Partindo do princípio que o fim da natureza humana é a felicidade, como
afirma Aristóteles, faz-se imperioso esclarecer em que ela consiste. Não pode ser uma disposição, pois a felicidade é uma atividade. Do contrário, mesmo alguém que passasse a vida inteira dormindo, em tese, poderia alcança-la. Por sua vez, as atividades podem ser desejáveis e ter um fim em si mesmas ou podem ser um meio para outro fim. A felicidade tem fim em si mesma, portanto, é autossuficiente229. A felicidade não se confunde com a recreação, pois seria tolo e infantil conceber que a suma felicidade se resumisse à diversão230. A felicidade é atividade em concordância com a mais alta virtude. O que há de melhor em nós231. Segundo Aristóteles, a melhor atividade que existe é a atividade contemplativa, e também a mais contínua de todas as atividades 231, além de ser autossuficiente, vez que o pode-se contemplar a verdade sozinho, sem a necessidade de agir segundo as virtudes em função de alguma coisa ou de alguém. Sendo a atividade contemplativa, atividade da razão, que possui fim em si mesma e autossuficiente, ela é, pois, a felicidade completa do homem, a suma felicidade232. Aristóteles reconhece que a vida contemplativa não é plenamente acessível ao homem porque a condição humana não permite o pleno exercício de algo que ele chama de divino. No entanto, ele insiste que o homem deve esforçar-se ao máximo para buscar tal objetivo, como podemos constatar no trecho a seguir:
“Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem,
a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana. Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida em que isso for possível, procuremos tornar-nos imortais e envidar todos os esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor.” (ARISTÓTELES, P. 233).
A vida contemplativa é a mais feliz, na medida em que se tem acesso à
felicidade perfeita, no entanto a vida de acordo com outras virtudes, em grau secundário, também é feliz233. A felicidade genuína está na vida contemplativa, porém, o homem feliz também necessita de prosperidade exterior235. Aristóteles conclui que o filósofo é o homem mais feliz, porque ele possui todos os atributos necessários. Afirma o autor: “Ora, quem exerce e cultiva a sua razão parece desfrutar ao mesmo tempo melhor disposição de espírito e ser extremamente caro aos deuses. Porque, se os deuses se interessam pelos assuntos humanos como nós pensamos, tanto seria natural que se deleitassem naquilo que é melhor e mais afinidade tem com eles (isto é, a razão), como que recompensassem os que a amam e honram acima de todas as coisas, zelando por aquilo que lhes é caro e conduzindo-se com justiça e nobreza.” (ARISTÓTELES, P. 236).
Entretanto, também é necessário possuir as virtudes morais, pois elas
nos tornam homens bons237. Os argumentos, por si só, não bastam para tornar todos os homens bons. O homem comum não age virtuosamente por sentimento de pudor, mas sim por medo do castigo237. Por isso é importante à criação de leis apropriadas que versem sobre a maneira de criar os jovens e sobre suas ocupações, para desenvolverem as virtudes morais através do hábito e tornarem-se homens bons238. A lei, além de possuir poder coercitivo, é resultado de uma espécie de sabedoria e razão prática, por isso deve ser usada para adestrar e acostumar o homem que se busca tornar bom, a abster-se de praticar ações más, tanto as voluntárias, quanto as involuntárias e viver de acordo com a reta razão e ordem239. Como já foi colocado, a vida contemplativa é a mais perfeita e a mais feliz, porém, sabendo das dificuldades em alcança-la, propõe-se que o homem justo, que age pautado no meio-termo entre dois extremos, de acordo com as virtudes morais, também pode alcançar a felicidade, ainda que não a suma felicidade pertencente ao filósofo, mas a felicidade na vida ativa, agindo não somente em seu próprio benefício, mas em prol do bem geral, pautado na reta razão.
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