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de Guber diz que uma mulher que mo, num trecho em que a elimi-
perde um filho “pode tudo” (44), nação não foi possível, virou
ele se refere a uma absoluta indul- “voodoo priest” (174), enquanto
gência trazida pelo sofrimento, não o cabelo tingido de acaju de Dadá
a uma nova capacidade, como em passou a exibir um sofisticado
“[she] can face up to anything” “Titian hue” (162). A maior fei-
(36). tiçaria, porém, recaiu mesmo so-
O descaso mesmo surge quan- bre o cavaquinho tocado no ter-
do a tradução explicitamente se es- reiro, que adquiriu um som
quiva de lidar com a macumba. A havaiano ao se converter em
própria palavra é traduzida por ukulele (170). Novamente a solu-
“witchcraft”, termo associado a ção estaria nas notas, mas é curio-
feitiçaria européia. À exceção do so o quanto um cuidado maior com
termo ‘terreiro’, reproduzido sem a diferença cultural soaria desca-
alteração, apenas com uma breve bido ao baixo investimento de uma
explicação do próprio Guber (“the editora no lançamento de novos
worship site” — 161), as soluções talentos estrangeiros, por mais pro-
são sempre apressadas. Lança-se missores que sejam. A mesma so-
mão até da simples eliminação de lução fica, pois, adiada para uma
um termo ‘problemático’: “Dadá lucrativa edição das obras comple-
era um pai-de-santo de confiança” tas de Patrícia Melo em inglês, no
(165) passa a “Dadá was caso de um dia ela ser canonizada.
trustworthy” (161). O mesmo ter- Luiz Felipe G. Soares
ção original, mas que vêm sendo princípios que guiaram sua com-
editadas ultimamente pela pressão plexa implementação.
conjunta dos estudiosos e do mer- Um empecilho inicial foi que
cado), a obra escrita depois dos cin- o contrato (ou seja, provavelmen-
qüenta anos (coligida nos outros te a vontade da herdeira dos direi-
três tomos) e a dispersa (reunida tos autorais) exigia que os textos
em volumes avulsos, a maioria ain- fossem apresentados sem notas e
da não disponível em português). com a mesma diagramação da edi-
Este tomo concentra, portanto, o ção argentina. O coordenador da
essencial, o mais importante que edição brasileira, fazendo talvez da
esse importantíssimo homem de necessidade uma virtude, pensa
letras legou à humanidade. que essa limitação “acabou ironi-
Trata-se, é bom dizer de iní- camente se convertendo no maior
cio, de um projeto de fôlego e que desafio: uma edição sem notas
custou longuísimas horas de tra- explicativas, deixando para o ta-
balho à equipe coordenada por Jor- lento individual de cada um dos
ge Schwartz, professor de litera- tradutores a possibilidade de fazer
tura hispano-americana da USP. da obra de Borges um texto em
É também um projeto brasilei- português digno do próprio
ro, já que em Portugal foram edi- Borges”. A verdade, contudo, é
tados também os quatro tomos, em que o leitor de Borges parece sen-
tradução lusitana. A primeira vir- tir falta de notas explicativas e isso,
tude deste projeto é que ele apre- que já se aplica ao leitor de língua
senta, pela primeira vez no Bra- espanhola, inclusive o argentino,
sil, toda a obra canônica de Borges, fica mais evidente no caso brasi-
antes repartida em várias edições leiro, onde mesmo o leitor culto
de diferentes editoras, feitas com terá problemas para penetrar no
propósitos e critérios heterogêne- mundo enciclopédico de Borges.
os. Algumas das edições antigas A melhor prova de que uma edi-
foram aproveitadas e revistas se- ção anotada de Borges é mais útil,
gundo os critérios do coordenador, inclusive para o mais hedônico dos
expostos em um longo artigo na leitores, é a excelente edição, em
revista Cult de agosto de 1999. Ali dois tomos, que Jean Pierre Bernès
Schwartz, que é de origem argen- preparou para a coleção La Pléiade
tina, expõe dificuldades e méritos da editora francesa Gallimard.
da empreitada, assim como os Traduções recentes para o inglês e
Resenhas de Traduções 467