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RESENHA DO CAP.

I- Da memória e das reminiscências


20/03/2018
Dênis Moura de Quadros

RICOEUR, Paul. Da memória e das reminiscências. In:______. A memória, a história, o


esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.

"Da memória e das reminiscências" é o primeiro capítulo da obra A memória, a


história, o esquecimento do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005). O capítulo carrega o
mesmo título de uma das obras de Aristóteles, a segunda na ordem de escrita, que compõe a
coletânea Parva Naturalia. Essa nomenclatura não é ao acaso, pois o capítulo dialogará e
retomará algumas indagações aristotélicas sobre memória.
Ricoeur abre o capítulo fazendo uma breve síntese do que será abordado, apresentando
que, após os empréstimos de conceitos filosóficos de Platão e Aristóteles, discorrerá acerca da
fenomenologia da memória pensando-a a partir do método de investigação da fenomenologia
husserliana. Esse método apresenta um rigor científico de pensar os fenômenos em si
mesmos. Os questionamentos apresentados circularão em torno de duas perguntas bases: "De
que há lembranças?" E " De quem é a memória?".
Sobre a ordem das perguntas, o filósofo afirma que ao colocarmos, como é
comumente feito, o sujeito da memória antes e, ainda, instaurá-la como a primeira pessoa do
singular (eu), surgirá um grande e desnecessário problema quando pensarmos a memória
coletiva. Problema esse que ele chama de aporia inútil.
A fenomenologia da memória apresentada por Ricoeur segue as noções de noesis e
noema, ambos termos e conceitos advindos do método fenomenológico. Assim como o faz
em Tempo e narrativa (1983), Ricoeur retorna aos textos clássicos da filosofia justificando
seu retorno por serem eles, os textos, as raízes do pensamento racional. Elenca para seu
estudo dois textos de Platão (Teeteto e O Sofista) e um texto de Aristóteles, Da memória e das
reminiscências, já citado.
Dos filósofos gregos, Ricoeur destaca duas nomenclaturas para a memória mnémé e
ananmésis. Em mnémé, a lembrança aparece passivamente, sendo esta nomenclatura mais
inclinada ao questionamento do “o que”, enquanto que annmésis, inclina-se ao “como”, a
busca e os mecanismos de busca dessa lembrança. Essa questão ele retomará mais a frente ao
instaurar a fenomenologia da memória. Antes de partir para os textos gregos, diferencia a
memória da imaginação, sendo a memória voltada ao real e a anterioridade (como ele resgata
de Aristóteles) e a imaginação mais voltada ao mundo fantástico e utópico do que poderá ser.
Dos textos platônicos, Ricoeur retoma o conceito de éikon fenômeno da presença de
algo ausente que não é mais o que era. Para essa compreensão, Platão utiliza a metáfora do
bloco de cera, um bloco interno que varia de espessura, densidade, etc. de pessoa para pessoa.
Esse bloco, também, serve para discutir o esquecimento como algo que não se encaixa e se
perde, como uma pegada. Esse ausente, éikon, colocado em oposição ao phantasma toma as
vias de uma imagem semelhante, enquanto que a imagem fantástica não se assemelha.
Do postulado aristotélico o autor retoma uma afirmação não encontrada nos textos
platônicos. Apesar de Platão discutir o éikon em comparação a outras “imagens” do ausente,
ele não marca o tempo desse ausente. Dessa forma, é Aristóteles quem afirma que a memória
é do passado. Nessa relação de tempo retoma Santo Agostinho e suas discussões presentes em
Tempo e narrativa.
Em um segundo momento, o filósofo francês retomará os conceitos esboçados e
discorridos para começar a pensar uma fenomenologia da memória. Distinguindo a polissemia
que há na palavra memória, Ricoeur posiciona os acontecimentos no passado e elenca que o
testemunho é a estrutura fundamental de transição entre a memória e a história. Nessa
discussão retoma noesis e noema como rememoração e lembrança.
Após apresenta pares opositores como “hábito” e “memória”; “evocação” e “busca” e
“reflexidade” e “mundanidade”. No primeiro par, tomando o trabalho de Henri Bergson como
ponte entre o texto filosófico clássico e a modernidade, afirma que o filósofo francês concebe
memória-hábito e memória-lembrança como dicotomias, afirmação que ele não concorda,
tendo esse par como polaridade. Do primeiro par distingue que o hábito não necessita de uma
intencionalidade para ser recordado, é algo natural, enquanto que a memória é preciso ser
evocada. Essa evocação é posta, em polaridade, à busca. A evocação, segundo Ricoeur
(2007), traz o enigma que movimentou as reflexões platônicas e aristotélicas e, logo, a figura
do (não) ser ausente. Enquanto a busca é a luta que a memória trava contra o esquecimento.
Da recordação bem-sucedida denomina de “lembrança feliz”. O terceiro par é apresentado
mais ao final e retoma e polariza os outros pares.
Discorrido esses conceitos, Ricoeur destaca uma questão importante da fenomenologia
da memória ao falar sobre “retenção” e “reprodução”, utilizando uma metáfora do som que se
renova a cada novo presente, mas que lembrado reproduz o mesmo som, ou o mais
aproximado daquele som. Nessas discussões destaca a relação entre começar- continuar-
cessar. Nessa corrente de pensamento, apropria-se de três modos mnemônicos presentes em,
no que ele se refere como obra-mestra, Remembering de Edward Casey, sendo eles:
Reminding, o que me faz pensar naquilo, reminiscing, em um sentido de fazer reviver o
passado, evocá-lo e recogninzing, o reconhecimento.
Ricoeur ainda evoca a questão da data e as memórias locais, marcadas pela geografia.
Esses detalhes exteriores, segundo ele, marcam determinadas memórias que são evocadas por
eles, bem como evocadas pelas datas. Essa relação ele retomará mais adiante. Essa primeira
parte, apesar de retomar muitos conceitos da filosofia clássica tornando o texto menos fluído é
determinante para compreender o que designa de fenomenologia da memória e suas relações
posteriores com a história e o esquecimento.

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