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1.2.

Da vida contemplativa

Partindo do princípio que o fim da natureza humana é a felicidade, como


afirma Aristóteles, faz-se imperioso esclarecer em que ela consiste.
Não pode ser uma disposição, pois a felicidade é uma atividade. Do
contrário, mesmo alguém que passasse a vida inteira dormindo, em tese,
poderia alcança-la.
Por sua vez, as atividades podem ser desejáveis e ter um fim em si
mesmas ou podem ser um meio para outro fim. A felicidade tem fim em si
mesma, portanto, é autossuficiente229.
A felicidade não se confunde com a recreação, pois seria tolo e infantil
conceber que a suma felicidade se resumisse à diversão230.
A felicidade é atividade em concordância com a mais alta virtude. O que
há de melhor em nós231.
Segundo Aristóteles, a melhor atividade que existe é a atividade
contemplativa, e também a mais contínua de todas as atividades 231, além de
ser autossuficiente, vez que o pode-se contemplar a verdade sozinho, sem a
necessidade de agir segundo as virtudes em função de alguma coisa ou de
alguém.
Sendo a atividade contemplativa, atividade da razão, que possui fim em
si mesma e autossuficiente, ela é, pois, a felicidade completa do homem, a
suma felicidade232.
Aristóteles reconhece que a vida contemplativa não é plenamente
acessível ao homem porque a condição humana não permite o pleno exercício
de algo que ele chama de divino. No entanto, ele insiste que o homem deve
esforçar-se ao máximo para buscar tal objetivo, como podemos constatar no
trecho a seguir:

“Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem,


a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana.
Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com
coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto
que somos mortais; mas, na medida em que isso for possível,
procuremos tornar-nos imortais e envidar todos os esforços para viver
de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja
pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e
pelo valor.” (ARISTÓTELES, P. 233).

A vida contemplativa é a mais feliz, na medida em que se tem acesso à


felicidade perfeita, no entanto a vida de acordo com outras virtudes, em grau
secundário, também é feliz233.
A felicidade genuína está na vida contemplativa, porém, o homem feliz
também necessita de prosperidade exterior235.
Aristóteles conclui que o filósofo é o homem mais feliz, porque ele
possui todos os atributos necessários. Afirma o autor:
“Ora, quem exerce e cultiva a sua razão parece desfrutar ao
mesmo tempo melhor disposição de espírito e ser extremamente caro
aos deuses. Porque, se os deuses se interessam pelos assuntos
humanos como nós pensamos, tanto seria natural que se deleitassem
naquilo que é melhor e mais afinidade tem com eles (isto é, a razão),
como que recompensassem os que a amam e honram acima de todas
as coisas, zelando por aquilo que lhes é caro e conduzindo-se com
justiça e nobreza.” (ARISTÓTELES, P. 236).

Entretanto, também é necessário possuir as virtudes morais, pois elas


nos tornam homens bons237.
Os argumentos, por si só, não bastam para tornar todos os homens
bons. O homem comum não age virtuosamente por sentimento de pudor, mas
sim por medo do castigo237. Por isso é importante à criação de leis apropriadas
que versem sobre a maneira de criar os jovens e sobre suas ocupações, para
desenvolverem as virtudes morais através do hábito e tornarem-se homens
bons238. A lei, além de possuir poder coercitivo, é resultado de uma espécie de
sabedoria e razão prática, por isso deve ser usada para adestrar e acostumar o
homem que se busca tornar bom, a abster-se de praticar ações más, tanto as
voluntárias, quanto as involuntárias e viver de acordo com a reta razão e
ordem239.
Como já foi colocado, a vida contemplativa é a mais perfeita e a mais
feliz, porém, sabendo das dificuldades em alcança-la, propõe-se que o homem
justo, que age pautado no meio-termo entre dois extremos, de acordo com as
virtudes morais, também pode alcançar a felicidade, ainda que não a suma
felicidade pertencente ao filósofo, mas a felicidade na vida ativa, agindo não
somente em seu próprio benefício, mas em prol do bem geral, pautado na reta
razão.

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