladas
A compreensão da realidade plurifactorial da lombal- constituem factores modificáveis da percepção da
gia constitui o capital método de sistematização de sensação dolorosa e, igualmente, preditivos do desen-
estratégias preventivas e categorização de modelos de volvimento de sintomas crónicos e/ou limitações fun-
avaliação/terapêutica, numa procura de intervenção cionais.
do profissional de saúde sistematicamente mais efi- O autoconceito, enquanto parte integrante que é da
ciente, pragmática e credível. personalidade, poderá influenciar diferentemente a
São diversos os factores de risco envolvidos na lom- forma como o sujeito percepciona a dor (Melzack e
balgia juvenil — biomecânicos, antropométricos e Wall, 1982), principalmente por meio da influência
psicossociais —, sendo que a problemática vigente que o construto referido exerce sobre factores emo-
deve ser encarada segundo uma perspectivação holís- cionais (por exemplo, depressão, ansiedade, signifi-
tica, envolvente de múltiplos elementos em interac- cado atribuído à dor), atitudinais e comportamentais.
ção constante, numa configuração de causalidade cir- No sentido oposto, a experiência álgica altera fre-
cular e interactiva. quentemente a auto-estima e a noção corporal do
Os factores de risco psicossociais estão estritamente indivíduo e toda uma gama de comportamentos
ligados a características vivenciais e de natureza influentes de estados emocionais, também eles modi-
contextual, assim como a caracteres idiossincráticos ficadores da percepção da dor sentida.
individuais, abrangendo os estilos de vida dos jovens, Neste contexto, o presente estudo teve como objec-
o tabagismo e diversos aspectos do foro emocional e tivo determinar a influência de factores de risco psi-
personalístico (os quais são, no faseamento adoles- cossociais (estilos de vida e nível de autoconceito) no
cente, especialmente modificáveis e vulneráveis). padrão de ocorrência de lombalgia durante o ano
Os estilos de vida dos jovens incluem essencialmente lectivo de 2002-2003 em adolescentes com idades
a prática desportiva extremada ou competitiva e o compreendidas entre os 11 e os 15 anos moradores
sedentarismo exagerado, os quais se têm assumido na Região da Grande Lisboa.
como factores de especial importância, dada a sua
perniciosidade para os sistemas músculo-esquelético
e psicológico. Diversos autores referem que a prática 2. Métodos
desportiva muito precoce e/ou elevadamente intensa
poderá representar o mesmo risco de desenvolvi- Desenho do estudo: estudo epidemiológico de levan-
mento de lombalgias que a ausência de prática física tamento, retrospectivo, transversal, descritivo e
ou a celebração de hábitos sedentários danosos a correlacional (tipo survey), baseado num questionário
nível músculo-esquelético (Balagué et al., 1994; de auto-resposta e numa escala de autoconceito vali-
Fairbank et al., 1984; Kujala e Tanner, 1996; dados e respondidos por 208 adolescentes.
Salminen et al., 1993 e 1995). População e amostra: a população abrangida pelo
O consumo de tabaco, paradigma de um denodado estudo foi constituída por jovens de ambos os sexos
problema de saúde pública, tem sido, igualmente, com idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos
relacionado com a dor lombar inespecífica. Segundo e moradores na Região da Grande Lisboa que fre-
diversos autores (Balagué et al., 1999; Feldman, quentavam estabelecimentos de ensino oficial e par-
2001; Goldberg, Scott e Mayo, 2000; Harreby et al., ticular, assim como associações, clubes ou socieda-
1999; Leboeuf-Yde, 1999), o tabagismo parece estar des juvenis.
relacionado com as dores lombares (incluindo uma A amostra foi seleccionada em função da disponibi-
relação com o consumo médio anual e a idade de lidade e acessibilidade a diversas instituições, tendo
início do consumo), assim como está associado a ficado constituída por 208 jovens (o que corresponde

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Lombalgias

a 92,9% em relação aos instrumentos cedidos), com Factores em estudo e instrumentos: estilos de vida.
distribuição equitativa pelo factor sexo (n = 103 para Descritos como factores inerentes à existência ou
o sexo masculino e n = 105 para o sexo feminino) e ausência de actividade física, intensidade e tempo de
pelas diversas faixas etárias (média da idade, realização de actividades desportivas e tempo e tipo
12,8 ± 1,44 anos). de actividades sedentárias realizadas. Hábitos tabági-
Variável principal e instrumento: lombalgia. Esta cos. Variável definida pela idade de início e pelo
variável foi definida conceptualmente como «todas e consumo tabágico médio do último ano. Ambas as
quaisquer queixas dolorosas referidas à região lom- variáveis citadas foram caracterizadas pelo questio-
bar (parte inferior das costas) que tenham tido pelo nário de auto-resposta de Oliveira (1999).
menos uma duração de 24 horas. As dores nas costas Autoconceito (nível de autoconceito global): variável
poderão ter também irradiado para as nádegas e para definida por Veiga (1996) como a «percepção que o
as pernas» (Oliveira, 1999). indivíduo tem de si próprio como tal e de si-mesmo
A variável vigente foi medida e caracterizada pelo em relação com os outros» (p. 12). Este cabal
questionário de auto-resposta (desenvolvido, valida- construto psicológico foi mensurado pelo instru-
do e aplicado) de Oliveira (1999). Neste instrumento, mento Piers-Harris children’s self-concept scale
o termo lombalgia é definido de forma clara, opera- (PHCSCS). Esta escala possui uma qualidade
cional e, tanto quanto possível, de forma objectiva. psicométrica sobejamente reconhecida, tendo sido
A definição utilizada no estudo é semelhante à utili- validada por Veiga (1989). O instrumento é destinado
zada em estudos análogos a este (Balagué et al., 1994 a uma população escolar com idades compreendidas
e 1995; Burton et al., 1996; Olsen et al., 1992), tendo entre os 8 e os 18 anos de idade, possuindo 80 itens
sido acrescentada à definição a «duração mínima de relativos a diversas dimensões do autoconceito: apa-
24 horas» para se evitar contabilizar as situações de rência física, popularidade, aspecto comportamental,
dor lombar ocasional com uma componente predomi- ansiedade, estatuto intelectual, satisfação-felicidade e
nante de fadiga e/ou resultante de «posturas viciosas» autoconceito não académico geral. Os coeficientes de
que se resolviam em poucas horas ou mesmo minu- fidelidade do instrumento variam entre 0,70 e 0,90,
tos (Oliveira, 1999). conforme a idade e o tipo de fidelidade calculada,
Relativamente aos jovens que referiram lombalgia sendo que a escala possui consistência interna e esta-
durante o ano lectivo de 2002-2003, procurou-se bilidade teste-reteste.
caracterizar o problema na sua fase de maior inten- Procedimentos para recolha de dados: foram contac-
sidade e/ou impacto em termos de: (a) idade em tados os conselhos directivos de diversas escolas de
que ocorreram as primeiras dores lombares (anos); ensino oficial e particular da Região da Grande Lis-
(b) frequência dos episódios de dores lombares boa, bem como responsáveis por associações e clu-
durante o ano lectivo em questão (uma vez, 2 a 3 bes recreativos da mesma região, com a finalidade de
vezes, 4 a 6 vezes e 7 vezes ou mais); (c) há quanto lhes solicitar a colaboração activa para o presente
tempo ocorreram essas queixas (dias, semanas ou estudo.
meses); (d) intensidade das dores lombares, medida Os questionários/escalas foram cedidos e recebidos
pela escala visual análoga da dor (EVA); (e) localiza- directamente pelos autores do estudo, tendo havido
ção das dores de costas por uma «descrição directa» um acompanhamento imediato, pessoal e personali-
num desenho do corpo humano visto de frente e de zado dos sujeitos da amostra no momento do preen-
costas (bodychart); (f) actividades funcionais que chimento dos instrumentos.
agravaram as dores lombares; (g) causas directas e Os dados foram recolhidos no final do ano lectivo de
indirectas da lombalgia (traumáticas e não traumáti- 2002-2003 (Julho) e início do ano lectivo de 2003-
cas); (h) necessidade de consulta com profissional de -2004 (Setembro e Outubro) em diversas instituições
saúde em virtude das dores sentidas; (i) necessidade nos concelhos de Oeiras e de Lisboa.
de tratamentos em virtude da lombalgia; (j) evolução Análise estatística: para o tratamento dos dados (uti-
da sintomatologia. Estes itens constituem, sobretudo, lização do programa SPSS versão 10.0) foram utili-
um conjunto de indicadores necessários à objectiva- zados métodos de estatística descritiva, por meio da
ção do padrão de ocorrência do que foi para cada realização de tabelas de frequências e medidas de
jovem a experiência de sentir dores lombares. Sendo tendência central e medidas de dispersão (desvios-
a dor uma experiência individual, singular e especí- -padrão) e métodos de estatística inferencial.
fica de cada situação ou contexto, que é mais ou Dentro desta última foi feita uma comparação de
menos valorizada por um código de referências tam- variáveis (métodos de estatística paramétrica e não
bém individual e personalizado, é necessário que esta paramétrica), mediante a realização de tabelas de
seja claramente definida e equacionada no instru- comparação de frequências (tabelas de contingência),
mento que a caracteriza. determinação do qui-quadrado (χ2) e da regressão

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Lombalgias

linear e utilização de métodos de associação de variá- que referiram competir e as dores em vigência
veis correlativos, envolvendo o coeficiente de Pear- (χ2 = 22,679, p < 0,05).
son e o coeficiente de Spearman. Foi tido em conta Atendendo agora ao factor deslocações casa-escola-
um nível de significância p ≤ 0,05. -casa, verificou-se uma prevalência de lombalgia cla-
Para além disso, foram utilizados métodos de avalia- ramente superior (59,2%) nos sujeitos que referiram
ção da relação entre diferentes factores, com análise não efectuar as deslocações referidas a pé, sendo que
multivariada de diversas variáveis, com identificação a associação em vigência é estatisticamente significa-
de relações factoriais (potencialmente) espúrias e tiva (χ2 = 30,300, p < 0,001).
identificação de variáveis intervenientes (intervening No respeitante às actividades sedentárias, tanto no
variables). consumo televisivo como na utilização de jogos de
vídeo, a prevalência de dor lombar é superior para a
faixa horária das 11 às 15 horas. A associação esta-
3. Resultados tística entre os factores referidos e a ocorrência de
dor é significativa tanto para o consumo de televisão
Prevalência de lombalgia em 2002-2003 e associa- (χ2 = 28,953, p < 0,001) como para o tempo gasto a
ções factoriais. Sendo que um dos principais objecti- utilizar jogos de vídeo (χ2 = 34,389, p < 0,001).
vos deste estudo foi a determinação da prevalência de Igualmente significativa é a relação existente entre o
dor lombar na amostra juvenil estudada, apresentam- tempo gasto a dormir e a ocorrência de dor lombar,
-se quatro tabelas (presentes seguidamente) que reve- com uma prevalência de lombalgia superior na faixa
lam os resultados relativos à prevalência de lombal- horária de 11 ou mais horas, tanto no respeitante aos
gia e sua distribuição pelos seguintes factores/ dias de semana (χ2 = 13,224, p < 0,01) como aos fins
variáveis em estudo: actividade desportiva, activida- de semana (χ2 = 21,885, p < 0,001).
des físicas menos formais, deslocações casa-escola- A média de autoconceito (Tabela IV) é distintamente
-casa a pé, ver televisão, utilizar jogos electrónicos, superior nos sujeitos que referiram não possuir lom-
tempo gasto a dormir e autoconceito. balgia (87,594 ± 4,018). É, inclusive, possível dizer
Pela observação da Tabela I verifica-se que a preva- que existe uma associação entre a variável do
lência de lombalgia durante o ano lectivo de 2002- construto psicológico e a ocorrência de dor
-2003 atingiu os 39,4% (n = 82), tendo sido mais ele- lombálgica, com os sujeitos com menor autoconceito
vada nas raparigas (41,9%) do que nos rapazes a referirem mais queixas lombares (χ2 = 205,906,
(36,9%) e tendo aumentado com a idade. Esta distri- p < 0,001). Na realidade, esta relação factorial é a mais
buição da prevalência lombálgica pelo factor sexo e significativa de todas as estudadas — p < 0,0001 —,
idade não é, contudo, estatisticamente significativa, de acordo com a regressão linear, enfatizando a impor-
com valores de significância de p = 0,212 para o pri- tância da variável psicológica para este estudo.
meiro factor e de p = 0,46 para o segundo. Finalmente, atendendo ao factor tabagismo, foi pos-
No respeitante à actividade física/desportiva, é possí- sível verificar que, entre os 18 fumadores da amostra,
vel verificar que 54,4% dos sujeitos que referiram os 16 fumadores frequentes referiram, na sua totali-
não praticar desporto referiram ter dores lombares dade, ter tido dores lombares (χ2 = 26,841, p < 0,001).
desde Setembro de 2002. Por outro lado, 69,8% dos Porém, apesar da associação encontrada, pelo facto
sujeitos que referiram praticar desporto no último de o número de sujeitos fumadores (n = 18, 16 fuma-
ano lectivo alegaram não possuir dores desde Setem- dores frequentes) ser muito exíguo em relação ao
bro de 2002. número de não fumadores (n = 190), torna-se
A mesma tendência se verificou em relação às acti- inviável extrair daqui qualquer tipo de conclusão
vidades físicas realizadas que não incluem as anterio- definitiva e absoluta.
res, com 70,5% dos sujeitos praticantes de activida- Ponto de prevalência presente e absoluta/cumulativa.
des a não referirem queixas de lombalgia. O estudo evidenciou 34 jovens que afirmaram ter
Com efectividade, existe uma associação entre a prá- dores no momento de preenchimento do instrumento,
tica desportiva e de actividades físicas de outro foro o que equivale a um ponto de prevalência presente de
e a ocorrência de dor lombar, ditada pelo facto de os 16,3%. Este valor de prevalência é mais baixo nos
sujeitos que praticaram menos desporto e menos acti- rapazes (n = 13 e 12,6%) do que nas raparigas
vidades físicas de forma informal terem referido mais (n = 21 e 20%), maior nos sujeitos com 12 anos
lombalgia (respectivamente, χ2 =12,013, p = 0,001, e (n = 11 e 27,5%) e 15 anos (n = 8 e 0,22%) de idade
χ2 = 6,339, p < 0,05). e maior nos desportistas (n = 23 e 17,8%) do que nos
Existe uma associação positiva significativa entre o não desportistas (n = 11 e 13,9%).
número de anos de prática desportiva e as queixas No que diz respeito à prevalência absoluta/cumula-
lombares (χ2 = 25,976, p < 0,0001) e entre os sujeitos tiva ao longo da vida, verificou-se um valor de

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Lombalgias

Tabela I
Distribuição dos jovens com e sem lombalgia durante o ano lectivo de 2002-2003 por diferentes variáveis (sexo,
desporto, actividades e deslocações)
Sexo Sexo Com Sem Com Sem Deslocações Deslocações
N = 208
masculino feminino desporto desporto actividade actividade a pé não a pé

Dor 38* 44 39 43 28 54 24 58
N = 82 (36,9%)† (41,9%) (30,2%) (54,4%) (29,5%) (47,8%) (21,8%) (59,2%)
39,4%
Sem dor 65 61 90 36 67 59 86 40
N = 82 (63,1%) (58,1%) (69,8%) (45,6%) (70,5%) (52,2%) (78,2%) (40,8%)
60,6%
Total 103 105 129 79 95 113 110 98

* Valor de frequência absoluta.


† Valor percentual.
Variáveis: sexo masculino, sexo feminino, com desporto (sujeitos que realizam actividade desportiva), sem desporto
(sujeitos que referiram não efectuar desporto), com actividade (sujeitos que realizaram actividades menos formais mas com
esforço suficiente para suar ou provocar dispneia, sem actividade (sujeitos que não realizaram o tipo de actividades
anteriormente definidas), deslocações a pé (deslocações realizadas de casa para a escola e da escola para casa a pé) e
deslocações não a pé (deslocações realizadas por outro meio anteriormente referido).

Tabela II
Prevalência de lombalgia nas diversas faixas horárias para as actividades consumo televisivo e
utilização de jogos de vídeo

Actividades Até 5 horas* 6 a 10 horas 11 a 15 horas 16 ou mais horas

Dor Ver televisão 29,2% 23,3% 72,5% 48,6%


39,4% Jogos de vídeo 36,8% 12,5% 73,3% 60%

* Faixas horárias definidas por número de horas semanais.

Tabela III
Prevalência de lombalgia nas diversas faixas horárias para a actividade de dormir
Actividades Até 5 horas* 6 a 8 horas 9 a 11 horas 11 ou mais horas

Dor Dias de semana 25% 30,2% 46,9% 62,1%


39,4% Fins de semana 23,1% 20% 47,8% 57,4%

* Faixas horárias definidas por número de horas semanais.

Tabela IV
Distribuição dos jovens com e sem lombalgia por média
de autoconceito

Lombalgia = 39,4% Média de autoconceito Desvio-padrão

Sim 59,624 7,571


Não 87,594 4,018
Total 76,567* 14,829

* Média total de autoconceito. Valores obtidos por score da


PHCSCS.

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48,1%, sendo que o mesmo aumenta para os sujeitos res de significância não se alteraram ou sofreram
não desportistas (67,0%) e inactivos (55,8%). apenas insignificativas alterações).
Análise multivariada de associação entre factores. Comparadas as significâncias das relações entre o
Tendo em atenção os valores das associações total e cada um dos subgrupos, constata-se que a
factoriais obtidos, importa perceber que são diver- associação nas outras variáveis se perdeu de forma
sas as variáveis que parecem estar associadas numa bem notória, pelo que se pode considerar que a rela-
relação que torna obscura a compreensão das verda- ção entre as variáveis ver televisão, horas gastas a
deiras relações de associação multifactorial. Houve, dormir e actividades informais e a ocorrência de
como tal, necessidade de perceber até que ponto o lombalgia é espúria, ou seja, não existe verdadeira-
nível de autoconceito estaria implicado na relação mente; é apenas o reflexo da intersecção de uma
entre as variáveis desporto/sedentarismo e as dores variável interveniente (autoconceito), que, como já
lombares referidas (consonância com a literatura e referimos, possui relação com as variáveis psicosso-
com a significância obtida na regressão linear). Se ciais citadas.
um menor nível de autoconceito está associado a Por outro lado, realizada a análise de dados para os
um maior nível de sedentarismo (Bortoli, Robazza, sujeitos desportistas, percebe-se que tanto a relação
Viviani e Saccardi, 1993; Kirkcaldy, Shephard e anos de prática-lombalgia (acima de 76,6:
Siefen, 2002), então não podemos ter a certeza da χ 2 = 3,264, p = 3,20; abaixo de 76,6: χ 2 = 7,134,
relação directa entre o sedentarismo e a dor (pro- p = 0,610) como a relação nível competitivo-lombal-
vavelmente mediada por factores de índole mús- gia (acima de 76,6: χ2 = 0,702, p = 0,402; abaixo de
culo-esquelética). É, como tal, importante realizar a 76,6: χ2 = 2,411, p = 1,20) são igualmente espúrias,
análise da espuriedade das relações factoriais esta- não havendo, portanto, uma «verdadeira» relação
belecidas, atendendo ao autoconceito como inter- entre a intensidade/tempo da prática e a dor referida.
vening variable. De modo a pesquisar se a relação entre o factor auto-
Para analisar a espuriedade da relação entre as variá- conceito e a ocorrência de dor é espúria, realizámos
veis dos estilos de vida e a lombalgia 02/03 dividiu- uma análise estatística semelhante à anterior. Para
-se a amostra em estudo em dois subgrupos, de isso procurou-se se a relação era significativa nas
acordo com a média do autoconceito: o grupo de diversas faixas de abrangência de cada uma das
sujeitos com um autoconceito igual ou superior a variáveis psicossociais em estudo: horas gastas a ver
76,6 e o grupo de indivíduos com autoconceito infe- televisão e a utilizar jogos electrónicos, horas gastas
rior à média (76,6). Depois de divididos, efectuou-se a dormir, deslocações, prática desportiva e outras
a análise do qui-quadrado e de significância (p) rela- actividades físicas. À parte algumas alterações pouco
tivos à relação entre cada uma das variáveis em relevantes verificadas nos valores de significância,
estudo e a ocorrência de dor lombar em cada sub- verificou-se que a relação entre o nível de autocon-
grupo referido (v. Tabela V), de modo a pesquisar as ceito e a lombalgia (relação basilar: p < 0,001) se
relações em que o valor de p se mantém significativo mantém bastante significativa em cada subgrupo de
(apesar da subdivisão da amostragem). cada variável, pelo que se pode considerar existir
Como pode ser observado pela Tabela V, apenas as uma associação real (não espúria) entre o autocon-
variáveis utilizar jogos de vídeo, deslocações e prá- ceito e a dor referida/ocorrida desde Setembro de
tica desportiva mantêm uma relação dita «absoluta» 2002.
com a ocorrência de lombalgia (isto acontece porque Caracterização da lombalgia e seu padrão de ocor-
em cada um dos subgrupos do autoconceito os valo- rência. No contexto da análise estatística realizada

Tabela V
Análise da espuriedade da relação entre as diferentes variáveis psicossociais em estudo e a
ocorrência de lombalgia

Autoconceito < 76,6 Autoconceito = 76,6

Variáveis × lombalgia P total χ 2


P χ2 P
Ver televisão 0,001 5,397 0,145 5,674 0,129
Utilizar jogos 0,001 11,941 0,008 7,971 0,005
Dormir (semana) 0,01 6,005 0,111 0,399 0,940
Dormir (fins de semana) 0,001 4,866 0,182 8,203 0,421
Deslocações a pé 0,001 6,456 0,001 16,998 < 0,001
Desporto 0,001 3,346 0,001 7,726 0,001
Actividades informais 0,05 5,221 0,223 2,281 0,131

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Lombalgias

neste estudo, importou, depois, caracterizar a ocor- mais dores ou ter tido dores mais ligeiras após o
rência de lombalgia nas suas múltiplas vertentes. episódio mais doloroso. Por outro lado, em 13%
Obteve-se, neste contexto, um conjunto variado de dos sujeitos do total da amostra, a lombalgia tor-
resultados: nou-se um fenómeno recorrente com tendência
para reaparecer com maior intensidade.
a) 52 % dos sujeitos que referiram ter tido dores
lombares (n = 43) iniciaram as primeiras queixas
entre os 10 e os 12 anos de idade; 4. Discussão
b) Em relação à frequência dos episódios de lombal-
gia, 35% dos sujeitos (n = 29) referiram a exis- Validade do estudo: análise centrada no processo e
tência de um único episódio de dor, 31% (n = 25) desenho metodológico. Tendo a amostra utilizada
referiram ter entre dois e três episódios de lom- sido retirada grandemente da população escolar da
balgia e 33% (n = 27) referiram ter tido mais de Região da Grande Lisboa, incluindo diversos contex-
três episódios de dor lombar desde Setembro de tos sociais, podemos dizer que a mesma se coaduna,
2002; atendendo aos objectivos definidos. A sua dimensão
c) No respeitante ao tempo de recuo ao episódio (n = 208) é adequada para um estudo deste género,
mais doloroso de dores lombares, 38% das situa- possuindo um número de sujeitos semelhante ao de
ções de lombalgia (n = 31) ocorreram entre oito e outros estudos realizados (Burton, Tillotson e Troup,
trinta dias prévios ao estudo, 29% (n = 24) no 1989; Viry, Creveuil e Marcelli, 1999). Para além
período de até sete dias prévios ao estudo e 28% disso, a amostragem possui uma distribuição homo-
dos sujeitos referiram ter tido o episódio de dor génea relativamente às variáveis mais importantes em
mais doloroso mais de um mês antes do momento estudo (idade, sexo, deslocações, desportista ou não,
da recolha de dados (n = 23); activo ou não), facto que permitiu realizar compara-
d) Acerca da intensidade da dor, 59% dos jovens ções correlacionais e associacionais sobre a influên-
(n = 48) classificaram as suas dores como inferio- cia dessas variáveis nos valores de prevalência de dor
res a 50 numa escala de 0 a 100 mm (EVA); lombar.
e) Em relação à duração do episódio mais doloroso, O questionário constitui o instrumento utilizado na
verificou-se que, na maioria dos casos (72%), a maioria dos estudos realizados sobre prevalência da
lombalgia demorou até dois dias até conhecer dor lombar em jovens e nos estudos epidemiológicos
alívio. Apenas em 8% dos casos a lombalgia de grande dimensão é o único método disponível e
demorou mais de sete dias a conhecer alívio acessível para identificar os jovens afectados por essa
(n = 6), não existindo casos relativos a dores lom- condição dolorosa (Taimela et al., 1997). Isto acontece
bares a durarem mais de trinta dias; porque também é largamente aceite que na maioria
f) No respeitante ao impacto que certas actividades dos casos, acima de 85% das situações, não se conse-
da vida diária tem na dor lombar, verificou-se gue estabelecer um diagnóstico definitivo e preciso
que actividades como transportar pesos/mochilas para a lombalgia (Deyo, 1991, White e Gordon, 1982,
(34,1%), levantar-se da cama/chão (26,8%), estar citados por Oliveira, 1999), dispensando assim a
sentado (26,8%) e a prática desportiva (25,6%) necessidade de haver uma consulta ou um diagnóstico
foram referidas como factores agravantes das prévio para a confirmação dessa condição.
dores sentidas; O questionário utilizado neste estudo revelou-se fiá-
g) Constatou-se também que 76% dos sujeitos vel, fidedigno e capaz de atingir os objectivos preten-
«sofredores» de dores lombálgicas apontaram a didos no início.
ausência de traumatismo directo como causa No respeitante ao instrumento PHCSCS, apesar de o
para o episódio de lombalgia mais doloroso; mesmo ser, segundo vários autores (Veiga, 1989 e
h) Em relação ao conjunto de atitudes desenvolvidas 1991; Wylie, 1974), um instrumento fidedigno para a
pelos sujeitos relativamente às dores, 37% dos avaliação do nível de autoconceito global da popula-
«sofredores» de algias lombares recorreram à ção escolar, devemos perceber que as respostas à
consulta de um profissional de saúde (principal- escala podem ser dadas de formas muito diferentes,
mente o médico e o fisioterapeuta) e 29% afirma- de acordo com diferentes circunstâncias e diferentes
ram ter realizado tratamentos por causa das dores atitudes, memórias e referências do passado dos
que sentiram; sujeitos. Como tal, urge referir que o controlo do
i) Por último, e relativamente à evolução das dores ambiente de resposta aos instrumentos demonstrou
lombares desde os momentos mais dolorosos até ser bastante benéfico no sentido de diminuir a forma
ao momento de responderem ao questionário, como alguns dos aspectos supramente citados pode-
25,5% do total da amostra referiram não ter tido rão modular os resultados obtidos.

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Análise e interpretação dos resultados. O valor de essa variável e o factor doloroso, associação que
prevalência encontrado no estudo presente (39,4%) aparece já referida noutros estudos (Szpalski, 2002;
está dentro do intervalo de valores que estudos ante- Viry, Creveuil e Marcelli, 1999). Se considerarmos
riores determinaram (Balagué et al., 1995; Burton et os tempos das deslocações, percebemos que continua
al., 1996; Oliveira, 1999; Taimela et al., 1997), sendo a existir uma associação entre as mesmas e a ocor-
que o valor de prevalência de lombalgia mais pró- rência de dor. Porém, atendendo, mais uma vez, às
ximo do obtido é o do único estudo entre os analisa- desigualdades existentes entre os subgrupos conside-
dos que foi realizado na população portuguesa rados, não podemos daqui inferir conclusões concre-
(39,2%; Oliveira, 1999). Existem, porém, alguns tas.
estudos onde a prevalência de dor lombar é significa- Relativamente à relação entre dor lombar e activida-
tivamente mais baixa. No entanto, esses estudos ou des sedentárias, concluímos que a associação entre a
são os mais antigos (Fairbank et al., 1984; Salminen, utilização de jogos de vídeo e a dor lombar é a única
1984) ou abrangem uma população mais nova que poderá ser considerada absoluta e definitiva.
(Burton, Tillotson e Troup, 1989; Burton et al., 1996; O factor autoconceito é de especial importância. Esta
Taimela et al., 1997). variável, para além de possuir uma relação directa
No nosso estudo encontrámos diferenças significati- com a ocorrência de dor lombar, comporta-se tam-
vas na prevalência de lombalgia entre os jovens «des- bém como um factor interveniente de outras relações
portistas» e os «não desportistas», o que é seme- factoriais já citadas.
lhante a outras investigações realizadas (Balagué, Atendendo a isto, resta a ideia de que investigações
Dutoit e Waldburger, 1988; Fairbank et al., 1984; dedicadas exclusivamente ao estudo dos factores de
Salminen et al., 1993 e 1995). risco que concorrem para um tipo específico ou ge-
Relativamente aos jovens que praticaram desporto, nérico de dor devem possuir um número bastante
importa salientar que aqueles que o praticaram com abrangente de variáveis em estudo, incluindo as
maior intensidade em termos de anos de prática, variáveis psicológicas, tantas vezes negligenciadas.
carga horária e de nível competitivo mais elevado Só através do controlo referido, associado à utiliza-
apresentaram valores significativamente mais eleva- ção de métodos de análise multivariada de factores, é
dos de prevalência de dor lombar, como já anterior- que é possível chegar a conclusões mais válidas em
mente outros autores o tinham salientado (Balagué, termos das associações/correlações estabelecidas.
1988; Kujala et al., 1992). Ao termos estudado especialmente o factor psicoló-
Dentro dos indicadores da intensidade da prática gico autoconceito (e não esquecendo a necessária
desportiva, uma associação significativa foi encon- prossecução de estudos semelhantes a este com
trada entre o número de anos de prática desportiva e escrutínio de factores de natureza familiar e social),
a ocorrência de lombalgia e entre o nível de compe- tivemos em conta a proeminência da relação entre
tição/lazer e a ocorrência de dor. Porém, ao realizar- este construto personalístico e todo um outro con-
mos a análise multivariada, passámos a considerar junto de factores directamente modificáveis da per-
estas relações como espúrias. Considerando estudos cepção de dor. Isto remete-nos, na realidade, para o
que sugerem que os sujeitos que realizam competição campo da psicossomática, essencialmente porque os
e aqueles que possuem mais anos de prática despor- factores psicológicos interferem na complexa cadeia
tiva têm geralmente um mais baixo nível de autocon- multidimensional da dor (consonante com a gate-
ceito (Bortoli et al., 1993; Kirkcaldy et al., 2002; control theory de Melzack e Wall), influenciando a
Weinberg e Gould, 1995), derivado de diversos fac- sua percepção e subvertendo o quadro funcional
tores psico-sócio-familiares e osteo-traumatológicos, resultante.
e todos aqueles que relacionam os aspectos psicoló- Em relação ao ponto de prevalência de lombalgia
gicos com a dor, colocamos a hipótese de que, relativa ao momento de resposta ao questionário,
perante a realidade instalada de dor lombar, os facto- encontrámos um ponto de prevalência presente de
res tempo e competição farão exacerbar a relação 16,3%, valor muito semelhante ao obtido por outro
psicológica do sujeito com uma dor que tem tanto de estudo (Ebrall, 1994).
«real» como de potencial ou fantasmática. Perante No respeitante ao ponto de prevalência absoluta/cu-
isto, questionamos a importância dos factores psi- mulativa, obteve-se um valor de 48,1%, o qual, para
cológicos na expressão de uma sintomatologia que além de ser semelhante ao obtido noutros estudos
tem sido tradicionalmente relacionada preferencial- (Balagué et al., 1994; Oliveira, 1999), é comparável
mente com factores músculo-esqueléticos por exce- ao encontrado nas populações adultas (Balagué e
lência. Nordin, 1992). Outros autores (Oliveira, 1999; Olsen
Já para o factor deslocações casa-escola-casa, veri- et al., 1992) também afirmaram que a lombalgia nos
ficámos a existência de uma relação não espúria entre adolescentes constituía um problema de saúde

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Lombalgias

pública comum e semelhante ao que acontecia nos elevado e com estratificação específica da amostra-
adultos. gem, revela-se como um dos principais objectivos a
Os resultados obtidos e citados anteriormente neste alcançar em estudos futuros. É também importante
artigo levam-nos, igualmente, a inferir que a condi- referir que outros factores psicossociais e psicológi-
ção de lombalgia que tende a repetir-se, tornando-se cos deverão ser estudados numa investigação deste
recidivante, passa a ter um impacto na vida do jovem, tipo, de modo a expandir o grau de conhecimento do
radicado no acréscimo da severidade da dor e no multifactorial fenómeno lombálgico (por exemplo,
aumento do tempo necessário ao alívio dos sintomas. rotinas diárias de vida, condições de vida e contexto
Relativamente à duração do episódio mais doloroso, social, aspectos familiares, ansiedade-traço e intensi-
em mais de dois terços dos casos a lombalgia demo- dade depressiva).
rou até dois dias a conhecer alívio. Isto parece con-
firmar estudos anteriores (Burton et al., 1996; Oli-
veira, 1999) que afirmavam que a lombalgia nos
jovens era, na maioria dos casos, «uma situação
benigna» ou «uma situação normal de vida» que se Referências bibliográficas
resolvia espontaneamente com o tempo.
Ainda no relativo ao episódio mais doloroso, a maioria BALAGUÉ, F.; NORDIN, M. — Back pain in children and
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vidades faz parte da rotina diária dos jovens, o que nos BALAGUÉ, F., et al. — Non-specific low back-pain among
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leva a questionar a importância dos programas de factors. Journal of Spinal Disorders. 5 (1994) 374-379.
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Devemos constatar que a maioria das situações de -1270.
lombalgia (72%) duraram apenas entre um e dois BALAGUÉ, F.; TROUSSIER, B.; SALMINEN, J. — Non-specific
dias e que, respectivamente, em 63% e 69% dos low back pain in children and adolescents : risk factors. European
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1993. 720-721.
quando estes afirmam que a lombalgia nos adoles-
centes é essencialmente um fenómeno comum que BURTON, A.; TILLOTSON, K.; TROUP, D. — Prediction of low-
deve ser entendido como uma «experiência normal back trouble : frequency in a working population. Spine. 14 : 9
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como a dor é vivida ou valorizada, comportando-se, GOLDBERG, M.; SCOTT, S.; MAYO, N. — A review of the
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90 REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA


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