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0 LEITOR pis de “O que é a literatura”, “Quem fala?”, e “Sobre pergunta “Para quem?” parece inevitivel. Depois da literatura, do autor e do mundo, o elemento literario a ser ‘ado com maior urgéncia € 0 leitor. O critico do roman- ismo M. H., Abrams descrevia a comunicacao literiria partindo «lo modelo elementar de um triangulo, cujo centro de gravidade ocupado pela obra, ¢ cujos trés pices correspondiam 10 mundo, a0 autor € ao leitor. A abordagem objetiva, ou formal, da literatura se interessa pela obra; a abordagem expressiva, pelo artista; a abordagem mimética, pelo mundo; ea abordagem pragmitica, enfim, pelo piiblico, pela audiéncia, pelos leitores. Os estudos literarios dedicam um lugar muito varidvel ao leitor, mas, para que se veja com maior clareza, como acontece com 0 autor € com o mundo, nao € inoportuno novamente dos dois pélos que retnem as posicdes antitéticas: de um lado, as abordagens que ignoram tudo do leitor, € do outro, as que o valorizam, ou até o colocam em primeiro plano na literatura, identificam a literatura sua leitura. Em relacio ao leitor, as teses slo to radicais quanto em relaao a intencao € a referéncia, e, naturalmente, elas nao sao independentes das precedentes. Meu procedimento consistiré ainda uma vez em opé-las, em critici-las e procurar ‘uma saida para essa terceira alternativa em que nos fechamos. ALEITURA FORA DO JOGO Sem remontarmos a muito longe no tempo, a controvérsia sobre a leitura opés, por exemplo, o impressionismo € o posi- tivismo no final do século XIX. A critica cientifica (Brunetiére), depois a hist6rica (Lanson) criara polémica contra o que ela chamava de critica impressionista (Anatole France, sobretudo), —— seus sentimentos sobre a dos la semana, que cul suas reagdes, segundo a t exemplarmente pelos elogios que Mon como cultura do bonnéte homme, opde-se a necessidiade distancia, da objetividade, do método. “Para falar francam confessava, entio, Anatole France, “o ct ‘Senhores, eu vou falar de mim, a respe respeito de Racine.”” Em contraste com essa primeira leitu de amadores ¢ de ledores, a leitura pretensamente culta, ate conforme a expectativa do texto, é uma leitura que se ne} ela propria como leitura. Para Bruneti@re € Lanson, cada um, a sua maneira, trata-se de escapar ao leitor € aos seus capri- chos, nio de anular, mas enquadrar suas impressdes pel disciplina, atingir a objetividade no tratamento da propria obra, “O exercicio da explicacao”, escrevia Lanson, “tem como objetivo e, quando bem praticado, como efeito, criar nos estu- dantes o habito de ler atentamente e interpretar ficlmente os textos literirios”.! Uma outra negagao da leitura, baseada em premissas bem diferentes, mas contemporanea, se encontra em Mallarmé, que afirmava em "Quant au Livre” (Quanto ao Livrok: “Impersoni- ficado, 0 volume, na medida em que se se separa dele como autor, nto pede a abordagem do leitor. Tal, saiba entre os access6rios humanos, ele se realiza sozinho: fato, sendo.”* 0 livro, a obra, cercados por um ritual mistico, existem por si mesmos, desgarrados ao mesmo tempo de seu autor e de seu leitor, em sua pureza de objetos auténomos, necessirios € essenciais. Do mesmo modo que a escritura da obra modern: nao pretende ser expressiva, sua leitura nao reivindica iden- tificacao por parte de ninguém, Apesar da querela sobre a intenco do autor, o historicismo (remetendo a obra a seu contexto original) e o formalismo (pedindo a volta ao texto, em sua imanéncia) concordaram durante muito tempo em banir o leitor, cuja exclusao foi mais, clara e expressamente formulada pelos New Critics americanos do entreguerras. Eles definiam a obra como uma unidade orginica auto-suficiente, da qual convinha praticar uma fechada (close reading), isto 6, uma leitura idealmente obj 140 ia dl 7” deseritiva oxos, ts ambigitidades, as tensdes, nla os Pa fazendo do poema jecepcio quanto em Mallarmé. Segundo seu — “Um poema no deve significar, mas ser” — eles ‘ec¢o do poema em laborat6rio para dele (Os New Critics denunciavam chamavam de “ilusio afetiva’ (affective fallacy), seus olhos equivalente da ilusio intencional (intentional fallacy) da qual era imperioso paralelamente desprende Zio afetiva, escrevia Wimsatt e Beardsley, é uma confusio - 6 poema e seus resultados (0 que ele é¢ o que ele faz).”* Porém, um dos fundadores do New Criticism, 0 fil6sofo I-A. Richards, no ignorava o problema enorme levantado pela itura empirica nos estudos literdrios. Em seus Principles of Literary Criticism (Principios de Critica Literarial (1924), ele comegava distinguindo comentirios técnicos tratando do objeto (erério, comentarios criticos tratando da experiéncia literaria ‘aprovava essa experiencia a partir do modelo criado por thew Amold pela critica vitoriana, fazendo da literatura, ‘enquanto substituto da religito, 0 catecismo moral da nova sociedade democritica. Mas, logo depois, Richards adotou um ponto de vista decididamente anti-subjetivista, reforcado poste riormente pelas experiéncias que tentou com a leitura e que foram relatadas em Practical Criticism (Critica Pratical (1929), ichards pediu a seus alunos de Cambridge ‘a “comentar livremente”, de uma semana para outra, alguns poemas que ele Ihes apresentava, sem citar 0 nome do autor. Na semana seguinte, ele dava suas aulas sobre tais poemas, ou melhor, sobre os comentarios dos estudantes sobre os poemas. Richards Ihes aconselhava a fazer leituras sucessivas dos textos dados (em média raramente menos de quatro, € um maximo de doze) € pedia que anotassem por escrito suas reagdes a ‘cada leitura. Os resultados foram de maneira geral pobres, até desastrosos (alias, nés nos perguntamos sobre o tipo de perversio que levou Richards a continuar sua experiéncia por tanto tempo); esses resultados se caracterizavam por uma determinada quantidade de tracos tipicos: imaturidade, arro- gincia, falta de cultura, incompreensito, clichés, preconceitos, sentimentalismo, psicologia popular etc. O conjunto dessas deficigncias tornava-se um obsticulo ao efeito do poema sobre ua 7 08 leitores, Porém, ao invés de eonelulr por um re radical, u a conviccao de que esses obsticu os pela educagao; esta Ihes daria acesso & possi- ile de uma compreensio plena e perfeita de um poema, ssim dizer, in vitro, A ma compreensio e 0 contra-senso, hards, nao sio acidentes mas, a0 contrario, cons. € provvel das coisas na leitura de um A leitura, em geral, fracassa diante do texto: Richards m dos raros criticos que ousaram fazer esse diagndstico str6fico. A constatagao desse estado de fato no 0 levou, nto, a rentincia. Ao invés de coneluir pela necessidade hermenéutica que pesquisasse o contra-senso e a mi 1, como a de Heidegger e de Gadamer, ele reafirmou de uma leitura tigorosa que corrigitia os eros is. A poesia pode ser desconcertante, dificil, obscura, for, a quem preciso ensinar a ler mais cuidadosamente, a superar suas s individuais ¢ culturais, a “respeitar a liberdade e jomia do poema”.* Em outros termos, na opiniio de ards, essa experiéncia pritica especialmente interessante, ada com a idiossincrasia e com a anarquia da leitura, longe de questionar os principios do New Criticism, 0, reforcava a necessidade teérica da descompromissada do leitor, 10 con- ‘tura fechada, teoria literdria, nascida do estruturalismo e marcada vontade de descrever 0 funcionamento neutro do texto, 0 leitor empirico foi igualmente um inteuso. Ao invés de favo~ recer a emergéncia de uma hermenéutica da leitura, a narea~ plogia e a poética, quando chegaram a atribuir um lugar ao lcitor em suas anilises, contentaram-se com um leitor abstrato ou perfeito: limitaram-se a descrever as imposicdes textuais objetivas que regulam a performance do leitor concreto, descle que, evidentemente, ele se conforme com 0 que o texto espera dele, O leitor é, entao, uma fungio do texto, como o que Riffatterre denominava o arquileitor, leitor omnisciente ao qual nenhum leitor real poderia identificar-se, em virtude de suas aculdades interpretativas limitadas. Em geral, pode-se dizer ua 4 em proveito de uma teoria da leitura, é, da definigao de um leitor competente ou ideal, 0 leitor que pede 0 texto e que se curva a expectativa do texto. a desconfianga em relagao ao leitor é — ou foi du- ante muito tempo — uma atitude amplamente compartilhada nos estudos literirios, caracterizando tanto 0 positivismo quanto 0 formalismo, tanto 0 New Criticism quanto 0 esteutu- ralismo. © leitor empirico, a ma compreensio, as falhas da leitura, como rufdos e brumas, perturbam todas essas abor- dagens, quer digam respeito 20 autor ov ao texto. Daf a ten- Lago, em todos esses métodos, de ignorar o leitor ou, quando reconhecem sua presenga, como € 0 caso de Richards, a ten- tagao de formular sua propria teoria como uma discipl leftura ou uma leitura ideal, visando remediar as falhas dos leitores empiricos. A RESISTENCIA DO LEITOR Lanson, apesar de sua teimosia positivista, ficara abalado com 0s argumentos de Proust a favor dla leitura, que ele resumia nestes termos: “Nao se atingiria nunca o livro, mas sempre um espirito reagindo [ao) livro e misturando-se a cle, 0 nosso, ou © de um outro leitor."* Nao poderia haver acesso imediato, puro, 20 livro. Proust sustentara esse ponto de vista herético em 1907, nas “Jornadas de Leitura” (prefficio 2 sua traducio de Sésame et ies Lys (Sésame € 08 Lirios}, de Ruskin, duas conferéncias sobre a leitura, na tradigio vitoriana da reli do livro), em seguida em O Tempo Redescoberto. Aquilo de que nos lembramos, aquilo que marcou nossas leituras da infancia, dizia Proust, afastando-se do moralismo-ruskiano, no € 0 préprio livro, mas o cenirio no qual nds o lemos, as impressoes que acompanharam nossa leitura. A leitura tem a ver com empatia, projecio, identificacao, Ela maltrata obriga- toriamente 0 livro, adapta-o As preocupacdes do leitor. Como Proust repetiri em O Tempo Redescoberto, o leitor aplica o 3 eT Dt nilo deve se ofender se o travesti der © escritor diz: “meu leitor", Na read mt &, quando Ié, 0 proprio leitor de si mesmo. A nente uma espécie de Oleitor € compreender 0 dependente: seu objetivo é menos vro lo que compreender a si mesmo através ele nao pode compreender um livro se nao se ‘cado por uma propriedade real da obra, determinando quase Sempre uma modificagio quase idéntica dos espi Atribuindo a Proust a imensa variedade de respostas in feratura, Lanson acreditava que, em média, apesar lo, as reagdes dos leitores nao eram tio singulares \sificdveis. Mas as pesquisas contempordneas de Richards com seus estudantes de Cambridge nos fazem duvidar que sondagens possam levar “a um elemento permanente e comum interpretacdo", algo como o sentido em oposi¢ao a signifi- cacao, segundo a terminologia de Hirsch, descrita anterior- mente e, conseqiientemente, que a estatistica seja capaz de iar um objetivismo literdrio, a despeito de Proust. A autoridade de Proust pesou cada vez mais nessa visio privativa da leitura, Nesse caso, escritura e leitura coincide: du: 14 4 sua propria situagho, por exemplo, a seus amores, 10 interior. *O dever ia Proust, “sto 05 de um 1 traduglo, a polaridade escritura e leitura se F-se-i que Se 0 texto 08 c6digos bém a leitura, rl sua propria Através do livro, 20 mesmo tempo parole ¢ lang \S consciéncias que se comunicam. Assim, a critica ctiadora, de Albert Thibaudet a Georges Poulet, definira 0 gesto critico partindo de uma empatia que esposa o movimento da criagio. ‘A hermenéutica fenomenoldgica (jf evocada no Capitulo ID tem também favorecido 0 retorno do leitor 8 cena literéria, jociando todo sentido a uma consciéncia. Em O que Ea Titeratura?, Sartre vulgarizava a versio fenomenoldgica do papel do leitor nestes termos: © ato criador no é sentio um momento incompleto € abstrato da produgio de uma obra; se 0 autor existisse sozinho, ele poderia escrever tanto quanto quisesse, nunca a obra como ‘objeto seria conhecida e seria preciso que ele desistisse de es- crever ou se desesperasse. Mas a operagio de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético € estes dois atos conexos necessitam de dois agentes distintos.” Estamos longe de Mallarmé e da obra considerada como monumento, ou ainda de Valéry que, em seu “Curso de Poé- tica’, afastava 0 “consumidor” tanto quanto 0 “produtor” para interessar-se exclusivamente pela “prépria obra, enquanto coisa sensivel” Na esteira de Proust e da fenomenologia, so numerosas as abordagens teéricas que revalorizaram a leitura — tanto a primeira leitura quanto as posteriores —, como a estética da tecepcio, identificada com a escola de Constance (Wolfgang Iser, Hans Robert Jauss), ou a Reader-Response Theory (teoria do efeito de leitura), segundo sua denominagao americana (Stanley Fish, Umberto Eco). Barthes também aproximou-se pouco a pouco do leitor: em $/Z, 0 cédigo que ele denomina Ms “hermenéutico® ¢ definido come um conjunto de enigmas que itor, como descreve a Tenomenclog , qual seri Fle de restrigao imposta pelo texto? E qual é a parte de le conquistada pelo leitor? Em que medida a leitura € a pelo texto, como pensava Riffatterre? E em que 1.0 leitor pode, ou deve, preencher as lacunas do texto a ler, no texto atual, em filigrana, os outros textos virtuais? quest6es so levantadas a respeito da leitura, mas remetem ao problema crucial do jogo da liberdade posiclo. Que faz do texto o leitor quando le? E 0 que 1e 0 texto Ihe faz? A leitura € ativa ou passiva? Mais ativa sassiva? Ou mais passiva que ativa? Ela se desenvolve ma conversa em que os interlocutores teriam a possi- lade de cortigir 0 tito? O modelo habitual da dialética é fat6rio? © leitor deve ser concebido como um conjunto de reagées individuais ou, a0 contrario, como a atualizagaio de uma competéncia coletiva? A imagem de um leitor em liberdade vigiada, controlado pelo texto, seria a melhor? Antes de analisar 0 retorno do leitor ao centto dos estudos iteririos, falta, entretanto, elucidar 0 termo recepeao, com © qual muitas vezes a pesquisa sobre a leitura se disfarca tualmente. RECEPGAO E INFLUENCIA Na verdade, a hist6ria literéria nao ignorara tudo da tecepgao. Quando se queria ridicularizar 0 lansonismo, acusava-se nao somente © fetichismo das “fontes”, mas também a pesquisa M6 que dava origem 3 escritura de outras na maioria das vezes, s6 eram levados em. 10 quando se tornavam outros autores, através da de “destino de um escritor”, um destino essencial de Fernand Baldensperger, Goethe na Franga (1904). Sobre este tema nio ha limites 4s variagdes. Em muitas edigdes comen- até nos libretos de 6pera e roteiros de filme extraidos dela. Conseqilentemente, mede-se o destino de uma obra pela sua influéncia sobre as obras posteriores, niio pela leitura dos que a amam. Naturalmente, ha também excecdes: 0 grande artigo de Lanson para o centendrio das Meditagdes, de Lamartine, em 1921, é uma preciosa pesquisa sociol6gica € histrica sobre a difusio de uma obra literéria. E Lanson sonhava com uma hist6ria total do livro da leitura na Franga. Entretanto, ‘como veremos no Capitulo VI, sao 0s historiadores da escola dos Anais que se entregaram recentemente a execucao desse programa. Gragas a eles, a leitura passou a ocupar realmente © primeiro plano dos enquanto, instituigdo social. Com o nome de estudos da recepcao, nao se pensou, contudo, nem na tradicional atencao da hist6ria Iiteraria aos problemas de destino ¢ de influéncia, nem ao setor da nova hist6ria social e cultural consagrada A difusio do livro, mas na andlise mais restrita da leitura como reaclo individual ou coletiva ao texto literatio, O LEITOR IMPLICITO. Fiéis & antiga distinglo entre poiesis e aisthésis, ou da “pro~ dugao" e do “consumo”, como dizia Valéry, os estudos recentes da recepgao interessaram-se pela maneira como uma obra jor ao mesmo tempo passivo € ativo, - - il er), por outro lado, aqueles que se hermenéutica da resposta publica ao texto (em Gad mente Hans Robert Jauss). la comum dessas categorias remont jologia como reconhecimento do papel da consciéncia terério” — escrevia Sartre — “é um ho pio que s6 existe em movimento. Para fazé-lo surgic a leitura puder durar."® Enquanto tradicional objeto literario era concebido no espago como um do modelo -amente ivro A superficie € a exposicao do 4 fenomenologia insistiu sobre o tempo de ler. Os LM. processo que poe o texto em relacio com normas terarios, por intermédio dos quais o leitor sentido & sua experiéncia do texto. Encontra-se neste caso a nogio de pré-compreensio como condicao preliminar, indi pensivel a toda compreensio, que é uma outra maneira de dizer, como Proust, que nao hi leitura inocente, ou transpa- rente: o leitor vai para 0 texto com suas préprias normas € llores. Mas Ingarden, como fil6sofo, descrevia o fendmeno da leitura bem abstratamente, sem dizer de maneira ex: latitude que o texto deixa ao leitor para preencher suas lacunas — por exemplo, a auséncia de descricdo de Manon —a partir de suas proprias normas, nem o controle que 0 texto exerce sobre a maneita como € lido, questdes que logo se tor cruciais. Em todo caso, as normas ¢ valores do leitor modificados pela experiéncia da leitura. Quando lemos, nossa expectativa é funcao do que nés jé lemos — nao somente no texto que lemos, mas em outros textos —, € 0s acontecimentos 8 Imprevistos que encontramos no decorrer de nossa I as € a reinter- tempo, para frente e para tris, sendo que um critério, dle coeréncia existe no principio da pesquisa do sentido e das /revisbes continuas pelas quais a leitura garante uma signi cio totalizante 4 nossa experiéncia. Iser, em Le Lecteur Implicite 0 Leitor Implicitol (1972) € em LActe de Lecture[O Ato de Leitura] (1976), retomou esse mo- delo para analisar o processo da leitura: “Efeitos e respostas”, escreve ele, “ndo so propriedades nem clo texto nem do leitor; © texto representa um efeito potencial que € realizado no processo da leitura". Pode-se dizer que o texto € um dispo- sitivo potencial baseado no qual o leitor, por sua interacio, constr6i um objeto coerente, um todo, Segundo Iser, pélo artistico € o texto do autor ¢ o polo estético € a realizagio tfetuada pelo leitor. Considerando esta polatidade, & claro que 4 propria obra nao pode ser idéntica a0 texto nem & sua con- eretizagao, mas deve situar-se em algum lugar entre os dois. Ela deve inevitavelmente set de cariter virtual, pois cla nto pode reduzir-se nem a realidade do texto nem 3 subjetividade do leitor, ¢ € dessa virwalidade que ela deriva seu dinamismo. Como 6 leitor passa por diversos pontos de vista oferecidos pelo texto ¢ relaciona suas diferentes visdes ¢ esque’ pie a obra em movimento, ¢ se poe ele pr6prio igus movimento." O sentido é, pois, um efeito experimentado pelo leitor, € nao um objeto definido, preexistente 2 leitura. Iser analisa esse processo combinando, nao sem ecletismo, 0 modelo fenomenoldgico com outros, como o modelo formalista Como em Ingarden, 0 texto literirio € caracterizado por sua incompletude e a literatura se realiza na leitura. A lite- ratura tem, pois, uma existéncia dupla e heterogénea. existe independentemente da leitura, nos textos e nas bil tecas, em potencial, por assim dizer, mas ela se concretiza somente pela leitura. © objeto literario auténtico € a propria interagao do texto com o leitor. 19 Vw SE 0 sentido deve ser o produto de wma interagao entre os sinais © esquema virtual (uma espécie de ia ou de partitura) feito de lacunas, de buracos de i. Em todo texto os pontos de indeterminagao si jerosos, como falhas, lacunas, que sto reduzidas, sup idas pela leitura. Barthes pensava igualmente que mesmo ara mais rea no entanto, ele tirava disso um argu- contra a mimésis ¢ nao a favor da leitura. Iser di os numerosas, serio na verdade inumeraveis. Iser, a nogdo principal decorrente dessas premissas leitor implicito, calcada na de autor implicito, que introduzida pelo critico americano Wayne Booth em The Rhetoric of Fiction A Ret6rica da Ficgao] (1961). Posicionan- «lo-se na época contra o New Criticism, na querela sobre a ntengdo do autor (evidentemente ligada a reflexio sobre o leitor), Booth defendia a tese segundo a qual um autor nunca se retirava totalmente de sua obra, mas deixava nela sempre lum substituto que a controlava em sua auséncia: 0 autor impli- ito. J4 era uma maneira de recusar o futuro cliché da morte do autor. Sugerindo, entao, que o autor implicito tinha um correspondente no texto, Booth afirmava que 0 autor “cons- di seu leitor, da mesma forma que ele constréi seu segundo eu, € (quel a bem sucedida é aquela para a qual 08 eus construidos, autor € leitor, podem entrar em acordo”."* Haveria, assim, em todo texto, construido pelo autor e comple- mentar ao autor implicito, um lugar reservado para o leitor, © qual ele € livre para ocupar ou nao. Por exemplo, no inicio de 0 Pai Goriot 150 — = ‘de poeta. Ab! saiba hem uma ficclo, nem um romance. All is true, ele € tho verda- deiro que cada um de seus elementos pode ser reconhecido n voc’, em seu coracao talvez i, 0 autor implicito se dirige ao leitor implicito (ou 0 arrador 20 naratir),langa a bases de se pao, define 38 condigées de entrada do leitor real no livro. O I z «ito € uma construgio textual, percebida como wma imposieio pelo leitor real; corresponde ao papel atribuido ao leitor real pelas instrugdes do texto. Segundo Iser, 0 leitor implicito essirias para que a obra sas predisposigdes necessirias para qi ito — predisposigdes fornecidas, ito ca exterior, mas pelo proprio texto. izes do leitor implicito como conceito Conseqentemente, as raizes de ° so implantadas firmemente na estrutura do texto; trata-se d ‘uma construcio e nao é em absoluto identificivel com nenhum leitor real.” eencarna to teria exerga seu el Iser descreve um universo literirio bem controlado, seme- Ihante a um jogo de papéis programado. O texto pede 20 leitor para obedecer as suas instrucdes: 6 conceit de tor impli (1 vn xara text, et urando a presenga de um receplor, sein necessariaente Sotinlos esse eonceito pre-estutira 0 papel a ser asumido poo receptor vo permancee verdadero mesmo quando 0s Kenton parecem Ignorar seu receptor potendal ov exclutlo Como elemento avo. Assim, 0 concetto de ietor implicio deaigns ima rede de estruuras que pedem va tesposta, que fbrigam oleitor a captar o texto © leitor implicit propde um modelo ao leitor real; define tum ponto de vista que permite ao leitor real compor o sentido do texto, Guiado pelo leitor implicito, o papel do leitor real é a0 mesmo tempo ativo € passivo. Assim, o leitor € percebido simultaneamente como estrutura textual (© leitor implicito) € como ato estruturado (a leitura real). 151 —— a Baseado no leitor implieito, © ato da Jeitura consiste em ‘um arquivamento de indic momento, espera-se que ela leve em consideragio todas + informagdes fornecidas pelo texto até entao, Essa tarefa & .s sem escolha, € no poderia haver re: 1m todo texto, existem obstaculos contra os quais a concreti- e choca obrigat6ria e definitivamente. descrever 0 leitor, Iser recorre nao A metifora do lor ou do detetive, mas & do viajante. A leitura, como tiva © modificacdo da expectativa, pelos encontros previstos ao longo do caminho, parece-se com uma viagem avés do texto. O leitor, diz Iser, tem um ponto de vista errante, sobre o texto. O texto todo nunca esta simulta- \wamente presente diante de nossa atencAo: como um viajante m carro, © leitor, a cada instante, s6 percebe um de seus speciog as relaciona tudo o que Vi, grag 3 ava meavirla ¢ estabelece um esquema de coeréncia cuja natureza e confia- Wide dependem de sea gars de steaglo. Mas aunca = visao total do itineririo. Assim, como em Ingarden, a ura caminha a0 mesmo tempo para a frente, recolhendo \ovos indicios, e para tris, reinterpretando todos os indices quivados até entao. Enfim, Iser insiste naquilo que ele chama de repertério, isto © conjunto de normas sociais, hist6ricas, culturais trazi pelo leitor como bagagem necessaria a sua leitura. Mas também. © texto apela para um tepertério, poe em jogo um conjunto dle normas. Para que a leitura se realize, um minimo de inter segio entre o repert6tio do leitor real e o repertstio do texto, to 6, 0 leitor implicito, é indispensavel. As convencdes que onstituem o repert6rio Slo reorganizadas pelo texto, que desfamiliariza ¢ reforma os pressupostos do leitor sobre a rea- idade. Toda essa bela descricao deixa, no entanto, pendente 152 uma pergunta expinhosa: como se encontram, se defrontam fenomenol6gico e hist¢ Estes Se ct do texto? E, se no se curvam, como sgressoes? No hofizonte, surge uma interro- leitura real poderia constituit um objeto te6rico? ‘A OBRA ABERTA Sob a aparéncia do mais tolerante liberalismo, 0 leitor implicito, na verdade, s6 tem como escolha obedecer as ins- trugdes do autor implicito, pois € 0 alter ego ou o sul dele, Eo leitor real se encontra diante de uma alternativa |; ou desempenhar © papel prescrito para ele pelo leitor mplicito ou, entdo, recusar suas instrugdes; conseqiente- mente, fechar o livro. Certamente, a obra é aberta (em todo caso, ela se abre pouco'a pouco 2 leitura), mas somente para que © leitor the obedeca. A histria das teorias da leitura nas titimas décadas foi a de uma liberdade crescente conferida 20 leitor pelo texto. No momento, ele pode somente submeter-se Entretanto, se 0 leitor real ainda no se libertou do leitor implicito, em Iser, ele goza, apesar de tudo, de um grau supe~ rior de liberdade em relacao ao leitor tradicional, simples- mente porque os textos aos quais ele se refere, cada vez m: modernos, si cada vez mais indeterminados. Em conseqdénci disso, cada vez mais 0 leitor tem que dar de si proprio para completar o texto, Estamos diante de um fendmeno jé assina~ lado em relagao 2 literariedade, identificada & desfamiliari- zag, e definida como um universal pelos formalistas russos, baseados na estética futurista particular na qual se encon- travam, Nesse caso, para analisar 0s textos modemos, onde © papel do leitor implicito é menos detalhado do que num romance realista, uma descrico nova, mais aberta, da leitura, teve que ser elaborada, e ela foi logo eleita como modelo universal. Inegavelmente essa teoria € atraente, talvez até demais. ‘oferece uma sintese de pontos de vista diversos sobre a literatura e parece reconciliar a fenomenologia e 0 formalismo 153, 10 € da liberdade). O leitor de Iser é um es generoso, disposto a fazer 0 jogo do texto. No fundo, € ainda um leitor ideal: extremamente parecido com tum critico culto, familiarizado com os clissicos, mas cur em relacio aos modemos. A experiéncia descrita por Iser essencialmente a de um leitor culto, colocado diante dos textos narrativos pertencentes 2 tradigo real ‘mente ao modernismo. Na verdade, € a pritica dos romances do século XX, que, aliés, retomam certas liberdades correntes no século XVIII, é a experiéncia de seus enredos frouxos e de seus personagens sem consisténcia, talvez mesmo sem nome, que permite analisar, retrospectivamente, a leitura (normal dos romances do século XIX e das narrativas em geral. A hipétese implicita é que, diante de um romance moderno, cabe a0 leitor informado fornecer, com a ajuda de sua meméria literaria, algo com que transformar um esquema narrativo incompleto numa obra tradicional, num romance realista ou naturalista virtual, Secundariamente, a norma de leitura pressu- posta por Iser é, assim, 0 romance realista do século XIX, como um paradigma do qual toda leitura proviria. Mas que dizer do leitor que nao recebeu essa iniciagio tradicional a0 romance, para quem a norma seria, por exemplo, 0 novo romance? Ou, entio, 0 romance contemporiineo, as vezes qual ficado de p6s-modemo, fragmentario e desestruturado? Seu comportamento seria ainda regulado por uma busca de coe- réncia baseada no modelo do romance realista? Iser estende, enfim, a noclo de desfamiliarizagao, oriunda do formalismo, as normas sociais e hist6ricas. Enquanto os formalistas visavam sobretudo a poesia, que alterava princi- palmente a tradigdo literdria, Iser, pensando no romance moderno mais do que na poesia, relaciona o valor da expe- rigncia estética com as mudangas que ela acarreta nos pressu- postos do leitor sobre a realidade. Mas, entio — uma outra restricao — essa teoria nao sabe o que fazer das priticas de leitura que ignoram as imposigdes hist6ricas que pesam sobre © sentido, que abordam, por exemplo, a literatura como um. 86 conjunto sincrOnico € monumental, & maneira dos cl 134 Po iticd-la por dissimular seu tradi , por suas referéncias ecuménicas. Ela mo tempo livre € imposto, e essa recone’ com 0 leitor, deixando de lado 0 autor, parece evitar literiria, principalmente 0 iteses exarcebadas. Como em toda busca meio-termo, no entanto, mio se deixou de a m conservadora. A liberdade concedida ao leitor es A verdade restrita a08 pontos de indeterminagao do texto, ‘© 08 lugares plenos que 0 autor determinou. Assim, 0 itor continua, apesar da aparéncia, dono efetivo do jogo: le continua a determinar o que € determinado € 0 que nio 0 €. a estética da recepgio, apresentada como um avango da voria literaria, poderia bem nao ter sido, afinal de contas, is que uma tentativa para salvar o autot, conferindo-Ihe 1 embalagem nova. O critico britanico Frank Kermode io se enganava a esse respeito. Ele afirmava que, com a estética recepcao de Iser, a teoria literdria havia enfim se encon- trado com o senso comum (literary theory bas now caught up th common sense). Todo mundo sabe, lembrava Kermode, ue 08 leitores competentes éem os mesmos textos de modo iferente dos outros leitores, mais a fundo, mais sistematica- nente, ¢ isso basta para provar que um texto nao esta plena- mente determinado. Alias, os professores dao as melhores notas aos estudantes que se afastam m n, no entanto, zer contra-sensos ou car no absurdo — da leitura “normal” de ‘um texto, aquela que fazia parte do repertério até ento. No fundo, a estética da recepcao no diz nada mais do que diria uma observacao empirica, atenta, da leitura, e ela poderia bem no ser senao uma formalizacao do senso comum, o que, afinal de contas, jf no seria tio mal, Para Kermode, isso era. um. clogio, mas ha elogios comprometedores, que nao fazem falta. Os partidarios ce uma maior liberdade do leitor crticaram, pois, a estética da recepgao por voltar sub-repticiamente a0 155 n, que (como negar a ngo tem da tese de Michel Charles para quem a ’o tem maior peso do que a infinidade das obras que sua leitura sugere, O HORIZONTE DE EXPECTATIVA (FANTASMA) A estética da recepcao tem uma primeira vertente, ligac nenologia, interessada no leitor individual, e represen- por Ises, mas também uma segunda vertente, onde a fecai sobretudo na dimensao coletiva da leitura. Seu nddlor € porta-voz mais eminente foi Hans Robert Jauss, pretendia renovar, gracas ao estudo da leitura, a historia literaria tradicional, condenada por sua preocupagio exces- iva, com os autores. Coloco aqui seu fan- tasma, pois esta vertente seri abordada no Capitulo VI, que literatura e da hist6ria, mas ela estuda também de perto 0 valor, a formagao do cinone, ¢ o Capitulo VII poderia comporté-la. Essa ubiqdidade € alias sinal de um problema ©, como se vera, pode-se fazer-lhe a mesma critica que se faz A teoria de Iser: ser conciliadora, equilibrada, demasiado abrangente, tendo como conseqiiéncia, por um desvio, a rele- itimagao de nossos velhos estudos sem modifici-los muito, contrariamente a0 que pretendia. No momento, retenhamos simplesmente que Jauss chama de horizonte de expectativa o que Iser chamava de repertério: © conjunto de convengdes que constituem a competéncia dle uum leitor (ou de uma classe de leitores) num dado momento; © sistema de normas que define uma geracao hist6rica, 156 — © GELNERO COMO MODELO DE LEITURA evidente de generalizagho, entre as obras indivi- a Poética de Arist6teles ‘ou entao, se o género faz parte dessas questoes, é na depen- déncia de uma outra questio elementar. Assim, ha pelo menos ou aqui mesmo, a propésito do leitor como modelo de recepcao, componente do repert6rio ou do horizonte de expectativa, © género, como taxinomia, permite ao profissional classi- ficar as obras, mas sua pertinéncia tedrica nao € essa: € a de funcionar como um esquema de recep¢io, uma competéncia do leitor, confirmada e/ou contestada por todo texto novo num processo dindmico. A constatacao dessa afinidade entre ‘genero € recepcio leva a cortigir a visio convencional que se tem do género, como estrutura cuja realizacao € 0 texto enquanto lingua subjacente ao texto considerado como fala. Na realidade, para as teorias que adotam o ponto de vista do leitor, € 0 proprio texto que € percebido como uma lingua (uma partitura, um programa), em oposicao & sua concreti- zagio na leitura, considerada como uma fala. Mesmo quando um tedrico dos géneros, por exemplo, Brunetiére, que foi vivamente criticado por isso, apresenta a relagao do genero com a obra, a partir do modelo dual, espécie e individuo, suas anilises mostram que ele adota na realidade um ponto . 17 = _ dle vinta da recepeno, neste eiK9, hisidrico, Pensou-se que ete cred do genero, ex 10 entre a obra e 0 ulor —, como o horizonte de expe nie, o genero € o horizonte do desequi Por toda nto por Por seu contexto, uma obra literai que a precederam ¢ aquelas que a sticederam’, det Bruni "u verbete “Critica”, de A Grande Enci- omunidades interpretativas, como 0 repert6rio de Iser o horizonte de expectativa de Jauss, sio conjuntos dle normas de interpretagao, literarias € extra-literdrias, que um grupo Iha: convengdes, um cédigo, uma ideologia, como -m. Mas, diferentemente do repert6rio e do horizonte dle expectativa, a comunidade interpretativa nao deixa mais a ma autonomia ao leitor, ou mais exatamente 2 leitura, nem ao texto que resulta da leitura: com o jogo da norma e lo desvio, toda subjetividade € doravante abolida. Nas comunidades interpretativas, 0 formalismo é, poi ;nulado, da mesma forma que a teoria da recepgo como projeto Iternativo: nao existe mais dilema entre partidarios do texto € defensores do leitor, j que essas duas nogdes nto sto perce- las como concorrentes ¢ slo relativamente independentes.* A distincAo entre sujeito € objeto, tiltimo reftigio do idealismo, nao € mais considerada pertinente, ou foi afastada, ja que texto € leitor se dissolvem em sistemas discursivos, que no refletem a realidade, mas sao responsaveis pela realidade, ee te mal introdugio do ios, seria suficiente anular a literatura. por que nio adotar essa solugio definitiva? DEPOIS DO LEITOR como um empecilho, em nome pelo seu retorno a cena texto (ou entre, ou contra 0 autor € 0 texto), destruiu a poss bilidade de confrontagao, sua alternativa tornou-se este! zante. Mas a valorizagio do leitor levantou uma questo inso- iteratos: a d liberdade vigiada, de sua autoridade relativa diante dos rivais € a supremacia do autor, a importincia conferida & leitui abalou o fechamento € que a contestagio dla rencial”, a insisténcia na leitura, que com o progresso do form: endia a substituir-se & sao afetiva”, teve uma virtude critica inegivel nos estudos litetdrios. Numerosos trabalhos, inspirados na fenomenologi ou na estética da recepcio, que levaram em consideragio a leitura © outros elementos literirios, comprovam esse fato. Mas, uma vez ocupado esse lugar, foi como se os adeptos do leitor quisessem, por sua vez, excluir todos os seus concor- rentes. © autor € 0 texto —e, finalmente, o proprio leitor — revelaram-se impossiveis de serem excluidos das exigén dos te6ricos da recepcao. Uma maneira infalivel de calar as objegdes era desqualifica-los teoricamente. A distingao entre © autor, 0 texto € 0 leitor tornou-se friavel em Eco ou em 163 Barthes, até que Fish, magistralmente, deseartousse dos (res de uma s6 vei parece muitas vezes uma fuga para frente, para evitar as culdades, que — Fish lembrava — nao devem sua existén: sendo i “comunidade interpretativa” que as faz surgit. Por isso a teoria leva as vezes a pensar na gnose, numa cient suprema, desprovida de todo objeto empirico. Uma vez mais, entre as duas teses extremas que tém a seu favor uma certa consisténcia te6rica, mas que sio claramente exacerbadas e insustentaveis — a autoridade do autor e do texto permite instituir um discurso objetivo (positivista ou Formal) sobre a literatura, e a autoridade do leitor, instituir um. discurso subjetivo —, todas as posigoes medianas parecem frageis € dificeis de serem defendidas. £ sempre mais ficil ‘argumentar a favor de doutrinas desmedidlas e, afinal de contas, do deixamos «le nos confrontar com a alternativa de Lanson e de Proust. Mas, na pritica, vivemos (e lemos) no espago existente entre 0s dois. A experiéncia da leitura, como toda experiéncia humana, € fatalmente uma experiéncia dual, ambigua, dividida: entre compreender ¢ amar, entre a filologia a alegoria, entre a liberdade e a imposigao, entre a atencio 40 outro € a preocupagio consigo mesmo. A situagio mediana repugna aos verdadeiros tedricos da literatura. Mas, como dizia Montaigne, na “Apologia de Raymond Sebond”: “E uma grande temeridade perder-vos v6s mesmos para perder um outro.” 164

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